CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E NO DIREITO COMPARADO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO STRICTO SENSU MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E NO DIREITO COMPARADO

PROFESSOR DOUTOR CEZAR SALDANHA SOUZA JUNIOR

MESTRANDO: PEDRO LUIZ POZZA

Porto Alegre, agosto de 2005.

SUMÁRIO

1. Introdução

2. Controle de constitucionalidade no Direito comparado 2.1. Controle judicial e controle político, controle de constitucionalidade e controle de legalidade 2.2.

Alguns

precedentes

históricos

do

controle

judicial

de

constitucionalidade das leis 2.3. Controle jurisdicional de constitucionalidade das leis sob o aspecto subjetivo 2.4. Controle jurisdicional de constitucionalidade das leis sob o aspecto modal 2.5. Controle jurisdicional de constitucionalidade das leis sob o aspecto dos efeitos dos pronunciamentos

3. Controle de Constitucionalidade no Brasil 3.1. Histórico do controle de constitucionalidade 3.2. Controle de constitucionalidade preventivo 3.3. Controle de constitucionalidade repressivo 3.3.1. Controle difuso ou concreto 3.3.2. Controle concentrado ou abstrato

4. Conclusões

5. Referências Bibliográficas

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1. Introdução

O controle de constitucionalidade é dos institutos mais modernos do direito, como, aliás, moderno é o próprio direito constitucional como ramo do direito.

Tem como pano de fundo a necessidade de preservar a força normativa da Constituição, aliada aos postulados positivistas da unidade e da coerência da ordem jurídica, tendo como pressuposto a hierarquia das fontes de direito, do que decorre a conclusão lógica de que as leis inconstitucionais são nulas de pleno direito, caracterizandose a inconstitucionalidade, assim, como manifestação de antinomia de uma antinomia no interior do sistema jurídico e, para extirpá-la, foi preciso um controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, para assegurar que a Constituição, como lex superior, sirva como parâmetro para aferição da adequação, ou não, de determinado ato normativo a determinado sistema jurídico. 1

Surgido nos Estados Unidos, no célebre caso Malbury versus Madison, por obra do juiz Marshall, ocasião em que a Suprema Corte americana entendeu possível ao juiz deixar de aplicar a lei inconstitucional, o controle de constitucionalidade foi introduzido no Brasil pela mão de Rui Barbosa, admirador do modelo americano e, à semelhança do paradigma, admitiu que qualquer juiz, ao qual era vedado, no Brasil Império, apreciar a adequação da lei à Constituição, tarefa exclusiva do legislador, pudesse verificar eventual antinomia entre a lei e a nova ordem constitucional.

Na Europa continental, em que vige o sistema jurídico romano-germânico, o controle de constitucionalidade aportou pelas mãos de Hans Kelsen, cujas idéias frutificaram com a implantação do instituto na Áustria.

- Pachú, Cláudia Oliveira, Aspectos Gerais dos Efeitos da Declaração de (In) Constitucionalidade das Leis no Controle Abstrato de Normas, Revista da Esmape, Recife, vol. 9, nº 19, janeiro/junho de 2004, pág. 74. 1

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Mais tarde, especialmente após a segunda guerra mundial, quase todos os paises europeus adotaram o controle de constitucionalidade, com a criação dos respectivos Tribunais Constitucionais, dando ênfase ao controle concentrado, em que se veda aos juízes e Tribunais ordinários competência para dizer da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.

No Brasil, o controle que de início era exclusivamente difuso, decorrente, assim, apenas do exame do caso concreto posto á apreciação do Poder Judiciário, foi aos poucos sendo ampliado, e hoje predomina cada vez mais o controle concentrado, efetuado diretamente pelo Supremo Tribunal Federal, que faz as vezes de Corte Constitucional.

Vejamos, pois, alguns aspectos desse importante instituto, no Brasil e em alguns países do mundo.

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2. Controle de Constitucionalidade no Direito Comparado. 2

2.1. Controle judicial e controle político, controle de constitucionalidade e controle de legalidade

Em certos países, o controle da constitucionalidade é função de órgãos políticos, não judiciários.

Assim, por exemplo, o Supremo Poder Conservador, criado no México pela segunda das Siete Leyes Constitucionales de 29 de diciembre de 1836, tendo como base o Sénat Conservateur da Constituição Francesa de 22 frimário do ano VIII (1799). Todavia, é na Franca em que o controle político – não-judicial – de constitucionalidade das leis apresenta maior importância, porque não há previsão para que seja feito o controle judicial (pelos juízes), por razões ideológicas e históricas, mormente pelo fato de que os franceses levam à risca o princípio da separação dos poderes, além de não admitir interferência do Poder Judiciário no Legislativo.

A tarefa é desempenhada pelo Conseil Constitutionnel, composto pelos exPresidentes da República e outros nove membros, três nomeados pelo Presidente da Republica, três pelo Presidente da Assembléia Nacional e três pelo Presidente do Senado.

Antes da promulgação de um texto legislativo ou tratado internacional aprovado pelo legislativo, podem o Presidente da República, o Primeiro Ministro ou o Presidente de qualquer casa legislativa federal (Assembléia Nacional ou Senado) remetê-lo para o Conselho Constitucional, para que esse se pronuncie sobre a constitucionalidade;

- este primeiro capítulo tem como referencial a obra de MAURO CAPPELLETTI, “O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1984, tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. 2

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providência essa, aliás, obrigatória para leis ditas orgânicas (que, grosso modo, tratam dos partidos políticos).

O Conselho tem prazo de um mês ou oito dias, dependendo do caso, para emitir, por maioria de votos, seu parecer que, concluindo pela inconstitucionalidade, será vinculativo, e a lei ou tratado não será promulgado, a não ser que, antes, seja alterada a Constituição Francesa.

Nos países da extinta URSS e em outros países do bloco socialista, emanando o poder dos órgãos legislativos do próprio povo, não se admitia qualquer controle sobre a constitucionalidade de leis realizado por órgãos não-legislativos.

A Constituição da URSS, de 1936, previa que o controle de constitucionalidade das leis e de atos normativos, assim como a observância da Constituição da União pelas suas Repúblicas era tarefa dos órgãos supremos do poder estatal e dos órgãos da administração estatal, que compreendiam o Soviet Supremo (parlamento dos países ocidentais), seu Presidium (órgão de 33 membros eleitos pelo próprio Soviet que lhe faz as vezes nos intervalos de suas seções), o Conselho de Ministros e os próprios Ministros.

Na verdade, como a legislação soviética era proveniente desses próprios órgãos (leis – Soviet -, decretos – Presidium - e ordenanças - Conselho de Ministros), temse que os mesmos órgãos que produzem o ordenamento jurídico são responsáveis por controlar sua constitucionalidade.

Na França também existiu outro instituto de controle de constitucionalidade não-jurisdicional. Trata-se da Cassação, instituída pela Revolução Francesa em 01.12.1790, como um órgão adjunto do Poder Legislativo, cuja função era evitar que os órgãos judiciários invadissem a esfera daquele, subtraindo-se à estreita e textual observância das

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leis (a ideologia da época, aliás, dizia que o juiz era la bouche de la loi). Tal Tribunal, todavia, também não podia invadir a competência do Poder Judiciário.

Por isso, se ele entendesse descumprida a lei por determinada decisão judicial, cumpria-lhe apenas cassá-la, determinando que outra fosse proferida pelo assim chamado guidice di rinvio que, tendo ampla liberdade, poderia inclusive julgar a causa da mesma forma que o julgamento cassado.

Entretanto, se essa segunda decisão fosse cassada pela Corte de Cassação, e o segundo giudice di rinvio persistisse nos entendimentos anteriores, fazia-se obrigatório o chamado référé obligatoire ao poder legislativo, que por sua vez expedia um decreto de interpretação da lei, esse sim vinculando o terceiro giudice di rinvio.

Atenuado o rigor das ideologias revolucionárias, no início do século XIX, também se modificou radicalmente o Tribunal de Cassação francês, que, aliás, passou a chamar-se Corte de Cassação, e assim ele penetrou na Itália e outros países como Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Grécia e Espanha. Admitindo o Código de Napoleão que o juiz poderia interpretar as leis, a Corte passou a ser o órgão supremo do Judiciário para o controle dos erros de direito daquele, ou seja, da legalidade das decisões judiciais.

Em 1837, aboliu-se o référé obligatoire e dispôs-se que, divergindo a Corte da decisão do primeiro giudice di rinvio, tal decisão passou a ter efeito não apenas negativo, mas positivo, vinculando, assim, o segundo giudice di rinvio.

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2.2.

Alguns

precedentes

históricos

do

controle

judicial

de

constitucionalidade das leis

Em que pese não se assemelhassem ao sistema de controle baseado na supremacia da Constituição, inaugurado pelos norte-americanos, a história tem alguns exemplos de prevalência de uma determinada lei ou de um corpo de leis. No Direito ateniense, distinguiam-se duas espécies de normas – o nómos, lei em sentido estrito, e o pséfisma, que seria o moderno decreto. O primeiro poder-se-ia aproximar das modernas leis constitucionais, seja por dizer respeito à organização do Estado, mas especialmente porque só podia ser modificado por um procedimento especial. Este último não poderia, jamais, ser contrário ao primeiro; se o fosse, não poderia ser aplicado pelo juiz.

Já na época do ancien régime, na França, os Parlements (verdadeiras Cortes superiores de Justiça) foram aos poucos formulando uma doutrina no sentido da existência de uma feliz impotência do Soberano de promulgar leis que hoje chamamos de inconstitucionais, que fossem contrárias às leis fundamentais do Reino.

Todavia, o antecedente imediato do sistema norte-americano do judicial review, que pressupõe a supremacia do judiciário, é, exatamente, o oposto sistema inglês da absoluta supremacia do parlamento.

No século XVII, Coke sustentava, em vista da tradição jurídica inglesa, de quatro séculos, que ao Soberano não era dado criar a lei, mas somente afirmá-la ou declarála, que a common law prevalecia sobre a statutory law, que podia apenas completá-la, jamais violá-la, o que fazia o direito quase sempre imune às intervenções do legislador. Assim, somente os juízes é que podiam dizer o direito, atuando inclusive contra o absolutismo do Rei e o do Parlamento.

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Todavia, essa doutrina, que vigeu na Inglaterra por decênios, foi abandonada pela Revolução Gloriosa de 1688, que firmou entendimento contrário, ou seja, a soberania do Parlamento.

No entanto, aquela doutrina rendeu frutos na América, onde as colônias inglesas, constituídas inicialmente sob a forma de companhias comerciais, eram regidas por Cartas ou Estatutos da Coroa Britânica, às quais era permitido fazer suas leis, desde que razoáveis e, sobretudo, não contrariassem as do Reino inglês. E, se isso ocorresse, os juízes não poderiam aplicar aquelas.

Assim, cabendo aos juízes das colônias inglesas afastarem as leis contrárias às do Reino, formou-se tradição justamente oposta àquela imposta pela Revolução Gloriosa, pela qual instituída a supremacia do parlamento.

Proclamada a independência, em 1776, as Cartas foram substituídas por Constituições. Como anteriormente se havia negado aplicação às leis contrárias às da Coroa e às Cartas das colônias, continuaram os juízes (caso Holmes contra Walton, julgado em 1780 pela Suprema Corte de New Jersey e o caso Commonwealth contra Caton, decidido em 1782 pela Corte da Virginia) a fazer o mesmo, ou seja, negando aplicação às leis que, agora, fossem contrárias às Constituições dos Estados independentes.

2.3. Controle jurisdicional de constitucionalidade das leis sob o aspecto subjetivo

Distinguem-se, sob o aspecto subjetivo do controle de constitucionalidade, dois sistemas: o difuso, onde o poder de controle pertence a todos os órgãos judiciários de um dado ordenamento jurídico, que o exercem incidentalmente, quando do julgamento das

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causas de sua competência, e que tem origem no sistema norte-americano; e o concentrado, em que tal poder concentra-se em um único órgão judiciário, que surgiu pela primeira vez na Áustria, por sua Constituição de 1920, por obra de Hans Kelsen.

O sistema norte-americano é praticado também nas demais ex-colônias inglesas (Austrália, Canadá e Índia), tendo sido importado ainda pelo Japão com a Constituição de 1947. Na Suíça, a par do recurso direto ao Tribunal Federal (controle concentrado), impõe-se aos juízes a apreciação da constitucionalidade das leis dos cantões que confrontem com as federais. Os Tribunais da Noruega e Dinamarca também vem exercendo esse controle, em que pese com muita prudência e raramente e, mais recentemente, a Suécia.

A Alemanha e a Itália tiveram o controle difuso, em épocas diversas. Naquela, durante a Constituição de Weimar; nesta, entre 1948 e 1956, ou seja, entre a vigência da Constituição rígida do pós-guerra e a entrada em funcionamento da Corte Constitucional.

Já o controle concentrado foi adotado pelas Constituições da Itália (desde 1956), Alemanha (23.05.1949), Chipre (16.08.1960), Turquia (09.07.1961) e pela Iugoslávia, quando ainda comunista (07.04.1963), em que além, de uma Corte Federal Constitucional, criaram-se Cortes Constitucionais das seis repúblicas federadas. Também a Tchecoslováquia implantou o sistema concentrado de controle de constitucionalidade (lei constitucional 143, de 27.10.68), em que pese não tenha sido posto em prática (ao menos até 1978).

A justificativa singela do controle difuso reside no fato de que se a cada juiz é dado interpretar a lei, nada mais lógico do que ele possa, ao fazer tal interpretação, no caso concreto, aplicar a lei prevalente. E, na hipótese de a lei prevalente ser a Constituição, por certo que deve ser aplicada essa.

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Boas razões, entretanto, existem para a adoção do sistema concentrado, pois esse, impedindo que cada juiz decida sobre a constitucionalidade da lei, veda que um mesmo diploma seja aplicado em alguns casos e em outros não. Ou, então, que o mesmo órgão judiciário decida em julgamento posterior de forma diversa de decisão anterior. Haveria, assim, conflitos entre decisões versando sobre a mesma lei, especialmente entre órgãos de hierarquia diversa, pois juízes inferiores, mais jovens, poderiam afirmar a inconstitucionalidade de uma lei com o que não concordariam os juízos superiores, formados por juízes mais velhos e, normalmente, mais conservadores. Isso ocorreu na Itália, antes da instalação da Corte Constitucional, e vem ocorrendo no Japão.

Além disso, no controle difuso, uma vez reconhecida a inconstitucionalidade de uma lei por um juiz, tal só se aplica ao caso concreto, o que implica a necessidade do ajuizamento de outra demanda por quem pretenda o mesmo efeito. Problema esse inexistente nos Estados Unidos, em que, pela aplicação dos stare decisis, a decisão de uma Corte sobre a constitucionalidade de uma lei vincula os tribunais a ela inferiores.

Foi a necessidade de encontrar uma solução que evitasse esse caos que levou os países europeus, que não contavam com um mecanismo como o stare decisis, a criar suas Cortes Constitucionais, vez que, assim, as decisões por elas proferidas teriam eficácia erga omnes.

Além disso, como não se havia revelado boa a experiência de atribuir essa função a juízes das Cortes já existentes, formados por magistrados de carreira, como ocorreu na Itália entre 1948 e 1956 e na Alemanha da época da Constituição de Weimar, de tal papel deveriam ser incumbidos juízes que, à semelhança dos magistrados da Suprema Corte americana e de suas Cortes federais, são indicados pelo Poder Executivo com a aprovação do Legislativo, vez que o controle da constitucionalidade das leis tem nítido caráter político, não apenas jurídico.

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2.4.

Controle jurisdicional de constitucionalidade das leis sob o aspecto modal

No aspecto modal ou formal, os dois sistemas de controle de constitucionalidade também diferem. No norte-americano, o controle é difuso, pela via incidental, ao passo que no modelo austríaco, o controle é concentrado, pela via direta.

Assim, nos Estados Unidos e nos demais países que adotaram o seu modelo – Canadá, Japão, Noruega, Dinamarca e Suécia – as questões versando sobre a constitucionalidade das leis não podem ser levadas aos órgãos judiciários pela via direta, em processo autônomo, mas somente em caráter incidental, dentro da discussão de um dado caso concreto levado à apreciação do Poder Judiciário.

Competente, pois, para a solução da questão, é o próprio juiz que julgar o caso concreto, que tem atribuição, também, para afastar a aplicação da lei, se entendê-la inconstitucional. Quando muito, admite-se a intervenção de certas autoridades federais ou estaduais na controvérsia constitucional, chamados amicus curiae brief, que a despeito de não serem partes interessadas na solução do caso concreto, podem formular razões com a finalidade de auxiliar o juiz na sua tarefa.

Contrariamente, no sistema surgido na Áustria, pelo menos em sua idéia original, o controle de constitucionalidade só pode ocorrer pela via direta, por uma Corte Constitucional, totalmente desvinculado dos casos concretos. Por isso, ele é também chamado de abstrato. Exige-se, assim, uma ação direta, especial, para a qual, normalmente, só são legitimados determinados órgãos políticos do Estado, não qualquer particular.

Originalmente, na Áustria, os juízes não só não podiam apreciar a constitucionalidade de uma lei, mas também não podiam pedir ao Tribunal Constitucional que o fizesse. Posteriormente, em 1929, passou-se a admitir apenas que as suas duas Cortes

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Supremas suscitassem a questão de constitucionalidade perante a Corte Constitucional, não na via direta, mas apenas na via incidental, à vista de casos concretos. Tal sistema, a despeito de ter ampliado a legitimidade dos órgãos que podem suscitar a manifestação da Corte Constitucional sobre a constitucionalidade da lei, ainda assim impõe que os juízes e tribunais inferiores apliquem uma lei, mesmo que inconstitucional.

Tal defeito inexiste nos sistemas alemão e italiano, pois ambos permitem que qualquer juiz ou tribunal suscite perante a Corte Constitucional a questão sobre a constitucionalidade da lei, caso em que o julgamento do caso concreto fica suspenso até a decisão definitiva daquela Corte.

Entretanto, nos dois países também existe o chamado controle direto ou principal de constitucionalidade das leis. Assim, na Alemanha, são legitimados para tanto uma série de órgãos e pessoas, particularmente o Governo Federal, os Governos dos Lander, e um terço dos membros do Parlamento. As pessoas só poderão fazê-lo na hipótese de uma lesão imediata e atual a um seu direito fundamental.

Já na Itália, tal legitimidade pertence aos governos das regiões, em se tratando de leis nacionais ou regionais que uma Região repute invadir sua competência reservada pela Constituição; e ao governo federal, quando se tratar de inconstitucionalidade de leis regionais.

A vantagem do sistema híbrido, ao contrário do norte-americano, em que o controle é exclusivamente incidental, reside no fato de que, sendo possível o controle abstrato, direto, pode-se extirpar do ordenamento jurídico uma lei que, pela sua natureza, jamais dê causa a um conflito concreto em juízo, o que, entretanto, é impossível no sistema incidental, que carece sempre de uma lide para que se possa reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei.

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2.5.

Controle jurisdicional de constitucionalidade das leis sob o aspecto dos efeitos dos pronunciamentos

Acerca dos efeitos das decisões sobre inconstitucionalidade, distinguem-se novamente os sistemas.

No

norte-americano,

a

inconstitucionalidade

impõe

considerar-se

absolutamente a norma legal, e portanto ineficaz. Assim, o juiz não anula mas simplesmente declara a nulidade, com efeitos ex tunc. Além disso, a decisão tem efeitos restritos ao caso concreto, ainda que, por força do stare decisis, proclamada a inconstitucionalidade por uma Corte, sua decisão tem efeito vinculativo aos tribunais e juízes a ela vinculados; e, se a decisão for da Suprema Corte, a vinculação é total.

No sistema austríaco, entretanto, a Corte Constitucional não declara uma nulidade; anula a lei que, até esse pronunciamento, com efeitos ex nunc, é tida como válida e eficaz. Não há, assim, efeito retroativo. Além disso, a Corte pode postergar os efeitos da anulação por até um ano (seis meses na Turquia). Na Iugoslávia comunista, solução similar dispunha que o parlamento que aprovou a lei inconstitucional tinha seis meses para adaptála à Constituição respectiva, pena de a lei deixar de vigorar. Os efeitos, entretanto, serão erga omnes, pelo que a lei inconstitucional deixa de valer para todos; na Áustria, voltam a viger, inclusive, as disposições que pré-existiam à lei inconstitucional.

Alemanha e Itália adotam um sistema misto, pois a declaração de inconstitucionalidade, a despeito do efeito erga omnes do sistema austríaco, tem efeito retroativo, ou seja, ex tunc. A inconstitucionalidade, assim, é causa de nulidade absoluta da lei.

Na Áustria, a alteração constitucional de 1929, que passou a admitir a legitimação das Cortes Superiores para suscitar perante a Corte Constitucional a questão

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sobre a constitucionalidade de lei, relativamente a um caso concreto, permitiu, excepcionalmente, que o pronunciamento de inconstitucionalidade tenha efeito retroativo limitadamente ao caso concreto.

De qualquer sorte, as graves repercussões sobre a paz social, com a exigência de um mínimo de certeza e estabilidade em relações e situações jurídicas consolidadas impuseram que, tanto na Áustria como nos Estados Unidos, além da Itália e Alemanha, a evolução jurisprudencial passasse a admitir a atenuação da doutrina da retroatividade do pronunciamento sobre a inconstitucionalidade de uma lei, que por muito tempo surtiu efeitos entre particulares ou entre esses e o poder público, gerando direitos e obrigações, e que não poderiam ser destruídos por uma decisão proferida anos depois.

3.Controle de Constitucionalidade no Brasil

3.1. Histórico do controle de constitucionalidade

No Brasil - Império, o controle de constitucionalidade não era delegado ao Poder Judiciário, mas ao Poder Legislativo, a quem incumbia, conforme o art. 15, nº 9, da Carta Imperial, a função, entre outras, de velar na guarda da Constituição. 3

No Império, o órgão máximo do Poder Judiciário era o Supremo Tribunal de Justiça, cuja competência era limitada ao conhecimento de recursos de revista, ao julgamento de conflitos de jurisdição e de ações penais contra os ocupantes de determinados cargos públicos. 4 - Tavares, André Ramos, “O modelo brasileiro de controle difuso-concreto da constitucionalidade das leis e a função do Senado Federal”, Revista dos Tribunais, nº 819, pág. 49. 3

- Mendes, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional, Ed. Saraiva, 4ª edição, São Paulo, 2004, pág. 23. 4

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A limitação à atuação da Suprema Corte no Império decorria, também, da existência do Poder Moderador, atribuído ao Imperador que, aliada ao citado art. 15 da Constituição, aliada ao fato de que, conforme o seu art. 178, somente eram constitucionais as leis que diziam respeito aos limites e atribuições dos poderes políticos e aos direitos dos cidadãos, denotava clara impossibilidade de permitir ao Poder Judiciário exercer qualquer controle sobre os atos emanados do legislador. 5

Proclamada, todavia, a República, tanto o Decreto nº 1, de 1989, e especialmente o Decreto nº 510, de 1890, ambos chamados de Constituição Provisória, atribuíram ao STF 6 a competência para exercer o controle de constitucionalidade, quando se contestar a validade de leis ou atos dos governos dos Estados em face da Constituição ou das leis federais e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos os atos ou leis. 7

Já a Constituição Republicana, promulgada em 24.02.1891, lançou uma nova concepção do Poder Judiciário, servindo a influência da doutrina constitucional americana para que se atribuísse ao STF a missão de guardião da Constituição e da ordem federativa, com competência para aferir a constitucionalidade da aplicação do direito por intermédio de um recurso especial, assim como para decidir causas e conflitos entre a União e os Estados ou entre esses. Requisito indispensável desse controle era a efetiva ou potencial lesão a determinado direito, não se cogitando da discussão da constitucionalidade

5

- Tavares, André Ramos, obra citada, pág. 49.

6

- o STF era formado por quinze ministros, escolhidos dentre os juízes federais mais antigos e cidadãos de notório conhecimento jurídico e reputação ilibada, elegíveis para o Senado, nomeados pelo Presidente da República após indicação aprovada pelo Senado Federal. - Tavares, André Ramos, “O modelo brasileiro de controle difuso-concreto da constitucionalidade das leis e a função do Senado Federal”, Revista dos Tribunais, nº 819, pág. 49. 7

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pela via de ação direta, porque isso poderia implicar a criação de conflitos entre os poderes. 8

A revolução de 1930 alterou o STF, reduzindo seu número de ministros para onze e dividindo-o em duas Turmas de cinco, formatação essa mantida pela Constituição de 1934, que introduziu no direito constitucional brasileiro a representação interventiva, com a finalidade de controlar a constitucionalidade da intervenção federal, destinando-se à apuração de eventual afronta por intermédio de ação ou omissão contra os princípios fundamentais da ordem federativa. 9

Também previu a Carta de 1934 a competência do Senado Federal para suspender a eficácia de leis julgadas inconstitucionais pelo STF no controle incidental, cujas decisões, até então, não tinham efeitos erga omnes, mas tão-somente inter partes. A crítica ao art. 91 da nova Carta, todavia, decorria de sua imprecisão, vez que não havia referência se a decisão da qual decorreria a suspensão da eficácia pelo Senado Federal era apenas a proferida pelo STF ou por qualquer outro juízo ou Tribunal.

10

Não teve êxito, todavia, a proposta que visava ao reconhecimento da nulidade da lei depois de segunda decisão confirmatória da inconstitucionalidade. 11

- Mendes, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional, Ed. Saraiva, 4ª edição, São Paulo, 2004, pág. 24. 8

- Mendes, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional, Ed. Saraiva, 4ª edição, São Paulo, 2004, pág. 26. 9

- Tavares, André Ramos, “O modelo brasileiro de controle difuso-concreto da constitucionalidade das leis e a função do Senado Federal”, Revista dos Tribunais, nº 819, pág. 49. 10

11

- Mendes, Gilmar Ferreira, obra citada, pág. 27.

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Importante registrar que, na Constituinte de 1934, o Deputado Nilo Alvarenga apresentou projeto para a criação de Corte Constitucional, nos moldes do modelo austríaco idealizado por Kelsen, que seria composta de nove membros, escolhidos pelo STF (2), pelo Parlamento Nacional (2), pelo Presidente da República (2) e pela OAB (3), além de nove suplentes, todos com mandatos de três anos, permitida uma recondução, incumbida do monopólio da censura das leis federais e estaduais, impondo aos juízes e Tribunais suspender o processo até que a questão fosse julgada pela Corte constitucional. Previa-se, também, uma ação popular de inconstitucionalidade. Tal projeto, no entanto, foi rejeitado pelos Constituintes sem maiores discussões. 12

Com o golpe do Estado Novo, foi derrogada a Constituição de 1934 pela Constituição outorgada de 1937, que não impôs modificações relevantes no STF, salvo a possibilidade de o parlamento suspender, por maioria qualificada de dois terços dos votos, por ato legislativo, a eficácia de decisão declaratória de inconstitucionalidade. Tratava-se, assim, de instituto com atribuições dúplices: confirmar a lei e cassar a decisão judicial questionada, e foi justificado em vista da característica antidemocrática da jurisdição, que atuava como instrumento aristocrático de manutenção do poder ou, como disse Francisco Campos, Ministro da Justiça do Estado Novo, expressão do Poder Moderador.

Tal instrumento foi utilizado diretamente pelo Presidente da República, através de Decreto-Lei, por exemplo, para desconstituir decisão do STF que isentou do imposto de renda, devido à União, vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais (Decreto-Lei nº 1564/39). 13

Findo o período autoritário, convocada nova Assembléia Nacional Constituinte, nova Constituição foi promulgada, com vigência a partir de 1946. O número -, Mendes, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional, Ed. Saraiva, 3ª edição, São Paulo, 2004, págs. 27/29. 12

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- obra e autor citados págs. 30/33.

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de membros do STF foi fixado em onze, em que pese pudesse ser elevado por proposta da própria Corte. Além do controle de constitucionalidade já existente na Constituição de 1934, agregou-se à representação interventiva o controle de constitucionalidade de leis estaduais.

Com a Revolução de 1964, reformou-se também o Poder Judiciário, tendo a EC nº 16, de 1965, introduzido o controle abstrato de normas perante o STF, com estrutura similar à da representação interventiva, reservada a iniciativa ao Procurador-Geral da República.

3.2 Controle de constitucionalidade preventivo

Tal controle visa a impedir que norma legislativa inconstitucional ingresse no mundo jurídico, a despeito do vício em que incorre.

A Constituição Federal de 1988 prevê três formas para o exercício desse controle. A primeira hipótese – mais comum, diga-se de passagem - é a análise da constitucionalidade de projeto de ato legislativo pelas comissões de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, previstas no art. 58 da Constituição Federal e reguladas pelo regimento interno das respectivas casas legislativas.

Assim, dispõe o art. 32, III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, sobre a existência da comissão de constituição e justiça e de redação, estabelecendo seu campo temático e sua área de atividade em aspectos constitucionais, legais, jurídicos, regimentais e de técnica legislativa de projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara ou de suas comissões, para efeito de admissibilidade e

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tramitação. Por sua vez, o regimento do Senado Federal (art. 101) prevê a existência da comissão de constituição, justiça e cidadania, com atribuições para opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade das matérias que lhe forem submetidas por deliberação do plenário, por despacho do Presidente, por consulta de qualquer comissão, ou quando em virtude desses aspectos houver recurso de decisão terminativa de comissão para o plenário. 14

Logicamente, a mesma sistemática de controle prévio de constitucionalidade vigora nas casas legislativas estaduais e municipais.

A segunda forma de controle antecedente de constitucionalidade é levada a cabo pelo Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governador do Estado ou Distrito Federal e Prefeito), que, além de poder vetar um projeto de lei aprovado pelo legislativo da União ou do respectivo ente federado por contrariedade ao interesse público (juízo de conveniência, político, não jurídico), pode também fazê-lo com base em inconstitucionalidade, parcial ou total, nos termos do art. 66 da Constituição Federal. 15

O § 2º do artigo, entretanto, dispõe que o veto deverá abranger a integralidade do texto de artigo, parágrafo, inciso ou alínea, o que veda, pois, o veto parcial de qualquer deles.

Retornando ao legislativo, o texto vetado será submetido à votação (em sessão conjunta das duas casas, em se tratando de norma legislativa federal), só sendo derrubado o veto pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, Assembléia Legislativa ou Câmara de Vereadores. Nesse caso, o Chefe do Executivo terá 14

- MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, Ed. Atlas, São Paulo, 6ª edição, 1999, pág. 539.

- ressalte-se, todavia, que mesmo não vetando o dispositivo inconstitucional, pode o Chefe do Executivo propor, posteriormente, Ação Direta questionando a inconstitucionalidade daquele. Não pode, no entanto, pura e simplesmente descumprir a lei, a despeito de considerá-la inconstitucional. Nesse sentido a lição de Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional, Ed. Saraiva, 3ª edição, São Paulo, 2004, págs. 148/150. 15

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quinze dias para promulgar o texto cujo veto tenha sido derrubado, e, em não o fazendo, a promulgação será feita pelo Presidente ou Vice-Presidente (na omissão daquele) do Senado Federal ou das demais casas legislativas.

Ressalta-se, todavia, a impossibilidade de veto a emenda constitucional, pois essa não está sujeita à sanção do Chefe do Poder Executivo. Assim, uma vez promulgada aquela, sua inconstitucionalidade somente poderá ser argüida perante o Poder Judiciário.

A última hipótese de controle preventivo de constitucionalidade, restrita à emenda constitucional, diz respeito a uma situação excepcional no direito brasileiro, que em regra só admite a perquirição da constitucionalidade perante o Poder Judiciário após ingressar a norma no mundo jurídico.

Trata-se da vedação contida no art. 60, § 4º, da Constituição Federal, que não admite seja objeto de deliberação proposta de emenda constitucional que tenda a abolir a forma federativa de Estado (inc. I), o voto direto, secreto, universal e periódico (inc. II), a separação dos poderes (inc. III) e os direitos e garantias individuais (inc. IV), e que são conhecidas como cláusulas pétreas da ordem constitucional brasileira, imunes a qualquer alteração por iniciativa do legislador constituinte derivado.

Assim, visando uma emenda constitucional a violar qualquer uma das citadas cláusulas pétreas, será possível impedir sua tramitação mediante recurso ao STF, via mandado de segurança, o que foi admitido pela Corte Suprema no julgamento do Mandado de Segurança nº 23047/DF, relator o Ministro Sepúlveda Pertence, em que pese tenha sido indeferida a liminar postulada. 16

- Tribunal Pleno, julgado em 11/02/1998, in DJU 14-11-2003, pág. 14. O acórdão foi assim ementado: “I. Emenda constitucional: limitações materiais ("cláusulas pétreas); controle jurisdicional preventivo(excepcionalidade); a proposta de reforma previdenciária (PEC 33-I), a forma federativa de Estado (CF, art. 60, § 1º) e os direitos adquiridos (CF, art. 60, § 4º, IV, c/c art. 5º, 36): alcance das cláusulas invocadas: razões do indeferimento da liminar. II. Mandado de segurança: pedido de liminar: possibilidade de sua submissão ao Plenário pelo relator, atendendo a 16

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3.3. Controle de Constitucionalidade repressivo

3.3.1. Controle difuso ou concreto

Trata-se do controle efetuado por qualquer juiz ou Tribunal, que pode proceder, no caso concreto, à verificação da compatibilidade de norma – relevante para a solução da lide – com a Constituição. relevância da matéria e a gravidade das conseqüências possíveis da decisão”. A impetração, contra o Presidente da Câmara dos Deputados, da autoria de vários Deputados Federais, visava à suspensão da votação da proposta de emenda constitucional, relativa à reforma da Previdência Social, que resultou na EC 20/98, que continha, segundo os impetrantes, disposições que violavam cláusulas pétreas. Relevante transcrever parte do voto do relator: “Cogita-se, no entanto, é fácil de entender, de hipótese excepcionalíssima de controle constitucionalidade de normas, ao qual, em princípio, é de todo avesso o sistema brasileiro. Há de ser particularmente densa a plausibilidade de argüição da inadmissibilidade material de uma simples emenda à Constituição para autorizar o Supremo Tribunal, mormente em juízo liminar — a vedar que sobre ela se manifeste o Congresso Nacional, no exercício do seu poder mais eminente, o de reforma constitucional”. Também importante a manifestação do Ministro Nelson Jobim: “É bom ter presente que esse modelo de controle prévio tem o seu fundamento político—constitucional na Constituição francesa, onde não há a possibilidade desse controle, como está na Constituição brasileira, no sentido de que o Supremo Tribunal Federal possa paralisar a ação legislativa se proposta venha a se contrapor a algum texto nominado de “cláusula pétrea” na Constituição. A Constituição francesa atribui à Corte Constitucional a possibilidade de controle após a tramitação legislativa, em alguns casos obrigatória, como é o caso das leis orgânicas, que têm de ser submetidas ao controle prévio da constitucionalidade, ou das leis comuns, que podem ser submetidas ao Presidente da República ou a um certo número de Deputados e Senadores. Há uma só hipótese em que, na tramitação legislativa, podia haver a intervenção do Conselho Constitucional. Estava previsto no art. 41 da Constituição francesa de 1958 aquela característica típica que atribuiu e definiu as áreas de competência do Legislativo e do Executivo. Está definido expressamente na Constituição francesa que se estiver tramitando um procedimento legislativo, o Chefe do Governo poderá se opor à proposta ou emenda que não seja do domínio da lei, ou seja, a possibilidade de impedir a admissão da proposta ou da emenda porque aquela matéria não é do domínio da lei, mas do domínio de decretos. No caso constitucional brasileiro, em face do art. 60, estabeleceu—se a inviabilidade da tramitação dessa norma. Isto importa numa extensa análise de dupla natureza. Primeiro, examinar o conteúdo da proposta em tramitação e, segundo, definir o espectro daquilo que se chama “cláusula pétrea”, ou seja, o que está petrificado na Constituição e no que consistem os chamados “direitos intocáveis”. Até hoje, não houve o julgamento definitivo da impetração., mas tão-somente do pedido de liminar’, indeferido por maioria, com um único voto vencido, da lavra do Ministro Marco Aurélio.

22

Tal verificação – levada a efeito indistintamente por todos os órgãos do Poder Judiciário, em qualquer grau de jurisdição – surgiu do caso Madison versus Malbury (1803), em que o juiz Marshal da Suprema Corte americana sustentou ser atinente à atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei e, ao fazê-lo, em caso de contradição entre aquela e a constituição, deve ser aplicada essa última, por superior hierarquicamente a qualquer lei ordinária. 17

Esse exame é efetuado incidentalmente, ou seja, como questão prévia ao mérito da causa, inclusive pelo juiz de primeiro grau, a despeito da ausência de previsão constitucional expressa e até em vista do disposto no art. 97 da Constituição Federal. Tal atribuição decorre de princípios genéricos como o do amplo acesso à justiça e da ampla defesa (art. 5º, XXXV, LXXIV e LV), com os meios e recursos a ela inerentes. 18

Nos Tribunais, todavia, em vista do que dispõe o art. 97 da Constituição Federal, o reconhecimento da inconstitucionalidade não pode ser feito por um órgão colegiado isolado, mas apenas pelo Tribunal Pleno ou o Órgão Especial, e desde que a decisão seja da maioria absoluta dos respectivos membros, em respeito à regra originária do direito constitucional americano, conhecida como full bench,

19

e que lá decorreu de

construção jurisprudencial, constituindo-se em prudente e apropriada precaução a ser observada antes de ingressar o Tribunal em questões tão delicadas e importantes. Isso impede que uma norma seja declarada inconstitucional somente em vista de uma maioria

17

- MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, Ed. Atlas, São Paulo, 6ª edição, 1999, pág. 541.

- Tavares, André Ramos, “O modelo brasileiro de controle difuso-concreto da constitucionalidade das leis e a função do Senado Federal”, Revista dos Tribunais, nº 819, pág. 51. 18

- também conhecida como full court ou em banc. No Brasil, tem-se usado também o termo reserva de plenário. 19

23

ocasional da Corte, podendo a decisão ser alterada em outro julgamento sobre a mesma matéria, o que é de todo inconveniente. 20

A regra da reserva de plenário só foi positivada no Direito Constitucional brasileiro pela Constituição Federal de 1934, cujo art. 179 só admitia a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público pela maioria absoluta de votos da totalidade de seus juízes, vedado, assim, que o fizessem os órgãos fracionários das Cortes (Câmaras, turmas, grupos e seções). Ou seja, aquilo que no direito americano sempre foi simples recomendação, não regra escrita, ingressou no ordenamento jurídico pátrio indo além da prática estadunidense, pois, até a Constituição Federal de 1946, somente na presença de todos os juízes integrantes do Tribunal é que poderia, pelo voto da maioria absoluta, ser proclamada a inconstitucionalidade. Significa dizer que, além da maioria absoluta dos juízes do Tribunal, a decisão pela inconstitucionalidade só seria eficaz se todos estivessem presentes à sessão de julgamento.

Suavizou-se, todavia, tal exigência na Constituição Federal de 1946, cujo art. 200 manteve o requisito de votos da maioria absoluta dos membros de um tribunal para a declaração de inconstitucionalidade, sem aludir à presença de todos eles na sessão de julgamento. Suficiente, assim, por exemplo, no STF, que seis ministros votem pela inconstitucionalidade, ainda que os onze integrantes da Corte não estejam presentes. Viável, entretanto, que os Tribunais estipulem em seus regimentos internos um quorum mínimo para o julgamento das questões constitucionais. 21

- Amaral Junior, José Levi Mello do, Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1ª edição, 2002, págs. 19/21. 21 - no STF, esse quorum é de oito ministros, conforme o art. 143, § único, do RISTF, também previsto no art. 22 da Lei nº 9.868/99. No STJ, esse quorum é de dois terços dos integrantes da Corte Especial, ou seja, 14 ministros de um total de 21, consoante o art. 172, § único, do RISTJ. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, esse quorum é de 20 Desembargadores, nos termos do art. 9º, § único, do Regimento Interno. 20

24

A novidade surgiu na emenda constitucional nº 7, de 1977, que reformou o Poder Judiciário, dispondo (art. 144, V) que, nos tribunais com mais de 25 juízes, as atribuições do plenário poderiam ser delegadas a um órgão especial constituído por no mínimo onze e no máximo 25 julgadores, para exercer as atribuições administrativas e jurisdicionais da competência do Tribunal Pleno. A disposição, repetida pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 93, IX, resultou do crescimento das Cortes, especialmente dos Tribunais de Justiça dos Estados mais populosos, o que tornava difícil a observância da regra do full bench.

Para o julgamento da questão constitucional pelo Tribunal, impõe-se a observância dos arts. 480 a 482 do CPC.

O relator do recurso junto ao órgão fracionário, depois de ouvir o órgão do Ministério Público, submeterá a questão constitucional àquele. Se a argüição de inconstitucionalidade for rejeitada, prosseguirá o julgamento da lide; do contrário, lavrarse-á acórdão submetendo-se, então, a questão constitucional ao Tribunal.

O § único do art. 481 do CPC, acrescentado pela Lei nº 9.756/98, dispensa os órgãos fracionários de suscitar o incidente de argüição de inconstitucionalidade na hipótese de já haver pronunciamento a respeito do próprio Tribunal ou do plenário do STF, seja pela inconstitucionalidade, seja pela constitucionalidade da norma relevante para a solução do caso concreto.

Esse, aliás, já era o entendimento o STF, como se pode ver de vários julgados. Assim, por exemplo, ocorreu, pela primeira vez, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 168149/RS, cujo acórdão foi assim ementado: “INCONSTITUCIONALIDADE - INCIDENTE - DESLOCAMENTO DO PROCESSO PARA O ÓRGÃO ESPECIAL OU PARA O PLENO - DESNECESSIDADE. Versando a controvérsia sobre ato normativo já declarado inconstitucional pelo guardião maior da Carta Política da República - o Supremo Tribunal Federal - descabe o deslocamento

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previsto no artigo 97 do referido Diploma maior. O julgamento de plano pelo órgão fracionado homenageia não só a racionalidade, como também implica interpretação teleológica do artigo 97 em comento, evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta ao princípio da economia e da celeridade. A razão de ser do preceito esta na necessidade de evitar-se que órgãos fracionados apreciem, pela vez primeira, a pecha de inconstitucionalidade argüida em relação a um certo ato normativo.” 22

Tal entendimento marca uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, praticamente, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto. A decisão do Supremo Tribunal Federal, tal como colocada, antecipa o efeito vinculante de seus julgados em matéria de controle de constitucionalidade incidental, permitindo que o órgão fracionário se desvincule do dever de observância da decisão do Pleno ou do Órgão Especial do Tribunal a que se encontra vinculado. Decide-se autonomamente com fundamento na declaração de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade) do Supremo Tribunal Federal proferida incidenter tantum. 23

Já o art. 482 do estatuto processual trata do procedimento a ser adotado quando do julgamento do incidente de inconstitucionalidade pelo Tribunal, e que implica, logicamente, a suspensão da apreciação da causa que deu origem à questão constitucional, que só poderá ser retomada após a decisão da Corte. Na prática, essa suspensão atinge todos os feitos em que a questão constitucional seja idêntica, providência prudente e razoável, visando à uniformização de julgamento. Ainda, o incidente possui também efeito devolutivo, o que significa que o Tribunal, além de não poder manifestar-se sobre o caso

22

- Segunda Turma, Relator o Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 26/06/1995, Publicação: DJ 04-

08-1995 pág. 22520. No mesmo sentido: RE nº 190.728, 1ª Turma, Relator para o acórdão o Ministro Ilmar Galvão, in DJU 30.05.97; RE nº 191.898, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, in DJU 22.08.97. - Mendes, Gilmar Ferreira, O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional, Revista de Informação Legislativa, 2004, nº 162, pág. 157. 23

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concreto (cuja solução é de competência exclusiva do órgão fracionário, após o julgamento do incidente), também não pode fazê-lo quanto à matéria constitucional que não foi suscitada pelo órgão suscitante. Tal efeito, no entanto, não restringe a apreciação da questão constitucional à causa de pedir acolhida pela Câmara ou Turma, podendo valer-se, como ocorre no controle concentrado de constitucionalidade, de outros argumentos. 24

Os parágrafos do art. 482, introduzidos pela lei nº 9.868/99, visaram a aproximar ainda mais o controle difuso de constitucionalidade do concentrado. Assim, como nas ações diretas de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, será possível a manifestação das pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato cuja constitucionalidade está em cheque, conforme dispuser o regimento interno do respectivo tribunal (§ 1º). Do mesmo modo, os legitimados a propor as referidas ações, em controle concentrado, também podem manifestar-se no incidente, inclusive podendo ofertar memoriais e juntar documentos (§ 2º). Por fim, o relator poderá, se relevante a matéria e forem representativos os postulantes, admitir sua manifestação, por decisão irrecorrível (§ 3º). 25

- Amaral Junior, José Levi Mello do, Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1ª edição, 2002, págs. 45/46. 24

- trata-se, aqui, da figura do amicus curiae, prevista no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99. A propósito dessa figura, veja-se parte da ementa do acórdão proferido pelo Plenário do STF no acórdão da ADI 2321 MC / DF, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgada em 25/10/2000, in DJU 10-06-2005: “PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO "AMICUS CURIAE": UM FATOR DE PLURALIZAÇÃO E DE LEGITIMAÇÃO DO DEBATE CONSTITUCIONAL. - O ordenamento positivo brasileiro processualizou, na regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, a figura do "amicus curiae", permitindo, em conseqüência, que terceiros, desde que investidos de representatividade adequada, sejam admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. A intervenção do "amicus curiae", para legitimarse, deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional. - A idéia nuclear que anima os propósitos teleológicos que motivaram a formulação da norma legal em causa, viabilizadora da intervenção do "amicus curiae" no processo de fiscalização normativa abstrata, tem por objetivo essencial pluralizar o debate constitucional, permitindo, desse modo, que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e 25

27

Tais disposições ampliam imensamente os partícipes da relação processual, não em vista de interesse subjetivo, mas frente ao significado e âmbito do juízo de constitucionalidade a ser proferido pela Corte, valendo, assim, não só para o caso concreto que o provocou, mas também para outros feitos subseqüentes, em andamento no mesmo Tribunal, envolvendo idêntica questão. Tem-se, pois, orientação típica dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, reconhecida induvidosamente pelo legislador com a lei nº 9.868/99. 26

A decisão que acolhe o incidente de argüição de inconstitucionalidade tem efeitos apenas para o caso concreto, e não erga omnes, o que, a despeito de aparente violação ao princípio da isonomia, pois todas as demais pessoas persistirão vinculadas à lei inconstitucional, salvo as partes do processo do qual resultou o incidente, constitui a base de todo sistema processual, para o qual concorrem apenas os interessados, sem beneficiar os que quedaram inertes. Tal entendimento prevalece inclusive em se tratando de decisão do STF, em vista do que dispõe o art. 52, X, da Constituição Federal, o que parece estranho, considerando que a eficácia seria em relação a todos, fosse a decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade ou ação declaratória de constitucionalidade. 27

Nesse ponto é que surge o papel do Senado Federal, a quem incumbe, por força do art. 52, X, da Constituição Federal, suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF. Trata-se de mecanismo criado pela Constituição de 1934, que visava a prevenir atritos entre os Poderes, especialmente necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Suprema Corte, quando no desempenho de seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle concentrado de constitucionalidade”. - Amaral Junior, José Levi Mello do, Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1ª edição, 2002, pág. 49. 26

- Tavares, André Ramos, “O modelo brasileiro de controle difuso-concreto da constitucionalidade das leis e a função do Senado Federal”, Revista dos Tribunais, nº 819, pág. 52. 27

28

porque, à época, a ordem jurídico-constitucional pátria só conhecia, salvo a representação interventiva, o controle difuso-concreto de constitucionalidade. 28

Assim, para que a decisão do STF passe a ter eficácia irrestrita, não apenas inter partes no processo onde suscitado, o incidente de argüição de inconstitucionalidade, necessária resolução da Câmara Alta do legislativo federal suspendendo a execução do dispositivo declarado inconstitucional. Tal manifestação do Senado teria, segundo alguns doutrinadores, efeitos ex nunc; 29 para outros, ex tunc. 30

Mais recentemente, todavia, Gilmar Ferreira Mendes, com a autoridade de quem integra o STF, vem sustentando a obsolescência da citada disposição constitucional,

- Tavares, André Ramos, “O modelo brasileiro de controle difuso-concreto da constitucionalidade das leis e a função do Senado Federal”, Revista dos Tribunais, nº 819, pág. 57. 28

- Sergio Resende de Barros e Elival da Silva Ramos, citados por Tavares, André Ramos, obra citada, pág. 60. 29

- Mendes, Gilmar Ferreira, O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional, Revista de Informação Legislativa, 2004, nº 162, pág. 160. A fls. 160/161 do mesmo artigo, o jurista ressalta, todavia: “Ainda que se aceite, em princípio, que a suspensão da execução da lei pelo Senado retira a lei do ordenamento jurídico com eficácia ex tunc, esse instituto, tal como foi interpretado e praticado, entre nós, configura antes a negação do que a afirmação da teoria da nulidade da lei inconstitucional. A não-aplicação geral da lei depende exclusivamente da vontade de um órgão eminentemente político e não dos órgãos judiciais incumbidos da aplicação cotidiana do direito. Tal fato reforça a idéia de que, embora tecêssemos loas à teoria da lei inconstitucional, consolidávamos institutos que iam de encontro à sua implementação. Assinale-se que, se a doutrina e a jurisprudência entendiam que lei inconstitucional era ipso jure nula, deveriam ter defendido, de forma coerente, que o ato de suspensão a ser praticado pelo Senado destinava-se exclusivamente a conferir publicidade à decisão do STF”. Em prol de sua posição, Gilmar Mendes cita lição de Lucio Bittencourt: “Se o Senado não agir, nem por isso ficará afetada a eficácia da decisão, a qual continuará a produzir todos os seus efeitos regulares que, de fato, independem de qualquer dos poderes. O objetivo do art. 45, IV, da Constituição – a referência é ao texto de 1967 – é apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos. Dizer que o Senado ‘suspende a execução’ da lei inconstitucional é, positivamente, impropriedade técnica, uma vez que o ato, sendo ‘inexistente’ ou ‘ineficaz’, não pode ter suspensa a sua execução” (O Controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Brasília: Ministério da Justiça, 1997 (Arquivos do Ministério da Justiça), págs. 145/146. 30

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chegando a afirmar: “Assim, parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa à suspensão da execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, esta decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa. Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas. Assim, o Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que não se cuida de uma decisão substantiva, mas de simples dever de publicação, tal como reconhecido a outros órgãos políticos em alguns sistemas constitucionais (Constituição austríaca, art. 140, 5 – publicação a cargo do Chanceler Federal, e Lei Orgânica da Corte Constitucional Alemã, art. 31, (2) publicação a cargo do Ministro da Justiça). A não-publicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia. Essa solução resolve de forma superior uma das tormentosas questões da nossa jurisdição constitucional. Superam-se, assim, também, as incongruências cada vez mais marcantes entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a orientação dominante na legislação processual, de um lado, e, de outro, a visão doutrinária ortodoxa e – permita-nos dizer – ultrapassada do disposto no art. 52, X, da Constituição de 1988”. 31

Tal entendimento, aliás, vem reforçado pelo art. 103-A, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 45/2004, que introduziu na ordem constitucional pátria o instituto da súmula vinculante que, conforme o caput do citado dispositivo, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. A edição

- Mendes, Gilmar Ferreira, O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional, Revista de Informação Legislativa, 2004, nº 162, págs. 165/166. 31

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de súmula, desde que preenchidos os requisitos do § 1º do art. 103-A, 32 implicará atribuir a uma decisão do STF em matéria constitucional, via controle difuso de constitucionalidade, eficácia erga omnes, dispensando a publicação de resolução do Senado Federal, para a suspensão da eficácia da lei. 33

Finalmente, oportuno ressaltar que da decisão que julgar o incidente de inconstitucionalidade, acolhendo-o ou não, são inadmissíveis embargos infringentes, recurso também incabível, quanto à matéria constitucional, contra a decisão que, no órgão fracionário, seguir-se ao julgamento do incidente, consoante as súmulas nº 293 e 455 do STF. Ademais, é irrecorrível a decisão relativa à constitucionalidade, só cabendo recursos – ordinário e extraordinário – contra o julgamento do órgão fracionário, nos termos da súmula nº 513 do mesmo Supremo Tribunal Federal. 34

- “A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de norma determinada acerca das quais haja controvérsia atual entre os órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”. 32

- Sobre a súmula vinculante, diz Antonio Souza Prudente, Desembargador Federal do TRF da 1ª Região, em artigo escrito antes da promulgação da EC 45/2004, que, contrário inicialmente à idéia, verificou que a proposta “prestigia o Estado Democrático de Direito, enquanto brote da fermentação jurisprudencial do controle difuso, após reiteradas decisões sobre a matéria a ser sumulada, inibindo a pulverização de ações sobre questões idênticas, descongestionando, assim, os Tribunais e evitando a grave insegurança jurídica no meio social”. Segue dizendo que “A validade democrática da súmula vinculante se apresenta, assim, na firme dimensão de seu vínculo com o tecido jurisprudencial do controle difuso a ser praticado por nossos Juízos e Tribunais, não havendo de anular-se a expressão vinculante e ‘reiteradas decisões sobre a matéria’ pelo sofisma interpretativo de considerá-la uma mera expressão cinzenta ou um simples conceito indeterminado, a ponto de autorizar-se a produção de súmulas vinculantes como produto de argumentos de autoridade, na burla do controle difuso de constitucionalidade, no País (CF, arts. 97 e 102, caput e respectivo, inciso III, alíneas a, b e c)”. Súmula Vinculante e a Tutela do Controle Difuso de Constitucionalidade, Revista do Tribunal Regional Federal da a Região, nº 4, ano 16, abril/2004, págs. 21/22. 33

- como diz Amaral Junior, José Levi Mello do, Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1ª edição, 2002, pág. 74, “não há nenhum recurso ordinário ou extraordinário ‘previsto contra a decisão plenária especificamente considerada. O incidente de argüição de inconstitucionalidade esgota-se na decisão proferida pelo pleno ou órgão especial ou 34

31

3.3.2. Controle concentrado ou abstrato

Ao revés do controle difuso ou concentrado, que pode ser efetuado inclusive por um juiz de primeiro grau, mas sempre diante de um caso concreto levado ao Poder Judiciário, chegando aos Tribunais pela via recursal, o controle de constitucionalidade concentrado ou abstrato é efetuado apenas perante o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça dos Estados, pela via direta, mediante o ajuizamento de ação, na qual não está em discussão uma determinada relação jurídica de direito material em que é suscitada, para a decisão da lide, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo do Poder Público, mas apenas e tão-somente a própria norma cuja adequação frente à Constituição é posta em discussão.

Tal controle é efetuado, especialmente, por intermédio de duas espécies de demandas: a) ação direta de inconstitucionalidade prevista no art. 102, I, a, da Constituição Federal e b) ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, parte final). 35

A primeira demanda, mais comum, tem por objetivo a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. Em se tratando de lei ou ato normativo federal, a ação direta será proposta perante o Supremo Tribunal Federal. Se for estadual, a competência para o processo e julgamento será do STF caso a inconstitucionalidade alegada seja relativa à Constituição Federal. Se a afronta dizer em sua integração por embargos declaratórios, se acaso opostos. [...] Não obstante, as conclusões da decisão plenária podem ser atacadas – ainda que indiretamente – por recurso ordinário (no caso dos feitos de competência originária dos tribunais, e não submetidos à decisão em única instância) ou recurso extraordinário (no caso dos feitos em grau recursal ou originários decididos em única instância, com fundamento no art. 102, III, b, da Constituição de 1988), intentados contra o acórdão que, no colegiado fracionário, julga o caso concreto à luz do entendimento firmado pelo plenário”. - há ainda, a ação de inconstitucionalidade por omissão (Constituição Federal, art. 103, § 2º) e a representação interventiva (Constituição Federal, art. 36, III), que não serão, todavia, objeto do presente estudo. 35

32

respeito à Constituição Estadual, a competência será do Tribunal de Justiça respectivo, nos termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal, que também detém competência para julgamento da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal frente à Carta do respectivo Estado-membro.

Ressalta-se, todavia, pacífica a jurisprudência do STF no sentido de que os Tribunais de Justiça não têm competência para o julgamento da inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais frente à Constituição Federal. Assim foi decidido na Rcl 595 / SE (Plenário, Relator o Min. SYDNEY SANCHES, julgada em 28/08/2002, in DJU 23-05-2003, pág. 00031).

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A não ser que a Constituição Estadual

- “DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL , EM CURSO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SERGIPE, COM LIMINAR DEFERIDA. RECLAMAÇÃO PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCEDÊNCIA. 1. Dispõe o art. 106, I, "c", da Constituição do Estado de Sergipe: "Art. 106. compete, ainda, ao Tribunal de Justiça: I - processar e julgar originariamente: ... "c" - a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou atos normativos estaduais em face da Constituição Estadual e de lei ou de ato normativo municipal em face da Constituição Federal ou da Estadual". 2. Com base nessa norma, o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe tem julgado Ações Diretas de Inconstitucionalidade de leis municipais, mesmo em face da Constituição Federal. 3. Sucede que esta Corte, a 13 de março de 2002, tratando de norma constitucional semelhante do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento da ADI nº 409, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE (DJ de 26.04.2002, Ementário nº 2066-1), decidiu: "Controle abstrato de constitucionalidade de leis locais (CF, art. 125, § 2º): cabimento restrito à fiscalização da validade de leis ou atos normativos locais sejam estaduais ou municipais - , em face da Constituição estadual: invalidade da disposição constitucional estadual que outorga competência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidade de normas municipais em face também da Constituição Federal: precedentes". 4. Adotados o fundamentos apresentados nesse aresto unânime do Plenário e em cada um dos precedentes neles referidos, a presente reclamação é julgada procedente, para se extinguir, sem exame do mérito, o processo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 02/96, proposta perante o Tribunal de Justiça do Estado Sergipe, por falta de possibilidade jurídica do pedido, cassada definitivamente a medida liminar nele concedida. 5. Incidentalmente, o S.T.F. declara a inconstitucionalidade das expressões "Federal ou da", constantes da alínea "c" do inciso I do art. 106 da Constituição do Estado de Sergipe. 6. A esse respeito, será feita comunicação ao Senado Federal, para os fins do art. 52, X, da Constituição Federal. E também ao Tribunal de Justiça de Sergipe”. Um dos primeiros precedentes acerca do assunto é oriundo do Rio Grande do Sul, cujo acórdão foi assim ementado: “Controle abstrato de constitucionalidade de leis locais (CF, art. 125, § 2º): cabimento restrito à fiscalização da validade de leis ou atos normativos locais - sejam estaduais ou municipais -, em face da Constituição estadual: invalidade da disposição constitucional estadual que outorga competência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar ação direta de 36

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contenha a mesma norma da Constituição Federal, hipótese em que será do Tribunal de Justiça a competência para o julgamento da ação direta, cabível recurso extraordinário ao STF.

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Entretanto, se a norma cuja constitucionalidade é questionada for estadual, e

tramitando duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma no STF e outra no Tribunal de Justiça, essa última ficará suspensa até o julgamento da primeira. 38

Ainda, importante referir o que o STF entende por lei ou ato normativo, que engloba, além daqueles previstos no art. 59 da Constituição Federal, todos os atos

inconstitucionalidade de normas municipais em face também da Constituição Federal: precedentes.” (ADI 409 / RS, Plenário, Relator o Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julgada em 13/03/2002, in DJU 26-04-2002, pág. 65). - “Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros. Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente”. Rcl 383 / SP, Plenário, Relator o Min. MOREIRA ALVES, julgada em 11/06/1992, in DJU 21-05-1993 pág. 9765. No mesmo sentido: Rcl 2076 / MG, Plenário, Relator o Min. ILMAR GALVÃO, julgada em 03/10/2002, in DJU 08-11-2002, pág. 26. 37

- “Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de liminar. Lei nº 9.332, de 27 de dezembro de 1995, do Estado de São Paulo. - Rejeição das preliminares de litispendência e de continência, porquanto, quando tramitam paralelamente duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma no Tribunal de Justiça local e outra no Supremo Tribunal Federal, contra a mesma lei estadual impugnada em face de princípios constitucionais estaduais que são reprodução de princípios da Constituição Federal, suspende-se o curso da ação direta proposta perante o Tribunal estadual até o julgamento final da ação direta proposta perante o Supremo Tribunal Federal, conforme sustentou o relator da presente ação direta de inconstitucionalidade em voto que proferiu, em pedido de vista, na Reclamação 425. - Ocorrência, no caso, de relevância da fundamentação jurídica do autor, bem como de conveniência da concessão da cautelar. Suspenso o curso da ação direta de inconstitucionalidade nº 31.819 proposta perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, defere-se o pedido de liminar para suspender, ex nunc e até decisão final, a eficácia da Lei n 9.332, de 27 de dezembro de 1995, do Estado de São Paulo”. ADI 1423 MC / SP, Plenário, Relator o Min. MOREIRA ALVES, julgada em 20/06/1996, in DJU 22-11-1996, pág. 45684. 38

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investidos de indiscutível conteúdo normativo, como, por exemplo, quando evidenciado que o ato encerra um dever-ser e veicula uma prescrição destinada a ser cumprida pelos órgãos destinatários. Cabível, assim, a análise da constitucionalidade de uma emenda constitucional, de uma resolução administrativa de qualquer Tribunal, salvo as convenções coletivas de trabalho homologadas pelos Tribunais do Trabalho. Também estão abrangidos pelo controle concentrado de constitucionalidade atos estatais de conteúdo derrogatório, como as resoluções administrativas, desde que incidam sobre atos de caráter normativo. Por isso, conheceu o STF de ação direta de inconstitucionalidade contra resolução do Conselho Interministerial de Preços. Incabível, porém, o controle concentrado quanto a atos estatais de efeitos concretos, súmulas, respostas do TSE a consultas que lhe são formuladas, o mesmo ocorrendo, salvo exceções, com o decreto, na hipótese de extrapolar o sentido ou conteúdo da lei que está a regulamentar. 39

Desde a Constituição Federal de 1934, que introduziu no direito brasileiro o instituto da representação interventiva, a legitimidade ativa para o controle concentrado de constitucionalidade pertenceu, perante o STF, exclusivamente ao Procurador-Geral da República.

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A Constituição Federal de 1988, todavia, ampliou imensamente o leque de

autoridades legitimadas, estendendo a legitimidade, também, para o Presidente da

- MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, Ed. Atlas, São Paulo, 6ª edição, 1999, págs. 558/565. 39

- sobre o papel do Procurador-Geral da República, refere Gilmar Ferreira Mendes (Jurisdição Constitucional, Editora Saraiva, 4ª edição, São Paulo, 2004, págs. 66/70) que a discussão surgiu em 1970, quando o MDB solicitou àquele que representasse pela inconstitucionalidade do decreto-lei que instituiu a censura prévia de livros, jornais e periódicos, negando-se o Procurador-Geral a fazêlo, entendendo que não estava obrigado a tanto. Reclamação ajuizada pelo partido político perante o STF foi rejeitada, entendendo a Corte Suprema que apenas o titular da ação é que poderia decidir se e quando deveria propor a representação de inconstitucionalidade de lei, posição essa reiterada em outras oportunidades. Na doutrina, ainda conforme Gilmar Mendes, o dissenso nunca foi dirimido, entendendo Celso Barbi pela discricionariedade do Procurador-Geral; Pontes de Miranda sustentava que tinha ele obrigação de representar caso houvesse fundadas dúvidas acerca da constitucionalidade da lei; Celso Bastos, em posição intermediária, advogava que, formulado o requerimento por algum órgão público, não poderia haver dúvidas quanto ao interesse público no exame da constitucionalidade da lei ou do ato normativo. 40

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República, as Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, as Assembléias Legislativas dos Estados ou a Câmara Legislativa do Distrito Federal, e o Governador do Estado ou do Distrito Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. 41

Conforme a jurisprudência do STF, é universal a legitimidade dos elencados no art. 103, I, II, III, VI, VII e VIII da Constituição Federal, podendo questionar qualquer espécie de lei ou ato normativo, seja federal ou estadual.

Quanto aos demais (art. 103, incs. IV, V e IX), todavia, o STF construiu entendimento limitando a sua legitimidade, exigindo que as ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas tenham pertinência temática, questão surgida na Alemanha sob a égide da Constituição de Weimar, quando se discutiu sobre a admissibilidade de uma ação proposta pelo Estado da Baviera contra lei do Estado da Turíngia. 42

Sustenta-se haver dúvidas sobre a posição do STF, à medida que, ausente autorização constitucional, a Corte não poderia restringir a legitimidade para o exercício da ação direta de inconstitucionalidade, especialmente em relação aos elencados no inc. IX do - art. 103 da Constituição Federal, redação da EC 45/2004. A nível estadual, a Constituição Federal não dispôs quais os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais frente à Carta Estadual, limitando-se a vedar que a legitimação seja atribuída a um único órgão. 41

- Mendes, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional, Ed. Saraiva, 4ª edição, São Paulo, 2004, pág. 151. Quanto à ação proposta pelo Governador do Estado, o plenário do STF reconheceu-a no julgamento da ADI 2396 MC / MS, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgada em 26/09/2001, in DJU DJ 14-12-2001, pág. 23, em aresto assim ementado, no que importa ao presente estudo: “1. ADIN. Legitimidade ativa de Governador de Estado e pertinência temática. Presente a necessidade de defesa de interesses do Estado, ante a perspectiva de que a lei impugnada venha a importar em fechamento de um mercado consumidor de produtos fabricados em seu território, com prejuízo à geração de empregos, ao desenvolvimento da economia local e à arrecadação tributária estadual, reconhece-se a legitimidade ativa do Governador do Estado para propositura de ADIn. Posição mais abrangente manifestada pelo Min. Sepúlveda Pertence“. 42

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art. 103, com a exigência da pertinência temática, ainda que se possa entender razoável a tentativa de limitar o número de ações diretas de inconstitucionalidade, evitando que se torne uma espécie de ação popular, o que não se mostra recomendável, no dizer de Kelsen, além de levar a um excesso de trabalho sem maior proveito para a ordem e a segurança jurídicas. 43

Também não se pode olvidar o princípio jurídico de que onde o legislador não restringiu, o interprete não pode fazê-lo.Ademais, o elenco alargado de legitimados do

- Mendes, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional, Ed. Saraiva, 4ª edição, São Paulo, 2004, págs. 151, 159 e 162. Refere, com propriedade, o Ministro do STF: “Cuida-se de inequívoca restrição ao direito de propositura, que, em se tratando de processo de natureza objetiva, dificilmente poderia ser formulada até mesmo pelo legislador ordinário. A relação de pertinência assemelha-se muito ao estabelecimento de uma condição de ação – análoga, talvez, ao interesse de agir -, que não decorre dos expressos termos da Constituição e parece ser estranha à natureza do processo de controle de normas. Por isso, a fixação de tal exigência parece ser defesa até mesmo ao legislador ordinário federal, no uso de sua competência específica. Assinale-se que a necessidade de que se desenvolvam critérios que permitam identificar, precisamente, as entidades de classe de âmbito nacional não deve condicionar, todavia, o exercício do direito de propositura da ação por parte das organizações de classe à demonstração de um interesse de proteção específico, nem levar a uma radical adulteração do modelo de controle abstrato de normas. Consideração semelhante já seria defeituosa, porque em relação à proteção jurídica dessas organizações e à defesa dos interesses de seus membros, a Constituição assegura o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX, b), que pode ser utilizado pelos sindicatos ou organizações de classe ou associações existentes há pelo menos um ano, também no interesse de seus membros. Uma tal restrição ao direito de propositura não se deixa compatibilizar, igualmente, com a natureza do controle abstrato de normas e criaria uma injustificada diferenciação entre os entes ou órgãos autorizados a propor a ação, diferenciação essa que não encontra respaldo na Constituição. Assim, o debate sobre o direito de propositura das entidades de classe, no âmbito do controle abstrato, não se deve situar no plano de uma interpretação mais ou menos restritiva sobre a conceituação legal e jurisprudencial dessas organizações. Deve-se indagar, isto sim, se o modelo concebido pelo constituinte de 1988 há de ser preservado ou se seria oportuno cogitar-se da própria reformulação desse modelo de ampla legitimação, com a supressão do direito de propor ação direta por parte dessas entidades. [...] A outorga de ampla legitimação aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, aos Governadores de Estado, às Mesas das Assembléias Legislativas, à Ordem dos Advogados do Brasil, ao Procurador-Geral da República, dentre outros, já seria suficiente para colocar nosso sistema entre os mais benevolentes ou liberais no que tange à possibilidade de instauração do controle abstrato de normas. Também de uma perspectiva rigorosamente prática, pode-se afirmar que dificilmente alguma questão constitucional relevante deixará de ser suscitada por um desses órgãos ou entes legitimados” (obra citada, págs. 159, 162/163). 43

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art. 103 da Constituição Federal decorreu justamente da intenção do Constituinte de 1988 de ampliar o acesso ao controle concentrado de constitucionalidade que, até então, era restrito a um único órgão – o chefe do Ministério Público Federal. A segunda demanda – ação declaratória de constitucionalidade – foi introduzida no Direito Constitucional pátrio pela Emenda Constitucional nº 3/93, e regulamentada pela Lei nº 9.868/99. 44

Tal demanda tem por desiderato dirimir dúvidas sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo exclusivamente federal, conforme disposição expressa do art. 102, I, alínea a, parte final, da Constituição Federal, descabendo em se tratando de norma estadual.

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Aliás, justo por isso é que o art.13 da Lei nº 9.868/99 restringe a legitimidade

para essa demanda ao Presidente da República, às Mesas do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados e ao Procurador-Geral da República, porque faltaria interesse aos demais legitimados elencados no art. 103, caput, da Constituição Federal buscar a declaração de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. 46

- antes mesmo do advento da Lei nº 9.868/99, o STF já admitiu o uso da Ação Declaratória de Constitucionalidade, e sua aplicabilidade imediata, independentemente da ausência de lei regulamentadora, como se vê do acórdão proferido na Questão de Ordem da ADC 1/DF: “AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 03/93, NO TOCANTE A INSTITUIÇÃO DESSA AÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM. TRAMITAÇÃO DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. INCIDENTE QUE SE JULGA NO SENTIDO DA CONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 3, DE 1993, NO TOCANTE A AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE” (Plenário, Relator o Min. MOREIRA ALVES, julgada em 27/10/1993, in DJU 16-06-1995, pág. 18212). 44

- conforme Alexandre de Moraes, a doutrina divide-se quanto à viabilidade de criação de ação declaratória de constitucionalidade no âmbito estadual. Cita José Afonso da Silva como entendendo pela inviabilidade e, em sentido contrário, Nagib Slaibi Filho, porque facultado ao Estado-membro, no exercício de sua competência remanescente, a criação dessa ação na esfera estadual, desde que respeitado o paradigma da Constituição Federal (Direito Constitucional, Ed. Atlas, São Paulo, 6ª edição, 1999, pág. 579). 45

- até hoje foram propostas apenas dez ações declaratórias de constitucionalidade, duas conjuntamente pelo Presidente da República e pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos 46

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Questão tormentosa, todavia, deve surgir em vista da promulgação da EC 45/2004, que alterou a redação do art. 103, caput, da Constituição Federal, antes dispondo apenas acerca dos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, mas agora se referindo igualmente à ação declaratória de constitucionalidade. Pretendeu o legislador admitir a ampla legitimação também para a ação declaratória de constitucionalidade, em que pese de pouca utilidade prática, vez que não se encontra razão para aqueles não elencados no art. 13 da Lei nº 9.868/99 (disposição claramente ab-rogada em vista da nova regra constitucional) utilizarem-se de tal demanda? Fica a indagação, a ser respondida pela doutrina e pela jurisprudência.

Justamente em vista do objetivo da ação declaratória de constitucionalidade, 47

o legislador ordinário, no art. 14, III, da Lei nº 9.868/99, incluiu exigência a ser

demonstrada pelo autor quando do ajuizamento da petição inicial, cumprindo-lhe demonstrar “a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória”, que Gilmar Mendes chama de legitimação para agir in concreto, à semelhança do direito alemão, ou seja, a caracterização de situação apta a afetar

Deputados (ADC nº 1 e 4), duas pelo Procurador-Geral da República (ADC nº 3 e 5), duas exclusivamente pelo Presidente da República (ADC nº 8 e 9). As demais, ajuizadas duas por Confederações (ADC nº 2 e 6), outra por uma Câmara Municipal de Vereadores (ADC nº 7) e uma por pessoa natural (ADC nº 10), tiveram a inicial indeferida por ilegitimidade ativa. - veja-se, a propósito, o que diz Alexandre de Moraes: “A ação declaratória de constitucionalidade, que consiste em típico processo objetivo destinado a afastar a insegurança jurídica ou o estado de incerteza sobre a validade de lei ou ato normativo federal, busca preservar a ordem jurídica constitucional. Ressalte-se que as leis e atos normativos são presumidamente constitucionais, porém esta presunção, por ser relativa, poderá ser afastada, tanto pelos órgãos do Poder Judiciário, por meio do controle difuso de constitucionalidade, quanto pelo Poder Executivo, que poderá recusar-se a cumprir determinada norma legal por entendê-la inconstitucional. Nesse ponto, situa-se a finalidade precípua da ação declaratória de constitucionalidade: transformar a presunção relativa de constitucionalidade em presunção absoluta, em virtude de seus efeitos vinculantes” (obra citada, págs. 579/580). Faz-se, todavia, uma crítica a esse jurista, pois para o ajuizamento da ADC, necessária a controvérsia em juízo quanto à constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, não bastando, portanto, simples recusa ao Poder Executivo em aplicá-la sob a pecha de inconstitucionalidade. 47

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a presunção de constitucionalidade, apanágio da lei. Exigência essa que o STF já fazia antes mesmo da vigência do diploma legal referido, como se vê do acórdão proferido na ADC (Medida Cautelar) nº 8, que dizia respeito à contribuição previdenciária de servidores ativos, inativos e pensionistas, prevista na lei federal nº 9.783/99. 48

E essa situação de incerteza pode apresentar-se por diversas formas, seja mediante posicionamentos da jurisdição ordinária por seus diversos órgãos pela inconstitucionalidade da norma, seja por julgamentos contraditórios de órgãos jurisdicionais diversos sobre a legitimidade daquela. Note-se que o legislador é claro quando se refere à controvérsia judicial, o que implica dizer que ela tem de situar-se no Poder Judiciário. Não basta, assim, haver discussões sobre o aplicação da lei ou ato normativo federal na esfera administrativa. E, não havendo dúvida ou controvérsia relevante, inviável ao STF conhecer da ação declaratória. 49

- “AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE - PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JUDICIAL COMO PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE - AÇÃO CONHECIDA. - O ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade, que faz instaurar processo objetivo de controle normativo abstrato, supõe a existência de efetiva controvérsia judicial em torno da legitimidade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal. Sem a observância desse pressuposto de admissibilidade, torna-se inviável a instauração do processo de fiscalização normativa "in abstracto", pois a inexistência de pronunciamentos judiciais antagônicos culminaria por converter, a ação declaratória de constitucionalidade, em um inadmissível instrumento de consulta sobre a validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal, descaracterizando, por completo, a própria natureza jurisdicional que qualifica a atividade desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal. - O Supremo Tribunal Federal firmou orientação que exige a comprovação liminar, pelo autor da ação declaratória de constitucionalidade, da ocorrência, "em proporções relevantes", de dissídio judicial, cuja existência - precisamente em função do antagonismo interpretativo que dele resulta - faça instaurar, ante a elevada incidência de decisões que consagram teses conflitantes, verdadeiro estado de insegurança jurídica, capaz de gerar um cenário de perplexidade social e de provocar grave incerteza quanto à validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal” (ADC 8 MC / DF - DISTRITO FEDERAL, Plenário, Relator o Min. CELSO DE MELLO, julgada em 13/10/1999, in DJU 04-04-2003, pág. 38). 48

- Jurisdição Constitucional, Ed. Saraiva, 4ª edição, São Paulo, 2004, págs. 172/173. Discordo, todavia, do eminente jurista, pois a exigência legal não diz respeito à legitimidade do autor, mas 49

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Quanto aos efeitos das decisões proferidas pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, foram equiparados pela emenda constitucional nº 45/2004, dispondo o art. 102, § 2º, da Constituição Federal que aquelas produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, federal, estadual e municipal. Idêntico texto, aliás, inserido no art. 103-A da Carta Magna pela mesma emenda, e que instituiu no sistema constitucional pátrio a súmula vinculante, resultante de decisão do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. 50

Até a EC 45/2004, tal efeito vinculante, conforme a Constituição,

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estava

restrito à Ação declaratória de constitucionalidade, além do que vinculava apenas os demais órgãos do Poder Judiciário e o Poder Executivo. Com a nova redação, entretanto, amplia-se o efeito vinculante, que atinge todas as esferas de poder, ou seja, federal, estadual e municipal, seja na administração pública direta, seja na indireta, assim como todos os Poderes dos entes federados, incluindo-se aí, então, os Legislativos e também as decisões administrativas do Poder Judiciário, não apenas os juízes na sua atividade jurisdicional típica.

sim ao interesse de vir a juízo. Assim, por exemplo, o Presidente da República, a despeito da legitimidade para a propositura da ADC, pode não demonstrar o interesse em propô-la, se não lograr atender ao disposto no art. 14, III, da Lei nº 9.868/99. - as distinções, sutis, situam-se no quorum exigido, pois enquanto nas ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade exige-se apenas maioria absoluta (seis votos) dos ministros do STF, para a edição de súmula vinculante exige-se quorum de dois terços dos membros do Tribunal, ou seja, oito votos. Além disso, a súmula não poderá resultar de um único julgamento, mas de reiteradas decisões sobre a mesma matéria. 50

- ressalta-se, contudo, que a lei nº 9.868/99, art. 28, § único, dispunha sobre o efeito vinculante amplo, agora contido na Constituição Federal, art. 102, § 3º, disposição, todavia, de discutível constitucionalidade, vez que, salvo melhor juízo, não poderia o legislador ordinário dispor a respeito. 51

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Trata-se, segundo José Rogério Cruz e Tucci, de mecanismo concebido para a agilização de julgamentos, em decorrência do óbice à reprodução de demandas fulcradas em teses jurídicas já pacificadas na jurisprudência, reconhecida como única solução, ao menos no curto prazo, para minimizar a grave crise causada pela justiça prestada a destempo, a despeito dos que pensam em contrário, sustentando que o efeito vinculante da súmula romperia o dogma da separação de poderes e produziria a estratificação e engessamento da atividade judicial. 52

Certamente, esse efeito vinculante não está a saldo de severas críticas, pelas mesmas razões endereçadas à proposta de súmula vinculante, introduzida pela Reforma do Poder Judiciário (Constituição Federal, art. 103-A). Eduardo Domingos Bottallo, referindose a entrevista do Ministro Sidney Sanches ao Boletim Informativo da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, acerca do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade que teve por objeto a medida provisória que instituiu medidas para contornar o racionamento de energia elétrica em 2001,

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diz que “o mais grave deste

episódio é a revelação de que o excesso de poder decisório concentrado em alguns poucos órgãos de cúpula do Judiciário, por mais respeitáveis que possam ser, dá margem a efetivas contaminações, oriundas de interesses perseguidos por outros Poderes, que nem sempre correspondem aos da sociedade em sua maioria”. Sustenta, assim, que a súmula vinculante não é a solução para aumentar os níveis de eficiência e celeridade da justiça brasileira, por caracterizar-se em clara e manifesta ingerência na atividade jurisdicional dos juízes e tribunais, implicando sua compulsória preordenação e conseqüente amesquinhamento, trazendo em si o indesejável efeito de reduzir à subserviência a mais solene e nobre

- O problema da lentidão da justiça e a questão da súmula vinculante, Revista do Advogado da AASP, São Paulo, 2004, nº 75, pág. 75. 52

- ADC 9 / DF, Plenário, Relator o Min. NÉRI DA SILVEIRA, Relatora para o acórdão a Min. ELLEN GRACIE, julgada em 13/12/2001, in DJU 23-04-2004, pág. 6. 53

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prerrogativa dos membros do Judiciário, que é a de poder julgar com independência, tomando por base tão-somente os ditames do Direito e de suas consciências”. 54

Cumpre, ainda, referir que o art. 27 da Lei nº 9868/99 permite ao STF, em vista de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, desde que pelo voto de dois terços de seus membros (no mínimo, oito Ministros), restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. 55 Admite o legislador, assim, a quebra da regra geral de que a lei inconstitucional é nula e, assim, a declaração de inconstitucionalidade tem sempre efeitos ex tunc, cujo afastamento, conforme Gilmar Ferreira Mendes, está condicionado a um severo juízo de ponderação que, tendo em vista análise fundada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a idéia de segurança jurídica ou outro princípio constitucionalmente relevante manifestado sob a forma de interesse social relevante, descabendo, como no direito português, que tal decisão seja fundamentada em razões de política judiciária, mas tão-somente em fundamento constitucional próprio. Ou seja, para a não-aplicação do princípio da nulidade, mister a demonstração concreta de que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc sacrificaria a segurança jurídica ou outro valor constitucional materializável sob a forma de interesse social. 56

Relativamente ao procedimento a ser observado nas ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, até o advento da Lei nº 9.868/99, observavam-se as disposições do texto constitucional e do Regimento Interno do

- Súmula Vinculante e República, Revista do Advogado da AASP, São Paulo, 2005, nº 81, págs. 32/33. 54

- semelhante possibilidade é aberta, também, para as Cortes Constitucionais da Áustria (um ano) e Turquia (seis meses), como referido no item 2.5. 55

56

- Jurisdição Constitucional, Ed. Saraiva, 4ª edição, São Paulo, 2004, págs. 363/364.

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STF. Todavia, algumas questões não foram reguladas pelo referido diploma legal, o que implica a necessidade da construção pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 57

De relevante, salienta-se que os arts. 3º e 14 da lei dispõem, respectivamente, acerca dos requisitos da petição inicial da ação direta e da ação declaratória, providência, aliás, desnecessária, porque bastaria aplicar o disposto no art. 282 do CPC. 58 Já os arts. 4º e 15, de idêntica redação, permitem ao relator o indeferimento da inicial na hipótese de inépcia, ausência de fundamentação e manifesta improcedência, decisão da qual caberá agravo ao plenário. Os arts. 5º e 16 vedam a desistência da demanda, uma vez proposta, na esteira, aliás, da jurisprudência do STF, consagrada no art. 169, § 1º, do seu regimento interno. O art. 6º impõe ao relator que solicite informações aos órgãos ou autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado, em se tratando de ação direta de inconstitucionalidade, que devem ser prestadas em 30 dias. Os arts. 7º e 18 vedam a intervenção de terceiros, admitindo-se, todavia, na ação direta, a atuação do amicus curiae.

59

Os arts. 9º e 20, por seu turno, tratam da possibilidade de o relator, antes de

lançar relatório e solicitar dia para julgamento, determinar a realização de diligências, inclusive mediante nomeação de peritos ou comissão de peritos, ou, então, ouvir especialistas em audiência pública, além de ouvir Tribunais Superiores e demais Cortes (federais e estaduais) acerca da aplicação da norma impugnada em sua jurisdição. 60

57

- Gilmar Ferreira Mendes, obra citada, pág. 215.

- o art. 14, III, já analisado, elenca requisito específico da ação declaratória de constitucionalidade, qual seja, a indicação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória. 58

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- remete-se o leitor ao comentário ao art. 482, § 3º, do CPC, item 3.3.1.

- essas providências são extremamente salutares, pois além de permitir que o STF decida com base no maior número possível de elementos e informações, alcança maior legitimidade à decisão, considerando, especialmente na ação direta de inconstitucionalidade, a atuação efetiva da sociedade civil organizada e dos setores diretamente atingidos. 60

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Acerca da medida cautelar, ela é viável nas duas demandas, com algumas distinções.

Na ação declaratória de constitucionalidade, o STF poderá tão-somente determinar a juízes e tribunais a suspensão das demandas que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo em disputa, conforme disposição do art. 21 da Lei nº 9.868/99. Assim, a decisão tem apenas efeitos ex nunc. Apesar disso, na ADC nº 9, a cautelar foi concedida com efeitos ex tunc.

Na ação direta de inconstitucionalidade, é possível a suspensão da lei ou ato normativo impugnado, em regra com efeitos ex nunc, salvo se a Corte conceder eficácia retroativa à liminar (art. 11, § 1º); e, concedida a medida cautelar, salvo expressa manifestação contrária do STF, volta a viger a legislação anterior, se existente. Assim, se a norma inconstitucional suspensa pelo STF tiver revogado outra, essa última é reprisitinada (ao menos provisoriamente), o que é de todo recomendável, para evitar o vácuo jurídico.

Quanto ao quorum para deliberação, seja pela inconstitucionalidade, seja pela constitucionalidade, assim como para a concessão da medida cautelar, é aquele previsto no art. 97 da Constituição Federal, ou seja, maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal, remetendo-se o leitor, assim, aos comentários contidos no item 3.3.1.

Há, todavia, algumas particularidades. A medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade pode ser concedida pelo Presidente do STF (ou quem o substituir), no período de recesso, conforme autorização expressa do art. 10, caput, da lei nº 9.868/99, providência inviável na ação declaratória de constitucionalidade, onde o art. 21 exige decisão da maioria absoluta dos membros da Corte, para a concessão da cautelar.

O art. 27, entretanto, prevê um quorum especial a fim de que a declaração de inconstitucionalidade não tenha efeitos ex tunc, não se satisfazendo o legislador com a

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maioria absoluta, mas exigindo que dois terços dos ministros votem nesse sentido. Assim, ainda que a maioria absoluta decida pela inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, o que exige apenas seis votos, necessário que oito ministros estejam de acordo para que a declaração de inconstitucionalidade não tenha, conforme a regra geral, efeito retroativo. Esse mesmo quorum deve, por analogia, ser exigido para os fins do art. 11, § 1º, que permite que à medida cautelar seja concedido efeito retroativo, pois a regra geral é, no caso, o efeito ex nunc.

O art. 23 e seu § único e o art. 24 da lei nº 9.868/99 traçam uma distinção entre o controle concentrado de constitucionalidade e o controle difuso. Nesse, deixa o legislador aos regimentos internos dos Tribunais a liberdade de fixar quorum mínimo para a deliberação de matéria constitucional que, no STF, é de oito ministros. Assim, se houver quorum para deliberação e não houver maioria absoluta de votos (seis, no STF) pela inconstitucionalidade, o incidente argüido é julgado improcedente.

No controle concentrado, entretanto, instituiu-se o caráter dúplice das ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, como ocorre, por exemplo, nas ações possessórias e de prestação de contas, pois o legislador exige a manifestação de no mínimo seis ministros pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, devendo, todos os onze ministros proferir voto. 61

Assim, nos termos do art. 24, se uma ação direta de inconstitucionalidade é julgada improcedente, seis ministros deverão votar pela constitucionalidade da norma; a contrario sensu, se a ação declaratória é julgada improcedente, deverá haver seis votos pela inconstitucionalidade. No primeiro caso, dispensado estará o ajuizamento da ação declaratória e, no segundo, da ação direta.

- o quorum mínimo para julgamento é de oito Ministros. Todavia, não alcançados, entre oito votos, seis pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade, devem ser chamados os demais até que se atinja aquele número, pelo que, em sendo necessário, todos os Ministros do STF devem proferir voto. 61

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4. Conclusões:

Da análise do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, verificase uma ênfase cada vez maior ao controle concentrado, efetuado com exclusividade pelo Supremo Tribunal Federal, à semelhança dos países da Europa Continental, onde o controle difuso é raridade, nos quais, quando muito, os juízes e Tribunais ordinários podem suscitar o controle de constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional, falecendo-lhes competência, todavia, para decidir a questão constitucional.

Além disso, concentra-se cada vez mais poder no STF, característica que se agiganta com a generalização do efeito vinculante de suas decisões, não só no controle de constitucionalidade concentrado, mas também no difuso, com a introdução da súmula vinculante, pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que procedeu à Reforma do Poder Judiciário no Brasil.

A despeito de todas as vantagens do controle concentrado de constitucionalidade e do efeito vinculante das decisões do STF, inclusive no controle difuso, especialmente em um país continental, com diversidades culturais alarmantes, e de um Poder Judiciário cada vez mais assoberbado de demandas, muitas delas repetindo-se milhares de vezes, especialmente nos litígios envolvendo a administração pública, a justificar, por questão de isonomia, que recebam todas a mesma decisão, em detrimento da independência dos juízes e Tribunais inferiores, vozes respeitáveis existem contra essa concentração cada vez maior de poder nas mãos da Suprema Corte.

Só o tempo dirá, todavia, quem tem razão.

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5. Referências Bibliográficas

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