Controle de preços de combustíveis

August 25, 2017 | Autor: Alípio Ferreira | Categoria: Oil and gas, Brazilian Politics, Inflation
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CÓD. CASO 8 DE MAIO DE 2013 Alípio Ferreira Cantisani

Controle de preços de combustíveis “Godzilla morre no fim. Mas faz um estrago dos diabos.” Paulo Francis, jornalista, sobre a Petrobras. Impossível falar em combustíveis no Brasil sem dar destaque à maior companhia do ramo no País: a estatal Petrobras. Criada no segundo governo de Getulio Vargas, no ano de 1953, é a maior empresa pública do País e figura sempre entre as maiores companhias brasileiras. A empresa atua na área de prospecção, exploração, distribuição e comercialização de petróleo, gás natural e biocombustíveis. Costuma inspirar sentimentos extremos nas pessoas, que variam desde o ufanismo de “O Petróleo é Nosso”, lema iniciado por Getulio Vargas e resgatado no governo Lula (2003-2010), até os ácidos comentários do jornalista Paulo Francis contra a estatal, que marcaram sua carreira até sua morte em 1997. No final do governo Lula, foi anunciada com muito alarde a descoberta de gigantescas reservas de petróleo na camada do pré-sal, na costa brasileira. O Brasil tornar-se-ia autossuficiente em petróleo, podendo inclusive ser um exportador de hidrocarbonetos. A Petrobras tinha nesse esquema grandioso um papel fundamental, vindo ao centro dos olhares da sociedade e do governo. A Petrobras foi por muito tempo monopolista na exploração de petróleo em território nacional. A atividade é até hoje vista como “estratégica”, não podendo ser deixada aos sabores do mercado e da iniciativa privada. Caberia, pois, ao Estado garantir a existência dessa atividade econômica e seu funcionamento contínuo, a um preço adequado para ensejar o progresso da Nação. Hoje a Petrobras não é mais monopolista. Na onda de privatização e liberalização dos anos 1990, uma emenda constitucional flexibilizou a forma como a União exerce seu monopólio sobre a exploração de petróleo e gás natural no Brasil, monopólio este preservado na Constituição. Assim, não cabe mais exclusivamente à Petrobras executar essas atividades, e outras empresas privadas podem ser autorizadas. A Emenda Constitucional nº9 de 1995 _________________________________________________________________________________________________________ O(s) autor(es) preparou (ram) este caso. Alguns dados financeiros foram alterados. Os casos da CCasos são desenvolvidos somente como base para discussão em classe. Os casos não se prestam a endosso, fonte de dados primários ou demonstração de gestão eficaz ou ineficaz. Copyright © ANO CCasos – EESP – FGV. Esta publicação não pode ser digitalizada, fotocopiada, reproduzida, postada ou transmitida sem a permissão da CCasos – EESP – FGV. Para pedido de copias ou permissão de reprodução, envie email para ccasos.fgv.br.

autorizou a União a “contratar com empresas estatais ou privadas”i para realizar as atividades de prospecção, exploração, refino, importação, exportação e transporte de petróleo e derivados. No entanto, a empresa continua sendo um player extremamente relevante no mercado de combustíveis. E a empresa, embora tenha aberto seu capital, continua sendo controlada pela União. Seu presidente continua sendo apontado pelo governo federal. Portanto, a política continua tendo papel relevante nos rumos da Petrobras e, de tabela, no mercado como um todo. Uma das intervenções mais intensas e polêmicas do governo na Petrobras é a política de preços de combustíveis. A empresa vem mantendo prejuízos bilionários na sua operação de “abastecimento”, que consiste em toda a cadeia de produção desde o refino até a comercialização de combustíveis. Os preços praticados nos postos de gasolina são, pois, insuficientes para cobrir todos os custos em que a empresa incorre para a execução de todo esse processo. Essa política de preços tem impactos diversos. Preços de combustíveis afetam, evidentemente, custos de transporte, de pessoas e de mercadorias. Daí já se vê que os impactos dessa política vão mais além do que meramente as demonstrações contábeis da Petrobras são capazes de mostrar. Além disso, o preço da gasolina tem impacto sobre o mercado de etanol, uma vez que há substituibilidade entre os dois combustíveis. Há, pois, benefícios e prejuízos a serem ponderados nessa política de “preços baixos” que vem sendo implementada pelo governo brasileiro por meio de sua maior empresa, a Petrobras. Por um lado, fragiliza-se a companhia, a concorrência fica em maus lençóis, o etanol passa a ter sua viabilidade posta em dúvida e estimula-se o uso de transportes, gerando trânsito poluição, etc. Por outro lado, reduzem-se custos de transportes, com efeitos altamente capilares em diversos setores da economia, tornando viáveis transações e novos negócios. Afinal, qual lado pesa mais nessa história? No início de 2013, o governo brasileiro concedeu um ajuste (para cima) nos preços da gasolina, o que representou um alívio para o setor – e descontentamento dos consumidores. Mesmo assim, não foi compensada a defasagem de reajustes, implicando volumosas perdas financeiras à Petrobras.

Petrobras A Petrobras é uma empresa estatal brasileira de economia mista. A União detém diretamente 28,7% do capital social da empresa, sendo que aí estão incluídos 50,3% das ações ordinárias (com direito a voto em Assembleia) da Petrobrasii. Além disso, a União detém mais 17,3% do capital social por meio do BNDES (6,9%) e do BNDESPar (10,4%), o braço de participações acionárias do bando de desenvolvimento. O resto do capital social é dividido entre investidores estrangeiros (34%, incluindo ações ADRiii), um fundo com recursos do FGTSiv (1,2%) e “demais pessoas físicas e jurídicas” (17,9%). O capital social total investido da empresa é de 13,044 bilhõesv de ações, que no seu todo fecharam o ano de 2012 valendo R$254,852 bilhões. A empresa foi fundada numa época em que o Brasil só sonhava em ser um produtor relevante de petróleo. Em 1953 o presidente Getulio Vargas (1950-1954) criou a Petróleo Brasileiro S.A. por meio da lei nº2004. A partir dali a União dispunha de um instrumento para o exercício do 2

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monopólio constitucional para pesquisa, exploração, refino e transporte do petróleo no Brasil. Esse monopólio era garantido pela constituição federal então vigente desde 1946, e foi preservado pelas constituições que a sucederam. Hoje a União é titular monopolista das atividades de pesquisa, exploração, refino e transporte de petróleo e outros minérios, conforme reza o artigo 177 da Constituição Federal de 1988. No entanto, desde 1995, o governo brasileiro foi autorizado por uma emenda constitucional (EC9/95) a contratar com empresas privadas para o exercício desse monopólio, dessa forma rompendo com a condição privilegiada de monopolista da Petrobras. Isto é, embora a Petrobras seja uma empresa pública, ela é uma dentre muitas empresas petroleiras com as quais a União – pessoa jurídica distinta da empresa Petrobras, e real detentora do monopólio – pode contratar. As atividades da longa cadeia de petróleo (pesquisa, exploração, transporte, refino e comercialização) puderam ser quebradas, de forma a abrir a possibilidade de empresas participarem somente de alguma dessas etapas. Em 1997, a lei 9.748, quebrou o monopólio da empresa estatal, e criou a Agência Nacional do Petróleo (ANP), uma agência reguladora federal com incumbências de vistoriar todos os processos dessa indústria, de forma a garantir a provisão adequada de produção para a sociedade e evitar práticas danosas ao meio ambiente e à competição. Esse modelo de abertura ao capital privado possui paralelo com o que ocorreu em outros setores econômicos dantes controlados pelo Estado e que foram privatizados, como foi o caso das telecomunicações. Paralelamente à abertura econômica, o Estado criava uma agência reguladora com atribuições executivas de fiscalização e expedição de normas operacionais, e essa agência seria dotada de autonomia gerencial com relação ao Poder Executivo. Diferentemente do que ocorreu com as teles, no entanto, não houve privatização da Petrobras, mas tão somente abertura econômica do setor para que e empresas pudessem prospectar, explorar, transportar e comercializar petróleo no Brasil, atividades que seriam concedidas pela União – titular de direito dessas atividades – por meio da agência reguladora ANP. Esta teria sua autonomia garantida pela existência de mandatos de seus dirigentes e uma fonte própria de recursos (uma taxa sobre a atividade de exploração do petróleo)vi. A Petrobras, no entanto, preservou sua proeminência incontrastável nessa indústria. Não só é a maior empresa petroleira do Brasil, como é uma das cinco maiores empresas petroleiras do mundo e foi a maior companhia brasileira no ranking geralvii de 2012. Ganhou importância redobrada com o forte aumento nos preços do barril do petróleo na primeira década dos anos 2000 e, posteriormente, com a descoberta das reservas de petróleo do chamado pré-sal. A descoberta de reservatórios imensos sob o Oceano Atlântico na costa brasileira elevou rapidamente o preço das ações da Petrobras. Em 2010 a Petrobras realizou a maior captação de recursos via venda de ações do mundo inteiro, captando mais de R$120 bilhões. Essa operação foi cercada de euforia na imprensa nacional e no governo do presidente Lula (2003-2010). A lei 12.351 de 2010 impõe também que para todas as concessões de exploração do pré-sal, a Petrobras deva ser sócia com no mínimo 30% do capital investido, algo que foi interpretado por alguns como uma “reestatização” da exploração do petróleoviii. No rol das medidas generosas do governo à sua maior companhia, o Estado também cedeu onerosamente (“vender” em juridiquês), por meio da lei 12.276 de 2010, os direitos de exploração futura de 5 bilhões de barris do pré-sal (que pertencem legalmente à União), sem a necessidade que a empresa participasse numa concorrência para tantoix.

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Naquele ano, houve eleições presidenciais, e a afilhada política de Lula, Dilma Rousseff, foi eleita presidente da República por quatro anos.

Inflação Inflação é o processo de alta generalizada de preços na economia. Sempre que, num mercado, houver mais pessoas querendo comprar e circular dinheiro do que pessoas produzindo e gerando valor, haverá pressão por aumento de preços. No mundo teórico da microeconomia, poder-se-ia até mesmo imaginar uma situação de ajuste perfeito de preços de tal forma que o equilíbrio entre oferta e demanda se reestabelecessem sem grandes traumas. Provavelmente, se todos os mercados ficassem parados nos seus lugares, se as preferências dos consumidores ficassem paradas nos seus lugares, se as instituições políticas, os fenômenos climáticos, enfim, se tudo o mais estivesse constante, é razoável crer que um desajuste em um mercado pudesse ser isolado e com um ajuste cirúrgico de preços os problemas estariam solucionados para sempre. Mas a hipótese do “tudo o mais constante”, tão cara e útil aos economistas em suas análises, tende a atrapalhar mais do que ajudar se for levada muito a sério. Na economia, em que os mercados são integrados e interdependentes, essa pressão por aumento de preços num dado mercado tem um efeito de contágio sobre outros. Se o preço do tomate sobe, o preço dos bens que utilizam tomate sobe, e se os consumidores passarem a substituir esses bens por outros que não utilizam tomates, a maior demanda por esses bens substitutos levará a um aumento de preços destes. Processos assim acontecem o tempo todo, e se houver uma tendência unívoca a um “equilíbrio estático de mercado” na economia, ninguém sabe, ninguém viu. Parece também que há uma tendência maior dos preços para aumentar do que para cair, embora o processo acima descrito pudesse muito bem funcionar na ordem inversa. Por alguma razão, há uma rigidez assimétrica de preços: eles sobem mais facilmente do que caem. Isso é discutível, mas é conhecido na literatura econômica como “rigidez de preços para baixo” (ou downward price rigidity). Uma famosa explicação para esse fenômeno contempla também uma das famosas explicações sobre por que ter inflação é ruim e gera distorções na economia: a ideia dos “custos de menu”, do economista americano Gregory Mankiwx. Segundo ele, uma vez que a comunicação dos preços das firmas com os consumidores gera custos (custos de imprimir o cardápio, por exemplo), não é toda hora que uma firma reajusta preços. E como há mais incentivos para reajustar para cima do que para baixo (por que incorrer em custos para baixar receita?), há uma rigidez assimétrica de preços, que sobem mais rapidamente do que descem, para a tristeza dos consumidores. Há outras distorções e mazelas que acompanham a inflação. Se ela é imprevisível, os investidores são incapazes de determinar o retorno real de seu investimento. Se ela é alta, tende a corroer o poder de compra daquelas pessoas que detêm mais papel-moeda: afinal, uma mesma quantidade de reais ou dólares terá um poder de compra menor se os preços da economia aumentarem, mas o dinheirinho na mão do cidadão permanecer o mesmo. A inflação tende a ser um tema politicamente sensível, pois a parcela da população mais vulnerável a ela é justamente aquelas que detém a maior parte de sua renda na forma de moeda: em geral a população mais carente. 4

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De forma mais objetiva, pode-se afirmar que a inflação é a velocidade dos preços, ou seja, o quanto os preços mudam com relação ao tempo. E para acompanhar e controlar a inflação, criam-se índices de preços, específicos ou gerais, que fornecem uma ideia de como anda essa velocidade, e se ela tem acelerado ou arrefecido. No Brasil, país com histórico inflacionário traumático (durante a década de 1980 e início da década de 1990, inúmeros planos econômicos tentaram conter uma hiperinflação, até o advento do Plano Real em 1993), alguns índices importantes são os Índices Gerais de Preços da Fundação Getulio Vargas e os dois Índices Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Ambos os índices mencionados do IBGE levam em conta cestas de bens de consumo de famílias tal como apuradas nas Pesquisas de Orçamento Familiar (POF), realizadas pelo próprio Instituto. A diferença básica entre os dois índices é que o INPC somente considera as cestas para famílias que ganham de 1 a 5 salários mínimos, enquanto que o IPCA, mais amplo, considera famílias até 40 salários. As informações são coletadas em regiões metropolitanas brasileiras, e gozam de grande credibilidade, sendo utilizadas amplamente na academia, no mercado e no governo como parâmetros para análises e decisões. De forma muito importante, é com base no IPCA que o governo toma suas decisões de política monetária e fiscal com o intuito de domar a inflação. O regime de metas de inflação, modelo de política macroeconômica implantado no País em 1999, baseia-se justamente numa “meta de inflação” que toma como parâmetro o IPCA. Assim, por exemplo, a meta de inflação de 2013 é uma variação positiva de 4,5% no IPCA, com tolerância de 2% para mais ou menos. No entanto, como se sabe muito bem, os diversos itens que entram na composição do índice e que finalmente são afetadas pelas políticas monetária e fiscal têm comportamentos próprios. Alguns itens são mais sensíveis que outros à alta de juros, instrumento típico de combate à inflação, como é o caso de bens de consumo duráveis, comprados a prazo (com financiamento) ou bens que tomam como referência os preços de bens importados, já que a política monetária possui efeitos sobre a taxa de câmbio. Outros serão mais sensíveis a choques de oferta, algo que uma alta de juros pouco pode influenciar, como é tipicamente o caso dos bens agrícolas, como o tomate e o chuchu. Outros ainda dependem tipicamente da caneta de um governante, por exemplo: os preços de energia elétrica, de passagens de transporte coletivo e – assunto que mais nos interessa aqui – combustíveis. Na ponderação a partir da POF 2008-2009, o item “combustíveis”, dentro da categoria “transportes”, ganhou peso de 5,43% no IPCA, sendo que 4,3% é só gasolinaxi (ver anexo A para distribuição dos pesos por categoria).

Governo Dilma Rousseff Dilma Vana Rousseff nasceu em uma família abastada de Belo Horizonte, Minas Gerais. Envolveu-se com a luta armada de esquerda durante a ditadura militar brasileira que durou de 1964 a 1985, tendo sido, por conta disso, presa e torturada. Após sua soltura, mudou-se para o estado do Rio Grande do Sul, onde morava a família de seu companheiro na época. Graduou-se em economia na Universidade Federal em Porto Alegre, e chegou a começar o curso de mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no estado de São Paulo. Sua carreira política, excetuando a atuação na militância armada, começou no Rio Grande do Sul. Sempre ocupando cargos técnicos, Dilma destacava-se como uma gestora eficaz e séria. Foi por duas vezes Secretária de Minas, Energia e Comunicações do Rio Grande do Sul, cargo de 5

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onde foi alçada ao posto de Ministra das Minas e Energia, com a eleição do presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010). Recém-filiada ao PT, partido de Lula, Dilma conquistara a confiança do presidente e ex-metalúrgico, que a nomearia ainda sua Ministra da Casa Civilxii, quando o ministro José Dirceu, militante histórico do PT, teve de renunciar por conta de um escândalo de corrupção que o atingia em cheio. Por conta desse mesmo escândalo, o Partido dos Trabalhadores viu muitos de seus líderes tradicionais perderem credibilidade e prestígio popular, de forma que Lula surpreendeu ao escolher Dilma como candidata à sua sucessão. A mulher que nunca havia disputado na vida um cargo eletivo foi eleita no segundo turno para a presidência da República, tornando-se a primeira mulher chefe de Estado do País. Lula, que havia assumido, em 2003, um país recém-saído da inflação e ainda muito traumatizado por ela, mostrou-se em seus primeiros anos mais realista que o rei. O ministro da Fazenda por ele escolhido, Antonio Palocci, aumentou a meta de superávit primário, como sinalização de um esforço ultra ortodoxo para conter a demanda agregada e o endividamento público. Como se não bastasse, Lula nomeou para encabeçar o Banco Central um economista filiado – e eleito deputado federal – ao PSDB, o partido de seu adversário nas eleições, e ligado umbilicalmente ao mercado financeiro: Henrique Meireles. Foram anos de austeridade e construção de credibilidade, gesto que muitos poderiam julgar inusitado vindo de um líder político tradicionalmente crítico das políticas econômicas rigorosas de seu antecessor. O sucesso no controle da inflação foi inegável. As taxas de inflação foram inferiores àquelas praticadas sob a administração de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o presidente que coordenou a estabilização da macroeconomia brasileira. Além disso, o País voltou a crescer, fenômeno que não ocorria desde fins da década de 1970. Cresceu a popularidade de Lula com as classes mais pobres da população (tradicional reduto político da direitaxiii), que viram sua renda aumentar substancialmente sob sua administração, além daqueles que receberam auxílio direto do governo federal via programas de transferência de renda. Também atingido por um escândalo político, o ministro Palocci teve de deixar o governo, dando lugar a um economista antigo do PT: Guido Mantega. Nascido em Gênova, na Itália, Mantega sempre foi um economista de pensamento dito “heterodoxo”, esposando teses marxistas e keynesianas de gestão de política econômica. Professor da Fundação Getulio Vargas, foi membro fundador do PT em 1980 e era muito próximo de Lula. A sua ascensão ao poderoso Ministério da Fazenda marcou não só uma merecida compensação por tantos anos de militância, como também uma guinada na linha ortodoxa que a política econômica vinha mantendo. Com a eleição de Dilma, uma economista heterodoxa como Mantega, a linha da política econômica do governo se intensificou. As teses ditas “desenvolvimentistas”, que advogam participação ostensiva do Estado no estímulo da atividade econômica, ganharam força com a crise financeira global que teve início em 2008, desmoralizando o sistema financeiro e o liberalismo econômico de mercado. Em 2010, os dois principais postulantes à presidência, Dilma Rousseff e José Serra, eram economistas com longo histórico de esquerda, pensamento heterodoxo e simpatia pela liderança estatal no processo do desenvolvimento econômico. Ganhou o continuísmo. Dilma iniciou seu mandato com uma agenda agressiva de continuidade das políticas de turbinar o investimento público, iniciadas por Lula com os dois Planos de Aceleração do Crescimento (PAC) e aumento da participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social 6

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(BNDES) na formulação de política industrial, estímulo à criação de “campeões nacionais” e concessão de empréstimos subsidiados para formação bruta de capital. Sem cortar gastos com programas sociais, dentre os quais o Bolsa Família (transferência de renda) e o Minha Casa Minha Vida (subsídio a moradias populares), os primeiros anos de governo foram de sucessivos estímulos à demanda agregada da economia. A cereja do bolo foi a queda das taxas de juros, processo já empreendido com ousadia no primeiro ano de governo. O Banco Central do Brasil baixou a taxa básica (Selic) em mais do que 5 pontos percentuais em sucessivas reuniões do Comitê de Política Monetária (COPOM), estabelecendo um novo patamar para a política monetária, o qual, reconhece a maioria dos analistas, veio para ficar. Infelizmente, no entanto, a oferta não respondeu com vigor. Os investimentos privados mantiveram-se modestos em 2011, em cerca de 20% do PIB, caindo dramaticamente para 18,4% em 2012, para desespero dos policy makers do Planalto Central. A economia cresceu pífios 2,7% em 2011 e 0,9% no ano seguinte. A inadimplência começou a aumentar, deixando bancos em estado de alerta, e os preços, como era de se esperar, começaram a sair do controle. A inflação brasileira voltou a ser um tema de preocupação constante, e o Banco Central passou a ser veementemente criticado por sua inépcia ou inação. No entanto, a presidente nunca pareceu insatisfeita com o trabalho da política monetária, dando inclusive declarações à imprensa que sugeriam candidamente que jamais faria a opção de sacrificar o crescimento para conter a inflação, como declarou em março de 2013 em Durban, África do Sul. Isso não quer dizer que a presidente deseje inflação, mas que os instrumentos típicos de combate, que visam reduzir a demanda agregada, não gozam de muita simpatia no Palácio do Planaltoxiv. O novo mix de política econômica do governo, batizado de “nova matriz econômica” pelo Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcio Hollandxv, consistiria em juros baixos, câmbio administrado e menor carga tributária. Segundo ele, o governo não almeja abandonar o regime de metas de inflação, mas simplesmente conferir-lhe um novo arsenal. O problema é que a inflação de 2012 foi de 6,5%, medida pelo IPCA e 5,8% em 2012, ambos valores bastante acima do centro da meta (4,5%). Como o governo deseja combater isso?

Controle de preços de combustíveis Se um bem é utilizado para fazer muitos outros bens, isso significa que a dinâmica desse bem insumo é fundamental para explicar a dinâmica dos bens-produtos. Isso significa que se o bem insumo subir muito de preço, afetará toda essa série de bens produtos, e que por isso é bom prestar muita atenção. É o caso da gasolina e do diesel. Além de ter um peso direto sobre o orçamento de famílias e firmas, como já foi mencionado (vide o peso da gasolina no IPCA), o preço da gasolina afeta indiretamente muitos outros bens da economia. Uma vez que no Brasil o modal de transporte mais comum é o automobilístico, os custos desse tipo de transporte influenciam toda a economia. Muitos tipos de fretes ficarão mais caros, as viagens ficarão mais caras e por aí se multiplicam os efeitos. No caso do diesel, o mesmo pode ser dito, uma vez que é o combustível usado por veículos de maior porte, como caminhões. O modal rodoviário é responsável por 56,8% da carga transportada no Brasil e 92,2% do transporte de passageiros, segundo dados de 2010xvi (vide anexo B). E se o custo de transporte do tomate de Arujá para São Paulo se torna muito caro, alguém pagará essa conta.

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Num Brasil com baixo crescimento e inflação dando sinais de alta, como é aquele do final dos anos Lula (2003-2010) e dos dois primeiros anos Rousseff (2011 e 2012), os preços da gasolina e do diesel tornaram-se estratégicos, e a capacidade do governo de determinar esses preços revelou-se um ativo valiosíssimo. Uma vez que é a União quem controla a Petrobras, e esta é a maior empresa do setor petroleiro brasileiro, tendo presença em todas as operações relativas a combustíveis, desde a extração até a comercialização, passando pelo refino, a Petrobras é um ente poderosíssimo. Embora o Brasil tenha diversificado sua matriz energética ao expandir a produção de etanol e a frota de carros que rodam com esse combustível, o governo brasileiro tem parecido determinado em evitar que os preços da gasolina sejam reajustados na mesma velocidade que os custos para sua produção. Em termos reais, como se pode ver no anexo C, houve queda do preço da gasolina nos últimos anos, com óbvios efeitos sobre a demanda por esse combustível, e impactos sobre a inflação. Em outras palavras, o governo passou a utilizar o controle de preços de gasolina como uma maneira de controlar a inflação, sem ter que sufocar a demanda agregada, ou seja, sem ter que frear o crescimento econômico, gerando desemprego e capacidade ociosa. De fato, as medidas clássicas de combate à inflação consistem em reduzir a sanha demandante dos agentes econômicos, induzindo menor nível de emprego da capacidade de capital instalado e de mão de obra. O Brasil vive sob Dilma Rousseff as menores taxas de desemprego em décadas, oscilando em torno de 5% da População Economicamente Ativa. Para um partido que historicamente defende os trabalhadores, isso é uma vitória simbólica, da qual a atual equipe econômica não deseja abrir mão. Mesmo assim, optar por vias alternativas de combate à inflação tem também seus custos, e a Petrobras os tem amargado balanço após balanço. Afinal, por mais que os preços de gasolina ao consumidor final sejam controlados, os custos para produzi-la e transportá-la não respeitam necessariamente os desejos da presidente da República. Mas ao que parece, para o governo, os malefícios da retração da demanda agregada seriam superiores ao custo de se manterem os preços congelados. Os incentivos dados pelo governo federal à compra de automóveis, por meio de sucessivas e prolongadas desonerações fiscais, levaram a um aumento da frota brasileira de carros de 27 milhões para 31 milhões de veículos de 2010 a 2012, ajudando a pressionar a demanda pela gasolina, o que num mercado livre levaria naturalmente a um aumento de preços. Para caprichar o combo pró-gasolina, o governo ainda baixou, no apogeu da crise, o percentual obrigatório de etanol anidro na gasolina, de 25% para 20%, tornando o combustível detentor de maior potencial calorífico e, portanto, mais atraente. O resultado? O Brasil teve que apelar a um expediente inédito em sua história: importar gasolina. Até então, embora, não fosse autossuficiente em petróleo, sempre refinou e produziu 100% da gasolina consumida em território nacionalxvii. Com instabilidade geopolítica no Oriente Médio, o preço do barril do petróleo (vide Anexo D) manteve-se em patamares elevados (várias vezes o valor que atingiu durante os choques do petróleo), de forma que importar petróleo e combustível implicou em gastos extraordinários para a Petrobras e chegou a reverter o saldo, outrora positivo, da balança comercial brasileira em 2013. O valor de mercado da Petrobras, que já não inspirava muita confiança em muitos investidores desde há alguns anos, despencou (vide Anexo E), e seus resultados em 2012 e 2013 foram, a 8

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cada anúncio, desapontadores. Uma vez que sua operação de abastecimento, que contempla a compra e venda de combustíveis, é “bilionariamente” deficitária, os resultados da empresa tiveram que servir de tapa-buracos para um buraco sem fundos. Só em 2012 o prejuízo na operação de abastecimento foi de R$34,2 bilhões, o que levou a uma queda de 36% no Ebitda da empresa, que foi de R$21,2 bilhões no ano. A produção de petróleo da empresa caiu 2,3%xviii. Foi a quarta vez em oito anos que a empresa viu seu lucro cair de um ano para outro. O resultado total foi positivo principalmente graças à rentabilidade da operação de Exploração e Produção, que teve lucro líquido de R$61,8 bilhões em 2011 e R$69,2 bilhões em 2012. Para piorar o cenário, a relação dívida líquida/Ebitda elevou-se de 1,66 em 2011 para 2,77 em 2012, o que põe a empresa na rota de ser rebaixada em sua classificação de risco, com efeitos nocivos sobre os seus custos de financiamento futuroxix. Os efeitos sobre o valor da empresa são dramáticos, tendo o valor das ações da Petrobras caído vertiginosamente nos últimos anos. Isso foi razão para intensa crítica contra a gestão da empresa, uma vez que, crentes em sua capacidade de gerar valor, muitas pessoas depositaram suas economias em ações da estatal. Quem fez isso desejoso de aumentar sua riqueza nos últimos cinco anos, frustrou-se: a ação preferencial PETR4 valia R$40,01 em maio de 2008, levou um forte tombo na crise que a derrubou par aa marca dos R$16, recuperou-se para R$26,24 em maio de 2010 e em maio de 2013 fechou em R$20,33. O FGTS, fundo composto por uma poupança compulsória de trabalhadores, é um dos principais acionistas, e a corrosão do valor da empresa implica também em corrosão da poupança de seus credores. Nesse ano, o governo concedeu um reajuste de preços ao diesel e à gasolina, de 3,9% e 7,8% respectivamente. Porém, evitou que esses reajustes fossem repassados ao consumidor final ao zerar a CIDExx sobre combustíveisxxi. Finalmente, concedeu-se aumento no preço da gasolina no início de 2013, em 6% para a gasolina pura (o valor repassado acaba sendo menor por conta da mistura da gasolina com etanol, que compõe 20% da mistura comercializadaxxii) e 5,4% para o dieselxxiii. Esse valor nem de longe corrige a inflação acumulada desde que o governo resolveu segurar os preços do combustível, mas representa certamente um alívio para as finanças da empresa. O alívio maior é menos visível, e sobre outra indústria. Aliás, é talvez nessa indústria que resida o problema maior de toda a política de preços “baixos” que o governo brasileiro resolveu adotar: a indústria do etanol. Além de se beneficiar do reajuste dos preços da gasolina, o setor também pôde comemorar a volta do percentual de 25% de álcool anidro na gasolina comercializada nos postos, anunciada em janeiro de 2013 para entrar em vigor dia 1º de maioxxiv.

Etanol sufocado Para além da destruição do valor de mercado da Petrobras que a política de preços do governo brasileiro tem causado, a indústria de etanol é a que mais tem sofrido com a concorrência desleal da gasolina. Na verdade, como bem lembrou a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, em palestra no dia 20 de abril de 2013 na FGV-SP, não é novidade para nenhum investidor que a empresa é controlada pela União, devendo assim seguir as diretrizes de seu acionista controlador. Acionista minoritário pode até reclamar, mas não dá para dizer que não estava avisado de que isso poderia acontecer.

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Já a indústria de etanol assistiu a tudo isso estupefata. A produção do combustível renovável foi iniciou-se como uma política de Estado, em plena ditadura militar, 1975. O programa ProÁlcool surgiu como resposta às crises do petróleo, que afetaram duramente um Brasil extremamente dependente de importação de combustíveis fósseis e com delicada situação fiscal externa. A política foi bem sucedida, e em poucos anos a maior parte da frota brasileira já circulava a álcool. No entanto, com os preços do petróleo voltando ao Planeta Terra, a gasolina voltou a ser algo viável e interessante. E à medida que a produção petroleira brasileira foi se intensificando, tornou-se ainda mais interessante virar-se para essa fonte energética. Durante a década de 1990, com o Brasil voltado a outras prioridades que não o estímulo à indústria de etanol, e com a quebra do monopólio da Petrobras em 1997, ensejando a entrada de novos produtores e o aumento da produção, a gasolina voltou a ter papel preponderante como combustível de automóveis no País. Foi somente com o advento da tecnologia flex-fuel que o etanol voltou à moda. Em 2003 o primeiro carro de passeio flex foi lançado no mercado, e dentro de cinco anos, esse tipo de veículo já representava 23% da frota brasileiraxxv. Com uma nova alta dos preços do petróleo verificada na primeira década do milênio, a alternativa renovável à gasolina se tornou mais simpática e viável. O presidente Lula chegou a profetizar que o Brasil tornar-se-ia uma “Arábia Saudita verde”, e as usinas de etanol pipocaram pelo interior do Brasil, sobretudo em São Paulo. Mas foi só o Brasil descobrir o pré-sal que as coisas mudaram de figura. De “Arábia Saudita verde” o presidente começou a falar numa “Venezuela sob o mar”. O governo parecia só ter olhos para o ouro negro que, um dia, seria retirado das profundezas do Oceano Atlântico. Foi mais ou menos por aí que o etanol começou a se dar mal. No meio da crise financeira, o governo estimulou vendas de automóveis, mas baixou o percentual da mistura de álcool anidro na gasolina e segurou os preços da gasolina. Segundo reportagem do jornal O Estado de São Paulo de 15 de abril de 2013, os usineiros já eram “unânimes em reclamar de que o congelamento do preço da gasolina promovido pelo governo para o controle da inflação não só comprometeu as contas da Petrobrás como também minou a competitividade do etanol.”xxvi. Etanol e gasolina são bens substitutos, no Brasil mais do que em qualquer outro lugar, devido à tecnologia que permite que carros circulem alternativamente com um ou outro combustível. Isso quer dizer que os consumidores substituem um pelo outro quando for mais conveniente, isto é, financeiramente mais vantajoso. Devido ao menor poder calorífico do etanol, calcula-se que valerá a pena abastecer com esse combustível caso o preço dele esteja igual ou abaixo de 70% o preço da gasolina. Naturalmente, outras variáveis podem influenciar um consumidor: ele pode preferir pagar um pouco mais pelo etanol por saber que desta forma poluirá menos o meio ambiente; poderá preferir o etanol para dar uma marginal contribuição a um setor econômico em dificuldades; ou simplesmente pode se esquecer de fazer a conta e abastecer com etanol por puro hábito. Mas, via de regra, os 70% são uma boa aproximação para agentes minimamente racionais quando se trata de abastecer seus veículos. Uma vez que os preços de etanol não são controlados diretamente pela Petrobras, e as indústrias de etanol não possuem razões para realizar subsídios cruzados de outras operações e manter preços baixos ao consumidor, os postos de combustível passaram a vender o combustível da cana-de-açúcar a um preço mais alto. Assim como tudo na economia, exceto poucas coisas, 10

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como a gasolina, o etanol foi ficando mais caro. Mas como a gasolina não foi acompanhando essa evolução de custos, o etanol foi deixando paulatinamente de ser vantajoso para os consumidores flex. Segundo levantamento da revista Exame, de 8 de fevereiro de 2013, somente era vantajoso abastecer com álcool em quatro Estados brasileirosxxvii: Mato Grosso, São Paulo, Goiás e Paraná, justamente aqueles próximos às regiões produtoras. Dois meses depois, em 24 de abril, o portal Terra declara que somente dois Estados apresentavam preços vantajosos: Mato Grosso e Goiásxxviii. Apesar do aumento da frota de automóveis e consumo de combustíveis, houve queda de 40% no volume de vendas de álcool hidratado no Brasil de 2009 a 2012, segundo dados da ANP. No ano de 2011 a queda anual foi de 27,7%, e em 2012 as vendas caíram 9,6%. Em contrapartida, o volume de vendas de gasolina cresceu 56% de 2009 a 2012, aumentando 18,9% em 2011 e 11,9% com relação aos anos imediatamente anteriores (ver Anexo F). Como a produção de gasolina não acompanhou esse ritmo de crescimento, as importações tiveram que satisfazer a demanda. A Petrobras, mantenedora de sua própria política de preços, realizou vultosas importações de gasolina a partir de 2010 (vide Anexo G), de forma que os preços congelados não se revertessem em desabastecimento. A indústria de etanol tem, por outro lado, um alívio. A matéria-prima do etanol, a cana-deaçúcar, é também o insumo de outra commodity importante: o açúcar. As usinas facilmente podem passar da produção de um para outro, sem incorrer em grandes custos. Assim, da mesma forma que pelo lado da demanda há substituibilidade entre o etanol e a gasolina, do lado da oferta há substituibilidade entre etanol e açúcar. A depender do preço de venda dos dois produtos, o usineiro optará por produzir mais ou menos deles. Enquanto o preço do açúcar estava em alta no mercado internacional, a política da Petrobras gerava mais danos a ela própria do que ao etanol. No entanto, uma seca no interior de São Paulo em 2009 já começou a complicar a situação dos produtores brasileiros. Em seguida, o preço do açúcar despencou (voltaria a subir em seguida, como se pode ver no anexo H). Nos anos que se seguiram, 40% das usinas foram vendidas a grupos estrangeirosxxix. Durante todo o ano de 2013, os preços da commodity mostraram franca tendência de queda.

Sinuca de bico Estamos em abril de 2013. O ano será decisivo para a presidente Dilma. Por razões diversas, a campanha eleitoral pelo seu cargo em 2014 se iniciou antecipadamente, com movimentações e negociações intensas entre partidos políticos da base e da oposição. Vários “estrelas” começaram a despontar com ideias para o Brasil e os Estados, fazendo dos governos e dos parlamentares quase reféns de uma insana campanha temporã. No meio disso, a gestão da economia enfrenta um período delicado. A inflação começa a assustar, embora em março tenha dado sinais de acomodação. O IGP-M da Fundação Getulio Vargas, que fechou o ano de 2012 em 7,8%, já acumula 7,35 em doze meses, sinais de que os preços desaceleraram. Será? O IPCA, índice oficial do governo, tende a dizer o contrário. Tendo fechado em 5,8% em dezembro de 2012, portanto dentro da margem de tolerância da meta de 4,5%, o índice já acumula variação de 6,6% entre março de 2012 e março de 2011.

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Os reajustes concedidos aos preços da gasolina e do diesel devem impactar nos preços, embora estes continuem defasados e, assim, causando prejuízos à empresa. Mas a indústria de etanol encarecidamente agradece. Em outra bateria de agrados aos usineiros, o governo zerou tributos (PIS/Cofins) sobre o etanol a fins de abrilxxx. Desonerações fiscais em diversos setores da economia têm sido, a propósito, um outro expediente corriqueiro da administração de Dilma Rousseff para reduzir preços ao consumidor e fomentar a economia. De fato, apesar de a Petrobras segurar os preços da gasolina, eles são ainda altos em comparação com outros países. A razão para tal reside em grande medida na pesada tributação que incide sobre combustíveis. Ciente dessa situação, que aliás é o caso para inúmeros outros setores, o governo federal resolveu fazer sua parte para reduzir os preços: baixar tributos. Mas não é só o governo federal que goza de prerrogativa para tributar combustíveis. Os Estados são os que mais mordem o bolso do comprador de gasolina e etanol, por meio do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços). No Estado de São Paulo, o mais rico da federação, a alíquota de ICMS é de 25% sobre o preço de venda da gasolina, e 12% no caso do etanol. Em outros Estados, o etanol não possui benefício fiscal. Quando o governo federal corta tributos, baixando os preços, acaba afetando também a arrecadação dos Estados, que reclamam. Não é fácil administrar uma federação. Esse não é o maior problema, embora o “maior” problema nesse caso seja mais uma questão de gosto do que de diagnóstico objetivo. Ocorre que para além dessas questões federativas e fiscais, que possuem enorme importância prática (afinal, se o governo está cortando receitas, estará ele também cortando despesas, de maneira a manter a sustentabilidade das finanças públicas?), o próprio intuito de combater a inflação por meio de desonerações tributárias é discutível. Se por um lado o Brasil é um país reconhecidamente caro em padrões internacionais, e isso em grande medida graças ao ônus tributário, o fenômeno da “inflação” tem pouco a ver com isso. Afinal, inflação é a velocidade com que os preços aumentam, e não o nível em que os preços estão. E essa velocidade é afetada mormente pelo descompasso entre a demanda e a oferta agregadas. Em outras palavras, os preços podem ser altos, e a inflação baixa, e vice-versa. De fato, ao cortar impostos e forçar os preços a caírem, o governo afeta os índices de inflação. Ao segurar o preço da gasolina, idem. Aqueles 5% que a gasolina representa no IPCA ficarão parados, ajudando o índice a ficar dentro da meta. No entanto, há efeitos derivados dessa medida que podem atrapalhar o intuito benevolente do governo. Pois se o preço de combustíveis está mais barato, isso significa que os consumidores possuem mais dinheiro para gastar com outras coisas. E uma vez que o combustível é um preço embutido em inúmeras categorias de bens e serviços, um subsídio a esse preço representa um ganho enorme para os consumidores. Assim, na prática essa medida representa um incentivo aos consumidores a gastarem o dinheiro de outra forma: é uma forma de transferência de renda aos consumidores, um estímulo à demanda agregada e, por conseguinte uma pressão inflacionária. Por outro lado, deixar o preço da gasolina subir muito implicará o contrário: uma contração da demanda agregada, uma vez que a demanda por combustíveis é inelástica, isto é, ninguém vai deixar de consumir drasticamente combustíveis se os preços aumentarem. É claro que muitos poderão substituir a gasolina por etanol, mas isso levaria certo tempo, e há veículos que só rodam com gasolina. A redução da demanda agregada leva a uma contração da atividade econômica, com efeitos negativos sobre a utilização de capacidade instalada e, possivelmente, desemprego. Uma vez que o crescimento do PIB foi pífio nos dois primeiros anos de Dilma, especialmente no segundo (0,9%), tomar uma decisão desse gênero é altamente arriscado. 12

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Finalmente, não é demais lembrar que as cidades brasileiras estão sofrendo de graves doenças urbanas: congestionamentos e poluição. A mobilidade urbana está se tornando um tema sensível para o bem-estar dos cidadãos, mas ninguém parece ter tomado alguma atitude concreta no sentido de conectar esse problema com os sucessivos incentivos estatais à compra de automóveis e combustível. Houve uma época, poucos anos atrás, em que se louvava o fato de o Brasil ser capaz de produzir em larga escala um combustível renovável e menos poluente do que a gasolina. Hoje os EUA são maiores produtores de etanol do que nós. De autossuficientes em petróleo para importadores de gasolina: algo parece ter dado errado nos planos do governo. Entre mortos e feridos, por ora todos estão salvos, mas algo precisa ser feito. Mudanças importantes tipicamente têm de desagradar a alguém, e no caso de políticos, tende-se a evitar desagradar a maioria, ou as minorias mais eloquentes. Com o etanol em dificuldade, a balança comercial de petróleo pesando no bolso da Petrobras, o seu valor de mercado despencando, a inflação em alta e o crescimento econômico em baixa, a vida de Dilma não está fácil. Se você fosse ela, o que você faria?

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Referências ACCIOLI, CLÁUDIO E SOLANGE MONTEIRO. MODELO EM XEQUE: PERDAS DA PETROBRAS E ESTAGNAÇÃO DO MERCADO DE ETANOL REVELAM URGÊNCIA NA REDEFINIÇÃO DA POLÍTICA DE PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS. RIO DE JANEIRO: CONJUNTURA ECONÔMICA, MARÇO DE 2013. DIEGUEZ, CONSUELO. COLHEITA AMARGA. PRODUÇÃO DE ETANOL PATINA, EMPRESAS NACIONAIS SÃO VENDIDAS E PAÍS FICA LONGE DA AMBIÇÃO DE SER UMA “ARÁBIA SAUDITA VERDE”. RIO DE JANEIRO: REVISTA PIAUÍ, MARÇO DE 2013. EPE, EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. ESTUDOS ASSOCIADOS AO PLANO DECENAL DE ENERGIA PDE 2021. CONSOLIDAÇÃO DE BASES DE DADOS DO SETOR TRANSPORTE: 1970-2010. BRASÍLIA: EPE, 2012 IBGE. SISTEMA NACIONAL DE ÍNDICES DE PREÇOS AO CONSUMIDOR: ESTRUTURAS DE PONDERAÇÃO A PARTIR DA PESQUISA DE ORÇAMENTOS FAMILIARES 2008-2009. IBGE, COORDENAÇÃO DE ÍNDICES DE PREÇOS. RIO DE JANEIRO: IBGE, 2012. MANKIW, GREGORY. SMALL MENU COSTS AND LARGE BUSINESS CYCLES: A MACROECOOMIC MODEL OF MONOPOLY. QUARTERLY JOURNAL OF ECONOMICS, MAY 1985. PIRES, ADRIANO. É PRECISO CUIDAR DA PETROBRAS. SÃO PAULO: O ESTADO DE SÃO PAULO, 13 DE FEVEREIRO DE 2013. SINGER, ANDRÉ. OS SENTIDOS DO LULISMO. REFORMA GRADUAL E PACTO CONSERVADOR. SÃO PAULO: COMPANHIA DAS LETRAS, 2012. SPRINGER DE FREITAS, PAULO. A INTERFERÊNCIA NO PREÇO DA GASOLINA É UM BOM INSTRUMENTO PARA SE CONTROLAR A INFLAÇÃO? BRASIL, ECONOMIA E GOVERNO (www.brasil-economia-governo.org.br), 18 DE FEVEREIRO DE 2013. SUNDFELD, CARLOS ARI. DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO. SÃO PAULO: EDITORA MALHEIROS, 2001.

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Anexos Anexo A

Pesos do IPCA Vestuário 6%

Saúde e Cuidados Pessoais 11%

Artigos de Residência 5%

Educação 4%

Despesas Pessoais 9%

Transporte Público 5%

Veículo Próprio 12%

Transportes 22%

Habitação 14%

Combustíveis 5%

Alimentação e bebidas 22%

Comunicação 6%

Anexo B

Transporte de passageiros 100% 98% 96%

3,30% 0,10%

94% 92%

3,50% 0,10% 3,10%

4,20%

5,00%

0,10% 2,70%

0,10% 1,50%

9,70%

6,00% 0,10% 1,70% Aéreo

90%

Aquaviário

88% 93,30%

86% 84%

93,00%

93,50%

92,20%

Ferroviário Rodoviário

86,80%

82% 80% 1970

1980

1990

2000

2010

Fonte: Empresa de Pesquisa Energética; Medido em passageiros-quilômetros

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Transporte de cargas 100% 90% 80%

0,10% 11,60% 16,30%

70%

0,10% 12,40%

0,10% 15,60%

0,20% 14,40%

24,40%

22,20%

21,60%

0,10% 18,10% 25,00%

60%

Aéreo

50% 40% 30%

Aquaviário 72,00%

63,10%

62,00%

63,80%

56,80%

20%

Ferroviário Rodoviário

10% 0% 1970

1980

1990

2000

2010

Fonte: Empresa de Pesquisa Energética; Medido em toneladas-quilômetros

Anexo C Preços de combustíveis em São Paulo Dados de janeiro de cada ano (preços correntes) Gasolina Etanol Data Consumidor Distribuidora Consumidor Distribuidora Preço Etanol/Gasolina 2002 1,547 1,270 0,872 0,659 0,564 2003 2,094 1,699 1,273 0,939 0,608 2004 1,921 1,610 0,967 0,730 0,503 2005 2,196 1,870 1,241 0,979 0,565 2006 2,393 2,080 1,521 1,149 0,636 2007 2,426 2,129 1,383 1,090 0,570 2008 2,400 2,090 1,286 0,989 0,536 2009 2,409 2,149 1,312 1,050 0,545 2010 2,490 2,119 1,799 1,359 0,722 2011 2,507 2,179 1,733 1,399 0,691 2012 2,649 2,259 1,888 1,490 0,713 2013 2,644 2,229 1,829 1,479 0,692 Fonte: ANP Fonte: ANP

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Preços de combustíveis em São Paulo Dados de janiero de cada ano, em R$ de jan/2013 Gasolina Etanol Data Consumidor Distribuidora Consumidor Distribuidora Preço Etanol/Gasolina 2002 3,085 2,533 1,739 1,314 0,564 2003 3,648 2,960 2,218 1,636 0,608 2004 3,107 2,604 1,564 1,181 0,503 2005 3,307 2,816 1,869 1,474 0,565 2006 3,409 2,963 2,167 1,637 0,636 2007 3,356 2,945 1,913 1,508 0,570 2008 3,175 2,765 1,701 1,308 0,536 2009 3,011 2,686 1,640 1,313 0,545 2010 2,976 2,532 2,150 1,624 0,722 2011 2,827 2,457 1,954 1,577 0,691 2012 2,812 2,398 2,004 1,582 0,713 2013 2,644 2,229 1,829 1,479 0,692 Fonte: ANP

Anexo D

Europe Brent Spot Price FOB (Dólares por Barril) 160 140 120 100 80 60

Europe Brent Spot Price FOB (Dollars per Barrel)

40 20

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jan 02, 2012

jan 02, 2010

jan 02, 2008

jan 02, 2006

jan 02, 2004

jan 02, 2002

jan 02, 2000

jan 02, 1998

jan 02, 1996

jan 02, 1994

jan 02, 1992

jan 02, 1990

0

Fonte: U.S. Energy Information Administration

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ANEXO E

Preço de fechamento PETR4 R$ 45,00 R$ 40,00 R$ 35,00 R$ 30,00 R$ 25,00 R$ 20,00 R$ 15,00

Preço de fechamento PETR4

R$ 10,00 R$ 5,00 01/05/2013

01/01/2013

01/09/2012

01/05/2012

01/01/2012

01/09/2011

01/05/2011

01/01/2011

01/09/2010

01/05/2010

01/01/2010

01/09/2009

01/05/2009

01/01/2009

01/09/2008

01/05/2008

R$ 0,00

ANEXO F

Vendas de Combustíveis 300.000.000,00

Metros Cúbicos

250.000.000,00 200.000.000,00 Etanol

150.000.000,00

Gasolina 100.000.000,00 50.000.000,00 0,00 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

18

Fonte: ANP

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ANEXO G

Balança Comercial de Gasolina R$2.000.000.000,00 R$1.500.000.000,00 R$1.000.000.000,00 R$500.000.000,00 R$R$(500.000.000,00)

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

R$(1.000.000.000,00) R$(1.500.000.000,00) R$(2.000.000.000,00) Receita

Despesa

Saldo

Fonte: ANP

ANEXO H

Preços do Açúcar USD 35,00 USD 30,00 USD 25,00 USD 20,00 USD 15,00

Preços do Açúcar

USD 10,00 USD 5,00

19

fev/13

jul/12

dez/11

mai/11

out/10

mar/10

ago/09

jan/09

jun/08

nov/07

abr/07

set/06

fev/06

jul/05

dez/04

mai/04

out/03

mar/03

USD 0,00 Fonte: NYMEX - CME Group, consultado em 30/04/2013

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i

Art 177, §1º da CF/88 Informações disponíveis no site www.investidorpetrobras.com.br, acessado dia 22 de março de 2013 iii American Depositary Receipts, como são conhecidas ações de companhias não-americanas que são comercializadas em bolsas nos Estados Unidos. A rigor, os ADR são títulos que respaldam as ações dessas empresas no sistema financeiro norte-americano. iv Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Poupança compulsória dos trabalhadores brasileiros, cujo valor é devolvido aos trabalhadores em algumas hipóteses, como aposentadoria ou demissão. v Dados de 22/03/2013 vi Para mais informações sobre a criação das agências reguladoras e sobre a ANP, ver Sundfeld (2001). vii exame.abril.com.br/negocios/empresas/melhores-e-maiores/ranking/2012/ viii Springer de Freitas (2013) ix Springer de Freitas (2013) x Mankiw (1985) xi IBGE (2012) xii Uma espécie de “primeira-ministra”, no sistema político brasileiro. xiii Sobre isso, ver Singer (2012). xiv Sede da Presidência da República, em Brasília. xv Entrevista concedida ao Valor Econômico, publicada em 17 de dezembro de 2012. xvi Fonte: Empresa de Pesquisa Energética xvii Dieguez (2013) xviii Informações dos balanços da Petrobras. Citadas em Pires (2013). xix Pires (2013). xx Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, tipo tributário brasileiro de caráter extrafiscal, isto é, que consiste numa ferramenta estatal de estímulos ou desestímulos econômicos. xxi Springer de Freitas (2013) xxii http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1223505-reajuste-da-gasolina-foi-em-mes-oportuno-dizemespecialistas.shtml xxiii http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1222534-petrobras-anuncia-reajuste-de-66-para-a-gasolinae-de-54-para-o-diesel.shtml xxiv http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201301302016_TRR_81962538 xxv http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u428265.shtml xxvi http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios-energia,ser-lider-e-so-o-comeco,150718,0.htm xxvii http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/noticias/abastecer-com-alcool-so-e-mais-vantajoso-emquatro-estados xxviii http://economia.terra.com.br/carros-motos/etanol-so-e-mais-vantajoso-que-gasolina-em-2estados,dbeab8386a83e310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html xxix Dieguez (2013) xxx http://exame.abril.com.br/meio-ambiente-e-energia/energia/noticias/governo-reduz-tributos-doetanol-para-impulsionar-industria ii

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