Convento franciscano de Nossa Senhora da Arrábida, fundado em 1542.

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.serra da Arrábida, 1542, convento de Nossa Senhora da Arrábida

«Aqui quero fugir, quanto puder, de todas as humanas creaturas, Esses cançados dias que viver. Aqui conversar quero pedras duras.» FREI AGOSTINHO DA CRUZ1

O convento de Nossa Senhora da Arrábida está situado a 5750 passos de Azeitão e a 2985 da praia, conforme mediu caminhando, o franciscano frei António da Madre de Deus, que tomou nota detalhadamente do todo mensurável, fossem as várias dependências do convento ou o tamanho dos percursos mais percorridos.2 Portanto a pé, o convento, nas suas contas, distava quase 6 quilómetros de Azeitão e praticamente 3 quilómetros da praia.

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MESQUITA, Jozé Caietano de, Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida dedicadas ao Excel. E reveren. Senhor D.Fr. Manoel do Cenaculo, 1771, p.79. 2 BNP – Secção de Reservados, Colecção de Manuscritos, O Monte Santo da Arrábida. Descripção deste Reformadíssimo Convento…,frei António da Madre de Deus, OFM, Religioso Leigo da Província da Arrábida, (s/d) mas posterior a 1755, fólio 22f.

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ARRÁBIDA E LA RABIDA Por volta de 1412, fundara-se no sul de Espanha, perto de Huelva, o convento franciscano de Santa Maria de La Rabida, para nele viver uma comunidade Observante.3 Mais tarde, não teria talvez sido apenas coincidência, os franciscanos, vindos de Espanha, aceitarem, a serra da Arrábida, para sua morada.

SERRA DA ARRÁBIDA Em 1728, o cronista frei António da Piedade (1675-1731) gastou sete páginas para descrever a serra da Arrábida, lugar que está na génese desta Província franciscana, a Província de Santa Maria da Arrábida, ficam aqui algumas palavras de frei António:

«Corre direita do Nordeste ao Sudueste, em comprimento de cinco legoas, duas das quaes domina com ampla jurisdição a fragozidade das penhas, sem admittir o beneficio da cultura, e só concede faculdade a algumas arvores, para que dispersas em diversos sítios, expliquem com elegância o alto conceito da sua elevada serrania. Prefume, que o não ser dos viventes tão pizada, he em decoro da sua altivez, e pertende confiada resistir ao furioso dos ventos, à inclemência dos tempos, e ao ímpeto das aguas. Em castigo da sua presumpção, se vê em partes retalhada pelas mesmas aguas com tão profundos golpes, que senão pode tentear a altura sem receyos, nem registar sem perigos. Para que senão duvide do estrago, que a sua fúria executa, o estão confessando medonhas concavidades, onde em tempo de Inverno se ouvem os pavorosos eccos das murmuraçoens, que vão fazendo, atè communicarem as queixas de offendidas com as do mar, as quaes muitas vezes julgando a causa também por sua, procurão o desaggravo, combatendo-lhe os alicerces com tão precipitada cólera, que mostrarão não quererem aceitar outra satisfação, mais que a total ruína, que lhe fulminão; vendo porém mal lograda tanta ira à sua violência, se desfazem todas as espumas.»4

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Sobre „La Rabida‟, escreveu em 1987, Paul Zumthor um capítulo do seu livro „La Fête des fous’, imaginando como teria sido a passagem de Colombo, por lá, em 1491, assunto tratado também por MOORMAN, John, A History of The Franciscan Order, from its Origins to the Year 1517, 1968, p.379; p. 578; IRIARTE, Lázaro, OFM, História Franciscana, 1979, p.107. 4 PIEDADE, frei António da, OFM, Espelho de penitentes, e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida, da Regular, e mais estreita Observância, da Ordem do Serafico Patriarcha S.Francisco…, 1728, pp.16-17.

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PADROEIRO E FUNDADORES O convento de Santa Maria da Arrábida foi fundado no reinado de D. João III, no ano de 1542, pelo espanhol frei Martinho de Santa Maria, e no mesmo ano, D.Francisco da Gama, um dos filhos de Vasco da Gama, fundava o convento de Nossa Senhora da Consolação, em Palhais, Barreiro, pertencente igualmente à Província de Santa Maria da Arrábida.5 O primeiro padroeiro do convento, foi D.João de Lencastre, Duque de Aveiro, que tinha um paço e quinta ali por perto, em Azeitão6, e conhecera no monasterio de Guadalupe, frei Martinho de Santa Maria. Foi em terras por si oferecidas, que se construiu o convento, terras essas que eram nada mais que toda a serra da Arrábida, tal como nos informa o cronista:

«Com toda a attençaõ ouvio o Duque a proposta, e com muito mayor alegria lhe offereceo a sua Serra da Arrabida, cuja habitaçaõ tinha todas as circunstancias, que delineava o seu espirito, porque alèm de ser solitaria, a sua aspereza a defendia da frequencia das creaturas, que lhe podiaõ servir de estorvo (...)»7

Frei Martinho de Santa Maria, desejava viver em total isolamento, e de facto foi assim que viveu, pois quando foi para a serra ainda não tinha sido construído o convento e frei Martinho morreria em 1546, antes ainda de acabada a construção, por isso viveu completamente abstraído das criaturas, como pretendia: «(...) só suspirava por viver em algum lugar, cuja nativa soledade lhe assegurasse melhor a abstracçaõ das creaturas, e a mais perfeita uniaõ com o Sumo Bem (...)» 8

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Fray Martinho de Santa Maria, era filho dos Condes de San Esteban del Puerto PIEDADE, frei António da, OFM, Espelho de penitentes, e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida, da Regular, e mais estreita Observância, da Ordem do Serafico Patriarcha S.Francisco…, 1728, pp.60-66; DIONÍSIO, Santana; PROENÇA, Raul, Guia de Portugal, Generalidades, Lisboa e arredores, 1991, p.684; VASCONCELOS E SOUSA, Bernardo, (Dir.); PINA, Isabel Castro; ANDRADE, Maria Filomena, SANTOS, Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva, Ordens Religiosas em Portugal, das Origens a Trento – Guia Histórico, 2005, p.348. 6 PIEDADE, frei António da, OFM, Espelho de penitentes, e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida, da Regular, e mais estreita Observância, da Ordem do Serafico Patriarcha S.Francisco…, 1728, pp.16-22. 7 PIEDADE, frei António da, OFM, Espelho de penitentes, e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida, da Regular, e mais estreita Observância, da Ordem do Serafico Patriarcha S.Francisco…, 1728, p. 14. 8 PIEDADE, frei António da, OFM, Espelho de penitentes, e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida, da Regular, e mais estreita Observância, da Ordem do Serafico Patriarcha S.Francisco…, 1728, p. 15.

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Além de frei Martinho, outro espanhol, São Pedro de Alcântara (c.1499-1562), contribuiu para a fundação do convento da Arrábida e fundação da respectiva custódia. É São Pedro de Alcântara, o franciscano venerado na pequena imagem, sobre o arco da capela-mór.9

ARQUITECTURA VERNACULAR O convento da Arrábida10, construído a meio de uma encosta da serra, é um conjunto de vários edifícios, de arquitectura maioritariamente vernacular, implantados em três socalcos de rocha. Os três socalcos possuem uma diferença de cota bastante acentuada, de cerca de três metros, obrigando a aceder ao socalco de cima, através de escada. Pela aparência natural das rochas que fazem de parede de trás de um caminho que percorre o socalco do meio, fica-se com a sensação de que foi aproveitada a topografia do lugar, não se tendo desbastado as rochas que ali existiam. O conjunto dos vários edifícios desenvolve-se no sentido nascente - poente, sendo intercalado com vários terraços voltados a Sul e tendo também pequenos pátios, onde em alguns casos corre a água numa fonte.

A arquitectura de quase todo o convento é de linguagem vernacular, no entanto, pontuando o conjunto, surgem pequenas capelas seiscentistas, cuja linguagem é erudita. Tal como estes pequenos lugares sagrados, a Igreja do convento parece ter obedecido a um desenho de arquitecto. Relativamente à escala deste convento, verifica-se haver uma espacialidade de carácter económico, com pequenos pés-direitos e pequenos vãos, despojada, mas em que a dimensão de cada dependência é confortável, por exemplo as celas têm cerca de 2 por 2,5 mts11, proporcionavam portanto espaços, de orar e dormir, de facto confortáveis.

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LOPES, frei Fernando Félix, OFM, Colectânea de estudos de história e literatura - A Ordem Franciscana na História e Cultura Portuguesa, 1997, p. 239. Conforme visita ao local, Agosto 2008. 10 No século XIX, o convento da Arrábida, foi alvo de restauros por parte de José Luiz Cinatti (+1879). SOUSA VITERBO, Francisco Marques de, Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses, Vol. III, 1988, p.272. 11 Conforme visita ao local, Agosto 2008.

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AUSÊNCIA DE CLAUSTRO Por trás da igreja situa-se o Jardim de São Pedro de Alcântara, que desempenhava as funções de claustro.12 Descreve-o, no século XVIII, o cronista frei António da Piedade, que, não sabendo bem o que lhe chamar, refere-o de duas maneiras, „jardim’ ou „claustro’. Dizendo, que se localiza para lá da ante-sacristia, que mede 24 por 10 mts, que tem ao fundo a ermida de Nossa Senhora da Piedade e que neste jardim ou claustro há vários canteiros com flores para serem usadas na igreja, há também nele um altar dedicado a São Nicolau que tapa parcialmente a fachada da referida ermida.13 Outro franciscano, frei António da Madre de Deus, refere, também no século XVIII, um jardim que diz chamar-se „claustro’, e que se situa depois do corredor da portaria, tem 108 por 29 palmos, portanto teria 23,76 por 6,38 mts, diz também que neste jardim está a laranjeira que São Pedro de Alcântara plantou.14

CELAS As primeiras celas da Arrábida foram escavadas na rocha e o historiador de arte Paulo Pereira em 2006 ainda encontrou cinco delas.15 Quanto aos dormitórios construídos, a fenestração de cada cela, é uma pequena mas suficiente janela voltada a sul, da qual se vê o mar. A entrada em cada cela, faz-se por portas que dão para um caminho escondido, que percorre cada dormitório por trás. Frei António da Piedade faz uma detalhada descrição do convento, na crónica que escreveu em 1728, mas não refere o número de celas tal como também não nos informa sobre o número de capelas, mas o outro António, frei António da Madre de Deos, religioso leigo desta mesma Província, diz-nos que as celas eram 25 e faz referência a 3 capelas situadas entre as celas.16

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PEREIRA, Paulo, Convento da Arrábida: a porta do Céu, 2006, p. 74. PIEDADE, frei António da, OFM, Espelho de penitentes, e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida, da Regular, e mais estreita Observância, da Ordem do Serafico Patriarcha S.Francisco…, 1728, pp. 60-66. Conforme visita ao local, Agosto 2008. 14 BNP – Secção de Reservados, Colecção de Manuscritos, O Monte Santo da Arrábida. Descripção deste Reformadíssimo Convento…,frei António da Madre de Deus, OFM, Religioso Leigo da Província da Arrábida, (s/d) mas posterior a 1755, fólio 24f. 15 PEREIRA, Paulo, Convento da Arrábida: a porta do Céu, 2006, p.78. 16 BNP – Secção de Reservados, Colecção de Manuscritos, O Monte Santo da Arrábida. Descripção deste Reformadíssimo Convento…,frei António da Madre de Deus, OFM, Religioso Leigo da Província da Arrábida, (s/d) mas posterior a 1755, fólio 36v. 13

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Frei António da Madre de Deus, ao se referir às celas da Arrábida usa por vezes o termo „cellinhas’17, tratando-as com devoção, como quem vê nesses lugares, um espaço sagrado, especial, referindo-se-lhes de um modo delicado, amorosamente, não por celas mas por celinhas. E não era por serem pequenas, porque não o são.

CONTENTES DE VIVER NO TOSCO DAS GRUTAS Sobre as celas, diz-nos ainda este frei, que não foram objecto de um projecto convencional de arquitectura, até porque, segundo ele, os arrábidos gostavam de viver em grutas:

"Não tem este Convento dormitorios regulares pela fórma dos mais Claustros: não foram ideados segundo as regras da architectura, mas sim pela direcção dos mais austeros Erimitas. Estes, contentes de viver no tosco das grutas, desprezárão os primores da arte, estabelecendo as Cellinhas conforme o rigor da Vida Monastica, e do Ermo, que havião de observar como solitario, semelhante ás que instituirão os Anacoretas da Tebaida. " 18

Apesar de se referir à vida solitária dos arrábidos, devemos aqui sublinhar que a maior parte das celas não estão isoladas, mas concentradas, tendo sido construídas lado a lado, e não dispersas pelo ermo, como poderíamos depreender da sua descrição. No primeiro patamar está um edifício com 12 celas e no segundo um edifício com 5 celas, as restantes celas é que estão de facto dispersas em diferentes zonas, como tivemos a oportunidade de verificar no local.

Diz-nos pois frei António, que subindo uma escada: «Com 12 degraus, facil entrada para os transitos das cellas; as quaes dispersas pelo Ermo, humas em lugares sublimes, outras em sitios mais abatidos, todas encostadas a o Monte avulto em rochedos, e penhascos, tendo por abrigo a inclemencia dos astros. 17

BNP – Secção de Reservados, Colecção de Manuscritos, O Monte Santo da Arrábida. Descripção deste Reformadíssimo Convento…,frei António da Madre de Deus, OFM, Religioso Leigo da Província da Arrábida, (s/d) mas posterior a 1755, fólio 36v. 18 BNP – Secção de Reservados, Colecção de Manuscritos, O Monte Santo da Arrábida. Descripção deste Reformadíssimo Convento…,frei António da Madre de Deus, OFM, Religioso Leigo da Província da Arrábida, (s/d) mas posterior a 1755, fólio 36v.

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(…) As Cellas, por todo são 25. (…) Subindo a referida escada (...) Neste primeiro transito são 12; e nelle estão expostas duas imagens, huma de Santiago, outra de Santo Antonio (...) Por outra escada, que tem 26 degraos, se sobe ao segundo transito, onde estão 5 cellas; e no mesmo está erecta. (…) A Ermida do Senhor com a cruz as costas; e mais adiante estão 2 cellas perto deste Santo Retiro. (…) Retrocedendo ate ao meyo este transito, e subindo huma escada de 12 degráos; sobre o intractavel rochedo está erigida 1 Cella, junto da qual fazem companhia suave ao seu habitador as devotas imagens do Senhor S.José, e S. Pedro de Alcantara. (...) A Ermida de N. Senhora de Penha de França, tendo sobre o Altar, de huma parte S.Luiz Bispo, e da outra S.Diogo; junto da qual está 1 Cella.(...) A Ermida do Calvario, em que se adora a imagem de Christo, e ao pe da Cruz as duas, da Senhora, e S.João Evangelista. Descendo a aspereza do monte para o Oriente em sitio apprazivel não menos, que vista dilatada pelo Mar Atlantico, estão as ultimas 4 cellinhas. (...)»19

PRESCINDIR DE CELA Embora o convento tivesse 25 celas, dois freis, viviam dentro da ermida do Bom Jesus no século XVIII20, prescindindo deste espaço individual. A LETRA “C” DO ABECEDÁRIO ESPIRITUAL Entre um e outro arco da fachada da igreja, há uma figura assustadora, um frade com os olhos vendados, cadeado na boca, pisando o globo terrestre e com os braços abertos em forma de cruz. Esta imagem foi ali colocada, apenas em 1622, já pelo terceiro padroeiro do convento. Trata-se de uma estátua em mármore, que representa o fundador do convento, frei Martinho de Santa Maria, tem os olhos vendados, cadeado na boca e fechadura no coração, e de braços abertos em cruz, pisa o globo terrestre, tudo para simbolizar a mortificação dos sentidos e o desprezo pelo mundo.21 19

BNP – Secção de Reservados, Colecção de Manuscritos, O Monte Santo da Arrábida. Descripção deste Reformadíssimo Convento…,frei António da Madre de Deus, OFM, Religioso Leigo da Província da Arrábida, (s/d) mas posterior a 1755, Fólios 24v.-25f. 20 BNP – Secção de Reservados, Colecção de Manuscritos, O Monte Santo da Arrábida. Descripção deste Reformadíssimo Convento…,frei António da Madre de Deus, OFM, Religioso Leigo da Província da Arrábida, (s/d) mas posterior a 1755, Fólio 27f. 21 PIEDADE, frei António da, OFM, Espelho de penitentes, e Chronica da Provincia de Santa Maria da

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Ou, para cumprir, o que apontara em 1527, o franciscano Francisco de Osuna, no Tercer Abecedario Espiritual, na sua letra C: «C - Ciego, y sordo, y mudo debes ser -, y manso siempre (…) La tercera palabra dice que también seamos mudos en lo interior, no hablando palabra alguna (…) callemos en el corazón y guardemos en él perpetuo silencio si queremos subir en la alta contemplación.»22

IGREJA DE ARQUITECTURA VERNACULAR A entrada no convento, de acordo com o cronista, fazia-se no século XVIII, através de duas portas, uma da Igreja, outra da portaria, ambas situadas num alpendre. A fachada da igreja, de linguagem muito simples, sem nenhum ornamento, apenas possui guarnecimento a cantaria dos vãos e cunhais. A fachada desenha as duas águas do telhado e em baixo, rasgava-se em dois arcos de volta abatida, o arco do lado esquerdo foi entretanto entaipado.

Considera o mesmo cronista, que a igreja é pequena, cumprindo os Estatutos da Província da Arrábida, como sublinha, mas repare-se que os referidos Estatutos só foram aprovados a 6 de Julho de 1697. Assim, podemos concluir que a igreja, teria cumprido os referidos Estatutos, mas quando ainda corriam manuscritos.

«He a Igreja pequena, como o saõ todas as nossas por Estatuto: divide-se a Capella môr com humas grades, que fechaõ hum pequeno arco; dentro fica o Altar môr levantado do pavimento, no qual se venera o Santissimo Sacramento, depositado em hum Sacrario de pao de evano, primorosamente lavrado, a cujos lados se admiraõ duas devotas Imagens, huma de nosso Serafico Patriarcha, e outra de Santo Antonio. No retabolo, que he de talha dourada, se vêm em quatro nichos collocadas as Imagens de nosso Padre S. Domingos, do Serafico Doutor S. Boaventura, de S. Pedro de Alcantara, e de S. Diogo.»23

Arrabida, da Regular, e mais estreita Observância, da Ordem do Serafico Patriarcha S.Francisco…, 1728, pp.60-66. 22 OSUNA, Francisco de, OFM, Tercer Abecedario Espiritual, 1972, p.184. 23 PIEDADE, frei António da, OFM, Espelho de penitentes, e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida, da Regular, e mais estreita Observância, da Ordem do Serafico Patriarcha S.Francisco…, 1728, pp. 60-66.

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Ainda sobre a Igreja, sabemos, através de frei António da Madre de Deos, a sua dimensão, tem 14,25 por 5,28 mts: «A Igreja tem 66 palmos de comprido, e 24 de largo. (...) (...) Dentro da capella mor estão mais dous Altares: Da parte do Evangelho he de Christo crucificado, tendo no Reatabulo em pintura as imagens de Nossa Senhora, e do mimoso Evangelista, que alli o acompanhão no mysterio do Calvario (...) O Altar da parte da Epistola he de Nossa Senhora da Conceição. (...) E fora do arco, em correspondencia Retratos de S.Pedro de Alcantara, e de S.Pascoal Bailão. (...)»24

ÁGUA Era por baixo do altar-mór da igreja, que estava uma nascente, de onde se serviam de água os franciscanos.25

PORTAS EXTERIORES DE CORTIÇA As portas exteriores, da igreja e da portaria, situadas num alpendre, hoje reduzido a metade, eram protegidas a cortiça. 26

BIBLIOTECA São Pedro de Alcântara (c.1499-1562), fundador da Província de Santa Maria da Arrábida, proibiu as bibliotecas nos conventos da Província de San Gabriel, da qual era provincial, e os religiosos dessa província franciscana espanhola só podiam ter alguns livros.27 É provável que o mesmo se tivesse passado no convento da Arrábida no seu tempo, mas mais tarde, no século XVIII já havia biblioteca e antes disso, no início do século XVII, o poeta frei Agostinho da Cruz, que ali viveu entre 1605 e 1619, afirma que tem muito que ler:

«Na solitaria minha lapa, estreita (Minha não digo bem, antes alhea; 24

BNP – Secção de Reservados, Colecção de Manuscritos, O Monte Santo da Arrábida. Descripção deste Reformadíssimo Convento…,frei António da Madre de Deus, OFM, Religioso Leigo da Província da Arrábida, (s/d) mas posterior a 1755, Fólios 22v.-23f. 25 PEREIRA, Paulo, Convento da Arrábida: a porta do Céu, 2006, p.129. 26 PIEDADE, frei António da, OFM, Espelho de penitentes, e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida, da Regular, e mais estreita Observância, da Ordem do Serafico Patriarcha S.Francisco…, 1728, pp. 60-66. 27 IRIARTE, Lázaro, OFM, História Franciscana, 1979, p.213.

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Pois seu dono, se quer, della me deita) Não me falta que faça, escreva, e lea»28

Quem refere a existência de uma biblioteca na Arrábida, no século XVIII, é frei António da Madre de Deus que a designa „Casa da Livraria’. Hoje, o seu acervo, conta com 1199 obras impressas, e 10 manuscritos.29

POETAS ARRÁBIDOS A Província de Santa Maria da Arrábida, teve pelo menos dois poetas, cuja obra foi publicada, frei Agostinho da Cruz (1540-1619) e frei Paulino da Estrela (+1683) que figuram entre os seis poetas franciscanos portugueses mais conhecidos, sendo os outros quatro: frei Marcos de Lisboa, frei António de Portalegre, soror Maria do Céu e frei António das Chagas.30

O primeiro deles, frei Agostinho, chegando à idade de 65 anos, recolheu-se na serra da Arrábida, deixando a inóspita serra de Sintra, onde vivera muitos anos. Passando os últimos catorze anos da sua vida, na Arrábida, dedicando-lhe alguns poemas. A sua poesia, foi em parte publicada em 1728, na crónica arrábida Espelho de Penitentes, e na totalidade, já no fim do século XVIII, em 1771 por Jozé Caietano de Mesquita. 31 Sobre a sua vida, sabemos que era natural de Ponte da Barca, se chamava no século, Agostinho Pimenta e era irmão do poeta Diogo Bernardes. Por volta de 1560, iniciou o noviciado no convento franciscano de Santa Cruz, que fôra nesse ano fundado na Serra de Sintra, e nele ficou a viver, durante longos quarenta anos.32 28

CRUZ, frei Agostinho da, OFM; QUADROS, Jozé Caietano de Mesquita e (compil.), Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida…, 1771, p.70. 29 ROCHA, Ilídio, “A Livraria do Convento da Arrábida”, in O Franciscanismo em Portugal, Actas do Seminário, 1996, p.185; BNP – Secção de Reservados, Colecção de Manuscritos, O Monte Santo da Arrábida. Descripção deste Reformadíssimo Convento…,frei António da Madre de Deus, OFM, Religioso Leigo da Província da Arrábida, (s/d) mas posterior a 1755, fólio 25f. 30 Frei Agostinho da Cruz (1540-1619), frei Paulino da Estrela (+1683) e frei António das Chagas (16311682), são os 3 poetas franciscanos portugueses que o historiador frei Lázaro Iriarte em 1979 refere. IRIARTE, Lázaro, OFM, História Franciscana, 1979, p. 405; EIJÁN, P. Samuel, OFM, La poesia franciscana en España, Portugal y America (siglos XIII – XIX) – Ensaio Histórico-Antológico, 1935, p.149. Eiján refere-os entre frei Marcos de Lisboa, frei António de Portalegre, soror Maria do Céu e frei António das Chagas. 31 MESQUITA, Jozé Caietano de, Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida dedicadas ao Excel. E reveren. Senhor D.Fr. Manoel do Cenaculo, 1771. 32 CRUZ, frei Agostinho da, OFM; QUADROS, Jozé Caietano de Mesquita e (compil.), Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida…, 1771, pp. I-II ; pp. V-VII.

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Ao se mudar para a serra da Arrábida, frei Agostinho, foi fazer vida solitária, separado da comunidade, tendo por companhia dois animais, uma corça e uma pequena égua, a quem dava parte do jantar. Ao convento, apenas ia uma vez por semana, para buscar pão, ou assistir aos Ofícios. 33 Durante os primeiros seis meses na Arrábida, como não havia para si nenhuma cela disponível, teve que viver numa cabana, que construiu.34 E a esta sua primeira morada, se refere num poema:

«Do portal da choupana, que coberto tinha hum verde louro, me assentava a ver o largo mar ao longe, ao perto. D'um valle noutro valle caminhava até á lapa de Santa Margarida, donde, para comer, peixes pescava,»35

Nos seus poemas, o frei admitiu, ter tido sempre prazer em viver isolado, sem ser obrigado a conversar com ninguém, e que a beleza das cores do céu e o canto dos pássaros o abstraíam:

«Confesso que fui sempre affeiçoado a solitarios bosques do deserto, que ensinam a viver desenganado.»36

«Não ha manjar melhor q liberdade; sem ver, nem conversar mais que penedos»37

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CRUZ, frei Agostinho da, OFM; QUADROS, Jozé Caietano de Mesquita e (compil.), Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida…, 1771, p. XIX; p.XVII. 34 CRUZ, frei Agostinho da, OFM; QUADROS, Jozé Caietano de Mesquita e (compil.), Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida…, 1771, p. XII. 35 CRUZ, frei Agostinho da, OFM; QUADROS, Jozé Caietano de Mesquita e (compil.), Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida…, 1771, p. 49. 36 CRUZ, frei Agostinho da, OFM; QUADROS, Jozé Caietano de Mesquita e (compil.), Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida…, 1771, p. 49. 37 CRUZ, frei Agostinho da, OFM; QUADROS, Jozé Caietano de Mesquita e (compil.), Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida…, 1771, pp.20-26.

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«Daqui verei no Ceo fremosas côres; Assi me esquecerão cousas da terra.»38

«Por antre a folha branda o passarinho o seu redondo ninho anda escondendo, mil mudanças fazendo com seu canto, a cujo som levanto meu espírito»39

Seria também, nesta serra, que frei Agostinho queria por fim, ficar sepultado: «Agora que de todo despedido nesta Serra da Arrabida me vejo de tudo, quanto mal tinha entendido: com mais quietaçaõ, livre desejo, nella quero cavar a sepultura»40 Morrendo em 1619, na enfermaria franciscana de Setúbal, ficou mesmo sepultado onde queria, na serra da Arrábida, na Igreja deste convento, ao pé da sacristia.41

Quanto ao poeta frei Paulino da Estrela (+1683), professou na Província de Santa Maria da Arrábida, e acompanhou D.Catarina, filha do Rei D.João IV, a Inglaterra, ficando em Londres durante 17 anos. Foi em Londres, que foi publicada a sua obra Flores del Dezierto en el Jardin de la Clausura Minorítica de Londres, no ano de 1667. Voltando para Portugal, deu assistência a doentes no Hospital de Lisboa, ficando ele próprio doente, sendo sepultado, em 1683, no convento arrábido de São José de Ribamar, em Algés. 42 38

CRUZ, frei Agostinho da, OFM; QUADROS, Jozé Caietano de Mesquita e (compil.), Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida…, 1771, pp. 17-18. 39 CRUZ, frei Agostinho da, OFM; QUADROS, Jozé Caietano de Mesquita e (compil.), Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida…, 1771, p. 34. 40 CRUZ, frei Agostinho da, OFM; QUADROS, Jozé Caietano de Mesquita e (compil.), Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida…, 1771, pp. 93-95. 41 REMA, Henrique Pinto, OFM, “Franciscanos falecidos e moradores no convento da Arrábida”, in, O franciscanismo em Portugal: Actas, Vol. I, 1996, p. 167; CRUZ, frei Agostinho da, OFM; QUADROS, Jozé Caietano de Mesquita e (compil.), Várias poezias do Padre Fr.Agostinho da Cruz, Religioso da Província da Arrábida…, 1771, p. XXVII. Não sendo sepultado no Convento de Alferrara, que se situava a pouco mais de três quilómetros da enfermaria de Setúbal, que era o convento onde se sepultavam a maior parte dos arrábidos falecidos na referida enfermaria. REMA, Henrique Pinto, OFM, “Franciscanos falecidos e moradores no convento da Arrábida”, in, O franciscanismo em Portugal: Actas, Vol. I, 1996, p. 168. 42 MACHADO, Diogo Barbosa, Bibliotheca Lusitana: histórica, crítica e cronológica, Vol. III, p.516. Fundado em 1559, o convento de São José de Ribamar ainda existe, situa-se na Rua do Mestre de Avis,

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MUNDO INTERIOR Sendo o convento da Arrábida um ermitério, recolhido da passagem tumultuosa da gente de Azeitão, terra que do convento dista, 5750 passos, o local era já um mundo interior, onde além do isolamento dos de fora, se praticava um isolamento dentro da própria comunidade, vivendo em silêncio perpétuo. Ali no isolamento rochoso da serra da Arrábida, conversar com pedras duras, era um desejo e uma realidade. Ali, cansado e velho, vivera o poeta franciscano frei Agostinho da Cruz. Ali, onde o próprio ermo, construía a clausura, dispensara-se, o claustro convencional. Ali, conversava-se em silêncio com o mundo.

em Algés, a sua igreja está afecta a culto e a restante parte do convento foi adaptada a habitação particular. VASCONCELOS E SOUSA, Bernardo, (Dir.); PINA, Isabel Castro; ANDRADE, Maria Filomena, SANTOS, Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva, Ordens Religiosas em Portugal, das Origens a Trento – Guia Histórico, 2005, p.350.

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