COOPERAÇÃO E COLABORAÇÃO NA REDE . A DISSOLUÇÃO DO SUJEITO APRENDENTE NA REDE

June 4, 2017 | Autor: Paula Pinheiro | Categoria: E-learning, Learning and Teaching, Online Learning
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COOPERAÇÃO E COLABORAÇÃO NA REDE

. A DISSOLUÇÃO DO SUJEITO APRENDENTE NA REDE



introdução

Esta reflexão incide sobre o entendimento do papel do indivíduo na Rede, na dimensão colaborativa da sua intervenção e no processo de funcionamento do aprendente que nunca o é inteiramente, num meio onde para se aprender tem de se saber e que conta com os saberes de cada visitante e utilizador para veicular mais saber e ampliar o seu espaço de eficácia social. Não procurando desentretecer uma teia complexa de interacções possíveis entre utilizador/aprendente/suporte tecnológico/contexto/media, esta reflexão parte antes de leituras onde a análise do trabalho colaborativo é uma constante, assim como as multifacetadas possibilidades de se ser utilizador da Rede.



um sentido para o trabalho colaborativo na Rede

A rede constrói-se em alicerces de cooperação e colaboração: é este o seu desígnio primordial. Porém, as ferramentas básicas necessárias para aceder à Rede implicaram, durante bastante do seu ainda diminuto tempo de vida, o domínio especializado de determinadas técnicas e o conhecimento de aspectos tecnológicos específicos, até do equipamento, os quais não estavam acessíveis a todos os indivíduos potenciais utilizadores. Neste momento a Rede dispensa grande parte dos saberes tecnológicos, tendo o acesso vindo a procurar responder a um sentido de universalidade e de facilidade. Ou seja, o acesso à Rede pode já ser feito sem grandes saberes acerca dos procedimentos ou das tecnologias informáticas. Aceder à Rede, teoricamente, está ao alcance já de

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qualquer indivíduo que saiba apenas clicar num écran e reconhecer a simbologia infográfica, ou autenticar instruções simples de codificação visual. Mas se aparentemente o acesso à Rede se tornou assim tão fácil, a realidade é que ao indivíduo cabe também conhecer a intencionalidade do seu acesso, ou seja, o que procura, para que nessa viagem os destinos possam ser causais e não apenas ao acaso. Assim sendo, nos nossos dias, compete ao indivíduo apetrechar-se dos requisitos mínimos essenciais para que o acesso seja de facto universal e facilitado.

Uma das características mais significativas da Rede é que ela tem usado, para se manter e desenvolver, o trabalho de muitos mais amadores do que profissionais. A Rede cresce em virtude dos generosos contributos de muitos dos seus utilizadores, o que significa que se trata de um complexo auto-alimentável. Quem a usa é quem a faz e esse alguém passa a usar aquilo que é do outro e também aquilo que é seu, o que significa um entrecruzar de partilhas, de trocas, de saberes, de motivações como em nenhum outro contexto humanizado alguma vez se assistiu. O mais parecido com esta formulação filosófica de Rede só o encontramos em algumas comunidades religiosas (como os Amish, por exemplo), embora com um sentido fortemente conservador, ao passo que a Rede se apresenta com um sentido livre, até mesmo libertário. O facto de a Rede ter uma origem de trabalho cooperativo e colaborativo atribuilhe um sentido muito grande de pertença e de domínio multipartido; cada um e o conjunto dos seus utilizadores são, em certa medida, uma alma mater da Rede. Não havendo neste caso uma origem e uma entidade suprema responsável, a Rede é de todos. Em toda a história do Homem nada de semelhante, de facto, encontramos; o que, quando e como existiu sem que o sentido de propriedade e de paternidade possa ser esclarecido e facilmente identificado? Em muitos sentidos, a história do Homem é também a história das paternidades e das propriedades, das suas disputas e das suas conquistas. A Rede é a primeira entidade verdadeiramente global que, até ao momento, parece escapar a um desígnio similar. De tudo isto sobra a imensa vontade que cada um de nós tem em ser o criador de qualquer coisa ínfima para que este intento se cumpra. Colaborar na Rede é, em absoluto, garantir a criação de um espaço nosso aberto ao outro, um espaço em que nós aceitamos o outro sem questionamento de si. Ou seja, a Rede nesta perspectiva é, em grande medida, um espaço onde o preconceito do outro se encontra abolido; um espaço

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onde o outro e cada um de nós se expõem de forma calculada, sem o confronto físico da presença. Na Rede somos o que pensamos mais do que o que evidenciamos, o que significa que na Rede se constroem espaços mais humanos, porque mais racionais. O espaço da Rede é o espaço humano alargado, numa perspectiva de grande espaço social de aprendizagens e partilhas, de trocas e de aquisições; de certa forma esperando que a Rede seja cada vez mais o lugar dos humanos seres pensantes e não particularmente porque seres viventes.



a construção da imagem do indivíduo na Rede

O desígnio do trabalho colaborativo na Rede passa então, sobretudo, pela intencionalidade da intervenção de cada utilizador. Ao contrário de outras formas de socialização em que o factor presencial é preponderante, na Rede podemos estar sem estar. Mais ainda, podemos estar sem dar a entender que estamos. Se quisermos estabelecer analogias entre outros media da actualidade, nem na televisão encontramos equivalência (exceptuando experiências de TV Interactiva que todavia são incomensuravelmente pobres e redutoras de qualquer ideia de socialização) na medida em que a televisão é um meio comunicativo unívoco. Já o telefone, que permite interactividade em tempo real, obriga à presença efectiva; a possibilidade do telefone funcionar como canal unívoco (através da utilização das opções de um atendedor automático, personalizado ou não) deixa de ser aceite como comunicação, como socialização, garantindo o seu lugar apenas como funcionalidade tecnológica acessória. O telemóvel, podendo ser aceite como veículo de socialização em tempo real, cada vez é mais procurado para a socialização assíncrona (embora de forma dúbia, na medida em que os SMS funcionam também em sequências síncronas). Assim sendo, é na Rede (objectivamente na Internet) que é procurada a comunicação intencional com função de socialização, passível de sincronia e assincronia, com a possibilidade de fingirmos a nossa presença ou a nossa ausência. Na Rede podemos desligar ou ligar,

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independentemente do nível de intervenção que desejamos. Quer isto dizer que a Rede é um meio socializador multifuncional e multificcional.

Mas quem somos nós, cada um de nós, afinal, quando estamos em Rede? Deixamos de ser o mesmo sujeito e o mesmo objecto? Somos mais ou menos de nós, pomos mais ou menos da nossa presença social quando estamos conectados a potenciais milhares de interlocutores possíveis? E em que medida o trabalho colaborativo influencia o modo como somos na Rede? Tem-se constituído como assunto de sistemática reflexão a construção da identidade do sujeito na Rede; a forma como, em situação não presencial e não alicerçada em realidades imediatas presenciais, o indivíduo se constrói como significado para o outro e, não podemos escamotear, para si mesmo. A possibilidade da construção ficcional do eu, assim como a viabilidade da múltipla apresentação de identidades do sujeito na Rede, apresenta-se como elemento fortemente atractivo para experimentações de socialização não convencionais. Tal como o indivíduo na Rede não consegue dissociar a sua identidade das suas acções, para o outro nada mais há que a evidência das acções dos outros e a sua própria intenção, acções e evidência. Significa isto que o indivíduo pode ser a sua intenção de ser; o indivíduo pode confundir-se com a sua intencionalidade. Mas para o outro ele apenas é a evidência das acções que interpelam. O que quer dizer que a intenção produz acções que poderão não ser assumidas como tal, passando por intervenções virtuais, na medida em que nunca passarão para o domínio da realidade dos demais. A Rede faz cada um olhar-se num espelho transparente: vê-se e vêem-no, o que não significa que seja através de uma imagem coincidente. Os esforços para garantir que essa coincidência se manifeste são improdutivos, porque acaba por ser o indivíduo quem mais facilmente constrói uma imagem de si que cole à imagem que de cada um dos outros se reflecte. A Rede apresenta-se assim como um espaço conflitual do indivíduo, onde ele é confrontado com a sua imensa fragilidade e invisibilidade, problemas que poderá resolver através de acções apelativas e pela constância e substância da sua permanência e intervenção. A Rede requer uma disciplina do ser, de manutenção do indivíduo e da sua visibilidade. Cada um é-o apenas se puder afirmar numa dinâmica progressiva a sua

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presença e valor para o conjunto. Por isso, o indivíduo tem de pensar em si como ser social único e relevante, mais do que como ser individual significativo.



o aprendente, na Rede, não é um aprendiz

O lugar da Aprendizagem esteve durante demasiado tempo encerrado em lugares materialmente palpáveis: a sala de aula, a escola, o livro. O espaço aberto de intervenção, o espaço criativo, estava atribuído muito mais ao professor do que ao aluno. A relação do indivíduo com a aprendizagem dependia sempre de um interpretador – o professor – e/ou de um orientador não autónomo – os materiais de aprendizagem que, em muitos dos casos, se restringiam apenas a um manual de apoio. Obviamente que a partir da segunda metade do século XX muito se fez por alterar o peso da intervenção e da significação entre professor, aluno e recursos materiais, sendo inúmeras as experiências que tiveram lugar de destaque na procura da melhor forma de ensinar e de aprender. A possibilidade exponencial da Rede como lugar privilegiado do conhecimento partilhado trouxe, mais recentemente, outras formas de compreender a aprendizagem, assim como a diversidade que a intervenção do aprendente pode significar para a construção de mais aprendizagem. A vivência da aprendizagem na Rede resulta naturalmente de um cruzamento de referentes que temos sobre como construir aprendizagem, procurando nós um destino diferente para o que sempre se desenhou numa dimensão de univocidade dessa mesma aprendizagem para o indivíduo. A aceitação da intervenção colaborativa do indivíduo na Rede parte certamente de um novo pressuposto de aprendizagem, onde o indivíduo aprendente surge como mais um “ponto de acesso” ao conhecimento, com a capacidade de o procurar e de o obviar, de o multiplicar, de o ampliar.

Uma questão também interessante é a de percebermos se o indivíduo aprende na Rede ou a partir dela.

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O indivíduo aborda a Rede como um espaço imediato de aprendizagem multidimensional, onde pode procurar informação, transformá-la, transportá-la de um para outro lugar, completando essa informação com mais informação ou amputando-a de excedentes que nela supõe existirem. Quer dizer que o utilizador da Rede participa na disponibilização, na forma e na representação da informação que ali encontra. Ao contrário do manual escolar tradicional, onde o indivíduo ia buscar informação que copiava, resumia e referia, na Rede o utilizador encontra uma espécie de vocação ensinante e transformadora. Como se a reacção do aprendente aqui fosse mais permissivamente transfiguradora do que noutros contextos de aprendizagem, pela simples ausência temporal e física da figura tutelar do professor e dos olhares factuais de terceiros. Nesta dimensão, o trabalho colaborativo permite de facto ao aprendente uma multiplicidade de interacções consigo e com a aprendizagem, assim como com o media e outros aprendentes e intervenientes/utilizadores. É possível ao aprendente discordar ou enfrentar o conflito que qualquer mecanismo/espaço de aprendizagem significam, sem envolvimento equivalente a uma situação presencial. Há mais lugar para um debate de ideias sem envolvimento emocional, pelo desconhecimento físico, palpável do outro. A diversidade de posturas intelectuais permite um alargamento do leque de opções do saber, sendo que de cada um se espera a clarificação, a consubstanciação do discurso – muito mais do que em situação presencial, na medida em que muitas das intervenções são feitas por escrito, o que aumenta o espaço e o tempo reflexivos. Por outro lado o crescimento cognitivo do aprendente pode ser superior ao que sucede em contexto presencial, não só porque o patamar de interpelação pode ser maior, derivando isto do aporte intelectual e de processos que os demais intervenientes viabilizem, como porque o processo de identificação com terceiros se passa também num plano cognitivo, mais que emocional (em presença, o aporte emocional tem grande relevo e supera claramente o cognitivo). O crescimento do indivíduo numa amplitude social também parece resultar com bastante relevo nesta dimensão do trabalho colaborativo, em situação de aprendizagem na Rede; pelas múltiplas interacções, aprende-se o valor do trabalho do conjunto, privilegia-se a comunidade como ponto de encontro da individualidade de cada um,

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treinam-se competências de cooperação. A capacidade socializadora aumenta na medida em que o indivíduo é chamado a fazer parte de uma comunidade significante. De certa maneira, na Rede, parecemos recuperar afinal um espaço de aprendizagem no grupo, espaço esse que parecia irremediavelmente perder-se a curtoprazo na fixação do indivíduo frente a um computador.



conclusão

O nosso papel como construtores, amplificadores e divulgadores da Rede escreve-se a partir do conflito de nunca podermos ser exactamente aquilo que nos levou a ela. Interessará certamente acompanhar esta dimensão da aprendizagem colaborativa que se processa através da Rede, com a justa necessidade de compreender se estamos a construir um melhor veículo de conhecimento e a propiciar um conhecimento mais aberto e participado. O fenómeno do indivíduo, enquanto sujeito, face às conexões que a Rede faculta para se afirmar como ser social e na construção de si como ser individual é um lugar de reflexão e interrogação, na certeza da necessidade de compreender o que fazemos quando clicamos num ícone de um écran e passamos do nosso espaço palpável e abstracto do computador para outro que, embora virtualmente construído, nos faculta uma ampliada e prismática experiência do conhecimento.

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orientações bibliográficas e webgráficas

 Lévi, Pierre (1997) – Cibercultura, Cap.X. Col. Epistemologia e Sociedade, Instituto Piaget. Lisboa. 2000  Slevin, James (2000) – Internet e Sociedade, Cap. VI. Temas e Debates. Lisboa. 2002  http://gasa.dcea.fct.unl.pt/julia/ensino/~inki.html  http://tecfa.unige.ch/tecfa/research/CMC/colla/iccai95_1.html  http://www.cs.usask.ca/grads/vsk719/academic/890/project2/project2.html  http://www.minerva.uevora.pt/cscl/index.htm#Teorias

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