Coração de Leitora, Cabeça de Roteirista: Parceiros e seus Crimes em Garota Exemplar

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CORAÇÃO DE LEITORA, CABEÇA DE ROTEIRISTA: Parceiros e seus Crimes em Garota Exemplar. *

Erica Passig Bini de Souza** Roteirista e Escritora.

RESUMO

Análise sob dois pontos de vista, sendo eles, leitora e roteirista, da obra Garota Exemplar. Tendo enredo e personagens como principais pontos, um embate é traçado entre a produção literária e a cinematográfica. Com base em observação livre, o tema é explorado ante a área de interesse e atuação profissional da autora, expondo sua interpretação pessoal e intransferível, porém, compartilhável e discutível, numa conversa informal em primeira pessoa.

Palavras-chave: Garota Exemplar. Adaptação. Narratologia. Cinema. Personagem.

ABSTRACT Analysis of two different points of view — reader and screenwriter — of the piece Gone Girl. Having the plot and the characters as the focus of this study, a parallel is made between the literary and the cinematographic pieces. Based on free observation, the theme is explored over the area of interest and professional performance of the author, exposing her personal and untransferable interpretation, although shareable and debatable in an informal conversation in the first person.

Keywords: Gone Girl. Adaptation. Narratology. Cinema. Characters.

* Artigo apresentado para a conclusão do curso de Pós-graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual – Universidade Estácio de Sá. ** Graduada em Comunicação Social – Cinema e Vídeo – Universidade do Sul de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

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É BOM MAS É RUIM

Perto do Natal do ano passado, passei em frente a uma livraria da cidade e, como sempre, uma força poderosa me puxou para dentro da loja. Fui passando pelas prateleiras, me “servindo” de alguns títulos, quando, num certo corredor, dou de cara com uma atendente que olha o primeiro livro da minha pilha e já começa a falar comigo como se me conhecesse há anos: “Ah, você vai amar este livro! É o meu preferido. Me apaixonei pelo Park... Daria tudo pra ser Eleanor!... Quem não daria?! Mas estou com medo”. (E finalmente fez uma pausa, claro que esperando que eu perguntasse o motivo do medo, o que eu fiz. Até então eu só sorria para ela.) “Ah, porque o autor vendeu os direitos do livro pro cinema! Vai virar filme.” (E enquanto eu abria a boca — com cara de quem não estava entendendo nada — para um clássico “Como assim?!” ela continuou): “É, eu sei, era para ser uma coisa boa, mas o cinema sempre estraga tudo e eu amei tanto o livro que não quero ver minha história preferida bagunçada e com outro final!”. A menina estava decidida. Terminou a colocação tão indignada que pensei que fosse chorar. Tentei argumentar com ela sobre a diferença de produções e meios, ela retrucou dizendo que era coisa de fã, que eu não entendia, que ela não queria que fosse adaptado e pronto! Quase peguei o telefone e encenei uma ligação para algum estúdio dando a ordem para cancelar tudo porque ela não estava de acordo... Eu não ganhei essa “batalha”. Saí de lá — bem rápido, depois disso — com Eleanor & Park e mais alguns livros. Claro, este foi o primeiro a ser lido. Mas aquilo não me saiu da cabeça. Quem se importa que as linguagens sejam diferentes?! Fã que é fã quer a obra como a conhece. Leitor que é leitor sempre lê tudo antes de assistir aos filmes, e geralmente, analisando depois, ainda prefere as palavras no papel. E quem sou eu para dizer que não deve ser assim, né?! Ler, escrever, roteirizar, assistir... Criar e se abastecer de conteúdos de todos os que também fazem isso. Tem coisa melhor?! Eu digo que não. Reeditar?... Pode; revisar?... Deve!; analisar?... Interessante. Mas e quando o caso é, entre outras coisas, comparar?! Complicado. Errado, já ouvi dizer. Um crime! Afirmava um professor na faculdade de Cinema. E se assim for, admito: infelizmente, disso sou

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culpada. Mas eu juro, antes de qualquer coisa, que não tive nada a ver com o sumiço de Amy! Amy é casada com Nick, personagens de outro livro — Garota Exemplar, da autora Gillian Flynn. Troquei todos os fogos e tim-tins da virada do ano, pelas linhas retas de personagens tortos. Li em duas madrugadas e fiquei louca para assistir à adaptação, lançada agora em 2014. E nesse caso quem ficou com medo fui eu. Assistir ou não assistir?!... Indagou o coração. Eis a encruzilhada em que todos se veem em certo momento. Resolvi assistir. Pode render, no mínimo, uma resenha, dizia a cabeça... Esse mundo é muito maluco. Tem gente que não gosta de cinema, acredita nisso?! Diz que é perda de tempo ou que não tem paciência. E pior: Tem gente que não gosta de ler! É, pois é!... Ainda bem que também há por aí os que realmente gostam. Os que se dizem apaixonados, amam, gostam tanto que levam como profissão, fora aqueles que só namoram personagens fictícios. Gosto muito de falar com esse pessoal, discutir filmes, livros, artes... E é com eles que eu quero dividir a minha viagem por Garota Exemplar. Essa viagem começou, claro, com a leitura do livro. Se estendeu à apreciação do filme, raspou num iceberg chamado adaptação, mas seguiu viagem sem grandes avarias enquanto eu conhecia os personagens, os criadores, esmiuçava pontos da trama, traçava paralelos entre as versões e entre assuntos do cinema e da literatura. Uma forma de aprender mais estudando a partir de uma obra. A viagem é longa, ainda não sei onde ela termina. Mas agora, ancorada com vista para a praia, com milhares de folhas de anotação amontoadas sobre a mesa, algumas coisas podem ser ditas.

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OS TAIS CRIMES, OS SUSPEITOS E OS CULPADOS

Existe algo que acontece desde os primórdios com as pessoas, nas diversas formas de comunicação: um tipo de “deturpação”. É aquela brincadeira de criança — Telefone sem Fio — aplicada à vida em sociedade. É muito difícil captarmos uma fala, conversa ou história e repassarmos exatamente com as mesmas palavras, as mesmas pausas e entonações ouvidas. O que fazemos é nos apropriar de certo 3

conteúdo e modificá-lo de acordo com nossos maneirismos, com o que interessa repassar ou com o que nossa memória deixa que nos lembremos. Nós adaptamos tudo, inclusive nossos próprios pensamentos e ideias. A adaptação acontece em todas as vertentes da Arte. (E na comunicação, nas salas de aula, nos trabalhos acadêmicos, na história do mundo, enfim...) Não dizem que uma imagem vale por mil palavras? Pois o “Não conte, mostre!”, é uma lição aprendida com Hitchcock em seus filmes, sobre como se construir um bom suspense. Já Edgar Allan Poe, gostava mesmo era de escrever e nos dar detalhes escabrosos sobre personagens e realidades obscuras em seus livros. Ambos atuaram em um mesmo gênero, mas cada um à sua maneira. Poe é o terceiro autor literário mais adaptado — e não só para o cinema. Pouca gente sabe disso, por não conhecer a sua obra, mas muitos devem adorar algum filme baseado em um de seus contos. O que quero dizer, é que Adaptação é pura e simplesmente uma “repetição com variação” (HUTCHEON, 2006) e considerá-la “crime” nada mais é do que preconceito. Confesso: Tenho uma queda por ambiguidades e dualidades. Personalidade, ponto de vista, senso comum, frase, história, mas, principalmente, personagem. E olha... Estou achando que tenho companhia nesse crime. A autora Gillian Flynn é uma bambambã da literatura de suspense da atualidade. Norte-americana do Missouri, tem 43 anos e mora em Chicago. É filha de professores — a mãe, de literatura e o pai, de Cinema (isso explica muito sobre ela e as referências em suas obras). É formada em Inglês, Jornalismo, mestre também em Jornalismo, e antes dos livros trabalhou como crítica de cinema e TV. Tem três livros publicados: O estreante ― Objetos Cortantes ― é protagonizado por Camille, jornalista atormentada e dada a automutilação. A pedido de seu chefe, Camille vai cobrir alguns crimes bizarros contra crianças, acontecidos em sua antiga cidade. E com a terrível decisão de se hospedar na casa de sua assustadora família disfuncional, é levada a desenterrar tenebrosas memórias. Lugares Escuros conta a história da Família Day (ou o que sobrou dela). Os irmãos Libby e Ben — a acusadora e o réu da chacina da própria família — enfrentam há anos dificuldades e fantasmas, cada um em sua própria prisão. Em tardia dúvida sobre a culpa do irmão, Libby vê-se em um resgate de acontecimentos por lembranças sombrias. O terceiro livro é o tema deste trabalho, Garota Exemplar. Os três livros são thrillers, intitulados 4

Best-sellers pelo New York Times e já tiveram os direitos vendidos ao cinema. (Dizem más e boas línguas que Charlize Theron irá produzir e interpretar Libby na adaptação de Lugares Escuros. Aguardo ansiosamente). Ah! Foi Flynn quem roteirizou seu Garota Exemplar para o cinema e parece que a parceria com o diretor do longa, David Fincher, deu certo, porque agora eles voltam a trabalhar juntos, mantendo suas funções, na série Utopia, da HBO. Ainda nem falei nada sobre Garota Exemplar. Não sei o que você achou do livro (assumindo que o leu), mas sei que pode pensar (como muita gente) que este é apenas mais um bom thriller, que não tem nada de mais; que, com tantas outras obras fantásticas adaptadas da literatura para o cinema, a escolha desse título, como tema de pesquisa, parece estranho. Sob certo ponto de vista, até concordo. Mas esta trama não é guiada somente por ação e reação... Surge então um filme hollywoodiano, um daqueles que você pensa algumas vezes antes de escolher para assistir, porque se for bom... ótimo; mas, se for ruim, vai levar um chá de cadeira: são 2 horas e 29 minutos de sessão. Um elenco do qual você provavelmente só conhece o Ben Affleck e dirigido pelo David Fincher, de quem só vai se lembrar na hora se for cinéfilo, amante da obra do cara ou muito bom de memória. David Fincher é um diretor e produtor norte-americano do Colorado, hoje com 52 anos, várias indicações e prêmios e, além de filmes publicitários e clipes musicais, uma filmografia chamativa de “filmes de personagem”. Personagens complicados, psicologicamente trabalhados e trabalhosos, diria. E que por eles é constantemente lembrado, o que nos diz quão bom é no que faz. Começou a carreira cinematográfica dirigindo Alien 3. O público não gostou muito. Três anos depois, fez Se7en e levou muita gente ao delírio. Alcançou a fama ao mostrar que sabe perfeitamente apresentar a mente de um serial killer e construir um suspense. O mais interessante? O filme inteiro é sobre crimes que não assistimos. Depois, mais crime, roubo e dinheiro em Vidas em Jogo, de 1997. Em 1999, oferece um filme onde todos temos acesso a um clube, clube esse, em que a primeira regra, é não falar sobre ele. Um personagem esquizofrênico, genial, extremamente bem escrito e realizado, que vira um marco do cinema em Clube da Luta. 2002 torna-se um ano traumático para os personagens de Quarto do Pânico e para todos nós que passamos a mesma noite chuvosa naquela casa espetacular durante um roubo. Se 5

você não se lembrava, a culpa é do Fincher. (Esse é um dos meus filmes preferidos!) Depois de me conquistar, o cara some dos cinemas por cinco anos (clássico dos homens... Nick faz isso com Amy). E então volta com mais um serial killer, que perde a cena para o cartunista obcecado e metido a detetive (coitado), que, por sua vez, perde a família, os cabelos e o sono tentando decifrar as cartas e códigos do Zodíaco. Filmaço! Em 2008, brinca com o tempo lindamente, em O Curioso caso de Benjamin Button. Conta a história de uma vida “ao contrário”, de forma linear, por meio de lembranças em um diário. É muito poético e simbólico para ser esquecido. E não será! NA Rede Social, de 2010, ele faz um filme sobre a obra de um cara que poderia ser vangloriado eternamente, mas é tão babaca que a gente só agradece pelo Facebook, mesmo! (Agradecimento à minha xará no filme, Erica, que deu o pé na bunda inicial — literalmente — nesse “empreendimento”.) No ano seguinte, Fincher repete a adaptação (?! coisa de americano) do primeiro livro da série Millennium: Os homens que não amavam as mulheres. (Tá, eu fiquei chocada, de novo, ao rever a história.) Desnecessário, mas os personagens... Continuamos a lista com o inesperado House of Cards, série que dirige com sucesso desde 2013 para o site Netflix. Adaptação de um romance de Michael Dobbs, um drama político (O covil dos psicopatas, hein?!). Só nesta lista, vê-se um diretor (mais que) bom com adaptações, com aptidão para o suspense e para o mistério. (Sim, de acordo com Hitchcock, são coisas diferentes. Eu explico: no mistério, o personagem sabe do que acontece e o público não. Já no suspense, nós sabemos de tudo e os personagens — que nunca ouvem nossos avisos aos gritos para não abrir aquela porta — não sabem de nada. Concordo com ele e gosto desta definição, que cabe tanto ao cinema quanto à literatura de gênero.) Fincher também mostra uma intuição apurada para encontrar e trabalhar personagens psicologicamente desvirtuados, que levam os filmes ao sucesso. Porque as pessoas as vezes se esquecem ou não se dão conta, mas são os personagens as peças-chave das histórias. Sem eles não há explosão de carro, bomba ou elevado que sustente um filme de ação, muito menos os de outros gêneros. E, em se tratando de personagens fabulosamente construídos, estão Amy e Nick, o casal em crise do livro da Flynn. A mais nova escolha de Fincher.

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2.1 O QUE DIZEM AS SINOPSES

Do livro: O livro começa no dia do quinto aniversário de casamento de Nick e Amy Dunne, quando a linda e inteligente esposa de Nick desaparece da casa deles, às margens do rio Mississippi. Sinais indicam que se trata de um sequestro violento e Nick rapidamente se torna o principal suspeito. Sob pressão da polícia, da mídia e dos ferozmente amorosos pais de Amy, Nick desfia uma série interminável de mentiras, meias verdades e comportamento inapropriado. Ele é evasivo e amargo, mas seria um assassino? Ao mesmo tempo, passagens do diário de Amy revelam um casamento tumultuado, mas ela estaria contando toda a história? Alternando entre os pontos de vista de Nick e Amy, Flynn cria uma aura de dúvidas em que o cenário muda a cada capítulo. À medida que as revelações surgem, fica claro que, se existe alguma verdade nos discursos de Nick e Amy, ela é mais sombria, distorcida e assustadora do que podemos imaginar. Magistralmente bem construído do início ao fim, Garota Exemplar é um daqueles livros impossíveis de largar e sobre o qual se quer debater assim que a leitura termina. Do filme: Amy Dunne (Rosamund Pike), desaparece no dia do seu aniversário de casamento, deixando o marido Nick (Ben Affleck), em apuros. Ele começa a agir descontroladamente, abusando das mentiras, e se torna o suspeito número um da polícia. Com o apoio de sua irmã gêmea, Margo (Carrie Coon), Nick tenta provar a sua inocência e, ao mesmo tempo, procura descobrir o que aconteceu com Amy.

2.2 UMA COISA LEVA A OUTRA

Eu não sabia por onde começar a falar tudo o que quero, então me levantei e fui cozinhar. Gororoba quase pronta, pego meu pratinho e vou me servindo. Quando vou dar a primeira garfada, penso que poderia tirar uma foto — o negócio estava bonito, colorido, apetitoso... (Não sou dessas que tira foto de tudo não, tá?!) Dei mais uma olhada e deixei pra lá (fiquei com vergonha; costumo comer em prato de criança ― gorda de dieta, sabe como é...), enfim, ataquei a comida e bah!, estava bom demais! Aí tive um clique: Sabe quando você vê a foto de um prato num restaurante, pede e fica decepcionado?! Ou quando você come algo delicioso na casa da mãe, da vó (ou 7

em qualquer lugar), que não tem nada de fotogênico e olhando ninguém dá nada, mas o gosto é dos deuses?! Então... Essas coisas também acontecem com livros e suas adaptações cinematográficas. E só às vezes a gente dá sorte nos dois! 2.2.1 “Não compre o livro pela capa” e “Não julgue o livro pelo filme”

Minha leitura e compreensão das obras abarcam o que estudei sobre literatura e roteiro ― em cursos e universidades distintas ―, além do meu conhecimento dos temas, conteúdos, obras literárias, cinematográficas outras pesquisas e experiências de vida, assim como faz qualquer crítico. Considero válidas, e aplico aos trabalhos, lições vindas de ambas as referências estudadas, sem distinção, pois percebi que as linhas de criação das obras convergem nos tópicos da dramaturgia e do que cerca gênero, enredo e personagem. Luiz Carlos Maciel diz que “roteirista e crítico têm pontos de vista radicalmente diferentes diante de um filme”; até opostos, arrisca, porque o crítico analisa “a posteriori” algo pronto. E “o roteirista trabalha a priori diante da página em branco.” (MACIEL, 2003). Maciel ainda diz que é “inútil” um roteirista criticar o roteiro, diante da obra pronta, com um ponto de vista contemplador. Então, para ficar claro: neste trabalho não apresento uma crítica ao roteiro do filme ― até porque não tive acesso ao roteiro, que deve jazer, agora, em algum lixão, lembrando o fim que Carrière via para os textos após a conclusão das produções ―, o que faço é a relação dos meus pontos de vista sobre o que li no livro e vi na tela. De um lado, como quem sabe e entende os porquês das escolhas de produção na adaptação (já que acaba sendo um paralelo) e, do outro, ignorando tudo isso para comentar como cinéfila, leitora e leiga. Bom colocar também, já que faço uma interpretação da semiologia, que Marcel Martin faz uma distinção entre um semiólogo e um espectador pelo conteúdo que se quer entender de um filme. Profissional e pessoalmente, nem que quisesse poderia me considerar mais do que uma simples espectadora, nesse contexto, porque a compreensão que busco, além de entender o enredo, é desvendar os personagens e sua criação, e não a linguagem cinematográfica (MARTIN, 2007). Já quando leio um livro, quase tudo o que preciso desvendar nos filmes é (na maior parte dos casos) minuciosamente detalhado sobre os protagonistas (o que, normalmente, acaba com o 8

meu barato), mas não me impede de ir mais além, buscando teorias ou, às vezes, criando as minhas próprias (conspirações) ao redor da trama. Por falar em trama, quem estuda “como” contar histórias, seja por meio da literatura, do cinema (ou de outra forma qualquer), sabe que tudo é baseado em ação, reação e quem as vive. Ou, como diz uma anotação em garranchos no meu caderno de roteiro: “Não existe história se ninguém quer nada; o personagem precisa da tensão para ir além” (o assunto mais próximo eram dicas de McKee, tiradas de seu Story, mas não digam que eu disse que é dele). De qualquer forma, completo com o confiável Doc Comparato (2009): “Sem conflito, sem ação, não existe drama”. Sabe-se também que Enredo = Objetivo+Obstáculo. Sobre isso, Kurt Vonnegut, nos deixou a dica de que o enredo só é criado a partir do momento em que damos aos nossos personagens um objetivo; afinal, a vida é mais que “uma série de ‘momentos’ individuais” (FIELD, 2001). Mas para isso, precisamos descobrir a Função do personagem, e a pergunta “O que o personagem quer?” é um ótimo guia de como evoluirá a história. Quando li o livro, imaginei (quase) tudo e todos, como qualquer leitor. Mas como o filme já havia saído e eu já tinha, por azar, visto um trechinho do trailer (não assisto a trailers!) sabia que o Ben Affleck era o marido. Também tinha ouvido falar que a então produtora, Reese Witherspoon, comprara os direitos do filme com interesse em protagonizá-lo. Como na cena que eu tinha visto havia um pôster atrás do Ben Affleck mostrando outra loira, descartei-a do papel. (Eu e o diretor, aparentemente!) O elenco do livro, tem 22 personagens “importantes” para a história. Já o filme, tem 17 papéis que fazem diferença no enredo (e estou contando aqui Maureen, mãe de Nick, e o vendedor de drogas do shopping abandonado). Falando deles por aqui, cito quem imaginei, mas antes preciso falar sobre o gênero em que se encaixa a trama, o Suspense. Tanto no livro, quanto no filme, em momento algum, você atenta para as técnicas utilizadas. Você é simplesmente levado, envolvido no enredo. Torna-se um figurante naquele mundo bizarro, figura como voyeur e por consequência, vira cúmplice nos crimes dos personagens. Quando Doc Comparato e McKee falam sobre Suspense, eles o tratam como um mega-gênero e vendo seus subgêneros, já percebi que livro e filme se separam. Ambos são suspenses “maiores”, ou seja, de personagem (COMPARATO, 2009), além disso se encaixam 9

em Noir (com ponto de vista do ora criminoso, ora vítima) e Conto de Vingança (do ponto de vista da vítima). Mas enquanto o livro se mantém nestas duas linhas de apresentação, o filme parece virar um Mistério de Assassinato, onde o ponto de vista é do detetive (McKEE, 2006). A culpa é do narrador, que passa da primeira pessoa, possível nos romances (muito usada nos pós-modernos), para o narrador em terceira pessoa, o onisciente. E isso muda tudo! Os dois narradores do livro são Amy (imaginei Katherine Heigl) e Nick. Tudo o que é contado, tem os seus pontos de vista; logo, nenhuma cena se passa sem a presença de um, do outro, ou dos dois. Mas os focos, pelo menos da maior parte do livro, são diferentes. Nick nos apresenta uma cidade, um círculo de amizades, dá uma descrição de si, de sua esposa e de seu relacionamento a partir de um acontecimento atual e segue daí em direção ao futuro, onde se espera uma solução para o problema: o sumiço de Amy. O foco de Amy é ela. Seu ponto de vista é sobre o seu dia a dia, num passado e no presente, contado por anotações de diário. Cerca de 300 descrições sobre seus sentimentos, gostos, problemas... Conhecemos aos poucos sua forma de pensar, seu ponto de vista sobre si (e olha que essa mulher se ama!), seu relacionamento com os outros, seu marido e, principalmente, seu casamento... Um belo conjunto de memórias da mulher perfeita, sumida, e, ao que tudo indica, assassinada pelo marido. Mas só até o “segundo ato”. O filme tem uma estética diferente. É difícil trabalhar pontos de vista em primeira pessoa porque para o ator de cinema “Pensar = Falar e Sentir = Atuar”, como nos lembra Comparato (2009). Então, o ponto de vista de Amy, que se mantém assim, é apresentado em forma de flashback. Ouvimos o que ela narra, vemos o que sente e como age. Esta exposição não é bem vista por teóricos do cinema. Linda Seger (2007), por exemplo, a considera uma abordagem fraca. Eu achei muito bem colocada; não acredito que diminua a trama de forma alguma. Até chegarmos ao “segundo ato” do filme, quando o narrador onisciente assume seu posto. Deste momento em diante, a história se passa no agora. Já Nick, vira (mais um) personagem guiado pelos acontecimentos do enredo, sob o ponto de vista onisciente. Há cenas que se passam sem que ele esteja presente. Em muitos momentos, e até no geral, perde o cargo principal para a detetive Booney (imaginei Rosario Dawson), que busca desvendar o crime ocorrido (ou não). Vale ressaltar que eu assisti ao filme como alguém que já 10

conhecia trama e personagens. Por isso, é claro que minha leitura tende a preencher as lacunas que o filme deixa ― e são muitas ―, não que isso seja ruim. Vamos à Estrutura Narrativa... Desde a Poética de Aristóteles, sempre há alguém estudando e criando regras e dicas sobre como deve ser uma boa história (tem os que chamam de drama, de romance...). Dentre muitos, há Joseph Campbell, criador da jornada do herói e do monomito. Essa jornada é utilizada até hoje por todos que criam personagens e histórias, mesmo o livro não tendo sido escrito para esse fim. Em Hollywood, o primeiro a aplicar a estrutura ao seu filme foi George Lucas. O título era Star Wars. Logo depois, vendo os resultados positivos, Christopher Vogler escreveu seu famoso memorando e o enviou a roteiristas de estúdios. O memorando continha dicas para entender o mito com base nO Homem de Mil Faces e outros pensadores e era voltado especificamente para o campo cinematográfico. Foi tão bem aceito e fez tanto sucesso que virou livro — A Jornada do Escritor — que mantém uma estrutura em três atos e sintetiza “Jung, Aristóteles, Campbell e Hegel.” (MACIEL, 2003) (Já um cara chamado Wycliffe A. Hill, escreveu uma série de livros, os “The Plot Genie...” depois de vasta análise de filmes produzidos. O que ele fez foi criar inúmeras listas com possíveis possibilidades para histórias — quase que um manual de escrita em múltipla escolha para não criativos — com explicações simples. De acordo com esse trabalho, a posse de alguma coisa, a necessidade de livrar-se de alguma coisa e vingança, são os três possíveis desejos capazes de gerar uma trama, e só é possível vencer os obstáculos diversos com súplica, sacrifício ou perseverança. Entre os inúmeros finais que acha interessantes e cogita para as tramas, Hill sugere o de uma pessoa desaparecida reaparecer, depois de muito tempo, fazendo o que poderia ser o triunfo do vilão virar algo desastroso ao mesmo — Eureca! Veja, tudo pode ser estudado, dissecado, abordado, empacotado e vendido! E às vezes a gente conhece e reconhece o uso de clichês, com ou sem alterações.) Dentro das estruturas, há os Modos Narrativos. Aqui no nosso caso, o livro é épico, e o filme também, apesar de se mesclar às outras duas formas de narração, lírica e dramática. A trama se passa num cenário completamente realista (que eu não conheço, por se tratar de gente muito grã-fina. Mas existe!) habitado por gente como a gente. Gente que tem falhas, que finge, mente, enrola, rouba e que por serem personagens, acabam por nos contar tudo o que fizeram. Culpa de uma 11

sinceridade intrínseca, de acordo com Comparato (2009). Hollywood presumiu com o tempo que a jornada do herói pode ser a espinha dorsal de qualquer obra. Aqui, livro e filme se encaixam nessa estrutura. No arco da trama do livro temos um núcleo personagem — Amy e Nick. Eles perdem seus empregos — um obstáculo que leva a um chamado à aventura. Recusamno psicologicamente e vivem o marasmo e a liberdade. Tiram “férias” da vida de adultos responsáveis até que Nick recebe uma ligação de Margo (imaginei Alice Braga), sua irmã gêmea. Sua mãe está morrendo, ou seja, um novo chamado ao qual ele cede (como núcleo) e parte para a aventura. Tudo isso é contado por Amy, enquanto Nick nos apresenta um conflito central — Amy sumiu. Seu obstáculo na busca pela esposa é que tudo parece apontá-lo como único suspeito. Um obstáculo criado pela própria esposa, mas levado ao extremo pelo falho senso comum — Deve ser o marido! É sempre o marido! — e pela mídia (crítica social presente no enredo inteiro, tanto ao próprio jornalismo quanto a quem se nutre de tudo o que vê, lê e ouve sem compreensão). No caminho percorrido por eles, há muitos conflitos, e passamos a ver o que antes era um núcleo como personagens em suas próprias batalhas, até que cada um passe por suas provações e se reencontrem — Clímax. A partir daí, o caminho de volta é retomar o casamento, um novo objetivo que tem por obstáculo toda a premissa e os próprios personagens. Claro que há outras leituras, claro que se tirássemos os conflitos de personagem desta apresentação veríamos algo mais fluído como estrutura. Mas gosto dela assim porque, para mim, o grande fecho (um segundo clímax) é o último diálogo dos personagens. Faz-me lembrar de T.S. Eliott, em seu Os Homens Ocos: “E é assim que o mundo acaba — não com um estrondo, mas com um gemido”. No filme, a estrutura se repete. Apresenta uma narrativa diferente dos fatos e personagens, mostra poucas histórias menores e se atém totalmente ao que é preciso (ou o que o diretor quer) que saibamos da história. Nenhuma informação é gratuita. Aqui, Nick é o herói, essa história é dele. Amy é uma personagem paralela (importante, claro, mas ainda parte da história de Nick) até que seus destinos “voltam” a se tornar uno. O conflito é o mesmo narrado pelo personagem no livro: A esposa sumiu. O objetivo não é só encontrá-la, mas também livrar-se da culpa (e da prisão). O obstáculo? Ele é um mentiroso, canastrão e único suspeito. Termina exatamente como começa, com uma incitação. A trama começa com uma apresentação de personagens. 12

Nick, o protagonista, e sua irmã Margo Dunne, personagem secundária, a “mentora” do irmão. Dos diálogos surge o problema, um casamento desgastado. Plot — Um telefonema do vizinho. Gato na rua, casa bagunçada e a complicação: a mulher sumida. Polícia, detetives Booney e Gilpin (imaginei Robert Patrick) e o conflito começa a engrossar, nada bate na cena, Nick parece alheio ao que acontece e logo se torna o principal suspeito. Mentiras, um advogado (imaginei Peter Gallagher), buscas, mentiras, amante, mentiras, pistas e encontram o diário de Amy... — Crise! — (2º ato) Surge a história paralela de Amy, viva e feliz. Conta o que houve, resolve as lacunas, confirma ao público o que Nick já desconfiava: a armação fria e calculista para incriminá-lo por sua morte. A motivação: a traição do marido. Amy segue com seu plano longe da ação principal onde Nick e Go são presos, a imprensa tumultua e os pais de Amy (imaginei Ellen Burstyn e Edward Herrman) continuam a procura da filha exemplar. Amy é roubada — Plot — por Jeff e Greta (imaginei John C. Reilly e Amanda Bynes). Uma ligação e o futuro planejado é readequado. Nick, numa medida extrema, se utiliza da mídia para um apelo. Diz o que Amy quer ouvir e pede que volte. Durante um mês Amy se reestabelece enquanto planeja um crime: a morte do pobre Desi (imaginei Patrick Dempsey). O clímax: Amy volta para casa (parecendo Carrie, a estranha) e cai nos braços de Nick. (“Vadia cretina!”, eu pensei e ele falou). Mais mentiras, agora de Amy, a tentativa de reajuste, a desqualificação de autoridades, a exposição à mídia e à crítica, a volatilidade do meio... A aceitação festiva da (antiga, nova, nunca) heroína. 2.2.2 “Os homens necessitam de esperança, enquanto os ficcionais, de expectativa”. (COMPARATO, 2009) No livro A Personagem de Ficção, Antonio Candido (2007) diz que “a revolução sofrida pelo romance no século XVIII consistiu numa passagem do enredo complicado com personagens simples, para o enredo simples (coerente, uno) com personagem complicada”. Afirma que personagens modernos são os mais complexos, e, ainda assim, autores os tornam menos fragmentados do que a visão que temos de indivíduos reais na sociedade, usufruindo dos avanços da psicologia desde sempre, na construção da personalidade. No mesmo livro, Paulo Emílio Salles Gomes discursa sobre o personagem cinematográfico e assume que este é a 13

junção do de teatro e o de romance, sendo que as regras apontadas por Candido para o romance cabem perfeitamente aos seus. Ao criar personagens e seus mundos, precisamos necessariamente saber de algumas coisas. Informações e detalhes que, na literatura, são passados ao leitor a qualquer momento, mas que muitas vezes, no cinema, telespectadores não chegam a saber porque não é dito nem mostrado. Quando o estranhamento surge durante um filme original, o personagem pode não agradar por parecer inverossímil ou raso, mas no caso de uma adaptação, a falha (por modificação ou esquecimento) é notada, a falta é sentida e o personagem geralmente perde. Por isso a importância de um personagem bem desenvolvido e estruturado. Bosi (1982) divide o romance moderno em quatro esferas de tensão entre indivíduo e sociedade: a mínima, em que há bate-boca mas as personagens não se destacam da estrutura; a crítica, em que o herói resiste às pressões mesmo em constante mal-estar; a interiorizada, em que o herói matuta todos os problemas mas não age; e a tensão transfigurada, que apresenta um herói tentando solucionar seus conflitos existenciais por meio de transmutação mítica ou metafísica da realidade. Na mesma linha de esquema, Comparato diz que há três possíveis tipos de conflito de personagem, aos quais serão atrelados os obstáculos: o conflito interno/psicológico, o conflito com outro ser (ele diz humano, mas complemento com: ou não), e o conflito com as forças da natureza. Personagens bem trabalhados também costumam ser tridimensionais. Abordam e nos mostram suas faces físicas, sociais e psicológicas (conceito baseado em Jung). E a partir destas características, podem ser classificados, com conceito de E. M. Forster, como complexos ou estereotipados, ou seja, planos — que não apresentam transformações e contradições internas durante a trama (de traços fixos. Previsíveis, simplifica Comparato), ou redondos — mutáveis, mais trabalhados psicologicamente, o que dá ao leitor, mais dificuldade ou exige mais tempo, para decodificá-lo. Já Maciel dá um toque sobre o quê, para ele, é o mais importante elemento de composição do personagem: descobrir ao que o personagem dá mais importância, ao que ele presta real atenção. Porque “a atenção é o verdadeiro poder que constitui a chamada realidade objetiva” (MACIEL, 2003). Sobre premissa pessoal, quem fala é Eugene Vale, e explica que ela é importantíssima na dimensão psicológica do personagem e tem uma

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estrutura tripla de ação comandada pelo tempo. O passado guarda a motivação, o presente mostra a intenção e o futuro representa o objetivo. Bom, o que temos em Garota exemplar já vimos ser um enredo realmente simples, mas seus personagens... Ao buscar uma representação fiel do homem, Gillian os constrói perfeitamente como seres transitórios e contraditórios, donos de uma insatisfação constante. Temos como principais Amy e Nick e é desse ponto que precisamos trabalhar também suas funções, quanto as dos outros personagens na trama. Nick: No livro, ficamos sabendo de Nick por Amy — que nos dá uma descrição apaixonada no início e gradualmente vai tornando-a seca e sombria — e por ele, que acaba nos dando detalhes de como se considera, como é visto pelos outros, como gostaria de ser, e como Amy dizia que era... E essa descrição não bate em quase nada com as dela. Nick dá muito valor à família. Seu destino é mudado ao decidir voltar para “casa” pela mãe doente e pela irmã cansada. Essa decisão afeta Amy, que é, nas palavras dela, “arrastada” ao Missouri. Descobrimos aí, também, um conflito com o pai. Os conflitos de Nick são internos, e são muitos. E apesar de seguir “a jornada do herói”, o que se pode ver nele é um herói anti-herói porque age por bondade, mas nunca deixa de lado seu interesse próprio. Está sem emprego e pode recomeçar a vida num lugar que o ama, essa é uma ótima motivação inicial. Mas Nick, apesar de seus desvios de conduta (traição, mentiras e raiva do pai), tenta (até demais) ser alguém interessante e do bem. No livro, apesar de sua superfície “banana”, ele se mostra preocupado com a esposa, os pais dela (e com sua liberdade, claro!), e se esforça para solucionar o sumiço, que vê estar empacado nas mãos dos detetives (em parte por culpa dele). Isso foi tomado do personagem, no filme, transformando-o realmente no alienado bobão que todos o consideram. Outro ponto a comentar é que, no livro, vemos um Nick culturalmente muito inteligente (claro, menos que Amy), com tiradas engraçadas, MUITAS referências de livros, filmes, personagens... Seu personagem trazia certa leveza a toda a tensão, tanto interna quanto da vida e do relacionamento com Amy, a perda do trabalho e a falta de dinheiro. No filme... Quem é Nick? Eu não descobri. Parece tão bobo que me pergunto como Amy teria se interessado por ele, já que suas memórias dizem que gosta de homens engraçados... Nick acaba virando um mero “tipo B” das classificações psicológicas e comportamentais utilizadas lá pela detetive Booney. De qualquer forma, ainda digo que, no filme, o personagem continua redondo. (Mas, de 15

novo, li o livro e sou fã de teorias, simbolismos...), por isso pode não parecer grande coisa, mas vejo aquela primeira cena que mostra Nick levando o lixo para a rua como de grande importância. Ela apresenta não só onde se passa a história como também antecede o que (com observação) vamos entender depois — a modificação física de conflito entre personagem e sociedade. Naquele momento não sabemos, mas naquela hora ele já fervilhava por dentro tentando pensar em como pedir o divórcio a Amy. Em contraste, o mundo ao seu redor está tranquilo, não há nada externo (fora Amy!) o perturbando. E assim permanece até a porta de sua casa se escancarar, horas depois. Amy some e o personagem entra em colapso interno. Ao mesmo tempo em que quer (e depois precisa) descobrir o que houve, o sumiço de Amy resolveria seu problema, a falta de coragem para terminar o casamento. Então por grande parte do filme, se mantém alucinado enquanto o vemos manter suas caraminholas na cabeça e sua rua tomada pela mídia, louca para se apropriar e distorcer qualquer acontecimento. E quando descobre que Amy está armando contra ele, a imprensa deixa de incomodá-lo e torna-se só enfeite; mas por dentro, agora, precisa controlar raiva, medo e uma vontade louca de matar de verdade a mulher. As motivações de Nick se modificam a cada nova pista, a cada novo detalhe, mas todas elas têm um objetivo: ver o retorno de Amy. E no fim, o personagem, termina como começou: preso a um casamento que não quer mais. Primeiro, porque Amy fica grávida; segundo, porque realmente não tem coragem de sair dali. Acho o diálogo do filme, em que eles discutem no closet, perfeito. Amy tem poder sobre ele desde o início, e só ali ele se dá conta disso. Talvez este seja o grande ponto alto do filme, para mim. E me fez lembrar da série House, quando o próprio médico, num episódio da 5ª temporada, diz: “Quase morrer não muda nada. Morrer muda tudo”. Do “Núcleo Nick”: Margo, a irmã gêmea que assume na vida e na trama o papel de mentora do irmão. É uma personagem plana e acabamos por desconhecer sua personalidade, exceto pelo que se torna necessário para falar de Nick. Sua mãe, Maureen (imaginei Shirley Knight), só é conhecida no filme por um comentário ou outro; no livro, principalmente por anotações de Amy, que a considerava uma pedra no sapato, a culpada por ela não estar em Nova York. Uma pessoa muito feia, de acordo com Nick, mas dona do maior coração que ele conhecia e uma verdadeira guerreira que infelizmente perdeu a batalha contra o câncer. O pai de Nick, William, ou Bill Dunne (imaginei Bruce Dern), nunca foi boa gente. Bebia, brigava com a 16

mulher, abandonou a família e agora está com Alzheimer. Mora numa casa de repouso de péssimo apoio que é paga pelos filhos. Odeia mulheres e as chama de “Vadias cretinas”. No livro, Nick tem também amigos e ex-colegas — nunca citados no filme — e também interage com uma jornalista blogueira, Rebecca, que era quem o fazia ganhar pontos com o público (mas não no filme). A aluna e amante, Andie Fitzgerald, personagem plana (exceto pelos peitos de melão, diria Amy). E o advogado Tanner Bolt, um personagem plano, mas bem explorado no livro, inclusive com face pessoal, na qual tem uma mulher linda, negra e poderosa de 1,80 de altura que imaginei como Tyra Banks (tá, o primeiro pensamento foi a primeira dama Obama). Uma pena ela não aparecer. Bolt, no filme, fica com o cargo cômico. De núcleo “comum”: Ellen Abbott. Escolha perfeita da atriz para o papel. É a personagem principal no quesito crítica à imprensa. Apresenta de forma crua, e, infelizmente, nada exagerada, como as pessoas agem hoje em dia. Esses “tempos líquidos”, dos quais tanto fala Zygmunt Bauman, onde você é o que os outros julgam ser. Sharon Scheiber joga no mesmo time de tablóide, Ela mostra o que a interessa e dessa forma “escolhe um lado”, mas sem manipular e distorcer. Ela aqui acopla o papel que faria Rebecca e deixa Nick ganhar pontos de credibilidade. (Imaginei uma Oprah acima do peso, mas gostei muito da escolha do diretor). Noelle Hawthorne (imaginei Kirstie Alley) faz papel de escada para Amy, e de... como dizer... “vadia cretina” para Nick, com suas fofocas — claro que numa tentativa de ajudar a polícia a achar sua “melhor amiga”; foi manipulada previamente por Amy, mas mesmo assim (vizinho fofoqueiro e metido é um saco, e fim!) é responsável em vários momentos por levar a ação adiante. Os detetives Rhonda Booney e Jim Gilpin: no livro eles dividem a cena de modo justo. Booney é a policial camaleoa (muda de opinião e forma de agir com relação a Nick, no desenrolar da história). Já Gilpin é o “policial bonzinho”, mas que quase acredita na culpa de Nick. Gilpin parece engraçado, apesar do semblante sério; é quem acompanha Nick na busca das pistas de Amy. No filme, Booney é mais durona e parece assumir o ponto de vista principal, já que muito do que vemos parece ser contado por ela. Os esforços e soluções encontradas são todos prêmios dela (como a ida ao shopping e a conversa com o traficante, numa só ida!). E Gilpin vira o espantalho do campo de centeio. Só faz figuração, é chato e completamente desnecessário na trama do filme. 17

Do Núcleo Amy: Marybeth e Rand Elliott, os pais aparentemente perfeitos da filha perfeita, Amy Exemplar. Psicólogos infantis que fizeram, da vida da filha, livros (e um inferno). São responsáveis pela fortuna de Amy e considerados por ela “almas gêmeas”. Parecem mil vezes mais românticos no livro. As mãos sempre juntas ou o abraço não ficam marcados no filme. Os atores não me convencem. Desi Collings, um personagem interessante no livro, que sempre me passou a impressão de cavalheirofilhinho-da-mamãe — Jacqueline Collings (que imaginei como Christine Baranski) e era inimiga de Amy — com quem ele ainda mora. É um tanto maluquinho, obcecado por Amy desde sempre. No livro, se mostra mais aberto, fala com Nick e se aproveita disso para se aproximar da amada. No filme, aparece como um personagem enigmático e sombrio, completamente lunático, ainda obcecado por Amy, e torna-se a única vítima fatal dela. Achei grande perda não termos visto sua mãe, isso daria algumas explicações sobre ele, ao público. E uma falha enorme e imperdoável foi não ter mostrado o quarto das tulipas, acompanhado da descrição, durante o tour da casa. Isso teria mudado TUDO sobre o que pensar dele. É alguém que esperou por ela a vida inteira e não um riquinho pra quem se diz “bem feito que morreu, babaca, tentou comprar ela!” (Sim, li isso em algum lugar da internet). Ele é duas, três vezes vítima, coitado! Tommy O’Hara (imaginei Mackenzie Crook), o nerd que foi a terceira vítima de Amy no livro. É outro coitado, mas um personagem bem aproveitado voltando à tona com a intenção de ajudar Nick (e que a polícia não se dá o trabalho de averiguar). Bem colocado no filme também. Hillary Handy (imaginei Lili Taylor), a primeira vítima de Amy. Só aparece no livro, mas seria bem importante que tivéssemos ouvido falar sobre ela no filme. Greta e Jeff, os dois personagens que interagem com Amy logo depois da sua escapada. Personagens rasos, mas que fazem a história dela andar e nos mostram muito mais de quem e como é a verdadeira Amy. O roubo deles modifica todo o seu plano. São os culpados por ela não se matar, procurar Desi e voltar para casa. (Está vendo quanto mal um ato criminoso pode criar?!) Finalmente, Amy. Uma mulher de beleza mais que significativa, inteligentíssima, culta, rica e que exige, de tudo e todos, padrões elevados. Uma personagem complexa e uma escritora brilhante. E digo isso porque ela cria personagens perfeitas, assume seus postos e vive tudo de acordo com os fatos de histórias milimetricamente planejadas. Ela é quem quer ser, e o faz com perfeição (ou quase). Começou a história 18

como uma heroína, casada com o herói perfeito (e isso era exatamente o que ela sempre representou a todos). Passou a anti-herói, enquanto eu qualificava suas ações como mais uma forma de chamar atenção. Ela queria jogar, ter o poder da situação e sair por cima, como heroína. O prêmio era Nick e a continuidade do casamento em crise. Passou à chamada Sombra. Ela não queria só se divertir, queria destruir o marido, os pais, e todos os que cruzassem seu caminho. Algo que, vamos descobrindo, fez desde pequena. Uma mente sórdida e doente. Sua motivação (desta vez) foi a descoberta da traição do marido. Ela tinha as oportunidades para qualquer vingança, mas também tinha raiva, paciência, o gosto e a capacidade por planejamentos detalhados e perfeitos. Era meticulosa e não queria só acabar com o casamento. Queria que Nick pagasse por tudo que “fez a ela” a começar pelo fato de tê-la tirado de Nova York, passando pelo drama de querer e depois não mais querer um filho, chegando à traição. Era todo o desgaste de um casamento somado a desatenção do marido e sua infelicidade pessoal. Sem trabalho, dedica todo o tempo a atuar de modo a se tornar querida por todos. Como ela diz no filme: “é preciso que as pessoas gostem de nós, para que sintam nossa falta”. E ela queria que sentissem. Ela precisava, porque estava carente de atenção. Seu título de Exemplar não era nada, agora. A editora havia cancelado os livros da série depois do título do casamento. Ela já não vivia numa grande metrópole e não tinha com quem competir e de quem ganhar em qualquer coisa porque ali ela era melhor do que todos os caipiras. Seus pais falidos tomaram seu dinheiro emprestado, ou de volta, e o que havia sobrado foi investido no bar, que ainda não dava retorno. E agora, não era mais a esposa amada. Fora trocada por uma aluna do marido. Não tinha amigas, não tinha filhos, não tinha ao que se dedicar... Amy me enganou. Suas descrições no diário me fizeram ver uma personagem legal, alguém com quem as minhas ideias batiam sobre relacionamento, macacos adestrados e cultura. Fui me identificando com ela, e assim que ela começou a desconstruir essa máscara e vi a personagem dentro da personagem, me senti péssima. Eu não era como ela. Sua vulgaridade, antes engraçada, tornou-se incômoda. Suas ações me deixaram angustiada e com raiva. No filme, como tudo é diminuído e passa muito rápido, não sei se alguém chega a se identificar mesmo com ela, mas tem uma técnica fantástica utilizada, que serve pra isso: a trilha! Amy boazinha ganha uma máscara de áudio só dela. A Amy real não tem trilha (exceto 19

pela montagem da explicação de todo o processo), o que torna tudo mais tenso durante a sessão, porque quando ela volta para casa, a trilha volta a tocar. As pessoas não mudam. Amy começou como alguém ruim e termina assim. Mas é tão boa que enganou a você e a mim. Uma pesquisa sobre as ações de Amy: No livro, conhecemos um pouco mais sobre a personagem do que fica claro no filme. Acredito que ninguém tenha saído do cinema com outra impressão que não fosse esta: Amy realmente não bate bem da cuca! Enquanto conta e contam sua história, ficamos sabendo que desde pequena Amy nunca se acertou muito bem com ninguém. Ela era tratada em casa como Exemplar, se seguia os gostos dos pais, mas quando não, logo surgia um livro tratando disso. Amy sempre soube que era bonita, que exercia influência sobre os outros, que era extremamente inteligente, que chamava a atenção dos homens e sempre viveu de forma egocêntrica em busca da felicidade. Mas só da dela. Quando queria alguma coisa, Amy conseguia , não importava o que tinha de fazer. Amy gostava de estar no comando de tudo. De moldar os outros, de adaptá-los aos seus padrões e interesses. Ela buscava sempre estar entre outros “menos” tudo que ela. A Amy real, não tem sentimentos. Ela não sofre por ninguém, não sente muito (nem pouco) pelo mal que faz aos outros. Amy é uma Psicopata. Nas palavras de Ana Beatriz Barbosa Silva, uma das ou a mais entendida sobre o tema, no Brasil, “Sem inquietude mental e sem o menor sentimento de culpa ou remorso por desapontar, magoar, enganar ou até mesmo tirar a vida de alguém”. Ana Beatriz, em seu livro Mentes Perigosas, detalha de forma entendível a qualquer pobre mortal o que é um psicopata. Explica e exemplifica casos sobre como agem. E nos previne: eles podem estar ao nosso lado. Se você assistir outra vez ao filme ou relembrá-lo, vai perceber muitos comentários vindos de vários personagens, relacionados ao tema. Nick era o personagem considerado sociopata, por sua forma fria e desligada de agir diante do problema enfrentado. Culpa de falta de empatia, diziam eles... Verdade! Só estavam julgando a pessoa errada. Para não ficar citando o livro Mentes Perigosas, recomendo a leitura a todos. Um último comentário: penso que Amy tenha se casado com Nick, que realmente a amava, por sua “necessidade de excitação” (caraterística marcante dos psicopatas). A 20

busca do prazer em tudo o que faz. Vulgaridade, sexo, jogos, dinheiro, poder... Vemos tudo isso nela. “Os filmes não criam psicopatas, eles só os tornam mais criativos.” (Skeet Ulrich)

2.3 O ICEBERG

Numa tarde quente do ano passado, durante uma aula de Literatura Brasileira, a professora levou para que assistíssemos, a adaptação de um clássico da nossa nação. O filme é ruim (mesmo!) sob qualquer contexto e análise e não chega nem aos pés do livro. E pior, eu já o conhecia. Enfim, terminado o filme, metade da sala acordando, eu detestando... Ela desliga o projetor e começa o discurso: “Então, gente; gostaram? Essa história é realmente muito boa. Eu me emociono sempre. E ela está toda aí... O autor já tinha criado tudo, dá pra ver que o roteirista não teve trabalho nenhum — Só precisou filmar!”. Acredite! Não fiquei para ouvir o resto porque minha vontade era gritar Nãããooo! Nãããooo! Nãããooo! Pare de falar abobrinhas sobre o que não sabe!!! Não é fácil escrever um romance, e da mesma forma, um roteiro não é uma obra simples. Quando se pensa em escrever um livro, você precisa de uma ideia, de pesquisa, da criação de bons personagens, paz e criatividade. Luiz Carlos Maciel, diz que agora “a tarefa fundamental do roteirista é a dramaturgia. A do diretor, a linguagem.” (MACIEL, 2003). Eu não sei onde exatamente, isso acontece. O que aprendi e uso na construção de roteiros vai além da dramaturgia ― claro, começa com um argumento, que aí sim será transformado ―, mas envolve o conhecimento prévio da linguagem cinematográfica. Ele também diz que, ao invés de contar a história, como nos romances, o que os roteiros fazem é acompanhar e nos mostrar o desenrolar de uma ação. Para Jean-Claude Carrière, “um bom roteiro é o que dá origem a um bom filme” (Carrière,

2006).

No

mesmo

livro,

desanima

qualquer

roteirista

iniciante

(principalmente) lembrando que “uma vez que o filme esteja pronto, o roteiro não mais existe”. Maciel conta que roteiristas insatisfeitos pela falta de reconhecimento e por modificações absurdas em suas obras, já reivindicam a valorização de seu trabalho e participação em todas as fases do filme. É algo como: “OK, os diretores mandam em 21

tudo (...) mas eles devem nos consultar.” (MACIEL, 2003). Voltando ao Carrière, ele ainda conta que aprendeu com Jacques Tati e Suzanne Baron, que “O roteiro não é o último estágio de um percurso literário. É o primeiro estágio de um filme.” Leigos e ingênuos roteiristas sempre consideram fácil a arte da adaptação. Ledo engano. São obras individuais e geralmente buscando públicos diferentes (ou, digamos, maiores, pelo audiovisual). Doc Comparato, fala que a “adaptação implica escolher uma obra adaptável, isto é, que possa ser transformada sem perder a qualidade.” (COMPARATO, 2009) No resto de seu texto, embora diga que se trata de “um processo de recriação e substanciação”, preza que a “alma, aura, essência” ou qualquer coisa assim, deve ser preservada. Muda-se de mídia, mas não de obra. Ou seja, quer viajar na batata, crie uma história original. Foi inspirado por alguma outra coisa? Ótimo, todo criador é! Mas não chame de adaptação. Já Linda Hutcheon (2011) discorre, em seu livro Uma Teoria da Adaptação, sobre uma análise de duas faces. Defende a visão da Adaptação como “produto formal ou entidade” e como “processo de criação”. A primeira, trata de uma transcodificação que pode, ou manter a história apenas adequando-a a mudança de mídia ou modificando tudo e criando uma obra distinta. A segunda envolve reinterpretação e recriação, ou seja: apropriação ou recuperação. Hutcheon cita muitos entendidos e pesquisadores, entre eles Donald Russell, que comenta sobre a imitação andar de mãos dadas com a criatividade, colocação que completa sugerindo que ao assistirmos uma adaptação ruim, talvez devêssemos culpar a falta de criatividade do autor e não a falta de fidelidade ao original. E Bakhtin, que diz ser inevitável a comparação de uma adaptação por quem conhece o original. E isso de forma alguma é ruim. Ruim é inferiorizarmos essa técnica tão utilizada. Bom, seria darmos alguma credibilidade ao processo, porque muitas vezes é por meio dele que conhecemos muitas coisas, nos dando conta disso ou não. Recomendo a leitura do livro dela para quem se interessa sobre o tema. Mesmo depois de muita teoria e ponderação, algumas distorções na adaptação de Garota Exemplar me deixam possessa, porque não só suprimem detalhes fundamentais, mas contradizem o que se lê no livro. Não sei se tais anomalias partiram de Flynn ou de Fincher, mas partes importantes de personagem e enredo ficaram perdidas. Se durante a leitura, por exemplo, culpei Margo, depois Bill e por fim Nick, nenhum deles, em momento algum, me pareceu culpado na tela. E o que 22

dizer das pistas do jogo de Amy, que são justamente o que norteia o livro e no filme viram simples propps (auxiliares) no desenrolar da investigação. Ou será que alguém realmente pensou que Nick — o marido desligado e desinteressado — procuraria na gaveta de calcinhas da mulher por uma pista de um jogo que ele detesta? Tire uma caixa daqui, uma carta romântica (a motivação de Nick no jogo) dali, deixe o fã perdido, faça do prólogo o epílogo... Pelo menos no filme, Amy não terá a última palavra... Ela não merece. Nem nós.

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VAI POR MIM! (OU NÃO...) O único fato é que a opinião dos outros vai ser sempre deles — o ponto de vista,

o humor do momento, a sensibilidade, o porquê de ler ou assistir tal coisa — e nada disso cabe a mim ou a você. Nós só iremos saber se vale a pena, se gostamos ou não, se a obra é boa (sob nosso critério pessoal, claro!) se nos dermos a chance de ler, assistir, observar, ouvir... Não existe “bom” ou “ruim”, como conclusão final, na Arte (e olha que o povo tenta criar essas travas. Lembra de Aristóteles, com suas preleções sobre o Belo?).

3.1 Quatro em um e mais um pitaco

Como leitora, vivi intensamente todos os sentimentos provocados pelos personagens da trama. Penso que Gillian (Óh a intimidade!) confirmou com maestria a afirmação de Millôr Fernandes: “quão maravilhosas são as pessoas que não conhecemos bem”. Não há, no decorrer do livro, grandes novidades com relação à linguagem. Mas a mescla de pontos de vista e tensão vivida (inteiramente narrada pelos dois personagens) proposta pela autora foi muito bem feita. Como cinéfila, achei o filme genial! Trilha marcada e marcante, atores dando um show, um suspense noir sem morcegos (ou com o mor — apesar de ainda não ter visto como ficou o queixo de vilão na roupa do Batman). Vou confessar que dei uma cochilada em certo momento, mas depois que engrenou a trama, quase precisei

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usar o mordedor para bruxismo, de tanta raiva e angústia. Saí da sessão chocada com a “natureza” humana e aplaudindo o trabalho da equipe. Como ser humano, tenho de começar a observar melhor as pessoas com quem me relaciono, e como mulher... “Sério mesmo, Amy?!”. Como escritora, livro e roteiro são sensacionais se falarmos deles como peças individuais. O livro conta com um trabalho de pesquisa e criação de personagens invejável (mesmo!). Já como adaptação ― apesar de seguir com perfeição a cartilha da “repetição com variação” ―, considero um tanto infiel pela perda substancial de informações e características dos personagens, o que modifica a leitura e compreensão da trama. Mas é notável a reinvenção da história — pela mesma pessoa — para outra mídia. Um enredo da arte imitando a vida no jogo do relacionamento humano. Como cineasta, um espetáculo de primeira linha. Direção, Roteiro, Arte, Fotografia, Som, Produção, Edição... Não há falhas no conteúdo apresentado ― É claro que, por respeito (ou talvez saudosismo) ao original, EU teria feito algumas coisas de forma diferente. Arrecadou uma bilheteria substancial e aclamação pela crítica. (E é isso que deixa quase todo mundo feliz, né?!) Por falar em crítica... Vê-se por aí muita opinião sem maiores conhecimentos. Há os que apresentam a crítica opinativa literária e os que oferecem a crítica cinematográfica (ou fílmica), embora haja muito poucos ― mesmo entre os críticos profissionais, resenhistas e jornalistas ― que conheçam o original, a adaptação e o que e quem as obras envolvem. Julgo isso de extrema importância na hora de comentar, porque não basta assistir, ler e ouvir, é preciso entender para aí então discutir ou discorrer a produção escolhida. Fosse eu de um site especializado, pintaria de amarelo cinco estrelinhas para o Garota Exemplar! Mas não sou... Por isso, o direito à ressalva: é um bom filme, mas prefiro o livro.

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REFERÊNCIAS

ABNT. NBR6023: informação e documentação: elaboração: referências. Rio de Janeiro, 2002. 24 p. ABNT. NBR6028: resumos. Rio de Janeiro, 2003. 2 p. ABNT. NBR10520: informação e documentação: citação em documentos. Rio de Janeiro, 2002. 7 p. BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1982. CANDIDO, A.; ROSENFELD, A.; PRADO, D.A.; GOMES, P.E.S. A Personagem de Ficção. São Paulo: Coleção Debates;1/ dirigida por J. Guinsburg: Perspectiva, 2007. CARRIÈRRE, Jean-Claude. A Linguagem Secreta do Cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. COMPARATO, Doc. Da Criação ao Roteiro. São Paulo: Summus, 2009. FIELD, Syd. Manual do Roteiro: Os fundamentos do texto cinematográfico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. FLYNN, Gillian. Garota Exemplar. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013. FRANÇA, Júnia Lessa et al. Manual para normalização de publicações tecnicocientificas. 6. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: UFMG, 2003. 230 p. Fundamentos de metodologia cientifica. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1991. 270 p. GAROTA Exemplar. Direção: David Fincher. Produção: Reese Witherspoon, Joshua Donen e Arnon Milchan: 20th Century Fox, 2014. DVD. HUTCHEON, Linda. Uma Teoria da Adaptação. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2011. RELATÓRIO final de projetos de pesquisa: modelo de apresentação de artigo científico. Disponível em: . Acesso em: 03 dez. 2003. SEGER, Linda. A Arte da Adaptação. São Paulo: Bossa Nova, 2007. SEGER, Linda. Como Aprimorar um Bom Roteiro. São Paulo: Bossa Nova, 2007. SEGER, Linda. Como Criar Personagens Inesquecíveis. São Paulo: Bossa Nova, 2006. SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. 25

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