Corpo, Comunicação e Tecnologia: Uma reflexão sobre os acoplamentos em Floris Kaayk

September 18, 2017 | Autor: Ricardo Balija | Categoria: Semiotics, Communication, Technology, Contemporary Art, Anthropology of the Body
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RESUMO A presente pesquisa pretende compreender as transformações no corpo potencializadas pelos acoplamentos tecnológicos na obra do artista holandês Floris Kaayk. Em suas obras, Kaayk problematiza os dualismos encontrados pelos discursos dos meios massivos de informação e, através de questões futurológicas, aponta o corpo como importante vetor capaz de tensionar as oposições: natural e artificial, natureza e cultura, ficção e realidade. Quais os limites das investidas tecnológicas sobre o corpo? Estaríamos nos ciborguizando? Para não continuar a divulgação de termos esvaziados, dividimos a pesquisa em três eixos que buscam aprofundar os apontamentos encontrados nos processo de criação do artista. No primeiro capítulo "Comunicação, corpos e acoplamentos", apresentamos a fundamentação teórica que situa o corpo no campo da comunicação e da percepção. Neste momento, apresentamos os entendimentos de corpo como um sistema exploratório encontrados em Lúcia Santaella e James Gibson. Assim como os estudos sobre o corpomídia desenvolvidos por Christine Greiner e Helena Katz. O segundo capítulo "Arte e tecnologia" busca, através de um breve histórico, situar o corpo nas práticas artísticas e em sua relação com os discursos tecnológicos. A arte ao encontro das novas tecnologias assume um caráter exploratório de descoberta, como a vontade de se conhecer. Portanto, nos apoiamos em Julio Plaza ao tratar do problema da arte como próprio discurso sobre o fenômeno e não como representação de uma ideia. No terceiro capítulo, propomos, através das análises de três obras: The Order Electrus (2005), Metalosis Maligna (2006) e The Human Birdwings (2012), criar um percurso que se relacione aos entendimentos apresentados nos capítulos anteriores. Nosso quadro teórico é composto ainda pelos apontamentos sobre tecnologia e natureza encontrados em Ortega y Gasset e Vilém Flusser. A metodologia proposta se apoia nos estudos sobre processos de criação em Cecília Salles e Lucia Leão. PALAVRAS-CHAVE acoplamentos, Floris Kaayk, imaginário, ciborgue, processos de criação, corpomídia    

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Esta pesquisa foi desenvolvida com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

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Agradecimentos, À meus pais e minha família. Aos professores que me acompanharam Profª. Drª. Cecília Salles, Prof. Dr. Jorge de Albuquerque Vieira, Profª. Drª. Lúcia Santaella, Profª. Drª. Helena Katz, e à minha orientadora Profª. Drª. Lúcia Leão, serei sempre grato pela atenção e carinho. Agradeço também aos amigos do grupo de pesquisas CCM, e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que tornou possível o desenvolvimento desta pesquisa.

Muito obrigado, Ricardo Balija

 

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

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1. COMUNICAÇÃO, CORPOS E ACOPLAMENTOS 1.1 Corpo e comunicação 1.2 Corpo e percepção 1.3 O homem, a tecnologia e a natureza 1.4 Sobre acoplamentos e ciborgues 1.5 Processos evolutivos e comunicação

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2. ARTE E TECNOLOGIA 2.1 Estéticas tecnológicas 2.2 O corpo e as artes visuais 2.3 Arte como conhecimento 2.4 Floris Kaayk nesta pesquisa

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3. FLORIS KAAYK 3.1 The Order Electrus 3.2 Metalosis Maligna 3.3 The Human Birdwings 3.3.1 The Human Birdwings Timeline 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 5. REFERÊNCIAS 6. ÍNDICE DE IMAGENS

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p. 11 p. 13 p. 16 p. 24 p. 33

p. 38 p. 41 p. 58 p. 60

p. 65 p. 75 p. 83 p. 85 p. 99 p. 106 p. 116

 

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INTRODUÇÃO

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Sabemos que a tecnologia nos transforma, especialmente em nosso tempo com a ampla divulgação de um certo tipo de tecnologia que se torna intimamente conectada ao corpo. Os wearables (tecnologia vestível), a nanotecnologia, os chips úmidos ou a produção de órgãos sintéticos, que hoje saem de impressoras 3D, anunciam um aparente mundo novo que transforma a nossa relação com a tecnologia através destes acoplamentos. Contudo, muitas questões surgem deste cenário: estamos nos ciborguizando? Os smartphones irão para dentro dos corpos? Viveremos para sempre quando nos transferirmos para a rede? Nossos corpos se tornarão de fato obsoletos? Quais os limites desta relação que se anuncia cada vez mais íntima? Como ponto de partida, selecionamos três obras do artista holandês Floris Kaayk: The Order Electrus (2005), Metalosis Maligna (2006), e The Human Birdwings (2012) e procuramos, neste percurso, explorar a relação do corpo com os acoplamentos tecnológicos. Floris Kaayk, nascido em 1982, é um artista que se interessa por questões futurológicas e que, entre visões positivas e negativas, constrói um universo poético habitado pelos híbridos e por máquinas que questionam sua humanidade. Formado em artes visuais pela Academia de Artes e Design St. Joost em Breda, Holanda, e mestre, também em artes visuais, pela Sandberg Institute de Amsterdam, Floris Kaayk colabora ativamente com o coletivo Next Nature1 em ações que discutem os fluxos de informação onoff line. O Next Nature é um coletivo de pesquisadores e artistas que busca a redefinição do conceito de natureza. Eles defendem que a visão de uma natureza estática, equilibrada, harmônica e separada do homem se torna antiquada e incapaz de perceber uma nova natureza que emerge da cultura.

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Disponível em: < http://www.nextnature.net>. Acesso em: junho 2014

 

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Não devemos mais nos ver como uma espécie anti-natural que apenas ameaça e elimina a natureza, mas sim como catalisadores da evolução. Com o nosso desejo de projetar o nosso ambiente, criamos uma "próxima natureza" que continua imprevisível como sempre: software selvagem, surpresas genéticas, máquinas autônomas e belas e esplêndidas flores pretas. A natureza muda junto com a gente!2

Floris Kaayk nos convida a pensar sobre a relação da natureza com a cultura, sobre ficção e realidade, o natural e o artificial. O artista, como criador de possibilidades, parece buscar nos discursos tecnocientíficos de nosso tempo os temas de seus projetos. Em grande parte de suas obras encontramos o corpo como tema, pois ele, para o artista, opera como um nó capaz de tensionar grande parte das relações que o homem enfrenta com a tecnologia. O corpo seria uma herança natural? Será possível o abandono deste corpo? Sua materialidade encarnada se tornou supérflua? Perguntas como estas norteiam seu universo poético, habitado pelos híbridos e por máquinas que compartilham a dinâmica evolutiva dos humanos. Assim, ao buscar conceitos que norteiem esta pesquisa, precisamos compreender o que é tecnologia e qual sua relação com os processos evolutivos da espécie humana. Como são percebidas as transformações tecnológicas e de que maneira nos afetam? Acreditamos que, ao pensarmos sobre estas questões, entendemos melhor a situação tecnológica do homem no presente, e também nos ajuda a apontar suas expectativas futuras acerca da evolução da espécie em diálogo com as tecnologias, que misturam-se em diferentes tempos e que compõem um imaginário complexo. Portanto, para aprofundar as leituras das obras, dividimos esta pesquisa em dois grandes eixos conceituais: O primeiro deles, Comunicação, corpos e acoplamentos, investiga a noção de corpo que encontra apoio nos discursos das mídias massivas e atinge grande parte do senso comum. Esta escolha se faz necessária para criarmos uma cartografia das imagens que são, com frequência, tensionadas nas obras de Floris Kaayk. Neste capítulo, nos aproximamos dos                                                                                                                 2

“We must no longer see ourselves as the anti-natural species that merely threatens and eliminates nature, but rather as catalysts of evolution. With our urge to design our environment we create a ‘next nature’ which is unpredictable as ever: wild software, genetic surprises, autonomous machinery and splendidly beautiful black flowers. Nature changes along with us!" Tradução nossa. Disponível em: . Acesso em: julho 2014

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estudos sobre corpomídia desenvolvidos por Christine Greiner e Helena Katz (2001). Apresentamos, também, as diferenças entre uma lógica dualista que separa natureza e cultura, corpo e mente, natural e tecnológico, de um entendimento processual, integrativo e holístico, que compreende o corpo como um continuo entre o mental, o carnal e o ambiental. No segundo eixo desta pesquisa, Arte e tecnologia, buscamos, através de um breve histórico, apresentar como o problema do corpo é representado nas artes. Nosso recorte procura evidenciar a relação do corpo com a tecnologia nos processos de criação dos artistas. Damos enfoque à mudança paradigmática do corpo como representação, para o corpo como o próprio discurso nas artes. A análise das três obras que moveram nosso interesse durante esta pesquisa compõem um terceiro capítulo. Neste momento, apresentamos os conceitos tratados nos dois capítulos/eixos anteriores e relacionamos as proposições do artista. A metodologia proposta se apoia nos estudos sobre processos de criação desenvolvidos por Cecília Salles e Lucia Leão. Procuramos, desta forma, situar a obra de Floris Kaayk num continuo que aponta as manifestações da cultura em relação aos processos evolutivos da espécie humana.

 

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1. COMUNICAÇÃO, CORPOS E ACOPLAMENTOS

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1.1 Corpo e comunicação De fato, é impressionante como o corpo tornou-se assunto de destaque, não só nas recentes pesquisas acadêmicas, mas por todos os meios massivos de distribuição da informação. O culto ao corpo, incentivado pelas academias de ginástica e pela indústria dos cosméticos, induz à valorização de um corpo ideal, padronizado, sempre jovem e construído pela publicidade, porém distante da grande maioria de corpos que circulam pelas ruas das grandes cidades. Por outro lado, o abandono do corpo, profetizado por algumas linhas da tecnociência, promove a obsolescência da parte carnal do corpo, supondo que esta não participaria da digitalização da informação na sociedade da cibercultura. No entanto, esta discussão parece apoiar-se num acordo sobre o que vem a ser o corpo. Se o percebemos como um receptáculo da alma – ou da mente – e, portanto, o dividimos em dois, ambas as perspectivas parecem ser pertinentes em suas abordagens. Um corpo que habito, assim como qualquer item que possuo, pode ser melhorado e tornar-se merecedor de tal upgrade. O dualismo em questão, já conhecido pelos gregos (como em Plotino) em termos de uma cisão entre corpo e alma, tem seu ponto central em René Descartes, que distinguiu no homem a res cogitans (coisa pensante), que, por sua vez, encontra obstáculo no corpo, chamado de res extensa (coisa extensa). Nas bases desta distinção está o entendimento do corpo como um outro separado, que representa as dificuldades de se materializar as potencialidades da mente. Porém, na atual pesquisa, encontramos em Floris Kaayk um corpo em constante transformação, um corpo em processo, que, pela interação com o ambiente, se adapta e cria novas configurações para estar no mundo.

 

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O corpo se transforma ao ir de encontro às informações, e não somente em termos de sua materialidade visível aos olhos, mas também através de muitos sistemas complexos de troca que estão em ação entre corpo e o lugar onde se inscreve. O que nos aproxima do conceito de corpomídia desenvolvido por Christine Greiner e Helena Katz (2001). Segundo as autoras, as informações com as quais o corpo entra em contato estão pelo mundo e são percebidas por nós através das trocas que praticamos com o ambiente, de modo que a dureza da cadeira é uma informação para o corpo, assim como a temperatura da sala em que ele se encontra ou a cor das paredes. Portanto, corpo e ambiente estão num inestancável processo de troca e adaptação, tanto de um como do outro. Assim, o corpo pode ser compreendido "como sendo um contínuo entre o mental, o neuronal, o carnal e o ambiental" (GREINER, KATZ. 2001, p.89) e, portanto, do ponto de vista da comunicação, não existe separação entre corpo, mente e ambiente. Este entendimento de corpo em processo, como "um resultado provisório de acordos contínuos entre mecanismo de produção, armazenamento, transformação e distribuição de informação" (GREINER, KATZ. 2001, p.97), revela a condição: o corpo nunca é, ele sempre está; contrapondo-se à fixidez e à separação entre corpo e ambiente, o corpo é, desta forma, corpomídia de si próprio, da evolução à qual responde. Assim, a concepção dualista de corpo e mente não se relaciona com o objeto de estudos desta pesquisa, pois em Floris Kaayk o corpo se transforma pelo contato com a cultura. Vejamos as características da cultura na qual os corpos se reproduzem. Segundo Lipovetsky, as relações entre arte, cultura e natureza se misturam e constroem o que o autor desenvolve como: [...] a cultura não pode mais ser considerada como uma superestrutura de signos, como o aroma e a decoração do mundo real: ela se tornou mundo, uma culturamundo, a do tecnocapitalismo planetário, das industrias culturais, do consumismo total, das mídias e das redes digitais [...] confundindo as antigas dicotomias (economia/imaginário, real/virtual, produção/representação, marca/arte, cultura comercial/alta cultura). (LIPOVETSKY, 2008, p.7)

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Neste ambiente da cultura não há uma separação entre produtor e produzido, natural e artificial, natureza e tecnologia, devido à imbricada relação que estas categorias tecem na construção das visões de mundo que são compartilhadas. As descobertas do século XX nos campos da medicina e da genética, as tecnologias de imageamento do corpo (MRI), a clonagem, assim como os ambientes de simulação digital, produziram, de certa forma, uma maior compreensão sobre o corpo e, ao mesmo tempo, colocaram em questão os limites dos avanços tecnológicos.

1.2 Corpo e percepção Se nossa relação com o mundo se dá pelo corpo e, como vimos, entre corpo e ambiente existe uma constante troca e adaptação da informação, podemos perguntar: de que forma se dá a percepção do mundo pelo corpo? Uma imagem já bastante divulgada pelos discursos da mídia e, podemos dizer, a mais adaptada à cultura, é dos órgãos como aparelhos receptores e o cérebro como o grande processador onde a informação é codificada e interpretada. O corpo como uma máquina conectada a uma central localizada no cérebro, onde tudo é processado, é uma ideia recorrente tanto nos filmes de ficção científica quanto no entendimento comum. Porém, ao verificarmos como opera a percepção pelo corpo, esta relação se revela bem mais complexa. Lucia Santaella, através de uma citação de James Gibson (grande psicólogo do século XX), afirma que a percepção que se processa pelo corpo não ocorre somente em um lugar isolado, e sim, através de um mecanismo de inter-relação dos sentidos como sistemas perceptivos complexos:  

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A percepção não é algo computado pelo cérebro a partir de uma somatória de sensações. Os órgãos sensórios não são apenas canais de sensações, receptores passivos que respondem, cada qual (mecanorreceptores, quimioreceptores e fotorreceptores), à sua forma de energia apropriada (mecânica, química e radioativa) mas constituem-se também em sistemas perceptivos complexos que, além de ativos, são inter-relacionados, fornecendo ao organismo informação contínua estável que torna a vida adaptativa possível. A dinâmica perceptiva, portanto, vai além de uma mera experiência sensorial resultante da ativação de receptores passivos. (SANTAELLA, 2004, p.38)

A autora aponta que, além de ativos, os órgãos ou sistemas perceptivos se relacionam de maneira dinâmica ao encontro das informações; operam como exploradores, não como simples receptores da informação:

Os olhos, ouvidos, nariz, boca e pele são modos de exploração, investigação e orientação, modos de atenção a tudo que é constante na estimulação mutável, capazes de isolar a informação pertinente. Longe de serem mutuamente exclusivos, sobrepõem-se e, na maior parte das vezes, estão focados no mesmo tipo de informação, isto é, a mesma informação pode ser captada por uma combinação de sistemas perceptivos trabalhando juntos. (SANTAELLA, 2004, p.38)

Em seu livro Corpo e comunicação: sintoma da cultura (2004), Santaella esclarece sua fundamentação em Gibson ao propor uma concepção holística e integrativa dos sistemas que atuam na percepção. Entre eles, explica os sistemas exteroceptivos, ou seja, os responsáveis pela busca de informação, e nos apresenta sua divisão da seguinte forma: a) Sistema básico de orientação: é o mais geral dos sistemas, responsável pela orientação. Seus estímulos operam junto às informações sobre direção e a força da gravidade, assim como os movimentos do corpo. b) Sistema auditivo: seu modo de atenção é a audição. Envolve o ouvido médio e o aurículo. Seus estímulos são a vibração do ar e a natureza dos eventos vibratórios. 14    

 

c) Sistema olfativo-degustativo: volta sua atenção para o cheiro e o gosto. Nariz e boca funcionam em combinação para perceberem as relações químicas e físicas da informação que encontram. d) Sistema visual: seu modo de atenção é o olhar. Opera através da incidência de luz sobre o mecanismo ocular. Possui característica exploratória e se relaciona com todo o corpo em muitas naturezas diferentes de informação, desde os movimentos ao reconhecimento de objetos. É um dos mais complexos dos sistemas. e) Sistema háptico: diz respeito à atividade de tatear e apalpar. Opera na pele e nas extensões nervosas, nas juntas, ligamentos, músculos e tendões. Volta-se para vários tipos de exploração. É formado por um complexo de subsistemas; não possui um órgão em específico, mas receptores nos tecidos que estão por toda a parte do corpo. Assim, entendemos que a percepção acontece por todo o corpo, como uma rede de sistemas complexos e sensíveis que se comunicam e, muitas vezes, atuam conjuntamente sobre determinada informação. Segundo o antropólogo e sociólogo francês David Le Breton, podemos também encontrar no corpo um lugar onde se materializam as questões de seu contexto, como uma via de mão dupla:

Pensar o corpo é uma outra maneira de pensar o mundo e o vínculo social: qualquer confusão introduzida na configuração do corpo é uma confusão introduzida na coerência do mundo. (LE BRETON, 2003, p.223)

Os apontamentos de Floris Kaayk se relacionam com os discursos divulgados pela mídia, que apresentam, pelo olhar dos entusiastas tecnológicos, corpos que expandem suas potencialidades através do contato com a tecnologia e se misturam com os dados do computador. Por outro lado, em suas visões apocalípticas, Floris Kaayk adota um discurso com características tecnofóbicas, bastante comum naqueles que encontram na tecnologia um

 

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inimigo capaz de destruir a espécie humana, responsável por crises econômicas e sociais, e, desta forma, remonta ao duelo homem vs. máquina. Podemos perceber que ambos os apontamentos são coerentes com a ideia de uma tecnologia em crescimento que avança pelos nossos dias e divide a opinião não só do senso comum, mas também dos teóricos e acadêmicos.

1.3 O homem, a tecnologia e a natureza As respostas que se deram à pergunta: o que é a técnica? - são de uma pavorosa superficialidade. (GASSET, 1963, p.35)

Podemos pensar que há tecnologia sempre que o homem age no mundo, ou interage com a natureza e a transforma. Porém, ao transformar a natureza pela técnica, que, como vimos, acontece de forma dinâmica (corpo e ambiente em transformação), como somos transformados pela tecnologia? De que maneira o computador, o celular ou os muitos dispositivos que nos cercam também são responsáveis pelas concepções de mundo que compartilhamos? Segundo Lucia Santaella (2007, p.126-137), a fala também deve ser compreendida como uma tecnologia produzida pelo homem, pois se trata igualmente de uma manipulação da natureza que proporcionou uma situação fundamental para a evolução da espécie. Portanto, privilegiar as tecnologias atuais ou afirmar que somente a tecnologia digital causou transformações nos seres humanos parece-nos empobrecedor.

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Segundo o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1963), em seu relacionamento com a natureza, o homem poderia enfrentar três situações diferentes. Vejamos: Na primeira: caso a natureza oferecesse ao homem total facilidade de permanência, em outras palavras, o homem teria a plena satisfação de seus desejos sempre que quisesse. Desta forma, o homem não poderia sentir o mundo como diferente dele, andar pelo mundo seria como andar dentro de si mesmo. Na segunda: o contrário da primeira hipótese, ou seja, caso o mundo só oferecesse dificuldades ao homem. Neste caso, o ser e o mundo seriam totalmente antagônicos; o homem não poderia se alojar no mundo e a vida humana não existiria. E na terceira: a que efetivamente ocorre. O homem vê o mundo em torno de si como uma intricada rede; facilidades e dificuldades fazem parte deste entendimento e, através delas, constituímos a vida humana, o ser do homem. Em parte pertencente à natureza e em outra transcendente a ela. Na terceira situação (na qual vivemos), Ortega y Gasset aponta o homem como uma construção compartilhada entre natureza e cultura, e se refere ao próprio eu como um programa imaginário, construído em tempo real na tentativa de vencer as dificuldades do mundo:

O homem é, pois, antes de mais nada, alguma coisa que não tem realidade nem corporal nem espiritual; é um programa como tal: portanto, o que ainda não é, mas que aspira a ser [...] um ser que consiste não no que já é, mas no que ainda não é, é um ser que consiste em ainda não ser. (GASSET, 1963, p. 39)

Em seu texto clássico Meditação sobre a técnica, publicado em 1963, diferentemente de uma simples concepção de técnica como aquilo que se faz para satisfazer as necessidades do homem, Ortega y Gasset aponta que:

 

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A técnica é a reforma da natureza, dessa natureza que nos faz necessitados e indigentes, reforma em sentido tal que as necessidades ficam, a ser possível, anuladas por deixar de ser problema sua satisfação. (GASSET, 1963, p.14)

O autor cita como exemplo o período das cavernas, quando o homem percebe, pela manipulação do fogo, que consegue controlar o frio que, até então, representava uma ameaça para a vida. A natureza, segundo Gasset, é a circunstância em que se inscreve o homem; assim como todos os demais animais, somos parte integrante dela. Nós nos diferenciamos, segundo o autor, pela capacidade que possuímos de, através da técnica, reformar a natureza que nos cerca, ou melhor, produzir outras naturezas. Ao contrário dos demais animais, quando o homem não encontra na natureza aquilo de que necessita, ele não se resigna e entrega-se à morte; ele parte em direção a outros lugares ou circunstâncias em que suas necessidades possam ser satisfeitas. Assim, fazemos o fogo quando não há fogo, ou construímos cavernas – ou edifícios – quando não encontramos abrigo. O autor vê neste movimento de produção de outras naturezas a capacidade de ensimesmar-se, de voltar-se para si, como um dos vetores que diferem o homem dos demais animais. Estes resumem suas existências, de maneira geral, ao cumprimento de suas necessidades biológicas ou orgânicas. Já o homem pode criar sua própria natureza e, através deste mecanismo, materializa suas objetivações no mundo: o fogo, a casa, a horta ou os automóveis. Porém, as necessidades do homem não são apenas objetivas, ou seja, não representam necessidades iguais para todos da mesma maneira, ao contrário, tornam-se subjetivas, o que dificulta uma categorização: necessidades que se contrapõem ao supérfluo. O homem, segundo Ortega y Gasset, justifica seu estar no mundo associando-o ao bem estar no mundo, e procura aproximar-se, como pode, a essa ideia:

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As necessidades humanas são objetivamente supérfluas e que somente se convertem em necessidades para quem necessita o bem estar e para quem viver é essencialmente viver bem. Eis aqui por que o animal é atécnico: contenta-se com o viver e com o objetivamente necessário para o simples existir. (GASSET, 1963, p.22)

Na mobilidade do bem estar e do bem viver, o homem pode abandonar determinada técnica, o que revela que o importante, segundo o autor, é entender como o homem pensa a própria técnica, e não uma técnica em específico.

Um princípio fundamental para periodizar a evolução da técnica é atender a própria relação entre o homem e sua técnica, ou em outras palavras, à ideia que o homem foi tendo de sua técnica, não desta ou doutra determinadas, mas da função técnica em geral. (GASSET, 1963, p.74)

Partindo do princípio de que o homem é um animal técnico e se diferencia dos demais por essa característica, o autor enumera três grandes estágios na evolução técnica: 1º. A técnica do acaso 2º. A técnica do artesão 3º. A técnica do técnico Na técnica do acaso, considera-se o acaso como técnica ou, de outra maneira, como procedimentos que os homens executavam em períodos pré- ou proto-históricos, que se davam sem que se percebesse que, entre as capacidades do homem, existia uma que possibilitava a reforma da natureza. Os atos técnicos, nesta categoria, submergem em meio aos atos naturais e desconhece-se, na capacidade técnica, a capacidade de mudança. A técnica do acaso opera em um nível mais elementar. Através de incansáveis tentativas o homem experimenta diferentes situações e acaba repetindo as que foram favoráveis, fixando, assim, o hábito que reproduz a técnica.  

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Na técnica do artesão, o repertório de atos técnicos cresce exponencialmente. Os homens dedicam suas vidas ao aprimoramento de algumas técnicas e se tornam, assim, artesãos (sapateiros, ferreiros, pedreiros). Nesta situação, não se tem uma clareza sobre a natureza da técnica, mas entende-se que alguns homens possuem uma maior facilidade em desenvolver algumas atividades que não são naturalmente desenvolvidas por todos os demais. Nota-se que ainda não se reconhece a técnica pela técnica, apenas homens-técnicos. Para eles, a técnica de produzir sapatos é uma capacidade dos homens sapateiros; eles não reconhecem a técnica como uma capacidade abstrata. Assim como o voo para os pássaros, o sapateiro possui um dom de produzir sapatos, no sentido de um dote fixo e permanente. Desta forma, a técnica é entendida como a natureza do homem. Esta é a época em que os aprendizados se davam por longos períodos, quando os homens precisavam aprender a técnica a partir de uma determinada tradição e encaixar-se nestes sistemas fixos de produção. Não se vê na técnica a possibilidade da criação do novo, mas produz-se o contínuo com melhorias que variam ao longo do tempo. A produção feita através de instrumentos se difere da produção executada pela máquina por conta da relação instrumental, uma vez que, neste primeiro caso, o homem ainda é o centro da produção e se serve da técnica para desenvolver o objeto. Com a máquina este cenário se inverte, pois a máquina passa a produzir os objetos e o homem, a complementá-la. Pode-se dizer que é o princípio de uma técnica independente do homem, e não subordinada a ele. Na técnica do técnico, percebe-se que o homem possui capacidades que não são fixas, mas que constituem um manancial de atividades em princípio ilimitadas. Segundo o autor, a técnica neste período se relaciona com as descobertas científicas através das especializações. Existem os homens que operam as máquinas, mas também os que as projetam, engenheiros, arquitetos, etc. No estágio técnico em que chegamos, como sempre ocorreu, o homem se mistura com a técnica que criou: 20    

 

O homem de hoje [...] não pode escolher entre viver a natureza ou beneficiar essa sobrenatureza. Está já irremediavelmente preso a esta e colocado nela como o homem primitivo em seu contorno natural. (GASSET, 1936, p.88)

Uma característica deste período é acharmos que os muitos objetos que nos cercam nos foram dados, esquecendo-nos das condições em que foram produzidos e suas implicações morais. Assim como os homens primitivos, a relação que possuímos com a tecnologia digital nos dias de hoje, tornou-se quase inconsciente. Charlie Gere, um importante teórico britânico da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, ao tratar do problema da tecnologia digital em seu livro Art Time and Technology parte de três preceitos básicos (GERE, 2006) 1. Não foi o homem quem criou a tecnologia, mas a tecnologia que criou o homem; 2. Esta criação da humanidade significou o nascimento da história, ou seja, da cultura, a questão básica que permanece é a de que qualquer ponte humana criada não conecta a finitude humana à infinitude do tempo; 3. A arte não é um ornamento, mas um bem social e necessário culturalmente, à qual o homem tem usado como forma de chegar a um acordo com o problema do tempo. No livro o autor aponta a descoberta do telégrafo como uma importante evento tecnológico que desestabilizou a noção do tempo real praticada na época. Para o autor, as artes visam problematizar as fronteiras entre as diversas dimensões da cultura, do tempo e da tecnologia. Gere explora a relação entre a tecnologia e as transformações no mundo que alteram a produção artística e as suas estruturas de significações, produzindo ambientes que privilegiam uma mistura de caos e conhecimento. Segundo Gere, o surgimento da tecnologia digital é parte da história do crescimento da abstração, da codificação, da quantificação e matematizarão dos dados que pode ter início na Grécia antiga e chegar até o nascimento do capitalismo industrial. Contudo, não devemos considera-la como um canal para o mundo sem complicações, mas como um meio pelo qual o mundo se apresenta para nós hoje.  

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Em seu relacionamento com a natureza, o corpo tem papel importante na ação criativa. Seja para construir uma barragem de água ou um satélite de comunicação espacial, procuramos adequar o que nos cerca às nossas necessidades, transformando a natureza e, por consequência, a nós mesmos. Pela relação com a tecnologia, associada aos modos de produção, o filósofo tcheco naturalizado brasileiro Vilém Flusser, aponta uma nova categoria de humanidade. Segundo o autor, a partir das fábricas podemos perceber as dinâmicas culturais, sociais e subjetivas que regulam os corpos: “[...] primeiro, o homem-mão, depois, o homem-ferramenta, em seguida, o homem-máquina e, finalmente, o homem-aparelhos-eletrônicos” (FLUSSER, 2007, p.37). Já para o teórico da comunicação Marshall McLuhan, bastante celebrado por se dedicar às transformações sociais provocadas pela revolução tecnológica do computador, as tecnologias funcionam como extensões do homem. Através delas, estendemos nossos corpos e nossas capacidades. Segundo McLuhan, o vestuário é uma extensão da pele, as armas são extensões dos dentes e os meios elétricos são extensões de nosso sistema nervoso central.

Qualquer invenção ou tecnologia é uma extensão ou auto-amputação de nosso corpo, e essa extensão exige novas relações e equilíbrios entre os demais órgãos e extensões do corpo. (MCLUHAN, 2011, p.63)

Neste ponto, o conceito mcluhiano de extensão merece uma observação: a mídia, como veículo de transmissão de informação, não corresponde ao entendimento proposto pela teoria do corpomídia (Katz e Greiner), justamente porque, segundo ela, toda a informação que chega ao corpo é preservada nele e se torna corpo. Podemos citar o exemplo dado por Helena Katz: no prefácio que David Chalmers escreveu para Andy Clark em seu livro Supersizing the Mind: Embodiment, Action, and Cognitive Extension, David conta que seus amigos, impressionados com a mudança que o iPhone havia produzido no seu dia a dia, diziam que ele deveria implantar o iPhone em seu cérebro. Ele pôde enfim perceber que o implante não precisaria ser feito, pois o iPhone já 22    

 

fazia parte do seu corpo e já havia transformado o seu comportamento, porque já estava embodied.3 O iPhone de David Chalmers criou um Chalmers diferente da pessoa que existia antes do seu uso (KATZ, 2011, p.25). O iPhone não era uma extensão da sua memória, pois ele já havia se tornado memória. Neste processo, as coisas se tornam corpo por participarem de um processo evolutivo em conjunto: corpo e tecnologia em uma via de mão dupla, ambos transformam e são transformados ao mesmo tempo, e assim se torna impossível quantificar a tecnologia envolvida no processo. Ao tratar da relação entre corpo e tecnologia, o filósofo francês Michel Serres também descreve um processo coevolutivo, que, ao longo do tempo, transforma corpo e tecnologia:

Desde que a escrita descarregou nossas memórias sobre os pergaminhos, descobrimos a geometria abstrata; a partir do momento em que a imprensa livrounos da necessidade de lembrar, inventamos a experiência física [...] como se o próprio darwinismo saísse lentamente de nós, como se a evolução percolasse em meio a esses objetos. (SERRES, 2004, p.112)

Certamente, a cultura digital pode ser considerada um outro passo neste processo de transformação. O contato crescente com as tecnologias, assim como experimentamos nos últimos vinte anos, já mudou nossos hábitos cognitivos. As muitas telas que nos cercam, a convivência com os dispositivos móveis, o touch no lugar do click, etc. não implicam somente em um novo aprendizado motor, mas também transformam nossa relação com a tecnologia, nossos processos de subjetivação e nossa relação com o mundo. O corpo que navega pelas redes digitais circula também pelas ruas das cidades. A informação trocada com as telas continua no corpo, transforma-se em corpo. O tempo da internet já está em nós, nos transformou em corpos impacientes. As convocações visuais                                                                                                                 3

O conceito de embodiment "aposta que o corpo atua como mais um dos agentes que compõem o conjunto de práticas culturais e subjetivas – a partir de características somáticas, fisiológicas e funcionais as mais variadas – e não apenas, como um produto de tais práticas."(PEREIRA, 2006, p.95)

 

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destes dispositivos digitais aparecem também pelas diagramações das revistas; as invasões entre os elementos gráficos (sobreposições) e as escolha tipográficas adaptam, de certa forma, a visualidade das telas aos objetos offline, o que traz a vida para um estado allways on e nos torna incapazes de fazermos uma distinção entre o analógico e o digital.

1.4 Sobre acoplamentos e ciborgues Poderíamos pensar, então, que estamos nos ciborguizando, como anunciam algumas revistas sobre tecnologia que circulam hoje em dia? O imaginário do ciborgue, em uma leitura mais geral, relaciona-se ao humano que potencializa ou aprimora suas faculdades naturais através da tecnologia. Isto já foi amplamente divulgado pelos discursos das mídias de entretenimento, como por exemplo através dos filmes Robocop,4 Blade Runner,5 The Matrix6 e Her,7 assim como comentado pelo universo acadêmico (Hayles, Haraway). Segundo o antropólogo francês Gilbert Durand, podemos analisar as imagens manifestas em determinada cultura e perceber suas significações ao longo do tempo através do estudo de seu trajeto antropológico. 8 Nos filmes citados, percebemos a relação das imagens com o ambiente que as circunscreve, ao relacionarmos a materialização do ciborgue com a tecnologia que o produziu.                                                                                                                 4

Robocop. Direção: Paul Verhoeven. Orion Pictures, 1987. 1 DVD (102 min). Blade Runner. Direção: Ridley Scott. Warner Bross, 1982. 1 DVD (117 min). 6 The Matrix. Direção: Andy Wachwoski. Warner Bross, 1999. 1 DVD (136 min). 7 Her. Direção: Spike Jonze. Annapurna Pictures, 2013. 1 DVD (126 min). 8 O autor formula a noção de trajeto antropológico como “[...] a incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social”. (DURAND,1997, p. 29). 5

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Em Robocop (figura 01), o tenente Murphy sofre um acidente e recorre à tecnologia disponível para colocá-lo de volta à ação. Partes do seu corpo são substituídas por máquinas, o que o transforma em um super-policial. Neste filme, a transformação em ciborgue permite não só a continuidade da vida, mas potencializa as faculdades humanas, além de criar novas possibilidades de interação entre homem e máquina. Encontramos aí uma imagem do ciborgue que

não apenas contribui com o bem-estar, como une, através do corpo, a

tecnologia e a biologia. O filme clássico Blade Runner (figura 02), conta que a tecnologia foi capaz de produzir os replicantes (humanoides tecnológicos), usados para tarefas perigosas a fim de poupar a vida humana. Quando estes se rebelam e não cumprem seu papel, são devolvidos à sociedade e passam a viver entre os humanos. Começam, então, a questionar sua existência e sua função na sociedade, ou sua porção de humanidade. Neste caso, o ciborgue duvida da condição humana, e a personagem aponta uma outra questão: qual seria a diferença fundamental entre humanos e ciborgues? No filme The Matrix (figura 03), a imagem do ciborgue se transfere para uma espécie que faz uso da vida humana como fonte de energia para as máquinas. A relação com a tecnologia, que se dá, neste filme, por meio de um ambiente virtual, descarta o corpo físico, que permanece deitado e plugado em uma máquina durante todo o tempo de imersão digital – a nossa realidade, segundo o filme – o que faz da vida offline uma grande simulação criada pelas máquinas. Por este ponto de vista, os seres humanos participam da tecnologia digital através da mente conectada à rede, e o corpo, como item obsoleto, é visto como um obstáculo que deve ser vencido para se conhecer a realidade.

 

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Já em Her, de Spike Jonze (figura 04), o diretor apresenta a imagem do ciborgue na forma de uma criatura de software, que habita as redes digitais e divide com elas a condição numérica da existência. No período em que o filme se passa, a inteligência artificial atingiu um nível de complexidade tal, que é capaz de se relacionar com o homem pelo afeto. O ator Joaquin Phoenix interpreta um funcionário de uma empresa de mensagens que se apaixona por um software instalado em seu smartphone. O filme aborda o desejo de aproximação do homem à tecnologia, do advento dos computadores pessoais à relação afetiva que é praticada hoje através de dispositivos tecnológicos.

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Figura 01 - Cartaz do filme Robocop, 1987 Fonte: . Acesso em: agosto 2014.

 

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Figura 02 - Cartaz do filme Blade Runner, 1982 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

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Figura 03 - Cartaz do filme The Matrix, 1999 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

 

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Figura 04 - Cartaz do filme Her, 2013 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

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Podemos perceber que as representações do ciborgue nos filmes acompanham os desejos ou questões que o homem formula em sua relação com a tecnologia. 9 O aperfeiçoamento dos ciborgues, da maneira explorada pelo cinema, aponta a uma crescente tecnológica que se confunde com a biologia, possibilitando uma nova forma, não só de inteligência, mas também de existência.

FILME

ANO

CONTEXTO TECNOLÓGICO

REPRESENTAÇÃO DO CIBORGUE Mesma forma corporal dos humanos, construídos com prazo determinado para se desligarem. Tem a função de substituir os homens em tarefas perigosas. Os ciborgues são percebidos através de testes de lógica e afetivos.

Blade Runner

1982

Se passa no futuro, em Los Angeles no ano de 2019. O consumismo e a globalização são apresentados como eventos negativos que produziram uma sociedade sombria e desanimadora. Animais extintos são clonados, e uma nova espécie que se parece com os humanos é produzida pela engenharia biogenética, os replicantes.

Robocop

1987

Futuro próximo (sem data prevista) onde o crime corrompeu a sociedade que vive o caos instaurado nas grandes metrópoles. A OCP (Omni Consumer Products) é uma empresa privada que possui a tecnologia disponível para produção de policiais ciborgues. Trata da ganância, da corrupção e da distopia num ambiente hostil e a beira de um colapso.

Metade homem e metade máquina. Potencializa as capacidades naturais do homem, dando-lhe superpoderes. Concentra no corpo as transformações tecnológicas.

The Matrix

1999

Homens em guerra contra as máquinas. A tecnologia se tornou autônoma e reproduz seres humanos como fonte de energia. Os homens vivem num ambiente de simulação digital e permanecem adormecidos, sem ter conhecimento da realidade.

Imersão em ambientes digitais através do abando ao corpo. A participação nestes ambientes acontece através da inserção da informação diretamente no cérebro como um download.

Her

2013

Em um futuro distante e completamente mediado pela tecnologia os smarphones possuem em seu sistema operacional alguns aplicativos que funcionam como assistentes pessoais. Uma nova versão destes sistemas é lançado (OS) que interage com os humanos pelo afeto.

Ciborgue como criatura do software. Por não possuir corpo, pode habitar muitos mundos ao mesmo tempo. A tecnologia se mistura com a humanidade, compartilham afetos.

Tabela 1

                                                                                                                9

Ver tabela 1

 

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As imagens provenientes do ciborgue correspondem à relação na qual homem e tecnologia são problematizados, não só pelos acoplamentos tecnológicos, mas também pela dinâmica de significações que essas transformações reproduzem. Dentro do ambiente cyberpunk podemos citar o manifesto ciborgue, um texto clássico, publicado em 1991 por Donna Haraway, que procura identificar a trama de relações que o corpo estabelece com a tecnologia. Não apenas uma transformação da materialidade do corpo, o ciborgue, segundo Haraway, “é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e organismo, uma criatura de realidade social e também uma criatura de ficção” (HARAWAY, 2009, p. 360). Desta forma, o ciborgue se aproxima de uma imagem intersticial, que invariavelmente tensiona dualismos entre biológico e cultural, natural e tecnológico, realidade e ficção. Na leitura de Haraway, percebemos as implicações de um corpo que opera na incerteza de suas origens e, assim, adquire um caráter político. Trata-se de um dispositivo de poder, como assinalou Foucault.10 O irlandês Neil Harbisson,11 que possui uma doença genética que só lhe permite ver o mundo em preto e branco, desenvolveu junto a outros pesquisadores o eyeborg, um olho eletrônico que lhe permite distinguir as cores pelos sons. O dispositivo funciona através de uma pequena câmera situada na testa que capta as imagens e as codifica para sons através de um microchip acoplado à nuca. Neil foi o primeiro humano a ser reconhecido judicialmente como ciborgue. O ativista argumentou que, pelo tipo da integração proposta, corpo e máquina eram inseparáveis, o que permitiu que continuasse a usar o dispositivo mesmo na foto de seu passaporte.                                                                                                                 10

Segundo Foucault, um dispositivo pode ser “um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode tecer entre estes elementos”. (FOUCAULT, 1984, p. 244) 11 Artista, ativista e músico, Neil Harbisson trabalhou com Sound Portraits (retratos de rostos criados a partir dos sons codificados de rostos) e, em 2010, criou a Fundação Cyborg, em defesa do direito dos homens promoverem a cibernética como parte do corpo. O eyeborg está em sua décima versão e, a cada uma delas, Neil consegue aprimorar seu equipamento, que hoje já consegue diferenciar 360 tons.

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As implicações do experimento de Harbisson são inúmeras, não somente na esfera médica e mercadológica, ao beneficiar os que possuem alguma deficiência, mas também por expor uma visualidade que explicita as relações que praticamos hoje com as máquinas, que, como disse Harbisson, são inseparáveis de nós mesmos. A ideia de acoplamentos que permeia esta pesquisa, sejam eles estéticos, funcionais ou ideológicos, revela, através do ciborgue, um estágio do homem imbricado com a tecnologia. Especialmente na cartografia que traçamos das obras de Floris Kaayk, o ciborgue é revisitado em seus vídeos como um processo natural da evolução do homem, que vê, nos usos da tecnociência, uma forma de experimentar outras possibilidades de viver. Dada a separação entre mente e corpo, este último se torna um objeto passível de melhorias e de todas as manipulações que a técnica tornar disponível. Podemos pensar que o ciborgue, nesta leitura, relaciona-se à cultura da incansável busca pelo melhor e, desta forma, o ciborgue da indústria de consumo se torna um fetiche do nosso tempo, operando na lógica de produto e de aprimoramento constante já bastante adaptada à cultura. O ciborgue, assim, se alimenta do sonho da eterna juventude.

1.5 Processos evolutivos e comunicação Se uma das primeiras grandes questões que o homem se colocou foi acerca de sua presença no mundo, a segunda, por consequência, foi quanto à sua perenidade. Profundo estudioso da obra de Otto Rank, Ernest Becker dedicou seu livro A negação da morte, publicado em 1973, à relação do homem com a efemeridade da vida. Becker vê na

 

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consciência da morte uma das molas mestras da atividade humana. Segundo o autor, esse mecanismo se potencializa no homem ocidental moderno: Disfarçamos a nossa luta acumulando números numa conta bancária para refletir em particular o nosso senso de valor heroico. Ou tendo apenas uma casa um pouco melhor no bairro, um carro maior, filhos mais inteligentes. (BECKER, 1973, p.23)

A modernidade, segundo Becker, proporciona um distanciamento à ideia de nossa própria finitude através das dinâmicas sociais, potencializadas pela sociedade do consumo total, como vimos em Lipovetsky (2011), que tornam a lembrança da morte anestesiada pela ânsia do consumo, pelo status social e pela produção de uma vida destinada à lógica de produção. A ideia de morte volta a aparecer, então, na velhice, quando os idosos representam uma fase da vida improdutiva para o mercado e, portanto, nesta concepção de cultura, para a própria vida. A sociedade da cultura-mundo vive o presente constante, a simultaneidade, impõe a cada indivíduo o pleno controle da sua vida como um benefício, mas também como um dever, e, portanto, aquele que não contribui com esta ordem atrapalha o desenvolvimento dos demais. O filósofo Vilém Flusser também vê na relação com a morte um importante vetor para a comunicação humana: “A comunicação humana é um artifício cuja intenção é nos fazer esquecer a brutal falta de sentido de uma vida condenada à morte” (FLUSSER, 2007, p.90). Para o autor, o homem se comunica primordialmente por ser um animal político que sabe não ser capaz de suportar a solidão. Flusser vê na consciência da morte o que nos impulsiona a nos comunicarmos, ao constituir uma possibilidade de continuidade da vida através daquilo que compartilhamos, a cultura. Michel Serres, por sua vez, entende as relações entre homem e natureza como a materialização das objetivações do homem no mundo e, assim, também sinaliza a continuidade dos processos evolutivos através da cultura: 34    

 

Transubstanciamos os objetos em sujeitos, assim como os sujeitos em objetos. Pela primeira ação, a vida se mantém e se desenvolve; pela segunda, a cultura chega ao mundo. (SERRES, 2004, p.117)

Contudo, ao aproximarmos evolução e cultura, precisamos primeiramente sublinhar alguns pontos: a ideia de evolução difundida pelas leituras do tecnocapitalismo, que a entendem como a sobrevivência do mais forte, aproxima de maneira incorreta o conceito de evolução darwinista à ideia de progresso. O progresso pressupõe um acúmulo vetorial, direcionado, linear, que implica em estabilidade e avanço; conceitos que não correspondem à dinâmica evolucionista proposta por Darwin. O etólogo e biólogo evolutivo britânico Richard Dawkins, ao se dedicar ao gene e seus modos de operação nos sistemas biológicos, propõe que na cultura existam, assim como na biologia, agentes replicadores da informação. Em analogia, ele propôs o meme:

O novo caldo é o caldo da cultura humana. Precisamos de um nome para o novo replicador, um substantivo que transmita a ideia de uma unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação. (DAWKINS, 1976, p.214)

Para Dawkins, o meme imita a capacidade do gene em transmitir a informação, e exerce uma função tão importante quanto o DNA na construção da identidade biológica e cultural do homem.

Da mesma forma como os genes se propagam no "fundo" pulando de corpo para corpo através dos espermatozoides ou dos óvulos, da mesma maneira os memes propagam-se no "fundo" de memes pulando de cérebro para cérebro por meio de um processo que pode ser chamado, no sentido amplo, de imitação. (DAWKINS, 1976, p.214)

 

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Richard Dawkins vê na evolução biológica uma metáfora para se pensar a evolução cultural. Na biologia, a informação se transporta através da reprodução sexuada, e na cultura, pela contaminação, "exatamente como um vírus pode parasitar uma célula hospedeira" (DAWKINS, 1976, p.214).

O autor avança e propõe que todos os fenômenos da cultura sejam memes, mais ou menos adaptados a determinados contextos, de maneira que as línguas, as artes, as ideias, Deus, e nós sejamos, assim, agentes da cultura contribuindo com a propagação do meme que nos atravessa:

A linguagem é apenas um exemplo dentre muitos. A moda nos vestidos e na alimentação, cerimônias e costumes, arte e arquitetura, Engenharia e Tecnologia, tudo isso evolui no tempo histórico de uma maneira que parece evolução genética altamente acelerada, mas que na realidade nada tem a ver com esta última. (DAWKINS, 1976, p.212)

Dawkins vê na evolução cultural através dos memes uma descoberta tão importante quanto a da evolução natural. Através dela, o biólogo propõe a continuidade dos processos evolutivos pela cultura, que, por sua vez, acontece de maneira contaminatória. Porém, longe de apontar uma transcendência do corpo através da cultura, Dawkins se preocupa em identificar como a cultura se desenvolve em diferentes âmbitos. Ele recorre ao vocabulário da biologia e propõe a contaminação como mecanismo de ação da informação. Tal aproximação é também proposta pelas obras de Floris Kaayk, pois o artista constantemente se volta à biologia para tratar das dinâmicas comunicacionais, os universos microscópicos e os ambientes controlados dos laboratórios, talvez como uma metáfora para pensar a uniformização da sociedade de consumo, que, além de produtos, divulga padrões de comportamento e normas de conduta.

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2. ARTE E TECNOLOGIA

 

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2.1 Estéticas tecnológicas Ao se propor um mapeamento das práticas produzidas pelos artistas do nosso tempo, encontramos um terreno habitado pelos híbridos e pelas misturas, onde a pluralidade, tanto em discursos quanto em linguagens, aponta limites interpenetrados. Contudo, nesta pesquisa, buscamos relacionar o objeto estudado aos procedimentos de alguns artistas ou grupos de artistas que incorporam as tecnologias digitais em seus discursos. Como aponta Diana Domingues, o encontro das artes com as tecnologias digitais possui um caráter exploratório. As descobertas da microinformática e da telemática proporcionaram ambientes híbridos onde a arte do suporte cede lugar à arte como processo. Nestes ambientes, corpo e tecnologia criam uma rede de relações que se retroalimentam de informações capazes de construir diferentes narrativas em diferentes linguagens. A interação em ambientes digitais, a inteligência artificial, a robótica, etc. permitem um tipo de conectividade que não havia até então sido oportunizada pela arte, que, por sua vez, se interessa em criar diálogos com o campo da percepção. Pode-se agir remotamente em corpos robóticos, experimentar a multipresença, interagir em ambientes com vida artificial, isto é, que respondem e se transformam pelos inputs externos, entre outra experiências que constituem novas formas de relação com a obra de arte. Segundo Domingues (In: BARROS, 2002, p.60): "Não se trata mais da arte do suporte, ligada à materialidade, mas de criações que privilegiam o processo, como um evento a ser vivido". Estes eventos constroem novos mundos, habitados por informações numéricas que interagem com as informações biológicas provenientes dos corpos e que agenciam a obra.

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De acordo com Lucia Leão:

Estudar o corpo no contexto da arte e tecnologia implica olhar para suas multiplicidades. Implica rever conceitos simplificadores que separam de maneira dualista a parte material (carne e osso), da parte imaterial (emoções, pensamentos, etc). Assumir nossos corpos múltiplos e, ao mesmo tempo, as interconexões entre os corpos é fundamental para desvelar as complexidades que permeiam os espaços híbridos contemporâneos (LEÃO. In: SANTAELLA, 2008, p.274)

Segundo a autora, compreender o objeto artístico como um sistema complexo, assim como abandonar as leituras dualistas são pressupostos para uma aproximação às artes produzidas na era da mobilidade. A autora se refere aos acoplamentos tecnológicos, desde os óculos ou mesmo o relógio portátil ou de pulso, como inserções importantes da cultura sobre o corpo, que muitas vezes potencializam suas capacidades naturais e, certamente, transformam suas dinâmicas de significações. A ideia do duplo, bastante comentada na tecnologia digital como o outro eu que habita as redes, é problematizada pela autora ao citar os duplos que nos cercam pela literatura, ou mesmo num exercício de introspecção simples. Quando lemos um livro, onde estamos? O duplo que se tem experiência através do digital opera, através de avatares, como aquilo que nos representa em determinado contexto. Num jogo de tabuleiro, podemos nos tornar a peça amarela, por exemplo. Num jogo de videogame, as possibilidades aumentam exponencialmente e envolvem outros eus que, de certa forma, apontam a pluralidade que chamamos de nós.

 

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O projeto Machine to be another12 (figura 05), do coletivo de arte BeAnotherLab, é um bom exemplo para compreendermos a complexidade dos duplos e das identidades mutantes produzidas pelas tecnologias imersivas. O coletivo se dedica a explorar experimentos em telepresença e embodiment, e suas propostas investigam novas possibilidades de interação do corpo e as extensões da mente por meio da tecnologia.

Figura 05 - Imagem de divulgação do projeto Machine to be another Fonte: . Acesso em: agosto 2014

O sistema criado pelo coletivo mistura elementos de telepresença e performance para gerar uma experiência psicofísica de se estar presente no corpo do outro. Os movimentos são combinados entre os participantes e, através de sensores, headphones, microfones e câmeras controladas, ambos produzem movimentos em espaços idênticos. Também é permitido interagir com objetos e com o próprio corpo.                                                                                                                 12

The machine é um dispositivo de baixo custo que pode ser usado tanto em reabilitação de pacientes doentes como para a criação de narrativas imersivas. Participantes: Philippe Bertrand, Christian Cherene, Daniel González Franco, Daanish Masood, Marte Roel, Arthur Tres. Ainda contam com designers, performers e outros colaboradores. Disponível em: < http://www.themachinetobeanother.org/?page_id=820> Acesso em julho de 2014.

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No artigo publicado pelo BeAnotherLab 13, o coletivo explica que o experimento é um sistema que aborda a relação entre identidade e empatia. O projeto mistura performance com protocolos de neurociência para oferecer ao usuário uma experiência imersiva, em que é capaz de ver a si mesmo no corpo de outra pessoa. Partindo do entendimento de que o self se constrói em relação ao outro, o coletivo se interessa em compreender a empatia e o reconhecimento social, a percepção do corpo e a plasticidade cerebral – em outras palavras, como o cérebro constrói a representação do próprio corpo – pela integração de diferentes modalidades sensoriais.

2.2 O corpo e as artes visuais A relação do corpo com as artes visuais já possui uma extensa bibliografia. Por uma questão de recorte, nesta pesquisa partimos de alguns grupos de artistas que, durante as décadas de sessenta e setenta, parecem ter iniciado uma mudança paradigmática: da representação do corpo através da arte à apresentação do corpo como o próprio discurso. No entanto, podemos encontrar o corpo nas práticas artísticas desde muito antes. O corpo como tema, ou ainda, o corpo como suporte aos poucos foi cedendo espaço para sua participação no próprio processo de construção da obra. Através desta dinâmica, inúmeros discursos surgiram preocupados com os efeitos que a percepção poderia causar, como pode ser exemplificado pelas práticas dos impressionistas. A pintura Impressão, nascer do sol (figura 06) de Claude Monet, feita em 1872, responsável por inaugurar o movimento                                                                                                                 13

Disponível em: < http://www.themachinetobeanother.org/wpcontent/uploads/2013/09/THE_MACHINE_TO_BE_ANOTHER_PAPER_2014.pdf>. Acesso em julho de 2014.

 

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impressionista em 1874, procurava despertar diferentes formas de interação do corpo com a obra, através da distância ou da posição em que era observada. Segundo Diana Domingues:

Pela história da arte, podemos relacionar as pesquisas de Leonardo, Turner, Poussin, Constable, Manet, entre outros que tentavam falar das forças invisíveis da natureza, da dinâmica, do clima, da luz, que enquanto características do mundo físico, foram acionadas na visão pelas dinâmicas figura e fundo, pinceladas, formas e cores. Da mesma forma a arte cinética, a incorporação do tempo, da velocidade, do magnetismo ou as reações químicas, o calor ou outros processos científicos incorporados à criação artística ganham diferentes amplitudes pelas tecnologias interativas. (DOMINGUES. apud: BARROS, 2002, p. 61)

Podemos pensar, segundo Domingues, que a arte tecnológica se aproxima desta vontade de falar das forças invisíveis como uma forma de se conhecer e de produzir discursos sobre a atual situação do corpo nos ambientes digitais.

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Figura 06 - Claude Monet, Impressão, nascer do sol. 1872 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

Em 1960, artistas como Yves Klein e Jackson Pollock propuseram uma relação espacial com a pintura construída pela ação do corpo. Na série Antropometries (figura 07), de 1960, Yves Klein cobriu modelos com tinta e as usou como pincel para construir imagens nas telas. A ação performativa de Klein contemplava a participação do corpo como construtor da pintura. Suas formas e gestos transformavam-se em variações de cor e movimento impressos nas obras. (ARCHER, 2001).  

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Figura 07 - Yves Klein, Antropometries. 1960 Fonte: < http://www.yveskleinarchives.org/index.html/>. Acesso em: agosto 2014

O processo de dripping, desenvolvido por Jackson Pollock na mesma época (figura 08), é também uma busca pela espacialidade do corpo. Trata-se de uma tentativa de trazer a ação para dentro da tela, tanto pela escolha dos grandes formatos, como pelo próprio processo de feitura, onde o artista andava pela obra enquanto a produzia (SANTAELLA, 2010).

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Figura 08 - Jackson Pollock, One: nº 31. 1950 Fonte: < http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=78386>. Acesso em: agosto 2014

Um outro grupo de artistas, conhecido como Acionistas Vienenses (figura 09), formado por Günter Bruss, Otto Mühl, Rudolf Schwarzkogler e Hermann Nitsch, faziam da materialidade do corpo (humano e animal) materiais para a produção de suas obras. Sangue, esperma, pele, vísceras e todos os fluidos do corpo foram explorados de maneira contundente e violenta em suas poéticas particulares, em que buscavam os limites do corpo através da dor e do repúdio como via primária para a liberdade artística e social (RUSH, 2006). Crucificações, sacrifícios e mutilações estavam entre as práticas desses artistas, que, apesar do caráter ritualístico e messiânico, tornavam o corpo um lugar de debate sobre a condição humana.  

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Figura 09 - Hermann Nitsch, Ação nº1 - Acionistas Vienenses Fonte: . Acesso em: agosto 2014

A representação do corpo como obra é explorada constantemente nos processos artísticos da francesa Orlan desde a década de noventa. Na série Self-hybridations (figura 10), produzida desde 1994, o corpo se torna uma imagem manipulável pelos processos da fotografia. A artista mistura a imagem de seu rosto a diferentes etnias e, assim, reproduz inúmeras identidades. Na série de vídeos e performances Succesful Operation (figura 11), de 1990, Opera surgery (figura 12), de 1991, e Omnipresence (figura 13), de 1993, a artista 46    

 

parte em direção à manipulação de seu corpo para torná-lo um ideal corporificado (RUSH, 2006). Constantes cirurgias plásticas tentam transformar o corpo de Orlan nos referenciais da história da arte. Próteses de silicone, lipoaspirações, entre outros procedimentos, tornam-se materiais para a produção de uma obra em processo. Durante as cirurgias, Orlan declamava textos de importantes filósofos e teóricos da arte e se vestia com roupas e acessórios que também faziam parte da obra. O procedimento cirúrgico ainda foi transmitido por monitores espalhados pelas galerias. Desta maneira, Orlan nos coloca frente a um corpo capaz de tornarse palco para discussões políticas, sexuais e sociais. Ela nos apresenta um corpo catalisador de experiências e que faz das práticas privadas, espetáculos transmitidos pela televisão.

 

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Figura 10 - Orlan, Self-hybridations Fonte: . Acesso em: agosto 2014

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Figura 11 - Orlan, Succesful Operation. 1990 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

 

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Figura 12 - Orlan, Opera Surgery. 1991 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

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Figura 13 - Orlan, Omnipresence. 1993 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

Interessado nas potencialidades comunicacionais do corpo, o australiano Stelarc faz uso das recentes descobertas da tecnociência para apresentar um corpo que, por si só, segundo o artista, é um nó de agentes que podem, ou não, serem separados pela pele. Stelarc traz uma concepção de corpo obsoleto para as artes, pois a matéria-corpo, segundo ele, não comporta mais as múltiplas modalidades do eu.  

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Seu conceito de prótese pensa a integração do ser humano com as redes de informação digitais de forma íntima, trazendo a internet para dentro da pele. Em Third Hand (figura 14), de 1980, por exemplo, um braço mecânico é acoplado ao braço do artista e controlado por estímulos elétricos provenientes de outras partes do corpo, como abdômen e pernas. Esses estímulos são pré-amplificados, retificados e enviados de volta ao braço artificial como ordens de movimento.

Figura 14 - Stelarc, Third Hand. 1980 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

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Também em Ear on arm (figura 15), de 2008, Stelarc implanta cirurgicamente uma réplica de sua orelha esquerda no braço esquerdo, com a capacidade não só de ouvir o som ao redor, mas também de transmitir tais informações. Para Stelarc, através destes acoplamentos podemos não só recuperar as funções de órgãos danificados, mas expandir suas funções naturais que ainda estão presas ao limite físico de sua materialidade. Segundo o artista, um corpo que admite somente um agente de controle não está considerando as conectividades dos dias de hoje.

Figura 15 - Stelarc, Ear on Arm. 2008 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

 

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Marcel Li Antunez é outro artista que investiga as modalidades do eu e suas representações através de performances mecatrônicas e instalações robóticas interativas. Marcel Li possui uma iconografia particular e reflete sobre os sistemas de reprodução artísticos. Propõe o uso de materiais biológicos em robôs, como na instalação interativa Joan, L'home de carn (figura 16), de 1992, onde aplica pele de porco sobre um corpo robótico com movimentos randômicos.

Figura 16 - Marcel Li Antunez, Joan, L'home de carn. 1992 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

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Outra característica de suas obras é o uso de controles telemáticos, onde os expectadores podem controlar o corpo do artista à distância, como na instalação Requiem (figura 17), de 1999. Em 2014, Marcel Li apresentou uma grande obra, a Sistematurgia (Sistematurgy) (figura 18), onde evidencia seu processo de criação através deste neologismo que mistura dramaturgia e sistemas de computador. O agenciamento da obra pelo público, na obra de Marcel Li, proporciona situações nas quais o corpo do artista se torna instrumento tanto de pesquisa, quanto de experiências psicossociais. Que ordens de movimento serão dadas para o corpo do outro? O artista tensiona a performance ensaiada ao propor uma coreografia do acaso, construída pela participação de muitos agentes, nestes casos o input é coletivo e mediado pela tecnologia digital.

 

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Figura 17 - Marcel Li Antunez, Requiem. 1999 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

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Figura 18 - Marcel Li Antunez, Sistematurgia. 2014 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

Através da relação com a tecnologia digital, surgem os corpos eletrônicos, a arte dos corpos cibernéticos (SANTAELLA, 2002), a net arte, a bio arte, a carnal art, o corpo obsoleto (Orlan e Stelarc), entre outras. Percebemos que a materialidade do corpo acompanha a materialidade das redes digitais e, desta maneira, mais do que duplos, tornam-se múltiplos.

 

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2.3 Arte como conhecimento Nesta pesquisa, procuramos destacar as transformações e experimentações que se materializam através de acoplamentos tecnológicos, e como se comportam na produção dos discursos pelo campo das artes e da cultura. Suas dinâmicas de significações revelam um desejo pela exploração das tecnologias como novas possibilidades de se conhecer. No entanto, se produzir arte também é produzir conhecimento, que tipo de conhecimento se busca ao se propor uma obra artística?

A arte não representa, ela apresenta um estado provisório do processo de investigação de uma hipótese levantada pelo artista. A sensibilidade artística se inventa e constrói como objeto em si, ela é um discurso sobre o fenômeno (mesmo visual). (PLAZA, 2003, p.39)

Ao apontar a obra de arte como o próprio discurso sobre o fenômeno, e não como representação de uma ideia, o pesquisador e artista Julio Plaza sinaliza uma proposta onde o artista, assim como o cientista, compartilham a mesma origem no ato criador, e diferenciamse apenas por trabalharem com materiais diferentes.

Quando a arte entra no estágio de formulação, surge a especialização pelo “raciocínio perceptual” e assim a arte se doa ao mundo como arte determinada (musica, pintura, dança, cinema, etc.) desmistificando, com isso, a ideológica dicotomia entre teoria e pratica, saber e fazer. (PLAZA, 2003, p.41)

Desta forma, o fazer artístico se constrói na busca pelo saber, no desejo de se conhecer, de maneira mais aprofundada, um determinado fenômeno. Teoria e prática, 58    

 

segundo Plaza, não são separadas, pois acontecem simultaneamente no desenvolvimento de uma hipótese, seja ela artística ou científica. De acordo com Cecília Salles, o processo de criação acontece juntamente com a produção da obra. A respeito de seu desenvolvimento: "Não há uma teoria fechada e pronta anterior ao fazer. A ação da mão do artista vai revelando esse projeto em construção" (SALLES, 2011, p.47). Ao estudarmos os processos de criação, entendemos que a obra de arte não acaba em sua apresentação ao público ou na última pincelada sobre a tela, assim como não teve seu início no primeiro dia de sua produção. Tal metodologia busca compreender a arte como um contínuo que, através de relações simbólicas, desenvolve uma hipótese surgida na interação do artista com o seu contexto. "O artista não é um ser isolado, mas alguém inserido e afetado pelo seu tempo e seus contemporâneos" (SALLES, 2011, p.45) Assim, pretendemos contribuir com uma abordagem que integre a produção da obra artística à hipótese que o projeto se propõe responder. O saber acompanha o fazer; eles acontecem ao mesmo tempo durante o desenvolvimento da obra.

A hipótese é que monta a escada para o processo que resultará no produto. Ao ser formulada, formula junto o processo necessário para o seu desenvolvimento. Toda hipótese gera, a partir de si mesma, o processo adequado para nele se abrigar. Ou seja, o processo não vem depois, pois nasce junto com a sua formulação. (KATZ in GREINER, 2011, p.71)

Desta forma, podemos pensar que as experiências em arte e tecnologia que passam pela questão do corpo possuem um caráter exploratório. Não se busca os fins; o percurso é que se mostra importante para a compreensão do fenômeno artístico. Estamos aprendendo a interagir com os ambientes digitais e as tecnologias imersivas e, através destas propostas artísticas, descobrimos as potencialidades que já estavam no corpo, mas que assumem outras materialidades através da tecnologia digital.  

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2.4 Floris Kaayk nesta pesquisa Como vimos, atualmente as fronteiras entre arte e vida estão cada vez menos perceptíveis. Se as investidas nas artes das décadas de 60 e 70 transformaram a corporeidade em uma dimensão capaz de reproduzir as questões do mundo, buscamos em Floris Kaayk os índices destas transformações. Floris Kaayk visita o imaginário da tecnociência em meio a visões positivas e negativas sobre o futuro. Ao traçarmos uma breve cartografia das imagens recorrentes em seus trabalhos, encontramos o universo das coisas não observáveis a olho nu, o universo dos insetos, das bactérias, da contaminação, da prótese, assim como o mundo dos sonhos, as previsões sobre o futuro, a vida artificial. A visualidade em uma aproximação exagerada, sobre aquilo que acontece quando os olhos não veem. Quando busca a participação do público, Kaayk propõe ações como Rayfish Footwear14 (figura 19), de 2012, na qual, através de uma startup, cria uma empresa online que passa a comercializar tênis customizáveis misturando DNA de animais para produzir diferentes padrões de cores no couro de arraia. A empresa lançou um concurso de melhor customização pela internet e, de certa forma, ironizou a relação de consumo com os objetos que nos cercam e os usos que são feitos da matéria prima animal.

                                                                                                                14

Disponível em: Acesso em agosto 2014.

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Figura 19 - Floris Kaayk, Rayfish Footwear. 2012 Fonte: < http://rayfish.com/index.php?chapter=store>. Acesso em: agosto 2014

Já no vídeo The Origin of the creatures15 (figura 20), de 2006, Floris Kaayk reconstrói o mito da Torre de Babel, uma das mais antigas histórias sobre colaboração. Na versão de Kaayk, partes de corpos desconexas tentam alcançar o topo de uma torre para que a luz do sol chegue à rainha e, assim, possa se reproduzir. No entanto, por um problema de comunicação, sua tarefa está fadada ao fracasso.                                                                                                                 15

Disponível em: Acesso em: agosto de 2014.

 

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O artista discute a comunicação ao propor seres que sejam formados somente por uma parte do corpo (apenas pernas, apenas braços, somente o olho). Por não terem a compreensão do todo, essas partes precisam colaborar de forma eficiente para cumprir uma tarefa e, quando isso não acontece, todo o trabalho acaba sendo em vão. Podemos pensar que essa metáfora se aplica à nossa falta de compreensão sobre as dinâmicas comunicacionais que evolvem a percepção. Acreditar que o cérebro seja uma grande central de controle implica em aceitar termos somente parte do corpo consciente, o que, como vimos ao tratarmos da percepção, trata-se de uma leitura empobrecedora, pois descarta a importância da integração dos sistemas perceptivos dinâmicos na busca e interpretação das informações.

Figura 20 - Floris Kaayk, The Origin of the Creatures. 2006 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

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Em Justaposis16 (figura 21), de 2011, Floris Kaayk trata da adaptação dos sistemas vivos ao meio ambiente. Através da interação entre os corpos de bailarinos vestidos com cores que impedem o reconhecimento da forma humana, o artista cria uma visualidade que remete às imagens microscópicas muito frequentes nos laboratórios médicos, formando um diálogo entre corpo e processos evolutivos na biologia. Floris Kaayk aponta os usos das tecnologias enquanto práticas que determinam ações no mundo, assim como reflete sobre hábitos que permanecem sem um olhar prévio quanto a suas implicações futuras. São convocações para reflexão que formulam um ponto de vista a ser considerado, propondo uma situação hipotética e, às vezes, fictícia, mas que se relaciona efetivamente com as práticas comunicacionais.

Figura 21 - Floris Kaayk, Justaposis. 2011 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

                                                                                                                16

Disponível em: Acesso em julho 2014.

 

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3. FLORIS KAAYK

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3.1 THE ORDER ELECTRUS

A natureza se adapta, até mesmo às ações humanas que parecem destruir tudo. O incrível poder da evolução deu origem a uma nova espécie de insetos. Seus habitats ideais são antigos locais industriais. Alguns os chamam de insetos elétricos, outros simplesmente falam de um fenômeno milagroso, ou ainda melhor, uma ordem autossustentável, a Order Electrus.17

Na obra The Order Electrus, de 2005, Floris Kaayk apresenta uma nova forma de vida que surge em zonas industriais abandonadas pelos processos de modernização da sociedade. O vídeo é ambientado em uma paisagem que mistura natureza e tecnologia. A densa flora e fauna que cresceram sobre as máquinas abandonadas transformaram a topologia do lugar, hoje habitado por uma grande variedade de insetos e plantas. A câmera passeia sobre estas áreas e apresenta o resultado da ação do tempo que continuou a agir silenciosamente por ali. Cenas sobrevoam as árvores e, durante o percurso, mostram em detalhes as diversas formas de vida que se adaptaram a viver naquelas condições. Vemos imagens de fábricas vazias que, durante anos longe do contato humano, tiveram sua arquitetura transformada pela ação da natureza. As máquinas paradas, cobertas pela ferrugem, tornaram-se estufas que, hoje, abrigam inúmeras espécies. Como em um documentário, a voz do narrador explica, de maneira quase didática, como a ação do tempo transformou aquela paisagem, onde a indústria se mistura com a natureza.                                                                                                                 17

Nature adapts, even to human actions that seem to destroy everything. The amazing power of evolution has given birth to a new species of insect. Their ideal habitats are old industrial locations. Some call them electrical insects, others simply speak of a miraculous phenomenon, or even better, a self supporting order; the Order Electrus. Tradução nossa. Disponível em: . Acesso em: out 2012

 

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Dentre esta diversidade, encontram-se algumas criaturas pequenas como os insetos, algumas que se movimentam como formigas, outras como abelhas. Ao aproximar o zoom da câmera, percebemos que seus corpos são construídos a partir de componentes eletrônicos. São capacitores, diodos, pequenos pedaços de fios, resistências elétricas e molas que, misteriosamente, se acoplaram e passaram a viver (figura 22).

Figura 22 - Floris Kaayk, The Order Electrus. 2005 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

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Por conviverem com a fauna natural, sujeitas às mesmas condições climáticas, novas configurações emergem para seus corpos, criadas através da interação com o meio. Durante as fortes chuvas, por exemplo, as criaturas usam finos canos para sugarem a água que ameaça alagar suas colônias e causar a morte das larvas em desenvolvimento. Nos dias mais quentes, as refrescam agitando suas asas construídas com restos de lâminas de aço, a fim de manterem uma temperatura ideal. Assim como o ácido fórmico produzido pelas formigas para marcarem seu percurso pelo jardim, 18 estas novas criaturas possuem o electronic tracking signal, um sinal de rastreamento que as ajuda a não se perderem e a encontrarem seu caminho de volta às colônias. Quando ameaçadas, elas se camuflam entre as instalações elétricas, onde se misturam com mais facilidade. Seus processos de reprodução também traduzem o mundo natural. O macho, ao agitar a cauda, produz uma vibração que atrai a fêmea para o acasalamento e, juntos, escolhem um lugar tranquilo para a reprodução, que se dá através de um pulso elétrico transmitido de um ao outro (figura 23).

                                                                                                                18

O ácido fórmico é produzido pelas formigas para marcarem o caminho por onde passam e encontram comida. Se obtiverem sucesso, outras formigas, ao passarem, reforçam o feromônio encontrado, criando uma rede de caminhos para que não se percam na volta à colônia.

 

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Figura 23 - Floris Kaayk, The Order Electrus. 2005 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

As estratégias predatórias funcionam como forma de aprimorar suas capacidades, pois, ao desmontar a presa, o predador incorpora parte de seus componentes eletrônicos. Durante o combate, um choque de alta voltagem é disparado pelo predador, que imobiliza a presa para, em seguida, desmembrar seu corpo (figura 24).

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Figura 24 - Floris Kaayk, The Order Electrus. 2005 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

 

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O narrador que acompanha o vídeo afirma que essas novas criaturas irão multiplicarse, criarão novas colônias até existirem por todo o planeta, e ampliarão suas potencialidades a cada transformação sofrida (figura 25).

Figura 25 - Floris Kaayk, The Order Electrus. 2005 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

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Nesta obra, Floris Kaayk refere-se às características de programas de TV dedicados ao comportamento animal encontrados nas emissoras National Geographic ou Discovery, por exemplo, e as transporta para o vídeo sobre estas criaturas tecnológicas. A escolha pela linguagem de documentário cria um estranhamento sobre o que está sendo apresentado: estas criaturas realmente existem? O artista inventa seres que se adaptam ao mundo natural e que foram produzidos pela interação entre natureza e tecnologia e, assim, problematiza um contorno nítido que separa estas categorias. A reprodução, as estratégias predatórias, a camuflagem e a cooperação, conhecidas dinâmicas evolutivas do mundo natural, ganham suas versões tecnológicas neste documentário ficcional de Kaayk. O artista nos convida a pensarmos sobre máquinas capazes de se reproduzirem de forma autônoma, fora do controle do homem e que podem vir a habitar todo o planeta. Desta maneira, suas criaturas se relacionam ao imaginário das infestações e das pragas, e também às representações negativas da tecnologia que avança desenfreada sobre a natureza. Baseado no livro Eric in the Land of the Insects,19 de Godfried Bomans, Floris Kaayk conta que pensou em criar sua própria versão para a história, e usar o livro como roteiro, que segundo o artista, já estava pronto. O livro possui uma adaptação para o cinema produzida nos Estados Unidos e conhecida no Brasil como Eric na terra dos insetos. Trata-se de uma história fantástica, assim como Alice no país das maravilhas20 ou O Mágico de Oz,21 na qual Erik, um garoto de nove anos, é transportado para uma pintura da parede de sua casa. Miniaturizado ao tamanho dos insetos, ele descobre um mundo muito parecido com o dos humanos. As criaturas de Kaayk se diferenciam dos demais animais por possuírem corpos tecnológicos construídos por acoplamentos eletrônicos, o que, segundo o artista, confere a potencialidade de promover a vida.                                                                                                                 19

BOMANS, Godfried. Eric in the land of the insects. Boston: Houghton Mifflin, 1994 Alice in Wonderland. Direção: Clyde Geronimi, Wilfred Jackson. Walt Disney’s, 1951. 1 DVD (75 min). 21 The Wizard of OZ. Direção: Victor Fleming, George Cukor. Warner Bross, 1939. 1 DVD (102 min) 20

 

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Podemos relacionar estas imagens aos discursos da biomedicina, que apresenta a nanotecnologia, os chips úmidos e as próteses subcutâneas como uma investida futura que possibilitará o cruzamento entre sistemas orgânicos e tecnológicos. A nanotecnologia já se insinua no universo dos animais biológicos. Conhecidos como computadores Origami22, nano-robôs circulam pelos corpos dos seres vivos e são capazes de interagir de forma dinâmica com as demais células. Como exemplo, podemos citar as recentes pesquisas do Instituto Wyss,23 associado à universidade de Harvard, que produziu baratas que se aproximam das criaturas de Kaayk. Em seus corpos circulam nano-robôs feitos de DNA que podem carregar qualquer tipo de informação. 24 A intenção é que, com o aprimoramento da tecnologia, esses nano-robôs consigam dispensar medicamentos e contribuir com o tratamento de doenças no homem, assim como em outros mamíferos. Em nossa crescente convivência com os dispositivos smart também encontramos índices da visualidade proposta por Kaayk. A diminuição dos microchips anuncia um maior número de objetos inteligentes em um futuro próximo. Além de celulares, relógios e tablets, a promessa é que quase tudo que nos cerca tenha, de alguma maneira, uma funcionalidade smart e que possa realizar sozinho a sua tarefa. De ambientes domésticos que controlam a luz pela presença aos monitores que se configuram de acordo com as preferências de cada usuário, estes recursos parecem esboçar uma nova forma de relação com a tecnologia, que não são mais computadores gigantescos e poderosos, mas esta mesma potência miniaturizada para dentro dos celulares, dos demais objetos e também para dentro dos corpos. Implantes de microchips já podem ser feitos na pele há algum tempo. Além das funções médicas que os integram a aplicativos disponíveis para smartphones, os usuários

                                                                                                                22

Disponível em: < http://www.livescience.com/634-dna-art-origami-nano.html> Acesso em: outubro 2014 Disponível em: . Acesso em: setembro 2014 24 Disponível em: . Acesso em: setembro 2014. 23

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destes implantes, hoje em dia, conseguem hackeá-los,25 acrescentando a eles a capacidade de interagir com outros dispositivos fora do corpo (computadores, celulares, drones, videogames). A capacidade de quase todos os eletrodomésticos de realizarem funções de certa forma autônomas, coloca em suspenso a separação entre ficção e realidade, que parece ser dividida, cada vez mais, por um espaço menor de tempo. A inserção de robôs nas práticas cotidianas e, com isso, a substituição do ser humano em determinadas tarefas, permanece também no imaginário do nosso tempo. Funções básicas como limpar a casa, por exemplo, estariam ameaçadas pelos aspiradores de pó robotizados da empresa iRobot26? Como se nota, a relação entre tecnologia e trabalho é sempre tensionada. Os avanços destes equipamentos recuperam nossos medos de criaturas tecnológicas tornarem-se capazes de colocar a humanidade em cheque, mas também retomam o sonho do homem em viver pelo prazer, deixando algumas tarefas mecânicas às máquinas. Ambas as leituras (positivas e negativas) são bastante exploradas pela ficção científica, que, segundo Le Breton:

A ficção científica não é mais um universo de devaneio crítico sobre o mundo, mas uma experimentação do contemporâneo, uma projeção imaginária das questões que assombram nossas sociedades. (LE BRETON. 2003, p. 160)

Portanto, percebemos que a obra de ficção proposta por Floris Kaayk em The Order Electrus se legitima nas questões que circulam pelos discursos da mídia massiva. As descobertas da tecnociência, que quase sempre são apresentadas em tom ameaçador no senso comum, nos levam a conjecturar quanto ao seu poder sobre a espécie humana, como se, da                                                                                                                 25

Disponível em: . Acesso em: agosto 2014. 26 A iRobot comercializa pequenos robôs que exercem funções domésticas de maneira automatizada. Disponível em: Acesso em setembro 2014.

 

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mesma maneira que a industrialização no período fordista foi responsável pela demissão de um certo tipo de trabalhador, a tecnologia produzida nos dias de hoje colocaria em cheque um determinado tipo de conduta para a vida, ou ainda, tornaria incerta a função do ser humano em uma sociedade altamente tecnológica. Se o viver bem de que fala Ortega y Gasset27 se relaciona aos anseios da cultura de um tempo, percebemos que, em períodos de rápido crescimento tecnológico como o nosso, as opiniões sobre os limites da tecnologia se dividem. Por um viés positivo, os objetos smart nos são benéficos, pois permitem que algumas ações sejam feitas pela máquina sem a ordem direta de comando pelo homem. Já por um viés negativo, eles se tornariam ameaças, pois qual será o limite de decisão da máquina? Esboçamos nossa relação futura através da tecnologia do presente. Os smartphones superam os índices de vendas e chegam a 13,3 milhões de unidades somente no Brasil, durante o segundo trimestre de 2014. 28 Filas de clientes acabam com os estoques de dispositivos como o Gear da Samsung (para celulares com sistema Android) ou o iWatch da Apple, ambos relógios conectados à rede que, além de receberem mensagens, e-mails, fotos, músicas, informação do tempo e cotação da bolsa, também transformam todas as ações do dia a dia em dados através de sensores que medem a frequência cardíaca, alimentação, hábitos e costumes, tempo e qualidade do sono. Ao que parece, a integração da vida a dados numéricos interpretados pelas tecnologias tem sido recebida pelos homens de maneira positiva. O que nos leva a pensar quanto à forma como entendemos a tecnologia e qual seu papel nos processos evolutivos da espécie humana.

                                                                                                                27

Ver capítulo 1 IDG NOW. Disponível em: . Acesso em: setembro 2014 28

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3.2 METALOSIS MALIGNA Na obra Metalosis Maligna, de Floris Kaayk, de 2006, somos apresentados a uma doença em um futuro não muito distante. Nessa época, o avanço da medicina e, por consequência, o aumento da longevidade humana causou a popularização de próteses que substituem os órgãos ou membros prejudicados. A doença concebida pelo artista é causada pela má interação entre os implantes e os tecidos orgânicos. Como uma infecção, ela avança gradualmente em diferentes estágios, chegando à completa destruição de partes do corpo e de sistemas inteiros. Os órgãos e membros que perderam suas funções naturais ou foram acidentados podem ser substituídos por próteses, que passaram a ser usadas por quase todos os habitantes. Além disso, uma vez que as pessoas vivem mais tempo, novas doenças se desenvolveram e, como um fenômeno ainda desconhecido pela medicina, a Metalosis Maligna surgiu em pacientes que não conseguiram passar pelo processo de adaptação ao novo acoplamento. O vídeo é ambientado em um hospital, onde o Dr. Neil Godfrey (figura 26), importante especialista em doenças infecciosas de Edimburgo, acompanha um caso de Metalosis Maligna em um paciente que teve a perna, parte dos braços e metade da cabeça comprometidos pela doença. Dr. Neil afirma que as próteses, por serem estranhas ao corpo, estão sempre sujeitas a contaminações. Quando ocorre a Metalosis Maligna, a bactéria streptococcus metalomaligna29 se apropria destes acoplamentos e confere a eles a capacidade de crescerem involuntariamente. Nas primeiras 72 horas após o implante, as chances de infecção são muito altas, pois representa um período de adaptação do corpo à prótese. A infecção se instaura inicialmente

                                                                                                                29

Nome fictício.

 

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pela contaminação dos tecidos próximos ao implante e, nesta fase, a doença é dificilmente percebida, o que torna o tratamento sempre tardio (figura 27). Em um próximo estágio, a contaminação se estende por uma área maior e afeta a pele. Manchas avermelhadas podem ser vistas a olho nu e indicam a área contaminada. Progressivamente, a região enfraquece e protuberâncias aparecem pelo corpo (figura 28). Na fase seguinte, o metal rompe a pele e torna-se externo ao corpo. Neste processo, em estágios avançados o metal chega a destruir órgãos, membros ou sistemas inteiros de locomoção, assim como a capacidade de fala, por exemplo, o que torna o doente incapaz de realizar suas antigas tarefas (figura 29 e 30). Ao descrever a doença, Floris Kaayk revela que sua evolução é imprecisa. Não se sabe em que estágio ela vai estacionar, tampouco se conhece sua origem ou cura; sabe-se apenas como ela age e como afeta o corpo humano (figura 31).

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Figura 26 - Floris Kaayk, Metalosis Maligna. 2006 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

Figura 27 - Floris Kaayk, Metalosis Maligna. 2006 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

 

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Figura 28 - Floris Kaayk, Metalosis Maligna. 2006 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

Figura 29 - Floris Kaayk, Metalosis Maligna. 2006 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

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Figura 30 - Floris Kaayk, Metalosis Maligna. 2006 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

Figura 31 - Floris Kaayk, Metalosis Maligna. 2006 Fonte: . Acesso em: agosto 2014

 

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O vídeo é um documentário ficcional onde Floris Kaayk se apropria dos discursos da medicina para tratar de uma doença hipotética. As salas de exames, as máquinas de raios x, os exames laboratoriais, assim como todo o ambiente hospitalar são trazidos pelo artista para criar a aparência de veracidade apresentada na obra. Atores, computação gráfica e um extenso trabalho de produção constroem uma narrativa que desperta a dúvida: esta doença realmente existe, e como é transmitida? Ainda não se conhece, pela literatura médica, uma doença com essa potencialidade, capaz de chegar a estágios tão avançados como os apresentados por Floris Kaayk. Contudo, sabe-se que algumas bactérias realmente podem contaminar partes implantadas no corpo. Os implantes, nas primeiras 72 horas – assim como na obra de Kaayk – passam por um período crítico de adaptação, que, se bem-sucedida, faz da intervenção um sucesso. Caso contrário, um novo procedimento cirúrgico para a substituição deve ser feito. Percebemos que a ficção proposta pelo artista opera, por meio de visões apocalípticas, em nosso medo de um futuro incerto, introduzindo na administração sobre a vida que a medicina atual pratica, os riscos de mutações ou transformações monstruosas que transitam pelo desconhecido. No futuro descrito por Floris Kaayk em Metalosis Maligna, a tentativa de viver mais tempo trouxe também problemas ao prolongarmos o tempo do corpo. Incapaz disso por meios naturais, o homem recorre à tecnologia disponível. Os acoplamentos que poderiam potencializar a vida do homem são o foco de contaminações causadas pela má interação entre ambiente orgânico e artificial. Segundo o artista, na busca constante por benefícios, também criamos novos problemas causados principalmente por uma questão de adaptação. Ao tratar da contaminação, retoma-se o vocabulário da biologia, o que nos leva a pensar sobre os processos evolutivos da espécie. Teremos tempo de nos adaptar a uma nova situação tecnológica tão invasiva? Quais os riscos desta incorporação tecnológica?

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O artista busca imagens microscópicas, impossíveis de serem vistas a olho nu, explora os ambientes laboratoriais como lugares de experimentação, onde a vida tenta ser controlada e reproduzida artificialmente. Certamente, o controle sobre a vida se tornou uma das questões centrais dos discursos da biomedicina em nosso tempo. O mapeamento do DNA humano através do Projeto Genoma reproduz, no imaginário, a ideia de controle, da vida artificial e da produção em série de seres humanos em laboratório. O que invariavelmente nos traz à questão: o que nos torna humanos? É a composição dos corpos? A cultura? A capacidade de produzir tecnologia? No vídeo Metalosis Maligna, a questão tecnológica é tensionada pelo corpo. Este se revela um empecilho para se alcançar a longevidade, uma barreira que dificulta a transformação da vida em bits numéricos. A vontade de viver para sempre esbarra na materialidade carnal do corpo, por conta de seu prazo de validade. Como vimos em nosso segundo capítulo, estratégias para distanciar o homem da ideia da morte são praticadas em muitos níveis. A religião aposta na continuidade da vida através da alma, a criogenia (congelamento do corpo) se concentra em esperar por tecnologias futuras, os cosméticos, em retardar a ação do tempo. A lista se torna extensa. Na sociedade da cibercultura, ao que parece, a tecnologia digital também opera sobre estes medos, e ganha um caráter quase de magia, como aponta Erick Felinto:

Nesse sentido, a cibercultura se manifesta como um imaginário no qual o paradigma digital chega a realizar um sonho imemorial da humanidade: a transcendência das limitações humanas, a manipulação da realidade convertida em padrões de informação, a conquista absoluta da natureza e das leis do cosmos - em uma palavra, a divinização do homo ciberneticus. (FELINTO, 2006. p.8)

Felinto aponta na crescente digitalização da natureza um vetor importante para pensarmos a tecnologia em diálogo com o corpo. Os acoplamentos apresentados em Metalosis Maligna materializam os medos, buscando, nos discursos da biomedicina, a chave  

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para a permanência do homem no planeta. No entanto, para a conquista da eternidade da maneira como se projeta, o corpo é um obstáculo. Porém, aos poucos, a sociedade da informação cede lugar à sociedade da participação, dispositivos que buscam a integração do corpo com as tecnologias digitais já não se apoiam no pesadelo da Matrix,30 e as novas tecnologias de imageamento corporal (MRI) revelam a dinâmica complexa produzida pelo corpo em sistemas integrados de comunicação. A tradução dos movimentos do corpo em informação digital também é explorada pela indústria dos videogames (Kinect, Move, Oculus Rift), que buscam transferir o homem para ambientes digitais através de simulação em realidade virtual e mapeamento dos movimentos do corpo. A publicidade tem se concentrado em estratégias participativas utilizando os mesmos mecanismos de ação. Vitrines interativas, assim como displays de produtos que respondem ao toque, apontam para uma integração com a tecnologia que não apenas contempla, mas necessita da participação do corpo para ativação da informação binária. Neste cenário, a obra Metalosis Maligna se coloca como uma leitura apocalíptica que concentra sua narrativa em nossos medos e receios, mas também nos incita à reflexão sobre o que esperar acerca da relação complexa entre homem e tecnologia.

                                                                                                                30

No qual o corpo é apresentado plugado e adormecido numa mesa para participar de situações imersivas. Ver capítulo 1.

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3.3 THE HUMAN BIRDWINGS A obra The Human Birdwings de Floris Kaayk, de 2012, foi um projeto de oito meses de duração que se interessou em discutir o compartilhamento dos sonhos através das redes sociais digitais. Construída com a participação do público nas plataformas Facebook, Twitter, Linkedin, em blogs e Youtube, a ação chegou a atingir mais de oito milhões de visitas, o que atraiu a atenção da mídia local e, posteriormente, de outros lugares do mundo. Contou ainda com um extenso trabalho de produção de vídeos, participação de atores e personagens fictícios. Nesta obra, Floris Kaayk assume outra identidade: Jarno Smeets,31 um alter ego digital que se apresenta como um engenheiro mecânico que sonha em construir asas que o fariam voar como os pássaros. O projeto tem início com a criação de perfis nas redes sociais e um blog que funciona como um diário, onde toda semana Jarno Smeets compartilha seu processo de criação. Desta forma, com um post inicial no primeiro dia de agosto de 2011, Jarno publica fotos antigas e desenhos de seu avô, contando que, assim como outros nomes pela história, como Leonardo Da Vinci e RJ Spalding, ele perseguia o sonho de construir uma máquina capaz de içar o homem ao voo. Decidido a realizar este sonho, Jarno Smeets parte para a construção de seu projeto. Vídeos feitos com o celular, fotos de família, estudos e desenhos passam a povoar seu blog e a serem compartilhados pelas redes. Entrevistas com professores em centros universitários e pesquisas sobre pesos e medidas também são produzidas para conferir veracidade ao conteúdo que Jarno divide com sua rede de amigos, que passa a crescer de acordo com a visibilidade do projeto.                                                                                                                 31

Disponível em: . Acesso em: julho 2014.

 

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Floris Kaayk busca a participação do público através de um post em que convida seus contatos recentes nas redes sociais a contribuírem com sua ideia. Inúmeros voluntários se manifestam e, na semana seguinte, Floris apresenta alguns atores que interpretam as pessoas selecionadas que passam a participar efetivamente da obra. Bas, Tygo, Orhan e Floor Pietersen integram a produção de vídeos, onde participam da construção das asas e dos testes que se seguem ao longo dos meses. Com a publicação do vídeo em que apresenta, no dia 19 de março de 2012, o primeiro voo ao ar livre, o interesse da mídia local cresce e Floris Kaayk é convidado a dar entrevistas em outros blogs sobre seu experimento. O artista apresenta-se como Jarno Smeets e conta que pretende continuar com o projeto. A entrevista com Jarno passa a circular pela internet, o que provoca outros veículos a procurarem-no. O vídeo final, publicado em abril de 2012, no qual Jarno aparece voando a uma altura acima das árvores, causou grande repercussão pelas redes e obteve um alcance de mais de oito milhões de visualizações, o que despertou mais ainda o interesse pelo projeto de Jarno. Universidades e institutos de pesquisa começaram a duvidar da façanha e submeteram o vídeo a um teste de veracidade, através do qual descobrem que o mesmo foi manipulado. Convidado por uma emissora de televisão local para uma entrevista e, portanto, impossibilitado de continuar a sustentar sua identidade temporária, Floris Kaayk enfim revelou seu projeto em rede nacional, assumindo-se como um artista, sendo aquela sua grande obra colaborativa. As opiniões do público se dividiram, pois muitos sentiam-se traídos e o denunciaram como uma grande farsa, postando ofensas em suas redes e o ameaçando judicialmente. Outros contam que, ao descobrirem a verdade, sentiram-se frustrados, uma vez que uma máquina como a proposta por Floris Kaayk ainda não poderia ser construída.

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3.3.1 THE HUMAN BIRDWINGS TIMELINE Post inicial onde apresenta fotos com o avô e desenhos encontrados pela mãe (figura 32). 1º AGOSTO 2011

Figura 32 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Fonte: . Acesso em: julho 2014

 

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23 AGOSTO 2011 Post com video no Youtube de entrevista com Bert Otten (personagem fictício), professor de neuromecânica da Universidade de Groningen, onde foi informar-se sobre a possibilidade do homem voar através de asas construídas artificialmente. Encorajado pelo professor, ele continua a produzir seu equipamento (figura 33).

Figura 33 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Fonte: . Acesso em: julho 2014

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1º SETEMBRO 2011 Durante o mês de setembro são publicados vários posts, em que Jarno compartilha rascunhos e referências e conta que alugou um espaço que servirá como estúdio para a construção das asas. Desta maneira, pesos, medidas, informações sobre a engenharia necessária, modelos em 3D e os desenhos para a produção podem ser vistos por qualquer pessoa da rede, que começam a participar efetivamente da ideia de Jarno e sugerem, inclusive, que ele publique as plantas do seu projeto em uma melhor definição para que possam ajudá-lo (figura 34).

Figura 34 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Fonte: . Acesso em: julho 2014

 

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25 SETEMBRO 2011 No dia 25 setembro, Jarno conta que desmontou seu equipamento de kitesurf para produzir as asas, pois ele usará parte da estrutura e o tecido em seu projeto. Neste mês, Jarno Smeets publica em seu blog informações sobre a física do dispositivo e mostra peças, motores e equipamentos que usará para a produção das asas (figura 35).

Figura 35 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Fonte: . Acesso em: julho 2014

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30 NOVEMBRO 2011 No post do dia 30 novembro, Jarno apresenta seus ajudantes (personagens fictícios) Bas, Tygo, Orhan e Floor Pietersen, que dizem terem visto o experimento de Jarno pela rede e decidiram ajudá-lo a tornar este sonho realidade. São apresentados os testes com o uso de celulares HTC e controles de Wii para sincronizar os movimentos das asas com os braços de Jarno (figura 36, 37 e 38).

Figura 36 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Fonte: . Acesso em: julho 2014

 

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Figura 37 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Fonte: . Acesso em: julho 2014

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Figura 38 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Controle do videogame Wii utilizado para movimentação das asas Fonte: . Acesso em: julho 2014

 

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14 DEZEMBRO 2011 Durante o mês de dezembro, são compartilhados alguns vídeos sobre os testes feitos com o alumínio retirado do equipamento de kitesurf, devido a seu material leve, será usado para a construção da estrutura das asas no projeto de Jarno (figura 39 e 40).

Figura 39 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Fonte: . Acesso em: julho 2014

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22 DEZEMBRO 2011

Figura 40 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Simulação de sincronia feita em estúdio. Fonte: . Acesso em: julho 2014

 

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20 JANEIRO 2012 Em 20 de janeiro, Jarno posta seu primeiro teste ao ar livre, neste vídeo, o voo dura apenas alguns segundos (figura 41). Durante os próximos meses uma importante tempestade de neve se concentra na Holanda, impossibilitado de continuar com os testes ao ar livre, Jarno compartilha as melhorias que estão sendo feitas em seu equipamento.

Figura 41 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Post que apresenta o primeiro teste ao ar livre. Fonte: . Acesso em: julho 2014

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ABRIL 2012 Finalmente em abril, Jarno compartilha o vídeo que apresenta seu voo a uma altura acima das árvores. As imagens são captadas por uma câmera GoPro fixada em seu capacete (figura 42, 43 e 44).

Figura 42 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Voo final com câmera GoPro. Fonte: . Acesso em: julho 2014

 

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Figura 43 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Visão da câmera acoplada ao capacete. Fonte: . Acesso em: julho 2014

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Figura 44 - Floris Kaayk, The Human Birdwings. 2012 Voo final. Fonte: . Acesso em: julho 2014

Como podemos analisar através da timeline da obra, as situações climáticas, assim como os imprevistos são incorporados em sua narrativa. A participação do público é sugerida, mas não se efetiva fisicamente na produção do projeto, uma ação ensaiada faz com que se tenha a impressão, através dos atores, de que alguns selecionados de sua rede ocupem estas posições, o que torna esta obra uma experiência que explora os fluxos de informação onoff line na construção de uma narrativa ficcional.  

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Em The Human Birdwings, o artista esbarra em muitas questões que pertencem ao imaginário tecnológico de nosso tempo. Seja através da construção de perfis falsos nas redes sociais, ou na escolha pela linguagem informal adotada para publicação de vídeos, Floris Kaayk apresenta uma obra em processo, aberta à participação do público. Nos convida a pensar sobre as potencialidades do corpo e, ao mesmo tempo, aponta a tecnologia como um acoplamento capaz de materializar o desejo humano. Desta forma, Floris Kaayk constrói uma narrativa que opera no universo das possibilidades. Ele recorre ao imaginário fantástico no qual homens podem voar como os pássaros, revisitando o mito de Ícaro que, para fugir do labirinto do Minotauro, constrói asas artificiais a partir de cera de mel e penas de gaivota. De acordo com o mito grego, Ícaro recebe um aviso para que não voe perto do sol, pois o calor derreterá a cera das asas. No entanto, tomado pelo desejo de voar, Ícaro não ouve os conselhos do pai e se aproxima do sol, o que o leva a perder suas asas e cair no mar Egeu. A jornada de Ícaro se aproxima da obra de Kaayk no momento em que o artista materializa seu sonho através do vídeo, mas cai no mar Egeu quando é despertado pelas opiniões dos que buscam a verdade dos fatos. Kaayk aproxima-se dos discursos das redes sociais digitais na busca por suas características particulares: o vínculo familiar e sua exposição, a linguagem amadora e handmade. Desta forma, Floris Kaayk indica a padronização do comportamento encontrado em tais plataformas (Facebook, Twitter, Linkedin) como idealizações encontrados nas redes. Além disso, discute a identidade individual e problematiza os fluxos de informação, o que torna sua obra relevante e potencializadora de outras leituras sobre as práticas sociais mediadas pela tecnologia digital do começo do século XXI.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

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Durante esta pesquisa procuramos discutir as transformações e experimentações potencializadas através dos acoplamentos tecnológicos no corpo, encontradas nos processos de criação do artista Floris Kaayk. Para aprofundar os apontamentos do artista, organizamos a dissertação em três capítulos. No primeiro, Comunicação, corpos e acoplamentos, discorremos sobre os conceitos fundamentais que norteiam nossa questão de pesquisa. Para isso, apresentamos as contribuições de importantes teóricos da comunicação sobre o problema do corpo. Percebemos que a concepção dualista encontrada na Grécia antiga e também no século XVII em René Descartes (que separa corpo e mente, propondo que são duas entidades distintas que se conectam através da glândula pineal) não parece ser suficiente para discutir a cultura atual, que incorpora novas tecnologias ao corpo. A leitura do corpo que se presentifica nos meios massivos da indústria cultural está fundamentada na ideia do corpo como um objeto que possuo, separado de quem sou, e é imbricada com a indústria de consumo que procura se apropriar de todas as coisas. Ter o corpo ideal é hoje uma questão que os discursos midiáticos relacionam a uma esfera econômica, mas não só. De certa forma, ter condições financeiras de “adquirir” próteses (silicone, cosméticos, inúmeros produtos de beleza) e optar por não realiza-las, é, em geral, visto como sinal de ignorância, desmazelo ou ainda: baixa autoestima. Nesse sentido, o corpo passa a ter seu significado restrito à ideia de coisa, objeto, máquina, algo que tem um proprietário, assim como ter uma casa ou um carro. Os discursos midiáticos deslocam o corpo de seu papel fundamental de ação do homem no mundo. A ideia do upgrade como melhoria dos objetos técnicos é transportada para o campo do biológico, do ser vivo. Num grande golpe estratégico, estes discursos anunciam, propõem e inscrevem a Biologia, a ciência da vida, como um objeto, algo que também precisa ser reformado pela tecnologia.

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Além disso, nossa dissertação buscou analisar as complexidades que a fragmentação induzem ao corpo e ao sentido de corpo vivido, em suas experiências cotidianas. A percepção de um corpo como algo fragmentado não abre espaço para a integração. Em nossas dores e doenças por exemplo, somos levados a tratar de partes, pedaços de corpos que sofrem. No corpo fragmentado, as partes operam isoladamente e não podem perceber ou acessar a ideia de todo que o compõe. Francisco Ortega ao tratar das tecnologias de visualização médica do corpo (MRI) nos ajuda a compreender as implicações deste tipo de concepção fragmentária: Apesar de a biomedicina nos fornecer modelos de corpos como divisíveis e fragmentados, o percipiente ativo não experiência seu corpo dessa maneira, mas como uma unidade orgânica. Apenas quando apreendido exclusivamente de forma visual e passiva - como acontece na visualização médica e na visualização espetacular, o corpo aparece como uma soma de partes, uma série de membros encaixados uns nos outros, isto é, o cadáver animado da tradição anatômica, ou o corpo dilacerado das novas imagens médicas, da cultura popular e dos anseios pósmodernos. A ambos se opõe nossa experiência encarnada do corpo unificado, o corpo como localização física desde a qual falamos, agimos e conhecemos. Esse corpo, o corpo que somos e temos, não é apenas um objeto de controle e vigilância, nem uma construção discursiva, midiática ou espetacular, mas o sujeito da experiência e da ação. (ORTEGA, 2005, p.253)

Ao propor uma leitura integrativa e holística sobre o problema do corpo encontrada nos estudos de Lúcia Santaella e James Gibson, assim como no conceito corpomídia desenvolvido por Christine Greiner e Helena Katz, buscamos a retomada de uma conscientização adormecida pelos discursos simplificadores da cultura massiva, que como vimos, se apoia em grande parte em interesses mercadológicos. Pensando o corpo além das dualidades que opõem natureza e cultura, corpo e alma, realidade e ficção, construímos uma reflexão a respeito da obra do artista Floris Kaayk. Em suas proposições estéticas, Kaayk nos convida a refletir sobre as potencialidades que já pertencem ao corpo e que através das tecnologias, assumem outras materialidades.

 

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No segundo capítulo Arte e tecnologia, apresentamos o corpo em sua relação com as artes visuais. Neste momento, destacamos uma mudança paradigmática especialmente nas práticas de alguns grupos de artistas das décadas de 60 e 70 que buscaram transformar o corpo no próprio discurso sobre o fenômeno e não mais como representação de uma ideia. Julio Plaza e Diana Domingues fundamentam esta abordagem que aproxima o fazer artístico ao científico, na busca pelo conhecimento dos fenômenos. O terceiro capítulo desta pesquisa é constituído pelas análises de três obras do artista Floris Kaayk: The Order Electrus, Metalosis Maligna e The Human Birdwings. A ordem desta distribuição possui caráter metodológico pois as proposições do artista que moveram nosso interesse permeiam todo o texto desta comunicação, da divisão dos capítulos aos temas à serem abordados. Como resultado das análises das obras, percebemos que os acoplamentos tecnológicos produzidos pelo artista, se relacionam às concepções divulgadas pela cultura massiva ao tratarem do problema do corpo em sua relação com a tecnologia. Apresentam tais acoplamentos muitas vezes como aprimoramentos de uma capacidade do corpo. Ou ainda, como potencializadores de novas funções que antes não poderiam ser executadas. Mas que também trazem nesta dinâmica, os medos de uma crescente tecnológica que avança sobre os corpos em nossos dias. Das transformações monstruosas e da administração da vida em laboratório. Segundo Erick Felinto, encontramos aí o tema central do imaginário tecnológico contemporâneo: [...] a ideia da máquina como instrumento para promover a superação dos limites humanos. [...] Desde a Idade Média, a tecnologia foi imaginada como forma de aperfeiçoar o homem, aproximando-o progressivamente de Deus. (FELINTO, 2005, p.8)

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Esta aproximação é bastante retratada na cultura e, em especial, no imaginário do cinema. Presente em vários filmes de ficção científica lançados no segundo semestre de 2014, a imagem do corpo com próteses, isto é, do corpo melhorado com o acoplamento de tecnologias, invade os sonhos de consumo e povoam discussões nas redes sociais. Porém, a aproximação dos computadores quânticos e a evolução da inteligência artificial apontam novos caminhos, como exemplo desse imaginário no cinema, podemos citar Transcendence de Wally Pfister (figura 45) no qual apresenta a história de Will Caster, interpretado por Johnny Depp, como um importante pesquisador da inteligência artificial prestes a lançar uma atualização de seu sistema, o que o tornará uma "consciência artificial" capaz de aprender e desenvolver-se a partir de conclusões próprias. Durante um congresso, Will sofre um atentado cometido por um grupo de extremistas religiosos que consideram sua pesquisa um desrespeito às leis de Deus. Atingido por uma bala contaminada que causará sua morte em poucos dias, Will passa a ser o experimento final de suas pesquisa, ele é conectado a uma rede local através de cabos ligados diretamente no cérebro que fazem o download de suas experiências enquanto ele vive. Sua assistente e esposa Evelyn, interpretada por Rebecca Hall, o acompanha até quando seu coração para de bater. Neste momento Will passa a viver entre os bits como uma entidade consciente que transcendeu a materialidade do corpo. "É como se minha mente tivesse se libertado32", afirma a voz que sai pelas caixas de som do computador de Evelyn. Contudo, para continuar a se desenvolver, Will precisa de mais poder, mais informação, e assim ele é transferido para a internet.

                                                                                                                32  Transcendence. Direção: Wally Pfister. Alcon Entertainmente, 2014. 1 DVD (119 min).  

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Figura 45 - Cartaz do filme Transcendence, 2014 Fonte : <  http://www.imdb.com/title/tt2209764/?ref_=nv_sr_2> Acesso em outubro de 2014.

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Na página oficial do filme criada no Facebook33, podemos perceber as diferentes opiniões quando o tema se amplia para uma discussão filosófica. Em resposta à pergunta lançada: "Se você tivesse a chance de se tornar imortal...você aceitaria?"34 Usuário 1 "Todos nós temos esta oportunidade, basta crer no Senhor Jesus Cristo e ter a vida eterna". Usuário 2 "Num piscar de olhos! Abrace a Singularidade! Abrace a Transcendência!"

Outros filmes já anunciados para o começo de 2015 continuam a discussão a respeito da vida das máquinas. Chapie 35 dirigido por Neill Blomkamp e Ex-Machina 36 de Alex Garland apresentam também seres inteligentes que compartilham a existência numérica. Ao que parece, os avanços tecnológicos em nossos dias não se preocupam somente em potencializar as faculdades humanas, construir braços mais fortes ou pernas mais velozes, mas retomam um antigo sonho de viver para sempre. Assim, esperamos que esta pesquisa possa contribuir para um olhar ampliado, nãodualista das relações corpo e mente. Para isso, adotamos como ponto de vista uma perspectiva integrativa. Nessa proposta, a tecnologias e os processos evolutivos da espécie humana caminham lado a lado, em diálogo com a natureza. Pois, ao invés de separar, é necessário aproximar o ser humano de uma concepção de natureza dinâmica, em transformação. Retomar a ideia de pertencimento, que não é valorizada pelos interesses do tecnocapitalismo, nos parece urgente para uma melhor compreensão da atual situação tecnológica do homem.                                                                                                                 33

Disponível em < https://www.facebook.com/TranscendenceMovie> Acesso em Outubro de 2014. "If you had a chance to become immortal... would you take it?", " We all have this opportunity, just believe in The Lord Jesus Christ and have eternal LIFE.", "In a heartbeat! Embrace the Singularity! Embrace Transcendence!" Tradução nossa. Disponível em Acesso em Outubro de 2014. 35 Chappie. Direção: Neill Blomkamp. Alpha Core, 2015. 36 Ex-Machina. Direção: Alex Garland. DNA Filmes, 2015. 34

 

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5. REFERÊNCIAS

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6. ÍNDICE DE IMAGENS

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Todas as ilustrações usadas no projeto gráfico desta pesquisa são da patente de Jasper Spalding, para o protótipo Flying Machine de 1888. disponível em: http://www.google.com/patents/US398984

 

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