CORPO E PROCESSO EDUCATIVOS: DANÇANDO E TECENDO CONHECIMENTOS

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12 A 14 De Novembro De 2015

CORPO E PROCESSO EDUCATIVOS: DANÇANDO E TECENDO CONHECIMENTOS

SANFILIPPO, Lucio Mestrando em Educação pelo Proped-UERJ Bolsita do CNPq Orientadora Mailsa Passos

RESUMO

Este artigo pretende refletir a respeito do corpo e suas potencialidades educativas. O texto foi pensado principalmente em cima do trabalho com as danças populares e todos os seus universos musicais que não costumam separar corpo, dança e música. Muitos são os processos culturais envolvidos nas diversas realidades espaço-temporais em que se dão e muitas também são as redes educativas que se formam nos e com esses processos. Pensa o afeto e a ludicidade das manifestações para um movimento de horizontalização dos conteúdos, de solidariedade, contribuindo para emancipação social e democratização dos saberes.

Reflete sobre a possibilidade de inclusão desses caminhos de produção de

conhecimentos na Educação Física e na educação formal.

Para isso, contamos como

principais interlocutores Boaventura de Souza Santos, Muniz Sodré, Luiz Antonio Simas, Raul Lody e Jorge Sabino. É um texto que resulta de um trabalho que tem sido desenvolvido há alguns anos em diversos ambientes educativos.

Palavras-chaves: Educação; Corpo; Danças populares; Educação física; Redes educativas, Cultura.

ABSTRACT

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This article aims to reflect on the body and its educational potential. The text was designed primarily upon the work with popular dances and all his musical universes that do not usually separate body, dance and music. Many are the cultural processes involved in the various spatio-temporal realities that take place and many are also the educational networks that form in and with these processes. It thinks the affection and playfulness of the demonstrations into a more horizontal movement of the contents, of solidarity, contributing to social emancipation and democratization of knowledge. It reflects on the possibility of inclusion of such knowledge production pathways in physical education and formal education. We have as main interlocutors Boaventura de Souza Santos, Muniz Sodré, Luiz Antonio Simas, Raul Lody e Jorge Sabino. It is a text that comes from a job that has been developed for some years in various educational environments.

Keywords: Education; Body; Folk dances; Physical education; Educational networks; Culture.

INTRODUÇÃO

Quem escreve é um professor de Educação Física, com formação também em Comunicação, e que exerce atividade artística e pedagógica cantando, compondo, tocando, dançando as culturas populares brasileiras há quase 20 anos. O despertar para o diálogo com as possibilidades do corpo surgiu ainda em 1997, no curso de Licenciatura Plena em Educação Física do IEFD/UERJ – o Instituto de Educação Física e Desportos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Foi lá que o corpo começou a ocupar um lugar que sempre foi seu nos processos de tessitura de conhecimento, mas que muito a ele tem sido negado, pelo menos em muitos ambientes do universo formal de ensino. Acostumado com as práticas costumeiras de ensino, onde o professor quase sempre está de pé “dando aula”, enquanto os alunos quase sempre estão sentados “aprendendo”,

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demorei a entender como “séria” a proposta da Zezé do Folclore1 nas aulas de Educação Física Folclore e Cultura Popular. Ainda que eu já fosse cantor e estivesse naquele tempo em uma faculdade de Educação Física, atividades como sentar no chão, recortar, colar, cantar, dançar, cozinhar, encenar passagens míticas, mostravam-se completamente estranhas. Na verdade, elas estavam adormecidas nas memórias do maternal, do jardim de infância e dos primeiros anos do já extinto primário. Fui despertando durante o curso de Educação Física, para “além do que se entende na anatomia, na biomecânica e nas demais disciplinas da educação física, da fisioterapia e da dança sobre o chamado corpo físico, (...) o entendimento acerca do corpo simbólico – o corpo cultural (...)” (SABINO; LODY, 2011, p. 15), como bem escreveram mais de uma década depois os citados autores. Fui percebendo os aspectos ligados aos tão incomensuráveis conhecimentos produzidos ao longo dos tempos e espaços pelas culturas negras, impossíveis de serem compreendidas senão pela vibração do corpo, e que por isso, provavelmente, podem ter sido relegados a um nível de conhecimento inferior pelas autoridades hegemônicas que escolhem o que merece ou não fazer parte dos ambientes formais de ensino. Corpo e culturas negras são ainda quase um tabu na grande maioria de nossas escolas, em que não se conhece ou se cumpre a Lei 10639/03, modificada pela lei 11645/08. A Lei foi criada como uma forma de garantir que conheçamos um pouco das histórias das populações negras e indígenas, já que predomina uma visão eurocêntrica nos padrões de ensino que tanto empobrecem o universo escolar, quanto discriminam uma tão plural e singular forma de pensar e agir dessas culturas tidas como inferiores. Segui entendendo, também, que os mundos artístico e pedagógico, quando sentidos, principalmente, pelo vibrar do corpo cultural negro, estavam mais próximos do que eu poderia imaginar naquele tempo e espaço. Enquanto eu cantava, tocava e dançava em shows o jongo, o coco, o maracatu, a ciranda – só para citar algumas manifestações – o corpo contava suas histórias guardadas e redimensionadas em tempos e espaços outros. Revelava-se a geografia, a física, a matemática das populações, os gestos falavam das comunidades, de suas vidas. Revelavam-se práticas educativas que se dão nas ruas, nas casas, nas praças, nas comunidades, nos terreiros, nas cidades. Numa dessas apresentações musicais, fui convidado pela professora doutora Maria Teresa Salgado, do Departamento de Letras da UFRJ, a montar uma ementa para sua pós 1

Maria José Alves da Silva Oliveira, professora doutora falecida em 2008, era mais conhecida como a Zezé do Folclore. A Sala 9111 do Instituto de Educação Física e Desportos da UERJ leva seu nome e lá funciona o LCPF – Laboratório de Programa de Culturas Populares e Folclore, criação sua e coordenado hoje pela sua filha, a professora doutora Lúcia Maria.

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graduação em africanidades, intitulada África/Brasil: Laços e Diferenças (curso de pósgraduação lato sensu), vinculada à Universidade Católica de Petrópolis. Nascia, aí em 2008, Expressão corporal e musicalidade: um diálogo África-Brasil, que tirava das carteiras os pósgraduandos e os colocava para tocar atabaque, dançar e cantar as culturas negras populares, discutindo sua produção de conhecimento e a relação dessa rede nas nossas próprias vidas. Passávamos horas a viver um pouco dessas memórias corporais que refletem em nossas vidas ainda hoje, nos fortalecendo e unindo, quase oito anos depois. Para além disso tudo, processos educativos próprios dessas culturas foram sendo desvelados, trazidos para o meu universo e do meu público, artístico e pedagógico, a ponto de meu shows hoje e as oficinas de danças populares serem sempre uma celebração. Aliás, quando falamos de culturas populares e corpo, emerge um outro importante e indissociável conceito que é o de festa. O corpo que canta, dança, toca instrumento, recorta, pinta, cozinha, senta no chão, desenha – que produz e redimensiona cultura - tem vocação para festejar. Uma aura lúdica domina o ambiente, onde afetos são compartilhados enquanto tecem-se redes transbordantes de conhecimentos dos mais ricos, regados à solidariedade, lutas políticas, sobrevivência, autoestima e identidade. Aproprio-me das palavras de Muniz Sodré, para finalizar a introdução e dar uma pequena, mas ampla noção do potencial festivo que tem o corpo cultural, o corpo memória, o corpo musical que festeja, toca, canta, dança e se reinventa: “todo som que o indivíduo humano emite reafirma a sua condição de ser singular, todo ritmo a que ele adere leva-o a reviver um saber coletivo sobre o tempo, onde não há lugar para a angústia, pois o que advém é a alegria transbordante da atividade, do movimento induzido.” (SODRÉ, 2007, p.21).

CORPO CULTURAL E PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO “O Corpo, esse grande desconhecido que realiza gestos, executa movimentos, ações, tem estrutura

e

esquemas

para

desenvolver

habilidades e estabelecer inúmeros processos de comunicação

e

de

expressão

(SABINO; LODY, 2011, p. 17)

criadora”.

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Quando pensamos em trazer as possibilidades do protagonismo do corpo, o corpo cultural negro que vem sofrendo tentativas de apagamento pelas relações hegemônicas desde sua vinda forçada pelos processos escravagistas, estamos pensando em inclusão, em reparação, em tensionamento das relações étnico-raciais nos ambientes formais de ensino e fora dele. Mas também, obviamente, buscamos enriquecer esses mesmos ambientes com as lutas que ele representa, com os afetos que ele desperta, com a ludicidade que ele envolve, enfim, com os conhecimentos produzidos pela festa que ele faz. Porque, como nos diz Luiz Antonioi Simas (2014, p. 37), “nós somos herdeiros dos homens que bateram tambor na fresta e criaram a subversão pela festa”. Há muito saber nessa que parecer ser uma simples frase... Subverter pela festa os ambientes parece ser uma ideia muito próspera, apesar do caráter pejorativo que costuma ganhar o conceito de festa. Quase sempre, os ambientes festivos são condenados, talvez por causa da alegria inerente, a perder a qualidade de seriedade, que parece ter muito valor no universo educacional formal. Fica parecendo que quando estabelecem-se felicidades, perde-se a validade dos processos. Será por isso que as danças vão sendo retiradas aos poucos das séries escolares na medida em que se avança na graduação? Essa pergunta, feita de maneira diferente, claro, pelo meu filho, quando tinha 7 ou 8 anos, ainda soa incômoda aos meus ouvidos: “Papai, por que cada vez tem menos dança na escola?”, perguntou Leonardo a mim. Ora, um menino que jogava futebol, nadava e lutava judô, estava sentindo falta das danças na escola. Abrindo parênteses, é bem verdade que as danças propostas na sua escola à época nada tinham a ver com as de que tratarei à frente, mas valem como deflagradoras de reflexões. Em um tempo, havia ensaios para as apresentações nos dias da árvore, da água, do folclore, da primavera, das mães, dos pais etc.. e, de repente, só há a festa junina e o final de ano. “Por quê?”, queria saber o meu filho. Sigo tentando responder à questão e surgem tentativas em forma de outras perguntas: será que a partir de alguma idade, a escola passa a achar que o corpo que festeja dançando, cantando, tocando, recortando, dramatizando... já não mais precisa se manifestar dessa forma? Será que não há mais tanto espaço na escola para que ele ocupe seu lugar de pulsação de saberes? Será que não reconhecemos mais nele o potencial produtor de processos culturais e tecedor de redes educativas? Pois, então, falemos de algumas possibilidades que vêm aparecendo em meus trabalhos com as culturas populares há alguns anos em diversos ambientes propícios às práticas educativas e que ajudam a tensionar ainda mais o tema. Desde que ingressei no curso de Licenciatura na UERJ, como já mencionado, foramme apresentadas duas formas principais de trabalho com a Educação Física: uma que prima

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pelo trabalho/ensino-aprendizagem do gesto, outra que, além, envereda pelo trabalho/ensinoaprendizagem por intermédio do gesto. Quando falamos de danças populares, que é o nosso principal foco aqui neste trabalho, estamos falando sobre atentar para os processos do “aprender a dançar’ e “aprender dançando”. Recorrendo novamente a Jorge Sabino e Raul Lody (2011, P.16), temos percebido que a dança – e seus movimentos - “remete imediatamente às memórias, às etnias, às civilizações, aos povos e indivíduos”.

É

conveniente ressaltar que quando falamos em danças populares, estamos considerando que corpo, música e festa estão obrigatoriamente envolvidos. Muniz Sodré, também escreveu a respeito e nos enriquece a reflexão:“(...) música não se separa de dança, corpo não está longe da alma, a boca não está suprimida do espaço onde se acha o ouvido.” (SODRÉ, 2007, p. 61). Assim, também, ao dançar no Jongo da Serrinha2, por exemplo, o passo chamado “Amassar café”, somos envolvidos pelas fazendas de café do Vale do Paraíba e por todo um imaginário que passa pela história, pela geografia, pela escravidão do povo banto vindo de Angola, Congo, Moçambique para trabalhar forçadamente nas fazendas do lugar.

Dos

movimentos do corpo, emergem suas lutas, seu modo de viver, as recriações da realidade possível nos novos espaços e tempos que se apresentavam aos negros escravizados, a trajetória desses povos para fora das fazendas, depois de proclamado o “fim da escravidão”3. Os pontos cantados de jongo falam do povo, os tambores contam sua vida, o corpo guarda a memória ancestral e se manifesta reconstruindo as belezas possíveis. Em outras palavras, a festa se estabelece e, com ela, emergem afetos, a religiosidade redimensionada, os batuques, e o corpo exerce sua vocação de templo de conhecimentos. Todo um universo de riquezas se apresenta quando o corpo se põe a fazer música, a dançar, tocar, rezar, cantar, a festejar. Com a Ciranda praieira de Itamaracá-PE4, os processos são semelhantes. A manifestação teria vindo da Europa, quando, em Portugal, colhia-se a azeitona. De mãos dadas, cantando e dançando, agradeciam pela boa colheita. No Brasil, enegrecida, e também ganhando contornos indígenas, a Ciranda foi ressignificada para a praia, passando os brincantes a agradecer pela volta do pescador com vida e com a pesca farta. Os gestos, agora, imitam as ondas do mar que vão e vêm. Agora, a praia e o ambiente 2

Serrinha – comunidade de Madureira, bairro do Rio de Janeiro, berço da escola de samba Império Serrano e que mantém vivo um jongo – manifestação cultural brasileira de matriz banto – vindo para o bairro, e lá recriado pelos ex-moradores das fazendas de café do Vale do Paraíba e seus descendentes. 3 Entre aspas para marcar as discussões acerca dos processos de libertação, das negociações sentidas ainda hoje como incompletas, inacabadas. 4 A Ciranda praieira, hoje, tem como ícone principal Lia de Itamaracá, artista e ex-merendeira de escola pública, que viaja apresentando essa e outras manifestações da região, como Coco e Maracatu. Junto dela, dona Dulce e dona Biu, as “Filhas do Baracho”, cirandeiro tradicional já falecido, que fazem a festa com dona Lia pelo mundo afora.

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pesqueiro é que são expressos pelo corpo em festa, que canta sua vida girando junto à beiramar. As mãos entrelaçadas na roda eliminam momentaneamente as desigualdades, fazendo as diferenças dançarem juntas, rodando, sem evidenciar quem vem primeiro ou depois, sem definir que é o mais ou o menos importante. Todas essas informações que emergem junto do gesto festivo, do corpo que se manifesta, são exemplos de um rico universo do qual a população faz parte e é agente criador principal, mas que pouco espaço e tempo ocupa no ensino formal, a não ser pelas frestas, como tão bem colocou Luiz Antônio Simas citado anteriormente, nesse texto. Perdemos todos, quando desprezamos esses saberes, a oportunidade de fazer conversarem os conhecimentos, e fomentar a horizontalidade das relações, inclusive e principalmente étnicoraciais, que se depreendem dessas tão plurais vivências. É preciso que nos reencontremos com esse mundo que se nos apresenta como estranho, ainda hoje, em espaços e tempos de globalização na modernidade. Acerca dos pensamentos que podem gerar exclusão de saberes, Boaventura de Souza Santos (2010, p.32), nos diz que alguns conhecimentos são produzidos mesmo como inexistência. “Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de exclusão considera como sendo o Outro”. Universos como o do Coco, manifestação nordestina de matriz negra e indígena surgida em Palmares, o complexo de Quilombos na região de Alagoas, são tão ricos, que podem render discussões das mais variadas. Beth de Oxum, musicista e articuladora social, são um excelente exemplo. Beth e sua família fazem um sábado por mês a Sambada de Coco de Umbigada Guadalupe, bairro de Olinda-PE. Família e religiosidade se unem para o evento mensal que agita a região e reafirma um jeito de ser dessa comunidade que tem origem na aldeia de Paratibe Paulista, também em Pernambuco, de onde é originária a família de Quinho, com quem Beth é casada. Seus filhos participam desse movimento desde cedo e hoje possuem um grupo artístico que se apresenta pela região. São tantos os modos como se manifesta o coco, cada um com suas peculiaridades, cada qual com nuances identitárias, que causa admiração que muita gente nem saiba de sua existência. As Quebradeiras de Coco Babaçu, seu trabalho sustentável e sua luta política, são também motivo de orgulho. “Entre a Caatinga e o Cerrado, nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará, vivem as mulheres quebradeiras de coco babaçu. Elas somam mais de 300 mil mulheres trabalhadoras rurais que vivem em função do extrativismo do babaçu, uma das mais importantes palmeiras brasileiras.” (www.cerratinga.com.br, 1999).

Organizadas

politicamente, conquistaram o direito de exploração do babaçu, mesmo em terras cercadas,

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numa luta batizada de Lei do Babaçu Livre. Como a palmeira do babaçu demora 96 anos para crescer e dar frutos – nesta vida, não conseguiriam plantar e colher -, e como sua atividade extrativista é tradição familiar e indispensável ao seu sustento, lutam na Justiça pela liberdade de continuar com seu trabalho, que aproveita desde as folhas da palmeira até as cascas e óleo para fabricar sua arte e produzir seus cosméticos. Enquanto trabalham, cantam. E encantam, autodenominando-se Encantadeiras de Coco, quando cantando, contam suas histórias, criam e recriam laços e lutas, fortalecem identidades. Em outra parte do nordeste, em Pernambuco e em Alagoas, um diferente sotaque de coco traz à tona um universo de cooperação. Denominado Coco de Trupé 5, um tipo de sapateado dançado pelos brincantes calçados de tamancos em Arcoverde-PE e de sapatos em Maceió-AL, é uma variação que surgiu para ajudar a assentar o chão de barro da casa dos vizinhos. Dançando, cantando, tocando, a confraternização da comunidade terminava com o chão da casa do companheiro pronto. A festa do povo, além de coletiva, pode também ser solidária.

CONCLUSÃO

Muitos são os motivos para que voltemos a atenção para o corpo e sua festa em forma de dança, canto, música e batucada. Muito temos que aprender com o povo que celebra, que encontra na brecha a oportunidade da alegria. Importantes processos educativos acontecem nas praças, terreiros, ruas, ladeiras e comunidades. Pesquisar como se dão é prazerosa e enriquecedora tarefa. O corpo tem sido tolhido de sua vocação festiva dentro das escolas, enquanto nas ruas, expressa-se vigorosamente, recriando os ambientes, redimensionando as situações, criando soluções para as adversidades.

Celebrando a vida, ele a renova.

Cantando, dançando,

tocando, batucando, ele guarda memórias, fortalece identidades coletivas, revive feitos e vitórias importantes das populações. Um corpo que pode se manifestar sem arestas é feliz e felicidade contagia, transborda afetos, estabelece caminhos para a tessitura natural de conhecimentos.

5

Trupé - Corruptela de tropel.

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Sorrisos são abundantes quando se dança e canta. Olhos brilham, quando, diante da festa que traz felicidades, são trazidas informações das lutas, da solidariedade, das conquistas comunitárias. O indivíduo estabelece uma relação de pertencimento, se reconhece como povo que lutou, conquistou, foi solidário.

A escola pode contribuir para que os processos

educativos naturalizem essas relações culturais, estabelecendo igualdades mesmo quando se reconhecem diferenças. Há semelhanças nas manifestações festivas do corpo, mesmo nos espaços mais distantes. A luta das Quebradeiras de Coco por terra e trabalho no norte e nordeste não é diferente das comunidades jongueiras, muitas delas ainda hoje aguardando a posse de terras onde viveram seus ascendentes em tempos de escravidão. Uma região é de coco, outra de jongo, mas os problemas de território gerados pelas relações étnico-raciais é fator comum. Assim como é também comum o corpo que festeja, apesar de tudo, e protesta, mostrando que celebração e batalha, felicidade e seriedade podem caminhar em perfeita harmonia. Trazer um pouco dessa tessitura de saberes, das formas de organização das populações, do potencial criativo e recreativo do povo brasileiro é estimular o aumento da autoestima. É subverter a ordem de acomodar os corpos nas carteiras e se abrir para as possiblidades que o movimento pode despertar. Muitas das danças são obrigatoriamente coletivas e podem, inclusive, estimular os trabalhos em grupo. O corpo cultural tem vocação interdisciplinar, se quisermos aproveitar a organização atual na escola.

Mas talvez,

precisemos de mais, como chama a atenção, novamente, o grande educador e historiador Luiz Antonio Simas (2013, p. 102): “A escola brasileira é reprodutora de valores discriminatórios e inimiga radical da transgressão necessária.”. Ele chama atenção para “a função transgressora de mundos que”, segundo ele, “o magistério deveria assumir como sua”. (SIMAS, 2013, p. 103). O protagonismo do corpo dentro da escola é certamente um caminho dos mais transgressores que podemos sugerir. Ao levantar das carteiras para celebrar, o corpo subverte a ordem de domesticação a que tem sido submetido quase sempre pelas práticas dentro da escola. A tarefa não é fácil, já que até mesmo as aulas práticas, como as de Educação Física, quase sempre centradas nos desportos, têm frequentemente uma fórmula que visa a acalmar o corpo, quando deveriam estimulá-lo em todo o seu potencial socializador, gerador de saberes, tecelão de redes de afetos, enquanto se movimenta. Conhecer as artimanhas do corpo, o que ele tem feito pelos espaços e tempos, dançando, cantando, tocando tambores, celebrando, lutando, vencendo, despertando felicidades, elevando a autoestima, reconstruindo identidades, estabelecendo laços é um passo

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importante para o enriquecimento dos processos culturais e educativos de produção de conhecimentos na escola. Pensar o corpo em festa na escola, não em situações especiais e datas comemorativas, mas no dia a dia, é trazer leveza para o ambiente escolar e para os processos culturais que se estabelecem naturalmente sob essas condições. É também um desafio necessário, para que culturas relegadas por muitos anos á condição de inferiores, sejam reconhecidas com a dignidade e o respeito que lhe cabem.

REFERÊNCIAS

SABINO, Jorge; LODY, Raul.

Danças de Matriz Africana: antropologia do

movimento. Rio de Janeiro: Pallas, 2011. SANFILIPPO, Lucio Bernard. Interdisciplinando a Cultura na Escola com o Jongo. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2010. SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In SANTOS, Boaventura de Sousa e MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010 SIMAS, Luiz Antonio. Pedrinhas Miudinhas: ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2013. SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 2007 http://www.cerratinga.org.br/populacoes/quebradeiras/. Consultado pela última vez em 9/9/2015.

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