Corredores verdes: expansão urbana sustentável através da articulação entre espaços livres, conservação ambiental e aspectos

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Corredores verdes: expansão urbana sustentável através da articulação entre espaços livres, conservação ambiental e aspectos histórico-culturais Cecilia Polacow Herzog Paisagista PROURB – FAU/UFRJ Rua Nina Rodrigues, 93/301 Rio de Janeiro, RJ 22461-100 [email protected]

Resumo O desenvolvimento causa a fragmentação de ecossistemas naturais, elimina as redes hídricas, transforma a paisagem e anula seus processos e fluxos. Esse artigo defende que corredores verdes podem ser uma alternativa sustentável para estruturar a expansão urbana e rural, pois são baseados em fatores biofísicos e culturais como orientadores de um processo dinâmico. A hipótese da co-ocorrência de recursos naturais e histórico-culturais é ressaltada. Começa por um rápido histórico, a seguir discute diversos conceitos atuais de corredores verdes. Coloca a importância da ecologia da paisagem como instrumento para o planejamento e projeto de redes de corredores verdes. Destaca o papel dos corredores ripários, que no Brasil são protegidos por lei; das florestas urbanas; e das consequências das mudanças dos usos e ocupação do solo. O planejamento e projeto dos corredores verdes e seus múltiplos usos e funções são discutidos, juntamente com o destaque à importância de que esses processos sejam participativos. Palavras-chave: corredor verde; sustentável; expansão urbana e rural

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1. Introdução Corredores que conectam parques foram projetados e implementados a partir do final do século XIX e início do XX, principalmente nos Estados Unidos. No mesmo período, greenbelts – cinturões verdes foram concebidos para emoldurar as cidades, e também conter a sua expansão. Na década de 1960, o homem começou a se preocupar com a proteção das águas e dos recursos naturais, foi o início dos movimentos ecológicos. Nas últimas décadas, os cientistas e conservacionistas têm pesquisado a importância dos corredores ecológicos para a proteção e manejo da biodiversidade (HELLMUND e SMITH, 2006). As ciências sociais passaram a estudar como as áreas verdes afetam a vida das pessoas, da comunidade, e seus efeitos nas relações sociais dos diversos usuários e sobre a economia. As sociedades passaram a considerar a relevância das atividades ao ar livre tanto como fonte de saúde física e mental para a população, como potencial geradora de renda por novas possibilidades econômicas (ibid.). Na última década inúmeros estudos e publicações nos Estados Unidos e Europa, têm abordado e discutido a importância e o papel dos corredores verdes (ou caminhos verdes). Esses corredores, que são planejados, projetados e manejados, têm sido definidos como sendo extensões lineares que podem ser de terra ou de água, e os sistemas que são formados por eles (redes de corredores). Possibilitam usos e funções múltiplas, como: manejo das águas das chuvas, conservação de fragmentos de ecossistemas naturais ou recuperados, uso como vias de transporte alternativo e áreas de lazer, melhora da qualidade de vida dos habitantes, proteção e ligação de importantes áreas culturais e sejam acessíveis a todas as camadas sociais da população pela sua proximidade das áreas habitadas. Devem proteger e sustentar a paisagem, e seus belos cenários, e também podem conectar áreas urbanas e rurais

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(HELLMUND

e

SMITH,

2006;

AHERN,

2005;

FRISCHENBRUDER

e

PELLEGRINO, 2006). No Brasil existe pouca literatura específica sobre corredores verdes. Existe legislação específica para proteção das matas ciliares, de remascentes de ecossistemas ameaçados e de áreas ambientalmente frágeis. Existe também legislação que prevê planos diretores que contemplem a conciliação dos interesses ambientais e sociais. Porém, as ações e projetos realizados têm se constituído em fatos isolados (Frischenbruder e Pellegrino, 2006; Lei no.10.257/2001– Estatuto das Cidades; Lei no.4.771/1965 – Código Florestal). Diversos projetos de corredores verdes têm sido elaborados e implementados em diversos países, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, onde são chamados de redes ecológicas (ecological networks). No Brasil, também existem projetos para implantação de corredores verdes, principalmente no Estado de São Paulo, como destacam Frischenbruder e Pellegrino (2006). 2. Histórico A idéia de promover a ligação entre diferentes áreas das cidades através de parques teve início na segunda metade do século XIX. Frederick Law Olmsted e Calvert Vaux projetaram os primeiros “Parkways” – parques lineares que conectavam bairros em cidades como Nova York, Chicago e Bufalo. Davam ênfase a questões estéticas e sociais, que eram as preocupações mais prementes (AHERN, 2003; HELLMUND e SMITH, 2006). Em Boston, Olmsted e Vaux projetaram um conjunto de parques – conhecido como Emerald Necklace (colar de esmeraldas), com objetivo de conciliar problemas causados pelo crescimento desordenado, como poluição dos rios, inundações frequentes e os consequentes problemas sanitários, com a oferta de áreas de recreação para a população. O projeto possibilitou a solução dos problemas de drenagem e da qualidade da água, com a construção de áreas

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alagáveis nos parques, que, em tempos de seca, são usadas para recreação e transporte, e que conectam diversos bairros. Como afirma Spirn (1995), o potencial dos trabalhos de Olmsted não foi devidamente aproveitado no século seguinte. Em geral, foram copiados de maneira superficial. No final do século XIX, Ebenezer Howard publicou sua conceituação sobre um modelo de cidade ideal, a “Cidade Jardim”, propondo um “greenbelt” – cinturão verde, para conectar áreas urbanas e rurais. Esse modelo tem influenciado diversos projetos urbanos (HELLMUND e SMITH, 2006). Com o aparecimento do automóvel e seu uso mais intenso no início do século XX, os parques lineares, que serviam para lazer e trânsito de carruagens e tinham belos cenários com ares “naturais”, passaram a ser tratados de maneira muito diversa. Ao longo do tempo deram lugar às atuais estradas de grande velocidade. Em 1964, Philip Lewis, Jr. mapeou o estado de Wisconsin, nos EUA, e verificou a co-ocorrência de recursos ecológicos, culturais, históricos e recreativos. Constatou que 90% desses locais se encontravam ao longo de corredores, que chamou de “corredores ambientais”, que foram os precursores dos atuais corredores verdes. Desenvolveu uma rede de corredores que aproveitava a coocorrência dos recursos no Estado de Wisconsin. O projeto foi importante para a educação ambiental ao possibilitar o acesso aos recursos naturais e culturais, ao longo de rios, e de outras áreas lineares. Com isso, deu início ao movimento de preservação ambiental em extensões regionais (AHERN, 2003; HELLMUND e SMITH, 2006). Em 1969, Ian McHarg publicou o livro Design with Nature, que se tornou um marco no planejamento da paisagem. Desenvolveu planos de ocupação a partir de estudos sistemáticos da capacidade de suporte da área. Esse método tem sido utilizado para planejar o desenvolvimento de grandes áreas, com a

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proteção e criação de uma estrutura espacial que visa conciliar a preservação ambiental e a expansão urbana e rural. O levantamento demonstrou que as áreas ao longo dos rios se constituem em corredores importantes a ser protegidos. A técnica de mapear acontecia desde 1912, mas a abordagem ecológica de McHarg foi pioneira (HELLMUND e SMITH, 2006). 3. O que são Corredores Verdes? Segundo Frischenbruder e Pellegrino (2006), são considerados corredores verdes (ou caminhos verdes), espaços abertos lineares que desempenham diversas funções ecológicas, como a conexão entre fragmentos de vegetação, a proteção de corpos hídricos, a conservação da biodiversidade, a possibilidade de manejar as águas das chuvas, além de promover múltiplos usos pela população, como recreação, transporte e promover a coesão social. Também podem proteger belos cenários, como colocam Helmund e Smith (2006, p. 4), com “uma meta geral de sustentar a integridade da paisagem, incluindo ambos componentes naturais (biofísicos) e sociais.” Esses autores destacam que na Europa são conhecidos como ecological networks – redes ecológicas, mesmo quando localizados em áreas urbanas, e seu objetivo seja mais do que a conservação da natureza. (ibid.) O relatório do presidente da Comissão Americana de Atividades Externas (Outdoors) dos EUA, em 1987, lançou as bases para o movimento dos corredores verdes nos EUA, ao propor que as redes de corredores verdes interconectariam as pessoas através das cidades e dos campos, perto de onde elas vivem (AHERN, 2003; HILTY, LIDICKER Jr. e MERENLENDER., 2006). Essa definição destaca o papel da conectividade dos corredores verdes integrados em redes, que são importantes para a conservação ambiental e para a qualidade de vida nas cidades. Mais abrangente é a conceituação feita por Charles Little do que seria um corredor verde:

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1. espaço aberto linear, ao longo ou de um corredor natural, como rios, vales de córregos, linhas de cumeada, ou ao longo de margens de estradas de ferro convertidas ao uso recreativo, de canais, de estradas cênicas, ou outra via. 2. qualquer curso natural ou paisagístico para pedestres ou ciclovias. 3. uma conexão aberta entre parques, reservas naturais, elementos culturais, ou locais históricos entre si ou com áreas habitadas.

4. localmente, certas faixas ou parques lineares designados como avenidasparque (parkways) ou cinturões verdes (greenbelts) (apud AHERN, 2003, p.

35). Além de ser uma rede funcional manejada com objetivos múltiplos, reconhece tipos específicos dependendo da sua localização, configuração espacial e objetivo (ibid.). A hipótese da co-ocorrência dos recursos naturais e histórico-culturais dos corredores verdes é lembrada por Ahern (2003). Os fundamentos dessa hipótese são baseados em que os recursos naturais foram os indutores da ocupação das áreas, assim sendo os recursos histórico-culturais se encontram ao longo desses corredores naturais. Apesar dos corredores verdes preverem múltiplos usos e não terem como foco principal a conservação da biodiversidade, possibilitam a mobilidade de determinadas espécies e podem ser locais propícios para o desenvolvimento de habitats de certas populações (HILTY, LIDICKER Jr. e MERENLENDER, 2006). 4. Elementos da paisagem e ecologia da paisagem Segundo Forman (1995), a paisagem se constitue em um mosaico composto por três elementos: fragmentos, corredores e matrizes. Em geral, esses elementos têm seus limites bem definidos, mas podem também fazer uma transição gradual. A paisagem possue um padrão que pode ser determinado pela

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topografia, pelo ecossistema, pelo tipo de solo. Sofre perturbações e alterações que podem ser naturais ou de origem antrópica (FORMAN, 1995). Os arranjos espaciais ou configurações dos fragmentos e corredores na matriz têm grande importância ecológica. A estrutura do mosaico depende do que ocorreu na paisagem com o decorrer do tempo, dos movimentos, fluxos e mudanças, existindo relação entre estrutura e função. “O arranjo de fragmentos e corredores determinam os movimentos dos animais, da água e dos homens através da paisagem” (FORMAN, 1995, p. 5) Os elementos da paisagem podem ser naturais ou produto do homem. O padrão da paisagem pode se constituir de diferentes ecossistemas e/ou tipos de ocupação do solo – urbano ou rural. As formas dos fragmentos variam, bem como dos corredores, que podem ser largos ou estreitos, com diversos graus de conectividade. A matriz também pode apresentar diversas características, podem ser extensas, contínuas ou interrompidas, homogêneas ou não (FORMAN, 1995). Como colocam Hellmund e Smith (2006), fragmentos de vegetação não são ilhas, sofrem influência da matriz. As paisagens se constituem em mosaicos heterogêneos, sendo permeáveis para determinadas espécies e não para outras. Os corredores são condutores que permitem a circulação de espécies, podem ter várias funções e afetar uma infinidade de espécies. Dependendo da largura do corredor e da espécie, pode se constituir em habitat ou em corredor de circulação ou dispersão. Existe vasta literatura de ecologia da paisagem a respeito da importância da conectividade entre os fragmentos para a sobrevivência das espécies e a manutenção da biodiversidade. A conectividade também é importante em áreas em vias de urbanização, ou onde ocorre fragmentação dos ecossistemas, com a redução dos seus habitats. Isso, porém, é contraditório: existem correntes que alegam que não existe evidência suficiente para afirmar que a conexão de fragmentos protege a biodiversidade, podendo até propagar efeitos degradantes

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para áreas ainda bem conservadas. Na dúvida, devem ser protegidos os ambientes que sofram ameaças de perder suas características biológicas insubstituíveis ou que sofram danos irreparáveis. Segundo Ahern (2003), na falta de comprovação científica, é melhor prevenir do que arcar com custos futuros – IUCN 2007, Precautionary Principle. Para Zonnefeld a ecologia da paisagem é a maneira de entender a paisagem de forma holística (apud HELLMUND e SMITH, 2006). É preciso destacar a importância da escala no estudo da ecologia da paisagem, de sua biodiversidade e de como planejar corredores verdes. O estudo da paisagem deve ser feito numa escala regional, além de considerar o contexto temporal. Ultimamente, o conceito de paisagem tem deixado de ser antropocêntrico, e se caracteriza pelo enfoque no fator que está sendo abordado ou pesquisado. Está mais focado na “história de vida das espécies; no funcionamento de um processo ecológico, como erosão; ou outro objeto de interesse” (ibidem, p. 45). A escala para se projetar corredores verdes para uso do homem deve ser em função dos usos e funções programados e da área de abrangência do corredor. Cientistas que pesquisam vida silvestre terão uma abordagem de acordo com seus objetos de estudo (ibid.). 5. O papel da conectividade e da fragmentação Corredor verde é uma maneira de se obter a conectividade entre fragmentos remanescentes de ecossistemas naturais, mas não a única. Conectividade é a possibilidade de espécies e populações circularem entre os diversos fragmentos que compõem o mosaico da paisagem. Esse movimento pode ocorrer durante períodos de tempo variáveis, dependendo da espécie. A conectividade pode ser feita por áreas agrícolas e urbanas, e também varia para as diversas espécies (HILTY, LIDICKER Jr. e MERENLENDER, 2006).

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Segundo Ahern (2003), a conectividade entre os fragmentos remanescentes de ecossitemas possibilita que funções naturais ocorram, sendo importante para a sobrevivência do homem, portanto, são fundamentais para a sustentabilidade. A conectividade depende do processo ou função a que é destinado a dar suporte, as necessidades são diversas. A conectividade hidrológica depende de fatores como a gravidade, a topografia, a vegetação, a geologia e as interferências humanas. Aves podem voar, portanto se tiverem fragmentos desconectados – ilhas de vegetação, podem transitar por eles. A fauna depende de diversos outros fatores, os animais podem ter necessidades muito diferentes e específicas. (AHERN, 2003; FORMAN, 1995; HILTY, LIDICKER Jr. e MERENLENDER, 2006; HELLMUND e SMITH, 2006). A fragmentação dos ecossistemas ocorre tanto por causas naturais – como deslizamentos, incêndios, erupções vulcânicas, como por ações do homem. Em geral, os ecossistemas se recuperam das perturbações naturais, a biota se adapta, por ser mais gradual no tempo. Segundo Hilty, Lidicker Jr. e Merenlender (2006), a fragmentação ocasionada por atividades antrópicas é, normalmente, irreversível. A configuração

ou estrutura da paisagem

fragmentada

determina

as

consequências para o ecossitema. Os fatores que mais influenciam a sobrevivência

de

espécies

incluem:

os

tamanhos

dos

fragmentos

remanescentes e qual o grau de conectividade entre esses fragmentos. Outros fatores são os efeitos de borda (aumento da entrada de luz, do calor, perda de umidade, entrada de exóticas e ervas daninhas) com a consequente diminuição da biodiversidade (ibidem). O importante é a conectividade funcional, que “consiste no fluxo de indivíduos e seus gens entre habitats e populações” (HELLMUND e SMITH, 2006, p. 71). A configuração da paisagem é que vai determinar qual o grau de movimentação das diversas espécies entre os fragmentos. O que pode favorecer uma espécie

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pode ser uma barreira para outra – isso significa que conectividade depende especificamente da estrutura da paisagem e da espécie. A eficácia dos corredores só poderá ser provada ao longo de muitos anos, ou décadas. Mas não é possível esperar pelos resultados, pois as paisagens já estarão irremediavelmente alteradas, em termos de estrutura e função. Como afirma Ahern (2003, p. 43), “o planejamento e manejo adaptativo oferece uma solução conceitual para esse dilema”. Por ser flexível e possibilitar a alteração de acordo com os resultados colhidos pelo monitoramento, e pelos levantamentos

de

dados

adequados,

possibilita

o

aproveitamento

do

conhecimento adquirido em novos projetos de planejamento e manejo. 6. Corredores ripários Os corredores ripários são constituídos pelo canal fluvial e pela área de abrangência dos fluxos hidrológicos, consideradas as cheias máximas, incluindo a mata que protege o rio de assoreamento e contaminação. O corredor ripário reduz o escoamento superficial em suas margens com a retenção das águas das chuvas pela vegetação, aumenta capacidade de infiltração pela presença de serrapilheira e aumenta detenção de resíduos que atingem as águas. (Ibid.) Os corredores ripários têm fudamental importância para a manutenção da biodiversidade. Podem garantir não só os recursos naturais que estão nas margens, mas também as águas e a fauna e flora aquáticas. Isso ocorre inclusive com lagos, brejos e áreas alágaveis (HILTY, LIDICKER Jr. e MERENLENDER, 2006). São também, zonas de amortecimento de impactos causados por diversos usos do solo ao longo das bacias de drenagem. Segundo Coelho Netto (2005, p. 97), “a bacia de drenagem é uma área da superfície terrestre que drena água, sedimentos e materiais dissolvidos para uma saída comum, num determinado ponto de um canal fluvial.”

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O fluxo de nutrientes que são produzidos pelos processos ao longo da bacia mantém os habitats da fauna e da flora aquática e terrestre. Esse processo se dá até as baixadas alagáveis, o que possibilita a manutenção da biota. Quando esses fluxos e processos são interrompidos por ações do homem, como diques, represas ou desmatamentos, há uma desconexão. Isso pode ter consequências não desejadas e imprevistas (AHERN, 2003). Segundo Forman (1995), os corredores ripários são fundamentais para a sustentabilidade das paisagens e não podem ser substituídos por nenhuma outra alternativa. Porém, não basta promover a proteção e o manejo das matas, é preciso considerar o contexto da paisagem onde os corredores ripários se encontram. Hilty, Lidicker Jr. e Merenlender (2006, p. 99) alertam para o fato de que “rios e córregos podem dirigir animais silvestres para áreas onde se encontram as atividades humanas, e não ao seu habitat. Quando isso ocorre, os corredores se tornam becos-sem-saída”. 7. Desenvolvimento e os corpos hídricos O desenvolvimento que acontece de forma desordenada, sem planejamento, causa alterações significativas nos ambientes naturais. Ocorrem desmatamentos nas margens de corpos hídricos em áreas agrícolas para plantio ou pastoreio, em áreas urbanas para implantação de áreas residenciais, comerciais ou industrias, e também para construção de vias. Os impactos podem ser severos, na medida em que resíduos gerados pelas atividades acabam sendo direcionados para as águas (HELLMUND e SMITH, 2006). Os resíduos podem ser de diversas fontes: esgoto doméstico – origem orgânica, resíduos de metal pesado e/ou tóxicos derivados de processos gerados pela agricultura e indústria (ibid.). Devem-se ressaltar os impactos gerados pelo transporte rodoviário, que poluem não só o ar mas também as águas devido ao óleo e à gasolina que vazam dos veículos, dos resíduos de borracha dos pneus que aderem ao asfalto, e às particulas poluentes, depositadas nas pistas e sobre

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os veículos e que escoam para os corpos d’água. A contaminação pode ser pontual ou difusa (SPIRN, 1984). Outro fator de impacto é a prática de se utilizar gramados em projetos de parques, jardins e margens de lagos e rios. O plantio extensivo de grama requer manutenção permanente, que utiliza maquinário movido a combustível, e as aparas de grama devem ser dispostas em depósitos de lixo, ou são queimadas, o que leva à poluição atmosférica. Em muitos locais os gramados também são tratados com inseticidas, herbicidas e adubos. Essa prática tem o mesmo efeito da agricultura, pode infiltrar e contaminar os aquíferos e lençois freáticos (ibid.). Com o desenvolvimento urbano, tem ocorrido extensa impermeabilização dos solos, seja por pavimentação ou compactação, e supressão das matas e da serripilheira (camada de matéria orgânica que fica depositada na superfície sob as florestas – que garante a permeabilidade e umidade do solo, fundamental para a manutenção das matas em boas condições ecológicas). Essa matéria orgânica é decomposta por microorganismos, fungos e bactérias que fertilizam o solo e fazem parte da base da cadeia alimentar dos ecossistemas. Juntamente com as folhas da vegetação e os troncos das árvores, têm papel primordial na interceptação e amortecimento do impacto das gotas das chuvas. Também, retêm os resíduos e possiblitam a percolação das águas, que assim irão recarregar as águas sub-superficias. Conforme destaca Coelho Netto (2005), com a eliminação dos corredores ripários e a impermeablização do solo, as águas escoam com maior velocidade e carreiam os resíduos diretamente para os corpos hídricos. Os impactos podem ser sentidos ao longo das bacias hidrográficas, lembrando que o que ocorre a montante tem consequências a jusante. Assoreamento e poluição são as consequências mais visíveis. Ocorre também alteração e até mesmo extinção dos ecossistemas aquáticos, que afetam a fauna e flora dos ecossitemas relacionados. (HELLMIND e SMITH, 2006)

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Segundo esses autores, inundações e deslizamentos de terra podem ser causados pelos desmatamentos das florestas tanto das margens de rios e córregos, como de encostas e topos de morros. As consequências podem ser nefastas e imprevisíveis, tanto em perdas humanas como em prejuízos materiais. A zona ripária bem conservada poderá proporcionar conectividade, além de manter as funções de estabilização dos fluxos da águas superficiais e subsuperficiais (recarga de aquíferos), habitats de vida silvestre e corredores de trânsito de fauna e flora, amortecimento de nutrientes e sedimentos, recreação humana e manutenção de paisagens culturais. A largura do corredor ripário é variável e depende da ordem do canal fluvial (localização na bacia), da interferência humana nos fluxos de água e dos regimes de perturbação (FORMAN, 1995). 8. Floresta em áreas urbanas Segundo Spirn (1984), muitas cidades européias possuem florestas urbanas em seus espaços abertos. São manejadas para conter encostas, prevenir erosão e manter a qualidade das águas. Conforme destaca Hough (1984), as árvores urbanas sofrem com as condições em que precisam sobreviver: ar poluído, pouco espaço para suas raízes em superfícies impermeáveis ou pouco permeáveis, temperaturas mais altas do que em seu habitat, compactação e contaminação do solo, redução da infiltração das águas por diversos fatores, lençol freático mais baixo, ventos fortes ou ausência de ventilação e ainda perturbações por obras, fiação e outros. Os benefícios das árvores na cidade são muitos. Além dos já citados, também melhoram a qualidade do ar, ao reter os particulados de poluentes, amenizam as ilhas de calor, proporcionam um maior conforto ambiental com o sombreamento, o que melhora do clima urbano. Florestas também têm um papel importante no ciclo hidrológico, além de facilitar a infiltração das águas das chuvas, também intercepta 30% das águas no dossel de suas árvores, que voltam para a

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atmosfera

por

evapotranspiração.

A

floresta

urbana

está

diretamente

relacionada com os processos físicos e biológicos que possibilitam a manutenção da vida (ibid.). 9. Mudanças no uso e ocupação do solo e o processo de gentrificação Áreas naturais e rurais têm sido urbanizadas devido ao crescimento das cidades. Essa tem sido uma tendência mundial. O espraiamento da urbanização causa diversos impactos: as cidades podem se tornar mais densas, com mais ruas e estradas cortando a paisagem; maior poluição do ar, das águas e do solo; maiores distâncias a ser percorridas, dependência de automóveis; maior consumo de energia; aumento de doenças na população devido à vida mais sedentária; menor convivência social; maior parcelamento do solo, com menos áreas naturais e menor acesso a espaços livres (HELLMUND e SMITH, 2006). Áreas beneficiadas por corredores ecológicos, em geral são valorizadas, o que pode levar ao processo de gentrificação – exclusão de pessoas de baixo poder aquisitivo. Existem estudos que demonstram que as áreas ocupadas por população de maior poder aquisitivo, à primeira vista, causam menor impacto ao meio ambiente. Porém, seus jardins precisam ser podados, regados e adubados, práticas que causam degradação ambiental (ibid.). A busca pelo sossego do campo ou próximo à natureza, pode acabar destruindo o objeto que levou ao desenvolvimento do local. Existem inúmeros exemplos de urbanizações não planejadas que acabam por degradar o meio natural, ao suprimirem os ecossistemas originais, ocasionam danos quase irreversíveis no sistema hídrico. As qualidades que foram o motivo da atração são destruídas pela ocupação predatória (ibid.; McHARG, 1969). 10. Planejar e projetar corredores verdes – múltiplos usos e funções Corredores verdes podem possibilitar múltiplos usos e funções simultâneos em espaço reduzido. Podem ser planejados, projetados e manejados de modo a tirar partido de suas condições biofísicas para atividades do homem, e gerar 14

benefícios econômicos. Também podem oferecer uma oportunidade de estabelecer e manter uma relação cotidiana do homem com a natureza, o que possibilita educar ambientalmente um maior número de pessoas. As zonas de influência das águas dos rios em períodos de cheia podem ser utilizadas como áreas de recreação, lazer e transporte em tempos de seca, diminuindo o risco de inundações e dos prejuízos decorrentes, tanto em perdas materiais como humanas (HELLMUND e SMITH, 2006; AHERN, 2003). Para o planejamento de corredores verdes, deve-se propor a manutenção de espécies mais resistentes, com ciclovias e trilhas que façam a conexão entre diversos bairros, o que pode se constituir em meio de transporte alternativo. Ecossistemas frágeis devem ser manejados, de modo que o trânsito seja controlado para evitar impactos – devem ter o acesso restrito, com relação aos horários e locais abertos à visitação, em função da sua capacidade de suporte. Ecossistemas mais sensíveis devem ficar fora do projeto de corredores verdes (ibid.). A utilização da rede fluvial para o desenvolvimento de corredores verdes é ideal, pois mantém não só as funções, os fluxos e os processos naturais, como cria condições de conexões para os homens. Além de se constituírem em vias de transporte alternativo não poluente, também contribuem para manter a saúde física e mental dos usuários, e propiciam contato cotidiano com a natureza, o que promove a educação ambiental (AHERN, 2003). Corredores verdes podem tornar áreas densamente habitadas, em locais agradáveis e procurados. Isso diminui a pressão por novas áreas extensas para urbanização. Também promove a convivência cotidiana dos cidadãos com o ambiente natural, e proporciona novas formas de relacionamento homemnatureza (HELLMUND e SMITH, 2006). Para um planejamento sustentável é preciso identificar os elementos estratégicos da paisagem, de ordem ecológica e social. É importante avaliar as condições da paisagem, o que inclui a integridade ecológica – a saúde da fauna

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e da flora, e também as funções sociais – relativas a questões econômicas, recreativas e aos recursos estéticos. Os benefícios e locais devem ser acessíveis a todos, e proporcionar melhoria na interação social. Como afirmam Hellmund e Smith (2006, p. 6), “um local com uma forte integridade da paisagem tem uma boa representação de recursos ecológicos e culturais e é um local com forte significado.” Deve-se considerar os seguintes pontos ao projetar (ibid., p. 23): •

tirar partido da topografia



melhor adequação do projeto à cidade



desenvolver uma ligação com a comunidade



valorizar as melhores vistas e panoramas, naturais e construídos



proporcionar limites para a expansão urbana



desenvolver a identidade do local, com sua valorização e reconhecimento



proporcionar oportunidades de regeneração e sustentabilidade

Sustentabilidade pode ser um termo vago, e relativo. Pode ser utilizado de forma leviana, sem fundamentos técnicos e de longo prazo. Apesar de sustentabilidade da paisagem poder não existir em sentido absoluto, pode ter um valor considerável enquanto um processo de aprendizado direcionado para a obtenção e manutenção da integridade da paisagem. Trabalhar para se obter a sustentabilidade é uma meta válida e vital. (ibid., tradução nossa)

O planejamento adaptativo é flexível, utiliza conhecimentos científicos para sua estruturação, e requer monitoramento adequado e efetivo. Esse monitoramento fornecerá informações que poderão ser utilizadas para a adaptação do projeto às novas situações – retroalimentação. O conhecimento adquirido poderá ser usado em outros projetos (AHERN, 2003). 16

11. A importância do processo participativo A participação da comunidade e dos interessados na área é de fundamental importância para o planejamento, projeto e manutenção dos corredores ecológicos. Essa participação deve ter representantes de todos os grupos interessados. Deve ser efetiva e abrangente, desde o início do processo. Planejar corredores verdes pode envolver grupos muito diversos. É uma oportunidade de fazer uma educação ambiental eficaz (HELLMUND e SMITH, 2006). As instituições responsáveis pelo planejamento e manejo das cidades, deveriam ter uma visão holística – o que engloba questões sociais e ecológicas mais abrangentes e intrinsecamente relacionadas. A partir dessa visão, fazer análises mais estratégicas e abrangentes no tempo e no espaço, para que efetivamente as soluções contribuam para as metas de sustentabilidade, e não apenas resolver problemas emergenciais. Planejamento e projeto deve ser um processo político, deve passar pela negociação com as partes interessadas, para que seja socialmente justo, e responda aos anseios e necessidades da comunidade. Se tiver apoio maciço, será mais fácil a sua implantação e manutenção (ibid). 12. Considerações Finais Corredores verdes oferecem possibilidades de conciliar múltiplos usos para o homem com o convívio cotidiano com áreas naturais, ou recuperadas. Por serem espaços abertos lineares, podem ser projetados ao longo de rios e córregos, lagos, brejos e áreas alágaveis, em linhas de cumeada e encostas – áreas que devem ser protegidas pela sua fragilidade e importância ecológica. Podem resguardar ecossistemas e conciliar usos humanos com a manutenção da biodiversidade. No Brasil essa conservação está prevista em lei (Código Florestal lei no. 4.771/1965, art. 2º).

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Podem ser um atrativo para manter as pessoas em áreas densamente habitadas, por se constituírem em pólos de atração, recreação, lazer e transporte alternativo. Esse contato com a natureza favorece a educação ambiental. Fornece ferramentas de projeto para que o público tenha contato com os processos naturais das águas, da fauna e da flora, além dos processos físicos. Com a efetiva participação não só da comunidade, mas de todos os envolvidos no processo os resultados podem ser obtidos a longo prazo. O projeto adaptativo fornece instrumentos para monitoramento e correções ao longo do tempo. As experiências recentes feitas em diversos países são animadoras e apontam para que os corredores verdes sejam instrumentos efetivos do planejamento ecológico da paisagem, que possibilita a sustentabilidade em diversas escalas. Os corredores verdes, contudo, não se constituem em panacéia para todos os problemas. Apresentam limitações e problemas que devem ser solucionados, sempre que possível. Mas, têm se mostrado como uma alternativa que pode ser aplicada em diversas situações, para prevenir ou mitigar impactos causados pelas ações do homem. Bibliografia AHERN, J. Greenways in the USA: theory, trends and prospects. In: Ecological Networks and Greenways: Concept, design, implementation. JONGMAN, R. & PUNGETTI, G. (eds). Cambridge University Press, Cambridge, 2003. FORMAN, R. T.T. Land Mosaics. Cambrigde University Press, Cambridge, Reino Unido, 1995. FRISCHENBRUDER, M.T.M & PELLEGRINO, P. Using greenways to reclaim nature in Brazilian cities. In: Landscape and Urban Planning. Vol. 76, Nos. 1-4, , Pags. 67-78. Elsevier, 2006. HELLMUND, P.C., & SMITH, D.S. Designing Greenways – Sustainable landscapes for nature and people. Island Press, Washington, 2006. HILTY, J, LIDICKER Jr., W. & MERENLENDER, A. Corridor Ecology. Island Press, Washington, 2006.

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McHARG, I. L. Design with Nature. The Natural History Press, Nova Iorque, 1969. SPIRN, A.W. Constructing Nature: The Legacy of Frederick Law Olmsted. In: CRONON, William. Uncommon Ground. W.W. Norton & co. Nova Iorque, 1995. SPIRN, A.W. The Granite Garden – urban nature and human design. Basic Books, Inc., Publishers. Nova Iorque,1984. IUCN – Precautionary Principle. Disponível em: http://www.iucn.org/themes/law/pdfdocuments/LN250507_PPGuidelines.pdf Acesso em 22.10.2007 BRASIL, Código Florestal – Lei no. 4.771/1965, art. 2º. BRASIL, Estatuto das Cidades – Lei 10.257/2001, art. 2º. e art. 4º. BRASIL, Sistema Nacional das Unidades de Conservação – SNUC – Lei no. 9.985/2000

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