Criminalidade na América Latina: Políticas de Segurança Pública no Chile e no Brasil, da Transição à Democracia (1988 - 2011)

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JASEFF RAZIEL YAURI MIRANDA

CRIMINALIDADE NA AMÉRICA LATINA: POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA NO CHILE E BRASIL, DA TRANSIÇÃO À DEMOCRACIA.

Monografia apresentada ao curso de graduação de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel.

Orientadora: Profª. Dra. Priscila Carlos Brandão

Belo Horizonte 2013

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A gestão das políticas públicas é uma arte, um ofício, um jogo de poder.

El manejo de las políticas públicas es un arte, un oficio, un juego de poder. Eugenio Lahera. Santiago, 2002.

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RESUMO

Tendo como panorama de fundo a criminalidade e violência exacerbadas em boa parte da América Latina após a Guerra Fria, o presente trabalho se dedica a analisar a trajetória de mais de vinte anos de políticas em segurança pública, especificamente, de 1988 a 2011, no Chile e no Brasil. Emergindo de períodos autoritários e à medida que ambos os países adentraram em regimes democráticos, as ações cogitadas nas esferas governamentais face ao crime tentaram esvaecer-se do paradigma de segurança nacional rumo a um paradigma de segurança pública e, em última instância, de segurança mais cidadã. Os percalços e (des)continuidades nesse percurso são estudados; num âmbito geral, a partir da promulgação das Constituições e dos “planos nacionais” de segurança pública, associados às concepções teóricas sobre o design das políticas públicas, que aos poucos passaram a ressaltar uma visão integral e eficiente, desde a prevenção do crime ao sistema penal, indo além do enfoque no policiamento. Logo, num âmbito focalizado, a análise recai nas reformas do Processo Penal, confrontadas aos modelos teóricos inquisitório e acusatório, e que por sua vez conjugaram tipos específicos de configuração entre o Ministério Público e as polícias em matéria de investigação criminal, não só em termos normativos, mas também de práxis. O olhar histórico na relação entre Estado, incluindo as forças de ordem pública, e a concepção política do Processo Penal é fundamental, pois se entende que em cada país o Direito penal aplicado também permite vislumbrar tanto o “grau” de observância das garantias constitucionais na aplicação da Justiça num regime democrático, quanto de eficiência e articulação entre órgãos que lidam com a criminalidade dentro do âmbito penal, componente essencial em qualquer sistema de segurança pública.

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ABSTRACT Considering the exacerbated crime and violence in many cities in Latin America after the Cold War, this work aims to analyze policies about citizen security in Chile and Brazil from 1988 to 2011. After dictatorial governments and in order to consolidate the new democracies, policies in this area tried to leave behind the national security paradigm towards a paradigm of citizen security. Therefore, from a general point of view, we consider the obstacles, continuities and changes in the citizen security policies after the promulgation of the Constitutions and “Executive projects” on the subject, associated with theoretical conceptions that gradually realized the design of public policies beyond the focus on policing and expanded their precepts, for instance, from crime prevention to the penal system. Thus, from a specific point of view, we analyze, on the one hand, the reforms in the Criminal Procedure Code of each country, confronted to the theoretical inquisitorial and accusatory models, and, on the other hand, the relationship between the public prosecutor’s office and police about criminal investigations. The historical review of these kinds of relations allows us to understand not only the level and guarantees of citizenship and constitutional principles during the application of Justice in a democratic country, but also the efficiency and coordination between agencies that deal with crime within the penal system: a critical part in citizen security policies.

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Sumário INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 7 Capítulo 1: CRIMINALIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS NA AMÉRICA LATINA ........ 14 1.1.

Aspectos teóricos das Políticas Públicas ................................................................... 14

1.2.

Expansão da criminalidade e decisões governamentais ............................................ 21

1.3.

Os dados nacionais da (in)segurança e problemas de comparação............................ 28

Capítulo 2: A EXPERIÊNCIA CHILENA ............................................................................... 32 2.1.

Das reformas constitucionais ao Ministério do Interior e Segurança Pública ........... 32

2.2.

Em direção ao Novo Código de Processo Penal ........................................................ 41

2.3.

Relações entre Ministério Público e polícias ............................................................. 47

Capítulo 3: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA ......................................................................... 53 3.1.

Constituinte e Planos Nacionais de Segurança Pública ............................................. 53

3.2.

Reformas no Código de Processo Penal .................................................................... 64

3.3.

O Ministério Público e a investigação policial .......................................................... 70

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 75 REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS ........................................................................................ 79

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INTRODUÇÃO A complexificação do crime na América Latina, identificada, sobretudo, a partir do processo do fim da Guerra Fria, é um dos fenômenos que mais despertaram o interesse de cientistas políticos, sociólogos e jornalistas nas últimas décadas. Sua magnitude, refletida nos dados de vitimização ou violência 1 , tem servido de insumo para trabalhos acadêmicos e, muitas vezes, para a elaboração do estigma psicológico que a abordagem das mídias escritas e digitais perpetra sobre ele. Na literatura produzida pela História política pós Guerra Fria, no entanto, esse tema ainda tem sido incipiente, provavelmente por ainda ser considerado um fenômeno do tempo presente2, ou pelo peso que os períodos de violência política de regimes ditatoriais ainda exercem na produção na área. 3 No entanto, é fato que a criminalidade já desempenha um papel notável na história recente dos países do continente, sendo tão grave quanto a violação de direitos e o terrorismo de Estado4 cometidos em alguns países da região durante os anos 1960, 1970 ou 1980; situação que é agravada, inclusive, pelo modo com que estas mesmas sociedades lidam e reagem à criminalidade. Durante a década de 1990 os homicídios, por exemplo, representaram quase 30 % das taxas mundiais, sendo que os latino-americanos constituíam apenas 9% da população do planeta5. Ao mesmo tempo, isto não deixou de ser violência política, uma vez que a ênfase em modelos repressivos e mal articulados, diante de demandas por maior segurança, comprometeu a consolidação democrática em muitos países. A democracia, como um fim “universal” a ser atingido, advém de movimentos políticos pró-democracia gerados no seio da sociedade civil de cada um dos países do continente e da dinâmica das relações internacionais 1

Nos anos 1990, dos 20 países do planeta com mais mortes violentas, 10 pertenciam à América Latina. (World Report on Homicides. UNODC, 2011.) Por outro lado, cinco dos dez países com maior desigualdade social também se situavam na região. (PNUD, Informe Regional sobre Desarrollo Humano para América Latina y el Caribe, 2010. Gráfico 2.1, p. 26; CEPAL. Panorama Social de América Latina, 2011, Gráfico 1, p. 12) 2 Um viés “pessimista” encontra-se no filósofo Raymond Aron, o qual não está longe de pensar que a história do tempo presente é impossível por não poder mensurar os efeitos dos acontecimentos, pois é em princípio “cortada de todo futuro que permanece indeterminado”. Para ele, o historiador não saberia, devido à falta de conhecimento do futuro, o que se revelará importante e o que só será acessório. (DOSSE, François. História do tempo presente e Historiografia. In: Revista Tempo e Argumento. Vol. 4. Florianópolis, 2012, p.14.) 3 A título de exemplificação, a produção bibliográfica de algumas ditaduras no continente é revisada em: RAMÍREZ, Hernán. Política e História do tempo presente na historiografia das ditaduras do Cone Sul na América Latina. In: Revista Tempo e Argumento. Vol. 4. Florianópois, 2012. 4 Antonio Padrós, com base no caso uruguaio, infere que o “terrorismo de Estado” instaurou como sinônimo, práticas de "violência preventiva" e de "violência repressiva", contrariando uma concepção anterior de defesa nacional que justificava o uso da violência (nos âmbitos interno e externo) contra qualquer agressão concreta, mas dentro da tradição constitucional e democrática. Dessa forma, a ação preventiva contra qualquer ameaça potencial criminalizou sem base judicial cidadãos suspeitos, constrangidos e reprimidos, como se fossem reconhecidamente culpáveis. (PADROS, Enrique Serra. A ditadura civil-militar uruguaia: doutrina e segurança nacional. Varia hist., Belo Horizonte,v.28,n.48,. Acessado em 10 Dez. 2013. 5 World Report on Homicides. UNODC, 2011.

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a partir dessa década. As reviravoltas internas e a vitória do Oeste sobre o Leste levou à queda ou ao desprestígio de formas de governo distintas da democracia. É perigoso reduzir as características e o entendimento que se tem sobre democracia, mas há de se mencionar que regimes totalitários, autoritários e despóticos passaram aos rodapés conceituais no devir histórico pós Cortina de Ferro, abrindo passo ao panorama geral de instauração de regimes com base no voto popular, mas que para se consolidar precisavam ir além de eleições periódicas, de modo a institucionalizar suas funções públicas e relações sociais sem perder de vista a pluralidade e as reivindicações dos seus cidadãos6, inclusive em termos de segurança coletiva. E se as transições à democracia ou busca do fortalecimento dos Estados democráticos, associados à expansão do fenômeno da criminalidade, foram marcos comuns aos países latino-americanos a partir do final do século XX, no entanto, verificaram-se peculiaridades nas respostas dadas pelas administrações nacionais, a exemplo da chilena e colombiana, que produziram resultados chamativos na abordagem do fenômeno. Por outro lado, em trajetórias como a mexicana e a brasileira persistiram inconsistências a despeito de esforços governamentais para frear a criminalidade7. Sabemos que o universo de especificidades e experiências na região é imenso. Por isso, a modo de delimitação, propusemo-nos a analisar as trajetórias das políticas públicas de segurança específicas do Chile e do Brasil, a partir de momentos relevantes do período de transição política de cada um dos países, até o final da primeira década dos anos 2000. A escolha recai, por um lado, no fato de ambos os países terem efetuado uma transição para a democracia no final da década de 1980 e empreendido ações em busca de eficiência e cidadania8 atreladas a semelhanças na estrutura policial, pois apresentam forças militarizadas que estiveram no cerne da repressão e que depois foram relegadas ao policiamento ostensivo e 6

Estes e outros desafios da consolidação democrática e o estudo de caso de treze novas democracias ao redor do globo podem ser vistos em: LINZ, Juan; STEPAN, Alfred. Problems of Democratic Transition and Consolidation: Southern Europe, South America and Post-communist Europe. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1996. 7 Ao longo dos anos 2000, o Chile diminuiu e deteve menores índices de violência criminosa em relação aos seus vizinhos e mesmo a nível regional. A Colômbia, embora continue um país violento, teve redução considerável nos índices de homicídios. Por outro lado, no mesmo período, países como México e Brasil mantiveram elevados índices de mortalidade violenta, chegando ao ponto de requisitar suas forças armadas para auxiliar as polícias. (Global StudyonHomicide, UNODC, 2011, Fig.3,15, p.54; Segurança Pública no México: dados e pesquisas sobre o crime organizado (2006-2012).http://www.observatoriodeseguranca.org/desafiomexico 8 Na consolidação democrática dos países em questão, e em nível internacional, as administrações públicas sofreram reformas no último quartel do século XX, sendo que algumas diziam respeito a assegurar com rapidez, eficiência, transparência e economicidade, bens e serviços às pessoas ou á comunidade; tendendo a transformar a legalidade mais em uma obrigação de respeito a esses princípios do que de respeito a ela mesma. (IANOTTA, Lucio. Principio de Legalitá e Amministrazione di Risultato. In: Amministrazione e Legalità, FontiNormativi e Ordinamenti, Giuffre Editore, Milão, 2000.)

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à investigação criminal. Por outro lado, a escolha é instigada pela curiosidade em volta da constituição de cenários nacionais muito distintos, considerando que o Chile representou, no final da década de 2000, um dos países mais seguros da região, e o Brasil, um dos mais violentos (UNODC, 2011: 75; Global Peace Index, 2011:13). Embora semelhantes nos antecedentes e nas estruturas institucionais, cabe indagar, logo, a trajetória e a diferenciação no agir público no Chile e Brasil, configurando cenários diferenciados em nosso século XXI que ainda se inicia, mas que já possibilita análises retrospectivas. Esta tarefa é levada a cabo não porque se cogite haver uma relação de (mono)causalidade estrita entre quanto mais ou melhores as políticas públicas de segurança, menor a incidência do crime; mas como um estudo cientificamente conduzido, de viés histórico, que visa mapear as continuidades ou descontinuidades governamentais no tema da segurança pública. Tais cenários diferenciados podem ser entrelaçados, por sua vez, ao modo com que se trabalharam as novas concepções da gestão pública internacional em ambos os países. Ou seja, à compreensão e às tentativas de implementação dos princípios de cidadania e eficiência, por exemplo, na elaboração de determinados planos de segurança pública ou nas reformas da persecução criminal. Esta última, uma área espinhosa e carregada de uma herança forte, no que se refere à manutenção do formato de ação das forças de ordem pública, principalmente nos países latino-americanos que experimentaram recentes períodos autoritários, mas na qual o caso chileno destacou-se por re-elaborar o agir dessas forças em matéria penal e por modernizar sua Justiça. Considerando isso, as fontes utilizadas advêm, principalmente, da compilação da legislação constitucional e orgânica referente às instituições de segurança pública, assim como dos planos gestores que foram definidos principalmente na esfera do Executivo nacional de cada país. Artigos de pesquisadores que se debruçam mais continuamente sobre essas políticas -como ciência política, sociologia e direito- enriquecem a análise feita das gestões de ambos os países. Por fim, como fontes primárias e secundárias (quando presentes em publicações de terceiros) também se consideram o auxilio dos dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), do United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), do Centro de Estudios de Justicia de las Américas (CEJA) e pesquisas de opinião do Latinobarómetro. Embora não haja a intenção de se elaborar uma pesquisa quantitativa ou de se abraçar suas metodologias, tais organismos internacionais estão entre os mais antigos e regulares que efetuam um mapeamento sobre delitos e democracia de forma comparada nas Américas. Publicações como as do PNUD também ajudaram a construir o

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arcabouço conceitual do paradigma de segurança cidadã, ao qual têm enveredado, na teoria, as políticas públicas do Chile e do Brasil9. Analisar as políticas públicas se justifica pelo fato de se tratarem de medidas ‘racionais’ que visam estruturar as cadeias de poder, face a determinado fenômeno ou problema. Ao mesmo tempo, três principais paradigmas teóricos podem ser utilizados para se problematizar a história recente das políticas de segurança coletiva em ambos os países à medida que adentraram nos regimes democráticos (FREIRE, M. 2009); a) O paradigma da “segurança nacional”, ancorado na proteção dos interesses nacionais, associados às preferências dos detentores do poder. Nesta perspectiva o papel do Estado consiste em neutralizar ameaças aos interesses nacionais, podendo ser adotados métodos coercitivos desproporcionais às ameaças em evidência, isto é, de uma razoabilidade desmedida e onerosa em relação ao “inimigo público”, com foco na atuação das forças armadas; b) O paradigma da “segurança pública”, que visa à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas. Apesar do reconhecimento dado à prevenção da violência, o foco prevalece em estratégias repressoras, punitivas e no protagonismo das polícias; c) O paradigma da “segurança cidadã”, inspirado em diretrizes internacionais, no qual a promoção da cidadania e prevenção da violência ganham mais espaço com políticas ou ações descentralizadas e inter-setoriais que vão além dos métodos coercitivos, sendo a violência compreendida a partir de um aspecto muito mais multidimensional. Devido à natureza das fontes, o recorte temporal abarca o marco compreendido entre os anos de 1988 e 2011. O motivo específico advém do fato de que no marco inicial ocorreram dois eventos-chave que definiram a transição democrática em cada país e estabeleceram a base legal das instituições ligadas à segurança pública: o plebiscito e as mudanças constitucionais que abriram caminho para a nova democracia no Chile, e a promulgação da nova Constituição Política no Brasil. A data final, coincidente com relatórios dos organismos internacionais supracitados, corresponde também à legislação que cria o Ministério do Interior e Segurança Pública do Chile, medida que visa institucionalizar o paradigma da segurança cidadã no país e integrar mais os órgãos da área. 9

Em vista das limitações dos enfoques policiais e punitivos em sociedades marcadas pela pobreza e desigualdade, não caberiam mais dúvidas de que o controle e combate à criminalidade devam pautar-se por um conjunto de ações integrais que vão desde a prevenção social ao sistema penal. (RIVEROS, Héctor. Rumo a uma política integral de convivência e segurança cidadã na América Latina: marco conceitual de interpretaçãoação. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD, 2007:3). Além disso, o surgimento da concepção de políticas integrais, inclusive em segurança pública, não se deve somente à influência de estudos de organismos internacionais, como das Nações Unidas, mas também à contribuição das ciências sociais no que condiz ao arcabouço teórico sobre o design das políticas públicas; questões tratadas no capítulo 1.

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E uma vez que as políticas públicas em torno da criminalidade também têm a ver, por um lado, com a criação de capacidades institucionais atreladas à força pública e, por outro, com a relação entre a justiça e o cidadão (PNUD, 2007), delimitamo-nos a essas questões, pois elas são passíveis de serem estudadas nos três paradigmas de segurança e permitem jogar um olhar sobre a construção histórica dos planos de segurança pública e nas reformas penais10. Assim, a divisão do trabalho segue a ordem de três capítulos, subdivididos em três seções. O primeiro capítulo, dedicado à América Latina, expõe os conceitos teóricos acerca de políticas públicas e sua relação com a segurança pública. Sem deixar de lado nossos estudos de caso – Brasil e Chile – apresenta-se o histórico geral do continente na tentativa de frear a criminalidade, bem como os desafios metodológicos implícitos para realizar um estudo comparado sobre esse tema. Os segundo e terceiro capítulos são reservados à trajetória chilena e brasileira, respectivamente, e continuam a linha do ‘geral ao específico’. Ou seja, a primeira seção em cada capítulo retrata o patamar nacional. A partir da análise constitucional e legal, debruça-se no histórico dos planos de segurança, que visam guiar políticas institucionais. Na segunda seção, no patamar setorial, o tema do sistema de justiça é visto atrelado ao poder de punir consoante às garantias individuais e constitucionais defendidos pela construção de um processo penal de tendência acusatória. Finalmente, no patamar de atores e relações interinstitucionais, a terceira seção, um complemento da anterior, discorre historicamente sobre a relação entre os Ministérios Públicos e as polícias. A articulação entre esses órgãos é vista como uma questão de eficiência da Justiça e como um equilíbrio tênue nos modos e racionalidade do Estado para garantir direitos do imputado ou para punir. O enfoque setorial na relação entre a Justiça e o cidadão se justifica também pelo fato que desde finais da década de 1980 e início de 1990, em Ibero-América, a grande maioria dos códigos processuais penais ter sido objeto de reformas totais ou parciais, significando uma mudança no paradigma ou orientação do modelo penal. As motivações foram múltiplas e vão desde a busca legítima para aprimorar e tornar mais célere esta tarefa do Estado de Direito; e passam pela inegável influência de países com peso cultural ou econômico, refletido na relativa sintonia das produções acadêmicas do Direito na América Latina e na política de

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O policiamento comunitário e tratamento do delinquente, por exemplo, não podem ser bem elucidados em nosso marco histórico, pois são questões ausentes ou incipientes nos paradigmas da segurança nacional e segurança pública.

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agências internacionais Européias e norte-americanas (ARMENTA D.; 2012:9), para alimentar, em termos funcionais, o ‘ideal’ democrático ao redor do globo. No entanto, longe de simplificar este enfoque a uma influência internacional ou NorteSul, as reformas no setor, como expostas nos Capítulos 2 e 3, estão mais atreladas a produzir mudanças em pontos críticos da segurança pública e a analisar contextos nacionais do que transferir ‘receitas prontas’ para modernizar a Justiça. Tais mudanças vão além da tentativa de internalizar os convênios internacionais sobre direitos humanos e a universalidade de garantias individuais frente à administração da Justiça. Elas vão ao encontro do modelo penal acusatório, que compreende práticas como a transparência do julgamento oral, o princípio das partes opostas ou do contraditório, o direito inviolável de defesa, imparcialidade do Juiz e presunção de inocência, tidos como requisitos mínimos para um processo que se diz "mais justo" (ARMENTA D.; 2012:21). Por outro lado, na sua antítese ou modelo inquisitório, a figura tripartite (um acusador, um acusado e um tribunal 'imparcial') pode ser concentrada em um juiz investigador/acusador ou uma policia investigativa que emite pareceres de acusação. Neste modelo, o objetivo é garantir a apuração dos possíveis delitos mesmo com o sacrifício da primazia da 'imparcialidade'. Embora estes modelos sejam ideais ou não existam na prática como ‘puros’, o tom do processo penal, almejado no Chile e no Brasil a partir da influência internacional nas suas transições políticas, tem enveredado ao modelo acusatório em vista do abuso e discricionariedade exacerbada na penalidade que o modelo inquisitório possibilitou a agentes governamentais em Estados autoritários, como os da América Latina do século passado. Interdisciplinar, o trabalho lida com o “tempo presente” não simplesmente como o tempo de um simples lugar de passagem contínuo entre um antes e um depois. Mas, tal como apontado por Hannah Arendt 11, concebido como uma “lacuna” entre passado e futuro, que permite discernir melhor o que se pode revelar de descontínuo, de ruptura ou de início. Afastando-se da possível pretensão do historiador em tentar manter distância para vislumbrar melhor o seu objeto e para “fechar” os registros sobre o seu estudo, a escrita que repousa neste trabalho está, como assinalado por François Dosse, “numa relação instável, presa entre o que lhe escapa, o que está sempre ausente e o desejo de tornar presente o ter-sido”. (DOSSE, F. 2012:13) Além disso, estudar políticas públicas apresenta um duplo desafio: o de percebê-las como uma partícula no devir de um turbilhão inconstante e impregnado de 11

ARIAS NETO, J. M. Hannah Arendt: política e hist6ria, um pensamento para nosso tempo. Seminário Ciências Sociais e Humanidades, Londrina, v. 13, n.3, 1992, p. 164-173.

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descontinuidades12, e também como uma construção entre um antes e um depois englobado por sua ‘vontade’, na tentativa de dar um rumo desejado a determinado estado de ‘coisas’, por exemplo, da criminalidade exacerbada ao controle e diminuição da mesma. E talvez este seja o ponto crítico das políticas públicas, a vontade de tentar abarcar e submeter a realidade e o devir político sempre mutável e inconstante a ferramentas racionais. Mas nesse meio termo, entre um antes e um depois desejável/conseguido, existem lacunas, ações que ensejam uma história de ação e reação de instituições e pessoas, fruto de uma demanda na história recente dos dois países para aproximar as esferas e a letra fria do Estado ao calor das figuras humanas em prol da segurança dos seus cidadãos. Longe de idealismos, as políticas públicas como análise de trajetórias políticas e sociais já são estudadas numa abordagem histórica por outras áreas13. Aqui, este mesmo tipo de abordagem histórica, na medida em que é confrontada com a opacidade total de um futuro desconhecido é um exercício de “desfatalização” 14 do tempo presente à medida que se torna passado recente, um exercício que encontra o presente ora como o presente “continuado” e inteligível, mas também como descontínuo “deslizando” e indeterminado (DOSSE, F. 2012). Por fim, levado pelo exercício de desfatalização ou desconstrução de uma história ancorada em causas plenas e incólumes, reitera-se que a comparação das trajetórias das políticas dos dois países não tem o fim de estabelecer modelos explicativos ulteriores ou perder-se no estudo de causalidades acerca da criminalidade e do seu tratamento. Mas adotar uma nova abordagem que, ao invés de relegar todos os fenômenos históricos a sistemas de causa, também não significa a adoção de uma escrita reduzida apenas à indeterminação dos fatos, já que “presente” e “passado recente” são muito complexos e efêmeros e o historiador se encontra em situação temporal limitada de observação do seu objeto. Assim, em busca de Como vemos em Rioux: [...] “como traduzir em termos de duração um presente, por definição, efêmero? Presente cuja produção, além disso, é cada vez mais, ao longo do século XX, fenômeno atual, cujos delineamentos são confundidos nesse turbilhão denso e indistinto de mensagens, nesse imenso rumor mundializado de um “atual” triturado, amassado, transformado sem trégua, sob o triplo efeito da midiatização do acontecido, da ideologização do ato e dos efeitos de moda na nossa apreensão de um curso da história? Se nosso presente é uma sucessão de flashes, de delírios partidários e de jogos de espelhos, como sair dele para erigi-lo em objeto de investigação histórica?”. (RIOUX, Jean-Pierre. Pode-se fazer uma história do presente? In: CHAUVEAU, A., TÉTART, P. (orgs.). Questões para a história do presente. Bauru, SP: EDUSC, 1999. p. 41) 13 O ‘institucionalismo histórico’ e o path dependence, em Ciência Pólítica, tendem a ver as decisões políticas e institucionais, em determinado marco histórico, como condicionante de resultados no presente e como fruto de escolhas racionais difíceis de serem revertidas. Vide: FERNANDES, Antonio Araújo. Path Dependence e os Estudos Históricos Comparado. BIB, São Paulo, n. 53, 2002, p. 79-102; RIBEIRO, Fernando. Institucionalismo de Escola Racional e Institucionalismo Histórico: divergências metodológicas no campo da Ciência Política. Pensamento Plural. Pelotas, 2012. 14 Passamos, como analisou Carlo Ginzburg (1989), do paradigma galileano ao paradigma indiciário; do causalismo à desfatalização; ou seja, da ênfase em sucessões de eventos permeados de causalidades ou busca de determinações à busca dos vestígios e dos estilhaços que o devir temporal imprime nos sedimentos do passado. GINZBURG, Carlo. Mythes, emblèmes, traces. Morphologie et histoire. Paris: Flammarion, 1989. 12

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um equilíbrio, o estudo a seguir tende à importância dos traços gerais e às peculiaridades nas (des)continuidades das teias e fios das políticas públicas das últimas duas décadas em dois países, e que foram reconstruídas ao longo deste trabalho. A seguir, veremos como elas se constituíram tendo como pano de fundo o contexto regional ou latino-americano.

Capítulo 1: CRIMINALIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS NA AMÉRICA LATINA Uma sociedade ou um país que não faz uma abordagem da violência a partir de suas distintas formas, que ignora suas especificidades, pode acabar promovendo-a. Basicamente, este pode ser um traço da história de muitos países da região. Como indicava Lucia Dammert (2012), o recurso à violência e ao crime entre cidadãos, bem como a incapacidade política e social do Estado para mediar e resolver conflitos, derivam de uma contingência mal entendida e, conseqüentemente, mal resolvida. No passado recente da América Latina, subseqüente em muitos lugares ao fim de ditaduras ou guerras civis, almejou-se chegar a um estado de maior paz e cidadania, mas que sucumbiu diante das limitações das capacidades públicas, de recursos e cognitivas no que se refere à criminalidade e ao agir governamental 15 . Sem ferramentas que possibilitassem imergir devidamente no tratamento da violência, tornou-se necessário, pelo menos, fortalecer capacidades institucionais para fundamentar as políticas públicas face ao crime (FRUHLING, H. 2008), cujas diretrizes e bases teóricas, ora passamos a analisar.

1.1.

Aspectos teóricos das Políticas Públicas O Estado surgido no período Moderno, ao ter englobado ou extinguido, de maneira

progressiva, os diversos mandos que caracterizavam a fragmentação do poder na Idade Média, constitui-se como o centro que detém o monopólio, quer da soberania jurídico política, quer da violência física legítima (WEBER, 1970; BOBBIO, 1984). Porém, o fato de o Estado concentrar os meios de coerção não significou a pacificação dos costumes e dos possíveis hábitos beligerantes da sociedade, por isso a necessidade de um Direito positivo, fruto da vontade racional dos homens, voltado, por um lado, “para restringir e regular o uso dessa

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Cite-se o caso da Guatemala como exemplo dessa contingência mal resolvida. Lugar onde em 2008 funcionava uma Comissão Internacional contra a Impunidade, criada pelas Nações Unidas, tendo em vista o fracasso de Justiça Penal do país.

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força” e, por outro, “para mediar os contenciosos dos indivíduos entre si” (BOBBIO, 1984:13). A soma entre monopólio da coerção legítima e Direito, relacionou-se, como apontado por Norbert Elias (1990), com o crescente grau de autocontrole dos indivíduos. Ou seja, com a maior observância às normas de convivência, assim como com a capacidade coatora do Estado face àqueles que descumpriam o direito. Seguindo este raciocínio, na contemporaneidade existiu forte relação entre poder, dominação e controle da violência. A violência, segundo uma postura weberiana, não é, como para Hanna Arendt, o oposto de poder (ARENDT, 1973:84), porém, trata-se de um dos seus fundamentos e que inclusive confere ao Estado a capacidade de garantir as liberdades públicas e civis. Por sua vez, governar resultou também de uma interação entre as pessoas, entre as riquezas e as populações, entre o território e a proteção da vida. Governar constituiu-se, então, de um tripé: território, população e segurança (FOUCAULT, 1989). No entanto, esse raciocínio advém da consolidação dos Estados no ocidente, no panorama das nações consideradas “desenvolvidas”, e tem irregular encaixe no histórico do Estado de outras regiões que, por mais inspirado no referencial ocidental, ainda busca consolidar tal tripé junto à exclusividade da coerção. Isto não significa que esta classe de Estado esteja atrás numa tipologia evolucionista, rumo ao monopólio da violência e à proteção dos seus cidadãos, embora isto seja almejado pelas administrações nacionais. O que se quer ressaltar é que países, como a maioria dos situados na América Latina, são impregnados por especificidades históricas que geraram um tipo de Estado que, de certa forma, foi incapaz de assegurar os seus cidadãos e não incluiu sobre a maioria dos homens e mulheres, os princípios de igualdade e ampliação de direitos (O’DONNELL, 2000:346). Até mesmo em países como Estados Unidos e Rússia, atores centrais em boa parte da história do século XX, o monopólio e controle da violência em seus territórios foram pontos delicados16. Ainda que se trate de um fenômeno muli-facetado e sempre tenha existido na história humana, em termos sócio-políticos, a violência atual, em última instancia, ainda é difícil de ser compreendida nas suas motivações e causalidades 17 . Tal incoomprensão foi 16

HERBERT, S. The End of Territorially-sovereign State? The Case of Crime Control in the United States. Political Geography, vol. 18, n.2, pp. 149-172, 1999. 17 “Por desgracia, las consecuencias en el aumento de la criminalidad aparecen en forma nítida y clara, pero no son tan evidentes las múltiples causas que la generan. Vincular directamente la pobreza como génesis de la delincuencia es, en ocasiones, el argumento más difundido, más allá de las razones ciertas que sostendrían esta afirmación. Es evidente que no existe comprobación empírica que correlacione causalmente estos factores, sobre todo porque se observa que algunos países pobres sufren altos índices de criminalidad y otros no. Rusia, por ejemplo, es mucho más rico que Costa Rica, pero muestra proporcionalmente más crímenes, asesinatos y violencia”. (ESPINOZA, 2008:21)

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agravada na contemporaneidade, quando o fenômeno da criminalidade adquiriu tamanha plasticidade, alastrando-se em diversos substratos sociais, tendo levado a ensejar o princípio de “Estado moribundo”, um Estado cujos preceitos e funções se diluíram à medida que outros atores ganharam espaço na globalização mundial, competindo inclusive, na esfera do crime (HERBERT, 1999:150; GARLAND, 1996:445-471). Na acelerada mundialização econômica pós Guerra Fria, com acesso a mais recursos e ao crescimento do comércio, ilícitos e corrupção tiveram inúmeras janelas de oportunidades para se entrelaçar com novos mercados. A criminalidade e violência subseqüentes implicaram num tipo de Estado que ‘corria atrás’, de reação tardia ou inercial. As convenções internacionais, em vista da repercussão de crimes de lavagem de dinheiro, tráfico de narcóticos e corrupção internacional, são exemplo da crescente magnitude de um fenômeno que desconsiderava territórios e legislações nacionais18. No que tange à América Latina, nos âmbitos nacionais, as tarefas de controle desse fenômeno foram reativas e relegadas às tradicionais polícias. Diante disso, por serem órgãos de segurança e por lidar diretamente com o crime, faz-se necessário discernir rapidamente quais as principais visões teóricas e sócio-políticas existentes sobre o papel das polícias. Em primeiro lugar, a visão conservadora, concebe a polícia como formada por combatentes da criminalidade, quando a instituição desempenharia também um papel integrativo na promoção da harmonia social. A segunda é a visão marxista, que a interpreta como uma entidade repressora do Estado, agindo na proteção dos interesses da classe dominante e do status quo. Uma última visão, a mais recente, trabalha com uma abordagem orientada para um programa de ação política que aceita a necessidade do policiamento e examina vários estilos e métodos de modo mais empírico utilizando critérios como eficiência, eficácia e aceitação pelo público19. As duas primeiras visões dissecam o papel da polícia e são antagônicas. A última visão, muito presente neste trabalho, embora não seja excludente em relação às outras, detém um caráter mais propositivo diante da demanda de ações concretas, num contexto multidimensional do crime, e situa-se no cerne das políticas públicas. Até porque, na era da

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A saber, a Convenção Interamericana contra a Corrupção de 1997; a Convenção de Viena de 1988, que criminaliza a lavagem internacional de dinheiro; a Conferência de Palermo em 2000, que aprovou a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado; e a convenção de Mérida de 2003, que criou juridicamente a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. 19 As três visões estão presentes no verbete “polícia”. Dicionário do pensamento social do Século XX / editado por William Outhwaite, Tom Bottomore; editoria da versão brasileira: Renato Lessa, Wanderley Guilherme dos Santos; trad. Eduardo Francisco Alves, Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.

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globalização e das novas democracias, somente um enfoque sobre as polícias resultaria incompleto para compreender a temática da criminalidade face às ações governamentais. Retrocedendo novamente um pouco, em vários países de fala inglesa, desde os anos 1970, já se percebia a necessidade de desenvolver um novo modelo de policiamento, que abarcasse outras dimensões além do uso da arma e da orientação para o incidente. Daniel Cerqueira cita Blumstein, Cohen e Nagin (1978) e Spelman e Brown (1984) como estudiosos que questionaram o modelo tradicional de combate ao crime com estratégias gerais focadas na detenção e incapacitação do delinqüente (vide CERQUEIRA; LOBÃO; CARVALHO, 2007:13). Já no final do século passado, incluindo na América Latina, falou-se em policiamento comunitário ou orientado para a solução do problema, mas para tal, era preciso, um entrecruzamento de práticas e ações inter-setoriais com as comunidades, como em cultura e educação, que somente o profissional fardado não estava acostumado a exercer. Ou seja, além de uma remodelação interna do tradicional labor policial demandava-se uma política de segurança que extrapolasse o policiamento em direção a novos designs de políticas públicas (CERQUEIRA; LOBÃO; CARVALHO, 2007:14-15). Mas, na América Latina, como mencionado, os programas de ação política na vertente do crime, muitas vezes foram acompanhados por uma inércia no modo de operabilidade e os resultados limitados, tanto em torno da remodelação das polícias quanto na conjugação de segurança com fatores extra-policiais, tiveram a ver também com o uso e entendimento que se fez das políticas públicas (LAGOS; DAMMERT, 2012:55). Por isso, torna-se essencial explicitá-las. Por políticas públicas entendem-se, basicamente, as ações racionais do Estado enfocadas na resolução ou modificação de determinada problemática, no caso, políticas públicas de segurança, na redução da criminalidade20. Tal conceito, no entanto, é simplificado e precisa desdobrar-se em outras acepções formuladas por áreas que estudam as políticas públicas há mais tempo. Nas ciências sociais latino-americanas é possível identificar três modelos de análise, de influência anglo-saxônica, decorrente de estudos em torno do Estado e dos seus modos e processos de decisão. Os modelos top-down e bottom up, segundo Celina Souza, em citação de Luís Antônio F. De Souza (2011:5), podem ser assim elucidados: Precisamos adentrar no que se chama de análise bottom-up. Sua importância cresceu a partir dos anos de 1980 com a pesquisa realizada por Michael Lipsky (1980), que 20

Trata-se, pois, a política pública, de uma estratégia de ação, pensada, planejada e avaliada, guiada por uma racionalidade coletiva na qual tanto o Estado como a sociedade desempenham papéis ativos (MENY e TOENIG, 1992). “Eis porque o estudo da política pública é também o estudo do Estado em ação nas suas permanentes relações de reciprocidade e antagonismo com a sociedade, a qual pode constituir o espaço privilegiado das classes sociais” (PEREIRA, 2009:96).

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chamou a atenção para o fato de que os modelos de análise em políticas públicas eram top down, ou excessivamente concentrado sem atores (decisores) que elaboram uma política. Sem desprezar o uso de modelos top-down de análise, as pesquisas passaram a usar, também, análises bottom-up, que partem de três premissas: a) analisar a política pública a partir da ação dos seus implementadores, em oposição à excessiva concentração de estudos acerca de governos, decisores e atores que se encontram na esfera “central”; b) concentrar a análise na natureza do problema que a política pública busca responder; e c) descrever e analisar as redes de implementação. Modelos de análise bottom-uppodem ser passíveis de crítica quanto à sua capacidade explicativa, mas, por não ignorarem a complexidade de uma política, precisam ser mais testados entre nós, [...] ao assumir a complexidade da política pública como algo a ser explicado, em especial à sua implementação [...].

O terceiro modelo de análise, ainda segundo Souza, e que não exclui os modelos anteriores, é o “ciclo vital” das políticas públicas. O “ciclo vital” articula várias fases ou etapas: “definição de agenda, identificação de alternativas, avaliação e seleção das opções, formulação, implementação e avaliação” (SOUZA, 2011:5) que se re-definem constantemente e não são unidirecionais, daí a ideia de ciclo vital. Partiremos dos pressupostos do “ciclo vivo” de políticas públicas, para trabalharmos os paradigmas de segurança pública e cidadã nas novas democracias chilena e brasileira. Tal abordagem explica-se pelo fato desse modelo ser a matriz teórica que abrange as arenas sociais ou grupos de atores que fazem o convencimento do sistema político quanto à importância ou necessidade de determinada ação pública (SOUZA, 2011:6). Assim, neste modelo, as demandas das arenas não se transformam em políticas enquanto não se aproveitam “janelas de oportunidades”. Isto é, momentos de maior permeabilidade da agenda do “ciclo vivo”, nos quais os “problemas-solução” passam de um âmbito particular, ou de determinados grupos de interesse, ao âmbito público21. Por sua vez, a agenda não obteria resultados caso se desconsiderem instituições e destinatários (em nosso caso: os cidadãos), ao conjugar formuladores, implementadores e avaliadores num ciclo integral e que se retro-alimenta, sendo que um órgão, como a polícia, pode cumprir mais de um rol nesse ciclo. Trabalhar com o modelo do “ciclo vivo” para analisar um marco temporal mais distante, ou junto ao paradigma da segurança nacional, pode levar-nos a incorrer ao erro do anacronismo histórico. Isto porque em países como o Brasil -que bem antes da transição democrática adotou o nacional-desenvolvimentismo até meados dos anos 1990-, as ferramentas de ação estatal tinham forte conotação do modelo top-down. Ou seja, giraram em torno de decisões centralizadas, mais rígidas e de uma administração unidirecional, de cima para baixo, cujos processos internos tinham fins em si mesmos (MARINI, 2002:31-33).

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KINGDON, John. Agendas, Alternatives, and Public Policies. Boston: Little, Brown. 1984

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Por sua vez, os modelos bottom-up e do “ciclo vivo” das políticas públicas se conjugaram com princípios da “nova administração” ou “gerencialismo” 22 . Isto é, de ferramentas administrativas que já tinham ganhado espaço nas arenas sociais privadas e empresariais, e que depois ganharam a esfera estatal tendo em vista uma janela de oportunidade: a crise fiscal e as privatizações de setores estatais latino-americanos nos anos 1990. O ‘emperramento’ da máquina pública, na época, tornou-se num problema de primeira ordem nas agendas neoliberais pós Guerra Fria, precisando as administrações estatais serem reformadas conforme recomendação, por exemplo, do “Conselho Diretor do Centro Latinoamericano de Administração para o Desenvolvimento” (CLAD) em 1988 23. Os princípios de eficiência e flexibilidade que deram tom a reformas gerenciais das políticas públicas, como a de 1995 no Brasil guiada por Luis Carlos Bresser Pereira (2001), e os modelos teóricos de bottom-up e do “ciclo vivo”, ganharam proeminência na virada do século uma vez que compartilharam interesse no estabelecimento de metas, na distribuição de competências e parcerias, e por considerarem os implementadores, avaliadores e destinatários/cidadãos das políticas. No entanto, como veremos na próxima seção e ao longo do trabalho, no que tange ao combate à criminalidade e segurança dos cidadãos, teoria e prática apresentaram-se dissociáveis. Adianta-se que, submetida à agenda e à arena decisória dos países, situa-se a administração pública, a qual, segundo Paes de Paula (2005:46), errou ao distinguir políticas públicas e política (polity) utilizando a polaridade típica das esferas privadas “administração x política”. Nesta direção, fatores intervenientes nas políticas públicas mostraram que, entre a formulação e a implementação, ocorreram fissuras, alterações e interpolações que não estavam previstas no momento da definição de agendas. Daí ter se insistido, como será visto no conteúdo dos Planos Nacionais de segurança do Chile e do Brasil, na necessidade de abandonar enfoques unidirecionais como o top-down ou que desconsiderem o encadeamento da política junto às políticas públicas. Vale destacar, que mesmo as ações integrais que lembram os modelos “bottomup” e do “ciclo vivo” foram difíceis de ser reproduzidas e incorporadas no agir governamental dos anos 2000. 22

Os modelos também são fruto de uma literatura internacional que buscava redefinir as políticas públicas em partes integradas: análise na formação inicial (problema, agenda, sectorização, interesses de atores); conteúdos programáticos (interdisciplinaridade na origem e desenvolvimento); execução (implementação por etapas, acompanhamento) e que teoricamente finaliza com a avaliação (resultados, índices, situação-problema). (LINDBLOM, 1991; MENY & THOENIG, 1992; LAHERA, 2002). 23 O Chile constitui-se como exceção, pois se antecipou à natureza das recomendações do CLAD ao ter implementado parâmetros gerenciais na administração pública ainda no regime militar Pinochetista. (ORREGO, Cláudio. Modernización del Estado y la gestión pública en Chile: balance y desafíos. Apresentado no seminário Presente y futuro de los procesos de reforma del Estado. Montevidéo, 1998.)

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Ao mesmo tempo, as ideias que serviram para elaborar políticas contra o crime produzidas na América Latina, avançaram a ritmo lento porque, segundo Lucia Dammert e John Bailey (2005:366), suas configurações pautaram-se por: a) uma tradição intelectual desconectada de ênfase político e empírico; b) uma experiência estrangeira, que buscava transferir experiências e pressupostos de realidades distintas; e, c) pouco debate público, quando os políticos ensaiaram propostas para seus projetos eleitorais. Citando Jaymes Q. Wilson, Bailey evidencia que: El conocimiento de las ciencias sociales no se traduce automáticamente en conocimiento de políticas que sean prácticas. El conocimiento […] puede ser útil en resolver ciertos problemas y en buscar conexiones causales. En cambio, la prescripción política requiere un mayor conocimiento sobre cómo intervenir adecuadamente en el entorno para conseguir los resultados esperados. Es decir intenta dar respuestas con instrumentos específicos de la política (ej. Fuerzas de policía) y medidas (ej. Patrullas motorizadas en ciertos barrios) sobre crímenes específicos (ej. Robo armado). Esto ante situaciones de escasez y recursos, y ante la demanda de la sociedad de obtener resultados,[…] para dar respuestas a los problemas. (DAMMERT & BAILEY, 2005:366-367)

Finalmente, na impossibilidade de estabelecer um panorama da literatura acerca da criminalidade e violência, para melhor manusear seu entendimento, delimitaremos esses temas de acordo ao entendimento que as administrações dele fizeram, dentro das políticas públicas. Abordaremos, assim, uma perspectiva que trata o crime como um problema público. Ou seja, aquele que afeta os espaços de convivência coletiva. As formas de violência de uma conotação mais privada como a familiar, de gênero, corrupção de ‘colarinho branco’, entre outras, embora não menos importantes, cedem predomínio para o crime denotado nas ruas, no tráfico de drogas e homicídios, por exemplo, já que se situam no cerne da história das trajetórias institucionais e relações governamentais que interpretam esses fenômenos como entraves ao desenvolvimento pleno das coletividades nacionais e urbanas. (LAGOS; DAMMERT, 2012:45) Pelo menos essa tem sido a natureza dos preceitos das políticas para tratar a criminalidade e violência nas duas últimas décadas na América Latina, incluindo o Chile e o Brasil, lugar onde o temor e os custos imateriais e materiais da violência tornaram-na em problema estatal. Mas antes de desenvolver a fundo o estudo histórico de ambos os países na prevenção/repressão à criminalidade, incluindo a alçada da persecução penal e investigação policial, cabe traçar o panorama da gestão da segurança pública na América Latina e os problemas da comparação entre países.

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1.2.

Expansão da criminalidade e decisões governamentais Em se tratando de políticas públicas em dois países da América Latina, é preciso

afastar o olhar e verificar as ações que visaram garantir a ordem ou a incolumidade das pessoas, por meio de formulações emanadas por entes governamentais, no âmbito continental. Se a percepção e medo sobre o crime, incluindo sua incidência, cresceram durante os anos 1990 e 2000 (LATINOBARÔMETRO, 2011), ressalta-se que a criminalidade e violência foram recorrentes antes mesmo deste período, embora não tenham sido tratadas como prioridades na agenda dos países latino-americanos. Nas décadas de 70 e 80 do século passado, muitos países da América Latina passaram por períodos autoritários e de supressão de garantias civis. Neles foram instauradas “práticas e formas de controle da cidadania que exacerbaram o uso da coerção política” 24. Neste período, a segurança e a ordem pública estavam dentro dos conteúdos programáticos de ideias presentes nas “Doutrinas de Segurança Nacional” que, de acordo a Nilson Borges (2003), concentraram seus esforços na defesa contra as ameaças internas do sistema políticoinstitucional. Portanto, o cidadão comum “cedeu” o livre exercício de seus direitos e, pela ótica estatal, os crimes mais considerados eram os derivados das dissidências políticas. Segundo a lógica da bipolaridade mundial, a segurança, então, estava mais atrelada a um modelo ou paradigma da “segurança nacional”, conforme citado na introdução. Ao chegar à década de 1990, pós Guerra Fria e com a derrocada ou transição dos regimes fechados para as renascentes democracias, observa-se que a violência política, inclusive o terrorismo de Estado, foi substituída pela delinqüência das ruas e pelos delitos no espaço público. Enrique Oviedo (2002) alerta que a percepção crescente da violência nos anos de 1990, em parte, deve-se em função dos meios de comunicação, os quais redirecionaram seu foco do meio político para as ações criminosas. Para Oviedo, a violência não foi um fenômeno novo, mas, paradoxalmente, um dos logros dos novos governos e da liberdade de expressão foi tornar mais público o problema da insegurança, que por sua vez desacreditou, de certa forma, o sistema democrático diante da opinião pública.25 Inclusive um dos motivos da alta confiança nas forças armadas latino-americanas (LATINOBARÓMETRO: 2008) pode advir na distorção da visibilidade em torno do crime. O 24

MARTÍNEZ, Javier. Violencia social y política en Santiago de Chile. (1947-1987). In: Personas y escenarios en la violencia colectiva. Santiago Ediciones SUR, 1990, p.18. 25 “Es la cristalización de la preocupación pública del fenómeno lo que estamos experimentando, no su primera ocurrencia. Es la democracia la que la visibiliza al punto que le da a cada cual posibilidades de demandar seguridad como un derecho. Esto a su vez tiene impacto en la imagen de las instituciones de la democracia y su gobernabilidad”. (LAGOS, Ricardo; DAMMERT, Lucia. La Seguridad Ciudadana: El problema principal de América Latina. Latinobarómetro. Lima, 2012, p. 58)

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evidente crescimento da criminalidade no fim do século XX pode ter conduzido a uma interpretação desajustada de que durante os períodos autoritários a sociedade era mais segura por causa do agir repressor e uso da força, do que pela contingência da época 26 , o que justificaria o pedido da presença dos militares como “especialistas” no controle da criminalidade. O vertiginoso crescimento da criminalidade, como apontado por Patricio Tudela (1998:93), também seria adjacente a que os governos democráticos não puderam contar na totalidade com os órgãos de segurança, pois, a exemplo da Argentina, estavam desprestigiados após terem atuado como polícias políticas, usando e abusando das suas discricionariedades legais ou ilegais com total impunidade durante o regime autoritário de 1976-1983. Mas o fato é que uma das principais características da problemática criminal foi a sua “urbanização”. Isto quer dizer que ela se apresentou com maior clareza nas grandes e médias cidades da região. Nos anos 1990, as principais áreas metropolitanas experimentaram índices críticos, convertendo a América Latina na segunda região mais violenta do mundo, perdendo somente para as regiões em conflito bélico27. Na década de 2000, a “geografia do crime” mostrou mobilidade para as cidades intermediárias. No Chile e na Colômbia, por exemplo, as taxas de crime de cidades secundárias superaram, durante alguns anos, as de Santiago e Bogotá28. A violência na América Latina diversificou ou aperfeiçoou suas modalidades, como o tráfico internacional de drogas, o seqüestro relâmpago e as gangues de rua, incluindo a emergência de novos atores, como os sicários (matadores) e as pandillas na América Central, penetrando em todos os domínios da vida urbana. Sentindo-se cada vez mais insegura, as sociedades latino-americanas demandaram de forma urgente respostas rápidas e eficazes. Por sua vez, os governos de turno prometeram soluções circunstanciais, “milagres” que exigiriam respostas de longo alcance, e exerceram pressão sobre as forças de segurança para produzir resultados no curto prazo sem querer assumir o custo político e institucional que implicava a implantação de novas reformas para

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Por exemplo, as menores taxas de criminalidade dos anos 1980 no Brasil, a despeito do desemprego e crise inflacionária, ainda são mal entendidas. (BEATO, 1999:4) E se bem as estatísticas dos países comprovam o crescimento da taxa de homicídios à medida que o século XX finaliza (UNODC, 2011,Fig.3,15, p.54) os números dos crimes na região também devem ser enquadrados em contextos que vão desde a formação de megacidades, volume do trafico ilícito de drogas, à construção de dados, percepção e papel das mídias, entre outros. 27 A América Latina e o Caribe, em 1990, alcançaram uma taxa de homicídios regional de 22,9 por 100 mil habitantes, isto é, mais do dobro da média mundial: 10,7 (BÚVINIC & MORRISON, 1999). 28 CARUSO, H.; MUNIZ, J.; BLANCO, A. C. C., Polícia, estado e Sociedade: Práticas e Saberes Latinoamericanos. Editora Publit Soluções Editoriais, Rio de Janeiro: 2007. p. 146.

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reorganizá-las em torno da segurança. Como resultado, novamente este contexto colocou as diversas instituições policiais latino-americanas no centro da atenção pública. O desafio para flexibilizar as gestões de controle e combate ao crime, organizado e não organizado, e a ausência de esforços contundentes por parte dos governos, também se ligou a fatores estruturais decorrentes da citada crise fiscal presente nos anos 1990. No âmbito econômico, os governos centrais afastaram-se da ênfase na proteção do mercado e estímulos à produtividade nacional, para um marco pautado principalmente pelo comércio e os investimentos estrangeiros, desregulando em muitas áreas os mercados internos. (DAMMERT; BAILEY, 2005:15-16). Tal abertura trouxe sacrifícios no curto prazo, forçando cortes em fatias de emprego público e em programas de subsídios, promovendo privatizações em setores como telecomunicações, energia e transporte, entre outros. Houve,

portanto,

um

desafio

de

ordem

de

transição

política,

rumo

à

redemocratização29, e outro de ordem econômica, talvez com exceção do Chile que herdou relativa estabilidade econômica pós regime pinochetista, que se combinaram para agravar a compreensão e as respostas à criminalidade. Se por um lado as medidas de repressão ainda eram marcadas por violações às garantias civis, por outro, os recursos não eram vastos e as ações eram pontuais em escala e resultados. Diante deste quadro, Guillermo O’Donnell (1994) chegou a questionar, na ordem de transição política, se estas jovens democracias evoluiriam de forma natural para democracias mais consolidadas -com sistemas representativos fortes, maiores garantias constitucionais e responsabilidade horizontal-, ou padeceriam uma morte lenta em função da deficiente tomada de decisões, corrupção e violência. Herdando pouca capacidade para desenhar e implementar decisões programáticas, as instituições ligadas ao controle do crime –como polícia, tribunais de justiça, sistema penitenciário– mantiveram-se sob a tutela de métodos e grupos ligados à repressão política30. Houve pouca redefinição nas instituições e nos papéis das corporações de segurança, pois:

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Com a exceção da Colômbia, México e alguns países do Caribe que não passaram por regimes ditatoriais prolongados que acabariam em transições políticas, mas que precisaram redefinir e aprofundar suas velhas democracias (GARRETÓN, 1997). Como casos opostos, citem-se a abrupta transição argentina pós-guerra das Malvinas em 1983; as transições após 21 anos de autoritarismo no Brasil (1964-1985) ou 17 no Chile (19731990) e 18 na Bolívia (1964-1982); e as sangrentas guerras civis que cessaram fogo em Honduras em 1991, El Salvador em 1992 e Guatemala em 1996. 30 John Bayley, op.cit. assinala que historicamente a diferença entre segurança interna e externa não foi apagada; pois as forças militares têm jogado um papel central na manutenção da ordem e segurança interna. Essa situação se consolidou com a estrutura militarizada das polícias que, como no Chile, manteve até recentemente uma dependência administrativa e funcional da área militar. Por sua vez, em El Salvador, José Miguel Cruz indicou que a corrupção e baixa profissionalização das polícias causaram danos à sua legitimidade aos olhos das camadas sociais mais pobres (DAMMERT, 2007:147).

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A tendência das polícias da região consistiu em reproduzir as estratégias tradicionais de combate à criminalidade, que respondem a um modelo do tipo militar, reativo e repressivo, herdeiro das ditaduras militares que governaram a América Latina durante o século passado. Contudo, esse tipo de modelo se torna em si mesmo um obstáculo para a transformação, já que carece da flexibilidade necessária para se modernizar e adaptar aos desafios impostos pela criminalidade moderna. (DAMMERT, 2007:11)

Ainda segundo Lucia Dammert, paradoxalmente, nos países de transição política, o retorno da democracia gerou uma maior dependência governamental em relação às polícias, principal instituição encarregada da ordem pública. No entanto, esse papel principal não foi complementado necessariamente por uma mudança organizacional que levasse a maiores níveis de profissionalização e eficiência nas polícias. Ao contrário, a utilização excessiva da força, a corrupção e a participação em atos criminosos foram perceptíveis em muitos países da região 31 . Teve-se, então, um duplo desvio nos tempos de democracia: o primeiro por negligenciar direitos do individuo enquanto este seria o alvo da função policial, o segundo por negar às coletividades a garantia à segurança pública e um ambiente favorável ao desenvolvimento social (PNUD, 2010). Atenta-se que a visão de desenvolvimento integral do individuo -a exemplo da recomendada pelo PNUD-, como sujeito que deve gozar de garantias inclusive na sua integridade física, nem sempre esteve explicita na agenda sobre segurança pública dos países do continente. Durante boa parte dos anos de 1990, a criminalidade e o seu controle foram alvo de medidas conhecidas como de “mano dura”. Nos países latino-americanos observou-se que a insegurança pública foi abordada desde uma perspectiva da “lei e da ordem”, que colocou no centro da gestão governamental o “paradigma da contensão e da repressão” (ESPINOZA, 2008:19) ou do “paradigma da segurança pública” explicitado ao inicio do trabalho. Diante dos apelos da mídia, e ensaiando ações pontuais nas políticas, o policiamento ancorado na repressão e em maior punição aos criminosos era bem recebido. Na Argentina, Maximo Sozzo (2005) classificou esta vertente como a ascensão do “populismo punitivo”. No Uruguai, desde o restabelecimento da democracia em 1985, as respostas à insegurança

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Lamentavelmente, em muitos casos, a força foi utilizada de forma ilegítima, conduzindo ao aumento de cidadãos mortos pelas polícias, como no Brasil e na Argentina, ou a violação de outros direitos humanos, no caso do Equador e do Peru. Isto se evidenciou especialmente nos processos de prisões, bem como no tratamento da população carcerária (DAMMERT, 2007:143-162).

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coletiva na virada do século pautaram-se por uma política essencialmente punitiva de “tolerância zero”.32 Sem dúvida, a reforma policial é um elemento central do processo, mas não pode, por si só, prevenir e controlar a violência e a criminalidade em um certo país. Assim, por exemplo, uma maior presença policial e repressão do crime têm como conseqüência um maior número de presos, que nem sempre são culpados. Este processo tem efeitos negativos, como o colapso do sistema judiciário e do sistema penitenciário, bem como um processo de “esquecimento” da importância da reabilitação. Em troca, o sistema judiciário colapsado se torna mais vulnerável à ineficiência, à injustiça, à corrupção e ao abuso. E as prisões, superlotadas e com infraestrutura precária, se tornam violentos e perigosos depósitos humanos, conhecidos também como escolas do crime (DAMMERT, 2007:151).

Obviamente, uma ação qualitativa das polícias é essencial, mas repressão com fim nela mesma e centralismo nas polícias, em nosso entender, foi decorrente de uma visão mais focalizada do que integral, caracterizada mais como ferramenta administrativa top-down, do que “uma parte dentro de um todo” nas políticas públicas. Não cabe aqui relatar os resultados das tentativas de reformas policiais, mas destacar que os meios para buscar resultados em segurança pública também acompanharam a pressão que veio de dentro do próprio Estado, já que os agentes políticos e governamentais da região tiveram, pelo menos, expressar ações destinadas a gerar mudanças e publicizar que algo estava sendo feito. As ferramentas gerenciais ou da “nova administração” encontraram-se, por assim dizer, com esses meios. La influencia del campo de la nueva gestión pública (new management) es indudable en este instrumento [...] Naturalmente que las autoridades públicas necesitaban hacer algo al respecto, o a lo más mostrar que estaban haciéndolo: la presentación de la Estrategia fue una moneda de cambio ante un nuevo premio por hacer las cosas. A eso reporta la Estrategia, a una doble presión: una “presión desde arriba”, desde el gobierno central, con nuevas ideas políticas, con clamores de eficiencia en la gestión, teniendo a la vista experiencias internacionales que son reportadas por académicos, o sea, una lógica institucional que debía reorientarse; y, por otra parte, “presiones desde abajo”, es decir, por un lado, desde niveles descentralizados de gobierno que comenzaron a forjar soluciones y, por otro, de personas y organizaciones que se manifestaron dispuestas para combatir el delito y recurrieron al sector público para concretarlo (LAGOS, Roberto; 2012:222)

A criminalidade, então, precisou ser encarada como a derivação de um fenômeno multi-causal 33 , estruturada em parâmetros cuja referência apelou para uma visão multi32

SANSEVIERO, Rafael. Entre las intenciones y las tensiones. In: S. Escobar y J. Ensignia. (ed.): Seguridad Pública en los países del cono sur. Los desafíos institucionales, Fundación Friedrich Ebert, Santiago de Chile, 2007. 33 Outro elemento a ser considerado é a emergência da “sensação de insegurança ou temor” como problema público. Embora esta situação seja identificada a partir de inícios dos anos 1990, algumas pesquisas mostram que este temor diante da criminalidade esconde, muitas vezes, outros temores característicos da vida atual, como precariedade no emprego, carência de plano de saúde e previdência social, entre outros (PNUD, 1998). Daí os governos entenderem a necessidade de traçar planos e metas que cobrissem um espectro de ações concretas em diversas frentes ou áreas.

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setorial, que contou com aspectos dos modelos bottom up e do “ciclo vivo” de políticas públicas, tal como elucidado na ultima citação, nas “pressões de baixo” e pelas “organizações dispostas à mudança” que juntos aclamavam por uma descentralização e remodelação da gestão estatal para que esta não se concentrasse nos decisores. A forma de entender as políticas a partir do final dos anos 1990 seguiu os princípios dominantes da nova administração internacional e tomou impulso no pluralismo metodológico desses modelos, sendo concebidas como cursos de ação ou de informação relacionados com metas na área pública. Uma ação em busca de resultados, que embora ainda tivesse tutela do Estado, foi programada em conjunto, na tentativa de englobar as comunidades e o setor privado (LAHERA, 2002). Portanto, ao mesmo tempo em que ocorria a politização do tema da criminalidade, entendeu-se que era necessário redefinir os papeis institucionais e ferramentas que orbitavam em torno da questão da segurança pública. Assim, tendo em vista as novas características do delito moderno, dos espaços de ocorrência, e da ameaça à potestade e soberania do Estado, foram elaborados Planos e propostas de ações interinstitucionais para guiar o combate à criminalidade.34 Nos primeiros anos da década de 2000, isto significou a implantação de diversas iniciativas de reforma que buscaram não só gerar impactos sobre a gestão, mas também sobre a doutrina e a cultura institucional. No entanto, na maioria dos casos, as experiências foram incipientes e os resultados variados, inclusive contraditórios35. Pode-se dizer que a implantação destas reformas desconsiderou situações concretas, como a troca, a barganha, os dissensos e a negociação quando surgiam contradições políticas e burocráticas. A nova administração era “participativa no nível do discurso, mas centralizadora no que se refere ao processo decisório” e “enfatizou mais as dimensões técnicas do que as dimensões sociais e políticas da gestão.” 36Aliado a isso, e ciente de poder cair no erro da generalização, pode-se inferir que a ambigüidade e pouca clareza dos objetivos, além de problemas de coordenação intergovernamental e recursos escassos, contou com informação incompleta. As limitações cognitivas por si só já dificultam tentativas de modernização puramente instrumental da administração pública (SILVA & MELO, 2000). Na prática, é impossível Os “Planos de Segurança”, cujas denominações variam de um país para o outro, chamaram a atenção para a necessidade de se modernizar as instituições de combate ao crime, e estabelecer caminhos e metas gerenciais. Foram a adaptação em diferentes escalas de uma gestão que traçava metas e buscava resultados administrativos. Citem-se os Planos de Segurança no Brasil, ‘El Plan Colombia’, ‘Argentina por la Paz’, entre outros. 35 Por exemplo, diversos países da América Central ainda travam verdadeiras guerras contra o crime, e países como Argentina, México e Peru apelaram para as forças armadas no combate ao narcotráfico (LAGOS & DAMMERT, 2005: 55). Os casos do Brasil e Chile serão vistos nos próximos capítulos. 36 PAES DE PAULA, Op. Cit., p 46. 34

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trabalhar com todas as variáveis do crime e entender a sua contingência. A fidelidade na implantação dos desenhos propostos é incompleta em vista das limitações racionais e sincronia exata desejável entre as partes (VELARDE, 2007), daí também a necessidade de um “ciclo vivo” e retro-alimentar de políticas públicas. Além disso, quando contornada a variável cognitiva, a pressão por resultados podia trazer outros desvios. No curso da gradual reforma penal no território chileno, a partir de 2002, houve aumento satisfatório da taxa de resolução de processos de persecução penal37. Mas o sucesso nos avanços na produtividade e na proteção dos direitos dos imputados e tratamento das vítimas teve efeitos indesejados. Ou seja, foi acompanhado por maior lotação das prisões, do crescimento das taxas de reincidência no crime e escassa planificação na reinserção social de detentos. (DAMMERT, 2005:44) Paralelamente, no estado brasileiro de Minas Gerais, por exemplo, em 2003, as secretarias de Segurança e Justiça foram unificadas na Secretaria de Estado e de Defesa Social (SEDS) visando melhor coordenação e integralização de entes governamentais na segurança pública. Esse mesmo órgão implantou, em 2008, um sistema de metas no qual cada delegado de polícia era obrigado a relatar, no mínimo, dez inquéritos por mês. Como esperado, houve aumento do numero dos inquéritos polícias, mas estes eram, muitas vezes, relatados de forma precipitada, sem ter sido feita a devida investigação e esclarecimento dos crimes. A meta também não era clara quanto ao modo da relatoria38. Estes são alguns exemplos de como as políticas em segurança pública, embora tentassem incorporar novos parâmetros –busca por eficiência, flexibilidade e resultados– podiam falhar não só na interiorização destas ideias, mas também no tratamento de informações (como será visto na próxima seção) e na perenidade das suas ações como uma política de Estado não suscetível às vicissitudes de um governo após o outro. Por fim, cabe mencionar que a busca por eficiência e flexibilidade foi acompanhada pela desconcentração de tarefas. As “pressões de baixo” da sociedade civil e o apoio de associações privadas 39 tiveram algum efeito e levaram a ações como polícia comunitária e

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Em dito ano, a capacidade de resposta do sistema processual superava a taxa de 89% dos casos ingressados. Dados disponíveis em: DUCE, Mauricio J.. La Reforma Procesual Penal en Chile: Logros y Desafios Período 2000-2007. Urvio, Revista Latinoamericana de Seguridad Ciudadana. N. 3. FLACSO, Quito, 2008, p. 74. 38 VARGAS, J. D.; NASCIMENTO, L. F. Z. O inquérito Policial no Brasil - Uma Pesquisa Empírica: O caso da investigação criminal de homicídios dolosos em Belo Horizonte. In: Cadernos Temáticos da CONSEG. Coordenação Geral da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública Ministério da Justiça – Ano I, n. 06. Brasília, DF, 2009. 39 Um estudo de parcerias público-privadas para prevenir a criminalidade em São Paulo, Brasil, pode ser visto em: NETO, Paulo de M. In: DAMMERT e BAILEY, Op. Cit. pp. 106-120.

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vigilância de bairro40. No entanto, na década de 2000, a mudança da ênfase na repressão para a uma visão integral –e que incluísse mais ações de prevenção social do delito-, bem como a mudança do paradigma da segurança pública para o da segurança cidadã, resumiram-se a ações incipientes ou fragmentadas na maioria dos países, devido aos elevados níveis de insegurança. Naturalmente, reformas não significam necessariamente mudanças abruptas, mas na ausência de uma visão sistêmica e de modificações em ambiências mais profundas, como na organização dos órgãos relacionados à investigação policial, a despeito da consecução de alguns resultados, as modificações gerenciais e tentativas da inclusão de co-atores na modernização da segurança pública foram de caráter mais superficial ou pontual41.

1.3.

Os dados nacionais da (in)segurança e problemas de comparação Um dos problemas mais claros de toda política pública, como foi introduzido na seção

anterior, dizia respeito às suas limitações cognitivas. Isto é, à carência ou falta de uma adequada identificação dos objetivos que a informam e justificam. A polaridade “política x administração (técnica)”, ou abordagens desprovidas de visões sistêmicas e de sentido sóciopolítico, agravaram-se, pois não contavam com fluxos de informação e estudos sobre o crime de maneira consolidada. A análise e sistematização de dados seria um dos primeiros passos para fundamentar cognitivamente empreendimentos em políticas públicas. Em se tratando de segurança pública na América Latina, isto se apresentou de maneira fragmentada e com discrepâncias não só entre unidades subnacionais ou provinciais, mas entre os próprios países. El análisis comparado en la problemática de la criminalidad tiene serias complicaciones debido al margen de variación de las definiciones jurídicas en la clasificación de los tipos delictuales, así como la variación de las preguntas incorporadas en las encuestas de victimización, [...] Al analisar la información de diversos países de la región, a fines de los años noventa, se encuentra un panorama dominado por la diversidad. Así por ejemplo, mientras países como Argentina y Chile sólo tenían tasas de homicidios de 4,8 y 3,0, respectivamente; países como Colombia y El Salvador llegaban a 89 y 150 homicidios por cada 100 mil habitantes (Organización Panamericana de Salud, 1997 in DAMMERT, 2005:9).

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Uma amostra das ações de segurança cidadã no continente é compilada em: DAMMERT, Lucía. Seguridad ciudadana: experiencias y desafíos. Municipalidad Valparaíso, Red 14, URB-AL, Azevedo, 2004. 41 Pode-se inferir que os países que obtiveram melhores resultados são os que, desde décadas anteriores, já detinham menores taxas de delinqüência e homicídios se comparadas com o resto do continente. Estes são Chile, Costa Rica e Uruguai. No entanto, ainda persistiram neles altas taxas de percepção de insegurança pública (Latinobarometro 2011.). Na América Latina, como um todo, não houve um salto qualitativo na contenção da criminalidade (PNUD, 2011). Ao mesmo tempo, se bem o policiamento comunitário e participativo obteve bons resultados em cidades como Bogotá, Villa El Salvador, e Belo Horizonte nos anos 1990, esta prática foi dependente das vicissitudes dos governos locais. O paradigma de segurança, voltado para o cidadão, tentou incorporar essas práticas, mas ainda é irrisório nos âmbitos nacionais ou a grande escala (FRUHLING, H., 2008).

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Seja pela diversidade inerente às peculiaridades da criminalidade em cada país, ou pela própria categorização deste fenômeno, a presença de múltiplos sistemas de informação, ao invés de facilitar os fluxos de informação, é uma barreira para consolidar um conhecimento agregado sobre a problemática da violência. As estatísticas nacionais não permitem realizar um diagnostico rigoroso sobre criminalidade em boa parte do nosso recorte histórico. Segundo estudo da Divisão de Desenvolvimento Social da CEPAL, coordenado por Lucía Dammert, a dificuldade principal se encontra nas diversas tipologias do delito existentes em cada realidade nacional que impossibilitam a comparação em termos de delitos denunciados, embora sua incidência tenha aumentado em toda a região (DAMMERT, 2005:10). Outro problema advém das data compilations. No Chile, devido às falências na colheita de dados sobre o crime, o Ministério do Interior, a partir de 1999, desenvolveu um sistema de homologação das denúncias apresentadas às polícias e se responsabilizou pela sua publicação e análise. No entanto, o Ministério não apresentou o total de delitos denunciados, pois sua preocupação caiu nos chamados “Delitos de Mayor Connotación Social” (DMCS), aqueles cometidos nas ruas e que atentavam à “ordem pública”, e deixou de lado os delitos do fluxo do sistema judiciário e de âmbito financeiro ou de “colarinho branco”. A partir de 1998, a “Fundación Paz Ciudadana”, entidade publica não estatal que estuda a violência, compilou dados sobre delitos e pesquisas de vitimização e ajudou a formular os Planos Nacionais de segurança cidadã em meados da década de 2000. Paralelamente, no Brasil, Leandro Piquet (1999) já alertava que um dos motivos do subdesenvolvimento de estudos no tema residia na baixa qualidade metodológica dos dados das fontes disponibilizados pela polícia. Segundo o autor, isto afetava o nível dos estudos e das ações para conter a criminalidade. Ao mesmo tempo, Pablo Fajnzylver e Ary de Araújo (2001) indicaram que as principais fontes sobre criminalidade no país eram o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, os registros das polícias civis e militar, as pesquisas de vitimização do Ministério da Justiça, o anuário estatístico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e os registros do Sistema Judicial. Cada um trabalhando com suas próprias definições e métodos, havendo pouca circularidade e tratamento de dados. Numa perspectiva continental, outro exemplo são as taxas de homicídios42. Difíceis de serem comparadas, sua incidência depende da fonte a ser consultada em cada país. Em lugares

42

O indicador mais utilizado para medir comparativamente a violência é a taxa de homicídios, definida sem exceção como “o ato de acometer mortalmente”. Geralmente trata-se de uma mensuração que reflete um tipo de violência muito alto, vinculado à circulação de armas e de lutas entre facções do crime tendo incidência muito

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como Chile, Colômbia e Peru, diversas instituições públicas -polícias, institutos médicos legais, Ministérios Públicos- apresentavam dados distintos Em outros países pode acontecer que a informação seja pouco confiável, que não conste ou inclusive que o seu registro nos dados oficiais oscile constantemente (LATINOBARÓMETRO in LAGOS; DAMMERT, 2012:20). Tal quadro limitou as possibilidades de se entender o fenômeno da criminalidade, reduziu os insumos para elaborar políticas e deixou os cidadãos, muitas vezes, com a sensação de impotência frente a um problema que não se chegou a compreender satisfatoriamente. La literatura ya ha dicho por años que se necesita más y mejor información, útil y enfocada al desarrollo de políticas, una debilidad endémica de toda la región [América Latina]: “actualmente, en la mayoría de los países de la región aplican encuestas de victimización, sin embargo, sólo algunos países las realizan con la periodicidad necesaria que requiere el diseño de las políticas. Por otra parte, dichas encuestas entregan información muy preliminar respecto del funcionamiento del sistema de justicia penal, y sobre todo, de su contribución a una mayor seguridad ciudadana” (FRUHLING 2008b: 2)

Organismos internacionais, tais como o LATINOBARÓMETRO, o PNUD, e o Instituto Latinoamericano de Prevención del Delito y Reinserción Social del Delincuente (ILANUD)43, têm buscado preencher esses vácuos com pesquisas de vitimização e delito. Suas análises tem se mostrado interessantes em alguns pontos, como em demonstrar que a “sensação de insegurança” na década de 1990 e 2000 foi, ao lado de preocupações econômicas, prioridade entre os latino-americanos, bem como em apontar que o nível de desconfiança em relação às polícias foi crítico em muitos países. Contudo, essas pesquisas de percepção ou “dados brandos” são subjetivas e demoraram a cobrir as nuances territoriais dentro dos países, tal como os “dados duros” dos órgãos governamentais, embora complementem e preencham as “cifras negras” do crime. Por exemplo, no Chile, uma pesquisa de percepção do Ministério do Interior no ano de 2004 encontrou um nível médio de denúncias na ordem de 41,6%. Ou seja, de cada 100 delitos, foram denunciados apenas 42 aproximadamente (DAMMERT, 2005:26). Ao mesmo tempo, os dados duros podem ser acometidos pelo problema das “cifras negras”. Isto é, as taxas de denuncia ou delitos escondem a real magnitude da violência, tal qual o caso das denúncias no Chile, bem como a categorização e discricionariedade dos variada em cada país ou região, mas seu acometimento por delitos menores, como no Brasil, ainda é algo intrigante. Para indicadores sobre homicídios na região, vide LATINOBARÓMETRO in LAGOS; DAMMERT, 2012; e FUNDAR (Fundación Justicia y Seguridad). Informe: El Ranking de la Violencia en América Latina. Una de las Regiones más Violentas del Planeta. Ignacio Romano (coord.). Buenos Aires, 2005. Disponível em acesso em Out. 2013. 43 Tais entidades realizam pesquisas de opinião ou publicam relatórios anualmente em muitos países associados. As pesquisas do ILANUD baseiam-se numa metodologia padronizada pelo United Nations International Crime and Justice Research Institute (UNICRI). Vide: Del Frate, Anna Alvazzi. 1998. Victims of Crime in the Developing World. UNICRI Publication No. 57. Rome.

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órgãos quando compilam as cifras dos delitos. Se bem que um aumento de denúncias pode estar relacionado com a melhoria dos sistemas de registros, ou do aumento da confiança nas instituições policiais, isto não significa, necessariamente, aumento real na incidência da criminalidade. Em última instância, “la variación de las denuncias no puede ser utilizado como indicador de eficiencia o ineficiencia de las políticas públicas de seguridad o de las policías” (DAMMERT, 2005:44). Ainda há espaços que precisam ser preenchidos na área acadêmica e pela investigação empírica44 acerca dos problemas na construção e tratamento de dados entre os diversos órgãos de segurança pública. Tentando sanar esta dificuldade e para melhor comparar a segurança em países da América Latina, a partir de 2008 constituiu-se o “Sistema Regional de Indicadores Estandarizados

de

Convivencia

y

Seguridad

Ciudadana”

<

http://www.seguridadyregion.com/> com apoio do UNODC e da Organização dos Estados Americanos (OEA). No entanto, o Brasil ainda não faz parte desse sistema. Assim, partindo dessas limitações, e na tentativa de contorná-las, este trabalho privilegia as políticas públicas de segurança pública a partir de um viés histórico e qualitativo. Assim, cifras sobre o crime e resultados alcançados pelas polícias, por exemplo, cedem preponderância para questões como tentativas de institucionalização de esforços coletivos e relações governamentais que definiram a segurança pública em cada país. Paralelamente, questões como proteção de garantias individuais podem ser também compreendidas através de uma perspectiva normativa, de enquadramento da persecução penal sob um viés mais acusativo e menos inquisitorial. A seguir, tais abordagens são explicitadas na exposição dos casos do Chile e do Brasil.

“Intentar incorporar a las consideraciones de política pública los datos de opinión que han sido llamados blandos” versus los datos llamados “duros” que son considerados “objetivos” producidos por los Estados, requiere de un desarrollo de la ciencia así como de los Estados en el registro de los sucesos sociales”. (LATINOBARÓMETRO 2011, in: LAGOS; DAMMERT, 2012, Op. Cit. p. 6) 44

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Capítulo 2: A EXPERIÊNCIA CHILENA 2.1.

Das reformas constitucionais ao Ministério do Interior e Segurança

Pública Por primera vez en nuestra historia un texto Constitucional reconoce, como límite de la soberanía, los derechos esenciales de la persona humana. Lo que significa un reconocimiento explícito de que estos derechos son superiores y anteriores al Estado, y que éste no puede violarlos, sino regular su ejercicio. General Augusto Pinochet, Santiago de Chile, 1980.

Na América Latina, especificamente na Argentina, Brasil e Chile, uma marca dos regimes de cunho autoritário foi ‘mascarar’ suas pautas com ares de legalidade e democracia 45 . Dentro do paradigma da Segurança Nacional, a limitação de garantias individuais e o culto à unidade parecem paradoxais diante do trecho citado, o qual, pela apologia aos direitos essenciais do individuo, parece retirado de um manual de segurança cidadã. Pertencente a um discurso do então general Augusto Pinochet 46, o trecho faz alusão ao Artigo 5° da Constituição de 1980, no qual se explicitava que "el ejercicio de la soberania reconoce como limitación el respeto a los derechos esenciales que emanan de la naturaleza humana". 47 No Chile, a constituição de 1980 é a última do país. Feita em meados do regime, que começara em 1973 após a derrubada do socialista Salvador Allende, almejou inserir elementos ‘democráticos’, como os do trecho citado. Mas, ao mesmo tempo, incluiu entraves para que as dissidências políticas não ganhassem espaços, pois o reconhecimento dos direitos e deveres para todos, naturalmente, “não foi uma máxima durante o governo militar, seja pela aplicação de normas transitórias ou de Decretos-Leis restritivos desses direitos” (CUMPLIDO C.; 2006:106). A inspiração doutrinaria dessa Constituição, para o jurista chileno Francisco Cumplido, foi, resumidamente, uma mistura de liberalismo, social cristianismo e segurança nacional (CUMPLIDO C.; 2006:105). PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão – o autoritarismo e o Estado de Direito no Brasil, no Chile e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010. [Original: Political (in)justice– authoritarianism and the Rule of Law in Brazil, Chile and Argentina. Pittsburgh: Pittsburgh University Press, 2005] 46 PINOCHET E., César. La Reforma Constitucional de 1989. Estudio Crítico. Cuadernos de Analisis Jurídico. Ed. Escuela de Derecho de la Universidad Diego Portales. Santiago de Chile, 1990. pp. 7-9. Disponível em acessado em Nov. 2013. 47 Idem. p. 7. 45

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Pelas disposições da própria Constituição, em 1988 foi realizado um plebiscito para decidir a continuidade do governo Pinochet por mais oito anos. Porém, o general e o seu projeto de permanência no poder foram negados pelo voto das ruas. O Chile é um caso no qual a transição à democracia assemelha-se mais a uma alternância do poder do que propriamente a uma ruptura, uma vez que o regime anterior havia sido muito consolidado48. Por exemplo, na virada para a renascente democracia, não houve a promulgação de uma nova carta, porém, reformas constitucionais. Em 1989, 54 dispositivos ou emendas redefiniram o texto em temas como fortalecimento da governança civil, frear os princípios de um possível Estado de exceção, e dar paridade numérica entre os representantes civis frente aos militares no Conselho de Segurança Nacional49. Diversas outras emendas entrariam em jogo ao longo dos governos da Concertación Nacional, coalizão de centro esquerda no poder de 1990 até 2010, para abolir os considerados ‘enclaves autoritários’ na letra da Constituição. Pode-se dizer que a promulgação de novas Constituições, na transição democrática dos países latino-americanos, serviu como uma ‘janela’ de oportunidades para incluir novas demandas e interesses coletivos na agenda e letra excelsa. Na ausência deste evento no caso chileno, a tônica das reformas na legislação em 1989 buscou, prioritariamente, maiores liberdades civis, a consolidação do pluralismo partidário, e alterar os mecanismos de votação de futuras emendas 50 . Temas como o da segurança pública não foram alvo de grupos de pressão ou de redefinições, tal como ocorre em grupos de debate das Constituintes. A Carta de 1980 fazia alusão às instituições encarregadas pela manutenção da ordem pública enquanto a esse fim, sem detalhar os procedimentos de ação ou separá-las da segurança interna51. Modificações iniciais na área foram uma espécie de apêndice do debate “El caso chileno presenta en este contexto una triple particularidad: en primer lugar, no se hereda una crisis económica, por cuanto el cambio básico de modelo económico y sus costos fueron realizados bajo el régimen militar; en segundo lugar, se trata del único caso en que casi todo el bloque opositor a la dictadura se configura como coalición de partidos de gobierno al inaugurarse la democracia; en tercer lugar, las dos ventajas anteriores son contrarrestadas por la profundidad y extensión de los enclaves autoritarios, lo que plantea la paradoja de una de las transiciones con democracia más incompleta pero con régimen más consolidado”. (GARRETÓN, Manuel Antonio. Revisando las transiciones democráticas en América Latina. Nueva Sociedad N. 148, 1997, p. 9.) 49 Conselho encarregado de assessorar a Presidência da República em temas “sensíveis à nação”. Composto em 1980 pelas comandantes das três forças armadas, chefe da policia de Carabineros, presidente do Senado e do Supremo Tribunal de Justiça, podia ser convocado por qualquer um dos seus membros em caráter de urgência. 50 ENSALACO, Mark. In with the New, Out with the Old? The Democratising Impact of Constitutional Reform in Chile, Journal of Latin American Studies 26.2, 1994, pp. 409-429. 51 Capitulo XI, art. 101. “Las Fuerzas de Orden y Seguridad Pública están integradas sólo por Carabineros e Investigaciones. Constituyen la fuerza pública y existen para dar eficacia al derecho, garantizar el orden público y la seguridad pública interior, en la forma que lo determinen sus respectivas leyes orgánicas. […]Dependen del Ministerio encargado de la Seguridad Pública [no caso, o Ministério do Interior]. Cap. III, art. 19, p. 3: Tratándose de los integrantes de las Fuerzas Armadas y de Orden y Seguridad Pública, este derecho se regirá en lo concerniente a lo administrativo y disciplinario, por las normas pertinentes de sus respectivos estatutos. (CHILE. Constituição Política da República de Chile. Texto atualizado em Out. de 2010. Disponível em acesso em Nov. 2013. 48

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em torno das relações civis-militares e do gradual abandono da práxis do paradigma da Segurança Nacional ao longo da transição democrática. Por exemplo, no que tange às Forças Armadas e a Carabineros (polícia militarizada que se vinculava ao Ministério de Defesa e membro do Conselho de Segurança Nacional), foi reduzido, dentro das emendas de 1989, o quórum necessário às Casas representativas para se alterar determinados assuntos que atingissem os órgãos de segurança interna, por exemplo, em matéria de orçamento sobre Defesa52. No mesmo ano efetuou-se a eleição, ensejando o início do novo governo em 1990. Como candidato da Concertación, Patricio Aylwin saiu vitorioso e uma das primeiras medidas do seu governo foi instaurar uma comissão de apuração de delitos e violações contra os direitos humanos no período anterior 53. Ao mesmo tempo, tendo em vista a problemática do crescimento de delitos ao cidadão e ao patrimônio 54 , a partir do decreto n.6834 do Ministério do Interior, criou-se o Conselho Nacional para o Controle de Narcóticos (CONACE). Acoplado a esse Ministério, o objetivo do órgão era coordenar todas as funções que realizavam as instituições do Estado com relação à produção, ao tráfico ilícito e ao consumo indevido de drogas e psicotrópicos. (OVIEDO; 2002:322) Por sua vez, através da Lei n.19.212 de 1993, implantou-se a Direção de Segurança Pública e Informações, um serviço técnico dependente do Ministério do Interior e incumbido de proporcionar informação, estudá-la e fornecer a inteligência requerida para adotar e formular medidas em matéria de segurança pública. Concomitantemente, tendo em vista o viés da nova administração pública e de ações mais contundentes, somente a criação de órgãos e o estabelecimento de suas finalidades não seriam suficientes para implantar políticas públicas com sucesso. Não demorou, assim, para serem estabelecidas diretrizes conjuntas e planos interinstitucionais. 52

PINOCHET E., César. Op. Cit. p. 76. Instaurado pelo decreto N.355 de 1990, o conhecido “Informe Rettig” serviu para reconhecer os crimes do Estado, pelos quais o próprio presidente Aylwin, na figura de chefe da nação, pedira desculpas. Mais tarde, o presidente Ricardo Lagos re-encomendou à Comisión Nacional sobre Política y Tortura o esclarecimento da identidade das pessoas que sofreram privação da liberdade e tortura por razões políticas por atos de agentes do Estado ou a seu serviço durante a ditadura, publicando-se então um informe que serviu de base para conceder reparações às vítimas. A presidente Michelle Bachelet reeditou a iniciativa, em 2009, nomeando a Comisión Asesora Presidencial para la Calificación de Detenidos Desaparecidos, Ejecutados Políticos y Víctimas de Prisión, Política y Tortura, a qual ampliou o número de vítimas reconhecidas, num trabalho que se prolongou até agosto de 2011. A nominata está alocada no site oficial do Ministério do Interior, tendo sido retirada em 2010, por iniciativa do presidente Sebastián Piñera, mas reposto após protestos. Os testemunhos completos serão desclassificados, ou seja, passarão ao domínio público após cinquenta anos da sua publicação. 54 Um rasgo interessante dos dados da criminalidade no país é que, desde os anos 1980, o Chile deteve baixo acometimento de homicídios em relação a outros países da América Latina (média de 2 a 3 / 100 mil hab.), mas por outro lado sofreu elevados índices de roubo/delito e violação do patrimônio no fim da década de 1990 (chegando a mais de 2000/100 mil hab. em 2003). Fonte: Fórum de expertos e CEPAL em DAMMERT, 2005; Op. Cit., gráficos 2, 3 (pp. 10-18). 53

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O primeiro Plano de Segurança Cidadã55 chileno começou a ter validade em 1994 e visava inaugurar uma coordenação necessária entre os ministérios do Interior, da Defesa, o Judiciário e as polícias, destacando sua orientação descentralizadora e participativa, ainda que incipiente, na forma dos Comitês Municipais de segurança e projetos piloto em bairros. Segundo Enrique Oviedo (2002), os comitês serviam como uma instancia de coordenação dos atores sociais da Comuna (Município), para a identificação das necessidades locais em termos de segurança e policiamento. Por sua vez, a Intendência de Santiago e a Divisão de Organizações Sociais do Ministério da Secretaria Geral de Governo foram encarregados de levar a cabo, planos pilotos para aumentar a participação cidadã. No governo de Eduardo Frei em 1995, também eleito pela Concertación, os prefeitos das maiores cidades mostraram seu parecer favorável aos comitês, que ampliaram suas tarefas de segurança para a prevenção de incêndios e desastres (há de se lembrar que o país situa-se numa área de intensa atividade sísmica). No ano de 1996 os policiais Carabineros, por iniciativa própria, lançaram uma campanha de segurança compartilhada e dois anos depois, o presidente da República promoveu onze medidas conhecidas como “Compromissos de luta contra o delito”.56 Já no penúltimo ano do mandato de Eduardo Frei, em 1999, foi apresentado um segundo Plano Nacional de Segurança Cidadã, quando se viu reforçada a necessidade de instituir um mando coordenador e integrador na área da segurança, que implicava uma condução única, operativa e funcional sobre Carabineros e Policia de Investigaciones. O Plano também explicitava que o papel de condução dessas tarefas recaía nos Ministérios do Interior e da Defesa. Além disso, outorgava o cargo de coordenador executivo ao subsecretário de Carabineros, e instituía os programas de “Melhorias nos Bairros” e “Chile Jovem” com foco na juventude pobre (OVIEDO; 2002:325). Cabe mencionar, ainda, que na virada do ultimo milênio, as polícias efetuaram mudanças administrativas. Entre 1999 e 2001 houve remanejamento de policiais responsáveis por tarefas internas, para ampliar o número daqueles que compunham os quadros preventivos, isto é, labores de campo ou de maior contato com a população. A quantidade das funções 55

O termo segurança cidadã alude à intenção de incorporar, na práxis, os princípios deste paradigma. Como toda ação, no entanto, é difícil projetar até onde as idéias por trás deste conceito estão imbricadas a determinado fazer político. Como definidos na introdução, os paradigmas de Segurança Pública e Segurança Cidadã não são estágios evolutivos ou termos ‘estanque’, mas instrumentos teóricos para estudar a segurança. 56 Do original “Compromiso de lucha contra El delito”. Nele, o presidente Frei anuncia a importância de uma visão sistêmica e integrada para prevenção no uso de drogas e a colaboração cidadã junto à polícia para melhorar a segurança nas cidades. Também foram anunciados os projetos de Lei e de reforma constitucional para sua consecução. Entre eles: A Lei Orgânica Constitucional do Ministério Público, o Código de Processo Penal, uma lei sobre violação e delitos sexuais e outra sobre legislação familiar. Vide OVIEDO, 2002, op.cit. p.12

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levadas adiante pelos Carabineros também caiu de 67, em 1998, para 24, no governo de Ricardo Lagos. Entre as que foram eliminadas destacam-se: censura cinematográfica, controle da extração florestal, levantamento de censo e notificação judicial 57. O que significou um distanciamento funcional de práticas pertinentes aos tempos do paradigma de segurança nacional. Concomitantemente, quando se analisa a violência chilena na década de 1990, caracterizada principalmente pelo acometimento de delitos não mortais, é possível vislumbrar que esta substituiu a violência política das décadas anteriores, pelo menos como problema público. Assim, não é de se estranhar que, de maneira gradual, os dois primeiros governos democráticos após a “era Pinochet” tenham colocado a segurança como um tema chave na agenda pública. Isto ocorreu uma vez que, em tempos de maior transparência da mídia e de recuperação da cidadania, a legitimidade governamental e a avaliação das administrações também estão ligadas à capacidade de poder resolver a impotência da população frente aos crimes.58 Se os governos falham ao responder essa exigência, pode haver queda de consensos e da sua legitimação política, colocando em questionamento as regras básicas do sistema democrático (ESPINOZA; 2008:15). Até então, no Chile, pode-se inferir que alguns passos foram feitos para implantar futuras reformas na área da segurança pública. Los grandes cambios estructurales de la época responden entre 1995 y 2000 a la instalación gradual de la Reforma Procesal Penal, que culmina en 2005. Hubo además varias “agendas cortas” [os planos e medidas citados] antidelincuencia a la manera de paquetes legislativos promovidos por los gobiernos de entonces (LAGOS, R.; 2012:219)

Naturalmente, a segurança dos cidadãos não se enquadra numa questão passível de ser resolvida em curto prazo. Por isso, mais do que uma política de governo, devia estar inserida numa política de Estado para poder institucionalizar práticas que não sucumbissem aos percalços de um governo após o outro, ou seja; La seguridad ciudadana involucra aspectos como seguridad política, social, económica, laboral, entre otros. Sin embargo, en ciertos momentos, la delincuencia, el narcotráfico y la drogadicción aparecen como más relevantes. Es una cuestión de Estado, no de gobierno, ya que por su condición e impacto trasciende los períodos

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Vide as funções e o orçamento das polícias de 1986 a 1996 em OVIEDO, 2002. Op. cit. p. 328. A cobertura da mídia, o acréscimo das denuncias e a politização do tema no retorno à democracia, segundo López Regonesi, marcaram presença cada vez maior no debate público. Um dos países mais seguros da América Latina rapidamente teve que colocar na agenda política o problema da insegurança dos seus cidadãos. (LÓPEZ REGONESI, E., Reflexiones acerca de la seguridad ciudadana en Chile: visiones y propuestas para el diseño de uma política. Serie Políticas Sociales, No44. CEPAL, Santiago, 2000.) 58

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electorales. Necesita la participación de los ciudadanos: son ellos quienes definen cuándo se sienten o están seguros (OVIEDO; 2002:317).

Logo, no período democrático, o tema da segurança entrou nos debates eleitorais e os projetos de governo se aproveitaram do tema do crime, mostrando-se dispostos a inseri-lo nas plataformas de uma nova gestão pública. Mas para agregar novas idéias na agenda sobre segurança, o consenso e homogeneidade naturalmente são difíceis de alcançar. É importante assinalar que no discurso político dos presidenciáveis ao longo da década de 2000, houve um acalorado debate sobre a tipologia da justiça e segurança a serem adotadas. A “mano dura” (mão dura ou punitiva), a “mano blanda” (mão branda ou re-socializante), “mano inteligente” (mista, com valor às penas alternativas), entre outros termos, evidenciaram uma diversidade de argumentos e pressões decorrentes de diversos segmentos da sociedade59. Tais abordagens, contudo, não contribuíram muito para solucionar o problema. Pelo contrário, podiam desinformar ou distrair a atenção pública diante da cacofonia das mídias de massa. (LAGOS, R.; 2012:218) Isto é, embora a agenda pública se mostrasse atenta à existência de diversos aportes e ideias sobre segurança, era preciso ‘refiná-las’ para produzir políticas reais. Desse modo, foi preciso produzir relativo grau de consenso acadêmico ou sintonia mínima entre os principais atores do campo da segurança cidadã no Chile, para constituir o denominado informalmente “Fórum de especialistas”. Nele, o trabalho vinculando governo, universidades e organizações não estatais, concebeu-se como uma estratégia para canalizar o debate público no país, que até aquela altura estava muito fragmentado. Instaurado em 2003 e concluído um ano mais tarde, o fórum apresentou um documento-diagnóstico ao Ministério do Interior, no qual discorria sobre a delinqüência no país 60 e retomava o termo ‘seguridad ciudadana’ (segurança cidadã). Este termo fora oficialmente apresentado em 1995 pelo então Ministro do Interior, Carlos Figueroa Serrano. Àquela altura, ele havia manifestado a necessidade de assumir um enfoque integral vinculado a uma ideia de proteção da condição de cidadania, imbricada estreitamente à prevenção e

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Para René Jofré, o embate entre progressistas na área de segurança pública «transita entre la sospecha asociada a las instituciones policiales y judiciales y una gran dificultad para tener una conceptualización sólida acerca de un orden democrático para oponerlo al orden conservador (...)». JOFRÉ, René. La experiencia de la institucionalidad en seguridad ciudadana: el caso chileno, In: S. Escobar y J. Ensignia (ed.): Hacia una Visión Político Progresista en Seguridad Ciudadana. PROSUR, 2008. 60 Um exemplo desta empreitada é que em 2003 se realizou a primeira Enquete Nacional de Segurança Urbana (ENUSC) que teve como meta conhecer de forma sistemática y confiável a realidade nacional dos delitos e mensurar suas possíveis variáveis, indo, assim, além das informações fornecidas pelo policiamento de Carabineros (LAGOS, R.; 2012:220).

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controle da delinqüência61. Para o cientista político Roberto Lagos (2012), a confluência da expertise técnica e política decorrente do Fórum possibilitou engendrar mais um plano, em 2004, conhecido como “Política Nacional de Segurança Cidadã”. Nesse plano, as propostas englobavam áreas de prevenção social, desenvolvimento institucional e tratamento de informações. No entanto, a ausência de metas bem definidas e a insuficiente coordenação somaram-se à rigidez departamental. Esta última, no sentido de assumir uma visão unidimensional da realidade e pelo cálculo setorial estanque e impositivo. A confluência citada, embora tenha elevado a qualidade dos insumos e informações, não significou, necessariamente, um salto nas políticas públicas de segurança. Sendo assim, três anos mais tarde, a “Estratégia Nacional de Segurança Pública” (Ministério do Interior, 2006) lançou prioridades mais claras e viáveis, pensando nos distintos setores e níveis que exigem uma política pública. La Estrategia Nacional de Seguridad Pública (Ministerio del Interior 2006) significó un nuevo moldeamiento de las políticas, encauzó acciones fragmentadas y variables, de primera, segunda y tercera prioridad, otorgándoles orientación y objetivos comunes, conformando un marco de acción algo más preciso, viable y predecible. (LAGOS, R.; 2012:221)

O governo Michelle Bachelet, o último do período da Concertación de centroesquerda no poder, decidiu dar vida à “Estratégia”, aproximando-se mais dos preceitos do paradigma da segurança cidadã, pois além do valor dado à prevenção, mencionaram-se o papel da reabilitação dos condenados pela justiça e à assistência social às vítimas (como quinto eixo fundamental). No plano institucional, a novidade foi visar uma nova operação territorial e institucional. Criou-se, então, o Conselho Nacional de Segurança, como instância superior de coordenação política para as iniciativas setoriais contidas na Estratégia, além dos Conselhos Regionais, que contavam com uma secretaria executiva encarregada da gestão e monitoramento dos planos nas Províncias. Além disso, já existiam os Conselhos Municipais ou das Comunas com potencial no sentido de desconcentrar e descentralizar mais a Estratégia em direção ao cidadão. No entanto, as críticas à “Estratégia” apontam para a Direção Nacional de Segurança Pública. Como mencionado, neste órgão recaiam as disposições fundamentais de apoio técnico e informação para orientar e acompanhar as ações emanadas dos Planos dos ministérios. No entanto, a alta rotatividade dos seus funcionários e troca de diretores foram sinais do problemático diálogo com os Subsecretários de Interior do período – Felipe Harboe 61

(TUDELA, Patricio. Conceptos y Orientaciones para Políticas de Seguridad Ciudadana. Centro de Investigación y Desarrolo Policial. DPI. Santiago, 2003)

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(2006-2008) e Patricio Rosende (2008-2010) – e com o CONACE. Por outro lado, Lucia Dammert, Erik Alda e Felipe Ruiz (2009) também assinalaram outros problemas, dessa vez entre Carabineros e os Conselhos das Comunas, em termos de definição de orçamento e dialogo sobre vigilância comunitária, para que a coordenação necessária entre ambos os lados fosse institucionalizada. Isto resultou no déficit da incorporação de pessoas e de organizações sociais nas políticas de multi-nível, até porque a proeminência das ações para prevenir o delito emanou quase que exclusivamente de dentro da própria corporação de polícia, como constado no Plan Cuadrante.62 Vigente no governo de Sebastián Piñera, o último plano, denominado “Plan Chile Seguro” foi publicado em 2010. Semelhante à “Estratégia” anterior, os seus eixos de ação passam, em linhas gerais, por prevenir, proteger, sancionar, apoiar e reabilitar. Possui como intenção declarada, aprimorar os planos anteriores, por meio de insumos científicos e técnicos mais elaborados e, ao mesmo tempo, ampliar a segurança cidadã. Porém, devido ao recorte temporal nosso adotado, cabe esperar pela sua consolidação, para não incorrer ao erro da avaliação precipitada. Na década de 2000, muitas vezes, além dos problemas de implementação, um dos entraves dizia respeito à desconexão entre ‘estratégia’ e ‘estrutura’ na conformação de políticas públicas de segurança. Isto é, entre uma proposta, exercida pela promulgação de planos, e um método perene ou caminho, que tem sido o ponto mais vulnerável dos esforços na área. Ha habido una profusión de marcos teóricos, enfoques, modelos y estudios internacionales […] sobre la manera de hacer las cosas, sobre las mejores propuestas, basadas en buena teoría, experiencias exitosas y en evidencia científica; aun cuando persistan un grupo de estrategias todavía inconexas y fragmentadas. No obstante, el mayor pecado de este tema ha sido la falta de institucionalidad adecuada al problema, situación que ha tendido a ser paliada recién en 2011. (LAGOS, R.; 2012:218)

Para tentar definir uma ‘estrutura’ institucional, somente em 2011 entrou em vigor o novo “Ministério do Interior e Segurança Pública”. Fruto de quatro anos de discussão nas casas representativas, a Lei 20.502 de 2011 63 adicionou, incisiva e legalmente, ao antigo

A despeito do sucesso das ações em segurança preventiva estabelecido pelo “Plan Cuadrante”, este configura uma reforma no sentido tático e operacional, para vigiar e contra-restar o crime de maneira mais rápida e versátil. Uma prática mais centralizada em Carabineros do que propriamente uma nova maneira de institucionalizar políticas entre a polícia e comunidade. (DAMMERT, L.; ALDA, Erik; RUIZ, Felipe. Desafíos de la Seguridad Ciudadana en Iberoamérica. Santiago: FLACSO, 2009.) 63 Lei 20.502, Biblioteca del Congreso Nacional de Chile. Disponível em . Acesso em 16/09/2013. 62

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Ministério do Interior, os temas e esforços relativos à segurança cidadã e ordem pública.64 Concomitantemente, o “Serviço Nacional para a Prevenção e Reabilitação no Consumo de Drogas e Álcool” (SENDA) substituiu a sigla CONADE. Por outro lado, pelos princípios do supracitado art. 101 da Constituição, o qual estabelece que a dependência dos órgãos de ordem interna está sujeita ao ministério que detenha a tutela da segurança pública, o debate em torno da duplicidade de vinculação de Carabineros (ao então Ministério Interior de Segurança Pública e de Defesa) foi reacendido. A polícia militarizada chilena passou a responder administrativamente ao remodelado Ministério por meio da Subsecretaria ou Divisão de Carabineros. Se completadas a vinculação direta das polícias ao Ministério do Interior e Segurança Pública, isto constituiria um marco no abandono do “paradigma da segurança nacional”, no qual se inverteu o controle civil sobre as forças de manutenção da institucionalidade interna, e onde predominava o controle do Ministério da Defesa sobre as forças de ordem interna. Muitos resquícios do paradigma da segurança nacional foram abolidos nas reformas constitucionais de 2005. Para os juristas José Martínez e Covadonga Ferrer65, a Lei n. 20.050 desse ano, entre outras medidas, eliminou enclaves autoritários no texto do país, pois extinguiu o cargo de senador designado pelas Forças Armadas, reduziu o mandato presidencial de seis para quatro anos, bem como modificou formas de convocação do Conselho Nacional de Segurança e de remoção dos seus integrantes, -incluindo o de diretor geral de Carabineros- agora convocado em caráter único pelo Presidente da República, e que antes requeria a votação de todos os seus membros. Ricardo Lagos inferiu, na ocasião da sua ratificação: “Tenemos, por fin, una Constitución democrática, acorde com el espíritu de Chile, com el alma permanente de Chile”; em alusão à longa tradição democrática pré ano 1973. Se bem a segurança pública, nos anos 2000, enveredou para segurança cidadã a partir de uma planificação inter setorial que ela merece e se diferenciou dos estigmas da segurança nacional, é de se reiterar que a transição democrática, na experiência chilena, não foi linear. Pelo contrario, houve necessidade de lidar e remanejar o legado do regime anterior. Si bien es cierto que, bajo algunos aspectos, la dictadura militar chilena encontraba referentes comunes en el destino de sufrimiento de los países vecinos de Suramérica, por la irrupción de las dictaduras militares y por las repercusiones de su institucionalización; no lo es menos que los aspectos aquí abordamos, junto con las peculiaridades cruentas del pinochetismo, dotaron a dicha dictadura de una institucionalidad férrea que la hizo especialmente resistente. (MARTINEZ, FERRER, 2006:11) 64

No que se refere ao governo político e localidade, prioriza-se a manutenção da segurança e ordem pública. MARTÍNEZ, José Manuel. FERRER, Covadonga. La Reforma Constitucional en Chile. In: Jornada sobre orientación y método del Derecho Constitucional. Departamento de Derecho Político, UNED. Madrid, 2006. 65

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Segundo Hugo Espinoza (2008), quando as instituições uniformizadas, entre elas a polícia, não são conduzidas ou lideradas pelos poderes circunstancias, estas organizações tendem a gerar os seus próprios marcos doutrinários e uma conceitualização autônoma sobre segurança, podendo definir um monopólio na forma de enfrentar o crime e a intranqüilidade da população. Fica a impressão, portanto, de que a tentativa de implantar políticas de segurança, a partir de uma visão sistêmica alicerçada em pacotes legislativos, além de superar óticas parciais e de compartimentos estancos para enveredar aum enfoque integral, evitouum vácuo político na condução de medidas em segurança, que podia ter equacionado esta área em favor do prolongamento de ações centradas no policiamento repressor e menos cidadão. Finalmente, ao ‘monopólio’ da ação e do saber prático das entidades ligadas à segurança, tal como as polícias, soma-se a sua potencial impermeabilidade para agregar interesses externos na hora de definir políticas públicas. Marcelo Saín (2008)66 alertou para a significativa ausência de agregação de diversificadas organizações na condução políticoinstitucional da segurança pública/cidadã. Não se observou, para ele, uma condução sistemática e polivalente do aparelho governamental sobre assuntos de criminalidade e segurança quando comparadas a outras áreas como saúde, moradia, transporte ou até finanças. Mesmo herdando um legado autoritário considerável e um quadro de polícia ostensivo de tradição militarista, o Chile tentou responder ao tema da segurança com ações de cunho integral e, em nível da América Latina, distingue-se por ser um dos países mais seguros para os seus cidadãos67. O caso chileno, nas ultimas décadas, sobressaiu também pelas reformas na área penal e pela condução dos seus quadros policiais. Tanto é que Carabineros são bem qualificados pela população e adjetivados pelo seu profissionalismo. Veremos esses e outros pontos nas próximas seções.

2.2.

Em direção ao Novo Código de Processo Penal O procedimento penal, mais do que um conjunto de regras autônomas que organizam a

investigação de um delito e o seu julgamento, é Direito Constitucional aplicado,fazendo parte,portanto, da regulação dos direitos e garantias que os demandantes de um processo podem exigir ao Estado e especialmente por quem é objeto de dita persecução, o imputado.

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SAÍN, Marcelo. La experiencia de la institucionalidad en seguridad ciudadana: el caso chileno, In: S. Escobar y J.Ensignia (ed.): Hacia una Visión Político Progresista en Seguridad Ciudadana. PROSUR, 2008. 67 UNOSC, 2011; Global Peace Index, 2011.

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Em nosso entendimento, a forma de conduzir este processo é algo a ser considerado nas transições democráticas, pois se torna essencial verificar um dos pilares do Estado de Direito para evitar abusos da lei ou da falta de sua aplicação. A ideia de “bom cidadão” ou “cidadão exemplar” que “cede” as suas faculdades políticas às instâncias estatais foi típica em regimes autoritários. Neste cenário, as críticas políticas não estavam necessariamente eliminadas, mas só eram toleradas se catalogadas como “construtivas” pela ordem estatal. O “bom cidadão” e suas críticas eram toleráveis caso não fosses “perturbadoras, chocantes ou ofensivas” para o poder. Nesse contexto, o direito penal constituiu-se como o mais poderoso meio de correção e coerção nessa catalogação68. Na mesma linha, o funcionalismo penal, na interpretação positivista do Direito, sustentou que há dois tipos de pessoas na sociedade. Aqueles que exercem seus direitos no marco da lei e os outros, os ‘inimigos’, que violam ou tem potencial de violar as leis. A estes últimos foi justificável negar seus direitos porque renunciaram a uma vida ‘civilizada’. A punição ou negação de sua liberdade física foi um código para anunciar as conseqüências de ter violado as leis. É uma corrente chamada de ‘periculosidade’ do ser, que recentemente foi retomada pelo funcionalismo público que também reduz o agir humano a um maniqueísmo simplista, entre os “bons” e “maus” cidadãos (ÁVILA, R.; 2011:370). Por outro ângulo, o processo penal, se analisado por uma ótica weberiana, foi o meandro jurídico pelo qual o Estado tentou fazer valer o seu “monopólio da violência” e reproduziras desigualdades de poder na sociedade (KANT DE LIMA, 1999). Através dele se trataram questões sistêmicas ou estruturais de maneira punitiva e atomizada. Basta lembrar o princípio da criminalidade anômica ou estrutural, pelo qual os alvos do sistema penal geralmente se encontravam em situação de vulnerabilidade, decorrentes de fatores estruturais como pobreza e desemprego69. Isto é, problemas advindos de questões estruturais, como a criminalidade, seriam “resolvidos” pela reclusão e privação de certos indivíduos, ao invés de se concentrar nas estruturas; além disso, o Direito Penal contemporâneo seria, na sua essência, repressor e não compensativo70.

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BOTERO M., Catalina. Problemas persistentes y desafíos emergentes en materia de Libertad de expresión en las Américas. In: El Derecho en América Latina: Un mapa para el pensamiento jurídico del siglo XXI. Rodríguez G., César (coord.). Ed. 1. Siglo Veintiuno. Buenos Aires, 2011, p. 279. 69 Se bem o crime, do ponto de vista empírico e sócio-político tenha múltiplas causas, não se deve esquecer que há alguns rasgos, como faixa social, etnia e situação econômica que prevalecem no quadro de vítimas e criminosos de cada país. Para um estudo que analisa o peso de fatores como desigualdade social, desemprego, entre outros, e criminalidade na América Latina, vide DAMMERT/CEPAL, 2005. Op. cit. 70 O Direito Penal contemporâneo, a partir da interpretação da normativa, encarrega-se de aplicar a Lei e punir, sem se preocupar pela reconstrução ‘idônea’ dos equilíbrios morais rompidos nas infrações de agressores às vítimas. Por exemplo, o Direito Penal contemporâneo pune com base em resoluções legais ao invés de

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Por fim, o processo penal deve ser considerado como um meio e não fim. Por exemplo, ele pode funcionar como um ‘protetor’ ou um ‘opositor’ em relação aos Direitos Humanos. Quando há lesão grave da condição humana, como em genocídios ou guerras, o Direito internacional pode entrar em ação para condenar, no âmbito da Justiça, os responsáveis por tais práticas. Mas, paralelamente, o código penal, quando acionado em série para produzir condenados sem se preocupar com as conseqüências do sistema carcerário, pode lesionar gravemente os Direitos Humanos ao abarrotar as prisões com “elementos” considerados “descartáveis”. Raciocínio semelhante pode ser vislumbrado no Chile. Após o regime de Pinochet, o Direito Penal entrou em cena para julgar violações de Direitos Humanos e identificar seus autores. Por outro lado, nas manifestações estudantis do governo Bachellet em 2011, as prisões e a aplicação do processo penal lesionou direitos e a condição humana quando ocorreram excessos e truculência por parte de Carabineros 71. Portanto, a equação entre a persecução penal e a garantia dos direitos humanos é um ponto delicado e complexo. Para Ramiro Ávila (2011), se bem é necessário abordar delitos aplicando a Justiça e apontar soluções penais concretas, isto não justifica que o processo penal seja neutro ou não possa produzir violência insustentável quando essa aplicação lesione direitos do acusado. Para não incorrer nesse perigo, daí também a importância do princípio da “presunção de inocência” ou da persecução penal mais pautada em investigar para prender/absolver, do que aquela focada em prender para depois investigar e verificar a inocência. Feitas essas ressalvas, no Chile, bem como nas novas democracias latino-americanas, a busca por maior cidadania implicou em desenhar instituições que considerassem dita equação, ou que pelo menos levassem a cabo a persecução penal com maior sensibilidade cidadã e com o compromisso do cumprir as leis. Ao mesmo tempo, outro fator decisivo, a da eficiência administrativa, despertou o enfoque para evitar o emperramento do sistema de Justiça72. A aproximação da Justiça com o cidadão e a celeridade penal ganharam relevância política e pública, a ponto de se tornarem fundamentos da reforma penal e da criação do Ministério Público do Chile73. compensar ou restituir a vítima com outro crime da mesma natureza contra o agressor. (ZAFFORANI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal. Parte General I. Sociedad Anónima Editora, 2 ed., Buenos Aires, 2002) 71 72

Informe "Situación de los Derechos Humanos en Chile 2011". INDH, 2011, pp.78-81.

Na mensagem do projeto do Novo Código de Processo Penal, recorreu-se à experiencia internacional para insistir que “uno de los mayores obstáculos al éxito de la Justicia Criminal lo constituye el manejo de volúmenes muy grandes de casos, cuyos requerimientos suelen exceder con mucho las posibilidades de respuesta de los órganos del sistema con sus siempre limitados recursos”. Martita Worner in: BLANCO, Rafael; 2005:51. 73 Introduzido pelo Capítulo VI-A, que criou o Ministério Público (Lei N° 19.519 de 1997). Também merecem citação a lei de Defensoria Pública (Lei N° 19.718, 2001), a lei que modificou o Código Orgânico dos Tribunais

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Segundo Rafael Blanco (2005), era preciso racionalizar os processos penais, optando por soluções alternativas, não necessariamente carcerárias, quando deferido pelo juiz e pelas partes em confronto. Isto também ia de encontro ao interesse pela racionalização de recursos e da pluralidade do agir humano, uma vez que a solução de conflitos deve diferenciar-se segundo sua gravidade e importância, conforme os critérios da letra precedente, sem reduzir o agir ao maniqueísmo do “bom cidadão”. “Maximizar o aparelho de Justiça e lidar com a variabilidade de litígios penais” foi o núcleo da exposição de Martita Wörner, deputada informante do Projeto de lei do Novo Código de Processo Penal, em 13 de Janeiro de 1998. Assumindo um mandato de seis anos em 1994, Eduardo Frei designou a advogada Soledad Alvear como Ministra da Justiça. A agenda do Presidente recaía sobre temas já debatidos intensamente, tais como Tribunais de Família e carreira de Juízes. No entanto, a demanda por aprimorar o sistema de julgamentos, uma das chaves na consolidação do governo democrático, e o volume acumulado de violações aos direitos de pessoas vinculadas a escalões do sistema penal, modificaram os rumos da agenda. Para Rafael Blanco (2005), esta demanda, somada à clareza que o Fórum74 do anteprojeto de lei do novo código penal possuía, redefiniu a agenda governista em prol de reformas mais profundas. Por sua vez, o grupo de especialistas presentes no fórum recebeu influência do movimento internacional75 para reformar quadros processuais penais e de Justiça em diversos países (DUCE, M.; 2008). Entre os construtores desse movimento destaca-se a chamada “Escola Cordobesa de Direito”. Segundo Rafael Blanco, na escola surgiram nomes de acadêmicos como Julio Maier e Alberto Minder; dois juristas que instauraram debates em províncias do interior da Argentina e em Buenos Aires com a intenção de reformar o sistema penal, com fortes traços de inquisitórios, de modo a dar-lhe contornos mais acusatórios. No antagonismo entre modelo acusatório e inquisitório, como mencionado na introdução do trabalho, as bases do primeiro modelo consistiam em delimitar e repartir funções claras no processo penal de modo a que estas não se concentrassem nas mãos de um ente público. Mas, devido à natureza inquisitória muito arraigada no código anterior, somente (Lei N° 19.665 de2000), As Normas de Adequação do Sistema Legal à Reforma Penal (Lei N° 19.806 de 2002), e naturalmente a Lei do Novo Código de Processo Penal (Lei N° 19.696 de2000), apresentada ao congresso cinco anos antes (Vide DUCE, Mauricio; 2008:69). 74 Integrado por acadêmicos, juízes, ministros da Corte Suprema e por membros não estatais (como a ONG ‘Paz Ciudadana’) o fórum apresentou conteúdos de um anteprojeto, recebendo opiniões e constituindo mesas de debates e encontros internacionais de modo a difundir suas idéias e criar um ‘lobby’ em prol da reforma do código penal. 75 O movimento é exemplificado pela Convenção Americana de Direitos Humanos, a reforma no Código Processual Penal italiano de 1988, os novos códigos da mesma natureza em Córdoba (1992), Peru (1991), Guatemala (1991), El Salvador (1993) e o Código de Processo Penal Modelo desenvolvido pelo Instituto Iberoamericano de direito processual. Vide DUCE, 2008, op. Cit. e ARMANTA DEU, 2012, op. Cit.

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a alteração deste não seria suficiente para a consecução de um modelo mais acusatório no Chile. No momento da votação do projeto no Senado, a Ministra de Justiça ressaltou que outro passo da reforma penal propunha a reforma constitucional do Ministério Público. Através dessa nova instituição seria efetivada a separação entre “las funciones de investigar y de juzgar, entregando la primera de ellas a um órgano de carácter autónomo [com indepêndencia dos três poderes], técnico y especializado, denominado Ministerio Público, y la función de juzgamiento, a los jueces que componen el Poder Judicial”76. Funções as quais, pelos preceitos do antigo código penal de 1907, concentravam-se na figura de um juiz investigatório. Para o fórum e os reformistas, a concentração dessas funções comprometia seriamente a imparcialidade da justiça, além de impor a cultura do secretismo nos expedientes sumários, que barrava o acesso das partes em litígio, ao conteúdo da investigação que desenvolvia o juiz. A reserva dos antecedentes e da matéria de investigação dificultava o “control sobre el accionar del sistema de persecución e impedía el adecuado ejercicio del derecho a defensa o del derecho que todo interviniente tiene a acceder oportunamente a los antecedentes que fundan una investigación”, (BLANCO, R.; 2005:11). Seguindo esse raciocínio, os princípios promulgados pela reforma foram: Julgamento prévio e única persecução (art. 1), oralidade e transparência (art.1), juiz natural e imparcial (art. 2), exclusividade da investigação penal por parte do Ministério Público (art. 3), presunção de inocência (art. 4), legalidade das medidas restritivas ou privativas da liberdade (art. 5), proteção da vítima e direito a defesa (art. 6 e 8), autorização judicial previa em causa de ações que afetassem as garantias constitucionais, entre outros, (Lei N° 19.696 de 2000, Biblioteca del Congreso Nacional de Chile) Se essas foram as características legais da reforma, que fizeram frente ao “inquisitorialismo” para constituir um sistema penal acusatório, cabe analisar ela pelo viés das políticas públicas. Uma das maiores dificuldades no agir governamental é conseguir resultados concretos para tentar “fechar os ciclos” de ideias presentes nas letras legais. Para isso, um aspecto marcante foi o fato de a reforma penal, uma vez estudada e assegurada pela normativa chilena, ter sido implantada gradualmente nas diferentes regiões sub-nacionais. Este processo permitiu constituir um sistema incipiente, capaz de ser monitorado e aperfeiçoado à medida que se estendia a outras cidades, evitando, assim, a reprodução de 76

Diario de Sesiones del Senado, Sesión 40ª, Martes, 15 de abril de 1997, Legislatura 334ª, Extraordinaria. Disponível em acesso em Nov. 2013.

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erros em grande escala, assim como permitiu corrigir a falta de orçamento e funcionários para ocupar cargos abertos por uma grande reforma (DUCE; 2008:70). Nas fases iniciais da implantação da reforma, verificaram-se problemas sérios na gestão de Tribunais e Ministério Público e na capacidade do sistema para remanejar fluxos e para absorver causas judiciais, por exemplo, advindos de crimes de natureza sexual 77 . A despeito disso, uma vez completada a reforma no país em 2005, ocorreram avanços em matéria de produtividade, na proteção de direitos individuais dos imputados e no tratamento das vítimas de crimes em geral. O motivo estaria no incremento tanto no trabalho dos tribunais e do Ministério Público, quanto na oferta de fiscales (promotores) (DUCE, 2008). Outra inovação foi a introdução de sistemas de avaliação de casos dentro do Ministério Público. A análise dos casos possibilitou saídas rápidas, pois ao se buscarem soluções alternativas e acordos entre os litígios, inibiu-se o encaminhamento tardio e o acúmulo de processos. Tal resultado, no entanto, foi criticado naquela época por adeptos da “mano dura”, já que isto permitiria punições mais brandas e “estimularia” a delinqüência78. […] en diciembre de 2002 el sistema se acercaba al óptimo de 89% y el 2003 lo superaba largamente. A diciembre de 2004 la cifra bajaba un poco como consecuencia de la puesta en marcha de regiones más complejas como la V y la VIII a fines del 2003, pero en todo caso llegaba a un 90,5% superando la cifra establecida como óptima. A esta capacidad de respuesta debe agregarse un cambio importante en la capacidad del sistema de realizar audiencias (DUCE, 2008:87).

Como visto, as cifras de produtividade e das avaliações internas eram animadoras 79. Porém, na modernização da gestão das instituições, particularmente dos tribunais, a introdução de nova administração chocou-se com a cultura jurídica tradicional80 - leia-se de alguns juízes e magistrados que mantinham uma postura relutante ao entregar o papel administrativo que costumava ser exercido com base no modelo “inquisitório” -, comprometendo, por exemplo, a qualidade do trabalho das defensorias públicas. As novas 77

CASAS, Lidia; MERA, Alejandra. Violencia de género y Reforma procesal penal chilena, Cuadernos de Análisis Jurídico”. Serie de Publicaciones Especiales. No.16. Santiago: Facultad de Derecho Univ. Diego Portales, 2004. 78 Em decorrência da gradual aplicação racional da prisão preventiva, na região metropolitana de Santiago, no final de 2006, do total de presos existentes nas penitenciarias, 35% correspondia a presos preventivos e 65% a condenados. Historicamente a cifra era inversa, e logo a mudança foi objeto de inúmeros questionamentos. (Tres Mil Nuevos Condenados por la Reforma, Diario El Mercurio, Viernes 19 de enero de 2007, pág. C1.) 79 Entre os estudos que avaliaram inicialmente a reforma, vide DUCE, Mauricio; MERA, Alejandra; RIEGO Cristián. La capacitación interinstitucional en la Reforma a la Justicia Criminal en Chile. En: Revista Sistemas Judiciales. No. 1. Buenos Aires, 2001, pp. 76-93.; e Ministerio Público & Vera Institute of Justice. Analizando la Reforma a la justicia criminal en Chile. Ministerio Público y Vera Institute of Justica. Santiago, 2004. 80 “La cultura generada por el sistema inquisitivo ha dificultado que personas ajenas a la profesión legal accedan y comprendan a cabalidad el funcionamiento del sistema y, consiguientemente, que se involucren en la formulación de cambios al mismo”. (DUCE, 2008:82)

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práticas, então, ainda tiveram que conviver com desvios funcionais antigos. (CASAS & MERA, 2004) Contudo, a reforma do processo penal não se resumiu à substituição de um emaranhado de leis, ou de um código, por outro. Para Rafael Blanco (2005), estava imbricada com uma transformação global, completa e sistêmica no que se refere ao modo de entender e organizar o sistema de persecução e de justiça criminal em um Estado de Direito. Isto contou com uma preparação de requerimentos que extrapolaram o mundo jurídico. A implantação e monitoramento, sem deixar de lado traços sócio-organizacionais e legislativos, resultaram numa combinação política e técnica exemplar, se comparadas com outras experiências continentais no setor, conforme o “Centro de Estudos de Justiça das Américas” (CEJA) 81. Tal combinação, logo, parece ter sido o aspecto central na denominada, por seus implementadores, a “reforma do século XX” do país 82.

2.3.

Relações entre Ministério Público e polícias Cabe agora fazer um recorrido, com base na legislação e em interpretações pertinentes,

sobre a estruturação entre o Ministério Público e as polícias durante a reforma, em matéria de processo penal e investigação criminal. Na seção anterior, foi mencionado que o trabalho sistêmico na reforma chilena representou uma mudança substancial e radical no sistema de administração da Justiça em matéria penal, tanto no seu aspecto orgânico como procedimental. Mudança a qual imbricou um novo agir de atores sociais e institucionais, a saber, juízes da ala criminal e polícias que, conforme o projeto da reforma, também se converteram em sujeitos processuais junto aos Imputados, Defesa, Vítima, Querelante, Tribunais e Ministério Público (Livro I, Título IV, parágrafo 3°, Código de Processo Penal, Biblioteca del Congreso Nacional de Chile). No que tange ao Ministério Público, o artigo 80-A do Novo Código, definiu a entidade como: Un organismo autónomo, jerarquizado, que bajo esa denominación, dirigirá en forma exclusiva la investigación de los hechos constitutivos de delitos, los que determinen la participación punible y los que acrediten la inocencia del imputado y, en su caso, ejercerá la acción penal pública en la forma prevista por la ley. [grifo nosso] (BLANCO, R.; 2005:38)

81

RIEGO, Cristián; VARGAS, Juan Enrique (ed.). Reformas procesales penales en América Latina: Resultados del Proyecto de seguimiento. Santiago: Centro de Estudios de Justicia de las Américas – CEJA; 2005, 229 pp. 82 Termo cunhado por Soledad Alvear, então ministra de Justiça para referir-se à reforma penal chilena. Em ALVEAR, Soledad. Trascendencia de una Reforma. La Época, 7.4., 1998, p. 8.

48

A mesma ideia era retransmitida pelo artigo 93, do Projeto do Código de Processo Penal aprovado pela Câmara de Deputados, ao assinalar que os fiscales (promotores) do Ministério Público deveriam exercer e sustentar a ação penal pública na forma prevista em Lei. Ou seja, praticar a investigação (fiscal) preparatória e dirigir a atuação da polícia.Por sua vez, o artigo 99, relativo à polícia e à sua função no procedimento penal, inferia que Los agentes de la Policía de Investigaciones de Chile serán auxiliares del Ministerio Público para llevar a cabo las diligencias de la instrucción y deberán, por iniciativa propia o por orden del Ministerio Público, investigar los hechos punibles de acción pública y aquellos que dependen de instancia privada cuando corresponda. […] Asimismo, les corresponderá ejecutar las medidas de coerción que el Ministerio Público decrete. […]La misma función deberá ser cumplida por Carabineros de Chile en los lugares en que no exista Policía de Investigaciones y, aún existiendo, cuando el fiscal a cargo del caso así lo resuelva. [Grifo nosso] (WEBER O., R.; 2007:29)

A criação do Ministério Público na legislação comparada, nem sempre foi acompanhada com a intenção de incumbir à entidade um grau satisfatório de imparcialidade. Conforme o CEJA, até 2005, em alguns países o Ministério Público foi concebido como o órgão que movimenta uma ação penal pública e sustenta a pretensão penal no julgamento, permanecendo a função de investigar, dirigir a polícia e acusação, em mãos do juiz. No entanto, no âmbito da lei, a reforma chilena conferiu a este órgão não somente um papel em prol da imparcialidade -sustentando a acusação-, como também o comando sobre o labor das duas polícias em matéria de processamento criminal. Segundo o jurista Rodney Weber Orellana (2007), de certa forma isto foi inspirado no modelo alemão, no qual a promotoria pública produz resoluções e faz a tramitação -acusações, solicitudes de ordem penal, arquivamento e se encarrega inclusive dos delitos menos graves- enquanto a polícia é mais livre para atuar na investigação de campo.83 Quanto às medidas emitidas pelos fiscales às polícias, não podiam ser questionadas quanto ao seu fundamento, oportunidade e legalidade.84 Obviamente, aquelas que violassem os princípios constitucionais do imputado requeriam aprovação judicial prévia. No entanto, nenhuma das tramitações legais da reforma dava solução aos conflitos de atribuições entre os

83

No caso alemão, a polícia deve reportar à promotoria todos os incidentes criminais e diligências sem demora. Não se trata de uma norma limitativa ou de pressão entre órgãos de atuação independente. Trata-se da necessidade de efetuar tarefas investigativas e de intervenção em caso de urgência (como apreensão de elementos incriminatórios) sem perder de vista os princípios de legalidade. (WEBER O., R.; 2007:150) 84 Cabe ressaltar que o texto original da reforma constitucional enviado ao Parlamento contemplava uma norma que permitia ao Ministério Público exercer poder disciplinar sobre a polícia. Contudo, a Câmara de Deputados modificou o texto ao aprovar o projeto, logo, embora o Ministério Público possa dar ordens diretas à polícia para efetivar as devidas investigações, esta não depende hierarquicamente do fiscal na sua estrutura disciplinar interna. (WEBER O, R.; 2007:36)

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fiscales e juízes ou entre fiscales e as polícias. A discrepância de critérios entre estes últimos atores podia colocar em dúvida se determinada ordem violava ou não garantias constitucionais e se requeria autorização da justiça (WEBER O, R.; 2007:31). Ficou implícito, então, que no curso da reforma penal a direção estratégica a cargo do fiscal devia prezar, sobretudo, pelo bom andamento da investigação nos canais jurídicos. Outro diferencial nas relações entre a Fiscalia e as polícias, no caso chileno, foi o modus operandi na comunicação interna. O projeto do novo código penal expressava que esta devia ser feita “por los medios más expeditos posibles”. A norma permitiu o aproveitamento de uma gama diversa de recursos informacionais e tecnológicos para estabelecer uma comunicação rápida e informal, sem a necessidade rígida de trâmites escritos. Isto seria indispensável para flexibilizar e desburocratizar a coordenação entre ambas as partes no âmbito da investigação (WEBER O, R.; 2007:34). Assim, foram deixados de lado procedimentos “padrão”, pelos quais era preciso emitir e receber ordens ou ofícios formais junto aos tribunais criminais. Já no referido à designação de funcionários e policiais nos casos de investigação, esta naturalmente ficou a critério de cada instituição policial, que ente outros parâmetros, valia-se de fatores como carga de trabalho, complexidade do caso, especialização e experiência do agente, entre outros (WEBER O, R.; 2007:34). Como foi mencionada, a estruturação entre Ministério Público e polícias seguiu um caminho de renovação em direção a preceitos acusatórios. Além do Chile, em países como Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Peru e Venezuela, o representante desse ministério controla a ação penal e dirige a polícia na investigação de delitos 85. Se bem que epistemologicamente estas mudanças não podem ser enquadradas nesse modelo puro, ou seja, como autênticos modelos acusatórios, pois em grande parte desses países a direção funcional das investigações, consagrada em nível teórico, não se efetuou na prática. O caso do Brasil, como será visto no próximo capítulo, distinguiu-se porque, se por um lado o Ministério Público é a fonte receptora ou titular da ação penal, o código processual assegura uma primeira fase investigativa, o “inquérito”, dominado pela polícia, colocando muitas vezes em rota de colisão ambas as instituições. Por outro lado, no caso chileno, “las evaluaciones policiales que se han practicado hasta la fecha, revelan que la causal de la buena coordinación entre la policía y el Ministerio Público se debe a la falta de experiencia de los fiscales para conducir investigaciones”.

85 86

86

CEJA, in RIEGO & VARGAS, 2005. Op. Cit. BAYTELMAN; DUCE. Evaluación de la Reforma Procesal Penal, 2003. p. 110.

50

O Ministério Público ou Fiscalía surgido em 1997 como uma figura importante na vida democrática, foi fundamental na reconfiguração do código penal no fim do século passado. Anteriormente as polícias se relacionavam quase que exclusivamente com o Judiciário, mas com a mudança, ao invés de ver a Fiscalía como entrave aos seus saberes e práticas especializadas na investigação de delitos, as polícias tiveram que adaptar-se ao novo sujeito intermediário da penalidade. Veremos, de forma concisa, como as polícias de Carabineros e de Investigaciones reagiram e se adequaram aos ditames de um dos Ministérios representantes do Estado de Direito. A polícia de Carabineros vem de longa tradição. Fundada em 1927, caracteriza-se por ser uniformizada e por deter estrutura hierárquica militar. Suas funções, após a Carta de 1980, foram atreladas a vigiar, manter a segurança e a ordem pública, prevenir delitos e reprimir a delinqüência, dando ênfase recentemente ao terrorismo e ao tráfico de entorpecentes. Por sua vez, a Policia de Investigaciones de Chile, surgida em 1933, como órgão que se especializou e desmembrou de Carabineros, é de caráter civil e está encarregada da investigação de delitos e repressão da delinqüência e terrorismo. Entre suas funções, destacam-se o controle e saída de pessoas no território nacional, além de prevenir e reprimir o tráfico de drogas (OVIEDO, 2002:315). Portanto, ambas as entidades podem efetuar ciclos completos de policiamento, mas na prática se diferenciaram e especializaram ou no policiamento ostensivo ou de investigações, respectivamente. Além de integrantes do sistema penal, destacamos na seção anterior que ambas cumprem papel importante na segurança cidadã e, constitucionalmente, têm a premissa da segurança interna. Os Carabineros despertam atenção, porque apesar de terem participado ativamente do regime pinochetista, detém prestígio e, segundo pesquisas, são respeitados pela disciplina e profissionalismo87. Algumas pistas sobre o respeito à instituição, apesar de sua ativa participação no processo repressivo durante a ditadura, podem ser encontradas na Doutrina institucional dos anos 1990, na qual, o seu autor, o coronel Juan Ortíz Farías, descreve os princípios da polícia que deve ser considerada a “quarta força armada” do país. Para ele, o viés militar seria apenas uma referência doutrinária que se atribui à formação, profissão e história. Para Farias o caráter militarista é apenas para as relações internas, sem significar que a polícia deva usar mais força ou ser repressiva. O peso histórico da farda teria 87

No ano de 2008, um grupo de Think Tanks (entre eles, CIEPLAN, Libertad y Desarrollo, ProyectAmerica e PNUD) fez uma pesquisa de opinião para verificar o grau de confiança do cidadão nas instituições. Carabineros saiu-se como a instituição melhor colocada, com 57% de aprovação, à frente da Igreja e dos órgãos de representação política como Senado e Câmara de Deputados. (Confianza en las Instituciones. Diario La segunda digital. 16/05/2008. Cuaderno: Política)

51

que implicar numa "exteriorización uniforme, plenamente identificable para el ciudadano" 88, constituindo uma vocação orientada para servir e ajudar à população. Outra interpretação reside no fato de que valores como disciplina e profissionalismo estão profundamente enraizados na cultura chilena, o que se refletiu nos índices de confiança. A instituição teria se aproveitado dessa relação para (re)construir sua imagem

89

.

Paralelamente, a socióloga Azun Candina90, observou que Carabineros se adaptou a novos modelos de gestão porque é uma instituição orgulhosa da sua historia e das suas tarefas sociais, ainda que pareça se limitar a entender que segurança é a proteção dos “bons cidadãos”. 91 Já no que se refere à esfera do processo penal, Carabineros aceitou as novas incumbências emanadas pela figura do fiscal, uma vez que estas não alteram seu regulamento orgânico, e sua respectiva estrutura hierárquica e disciplina interna (WEBER O., R.; 2007:44). Na condição de auxiliar do Ministério Público nas tarefas de investigação, o órgão deve cumprir as demandas do Fiscal Nacional, e apresenta ante esta autoridade possíveis dúvidas interpretativas das leis e problemas derivados da prática policial, com o fim de aperfeiçoar um controle externo (WEBER O., R.; 2007:44). Por outro lado, a Policía de Investigaciones de Chile passou a respeitar e acatar os parâmetros jurídicos de instrução dos fiscales, porque por um lado; Los policías se perciben como los protagonistas de la investigación criminal. Respetan y acatan la autoridad de los fiscales al fijar los parámetros jurídicos de las causas. Aprecian sobremanera el hecho de que posean conocimientos en criminalística y técnicas de investigación, lo que consideran un aporte a la calidad de las investigaciones. Los detectives quisieran avanzar en la formación de duplas investigativas con los fiscales”. (BARROS, L.; 2006:16)

Ou seja, de forma a consolidar seu trabalho de campo, os policiaisinvestigativos geralmente não viram a ala jurídica como prejudicial ao seu rol tradicional. Pelo contrario, segundo Luís Barros, ao longo da década de 2000 buscaram-se institucionalizar parcerias com o novo Ministério Público. No caminho foram encontradas dificuldades variadas. Entre elas a ausência de critérios técnicos para atribuir causas e carência de parâmetros homogêneos para 88

ORTIZ F., Juan R.. Coronel de Carabineros. Doctrina Institucional: Recopilación de los Fundamentos, Importancia y Trascendencia Institucional, Santiago. 2008. 89 FRANCIS WYER, Josep. El carácter militar de los Carabineros y cómo influye su relación con el país. Occidental College'10. 2008, p.14. 90 Vide: Carabineros de Chile: una mirada histórica a la identidad institucional. In: DAMMERT & BAILEY; 2005, op. cit. pp.145-167. 91 Carabineros, nos últimos anos, ainda apresentou atritos com entidades sociais e teve manchetes estampadas negativamente quando os assuntos são direitos humanos e dos indígenas. Vide: Informe del Grupo de Trabajo sobre el Examen Periódico Universal: Chile. Consejo de Derechos Humanos, Asamblea General de Naciones Unidas; 12º período de sesiones, tema 6 de la agenda, 4 de junio de 2009.

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designar investigações. Assim, segundo o Centro de Investigación y Desarrollo Policial (vide: BARROS, L.; 2006:39-41), até 2006 foi preciso avançar em acordos, no âmbito dos Ministérios Públicos regionais, para homologar critérios e procedimentos gerais em matéria de investigação e incluí-los na Política Nacional de Segurança Cidadã. A estruturação da demanda por parte dos fiscales parece ter funcionado bem “gracias a la buena voluntad de las partes. […] La falta de institucionalización del Ministerio Público se resolvió favorablemente en esta región gracias a la personalidad de los involucrados (BARROS, L.; 2006:16). Finalmente, do ponto de vista da remodelação interna da própria polícia, a promulgação da Lei Nº 19.987 de 2004 modificou a Lei Orgânica da Policia de Investigaciones no que tange à designação do Diretor Geral 92 . A partir da data, tal cargo deveria ser ocupado por um detetive de carreira com o grau de Prefecto General ou Prefecto Inspector, oficial designado pelo Presidente da República e indicado pelos oito oficiais mais antigos. No ano seguinte se decretaram metas de auto-gestão interna (Plan Minerva) 93 com foco na comunidade, no Ministério Público e nos Tribunais; por sua vez, em 2011 a entidade de caráter profissional, técnico e científico-, foi acoplada ao Ministério do Interior e Segurança Pública, passando a valer-se da sigla “PDI” e incorporando a máxima “investigar para prender”. Como foi visto, o caso chileno, nas últimas décadas, foi pautado por uma trajetória na qual os seus órgãos policiais passaram à tutela institucional de um Ministério centrado na segurança Pública, afastando-as do núcleo castrense e de um controle típico do paradigma da segurança nacional. E mesmo com dificuldades na elaboração de planos e políticas integrais de segurança pública, caracterizou-se por focar esforços na remodelação do processo penal e por abrir caminho para um trabalho conjunto entre o incipiente Ministério Público e as Polícias, na tentativa de tornar mais a Justiça mais célere e frear a sensação de impunidade. Contudo, as conclusões sobre tais pontos serão mais bem elucidadas após se realizar um paralelo com a também renascente democracia brasileira, precisamente na trajetória do país entre a Constituinte de 1988 e a primeira década do século XXI.

92

Decreto- Lei N. 19.987. Modifica a Lei Orgânica da Policia de Investigaciones de Chile http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=6926. Acesso em Novembro de 2013. 93 Para detalhes dos planos de auto-gestão interna e fases de modernização do PDI ao longo dos anos 2000, vide o Informe de Resultados de Gestión Operativa. Disponível em Acesso em Nov. 2013.

53

Capítulo 3: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

3.1.

Constituinte e Planos Nacionais de Segurança Pública [A linha dura corporativista] se organizava à sombra das instituições e usava métodos criminosos. Tinha o objetivo de desestruturar nossa política de segurança, mas estava disposta a derrubar tudo que estava pela frente, inclusive o secretário e sua equipe para impedir a reforma das polícias94.

O último governo civil-militar no país mais populoso da América Latina perdurou formalmente até 1985. Mas os vinte e um anos do período ditatorial, associados a uma cultura excludente e violenta, deixaram marcas indeléveis na área de segurança interna e policiamento. Apesar das permanências culturais, o paradigma da segurança nacional não podia ter legitimidade institucional em um regime democrático, precisando, então, ser substituído por um paradigma de segurança que abolisse as práticas autoritaristas e lidasse com ações ditas corporativistas das forças de segurança.95 A promulgação da Constituição em 1988 parecia uma “janela” de oportunidades para discutir e dar novos rumos à segurança, dentro de temas como cidadania e direitos civis. Porém, no que tange à segurança pública, a nova Carta pouco alterou as práticas institucionais e os fundamentos das polícias. O clima do momento foi dirigido para dar conta do novo papel das forças armadas em matéria de Defesa, ordem interna, e definir as novas relações civismilitares que assegurassem as futuras instituições políticas democráticas (OLIVEIRA, 1987:79-93). Desse modo, o que se vislumbrou foi uma área espinhosa, que pouco congregava debates da sociedade civil, já escassos nesta área, e que foi entendida como “segurança da ordem pública”, compromisso relegado principalmente às polícias estaduais (Civil e Militar), à Polícia Federal e ao Corpo de Bombeiros (Art.144 da Constituição Federal de 1988).

94

Luiz Eduardo Soares, referindo-se às tensões vivenciadas quando trabalhou na Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. SOARES, L. E. Meu Casaco de General. São Paulo; Companhia das Letras, 2000. p. 202. 95 Maria Celina postula que, após o fim do regime civil-militar, os militares brasileiros têm sido aguerridos na defesa dos interesses da corporação, fato exemplificado não somente por meio da proteção conferida pela Lei de Anistia, mas também na manutenção de um sistema especial de aposentadorias de pensões, de preceitos na ordem e segurança internas e de um sistema judiciário próprio. O corporativismo militar, no entanto, configurase de forma diferente dos demais, como o do Judiciário, em decorrência da posse do monopólio das armas de guerra. Vide: D'ARAUJO, Maria Celina Soares. Militares, democracia e desenvolvimento: Brasil e América do Sul. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 2010. v. 1. 268p.

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A rigor, o trabalho de prevenção em segurança pública, por vias constitucionais, manteve um meandro com as forças armadas e a segurança interna, embora a primazia administrativa das polícias militares tivesse ficado a cargo dos governos estaduais. A opção de assegurar uma polícia ostensiva, militarizada, resultou da “inércia” histórica ou prolongamento do interesse das forças de segurança no ponto sensível de manter as Polícias Militares dos Estados como grupo auxiliar das tropas do exército (OLIVEIRA, 1987). Se analisarmos tal ponto pelo ângulo do institucionalismo histórico e path dependence, essa “escolha” re-afirmou uma configuração de policiamento que se tornou difícil de ser modificada nos posteriores governos democráticos. Afinal, se o combate à dissidência política, em tese, não fazia mais sentido, não houve retoques substanciais em matéria de segurança, pois, para as forças de ordem, ainda havia ameaças decorrentes de um contexto advindo “da proliferação de entorpecentes, da crise de autoridade, da inversão de valores, da facilidade do cidadão em se armar, das deficiências do sistema judiciário e da violência urbana” (OLIVEIRA, 1987:107). Concomitantemente, uma análise detalhada dos anais da Assembleia Constituinte permite inferir que a comissão responsável pela segurança pública reafirmou o anterior arranjo organizacional das polícias, visando manter prerrogativas funcionais e evitar a sobreposição de jurisdições entre o policiamento de prevenção e de repressão. Destaquem-se, logo, as emendas dos constituintes Celso Dourado e Adylson Motta. A primeira teve a intenção de remodelar as polícias, criando um só organismo, no qual estariam concentradas as funções ostensivas e investigativas. No entanto, o conservadorismo venceu e esta e outras tentativas de reforma não progrediram, pois, como bem resumido pelo constituinte Nelson Jobim em 1987, É necessário que tenhamos e venhamos a manter essa tradição brasileira, que tem funcionado no sentido de estabelecer a distinção fundamental entre a polícia judiciária, de um lado, e a polícia com função ostensiva de outro, reservando às clássicas polícias militares a função do policiamento ostensivo e reservando à polícia civil a função da apuração da infração penal, como órgão auxiliar do Poder Judiciário. [...] Evidentemente, ela [a emenda Celso Dourado] não tem viabilidade no terreno concreto, no terreno dos fatos. E lamentando ter que fazê-lo, mas rigorosamente presa à realidade indesmentível hoje no Brasil, a relatoria se manifesta contrária à emenda. (Diário da Assembleia Nacional Constituinte, pág. 1904)

Por outro lado, a emenda Adylson Motta complementou um acerto feito com deputados da época, como Farabulini Júnior, Paulo Ramos, Hélio Rosas, Arnaldo Prieto e

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outros que se dedicaram a encontrar uma solução “harmônica” entre os representantes96 das forças de segurança pública na Assembleia Nacional Constituinte: Se, entretanto, a Polícia Civil não visa a ocupar espaços de outros segmentos ou organizações, também não aceita que reduzam suas prerrogativas, que mutilem suas atribuições, ou que outros órgãos a tutelem. [...] Impõe-se assim que seja excluída esta expressão "preventiva" [sobre uma possível inclusão desta função à Polícia Civil], e isso não é contra a Polícia Civil. Os Srs. delegados de polícia, toda a Polícia Civil concorda com a supressão, a tal ponto que foi feito um acordo de aprovarmos este destaque suprimindo essa expressão e, em seguida, aprovamos a emenda do Constituinte Adylson Motta, que será a próxima emenda a ser discutida. Nessa emenda, vamos estabelecer que a polícia civil será chefiada por Delegado de policia de carreira. Este é o ponto nevrálgico que importa à polícia civil –é a preservação do delegado de polícia de carreira na chefia da polícia civil, para que não seja a função desvirtuada ou a carreira distorcida ou modificada de Estado para Estado ou de acordo com as contingências momentâneas. (Constituinte Gastone Righi, Diário da Assembleia Nacional Constituinte, pág. 1911)

A emenda, aprovada com 47 pareceres favoráveis97, conforme o parecer do deputado Bernardo Cabral, teria “sanado” os quadros da policia judiciária, impedindo de se trazer pessoas estranhas à função de delegado de polícia, “conhecedor do direito e da investigação”, já que tal cargo tinha sido preenchido muitas vezes por “ordens superiores ou externas” nos anos da repressão. A boa margem de aceitação se deveu a pareceres como os do Constituinte Luiz Salomão. Para ele, ao definir as diretrizes das polícias, a emenda “visava dar mais nitidez e transparência às práticas institucionais”, de forma a “isolar e tornar estanques as funções de cada uma das corporações responsáveis pela segurança pública” (Diário da Assembléia Nacional Constituinte, pág. 1915). Se a Constituição de 1988 pouco modificou a estrutura na qual se assentavam as polícias, ela conferiu a tais entidades o compromisso maior de zelar pela segurança pública. 98 Entendida como um “direito e responsabilidade de todos” e exercida para a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, segundo os termos do artigo 144, supracitado. No entanto, na ausência de distribuição de competências específicas, a 96

A atuação da Assembleia Nacional Constituinte, no Capítulo "Da Segurança Pública", trabalhou com o mecanismo de debate e votação na Subcomissão de Segurança, na qual foram ouvidos os segmentos interessados. Citem-se as Associações da Polícia Militar, clubes de Sargentos e Subtenentes; e associações da Polícia Civil, representados pelos delegados (espécie de comissários-chefes) que asseguraram defender os interesses da sua corporação. Vide: BRASIL. Diário da Assembleia Nacional Constiuinte. Anais e Ata de Comissões 1987/1988. 97 O Destaque n.° 6173, relativo à Emenda 23710 do Constituinte Adylson Motta. É uma modificação no art. 162. O § 2.º ficaria assim redigido: "As Polícias Civis dirigidas por delegados de polícia de carreira são destinadas, ressalvada a competência da União, a proceder à apuração de infrações penais e às atividades de polícia judiciária." (BRASIL. Op. cit., p. 1912.) 98 No Brasil, a definição da estrutura e função das polícias é matéria constitucional ficando definidos à Polícia Federal, a apuração de infrações com repercussão interestadual e a repressão e prevenção ao tráfico de entorpecentes; a polícia civil exerce as funções de polícia judiciária; e às polícias militares cabe a função de policiamento ostensivo (Constituição de 1988. Cap.III, art.144)

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segurança pública, nas entrelinhas, foi entendida como um problema dos Estados, uma vez que as polícias militares e civis ficavam a cargo deste nível da federação (RIBEIRO, 2008:11). O retorno à democracia foi um teste de ferro para os órgãos da segurança, pois o problema da criminalidade crescia exponencialmente no país, a despeito das tentativas de contê-la em alguns estados. Alguns estados, efetivamente seguiram o caminho da profissionalização, do aumento de efetivo, da modernização dos equipamentos policiais e da parceria com setores da sociedade civil

99

. Mesmo assim, o entendimento das políticas

públicas do período delimitava-se aos sistemas policiais e judiciais clássicos, “que foram montados sob princípios burocráticos” do paradigma da segurança anterior ou da incolumidade da ordem, na ótica das forças de segurança (SOUZA, 2011:3). Ao mesmo tempo surgiram espaços de disputas internas e de confrontos nas arenas estaduais, as quais são elucidadas pelo sociólogo Luiz Eduardo Soares (2000), a partir de uma análise do Estado do Rio de Janeiro. Ao escrever sobre o seu trabalho na Subsecretaria de Pesquisa e Cidadania, na segunda metade dos anos 1990, Soares relatou que a balança governista pendia ora do lado de propostas inovadoras, ora do lado das pressões de um núcleo duro e corporativista encastelado na própria polícia 100 . Avanços de um lado eram neutralizados pelo outro no momento subseqüente, tornando a administração uma verdadeira guerra de posições. Ao invés de ter que lidar com políticas públicas, segundo Soares, era necessário resolver conflitos para evitar uma desestabilização do governo. A essa categoria de problemas, de nível estadual, somaram-se indecisões na esfera federal ou da União. Neste nível, até os anos 1980, as políticas públicas como um todo eram promovidas com base na “centralização decisória e financeira”, pela “fragmentação institucional” e pelo “caráter setorial” (FARAH, 2001:89-90). No que tange ao ordenamento de segurança pública, desenvolvido a partir da Constituição Federal de1988, em regra, as políticas na área serviram de paliativo a situações emergenciais, sendo deslocadas da realidade social, desprovidas de perenidade, consistência e articulação setorial e horizontal (RIBEIRO, 2008).

99

Um desses estados foi o Ceará, que em 1997 criou a Secretaria de Segurança Pública e Defesa da Cidadania, unificando o comando estadual de segurança pública e estabeleceu parceria com a Universidade Estadual do Ceará, através Instituto de Estudos, Pesquisas e Projetos, em parceria com o CED – Centro de Educação, com a finalidade de reformular o ensino nas academias de polícia – em especial a Polícia Militar (SOBREIRA, MOTA BRASIL, BORGES BARBOSA; 2009:3). 100 Segundo Soares (2000), muitos policiais, militares ou civis, envolveram-se notoriamente com casos de ilícitos, trafico e seqüestros. Mesmo com esforços de reciclagem e profissionalização, instituíram-se verdadeiros feudos na corporação que desafiaram o poder central.

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Problemáticas complexas, como a criminalidade e violência, se trabalhadas dentro de uma ótica do federalismo, segundo Jonathan Rodden (2001), requerem esforços de coordenação, cooperação e barganha política para ganhar adesão diante dos custos de implantação de programas e de marcos estratégicos 101. Em boa parte dos anos de 1990, a agenda federal esteve pautada em pensar programas de transferência de novas competências sobre gestão de políticas sociais, sem ferir o principio de autonomia dos entes federados, para contar com sua anuência. Cada tema requeria suas próprias barganhas, mas a segurança pública perdeu visibilidade nessa agenda, diante das prioridades do governo Fernando Henrique Cardoso: reduzir a inflação, regular os repasses de recursos aos Estados e lidar com a questão fiscal, de modo a permitir a descentralização de políticas públicas (PALOTTI, 2009). O relativo ‘vácuo’ na liderança política na esfera federal, então, foi responsável pelo mencionado sub-tratamento da segurança pública relegando-a a ações pontuais na década de 1990. No Brasil, somente mais de uma década após a promulgação da “Constituição Cidadã”, no ano 2000, foi criado o primeiro Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP). Nele, a política de segurança pública passou a ser considerada, pelo menos na teoria, sob o contexto de uma sociedade democraticamente organizada, pautada no respeito aos direitos humanos, na qual o enfrentamento da criminalidade não significasse meramente “a instituição da arbitrariedade, mas a adoção de procedimentos tático-operacionais e político-sociais que considerem a questão em sua complexidade” (CARVALHO H.; SILVA, M.; 2011:62). A entidade gestora dos planos federais de segurança pública foi o Ministério de Justiça, dentro do qual sobressai a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Fundada em 1998, a SENASP trabalhou no sentido de articular e integrar ações e iniciativas em torno da segurança pública. Por sua vez, o PNSP de 2000 tinha como objetivo dar maior eficácia e caráter sistêmico às políticas governamentais de combate e prevenção da violência e criminalidade. O plano entrou na agenda do governo Cardoso como uma resposta ao seqüestro de um ônibus, veiculado em tempo real pela mídia nacional, o incidente resultou na morte de uma refém e no assassinato do seqüestrador. Embora pioneiro, ao plano “faltava uma orientação mais clara e uma concepção mais sistemática dos seus problemas” para planificar e executar suas 124 medidas, por exemplo, a respeito dos Programas Sociais de 101

Por sua vez, Beer diferencia descentralização como transferência de recursos públicos e capacidades de decisão para entes subnacionais, chamando-a de Realocação. A transferência somente de responsabilidades de implementação e gestão de políticas e programas desenhados e financiados pelo nível central seria caracterizado como Consolidação. (Beer, apud ALMEIDA, M. H. T. Federalismo e Políticas Sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo - ANPOCS, v. 10, n. 28, p. 88-108, 1995. p. 95)

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Prevenção à Violência (PIAPS)102 e em assumir seu compromisso com os direitos humanos. Embora rico em diagnósticos, houve, por assim dizer, pouca preocupação com a implementação e avaliação das medidas contidas no plano (RIBEIRO, E.; 2008:12) Para arcar com as despesas e incentivar novas posturas, o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), promulgado em Dezembro de 2001, tinha o objetivo de apoiar projetos inovadores na prevenção da violência em nível estadual ou municipal. No entanto, segundo Eduardo Ribeiro, em 2000, 85% dos fundos destinados foi utilizado na compra de equipamentos ou na construção e reforma de uma unidade de segurança. Já em 2003, no primeiro mandato do presidente de centro-esquerda, Luis Inácio Lula da Silva, um novo plano fez parte do governo. O Projeto Nacional de Segurança Pública para o Brasil (2003) destacouse por apontar o jovem, pobre e negro, como o eixo mais vulnerável à criminalidade e à desigualdade social 103 , na medida em que se encontra em um contexto mais próximo do mundo do tráfico ou de ser vitimado pela polícia (SOBREIRA, MOTA BRASIL, BORGES BARBOSA; 2009). O Projeto (2003) também recomendava a subordinação das polícias militares e civis ao comando das Secretarias Estaduais de Segurança Pública ou de Defesa Social e seus equivalentes, e propunha uma maior interface com a Polícia Federal e guardas municipais; algo avaliado como fundamental para a reestruturação gradual das policiais, e que significaria a “unificação da formação, da requalificação das rotinas e das áreas de atuação das polícias civis e militares” (Projeto de Segurança Publica para o Brasil, 2003. p. 31), o que, no entanto, não vingou ou foi consolidado. Por outro lado, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), inspirado no caráter universal do Sistema Único de Saúde, foi criado para articular de maneira mais incisiva as ações dos Estados e Municípios, respeitando-se as autonomias104. Através dele, os Estados 102

Os PIAPS foram idealizados dentro de uma gestão social integrada -interdisciplinar e intergovernamental. Em 2001, receberam mais de 300 milhões de Reais do Orçamento Federal. Segundo a lógica, diga-se “racionalista” do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o investimento representava uma economia nos gastos públicos da ordem de um para sete (para cada real gasto em prevenção, economizavam-se sete na repressão). Vide: Gabinete de Segurança Institucional. Das Políticas de Segurança Pública às Políticas Públicas de Segurança. ILANUD, 2001. Disponível em acessado em Dez. 2013. 103 “Juventude pobre e recrutada por unidades locais do tráfico de armas e drogas, responsável pelo varejo desse comercio ilegal: aí esta o centro de uma de nossas maiores tragédias nacionais, o nervo do processo autofágico e genocida”. (BRASIL. Projeto Nacional de Segurança Publica para o Brasil. Ministério de Justiça, 2003, p.7) 104 O SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) nasce com o Projeto de Segurança Pública para o Brasil (2003) do Governo Federal. Nesse contexto o SUSP simboliza uma mudança por parte dos gestores públicos [...] a partir de políticas de segurança que busquem a integração operacional entre as polícias, apostando na valorização das ações policiais de inteligência bem como do gerenciamento e do melhor compartilhamento das informações entre as instituições policiais a respeito da segurança pública e da justiça criminal. (SOBREIRA, MOTA BRASIL, BORGES BARBOSA; 2009:9)

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deveriam firmar convênios com o Ministério de Justiça, de forma a constituir gabinetes de ação integrada e medidas conjuntas que afetassem os três níveis federais. Segundo Eduardo Ribeiro, em 2008, o SUSP funcionava de modo mais completo apenas nos estados do Rio Grande do Sul e Espírito Santo, faltando ainda definir e consolidar suas diretrizes na maioria dos Estados do país. Além disso, a SENASP estipulou alguns eixos estratégicos para orientar suas ações no momento da implantação do SUSP, a partir do estabelecido no Projeto de Segurança Pública para o Brasil (2003), a saber: formação e valorização profissional; prevenção; estruturação da perícia; controle externo e participação social; e programas de redução da violência. Também se menciona a importância dada ao policiamento comunitário, como estratégia para esses agentes atuarem junto à sociedade, valorizando ações preventivas. Mas o receio de uma excessiva responsabilidade pela segurança levou o governo federal a deixar de patrocinar reformas mais concretas (RIBEIRO, E.; 2008:13), abandonando, assim, o seu protagonismo político, restringindo-se a ações ainda tímidas e pouco sistematizadas. Foi preciso outra crise, de proporções sérias, decorrente da atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC) - facção criminosa, com ligações com o sistema prisional, que aterrorizou São Paulo em 2005-, e a comoção a partir do caso João Helio -uma criança morta após a mãe ter sido assaltada em 2007-, para incentivar o lançamento de outro plano: o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI). O curioso deste programa é que, apesar do predominante discurso repressor na mídia e de justiça punitiva, por causa dos incidentes citados, o Plano de 2007 apostava na prevenção e na preocupação social como fundamentos de uma mudança rumo ao paradigma da segurança cidadã. Pela primeira vez após a promulgação da atual Constituição do Brasil, surgiu a perspectiva de democratização da política de segurança pública, pelo menos no âmbito da formulação de políticas federais, da possibilidade do exercício da cidadania por parte da sociedade nesse processo, visando ações que se espraiem para além do discurso da repressão. Em linhas gerais, o plano destinou-se a controlar a criminalidade por intermédio de estratégias orientadas para atingir as raízes socioculturais da violência, agregando segurança pública a políticas sociais, corroborando um informe do PNUD (2005) que alertava sobre a segregação social, racismo e violência freqüentes no país. Além da variável policial, segundo o Plano, uma vez que a segurança tinha que se voltar para o desenvolvimento integral dos cidadãos, era importante estabelecer uma ponte com educação, lazer, saúde e cultura, reconhecendo a natureza multi-causal da violência e das suas manifestações num viés do “ciclo vivo” das políticas públicas.

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[...] em parceria com estados da federação, combinando essas ações com políticas sociais para a prevenção, controle e repressão à criminalidade, principalmente em áreas metropolitanas com altos índices de violência. Nessa perspectiva, estabeleceram-se metas e investimentos que apontam avanços na constituição da política pública de reestruturação do sistema de segurança no seu todo, incluindo-se aí a esfera prisional, redefinindo as estratégias de ação e gestão. (CARVALHO e SILVA; 2011:64)

As noventa e quatro ações escritas no plano trouxeram outra novidade: a inclusão do sistema prisional para dentro da segurança cidadã. Considerado como escola do crime não só em decorrência de facções como o PCC, cujas ações criminosas emanaram de dentro dos cárceres, o sistema prisional ainda continuou sendo o ‘depósito humano’ ao qual se destinam os indivíduos ‘desnecessários’. Mesmo sendo um dos componentes fundamentais da ala penal e da segurança pública, o sistema prisional não foi considerado detidamente nos Planos anteriores, permanecendo com agudos problemas no tratamento dos carcerários e na lotação das instalações, como constatado em estudos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Núcleo de Estudos da Violência105. No âmbito local, em 2008 o PRONASCI atuava em onze regiões metropolitanas em parceria com os governos estaduais e municípios, tentando fortalecer a coesão e a participação social, especialmente dos jovens. No entanto, conforme estudo comparado na América Latina, no geral, os governos locais, inclusive no Brasil, ainda detêm pouca expertise e capacidade institucional para horizontalizar a gestão de políticas de segurança, de modo a torná-las mais inclusivas 106 . Uma experiência real de gestão, que compatibilize participação aliada à profissionalização e rearranjo das instituições policiais e de segurança, ainda é um desafio considerável no Brasil 107 . Enquanto não ocorria o encontro dessas duas dimensões, estas colidiam e se perdiam de vista diante da indefinição sobre os modelos de gestão a ser seguidos, tal como assinalava Cláudio Beato ainda a finais do século passado:

105

Entre os inúmeros trabalhos acerca da realidade do sistema prisional, vide: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Justiça Penal e Segurança Pública no Brasil: causas e consequencias da demanda punitiva. Revista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, v. 4, p. 94-113, 2009; e ADORNO, S.. Crimen, punición y prisiones en Brasil: un retrato sin retoques. Núcleo de Estudos da Violência e Quórum (Alcalá de Henares), v. 16, p. 41-49, 2006. 106 RIBEIRO, Eduardo. Políticas de Seguridad Pública y Prevención: El Caso Brasileño. In: Sistemas de Seguridad Pública en América Latina: Casos Comparados. Hugo Fruhling (org.), Centro de Estudios en Seguridad Ciudadana. Boletín N. 7, Santiago de Chile, 2008. 107 Algumas experiências municipais foram consideradas exitosas; como o programa “Fica Vivo” de Belo Horizonte, o Grupo de Policiamento de Áreas Especiais (GPAE) no Rio de Janeiro, e a Política de Redução de Homicídios, em Diadema, São Paulo (que se caracterizaram, respectivamente, por parcerias sociais, intervenção tático-estratégica para prevenir delitos, e planificação integral somada à inversão em tecnologia); mas elas foram pontuais ou focalizadas, ou seja, difíceis de serem replicadas temporalmente ou em escala regional e nacional. (RIBEIRO, E.; 2008:13).

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Qual o modelo a ser perseguido, entretanto, é algo que não fica claro. Aparentemente, o pano de fundo dessa ordem de crítica repousa na ideia de que modelos descentralizados de comando e organização são condições necessárias para a transição a um modelo de polícia “orientado comunitariamente”, em contraposição a um modelo “orientado profissionalmente” [...] que parece ainda prevalecer na definição constitucional e como orientação doutrinária em muitas organizações polícias estaduais. Entretanto, nem o número de forças policiais autônomas existente, nem a centralização/descentralização de comandos e sua aproximação com a comunidade em que atuam parecem guardar qualquer relação com os objetivos das organizações policiais, com métodos de policiamento utilizados ou com sua relação com o público [...]. (BEATO FILHO, C. C.; 1999:8)

O Plano de 2007 seguiu o tom em defesa do policiamento comunitário, que tem como fim alcançar uma intervenção policial em que os direitos de cidadania sejam respeitados, e a comunidade não mais vista como um inimigo a ser derrotado. No entanto, este enfoque no país é recente, e por isso poucos são as experiências e os estudos em torno dessa nova metodologia a fim de avaliá-lo. Enquanto isso, outros mecanismos foram acionados para enfrentar o problema da criminalidade. Os estados de Pernambuco, São Paulo e Minas Gerais, adotaram, na década de 2000, uma gestão por resultados que conseguiu reduzir, mesmo que momentaneamente, seus índices de violência se comparado com a década anterior (SOBREIRA, MOTA BRASIL, BORGES BARBOSA; 2009). Tal viés gerencial, embora preze por rearranjos institucionais, no entanto, resumiu-se a um paralelismo entre as medidas dos Planos Nacionais e as ações estaduais, que não se entrelaçaram aos planos de cunho federativo e desenvolveram ações administrativas próprias a partir das Secretarias Estaduais e dos comandos das polícias, que por sua vez, também apresentaram conflitos de coordenação (RIBEIRO, E.; 2008). Consequentemente, o planejamento integrado visando maior comunicação e fluidez entre os órgãos de segurança108; ainda deixou a desejar na formação de redes de participação e no tratamento de conflitos (sejam de natureza criminosa ou de reivindicações e manifestações sócio-políticas). A ênfase na repressão e na máxima de ‘mais policiais para ter ruas mais seguras’ foram a regra e o paliativo para enfrentar a criminalidade (ZALUAR, Alba; 2007). Outro ponto questionável da busca por resultados diz respeito à discricionariedade de entidades públicas para edificar suas estatísticas em segurança pública 109 . Embora o A título de exemplo, cite-se o denominado “Choque de Gestão” em Minas Gerais para integrar políticas públicas, de âmbitos gerais, visando objetivar resultados e indicadores de avaliação. Ver acesso em 23/11/2013 109 As pesquisas de vitimização seriam, em tese, as melhores bases de dados para aferir a prevalência criminal. No Brasil, entretanto, foram feitas apenas nove dessas pesquisas (quatro em São Paulo, quatro no Rio de Janeiro e uma em Minas Gerais), que se concentraram em alguns anos da década de 1990. Para maiores detalhes vide : CERQUEIRA, D. LEMGRUBER, J., MUSUMECI, L. (orgs.). Fórum de Debates em Criminalidade, Violência e Segurança Pública no Brasil: Uma Discussão sobre as Bases de Dados e Questões Metodológicas – 1º 108

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diagnóstico e planejamento nessa matéria possam ter fundamento –por exemplo, maior número de patrulhas, investimento em tecnologia e análise por geoprocessamento da criminalidade- o fato é que muitas vezes os incidentes com classificação temporária e/ou passíveis de mudança não são, geralmente, atualizados nas séries estatísticas, dificultando a sua classificação e estudo.110 Seja por problemas de coordenação em um país federativo, pela falta de uma ação integral para executar os Planos de Segurança, por coordenação dentro dos Estados e por desvios na construção de dados, o fato é que a segurança pública no Brasil apresentou inúmeras variáveis e tamanha complexidade, que naturalmente constituiu um dos maiores desafios da agenda pública. As políticas públicas nessa área careceram de eficiência e não foram sensíveis, na prática, no sentido de lidar com uma realidade multi-dimensional do crime, seja praticado por agentes de fora ou dentro do Estado, e para promover maior cidadania. “Se a sociedade brasileira progride no processo democrático, mesmo que de forma parcimoniosa, e também na provisão de diversos bens coletivos atinentes à saúde, à educação e ao trabalho, o mesmo não se dá no caso da ordem pública. Ao contrário, as últimas décadas de democracia assistiram a uma considerável deterioração da capacidade do poder público para controlar a criminalidade e a violência (Sapori, 2007, pg. 98). IN: (SOUZA, L. A. F.; 2011:13)

Para não deter-se no âmbito da gestão governamental, é preciso reiterar que o quadro da segurança pública na primeira década do século XXI no Brasil ainda conferiu às polícias ostensivas um papel preponderante, seja como braço político-administrativo dos governadores estaduais, seja como protagonistas, em muitos casos, de ações desproporcionais e de violação de direitos humanos. Esses excessos, muitas vezes conferiram ultimamente à corporação um ethos ambíguo diante dos valores democráticos. Isto é, a ideia de uma sociedade igualitária se constituiu num discurso que contradiz as praticas rotineiras de manutenção da ordem repressiva em uma sociedade de desiguais. “A policia paga esse preço, paga ao se apresentar como obliterada, sua semi-clandestinidade a transforma num bode expiatório dos conflitos não resolvidos satisfatoriamente no país” (KANT DE LIMA; 2007:84), e talvez ali resida seu considerável desprestígio, se comparadas a outras polícias.

Encontro: Conceituação do Sistema de Justiça Criminal, Crime e Relato I: As Bases de Dados Policiais. Ipea, 2000.. 110 “Por exemplo: se há um ‘encontro de cadáver’, que posteriormente se descobre ser resultante de um homicídio, a nova informação constará do registro de aditamento mas, provavelmente, não haverá correção para trás nos indicadores dos boletins de ocorrência. Outro exemplo seria o da ocorrência de ‘lesão corporal’, que dias depois tenha resultado na morte da vítima”. (CERQUEIRA, LOBÃO, CARVALHO; 2007:3)

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Ou seja, houve dificuldades em conciliar garantias legais, direitos humanos e políticas de segurança pública, sobretudo para as camadas mais vulneráveis da sociedade. As interpretações, em geral, apontam para explicações de caráter sócio-cultural mais amplo. Teresa Caldeira (2000) apontava para a existência de uma democracia brasileira “disjuntiva”, na qual a lógica dos direitos civis e políticos não acompanha substancialmente a lógica dos direitos sociais. Segundo a autora, para parcela importante da população, os direitos civis são deslegitimados pela violência do estado e pelo enraizamento do crime organizado em seu controle territorial sobre as comunidades segregadas (CALDEIRA, T. P. R.; 2000:55). Nesse sentido, e corroborado por inúmeras notícias e vídeos da era digital, ficou evidente que nas primeiras décadas da renascente democracia brasileira, a maneira de se levar o policiamento ostensivo foi notavelmente questionada, principalmente por ela desacreditar na garantia de Direitos, valendo-se de ferramentas que lembram o paradigma da segurança nacional 111 . Ao invés da prevenção ou solução de conflitos, muitas vezes optou-se pela supressão dos conflitos. Cabe realizar um profundo estudo empírico ou de opinião, mas, na ótica das polícias militares, a legitimidade e sucesso das suas ações dependeriam daquilo que o Estado deseja para a sociedade, não do que a sociedade deseja. “Até porque esta só fornece visões parciais de si mesma, uma vez que está segmentada e estratificada” (KANT DE LIMA, 2007:83). Isto é, a preferência no combate à criminalidade recaiu na percepção de que esta afetava a ordem ou a institucionalidade definida de cima para baixo, e não porque se constituía num empecilho à construção da cidadania, encarnando, desse modo, o “paradigma de segurança pública”. Num estudo histórico sobre políticas de segurança pública na virada do terceiro milênio, cabe finalmente mencionar que os desvios cometidos na prevenção e combate ao crime numa sociedade que, como a brasileira, é caracterizada “pela persistência de um autoritarismo social em suas diferentes manifestações: isolamento, segregação, preconceito, carência de direitos, injustiças sociais, opressão, agressões às liberdades civis e públicas – violações de direitos humanos.”

112

E, já que para conter o crescimento da criminalidade

violenta tem se recorrido a um controle igualmente violento da ordem pública, cujos resultados se espelham, não raro, no uso desproporcional das forças policiais repressivas, o paradigma da segurança cidadã parece um discurso distante ou de presença rarefeita. Pois desde o inicio da redemocratização no país “O que se viu nas últimas duas décadas, foi uma escalada ímpar da violência policial. Portanto, o uso abusivo da força policial permanece um problema a ser erradicado [...]”. Sérgio Adorno em: Paulo S. C. NEVES (Org.); RIQUE, C. D. G. (Org.); FREITAS, F. B. (Org.). Polícia e Democracia: Desafios à Educação em Direitos Humanos. 1. ed. Recife: Edições Bagaço, 2002, prefacio, p. 9. 112 Cf. ALVAREZ, Marcos César, Fernando Salla e Luís Antônio F. Souza. Políticas de segurança pública em São Paulo: uma perspectiva histórica. Justiça e História. Vol. 4 (08). 2004. Pg. 195. 111

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Dito isso, procederemos às seções que abordam outros pilares da segurança pública do país: o código penal e a relação entre o Ministério Público e as polícias, de modo a também verificar os princípios democráticos e de eficiência na gestão do processamento da justiça em parceria com a investigação criminal.

3.2.

Reformas no Código de Processo Penal O Direito e o processo penal a ele adjacente variam de acordo a época e ao grau de

preservação das liberdades políticas e civis de uma determinada sociedade. Nos Estados contemporâneos, de forma resumida, quando a ordem pública se concentrou no crescimento de uma “ameaça” –seja uma dissidência política ou de âmbito criminoso-, sobressaíram também os sentimentos de insegurança e intolerância que justificariam o endurecimento das reações sociais visando cumprir a ‘lei e ordem’, tornando assim as normas penais e processuais mais severas e inflexíveis, inclusive de cunho mais inquisitório. Em contrapartida, quando a “ameaça” decaía, ou as reações duras deixaram de apresentar resultados eficazes, começaram a se elaborar meios mais transigentes e tolerantes com as garantias individuais, movendo o pendulo do processo penal em direção a um modelo mais acusatório. Desta forma, os sistemas processuais inquisitório e acusatório também são reflexos da resposta do processo penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado em determinada época

113

. Estes

sistemas, se considerados como modelos puros, como elucidado na introdução, são os principais arcabouços teóricos que inspiram a aplicação da lei penal na contemporaneidade. Mas as suas matrizes nos remetem à Época Moderna, no qual se recorreu à essência do modelo processual inquisitório na busca pela “verdade material” para aplicar a penalidade. Caracterizando-se, principalmente, pela não observância do princípio da imparcialidade, pois a separação de funções não fazia sentido àquela altura e o mesmo órgão judicial podia investigar, processar e finalmente julgar. O processo inquisitório pautava-se por ser escrito e secreto, carecendo de qualquer contraditório, ou seja, simplesmente não existia ou se negava o fundamento da contraposição das partes (acusação e defesa)114. Embora aqui simplificado, tal modelo foi uma constante no Antigo Regime, mas as suas práticas se prolongaram no tempo e

113

Para um breve histórico do processo penal na investigação criminal, do antigo Egito à idade contemporânea, vide: SANTINI, Valter Foleto, O Ministério Público na investigação criminal, 2 ed., rev. ampl., Bauru: Edipro, 2007. 114 COSTA, Paula Bajer Fernandes da. Ação Penal Condenatória, São Paulo: Saraiva, 1995. Introdução.

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espaço, embasando os processos penais inclusive de regimes autoritários como os da América Latina no século XX. Na contemporaneidade Latino Americana, e passados mais de 200 anos da Revolução Francesa e do nascimento dos direitos universais do homem, após o fim de regimes de cunho autoritário a valorização das garantias individuais re-adquiriu notoriedade, motivando a reestruturação do modelo penal acusatório115. No modelo acusatório, dito da melhor forma como acusatório-misto, além da oralidade e no processo de imputação, a forma de processamento penal estava correlacionado com um sistema no qual se prezava por uma segregação da função de investigar/acusar e julgar, sendo necessário um responsável pela acusação prévia. “Nasceu, assim, a figura do promotor de justiça e, juntamente, o Ministério Público”. 116

[...] no nosso mundo a verdade material já não é um valor supremo, contrariamente à dignidade da pessoa humana, à sua integridade, à sua liberdade de pensar e conhecer, sem qualquer coação, interpelação, provocação. A busca da verdade material não se pode prender com métodos ou meios criminosos com a finalidade de combater o crime, pois seria a realização de uma justiça enferma com fim de um processo penal doente, cultivado por uma sociedade delatora e germinadora da sua autodestruição. (VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Dos órgãos de polícia criminal: natureza, intervenção e cooperação, Coimbra: Almedina, 2004.p. 47)

Assim, a nova postura do Direito na forma de interpretar os procedimentos penais dentro do sistema enveredou para o modelo acusatório misto, dito assim porque possui a primeira fase inquisitiva e a segunda acusatória, mantendo-se, muitas vezes, a publicidade e a forma escrita e, excepcionalmente, garantindo-se o sigilo e a forma oral. Adotado por muitas democracias ao redor do globo, também é dito acusatório misto por aproximar-se da práxis dos ordenamentos de justiça, uma vez que apresenta uma conjugação de características inquisitórias ou acusatórias que conferem especificidade a cada caso, mas que prezam por aproximar-se cada vez mais do modelo acusatório, por este ter maior aceitação e afinidade com os direitos e liberdades da cidadania (SANTINI; 2007). 115

Embora as reformas do processo penal na Europa, em certa medida, sejam uma conseqüência natural das profundas mudanças políticas de democratização ocorridas leste e sul daquele continente, elas têm origem igualmente devido à jurisprudência emanada pela Corte de Estrasburgo e pela Corte de Justiça de Luxemburgo. Atores que geraram um movimento mundial sem precedentes na reforma do processo penal. (TULKENS; SALAS. In: DELMAS, Mireille (org). Processo penal e direitos do homem: rumo à consciência européia. Barueri: Manole, 2004. p. 27-29.) 116 O Ministério Público, no sistema misto, foi oficializado como o órgão com legitimidade para acusar, “o que contribuiu para a efetividade da persecutio criminis, já que é um órgão diverso daquele que possui o jus puniendi”, com sucesso graças ao princípio da publicidade e da legalidade, além da imparcialidade e da presunção de inocência, antes não existentes no inquisitório. (COSTA, Cristine Osternack. A Investigação Criminal no Brasil e em Portugal: Reflexões sobre a Figura do Promotor Investigador. Revista Jurídica (FIC), v. 1, p. 99-148, 2011, p. 109)

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No final dos anos 1980 até os anos 2000, a reforma dos Códigos de Processo Penal foi inserida no processo de consolidação democrática na América Latina, constituindo-se a Convenção Americana de Direitos Humanos e os direitos fundamentais como guias na redação nas Constituições e Códigos do momento. Por exemplo, uma comissão formada por professores e juristas apresentou, em 1988, o Código de Processo Penal para Ibero-América (GRINOVER; 2000:41). Esse modelo, calcado na Convenção Americana de Direitos Humanos, foi insumo das recentes reformas processuais penais de países como Argentina, Guatemala, Costa Rica, El Salvador, Chile, Venezuela, Bolívia, Paraguai e as reformas parciais no Brasil. 117 No que se refere ao histórico do Brasil, o Código de Processo Penal (CPP) foi arquitetado em 1941, época do Estado Novo, período ditatorial que perdurou de 1937 até 1945. Desde então, o Código sofreu seguidas alterações pontuais, mas, em linhas gerais, a cada nova Constituição editada no país, um conjunto de leis era promulgado para tentar adaptar o CPP ao novo arcabouço jurídico. Com a edição da Constituição de 1988, contudo, ocorreu o maior número de alterações no Código. A densidade principiológica da Constituição de 1988, notadamente em relação às declarações dos direitos fundamentais, que passaram a ser concebidos na qualidade de normas jurídicas elevadas à potência máxima, revogou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, ao tempo em que determinou uma (re)leitura e (re)interpretação de seus dispositivos com esteio nessa nova ordem jurídica, o que recomenda e exige uma modificação substancial da legislação infraconstitucional criminal, a fim de adequá-la ao paradigma do Estado constitucional, o qual possui como meio e fim os direitos fundamentais. (SILVA JÚNIOR; 2009:22)

No entanto, segundo Walter Silva Junior (2009), as diversas modificações pontuais de 1988 não alteraram, efetivamente, a sombra projetada pela Constituição de 1937, tendo permanecido um perfil antidemocrático e policialesco, influenciado pelo modelo inquisitório, e práticas de uma burocracia morosa além do sistema presidencial das audiências 118 . O sistema misto brasileiro permaneceu com forte “sotaque” inquisitorial, conferindo ao juiz a

117

GRINOVER, Ada Pellegrini. O código modelo de processo penal para Ibero-América 10 anos depois. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 70-76. 118 O Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941 (código de processo penal brasileiro), continuou em plena vigência produzindo todos os efeitos legais dentro do ordenamento jurídico-penal, tendo sido devidamente recepcionado pela Constituição de 1988 em todos os artigos cuja aplicabilidade não foi afastada pelo “Excelso Pretório” nos mais de vinte anos de vigência da Carta Política, mas vale observar que o poder do delegado de polícia foi reduzido na Carta, uma vez que lhe foi retirado o direito de expedição de mandado de busca e apreensão, poder exercido muitas vezes em função de conveniências e interesses privados, transferindo-se para a competência judicial. Vide: A Reforma Processual Penal de 2008 e a Ordem de Inquirição das Testemunhas após a Novel Redação do Art. 212 do CPP. Juiz Pedro de Araújo Yung Tay Neto. Disponível em acessado em Dez. 2013.

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prática de fazer todas as perguntas, não sendo permitido às partes fazê-las diretamente às testemunhas. O Ministério Público, muitas vezes, não era tratado como parte. A disciplina procedimental, especialmente para os processos de rito ordinário e para o tribunal do júri, tornava os procedimentos excessivamente burocráticos e morosos, uma vez que era eminentemente escrito, adotando-se a oralidade só em relação aos debates. Então, ainda havia a necessidade de dar celeridade e adequar o Código às garantias fundamentais da Constituição Federal (SOUZA, CARBONI; 2008:41-48). Na busca dessa adequação, apenas em 2008, um pacote de três leis, N°s. 11.689, 11.690 e 11.719

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, alterou dispositivos do Decreto Lei 3.689 ou Código de 1941, nos

seguintes aspectos: suspensão do processo e efeitos da sentença penal condenatória, provas, incluindo interrogatório do acusado e defesa efetiva, prisão, medidas cautelares e liberdade, júri e ações de impugnação. Entre as inúmeras normativas, inclusive no requisito de expertise oficial para realizar o exame do corpo delito (art. 159, Lei 11.690), pode-se ressaltar que o grosso delas veio a reforçar a imparcialidade do Juiz e regulamentar os procedimentos em consonância com a não violação das normas constitucionais na imputação, como exploraremos a seguir. Tal reforma, entretanto, já possuía um histórico de anteprojetos visando à substituição do CPP. A partir do ano de 2000 o Ministro de Justiça do governo Cardoso, José Carlos Dias, convidou o Instituto Brasileiro de Direito Processual a apresentar propostas de alteração ao Código de Processo Penal já existente. Formou-se, então, a denominada “Comissão Ada Pellegrini Grinover”. Engrossada por juristas, incluindo a homônima, os anteprojetos dessa comissão foram transformados no projeto de lei n. 4.205/01 proposto pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional. Os trabalhos visavam apenas alterar o CPP, uma vez que tal procedimento demandava menos tempo e negociação política e legislativa, do que elaborar e sistematizar um novo Código. Mesmo assim, as medidas só foram efetivadas sete anos depois com as referidas três leis. 120 Na busca de uma atividade jurisdicional imparcial e fundamentada na prova produzida em contraditório, a reforma de 2008 destacou a separação entre a fase de investigação e a fase da ação penal; tendo como escopo legislativo os seguintes eixos: 1) fortalecimento do sistema acusatório, através do julgamento de provas 2) reforço às garantias do acusado; 3) celeridade 119

Lei N. 11.689 de Junho de 2008, Disponível em acesso em Dez. 2013. 120 Reforma Processual Penal: uma análise após três anos de alterações legais do CPP. Jornal Carta Forense 26/06/2012. ISHIDA, Válter Kenji. Disponível em acessado em Dez. 2013.

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e juízo oral; 4) efetividade na busca da prestação jurisdicional; 5) revalorização do papel da vítima (MENDONÇA, A. B.; 2008:76). Em vista das inúmeras alterações legislativas ocorridas em 2008 com as três leis supracitadas, delimitaremos àquelas que tangem aos atos investigatórios. Neste âmbito, incumbiu ao juiz preservar os direitos e garantias fundamentais do investigado, reafirmando o mecanismo de perguntas diretas e do exame cruzado (cross examination) de acusação e defesa às testemunhas. Mas a maior guinada do CPP brasileiro recaiu sobre a forma de julgar as provas contra o imputado. Na reforma do Art. 155 do CPP, a Lei 11.690/08 destacou a necessidade de constar da acusação todos os elementos e circunstâncias do crime, não mais sendo possível ao julgador ampliá-la com base em provas surgidas “exclusivamente” durante a instrução probatória ou inquérito policial (MENDONÇA, A. B.; 2008). No entanto, segundo Andrey Borges de Mendonça, interpretações a favor do inquérito consideraram que não houve substancial ampliação do princípio do contraditório, uma vez que “seriam muito restritas as hipóteses de limitação aos direitos do investigado durante o inquérito policial, especialmente pelas garantias asseguradas pela atual Constituição Federal e pela orientação dos nossos Tribunais Superiores” (MENDONÇA, A. B.; 2008:77). Mas, por outro ângulo, o fato de considerar provas advindas do inquérito, desde que em conjunto com o contraditório, oxigenou o CPP com ares mais acusatórios. Inclusive, é de se destacar que a expressão “exclusivamente” foi objeto de controvérsia no Congresso Nacional durante a tramitação do projeto. No Senado, houve emenda para que a referida expressão fosse excluída, de forma que o magistrado não pudesse considerar nenhum elemento produzido durante o inquérito policial (MENDONÇA, A. B.; 2008:78). Todavia ela foi recusada, pois segundo alguns parlamentares, não se podiam desprezar, a priori, os elementos coletados durante as investigações, muitos dos quais não são repetíveis ou reconstituíveis, e que por sua vez podem vir a reforçar as provas colhidas em juízo. Então, mais do que uma reforma, buscou-se um novo entendimento para encontrar o equilíbrio entre; a) “[...] valoração excessiva da prova produzida no inquérito, quando não há ainda contraditório”, e a polícia exerce sua discricionariedade para investigar e encaminhar o processo penal; e, b) “valoração apenas da prova produzida em contraditório, com desprezo ao acervo reunido na fase de investigação”121. Por ter preservado um equilíbrio entre uma fase de caráter inquisitório com outra fase acusatória, a reforma relegou um caráter dúbio ao CPP do Brasil, o qual ainda é dito como 121

FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Lei N. 11.69/08: Reforma no Tratamento das Provas Processuais Penais. In: Reforma processual penal. 1ed. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008, v. 2, p. 179-180.

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acusatório misto de tendência forte inquisitória na sua práxis122, já que ainda permitiu ao juiz determinar a produção antecipada de provas mesmo antes de instaurada a ação penal, em caráter de urgência, sem acusação formal veiculada (art. 225 do CPP) 123, e pela forma de levar-se adiante as medidas pré-processuais ou do inquérito, como veremos na próxima seção. Além disso, as leis não resolveram o problema da morosidade do processo penal, pois os pontos de estrangulamento do sistema estariam na fase do inquérito policial e na perpetuação do processo em instâncias superiores da Justiça, temas os quais não foram objeto das alterações legislativas (FUDOLI; 2008:180). Isto significou, portanto, que as normas em questão foram de natureza exclusivamente processual penal, não versando, as saber, sobre crimes e penas, e não se relacionando com o aumento ou a diminuição do poder punitivo estatal. A conclusão é que o processo não pode ser considerado como um fim em si mesmo, pois sua razão de existir está no caráter de instrumento-meio para a consecução de um fim. Esse fim não deve ser exclusivamente jurídico, pois a instrumentalidade do sistema processual não está limitada ao mundo jurídico (direito material ou processual). Por esse motivo, o processo deve também atender as finalidades sociais e políticas, configurando assim a finalidade metajurídica da jurisdição e do processo. (Reforma Processual Penal: uma análise após três anos de alterações legais do CPP. Jornal Carta Forense 26/06/2012. ISHIDA, Válter Kenji. p.3)

As reformas delimitaram-se a trabalhar no âmbito jurídico, sem abranger uma visão sistêmica do procedimento criminal como um dos pilares da segurança pública e do sistema carcerário. A finalidade sócio-política em segundo plano, por exemplo, mitigou o uso razoável da prisão preventiva e das sentenças criminais num prazo estipulável com as garantias individuais, numa lógica que busca trancafiar presumíveis criminosos enquanto se realiza a apuração dos delitos124. Isto é um indicio que, no país com a quarta maior população carcerária no planeta em 2008 125 , as questões relacionadas à situação prisional foram trabalhadas de forma deslocada da realidade social durante o período democrático, ainda mais se considerarmos que as ações, “voltadas para o enfrentamento da violência e da 122

É a instrução probatória que determinará se o sistema é essencialmente acusatório ou inquisitório. Com isso, a gestão da prova torna-se a “espinha dorsal” do processo penal. (LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, op. cit., p. 70.) 123 Isto se distancia de uma postura inercial, longe da colheita de provas, realizada pelas partes, na qual o juiz limita-se a analisá-las, dentro da livre convicção, para aplicar o direito ao caso concreto. (Idem. p. 71) 124 Tentando atenuar esse quadro e considerando o princípio da presumida inocência, a Lei n. 12.403/2011 procurou inibir a sistemática das prisões provisórias com ou sem fiança, isto é, aquela que ocorre durante o processo ou a investigação, antes que o acusado seja culpado pelo crime. Lei 12.403 de 2011, Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências. acesso em 01/12/2013 125 Radiografia do sistema carcerário revela número desproporcional de presos provisórios. acesso em 01/12/2013

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criminalidade, ao culminarem com a prisão, impuseram [e trouxeram à tona] a questão do cumprimento da pena na lógica estrutural do sistema de segurança pública”. (CARVALHO; SILVA: 2011:64)

3.3.

O Ministério Público e a investigação policial Em cada país, a relação entre Ministério Público e a polícia é um valioso instrumento

para verificar a ‘fluidez’ da Justiça acionada no processo penal e a sua consonância com as garantias e liberdades democráticas. No Brasil, antes da Constituição Federal de 1988, vigorava a Lei No. 4.611, de 2 de abril de 1965, época da ditadura civil-militar. Através dela a autoridade policial, via portaria ou auto de prisão em flagrante delito, podia agir como órgão de acusação, instaurando autênticos processos penais dentro das Delegacias, na qual a autoridade policial assumia as funções de “juiz” (MORAES, 1991). Em 1985, fim da ditadura civil-militar, a Lei nº 7.374 ampliou as áreas de atuação do Ministério Público na área de defesa dos interesses difusos e coletivos, direcionando o órgão para a área civil pública. Por sua vez, a Constituição de 1988, marco do processo de democratização da brasileira, conferiu autonomia à entidade em relação aos três poderes da República, além de designá-la como responsável pela defesa do regime democrático e dos interesses públicos, sociais e individuais. Assim, no seu Artigo 129, o órgão foi capacitado de “promover o inquérito civil e a ação pública”, e “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais” (Art. 129, III e VIII, Constituição Federal), mas sem explicitar a sua relação com as polícias para cumprir especialmente a última diligência. Mesmo assim, a partir de então o Ministério Público pretendeu imbuir-se cada vez mais com a cidadania, a exemplo da sua maior participação junto à Polícia Federal nas investigações relacionadas à corrupção e improbidade administrativa em meados dos anos 2000, principalmente, na região Sudeste (ARANTES, 2010). No entanto, ele só podia mover “ações administrativas” (Art. 129, VI) e não possuía competência para presidir inquérito penal em relação à conduta de servidores públicos, inclusive no “controle externo da atividade policial” (Art. 129, VI), pois as polícias não estão subordinadas administrativamente ou funcionalmente ao parquet.

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O ministério Público, logo, foi impelido a requisitar ou mover ações penais a partir da ação das polícias Judiciárias126, diferente do que foi observado no caso chileno, no qual o Ministério deteve a função tutelar para dirigir as polícias em todo o processo penal. Tal configuração decorre, por outro lado, porque na redemocratização do país, a Carta também possibilitou que, no âmbito penal, o Ministério Público re-entrasse em cena como parte acusatória e como destinatária do escopo investigativo da polícia para poder acionar a Justiça. Para ser mais completo, ressalte-se que o ciclo do sistema de justiça penal brasileiro configurou-se na seguinte ordem: policiamento ostensivo da Polícia Militar; polícia judiciária, executada pelas polícias Civil ou Federal; promotoria levada a cabo pelo Ministério Público; e a fase judicial, podendo ser ativado o sistema penitenciário em caso de condenação (CERQUEIRA, 1998). No entanto, ao longo do século passado, institucionalizou-se uma prática de âmbito administrativo, mas de essência judiciária, que é o inquérito policial. Ao exercer o poder de investigar e “julgar” o fato criminoso ainda que de maneira preliminar, a polícia conseguiu estabelecer um mecanismo discricionário considerável para enveredar o ritmo e o tom da persecução penal. As autoridades da polícia judiciária, os delegados, costumaram-se a cumprir funções mais ligadas ao esclarecimento do crime para levantar a acusação e fornecer os insumos para o juiz decretara sentença. Isto ocorria porque, como foi mencionado, o Ministério Público era peça secundária até a Carta de 1988. Em muitos países tem se discutido o significado e abrangência do conceito direção funcional da polícia por parte do Ministério Público. No Brasil, embora a Constituição Federal relegasse ao Ministério Público o controle externo da atividade policial, ela não alude especificamente à forma ou a consistência desse controle. O CPP tampouco estabelece uma relação orgânica entre ambas as instituições (WEBER O., 2007:121; BARROSO, 2004). O inquérito policial continuou sendo levado a cabo quase que exclusivamente pela polícia judiciária, limitando-se a intervenção da promotoria a uma ratificação ou correção, em matéria jurídica, das atividades policiais.

“A Constituição Federal [do Brasil] dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, III). Mas, a norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime. Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial”. (Ministro do Superior Tribunal Federal, Nelson Jobim, após breve exposição sobre a evolução histórica da matéria, a qual relatava que desde os anos 1930 se discute a adoção da fórmula dos juizados de instrução, sem que ela jamais tenha prevalecido. Ele ainda lembrou que na Assembléia Constituinte de 1988 voltou-se a debater a questão, tendo prevalecido o modelo tradicional do inquérito policial. Vide: BARROSO, 2004:7) 126

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A persecução penal, em muitos países, é precedida de uma fase preliminar ou preparatória destinada a apurar se houve crime e a identificar o seu autor. A atribuição de conduzir essa fase preliminar pode ser exclusivamente da polícia, como no sistema inglês da tradição da common law, ou do Ministério Público, como no chamado sistema continental, que dispõe da polícia judiciária para aprofundar as investigações. Mas no Brasil se encontra uma solução mista para esta fase preparatória da persecução penal: cabe a polícia a investigação preliminar e a produção de um relatório juridicamente orientado do resultado dessas investigações. (MISSE, Michel; 2009:12).

As reformas de 2008 tentaram atenuar esta direção, mas, quando comparado com outros países da América Latina, o Brasil é um caso no qual, historicamente, a polícia manteve mais relações com a justiça do que com o Ministério Público (Centro de Estudios de la Justicia de las Américas, in: RIEGO, 2005). Roberto Kant de Lima (1999 e 2007), um dos pioneiros a estudar essa particularidade da polícia e da justiça no Brasil, apontou que o molde de construção da verdade investigativa, de tradição inquisitorial, ultrapassa aspectos processuais. Estaria atrelado a um tipo de sociedade piramidal, permeada por estratos ou diferenças sociais, na qual os órgãos policiais e penais buscam impor ordem sobre um espaço público de superposição desordenada de interesses. Nesse espaço, os distúrbios são interpretados como um atentado à ordem pública, emanada desde cima da pirâmide, e que devem ser suprimidos para esconder o seu caráter instável e excludente127. Sem ir muito longe nesse raciocínio, basta perceber que a Justiça no país tem sido muito discricionária para condenar determinado perfil de criminoso, oriundo da base dessa “pirâmide” (AZEVEDO, 2009). Concomitantemente, talvez a referida sobreposição desordenada de interesses tenha atingido as instituições do sistema de persecução penal. A relação entre as polícias Judiciária e o Ministério Público, especialmente na década passada, tem sido áspera. Ela foi marcada por conflitos de atribuições e prerrogativas em torno da investigação criminal e, no âmbito da gestão, pela falta de coordenação e institucionalização de práticas administrativas que permitissem dar maior ‘fluidez’ ao trabalho dos dois lados, levando, segundo levantamento do Ministério Público Federal, ao acúmulo de mais de 70 % (setenta por cento) de inquéritos sem conclusão do total recebido pelas promotorias até o ano de 2011.128

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A explicitação dos conflitos é indesejável, se constitui em indicador de desarmonia e de desordem, requer tratamento severo e difere da administração por negociação de conflitos. "Aqui [nas sociedades hierárquicas e desiguais], os conflitos simplesmente não podem existir porque cada um deve permanecer no seu lugar" (KANT DE LIMA, 2007:82). 128 País tem 3,8 milhões de inquéritos sem conclusão. Portal Consultor Jurídico. Dados de Ministério Público – Um Retrato, 2011. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2013-jan-10/pais-34-milhoes-inqueritos-policiaisconclusao-aponta-cnmp> acessado em Nov. 2013.; O Pingue Pongue dos Inquéritos. Michel Misse, disponível em Nov. 2013.

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Diante dos entraves de morosidade administrativa, não tardaram a surgir críticas ao inquérito. Segundo o advento dos princípios acusatórios, nas mencionadas correntes de Direito internacionais, se há a presunção de inocência, não haveria motivo para se fazer uma indicação preliminar de culpa tal como realizado pelo inquérito. Nesse sentido o inquérito seria responsável por ferir de antemão as garantias do imputado (ZAVERUCHA, 2004). A opinião contrária, advinda prioritariamente por delegados de policia, defende que no inquérito já pode haver acompanhamento das partes. Além do mais, por meio dele o acusado já teria noção das provas que serão utilizadas, dando tempo e terreno para a preparação da defesa (NOGUEIRA, 2011). Mas os opositores ao inquérito também argumentam que o delegado de polícia funciona como se fosse um juiz de instrução e a delegacia como se fosse um cartório: “Costumo dizer que o escrivão acaba sendo mais importante do que o detetive que deve proceder à investigação criminal. Atribuo a esse quadro, típico do cenário brasileiro, o processo de burocratização e de ineficácia da investigação criminal” (CERQUEIRA, 1998:139) Além disso, o supracitado acúmulo de inquéritos e lentidão nos processos esvaeceram o conteúdo e rigor da resolução de crimes129. A baixa eficiência do sistema penal repercutiu no desempenho carregado de desleixo na pericia e improbidade técnica. “As exigências de produtividade, por sua vez, foram neutralizadas pelo despreparo nos recursos humanos e motivacionais, e pela confusão entre interesses privados e funções públicas” 130 levando a um círculo vicioso entre entraves burocráticos e precárias condições de trabalho, e que aumentaram a sensação de “falência” da Justiça da perspectiva de muitos cidadãos. Paralelamente, embora os estudos sócio-políticos acerca do Ministério Público em matéria penal sejam escassos; uma das poucas pesquisas de opinião sobre afinidade pessoal no viés das políticas criminais no Estado do Rio Grande do Sul em 2005 -na qual mais da metade (54%) dos promotores e procuradores responderam ser adeptos da “tolerância zero” com o criminoso (AZEVEDO, 2009:103)-, pode ser um indício palpável de que ainda foi predominante uma cultura punitiva, inclusive no órgão que deveria perseguir melhorias da persecução penal em termos da não violação das garantias constitucionais do acusado. Por outro lado, em nosso marco temporal adotado, têm-se discutido que tão grave quanto a militarização excessiva da polícia ostensiva, tem sido a “advogadização” da polícia “O caráter inquisitorial reproduziu um sistema de crenças baseado na ideia de ‘verdade real’, de onde decorreu a necessidade do cartório, de tomar os depoimentos com fé pública, o que transformou a investigação policial numa produção interminável de papéis escritos e com firma reconhecida”. (MISSE; 2009:16). 130 Sérgio Adorno em: Paulo S. C. NEVES (Org.); RIQUE, C. D. G. (Org.); FREITAS, F. B. (Org.). Polícia e Democracia: Desafios à Educação em Direitos Humanos. 1. ed. Recife: Edições Bagaço, 2002, prefacio, p. 10. 129

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judiciária, que levou a executar nas delegacias um ritual semelhante ao que é exercido pela justiça através das varas criminais (BEATO FILHO, 1999). A carreira de delegado da polícia, no Brasil, tem sido uma prerrogativa de advogados131. E como se já não bastasse os atritos com as Promotorias, a hegemonia da cultura jurídica na atividade policial investigatória colocou em rota de colisão a figura do delegado com a dos agentes de campo e perícia, que tentaram remodelar os quadros internos e as carreiras policiais. Para o sociólogo Cláudio Beato (1999), os confrontos internos seriam um caso típico de organizações de conotações rígidas, como as polícias, nas quais os ranks superiores tendem a uma perspectiva mais administrativa delas. “Como tal, acreditam que o organograma traduz o sistema de hierarquia e o fluxo de comando organizacional”. E na outra ponta, porém, tem-se “uma atividade profissional altamente discricionária e que, para ser adequadamente realizada, exige um grande grau de autonomia e iniciativa” e que podem demandar mudanças. (Elizabeth Ianni, citado em BEATO FILHO; 1999:11). Ainda segundo Beato, a observação da estrutura policial de outros países relata que as organizações policiais tendem a ser conservadoras em relação às suas práticas tradicionais de operação, e qualquer tentativa de estruturá-las ou de considerá-las em uma gestão mais sistêmica não pode desconsiderar o confronto com esses elementos culturais e organizacionais. O “grau de centralização no comando dessas forças pode ter a ver com as tradições estabelecidas nas origens da força policial”. (BEATO FILHO, 1999:11) O caso do Brasil é interessante porque se atribui ao passado e aos desvios das polícias que se prolongaram em uma democracia de desiguais, boa parte da sua “militarização” e “advogadização”132. Embora a tarefa de caracterizar as origens destas forças fuja ao nosso marco temporal, as forças policiais, particularmente a judiciária, foram atores a serem pensados na elaboração de ações no âmbito investigativo e do sistema penal. No período pósconstituinte, a tentativa de modernização de práticas nesses âmbitos não significou trabalhar numa tabula rasa, pelo contrario, teve que lidar com a profunda carga histórica dessas

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Inclusive como secretários de segurança pública. Em 2010, em 18 dos 26 estados brasileiros, eles estavam ocupando tais cargos. Anteriormente, prevaleceram procuradores de justiça, desembargadores e oficiais de reserva do Exército. Subjaz em tais escolhas “técnicas” a suposição de que o secretário de segurança pública deve ser um “erudito do direito penal” ou mesmo um “mano de piedra”. (SAPORI, 2011:12) 132 Reitera-se que os termos “militarização” e “advocadização” não devem ser tomados por si só. Polícias militarizadas existem em muitos países, mas com perfis distintos da polícia brasileira. Ao mesmo tempo, o mencionado modelo Britânico da Common Law é um caso da “advocadizaçâo” ao extremo da polícia na investigação criminal. Portanto, esses termos devem ser considerados e problematizados de acordo aos seus fins e na relação que as polícias estabeleceram com outros órgãos no sistema de segurança pública, incluído o processo penal, tal como abordado neste recorte histórico.

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instituições e dos seus interesses particulares que caracterizou uma verdadeira “batalha” pela supremacia na investigação criminal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A exposição das experiências chilena e brasileira, das transições à democracia, forneceu algumas pistas que permitiram discernir o “caminhar” das políticas públicas em matéria de segurança. Embora seja difícil inferir estritamente até que ponto as práticas dos paradigmas de segurança se alteraram em cada país, pode-se dizer, que pelo menos o nível dos insumos legais ou teóricos do agir governamental, como verificado na edição dos planos nacionais de ambos os países, tentou enveredar para uma segurança multidimensional, com foco na integridade do cidadão e da ordem pública. No entanto, o auxilio das análises interdisciplinares leva-nos a concluir que repensar as políticas públicas em segurança foi um grande desafio para as concepções modernas de gestão, pois as instituições da área foram marcadas por princípios que lembram o paradigma da segurança nacional, da luta feroz contra o crime baseado no uso da arma e violação de direitos humanos, da investigação com problemas de controle externo (especialmente no caso do Brasil) e por um arranjo institucional pouco maleável. Ou seja, para as administrações nacionais, políticas públicas em segurança muitas vezes foram reduzidas à função pública ordinária ou problemas de gestão burocrática, tornando difícil encarnar ou perenizar modelos como os do “ciclo vivo”. Além disso, pode-se indicar como um traço distintivo importante das políticas públicas na área de segurança, sobretudo as mais recentes, o fato de elas serem pela direção top-down na sua concepção, decisão e implementação. Pelo menos para as décadas mais recentes, enquanto outras áreas públicas e sociais fomentaram o engajamento de novos atores políticos, num movimento bottom-up, as políticas de segurança são flagrantemente negociadas em processos políticos de acesso restrito e que “colocam como desafio para a análise desse setor o contorno das resistências burocráticas e políticas presentes nas agências governamentais” (ALVAREZ & SALLA, 2004:186).

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Isto não apenas criou obstáculos a uma revisão dos pressupostos da ação do Estado neste setor, como também acabou estimulando, como exposto no capítulo 1, a visão tradicional segundo a qual os crimes são aqueles que atentam contra a incolumidade da ordem pública, como os delitos contra o patrimônio (roubos, roubos de cargas e seqüestros), deixando de lado a violência intra-familiar, de gênero, de “colarinho branco” (e também de homicídios no caso do Brasil, onde o seu índice nos anos 2000 ainda superava os 20 por cada cem mil habitantes segundo a UNODC, boa parte sem apuração e devida investigação policial como visto na seção 3,3), minimizando a interseção com outras áreas de prevenção ou a adoção de políticas multi-setoriais. A dimensão do problema da criminalidade também aumentou se considerados os aspectos da criminalidade contemporânea que receberam difusão massiva para demandar da comunidade internacional maior segurança global (PNUD, 2005). Por exemplo, a agenda global contra a delinquencia, promovida particularmente pelos Estados Unidos da América, tendo como eixo central o combate contra as Drogas, o crime organizado, a lavagem de dinheiro e recentemente o terrorismo. Estes feitos também devem ser mencionados na expansão do poder punitivo na nossa região, face às camadas mais vulneráveis ao trafico de drogas, e na utilização desmedida e irracional do Direito Penal face o agravamento do quadro carcerário e da imposição da prisão preventiva com caráter indeterminado, já que, em nível da América Latina, ela ainda é regra e se dita em mais da metade dos casos. (Centro de Estudios de Justica de las Américas, in: RIEGO & DUCE, 2008:369). A questão das drogas, criminalidade e Estado precisa ser mais bem explicitada em futuros trabalhos. Mas no que tange às políticas públicas de segurança entendidas num marco integral ou de âmbitos multi-dimensionais que vão além da repressão, comparativamente, no Chile este quadro foi atenuado com o relativo valor dado à retro-alimentação entre os sucessivos Planos Nacionais vistos no segundo capítulo. Isto é, em ações de tentativa e erro e correção que se assemelharam ao princípio dinâmico das políticas públicas do “ciclo vivo”. A conjugação de grupos de expertise, como na elaboração do Plano Nacional de Segurança Cidadã de 2003, e a aprovação de pacotes legislativos, fruto da aliança da Concertación, possibilitaram reformas mais profundas como a do processo penal e criação do Ministério Público no final do século passado. Outro diferencial decorreu do fato de a ideia de segurança, focada no cidadão, ter sido insistida desde a constituição de 1980 até os últimos Planos dos anos 2000. No entanto, a sua implementação ainda é um caminhar contínuo, que permanece preso às esferas estatais, já que a institucionalização de co-atores a nível local, como dos Conselhos junto aos Carabineros, foi incipiente e focalizada.

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Ao mesmo tempo, a reforma do processo penal conseguiu perpetrar uma ação mais célere e próxima entre a Justiça e o cidadão, em vista da redução da morosidade e do caráter inquisitório que o sistema penal de 1907 apresentava antes da reforma de 2000-2005. Mas deve haver cautela, pois, no crescimento da população penal, se por um lado a diminuição da proporção de prisões preventivas decaiu em relação às de condenados, isto pode entender-se como um aprimoramento do trabalho entre fiscales e policiais e da maior fluidez do sistema penal. Mas por outro ângulo o sistema estaria processando, preferencialmente, casos de mais fácil e rápida resolução (FRUHLING, 2008:3). Corroborando, assim, a necessidade de sempre se problematizar a “busca por eficiência” e, sobretudo, para requerer informações qualitativas que permitam emitir mais pareceres sobre a reforma em longo prazo. Além disso, eficiência da Justiça e do policiamento, dentro do recente paradigma da segurança cidadã, não pode ser simplificada na sua relação com o maior número de condenados. Paralelamente, no terceiro capítulo, as políticas de segurança pública no Brasil, na transição da democracia, estavam imbuídas de problemas de coordenação, federalismo e de agenda, uma vez que, após a Constituinte, foram implicitamente compreendidas como um problema das administrações dos Estados em vista da crise fiscal que afetava o país até meados dos anos 1990. A ação federal e a emissão dos Planos Nacionais na área foram de caráter mais reativo do que no Chile, em vista que dois deles, um em 2000 e outro em 2007, foram promulgados após escândalos de ações criminosas repercutidos pela mídia. Ao mesmo tempo, as polícias gozaram de menos “prestigio” e se viram mais constantemente no centro de práticas de coerção excessiva e de violação de direitos humanos. No agir governamental para articular a União e os Estados, os Planos não institucionalizaram ações inter-setoriais e multidimensionais que extrapolassem o simples policiamento. Mas há de se mencionar que já reconhecem, pelo menos na letra ou teoria, a necessidade de se aproximar de um paradigma de segurança cidadão. Na visão setorial, verificou-se que o Processo Penal e a articulação entre o Ministério Público e as polícias tentaram aproximar-se da vertente acusatória e de celeridade da Justiça. No entanto, reformas como as de 2008 resumiram-se a ensaios legislativos sem serem sistêmicas e, além disso, constituiu-se uma relação áspera em torno da investigação policial. As polícias Judiciárias, em vista da sua “advogadização” e do peso histórico de práticas investigativas “cartoriais”, mantiveram atritos com o resto do sistema penal, o que ocasionou lentidão e acúmulo de inquéritos. E também apresentaram, especialmente em fins da década de 2000, segmentos internos ligados a tarefas de campo que buscaram reformar suas estruturas investigativas e organizacionais.

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Finalmente, se bem este trabalho traçou o panorama de ambiências específicas de instituições e políticas ligadas à segurança pública do Chile e do Brasil nas últimas décadas, tendo como pano de fundo a América Latina, propôs-se a analisar o histórico democrático de ambos os países com base a um “bom governo”. Ou seja, como dito por Claudio Beato (1999:19), a um “Estado que conseguisse simultaneamente responder às demandas sociais”, como na questão da segurança, e “que respondesse às atribuições que lhe cabem minimamente” num contexto democrático. Mas se a história recente é a busca contínua por esse Estado, lidou-se, como foi visto ao longo deste trabalho, com uma questão significativamente complexa que impôs a necessidade de aproximação entre diversas instituições e sujeitos. Tratou-se, portanto, a segurança pública como um processo histórico recente que visa articular dinamicamente ações (ir)racionais que envolvem um ciclo que vai desde a conjugação de planos até o sistema de justiça criminal. Por exemplo, sem articulação entre polícias, prisões e judiciário, ou sem o envolvimento da sociedade organizada, recentemente passou a ser difícil pensar eficiência nas ações de controle da criminalidade e da violência. E tal empreitada cresce se cogitarmos que as políticas públicas ou o agir do Estado é, por assim dizer, permeado por irracionalidades ou elementos que fogem a uma planificação racional. Pois, como elucidado por Luis F. de Souza (2011), os jogos e as pressões de grupos de interesse, a cobertura midiática, os mecanismos legítimos e não-legítimos de veto criam um campo problemático de condições a transformar a “ratio” originalmente definida, em irracionalidades administrativas, burocráticas e valorativas que fogem à normativa e nitidez das instituições públicas. Assim, este trabalho, o qual capta um espectro temporal de mais de vinte anos, por enquadrar ações nítidas e opacas dos planos, atores e limites das ações em segurança pública, é um passo para discernir as (ir)racionalidades nacionais no devir histórico na contemporaneidade das políticas públicas latino-americanas.

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