Cruzes Invertidas e Corpos Pintados: A permanência da figura de Lúcifer no Black Metal

September 19, 2017 | Autor: Lucas Fernandes | Categoria: History, Black Metal, Lucifer
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História, imagem e narrativas No 15, outubro/2012 - ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br

Cruzes Invertidas e Corpos Pintados: A permanência da figura de Lúcifer no Black Metal.

José Lucas Cordeiro Fernandes1 Graduando em História pela UFC/ Membro do Valknut [email protected]

Resumo: O Diabo é uma figura que desde sua existência teve as mais variadas representações. Tal fato ocorre, pois o Diabo é um mosaico cultural, sofre influências das mais variadas culturas com as quais o cristianismo entra em contato. Esse grande contato que ocorre desde a criação do mesmo, fez com que Lúcifer se tornasse um personagem histórico mundial, com ápices e baixas no povoamento do imaginário. O intento desde trabalho é ver os mais diversos momentos da figura do Diabo, sendo alguns mais expressivos e outros menos, mas o objetivo é principalmente perceber a figura do Diabo através da música, mas especificamente do Black Metal, vendo uma das vertentes de atuação do Diabo nos séculos XX e XXI, vendo como os pesados sons o invocaram para torná-lo mais uma vez o “príncipe deste mundo”. Palavras-Chave: Diabo; Música; Black Metal; Indústria Cultural.

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O presente trabalho é orientado pela Ms. Luciana de Campos.

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[...] Tu és o Imperador das Trevas Tu és o rei dos lobos uivantes Tu chocas poder e força contra toda luz que míngua [...] 2 Emperor – Inno A Satana A Origem do Mal: A infância do Diabo O Diabo é tão antigo quanto o próprio Cristianismo, mas não tão igual na sua história como o mesmo, ele é grandioso em alguns momentos e esquecidos em outros. A sua “infância” foi sem dúvida um dos grandes momentos na sua força. As primeiras representações iconográficas de Lúcifer que vemos, são datadas do século VI, apesar de sua existência ser anterior. Luther Link3 acredita que ausência de imagens antes do período supracitado, se deve ao fato de não haver uma formação de uma tradição na literatura e nas artes pictóricas que trouxessem uma visualização do mesmo. Os estudiosos desdobram-se em esforços para descobrir por que inexistem representações do Diabo anteriores ao século VI. [...] A razão disso, a meu ver, é dupla: confusão acerca do Diabo e um vazio, a falta de algum modelo pictórico passível de ser usado durante o período em que formas de arte e motivos especificadamente cristãos emergiram e se distinguiram das influências clássicas (LINK, 1998, p. 85-6). Durante essa infância do Diabo, a sua imagem foi se modelando de acordo com as influências externas recebidas pelo mesmo. O Cristianismo estava em fase de expansão, desde a conversão de Clóvis I no século V, estava buscando cada vez mais avançar no “território” ideológico, buscando converter para o Cristianismo culturas distintas que tinham suas próprias deidades. Tal fato foi possível pela aliança feita com o Império Franco, que permitiu o seu avanço junto com o Império. Mas a grande questão nesse avanço, quando falamos do Diabo, é perceber como a Igreja tratou os deuses com o qual entrava em contato.

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As traduções contidas nesse artigo são todas traduções livres feitas pelo próprio autor, exceto quando mencionado o contrário. As que não foram feitas pelo autor foram revisadas pelo mesmo no intuito de ficar mais próxima ao seu sentido original. 3 Ver: LINK, Luther. O Diabo: a máscara sem rosto. Editora Cia. das Letras, 1° Ed, 1998.

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No intento de converter mais rapidamente as culturas opostas, a Igreja adotou uma prática da “pedagogia do medo” 4. Esta prática utiliza o medo como uma ferramenta de conversão para o Cristianismo, se aliando a outra prática, a do “fator demonizador”. Este fator só existe junto com a “pedagogia do medo”, pois as deidades destoantes eram transformadas em demônios ou no próprio Diabo, tudo com o intuito de acabar com a adoração das divindades opostas através do medo, possibilitando uma destruição da verdadeira imagem da divindade e de seu culto, assim como de uma conversão feita pelo medo do mal. Tal fator foi de fundamental importância na formação da imagem do Diabo, pois foi a partir desse momento que o mesmo passou a modificar a sua imagem devido à associação com as deidades demonizadas. Foi desta forma que o Diabo se tornou um mosaico de culturas, e adquiriu uma tradição da “não-tradição” 5, pois em cada lugar onde a “pedagogia do medo” e “fator demonizador” existia, as influências na imagética do Satã eram diferenciadas, formando a partir do século XI uma nova figura do Diabo. Podemos ver alguns casos para que possamos perceber as influências supracitadas. Cernunnos (ver imagem I), deus celta, conhecido como o deus chifrudo, este será de grande influência na imagem do Diabo, lhe emprestando os chifres e algumas características animalescas, assim como Pã, um deus muito conhecido da mitologia grega. Loki, deus nórdico, também terá muita influência e semelhança com o antagonista cristão, principalmente no momento de cristianização dos “reinos Vikings”. Estes são grandes exemplos de como a imagem de Lúcifer vai se modificar com essas apropriações, mas existiram inúmeras outras, assim como muitos outros se tornaram demônios, como: Leviatã, Moloc, Asmodeus, Ba’al e etc. Um caso interessante de modificação que essas apropriações faziam é o de Bes: “[...] era considerado uma divindade menor no panteão dos deuses egípcios, porém seus ídolos foram encontrados em mais casas do que qualquer outro deus. Bes não era uma deidade exclusiva do Egito. Sua figura pôde ser encontrada na Mesopotâmia, Cartago e Fenícia. Sua caracterização e seus 4

Ver: NOGUEIRA, Carlos Roberto F. O diabo no imaginário cristão. São Paulo: Ática, 1986.

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Quando uso esse termo: “tradição da não-tradição” é no intento de mostrar que a permanência mais comum que podemos identificar na imagem do Diabo é a mudança constante da mesma. Apesar de vermos certas características que são mais usadas ou aspectos que perduram por mais tempo. Esse termo é apenas um reforço para citar o mosaico cultural que é o Diabo.

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atributos sempre foram feios. Sua face assustadora não foi, contudo, associada a promover ou estar relacionada com a concepção de mal entre os egípcios. Na verdade, Bes era um deus de proteção contra maus espíritos.” (ALMEIDA, 2010, P.28) 6

Imagem I

Cernunnos, o deus cornudo celta, figura incorporada a iconografia do Diabo. Detalhe do caldeirão de Gundestrup, século I ou II a.C., encontrado na Dinamarca. (RUSSEL, 2003, p. 68).

Cernunnos, assim como Pã, foram de grande utilização para a imagem do Diabo, sem dúvida, os cascos fendidos, chifres, barba, corpo peludo e até a sua coloração (existem algumas imagens do Diabo na cor verde, os estudiosos acreditam ser de influência de deuses associados ao campo, principalmente Cernunnos. Outras cores também são vista em tal personagem, como: azul, branco, cinza, amarelo e outras). O caso do deus Pã teve uma associação um pouco diferenciada, já que um contato com um culto de Pã deve ter sido pouco provável. Sua aliança com a imagem do Satã ocorreu por uma interpretação dos escritos de Isaías feita por Jerônimo. Isaías descrevia a Babilônia em total ruína, e nela dançavam os

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O nível de adoração de Bes fez com que houvesse um foco em mudar a sua imagem no intuito de torna - lá maligna, ele simplesmente adquiriu uma função totalmente oposta a que tinha no Egito, antes protegia contra os maus espíritos agora ela ingressava ao panteão que outrora combatia.

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peludos, ao ler isto, Jerônimo o associou diretamente com os sátiros, indivíduos que ele chamou de servo do Diabo e demônios luxuriosos. Tal interpretação foi mantida na bíblia do Rei Jaime, o que permitiu uma progressão da interpretação de Jerônimo. (LINK, 1998, p.54) Durante os primeiros séculos da formação do Satanás, ainda permanecia uma carência na produção literária e imagética, mas vários fatores que ocorreram entre os séculos XI e XIII propiciaram o surgimento de escritos demonológicos, uma produção referente às características de Lúcifer, sua queda, seus servos e as influências que o Diabo tinha sobre o homem. Esses escritos propiciaram um verdadeiro ápice na história de Lúcifer, sem dúvida uma das fases mais fundamentais da sua existência. Mas antes de vermos as modificações causadas por esses escritos, nós temos que entender como e o porquê do surgimento dessa produção. Existem inúmeros fatores: o primeiro que podemos citar, é as várias cisões internas no dogma da Igreja, a formação das heresias. Quando o Cristianismo se defrontava com outra cultura, não era só ele que modificava ao outro, mas o outro também o alterava. Quando o cristianismo atinge a região da Bulgária, ele vai iniciar o processo de conversão, mas com os textos eram em idiomas não compreendidos pela população local, os sermões baseados no medo não serviam completamente para mudar os seus dogmas, ou seja, não havia uma efetiva conversão total, o que propiciava lacunas nos aspectos dogmáticos. No século X, Bogomil será o responsável pela fundação do bogomilismo7, heresia de suma importância nos estudos gnósticos e dualistas na Idade Média, assim como foi de grande influência para os cátaros. O surgimento dessa heresia ocorre pela falta de uma efetiva conversão, o que permite que haja uma alteração nos dogmas que foram ensinados durante a conversão. Um segundo ponto que podemos comentar é a guerra de expansão árabe que desde do século VIII bate as portas da Europa, espalhando um medo na população, e medo os faz lembrar o Diabo. Os árabes serão freqüentemente associados ao diabo (ver Imagem II), assim como os Judeus, todos esses fatores que geram medo explicam a obsessão pelo Diabo.

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“A diabologia era o pensamento central de Bogomil”, pois ela era uma heresia de cunho dualista, ou seja, da existência de duas forças conflitantes, o bem e o mal, sendo essa maldade representada por Satã. Eles apresentam Satanael como criador do universo que vivemos, “é o Deus Criador do Antigo Testamento, e uma entidade perversa o bastante, pois, para criar este mundo material com sua grosseria, miséria e sofrimento, deve ser má.” (RUSSEL, 2003, p.42).

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Pode-se datar do fim do século XII, o momento em que, devido, sobretudo à acentuação das ameaças heréticas, se passa de um estado de relativo equilíbrio na matéria a uma acentuada preocupação pela ação diabólica. A amplitude das ameaças com que se acha confrontada a Igreja, com os Bogomilos, os Valdenses e os Cátaros, sem esquecer a pressão turca e a presença dos judeus, explica em parte a atenção obsessiva que é dada ao Diabo. Como muito bem viu Jean Delumeau, instala-se na cristandade um medo difuso que ajuda a criar a idéia de que está em curso um ataque concertado contra o cristianismo, um ataque conduzido por uma potência sobrenatural, pelo inimigo, o Diabo. (MINOIS, 2003, p. 68).8

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MINOIS, G. O Diabo: origem e evolução histórica. Lisboa: Terramar, 2003.

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Imagem II

“Sarracenos disfarçados de diabos perturbando o exército de Carlos Magno, de Grande Chroniques de France, século XIV” (LINK, 1998, p.85).

Jean Delumeau, em sua obra, A história do medo no ocidente, nos mostra como esses fatores foram fundamentais para a formação dos escritos demonológicos, pois foi através deles que a Igreja justificava suas ações, transformando qualquer percalço em seu caminho em uma associação direta com o Diabo, para poder destruí e lutar contra os mesmos. Vale lembrar que em períodos de peste, ou longas guerras (como a dos 100 anos, 1337-1453) a figura do Diabo se revigorava com mais produção sobre a sua capacidade de interferência na vida humana, assim como o modelo de “pedagogia do medo” se matinha, permitindo o mantimento do controle ideológico. Formando um “contra- ataque” contra essas ameaças diabólicas a Igreja convoca dois concílios: o de Verona em 1183 e o IV concílio de Latrão1215. Eles foram convocados com o objetivo de solucionar problemas de ordem interna da Igreja, como as heresias, e outros aspectos. No concílio de Verona, já vemos uma formação da ideia de Inquisição que se torna

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mais concreta com as punições que são determinadas para os hereges9 no concílio de Latrão, até a sua formal criação em 1232. (ALMEIDA, 2008, p.7) O Diabo durante esses séculos XI e XIII sofre as mais diversas modificações na sua aparência. No século XI, Satanás ainda se figurava como um indivíduo humanóide ou similar ao humano, uma provável fusão entre animal e homem. Mas a partir do século XIV o Diabo se torna mais monstruoso, com muitos chifres, asas, rabo, com faces na região do tórax, nas nádegas, como um reflexo da sua podridão moral interna, um bom exemplo disso é um demônio verde que vemos na extrema esquerda da obra o Juízo Final, no missal de Santa Eulália, de Rafael Destorrents. A figura do duende pequeno e negro como representação mais comum do Diabo na baixa Idade Média, persiste, mas gradualmente dá lugar ao novo monstro grotesco. As cores que representam o Diabo são variadas, normalmente era negro ou escuro, como uma clara representação da escuridão e do mal, mas o oposto também existia, as cores claras e pálidas, existem como uma forma de associação a morte, hereges, cismáticos e magos. Também é apresentado nu (mas coberto de pelos), ou com uma pequena tanga nas partes íntimas, essa nudez simboliza a selvageria, luxúria, sexualidade e animalidade. Podemos também vê-lo em forma animal, isto ocorreu pela à adoração dos cultos pagãos aos animais, com os quais os cristãos transformaram em demônios10. O dragão também poderia ser visto, fazendo uma clara referência ao Diabo na forma de dragão que São Miguel Arcanjo enfrenta no apocalipse. O cabelo também é uma forma interessante na imagem do Diabo: “O cabelo do Diabo é penteado freqüentemente para cima em formas pontiagudas, para representar as chamas do inferno ou para recorrer à prática dos bárbaros que penteavam o cabelo em forma de lança para intimidar os inimigos.”. (RUSSEL, 2003, p. 203-4) A Força da Arte na Formação do Diabo A arte foi sem dúvida um instrumento de propaganda para difusão de idéias da Igreja Católica. “A iconoclastia foi referência, especialmente nas crenças apoiadas nas Sagradas Escrituras. O Cristianismo, apesar de manter vínculos com o Antigo Testamento, superou esta tendência [...]”, com isso arrebatou mais fiéis através da construção de uma narrativa formada 9

É comum atualmente vermos associação da imagem do Diabo com o tridente, mas a sua arma de uso era o forcado ou o arpéu, instrumentos que naqueles períodos eram usados para torturar os hereges, ou seja, como isso vermos uma aproximação das torturar reais com a figura de Lúcifer. 10 Ver: RUSSEL, Jeffrey Burton. Lúcifer: o Diabo na Idade Média. Editora Masdra, 2003, p. 63-4.

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em cima da fé e principalmente das artes visuais. (CAPPELLARI, 2011, p. 175). Ou seja, as artes passariam a ser utilizadas como ferramentas para conversão e divulgação das idéias católicas, propiciando um aumento na produção artística, mas ao mesmo tempo limitando seu eixo de atuação. Essa produção encomenda pela Igreja fez com que surgissem obras maravilhosas e de excelente qualidade sobre o Diabo, as variações nas suas imagens ainda são comuns. Mas a partir do século XIII vemos essas imagens de forma diferentes, visto que desde este momento podemos falar de uma unificação da concepção teológica sobre Diabo, tudo ocorrida graças às análises dos escolásticos e dos escritos demonológicos. O grande auge na sua imagem que ocorre após o seu período de formação é na época da crise do feudalismo e do renascimento, pois vários fatores propiciam uma era de medo, o que favoreceu, e muito, uma ampliação para a imagem do Diabo, fazendo com que a arte se dedicasse mais, para mostrar as habilidades do Diabo, assim como um maior medo do Juízo Final e do Apocalipse. [...] a Peste Negra que marca em 1348 o retorno ofensivo das epidemias mortais, as sublevações que se revezam de um país a outro do século XIV ao XVIII, a interminável Guerra dos Cem Anos, o avanço turco inquietante a partir das derrotas de Kossovo (1389) e Nicópolis (1396) e alarmante no século XVI, o Grande Cisma – “escândalo dos escândalos” –, as cruzadas contra os hussitas, a decadência moral do papado antes do reerguimento operado pela Reforma católica, a secessão protestante com todas as suas seqüelas – excomunhões

recíprocas,

massacres e

guerras.

Atingidos

por

essas

coincidências trágicas ou pela incessante sucessão de calamidades, os homens da época procuraram-lhes causas globais e integraram-nas em uma cadeia explicativa. (DELUMEAU, 1989, p. 205). A subida na imagem do Diabo ocorre pelo modo com a Igreja trabalha imageticamente com os fatos históricos supracitados. “[...] ela tinha por objetivo desenvolver uma mentalidade na qual o mal estava presente no âmago da humanidade e que o Diabo espreitava os homens e aguardava um pequeno deslize de sua fé para que fosse possível corrompê-los.”. Vemos a permanência da “pedagogia do medo”, este que outrora auxiliou na formação do Diabo, agora 9

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serve para engrandecer a sua imagem, permitindo uma ampliação dos medos escatológicos da população dos séculos XIV-XVI, formando um número ainda maior de obras sobre o fim dos tempos e o julgamento das almas. Esse efeito é exatamente o que a Igreja deseja mostrar, o mal, “pregar” o mal, para mostrar que ela era à força de Deus, a força da bondade no mundo e que só ela poderia levar a vida eterna e a salvação, ou seja, não é de todo errado dizer que o mal foi uma semente plantada pelo bem. (ALMEIDA, 2010, 13-4) 11 Esse imaginário escatológico e demonológico gerou as mais diversas obras de diabos no período da renascença. O Diabo e seus servos ganharam novas formas, mudaram aspectos pelo estilo de resgate das obras clássicas dos pintores do renascimento. Além disso, os pintores realizam grandes estudos dos escritos sagrados para fazer uma obra mais próxima possível com os desígnios da Igreja, mas havia ainda grande dificuldade em ver tais escritos e até em compreender os mesmos, isso permitiu que a imaginação do artista aflorasse, mas ainda se mantendo sobre uma “tradição” mais comum da imagem do Diabo: Na hora de pintar o Diabo, os artistas tinham enorme dificuldade. Não existia tradição literária digna do nome e, o mais exasperante, não havia tradição pictórica alguma. Nas catacumbas e nos sarcófagos não há Diabo. Essa inexistência de tradição pictórica, combinada a fontes literárias que confundiam o Diabo, Satã, Lúcifer e demônios, são razões importantes para a ausência de uma imagem unificada do Diabo e da iconografia irregular. Mas alguma coisa sempre é melhor do que nada. E havia algo que o artista cristão podia tirar das fontes clássicas que os comentários teológicos corroboravam – Pã. (LINK, 1998, p. 53).12 Imagem III

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Ver: ALMEIDA, Marco Renato Holtz de. O Diabo e a Indústria Cultural: as diversas faces da personificação do mal nas telas de cinema. Revista Nures n°. 16, Setembro/Dezembro 2010. 12 Essa passagem da obra de Link reflete bem a ideia da “tradição da não-tradição”. Vemos que não podemos identificar aspectos imagéticos e literários do Diabo, mas como comentei existem ressalvas, por exemplo: traços de Pã (chifres, cascos fendidos), múltiplos rostos, corpo peludo, árpeu com instrumento do Diabo, entre outras. Há certos elementos que caracterizam o Diabo, mas não são permanentes, o Diabo é uma “máscara sem rosto”, podemos ver elementos que o identificam, mas logo esses se tornaram outros, com raras exceções.

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“Giotto, O Juízo Final, 1304 -13, afresco na parede oeste da capela de Arena, Pádua” (LINK, 1998, p. 163)

Giotto, é sem dúvida um dos que melhor representou o Diabo em sua época, podemos ver o mesmo no canto inferior esquerdo de Jesus, devorando os condenados e sentando sobre a serpente. Nessa obra não há uma referência clara do Juízo Final, que é a balança de Miguel e a pesagem das almas, e nem a intervenção de Nossa Senhora, ela está ocupada recebendo a oferta de Enrico Scrovegni, “filho do home que interpelou Dante no ‘Inferno’”. O homem muito rico na região de Pádua e que sem dúvida queria seu lugar no céu e não no inferno. Esta obra traz a divisão clássica de abençoados e condenados, uma divisão que leva ao pavor. O modo que vemos as condições dos condenados é torturante, seus corpos sendo devorados e torturados por uma eternidade. Isto reflete um medo que propicia a conversão, uma propaganda que permite que as pessoas que a vissem tivessem medo de não serem salvas, tinham medo de não estar do lado da Igreja, pois só ela poderá livrar as pessoas das torturas e de ser devorada pela grande besta que pune os condenados. Após esse período de efervescência do Diabo na sociedade vigente européia, graças à conhecida “pedagogia do medo”, Lúcifer vai começar as manifestar sinais do seu declínio. A 11

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renascença foi um período ambíguo para a imagética do Diabo, pois vimos como o renascimento fortaleceu a imagem do Satã, e sabemos que a sua força na arte foi espetacular, assim como o próprio avanço das técnicas artísticas. A ambigüidade surge quando vemos o surgimento de idéias de Bacon, Descartes – racionalismo e o empirismo- que serão de fundamental importância para a formulação do pensamento na Era Moderna. Suas formulações instigaram um desenvolvimento científico na Europa, impulsionando uma revisão na natureza. A natureza, que antes não era tão bem compreendida se tornava sobrenatural, como comenta Keith Tomas, mas agora uma nova compreensão iniciou uma verdadeira dessacralização da natureza, mudando a relação do homem com o natural, o material, e com a vivência no mundo. Em suma, a Idade Moderna também representa um declínio do Diabo em detrimento do desenvolvimento do pensamento crítico, das práticas médicas, mas sua influência imbuída nas mentalidades, ainda o dava força para permanecer no imaginário. O Imaginário ocidental não expulsou brutalmente o diabo em meados do(s) século(s) (XVI e) XVII, mesmo que este momento possa marcar uma real cisão intelectual entre os racionalistas e os pensadores tradicionais, empenhados em manter para a teologia sua posição dominadora no campo das idéias. Na verdade, Satã foi perdendo lentamente, insensivelmente, sua soberba em uma Europa em profunda mutação. Sua imagem, até então concentrada no discurso de luta das Igrejas em acirrada concorrência e imposta ao conjunto das populações, e do cimo aos primeiros degraus da escala social, esfacelou-se em múltiplos fragmentos. O fim das graves crises religiosas, a ascensão de Estados nacionais rivais, a picada aberta pela ciência, e logo a seguir o fluxo das novas idéias que iriam ser qualificadas de Luzes, ou, para alguns, o gosto por uma dolce vita, compuseram a trama profundamente movediça da mudança. As sociedades do Velho Continente começaram a afastar-se do medo de um demônio aterrorizante e de um inferno escabroso. Não de maneira unânime, pois este imaginário continuou a ser defendido, mantido e difundido até os nossos dias, em setores mais ou menos amplos da sociedade, em função da

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vitalidade de seus partidários e da permeabilidade dos ambientes. (MUCHEMBLED, 2001, 191). A divulgação diabólica promovida pela Igreja ficava cada vez mais frágil, o pensamento crítico, torna estados cada vez mais laicos, a esfera eclesiástica perde o poder em razão das ordens cível e laica. Esses processos culminaram para uma descrença no Diabo e uma derrocada do medo que outrora possuía. “Desse modo, tanto o medo do Diabo em si, como o temor do advento do Juízo Final e a perseguição às bruxas entraram em declínio, passando a serem tratadas pelos arautos da sociedade esclarecida como superstições fundamentadas no senso comum.” (ALMEIDA, 2010, p.18) Nos séculos que se seguem o Diabo passa a ficar cada vez menos sobrenatural e mais humano, se aproximando cada vez mais de nós. “[...] no período imediatamente anterior ao romantismo, transforma-se num grande mito literário. A substituição de Satanás por Mefistófeles não é fundamentalmente um processo de natureza religiosa, mas de natureza simbólica.” (MINOIS, 2003, p. 110). Isso representa a saída do Diabo do controle da Igreja, ela “passa a ser reflexo do próprio homem [...] Ele saiu dos afrescos das igrejas para entrar no universo da literatura trágica, cuja sobrevivência se dá através da ficção. Uma vez que a ficção enquadra-o ao olhar mais humano, em que o mal está contido no próprio homem.” O seu poder se descentraliza, povoando novos imaginários e de formas novas. Essa influência, e a ideia de que o “Diabo somos nós”, afeta diretamente a próxima corrente que trabalha com o Diabo, o romantismo. Nesta corrente o Diabo ganha uma nova configuração, se tornará o salvador do homem, aquele que trouxe o fogo, o Prometeu, punido por Deus por dar mais capacidade ao homem. O Diabo do romantismo será acima de tudo um símbolo de liberdade de expressão, um promotor da ciência e do avanço. (MINOIS, 2003, 118) O Romantismo transformará Satã no símbolo do espírito livre, da vida alegre, não contra uma lei moral, mas segundo uma lei natural, contrária à aversão por este mundo pregada pela Igreja. Satanás significa liberdade, progresso, ciência, vida. Tornar-se-á moda a identificação com o Demônio, assim como procurar refletir no semblante o olhar, o riso, a zombaria impressa nas feições tradicionais do Diabo. (...) O Diabo passa a representar a rebelião contra a fé e 13

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a moral tradicional, representando a revolta do homem, mas com a aceitação do sofrimento porque este é uma fonte purificadora do espírito, uma nobreza moral, da qual só pode surgir o bem da humanidade. E o demoníaco torna-se o símbolo do Romantismo: demoníaco como paixão, como terror do desconhecido, como descoberta do lado irracional existente no homem: a explosão da imaginação contra obstáculos excessivos da consciência e das leis. (NOGUEIRA, 2000, p. 104-5). “[...] o imaginário literário romântico quebrou o monopólio teológico da explicação demonológica para lançá-lo ao mundo onírico do fantástico, do grotesco e do maravilhoso.” Esses escritos românticos marcaram de vez a quebra do monopólio da Igreja sobre o Diabo, através as obras de W. Blake, Lord Byron, Honoré de Balzac, Victor Hugo, Goethe, dentre outros. Abre-se aí espaço para o distanciamento entre o real e o imaginário, resultando na ruptura da percepção, da coerção e da crença. Porém, nunca efetivamente realizada, pois o medo do inexplicável encontra no âmago humano abrigo e sustentação. Conseqüentemente, devido ao Romantismo, o mito de Satã perde sua coerência com a fragmentação do tema entre a elite culta. No entanto, para o populacho ele ainda se encontra presente e opressivo no imaginário. (ALMEIDA, 2010, p.20) Nos períodos que são posteriores aos ideais românticos, vemos que o processo de desmistificação do romantismo, do Diabo cada vez mais próximo da literatura, e mais distante do sobrenatural. Essas mudanças feitas entre XVII e o XIX faz que com o Diabo passe a ser banalizado, não no sentido do teatro medieval (teatro medieval que tratava o Diabo com escárnio e brincadeira, mas com uma visualização bem animalesca, a Imagem I, sem dúvida baseia os demônios nos trajes das peças medievais), mas no sentido de que ele está afastado dos grandes ciclos, das grandes artes, dos grandes espíritos. O Diabo não conduzia mais o espírito dessa nova época. Ao final do século XIX, o Diabo mostrava sinais evidentes de envelhecimento, primeiro porque sua existência física vinha sendo amplamente desacreditada, e depois porque sua função como metáfora do mal era considerada por muitos 14

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como ultrapassada. Assim, no início do século XX, novas e mais abstratas explicações filosóficas e políticas para os infortúnios mundanos já ocupavam um espaço muito mais amplo. Entretanto, mesmo relegado ao esquecimento, o Diabo continuou exercendo seu fascínio natural, pois embora os poetas, os artistas e os escritores o tivessem posto de lado em favor de outras soluções para os eternos dilemas da humanidade, a psique popular nunca deixou de tê-lo como bode expiatório, sobretudo nos tempos mais difíceis. (STANFORD, 2003, p. 279-80).13 O século XX é mais um dos grandes momentos controversos para o Diabo. A indústria cultura que se formava, vai apropriar-se de sua imagem, ele vai passar a ser visto nas telas dos cinemas, em histórias voltadas para o entretenimento, ele vai ser modelado, como uma figura ainda presente no imaginário, para se tornar um produto rentável dessa nova sociedade de consumo que se formou. O grande problema é que diversas simbologias serão jogadas para essa nova sociedade sem estudo, criando arquétipos e modelos que até tal época não simbolizavam em nada o príncipe das trevas. Este século também traz uma grande controvérsia. A imagem do Satanás permanece como um indivíduo de medo e mal, mas ao mesmo tempo é visto como objeto de consumo da sociedade pós-moderna, como um instrumento do capitalismo, que é usado para causar lucro. Não podemos dizer que os filmes e história não causa medo, pois o fazem, mas a configuração do medo que é colocado ao Diabo é bem diferente. O medo que existia na Idade Média e Moderna era de um controle dos corpos, criador de pestes, criador de guerras, ele era uma vetor de tudo de mal que existia no mundo. O medo dos filmes é diferente, pois se sabe que ele não cria pestes, nem guerras, que certos animais não são seus servos é em sua maioria um terror de cunho visual. A mentalidade ainda sente medo, ainda sente a representação de mal, mas o nível de esclarecimento atual impede que o Diabo volte a pregar o medo que havia pregado. O século XX também propiciou uma massificação do Diabo, o mesmo nunca esteve estampado em tantos meio midiáticos e entrando em contato com as mais diversas faixas 13

Ver: STANFORD, P. O Diabo: uma biografia. Rio de Janeiro: Gryphus, 2003.

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etárias, o Diabo também se globalizou, o fato dele ter se tornado produto o mudou, pois com tudo que vimos podemos dizer que o Satã é um reflexo do seu tempo, mas também o fez crescer e se expandir, o fato dele ser banalizado permitiu isso, agora o Diabo está em todos os lugares. Desses inúmeros lugares que o Diabo habita, um dos mais importantes é a música. O Black Metal juntou e aumentou ainda mais a imagem do Lúcifer, fazendo não só que ele ganhasse mais divulgação como também servos, fã, adoradores de um templo erguido com amplificados e sons pesados. Mas ele não ficou só no palco, ele se tornou novamente um verdadeiro inimigo do bem, queimando igrejas, virando cruzes, fazendo o máximo para espalhar e expulsar o cristianismo, buscando se tornar mais uma vez, a divindade central desse novo culto. Chamas Nórdicas: A formação do Black Metal. O Black Metal é uma vertente do Heavy Metal, esta vertente surgiu nos meados da década de 80 juntamente com outros estilos originários do mesmo Heavy Metal. O estilo musical é de uma sonoridade pesada, crua, e muito veloz, que pode conter sons orquestrais, com também batidas simples e velozes, marcado pelo peso da guitarra e da bateria, além dos vocais guturais e viscerais14. As letras são voltadas para a adoração de Lúcifer ou outros aspectos do satanismo, mas também contém elementos de cultura pagã, principalmente de origem nórdica, também podemos observar, em alguns casos, letras neonazistas. O Punk, assim como o Metal Tradicional serviu de influência para a formação desse estilo, servindo como fonte para formação de sons, melodias e composição das letras. Antes de explicar mais detalhadamente eu deixarei uma lista com os nomes mais representativos do Black Metal, no intento de proporcionar um maior nível de informação para o leitor, afinal eu pensei muito em como seria difícil descreve um som. Para conhecer bem esse estilo devemse escutar, sem dúvida, essas bandas: Venom, Behemoth, Celtic Frost, Sarcófago, Bathory, Darkthrone, Burzum, Mayhem, Hellhammer, Sodom, Bulldozer, Vader, Immortal, Dimmu Borgir, Belphegor, Marduk e muitas outras. Esse estilo inicia sua caminhada de formação na década de 80. O seu nome é derivado do álbum da banda Venom, intitulado como Black Metal, lançado no ano de 1982. Este álbum, 14

Um vocal gutural é bem grave e rasgado, muito comum nas bandas de Thrash Metal (por exemplo, a banda brasileira Sepultura). O vocal visceral é mais agudo, e de perfeita sonoridade para representar os mais diversos monstros de Tolkien, a banda Death é um ótimo exemplo desse estilo de vocal.

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hoje em dia, se encaixa bem melhor no estilo do Thrash Metal, apesar de conter “mais temas e imagens centradas no anticristianismo e no satanismo do que qualquer outro da época”. Outra prática também oriunda da banda Venom foi à adoção de pseudônimos pelos membros da banda, hoje praticamente todas as bandas adotam nomes diferentes. Outra banda de destaque foi a sueca Bathory, ela implementou novas melodias e letras, se tornando um das percussoras do Viking Metal (mas a frente veremos que esse dois estilos não estão tão distantes quanto parecem). Outra característica dos anos 80 que influencia até hoje, é o corpse paint, prática que consiste na pintura dos corpos, no intuito de se tornar mais ameaçador, as primeiras bandas a utilizarem essa prática foi à banda dinamarquesa King Diamond (ver Imagem IV) e a banda brasileira Sarcófago. Atualmente, essa prática não se restringe ao Black Metal, pois está também inserida nos mais diversos estilos, até nos estilos mais opostos, como o White Metal, esse estilo é exatamente o que parece, um estilo oposto ao central da nossa análise, com letras voltadas para Deus e salvação. Dentro dessa vertente oposta surge o Unblack Metal, que seria um Black Metal cristão, meio paradoxal pensar nisso, mas existem bandas desse estilo, um exemplo é a banda Antestor. Imagem IV15

King Diamond16, cujo nome verdadeiro é Kim Bendix Petersen, cantor dinamarquês e percurso do corpse paint

15

Imagem retirada do site: http://cantinhodorockmetal.blogspot.com.br/2011/07/king-diamond.html, acessado dia 30/08/2012 às 17h42min. 16 Hoje a música tocada por ele ainda se mantém com letras semelhantes ao Black Metal, mas suas melodias não evoluíram com as outras. Em suma, se esquecermos as letras jamais diríamos que estaríamos ouvindo Black Metal.

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A década de 90 foi marcada por conturbadas história envolvendo o Black Metal, não pela formação de novas bandas, mas pelas chamas que ardiam na Noruega. Øystein Aarseth, mas conhecido como Euronymous, guitarrista da banda Mayhem e Varg Vikernes, único membro da banda Burzum17, foram os percussores do Black Metal. A cena proposta por eles era de total anticristianismo e de expulsão de qualquer religião não escandinava da cultura norueguesa. Ambos fundaram o Inner Circle, uma gravadora e também uma seita de anticristianismo, eles se reunião no sótão da loja de disco de Aarseth, cujo nome era Helvete. Nessa loja foram promovidas diversas reuniões e gravações, visto que a loja continha aparelhagem para fazer gravações de álbuns, “e foi aí que foram gravados os discos do Mayhem, alguns do Burzum e de outras bandas de Black Metal que assinaram com o selo de Aarseth, chamado Deathlike Silence Productions. Ele só assinava contratos com bandas que, segundo suas próprias palavras, ‘encarnavam o mal em seu estado mais puro.’”. As atividades do Inner Circle que gerou grande confusão foi o ato de incendiarem igrejas, acredita-se que o grupo tenha queimado mais de 52 igrejas e profanado mais de 1500 túmulos com pinturas satânicas e com depredações, isso só até o ano de 1992, depois desse período pelo menos vinte outras igrejas também foram queimadas. O Inner Circle alegava que seu objetivo não era a simples destruição das igrejas, mas sim de ressuscitar um orgulho escandinavo, com o intento de relembrar as suas origens e seus deuses. Vendo isso lembramos imediatamente de como o cristianismo invadiu e mudou culturas, como já foi mostrado, e percebemos que o sem a existência do cristianismo haveria grande possibilidade de existirem muitas outras religiões. Outro fato que vale lembrar, é que aquelas regiões foram “invadidas” pela doutrina ideológica da Igreja, mudando totalmente a sua verdadeira cultura. Nesses elementos de análise histórica que esse grupo baseou suas idéias. O Inner Circle apareceu mais na mídia quando, em 1993, Varg assassinou Aarseth, acreditasse por conflitos financeiros dos lucros gerados pelos álbuns do Burzum. Varg foi condenado a 21 anos de prisão pelo assassino e destruição de duas igrejas. Durante seu período de reclusão ele escreveu diversos artigos sobre a história do Metal e de sua banda, mas sempre tentando acompanhar os avanços do Black Metal. Quando saiu da prisão Varg comentou que quando entrara na cadeia o Black Metal buscava resgatar a origem dos 17

Varg tocava todos os instrumentos e os vocais da banda.

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escandinavos e agora quando ela sai da prisão eram adoradores do Diabo. “Varg Virkenes, em seus artigos recentes, deixa claro que a música do Burzum não é mais Black Metal e não tem nenhuma ligação com o satanismo.” A segunda fase do Black Metal foi à grande responsável por torna as letras e as representações de suas músicas voltadas para Satã. Mesmo Varg dizendo que hoje o Black Metal é satânico e não o representa, ele não pode negar como os seus estudos, letras e pensamentos refletiram em uma terceira fase dessa corrente musical. As letras e a obsessão demoníaca do Black Metal As letras e a sonoridade mudaram enormemente desde a fundação do Black Metal, assim como a evolução tecnológica permitiu melhores sons e vídeo clipes da mais alta produção. Faremos agora um processo de análise nas letras, nas capas dos discos, nos seus títulos e do modo que seus integrantes atuam, tentando ver uma evolução histórica do Black Metal e como o Diabo ganhou os palcos, adquirindo inúmeros adeptos. Devemos começar pelo estilo do Burzum, suas letras trazem muita referência à “Friedrich Nietzsche (notadamente as apresentadas nos livros "Genealogia da Moral" e "O Anticristo") sem o conhecimento desse filósofo perde-se muito da compreensão das letras da banda. Varg Vikernes discute de modo breve, porém objetivo, questões apontadas anteriormente

pelo

filósofo,

como

a

descristianização,

crítica

a

moral,

crítica

ao Racionalismo e até mesmo temas mais íntimos como o existencialismo.” Outro aspecto, também influenciado por Nietzsche é os aspecto de nacionalismo que ele traz as suas letras.

Sabedoria Perdida Enquanto nós acreditamos Nosso mundo - nossa realidade Ser o que é - é mas um Manifestação da essência Outros planos permanecem fora de alcance Do senso normal e das rotas comuns Mas eles não são menos reais Do que o que nós vemos ou tocamos ou sentimos 19

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Negado pela igreja cega Porque estas não são palavras de Deus - O mesmo Deus que queimou o Conhecimento18 Burzum, Lost Wisdow, 1993 A letra reflete bem a filosofia do Burzum, passa distante de culto a Satã, mas traz de forma bela a alienação do indivíduo, da alienação que a Igreja trouxe para as pessoas, bloqueando

formas

de

conhecimento,

bloqueando

verdades,

permitindo

apenas

“manifestações da essência”. Mostra como a Igreja influencia no modo de pensar e de agir dos indivíduos, mostra como o Deus não deve ser Deus, pois esse “queimou o conhecimento” limitou as pessoas para controlá-las. O Burzum tem muitas letras desse gênero, mostrando aspectos de crítica à religião, a Deus e como a entrada da Igreja no mundo nórdico o alterou para sempre, fazendo que se esquecessem da suas origens “negada pela igreja cega”. As capas dos seus álbuns são de uma produção bem rudimentar, o desenho e as imagens são de uma qualidade ruim, com exceção do Filosofem, que traz na sua capa uma belíssima imagem, que não chega nem perto do modelo de capas que se vê hoje em dia nas grandes bandas do Black Metal moderno. A suas capas são total reflexo das suas letras, uma das principais delas, que como imagem, reflete muito bem o pensamento da banda é capa do Dauði Baldrs (A morte de Balder), além disso, esse álbum vem com um encarte munido das letras para facilitar a compressão das ideais de Varg, mesmo o álbum sendo instrumental. Essa capa pode trazer inúmeras representações e interpretações, assim como seu título. A morte de Balder, não se refere em nada a Loki e Hod, mas em uma morte da justiça e da sabedoria (característica atribuídas a Balder) pela entrada das forças do Cristianismo, vemos nessa capa a representação do processo de cristianização dos Vikings. Observamos uma figura que pode ser vista como um rei, ou até o próprio Balder de joelhos perante um representante cristão. Esse álbum é um reflexo dos aprimoramentos dos estudos mitológicos de Varg, um álbum puramente instrumental e conceitual. Vendo algumas entrevistas e reportagens do próprio autor e lendo as letras do encarte pode-se perceber um grande avanço de 18

A quarta música do álbum Det Som Engang Var, segundo álbum da banda, gravado em abril de 1992 e lançado em 1993 pela gravadora “Cymophane” (gravadora própria do Burzum). Além disso, e uma das poucas músicas em inglês do disco.

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conhecimento dele e uma renovação das suas idéias iniciais de renovação do orgulho escandinavo e de anticristianismo, como esse álbum o Burzum nega definitivamente sua relação com o Black Metal atual, mas não podemos deixá-lo de lado. A capa deste álbum juntamente que a letra acima são duas grandes representações de qual era o intento de um dos percussores do estilo, fica claro que não era satanista, mas sim um fascinado pelas tradições locais e um estudioso que via como a Igreja servia de controle ideológico. Olhando a capa e vendo os conceitos de Varg, suas entrevistas, não podemos pensar mais nada a não ser compreender que a morte de Balder foi uma derrocada dos princípios supracitados, uma derrocada da cultural e da tradição do povo da Noruega. Uma imagem que com uma legenda (o título do álbum) reflete todo o pensamento do Varg.

Imagem V19

Burzum, Dauði Baldrs, quinto álbum da banda, gravado entre 1994-95 e lançado em 14 de outubro de 1997.

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Imagem retirada: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Dau%C3%B0i_Baldrs.JPG, acessado dia 28/08/2012 às 02h23min.

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Burzum é único em suas letras e músicas, além de ser um dos precursores do estilo de Metal que falamos, apesar de pouco escutado (pelo menos na América de um modo geral) é e sempre será de fundamental importância para a história da música. Venom é outra banda que foi de fundamental importância nessa mesma história, mas de um jeito diferente, pois as suas letras foram de importância equivalente para a formação do atual Black Metal, mais importante até do que muitas das primeiras bandas do estilo. Venom foi formada no ano de 1979, em Newcastle, Inglaterra, como um quinteto chamado Oberon que posteriormente reduziu sua formação, transformando-a em um trio, composto por Cronos, Mantas e Abaddon. O seu álbum de grande importância para a história desse estilo foi o disco que nomeou o estilo que analisamos até agora. Black Metal Negra é à noite, metal nossa luta Amplificadores a ponto de explodir Gritos enérgicos, magia e sonhos Satã grava a primeira nota Nós tocamos o sino, caos e inferno Metal puro para os loucos [...] Curvem suas almas ao Deus do Rock 'n roll [...] Arrasar e lutar Unidas, minhas legiões, resistiremos Enlouquecendo por nós Entregue sua alma Viva pela busca, banda de Satã [...] Curvem suas almas ao Deus do Rock 'n roll Black Metal!20 Venom, Black Metal, 1982 Já vemos de pronto a enorme diferença na profundidade das letras em relação à última banda analisada. Essa canção é a responsável pelo nome do estilo, foi ela a criadora do deus do Black Metal (falamos a criação de Lúcifer como deus do estilo específico, mas não de todo 20

Primeira faixa do disco de mesmo título, lançado em 1982, primeiro álbum da banda, todas as músicas do disco são originalmente em inglês.

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o Heavy Metal). Fica claro na letra que seu intuito e engrandecer a força do Metal e que certas referências são com o intuito de proporcionar grande animação no público que escuta a música. As referências ao Diabo são claras, mas estão longe ter o nível de satanismo que vemos na atualidade. O Satã do Venom é mais usado por ser o antagonista de Deus, mas não deixa de ter seu nível de satanismo. “Satã grava a primeira nota”, já é um sinal claro que ele foi responsável na influência das músicas e nas letras, afinal a música trata do Metal que a banda está compondo, outra passagem que também faz referência a isso é quando se afirmam como “banda de Satã”. Mas nesta letra, o intento é de convocar mais pessoas para ouvir Heavy Metal, mais pessoas para curvarem “suas almas ao Deus do Rock ‘n roll” (para a banda o deus do Rock é o Diabo, vale a ressalva, que o Diabo ser atribuído como deus do Rock é uma opinião mostrada na letra da banda, o que não significa que o mesmo seja o “deus do rock”), mais pessoas para ouvirem as bandas e os sons do Metal. Sua sonoridade também é muito crua, mas bem pesada e extrema, as suas letras abordaram não só aspectos satânicos, como também elementos de fetichismo, não há muito técnica musical, mas a banda melhorou esses aspectos com o decorrer dos álbuns. A cada novo círculo de desenvolvimento do estilo as letras se tornam mais próximas ao Diabo e mais agressivas em relação a Deus. Possuídos (por Satanás) Orgulhoso no brilho sem fim das igrejas Queimando em nome de Satanás [...] Os filhos de Satanás Estão lutando nessa guerra santa Começou, ninguém irá ...sobreviver para ver o novo Elísio!Mate o padre queimando-lhe A santa trindade será incendiada Pela espada do lorde sombrio desse mundo Estamos possuídos pela lua Estamos possuídos pelo mal Estamos possuídos por Satanás 23

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Possuídos por Satanás Blasfêmia interminável!Mate! Queimando, em nome do pentagrama Goblins do mal ameaçam as almas A luta contra a alma de Deus O mal será recompensado O mal espreita em cada lugar Revolução total Massacre Execução na guerra santa Siga-me [...]21 Gorgoroth, Possessed (By Satan), 1996 Gorgoroth é uma banda norueguesa formada “por Hat, Goat Pervertor e Infernus, no início dos anos noventa. Hat fez os vocais, Goat a bateria e Infernus a guitarra. O nome Gorgoroth foi retirado do livro O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, a região onde está situada Mordor.” Com essa banda já podemos fazer diversas análises diferenciados sobre o Black Metal, primeiro vamos nos concentrar no nome da banda. As bandas começaram a adotar nomes de teor cultural nórdico, pagão, ou de referência direta a deuses pagãos, aspectos da mitologia e nome de demônios (olhando os nomes que já citei nesse artigo, percebem-se esses aspectos). Outro ponto seria o nome dos integrantes, que passaram usar as mesmas referências para o nome da banda, é comum vermos nomes com essas referências, como: Infernus, Nergal, Azazel, Ba’al entre outros. Pseudônimos são uns aspectos chave da cultura das bandas desse estilo, alguns são mais complexos e longos (Demonaz Doom Occulta) outros são pensados de forma estética sem outro sentido, o latim se torna também elemento de grande uso nos seus nomes e em passagem das letras. Vale lembrar que praticamente todas as bandas e todos os integrantes do Black Metal na metade da década de 90, e até hoje, praticam o corpse paint. Um terceiro ponto é a mudança nas letras, Possessed (By Satan) é uma música totalmente voltada para a pregação da destruição do cristianismo, de 21

Quarta música do segundo álbum da banda, lançado no ano de 1996, as suas letras variam entre o norueguês e o inglês.

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Deus, voltados para “execução na guerra santa”, inspira o assassinato de padres, além do aspecto claro da “possessão” da alma por Satã. O Diabo já passa a ganhar mais destaque novamente, se torna o centro, se torna na música um general que lutará para se tornar novamente a divindade no primeiro lugar do mundo. As representações do Diabo se tornam cada vez mais fortes e invocadoras, se nome passa a ser um instrumento de adoração, mas sem perder um aspecto que existe antes mesmo desse estilo, utilizar o mesmo para criticar o cristianismo, mascarar sua revolta com os princípios religiosos usando seu próprio antagonista. O Satã está em todas as mídias no Século XX, mas agora ele tinha um estilo musical voltado a cultuá-lo e a espalhar sua mensagem contra os adoradores de Deus. Com os passar dos anos e na chegada dos anos 2000 vemos uma modificação e proliferação desse tipo de banda muito além da Europa e da Noruega, atualmente podemos dizer que Black Metal tem um representante em qualquer cenário de Metal de qualquer cidade. Essa proliferação também gerou ramificações dentro do estilo, criando estilos dentro do estilo. Esses estilos mudavam alguns aspectos da sonoridade, mas normalmente mantinham as letras com foco na “imagem” de Lúcifer. Algumas bandas passaram a acrescentar sons orquestrais nas músicas (que diversificou o estilo, trouxe um peso diferenciado nas músicas e melhorou tecnicamente o som), surgindo assim o Symphonic Black Metal, o maior exemplo desse estilo e uma das maiores bandas do estilo que existe na atualidade, o Dimmu Borgir. Outras mesclaram sua sonoridade com o Death Metal, mas mantendo as linhas de vocal e as letras do Black, criando o Blackened Death Metal, um grande exemplo é a banda polonesa Behemoth. Outras vertentes do estilo são: Blackened Doom, Black Metal melódico, Black Metal nacional-socialista, Viking Black metal, Depressive Black Metal22. Este primeiro decênio do século XXI trouxe letras mais complexas, letras que mostram mais estudo, citações bíblicas, expressões e termos que para serem entendidos

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O primeiro desses estilos é uma mescla com outro estilo o Doom Metal, ele aplica uma lentidão mórbida e procura manter as letras de cunho satânico (Exemplo: Tomb). O segundo é outra fusão de estilos, ele aplica elementos da sonoridade do Metal melódico, com tons mais agudos e riffs diferenciados, as letras permanecem satânicas (Exemplo: Naglfar). O terceiro traz principalmente uma alteração nas letras, pois implementa elementos da cultura neonazistas juntamente com as outras características das letras ( Exemplo: Aryan Terrorism). O outro é marcado por outra alteração nas letras, pois as suas letras trazem mais aspectos da cultura nórdica e mais elementos mitológicos dos Vikings. (Exemplo: Enslaved). O quinto trata de temas depressivos, com temáticas de suicídio e misantropia. (Exemplo: Nocturnal Depression).

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corretamente necessitam de muito estudo sobre “ocultismo”, um maior uso do latim e mensagens bem mais complexas e com outro cunho na adoração a Lúcifer.

Do Fogo e do Vazio Eu, o sol do homem A prole da raça estelar Minha aureola caída esmagou sobre a terra Para que eu possa trazer equilíbrio a este mundo Eu, filho da perdição Do nada absoluto transgredido Até o mais auto - para a máxima liberdade Para explorar a natureza estrelada da minha fúria Eu, pulso da existência a lei da natureza não negada Eu seguro a tocha de Heráclites Para que eu possa sacudir a Terra e mover os Sóis Eu, Iconoclasto divino Injetando o caos dentro das minhas veias Com a vida aceita, com a dor ressuscitada É o abraço de Deus no profundo do homem A alegria de um amanhecer O êxtase do entardecer Eu tenho nutrido este fluxo cármico Onde o grande acima encontra o grande abaixo Que seja escrito! Disperso eu ando em direção a luz corrompida23 Behemoth, Ov Fire and the Void, 2009

Behemoth é uma banda polonesa fundada em 1991, é liderada pelo vocalista e guitarrista Nergal (ver imagem VI). O nome da banda é derivado da criatura bíblica descrita 23

Terceira música do álbum Evangelion, lançado no ano de 2009, todas as letras desse álbum estão em inglês. Tradução retirada: http://letras.mus.br/behemoth/1515756/traducao.html acessa dia 29/08/2012 às 21h54min .

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no livro Jô, o nome do líder da banda também é um nome de uma dos grandes demônios na demonologia, mas Nergal era o deus da morte e da guerra na suméria, mas graças ao “fator demonizador” ele se tornou um demônio, o irmão do mitológico Nergal, Marduk também serviu com nome para uma das grandes bandas do estilo (Filho de Nergal na demonologia, Samael, também virou nome de banda). Com essa análise e algumas já feitas, podemos ver que nome de integrantes, e das bandas, associado a nomes de demônios e algo bem comum. Essa música é de uma grande qualidade dentre as letras do estilo, suas frases trazem diversas interpretações e carregam mais conteúdo dentro de sim. A primeira fase “Eu, o sol do homem” é uma referência não a Jesus (que era visto como sol do homem era comum nas primeiras representações de Jesus vemos referência ao sol), mas a Lúcifer, e que ele seria o verdadeiro sol do homem. A passagem seguinte tem muito dos escritos demonológico medievais, que diziam que a queda de Lúcifer havia aberto um buraco na terra, e lá seria o inferno, além de prole estrelar mostrar claramente que ele já havia sido o maior anjo de Deus. O resto de letra é totalmente imbuído dessas referências e de estudos. O que vale ressaltar é a super produção que foi o clipe dessa música (os últimos clipes dessa banda carregam essa tradição na qualidade) que trazia uma clara representação ao nascimento do anticristo, um clipe que não se pode deixar de ver para entender melhor a letra. Imagem VI24

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Retirada do site: http://muzyka.wp.pl/gid,316367,title,Nergal-znowu-zniszczyl-Biblie,galeria.html, acessado dia 31/08/2012 às 10h27min

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Nergal, vocalista da banda Behemoth, foto de divulgação do álbum The Apostasy, 2007. Com a palavra “mentiras” escrita na bíblia.

Outra banda que não poderia deixar de comentar as suas letras é a banda Dimmu Borgir, foi por muito tempo a maior banda do estilo, tendo milhares e milhares de fã ao redor mundo, mas devido a mudanças de formações a banda não está trazendo o mesmo som e letras (devido à saída do tecladista Mustis, a grande força criativa da banda nos últimos dez anos, de acordo com o ex-baixista Vortex) que a faziam tão grandiosa nesse estilo. A banda foi formada 1993 na Noruega e conseguiu atingir grande sucesso no começo do século XXI se tornando um dos grandes nomes no mundo. O Legado Escolhido De agora em diante purificarei E cochicharei sinceramente O credo de Hades e além Como eu sucumbo ao pecado inevitável Para eu não poder escravizar-me Com palavras imaginárias de salvação A hipocrisia que cerca meu templo É ajudado por pretendentes ao trono Os ventos que sopram pureza Ditam meu legado escolhido 28

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Nascido em oposição!Um competidor a criação! In sorte diaboli!Para meus pecados Eu não pedirei nenhum perdão Para meus pecados Eles não são perdoáveis Então nunca fale de mim calmamente Apoie minha confissão Enuncio sua rebelião!Contra o traidor do mundo Sou a primeira criatura deste Reino Serei o Único!A viver mais que Seu tempo Com o triunfo de ser livre25 Dimmu Borgir, The Chosen Legacy, 2007 Essa letra é outra que mostra um maior estudo e letras mais belas e profundas, mostrando o cuidado que algumas bandas que despontaram nessa nova geração têm com as letras. Essa letra traz elementos que envolvem a própria imagem do Diabo, mas também da crítica em relação às palavras do cristianismo, o primeiro trecho da música reflete bem isso ao falar “Com palavras imaginárias de salvação/A hipocrisia que cerca meu templo”. No trecho seguinte começamos a compreender melhor o título da música, mas primeiro fica claro que opositor, “o traidor do mundo” não é o Diabo, mas Jesus, que encheu o mundo com suas falsas palavras. Um ponto que mostra o estudo sobre o Diabo é aplicação do termo “In Sorte Diaboli”, que no seu sentido original se aplica perfeitamente: “Era consenso geral dos antigos escritores medievais, seguindo os padres, que como resultado do pecado original a humanidade estava em poder do Diabo. Nós tínhamos sido, disse Haymo de Auxerre, in sorte Dei, mas estávamos depois da queda in sorte diaboli.” (RUSSEL, 2001, p. 99) Ou seja, estávamos em poder do Diabo, e aplicado esse contexto na letra, a mesma ganha um sentido muito mais completo do que uma simples tradução do termo do latim para qualquer idioma. A letra se encerra mostrando o mesmo sentimento de que o Diabo não tem 25

Segunda faixa do álbum In Sorte Diaboli (ver imagem VII), lançado em 2007, com todas as faixas em inglês. Neste disco três faixas se tornam clipes de sucesso. Tradução retirada do site: http://letras.mus.br/dimmuborgir/979723/traducao.html, acessado dia 30/08/2012 às 21h15min .

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culpa, o culpado é Jesus, ele é o corruptor (esse tema é retomado em outra música da banda The Sacrilegious Scorn, quando se escuta na música “Você não irá me corromper outra vez”), que o Diabo não precisa de perdão e ele foi o primeiro a cair no mundo vazio e será o último sair dele, por isso que seu legado é escolhido, como os seus servos. Imagem VII

À esquerda a capa do álbum In Sorte Diaboli (2007) da banda Dimmu Borgir. À direita a capa do álbum Evangelion (2009) da banda Behemoth.26

As capas são outro ponto peculiar no estilo do Black Metal, podem variar de uma simples cabeça de bode, como uma mensagem simples e clara que venera o Diabo, ou podem ser mais complexas e repletas e simbologias e detalhes. O demônio que vemos na capa da esquerda é totalmente inspirado no Baphomet de Elipas Levi. Tal imagem é recheada de simbologias, primeiro, a cabeça do bode serve para representar a ação sobre a matéria e uma externalização dos pecados. Os seios servem para representar os signos da maternidade e do trabalho, já o caduceu, serve para representar o falo. As crescentes lunares representam as relações entre o bem e o mal. “O facho representa a inteligência equilibrante do ternário”. Outro ponto, e o mais belo, é o gesto das mãos humanas da figura, indica santidade do trabalho, “o que está em cima é igual ao que está embaixo” e também pode representar a ligação entre o céu e a terra, este símbolo lembra a posição de algumas divindades na Índia, 26

Capa da esquerda retirada: http://site.dimmu-borgir.com/music/, acessado dia 31/08/12 às 08h45min. Capa da direita retirada: http://www.behemoth.pl/site/index.php/eng#evangelion, acessada dia 27/08/12 às 21h13min.

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esse é o “sinal da iniciação esotérica a indicar o antigo aforismo de Hermes Trismegisto”. Ao redor desse demônio vemos pessoas o adorando, ao mesmo tempo em que condenados são jogados ao fogo que cresce perto de seus cascos. Na capa da direita as simbologias não são menores. A mulher é a prostituta da babilônia, está sentada sobre a besta de sete cabeças, aos seus pés estão santos a venerando, entre eles vemos as tábuas da lei quebra, além disso, a espada dela está sobre o sol (símbolo de Jesus), este que tem uma expressão de pavor. O título do álbum ainda faz tudo ter mais sentido. Evangelion refere-se a evangelho, que significa a disseminação da palavra de Deus, que pelos dez mandamentos quebrados percebe-se que não estamos falando do Deus cristão. A prostituta da Babilônia ainda está ali para representar o anticristo, a decadência da humanidade e a luxúria, símbolos que são dados a ela no novo testamento. “Nergal afirma que a prostituta da Babilônia representa, na visão dele, um símbolo de ‘ rebelião e resistência contra Deus’ em seu contexto bíblico. Em suma, Evangelion é a versão do Behemoth para a ‘revelação de Deus’”. Essas letras, músicas e bandas trazem dentro de si um espírito que renova a imagem do Diabo, mas ao mesmo tempo mostram aspectos do Diabo medieval que vimos no começo do artigo. Primeiro nós podemos observar aspectos de escritos demonológicos medievais nas letras, como o “In sorte diaboli” ou os aspectos da formação do inferno através da sua queda. Belphegor, outra banda do estilo, se baseia nos escritos demonológicos medievais para produzir uma música referente à possessão de Lúcifer sobre a natureza, fazendo clara referência as transformações do mesmo em animais. As bandas buscam as representações que possam mostrar o Diabo e normalmente encontram referência de escritos demonológicos medievais, assim como nos elementos de medo, doenças e guerras.

King Encare nos olhos - pele de metal Linguá de serpente - punhal de garras Asas Dragão - chifres curvados Rei![...] 31

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Satyricon, King, 200627 Na passagem da letra acima vemos um claro reflexo do estudo da imagem do Diabo, utilizando das representações da sua iconografia clássica, como: Pã, o dragão e a serpente, mostrando os elementos característicos das imagens do Diabo medieval. A capa (ver Imagem VIII) do álbum é um reflexo da formação medieval do Diabo, mostrando em pleno século XXI (2006), uma imagem com todas as características medievais do Diabo, um verdadeiro “Pã-Diabo”, fazendo desde seu “Rei”, estudando e vendo a formação do mesmo. As bandas trabalham com se tudo que fosse maligno pertencesse ao Diabo, e por isso ele controla o mundo, fazendo referência direta a Lutero, ao De planctu ecclesia, Enoque e a dogmas de heresias. Em seus sites vemos frases colocadas em pontos estratégicos para refletir o pensamento da banda, nestas frases vemos desde Peter H. Gilmore (líder do satanismo moderno) até passagens de Tertuliano. Ou seja, o Diabo apresentado no estilo não é só medieval, assim como o Diabo, mas as suas letras atuais, em sua maioria se baseiam diretamente na produção do escritos demonológicos medievais e na produção literária e imagética produzidas durante a “infância do Diabo”. Imagem VIII28

Satyricon, “Now, Diabolical,” 2006.

Considerações Finais

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Refrão da segunda música do “Now, Diabolical”, 2006 Imagem retirada do site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:NowDiabolical.jpg acessado dia 30/08/2012 às 02h37min. 28

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Vemos nesse artigo que o Diabo é uma construção histórica, e que o cristianismo foi um vetor de enorme mudança cultural na história mundial. Nesses aspectos que o Black Metal abraça Satã, pois buscam compreender o mesmo com figura história, por isso, o veneram, pois ao avaliar os inúmeros escritos apócrifos, oficiais e “toda” a história do demônio, os mesmos puderam compreender que ele é mais próximo de nós, que ele foi mudado pela força do medo pregado pelo cristianismo. Em suma, o Black Metal é uma adoração ao Diabo somado ao anticristianismo oriundo do período de modificação cultural feito pela Igreja. Esse estilo assume o Diabo, com a força que possui no escritos medievais, mas com a paixão do Prometeu da época do romantismo. O Black Metal é uma continuação da imagem do Diabo, mais uma alteração de sua figura, como reflexo do tempo que habita, mas agora devido aos estudos sobre ele, sua imagem são todas que teve desde sua criação (mesmo as mais atuais sendo mais comuns, hoje é fácil encontramos as grandes representações do Diabo, até as do século VI, na internet e nos mais diversos livros acadêmicos). O Diabo com Pã, como tentador de santos, como uma podridão moral, as mais variadas facetas do Diabo estão presentes no século XXI e toda elas estão no Black Metal, fazendo o estilo ser o maior vetor de divulgação do Diabo, resgatando seu poder medieval, tornado ele mais uma vez o “príncipe deste mundo” Referências Bibliográficas: BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. BLOCH, Marc Leopold Benjamim. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. __________. Os reis taumaturgos: o caráter sobrenatural do poder régio Franca e Inglaterra. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. CERTEAU, Michel de. A escrita da historia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente, 1300-1800: uma cidade sitiada. São Paulo, SP: Companhia de Bolso, 2009. __________.O pecado e o medo:a culpabilização no Ocidente, séculos 13-18.Bauru, SP: EDUSC, 2003. 33

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