CULTURA DA CONVERGÊNCIA COMO MEIO DE PROPAGAÇÃO DO MANGÁ NO BRASIL: comunidades de fãs na prática da participação

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FACULDADES INTEGRADAS RIO BRANCO Trabalho de Conclusão de Curso

Paloma Lourenço

CULTURA DA CONVERGÊNCIA COMO MEIO DE PROPAGAÇÃO DO MANGÁ NO BRASIL Comunidades de fãs na prática da participação

São Paulo 2015

PALOMA LOURENÇO BARRETO

CULTURA DA CONVERGÊNCIA COMO MEIO DE PROPAGAÇÃO DO MANGÁ NO BRASIL Comunidades de fãs na prática da participação

Trabalho

de

Conclusão

de

Curso

apresentado ao curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo das Faculdades Integradas Rio Branco, como requisito

para

obtenção

de

Grau

de

Jornalista. Orientador: Profº. André Rosa Coordenadora do curso de Jornalismo: Profª Drª Patrícia Rangel Moreira Bezerra

São Paulo 2015

PALOMA LOURENÇO BARRETO

CULTURA DA CONVERGÊNCIA COMO MEIO DE PROPAGAÇÃO DO MANGÁ NO BRASIL Comunidades de fãs na prática da participação

Trabalho

de

Conclusão

de

Curso

apresentado ao curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo das Faculdades Integradas Rio Branco, como requisito para obtenção de conclusão de graduação do curso. Aprovada com louvor em 08 de dezembro de 2015. Banca examinadora: Profº André Rosa Examinador e Orientador Profª Mara Rovida Examinadora Profª Patrícia Ceolin Examinadora

São Paulo-SP 2015

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar a realidade da cultura popular nos EUA, Japão e Brasil. Para isso, articula os dois principais conceitos de cultura da convergência, composta pela convergência tecnológica e a convergência dos meios de comunicação. Em relação aos EUA, a linha teórica de cultura convergência se iniciou com um teórico do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Henry Jenkins e, portanto, os exemplos de como ocorreu a prática da cultura da convergência foram iniciados na cultura norte-americana. Além disso, o trabalho explorará a importância da participação de comunidades de fãs em um ambiente virtual, onde encontraram possibilidades de se tornarem mais ativos diante do contato mais direto com empresas de cultura popular, levando em consideração os três países analisados. Por fim, faz um histórico do crescimento do mangá e animê, tanto no Japão quanto no Brasil, estruturando a necessidade da internet como meio de crescimento da participação dos seus fãs. O texto abordará a lógica que considera a cultura da convergência como a mudança da relação entre empresas, público e meios de comunicação, principalmente após a chegada da internet. A partir disso, o trabalho pretende apresentar a realidade do relacionamento entre as duas maiores editoras do Brasil – Panini e JBC – com seus consumidores, que gostam de mangás e têm a oportunidade de participarem de comunidades de fãs. Nesse cenário, o grande desafio do trabalho é demonstrar a situação do jornalismo cultural, que está cada vez mais perdendo a influência no meio da comunicação, justamente por conta das empresas – e não só do setor cultural – manterem um contato mais direto com seus consumidores, sem necessitar de um mediador para tal. Como produto jornalístico sobre o assunto proposto, foi realizado um documentário sobre a trajetória no Brasil do mangá One Piece, quadrinho japonês mais vendido do mundo. A expectativa é que o produto crie a movimentação do fandom no ambiente virtual, para que se configure a prática da cultura da convergência. Palavras-chave: Jornalismo Cultural; Cultura da Convergência; Mangá; Animê; Fãs; Brasil.

ABSTRACT

The following essay has as objective to present the reality of the popular culture in USA, Japan and Brazil. For this, it articulates the two main concepts of convergence culture, composed by the technologic convergence and the communication means culture convergence. In relation to the USA, the theoretical base initiated with a scholar from Massachusetts Institute of Technology (MIT), Henry Jenkins and therefore, the examples of how occurred in practice the convergence culture were initiated in the north American culture. Furthermore, the essay will explore the importance of the fans in a virtual environment, where they found possibilities to be more active before the more direct contact with the popular culture companies, Considering the three countries in analysis. Finally, shows a historical background of the manga and anime, as much in Japan as in Brazil, structuring the necessity of the internet as a mean for the fan participation growth. The paper will address the logic that considers the convergence culture as a chance in the relations between companies, public and communication means, especially after the internet. From this moment, the essay intend to present the reality of the relationship of the two Brazil's biggest publishers - Panini and JBC - with theirs consumers, which likes mangas and have the opportunity to participate in fans communities. In this scenario, the big challenge of this essay is to show the situation of the cultural journalism, that is losing its influence in the communication means, just because of the companies - and not only from the cultural sector - keeping a more direct contact with its final consumers, without needing a mediator for this purpose. As a journalistic product of the proposed subject, was created a documentary about the history of the manga One Piece, world`s best seller Japanese comic book. The expectation is that the product creates a fandom movement in the virtual environment, so that the convergence culture practice are configured. Keywords: Cultural Journalism; Convergence Culture; Manga; Anime; Fans; Brazil.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Layout do site Um Pedaço ....................................................................... 9 Figura 2: Canal do YouTube - Um Pedaço ........................................................... 10 Figura 3: Layout do Blog Um Pedaço .................................................................... 11 Figura 4: Página Inicial do site Um Pedaço .......................................................... 12 Figura 5: Página do Facebook do Um Pedaço ...................................................... 13 Figura 6: Twitter - Um Pedaço ................................................................................ 14 Figura 7 - Trabalho de Katushika Hokusai ............................................................ 49 Figura 8: As duas versões de Berserk. ................................................................. 62 Figura 9: Comunidades de One Piece no Orkut ................................................... 67 Figura 10: Edições de One Piece no Brasil ........................................................... 69 Figura 11: Página Principal do Omelete ................................................................ 92 Figura 12: Página Inicial do Catarse ...................................................................... 93 Figura 13: Página Inicial do JBox .......................................................................... 93 Figura 14: Layout JBox ........................................................................................... 94 Figura 15: Fórum da Arlong Park ........................................................................... 95

SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................... IV ABSTRACT................................................................................................................ V LISTA DE FIGURAS ................................................................................................. VI 1.

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 9 1.1.

PROJETO DESENVOLVIDO ......................................................................... 9

1.1.1. Um Pedaço .............................................................................................. 11 1.2.

FORMATO ................................................................................................... 15

1.3.

PÚBLICO-ALVO .......................................................................................... 16

1.4.

TEMA ........................................................................................................... 18

1.5.

PROBLEMA ................................................................................................. 22

1.6.

JUSTIFICATIVA .......................................................................................... 23

1.7.

OBJETIVO GERAL...................................................................................... 25

1.8.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................ 26

1.9.

METODOLOGIA .......................................................................................... 27

1.9.1. 1.10. 2.

Produto ................................................................................................. 29 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................... 30

DESENVOLVIMENTO .................................................................................... 34 2.2.

Entendendo a cultura da convergência ................................................... 34

2.3.

Revolução Digital? ..................................................................................... 40

2.4.

Práticas da Cultura da Convergência ....................................................... 41

2.5.

A cultura pop japonesa.............................................................................. 46

2.6.

Mas e a cultura da convergência no Japão? ........................................... 52

2.7.

A participação das comunidades de fãs brasileiras ............................... 59

2.7.1.

Comunidades de fãs de One Piece .................................................... 66

2.7.2.

A visão dos editores da JBC e Panini ................................................ 72

2.7.3.

Responsabilidade e ética .................................................................... 76

2.8.

O jornalismo cultural na realidade da cultura da convergência ............ 78

2.8.1.

Audiência como público? ................................................................... 87

3.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE RESULTADOS ................................. 91

5.

MÉTODOS E TÉCNICAS ................................................................................ 97 5.1.

Pesquisa ..................................................................................................... 97

5.2.

Documentário ............................................................................................. 99

6.

CONCLUSÃO ............................................................................................... 103

7.

GLOSSÁRIO ................................................................................................. 108

8.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 112

9.

ANEXOS ....................................................................................................... 115

9

1. INTRODUÇÃO 1.1.

PROJETO DESENVOLVIDO

A proposta de produto gira em torno de um site criado ainda em 2014 com a temática sobre cultura pop japonesa, com foco no mangá mais vendido do mundo, One Piece. O site possui colunas opinativas, informações da produção do mangá nacional, podcasts, vídeos e notícias variadas sobre o mangá no Japão e no mundo. Por conta do site Um Pedaço existir há mais de um ano, possuindo contas nas redes sociais do Facebook - com mais de sete mil curtidas -, Twitter – com mais de 400 seguidores e YouTube – com quase três mil inscritos -, a proposta para apresentação do produto final será de uma matéria especial sobre a trajetória do mangá no Brasil e como está atualmente no mercado nacional de quadrinhos, um material que ainda não existe no site.

Figura 1: Layout do site Um Pedaço 1

Fonte: Um Pedaço, 2015

1

Disponível em: http://www.umpedaco.com.br/. Acesso em maio de 2015

10

A ideia foi de criar uma matéria em texto no site, em adição a um documentário de cerca de meia hora de duração. As entrevistas foram feitas com figuras importantes que trabalham ou trabalharam com a obra em algum momento da carreira. Em conjunto disso, houve a criação de uma grande reportagem em texto sobre a trajetória do mangá e histórias diversas de fãs considerados formadores de opinião. O vídeo está no canal do YouTube do site, disponíveis para todos os fãs de One Piece.

Figura 2: Canal do YouTube - Um Pedaço 2

Fonte: YouTube, 2015

O produto é uma tentativa de estar presente na cultura da convergência, na qual há fluxo de conteúdos em diversas plataformas (site, redes sociais, celular, tablet etc). A presença da convergência na criação do produto não se dará apenas pelo meio tecnológico do conceito, mas também cultural. Em termos mais simples, o objetivo é fazer com que a matéria especial instigue a participação dos consumidores/fãs da obra, criando um engajamento sobre o assunto. No decorrer do projeto, explicarei com mais embasamento o conceito de cultura da convergência para que seja possível fazer a relação entre o produto e o projeto teórico.

2

Disponível em: https://www.YouTube.com/user/vlogumpedaco. Acesso em maio. 2015

11

1.1.1. Um Pedaço O site Um Pedaço (UP) é um local que abrange todo o universo do quadrinho japonês conhecido como One Piece. Nele, informações diversas sobre a obra são postadas. O UP possui três principais fundadores – Paloma Lourenço, Thiago Capucho e Clarissa Gasparin. A partir de um convite do idealizador do projeto, Thiago Capucho, foi criado um projeto distinto sobre One Piece, com uma proposta diferente à simples tradução do quadrinho em comparação aos principais sites – piecePROJECT (pP) e One Piece Ex (OPEX). O projeto se sustentava em uma plataforma onde os fãs da obra pudessem conversar diretamente sobre ela. Após isso, foi criado o blog Um Pedaço com a ideia de trazer opiniões não só dos membros da equipe, mas também dos fãs da história.

Figura 3: Layout do Blog Um Pedaço 3

Fonte: Blogger

Este projeto começou com um blog de caráter essencialmente opinativo. Tudo mudou ano passado, quando o projeto “site Um Pedaço” foi mobilizado por seus 3

Não há mais disponibilidade de link do Blogger por conta da mudança de layout do blog para site. A imagem foi disponibilizada pelo dono Thiago Capucho para ilustrar o projeto e mostrar as diferenças de layout.

12

fundadores. De lá pra cá, houve a compra de dois domínios (umpedaco.com e umpedaco.com.br) e o blog foi modificado para site. Ainda o site não tem uma hospedagem por não haver a necessidade de um servidor potente para segurar o número de visitas e arquivos disponíveis. No entanto, a intenção é que no futuro o site esteja hospedado em um host, pois a ideia é se especializar cada vez mais. Hoje a equipe conta com 12 membros, incluindo os três fundadores, que escrevem para o site, página do Facebook, Twitter, Instagram e Google+. Ainda temos o canal do YouTube com criação de vídeos sobre a obra e discussões que a permeiam, além de programas de rádio, os podcasts. A partir de 2015, começou a realização de lives mensais, ou seja, programas ao vivo, feitos pelo hangout do Google, no canal Um Pedaço. A ideia é que haja mais interação e participação com os fãs sobre One Piece e também com a equipe da Um Pedaço.

Figura 4: Página Inicial do site Um Pedaço 4

Fonte: Um Pedaço, 2015

4

Disponível em: http://www.umpedaco.com.br/. Acesso em maio de 2015

13

Figura 5: Página do Facebook do Um Pedaço Fonte: Facebook, 2015

5

Segue abaixo assuntos que poderão ser vistos no site no decorrer do ano de 2015: - Notícias sobre acontecimentos no Japão, como eventos temáticos sobre a obra que ocorrem de tempos em tempos; Jogos que são lançados; Filmes que serão estreados; Datas de paralização dos episódios do animê ou capítulos do mangá; Análises de personagens; episódios de podcasts temáticos, priorizando One Piece ou apenas de bate-papos; Teorias sobre o futuro da história; Textos opinativos que tenham proximidade com o tema do site; Vlogs; Entrevistas que estejam dentro do universo da história (quem trabalha com a obra no Brasil, entrevistas que o autor deu em algum momento, donos de outras mídias que falam de One Piece etc).

5

Disponível em: https://www.facebook.com/UmPedacoOficial. Acesso em maio. 2015.

14

Figura 6: Twitter - Um Pedaço 6

Fonte: Twitter, 2015

Figura 7: Instagram – Um Pedaço 7 Fonte: Instagram, 2015

6 7

Disponível em: https://twitter.com/UmPedacoOficial. Acesso em maio, 2015 Disponível em: https://www.instagram.com/umpedacooficial/ Acesso em novembro, 2015

15

1.2.

FORMATO

Após a explicação do processo de como foi a fundação do site Um Pedaço, o produto final deste trabalho trata-se de um projeto que o site ainda não possui: uma matéria multimidiática falando sobre a trajetória do mangá One Piece aqui no Brasil8. Na matéria será possível ter acesso ao documentário, com entrevistas com os principais profissionais que trabalharam e trabalham com a obra no Brasil – editores e tradutores e trabalhos de fãs que ajudam a divulgar a obra na Internet, tendo a participação de figuras importantes dos dois principais sites sobre One Piece no país: OPEX e piecePROJECT. Além dos materiais em vídeo, haverá uma matéria em texto como complemento e mais informações no que tange a pauta – a trajetória de One Piece no Brasil -, contando histórias e dificuldades de tudo que está em torno da obra, desde a edição e tradução a histórias de fãs. E de como o fandom de One Piece cresceu no país.

8

Aqui no Brasil One Piece é publicado pela Panini – Planet Manga. No presente trabalho, a editora enviou para as bancas as edições 59 e 46. Porém, One Piece foi também lançado pela primeira vez em 2002 pela Conrad Editora. Disponível em: http://www.guiadosquadrinhos.com/capas/one-piece/pa03301. Acesso em junho de 2015.

16

1.3.

PÚBLICO-ALVO

Para estabelecer um perfil de público foi realizado um questionário voltado para as pessoas da equipe Um Pedaço e mais dois participantes da comunidade do Facebook, que segue todas as atualizações do nosso site e da fanpage. No total, obtive 13 respostas, reproduzidas no anexo deste trabalho. Para melhor visualizar o perfil deste projeto, o objetivo do questionário foi de obter respostas do consumidor do produto, ou seja, focando apenas no fandom de One Piece e não no restante das comunidades de mangás. A escolha de manter a perspectiva apenas no produto final foi preferível, uma vez que pensar em comunidades de leitores de mangás é mais amplo. Assim como nas categorias de livros – infantil, jovem-adulto, adulto etc -, há diferentes tipos públicos-alvo no mercado de quadrinhos japoneses. A base teórica do trabalho possibilita uma ampliação do público-alvo, sendo interessante para fãs de quadrinhos japoneses, os funcionários das editoras nacionais e pesquisadores da área da comunicação. O questionário indicou algumas respostas semelhantes e, a partir disso foi criado um perfil de público que irá se interessar pelas informações contidas neste trabalho. Apesar das respostas apontarem para um público específico, o presente trabalho não descarta a inclusão de outros públicos que possam vir a se interessar pelo assunto. Entre as semelhanças, é perceptível que a maior parte do fandom9 conheceu One Piece pela obra animada (animê), que é adaptação da obra original. Isso se deve pelo fato da base de idade dos fãs dificulta estabelecer uma renda salarial mensal, o que faz com que a maioria dependa de mesada para ao menos comprar a edição da obra favorita, portanto, como o animê é obtido de maneira gratuita – por download na internet – os fãs acabam começando por ela para no futuro comprarem o mangá. Além disso, basicamente, um fã curte uma página da obra no Facebook por dois motivos: para obter mais conhecimento de One Piece e por se identificar

9

Fandom é o termo utilizado para designar uma subcultura dos fãs em geral, caracterizada por um sentimento de companheirismo e solidariedade com outros que compartilham os mesmos gostos. (nota de tradução de Susana L. de Alexandria no livro de Henry Jenkins: Cultura da Convergência, 2006, p.39)

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com a história, conhecendo outras pessoas que se interessam pelo mesmo material que eles. Outra semelhança no questionário realizado: no decorrer da experiência de assistir ao animê, as pessoas também optam pelo mangá, pois é uma forma de conhecer o material original feito pelo autor japonês Eiichiro Oda10. É comum a este perfil acompanhar as duas mídias: a obra animada e o quadrinho. Ainda de acordo com o questionário, o público sente necessidade de se expressar e participar de comunidades que debatem One Piece, uma obra que ama e se identifica.

10

Eiichiro Oda nasceu em Kumamoto, no sul de Kyushu, em primeiro de janeiro de 1975. Decidiu ser mangaká com apenas quatro anos de idade, pois descobriu que não queria trabalhar de forma convencional. (ONE PIECE, GRANDE ARQUIVO DE DADOS BLUE, Panini, 2002, p. 133)

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1.4.

TEMA

A velocidade das mudanças tecnológicas dos últimos anos permitiu que surgissem novas visões de participação e interação da sociedade com os meios de comunicação e com as indústrias midiáticas, sejam elas tradicionais ou alternativas estúdios de cinema, editoras de livros e quadrinhos, os canais de televisão, desenvolvedores de games, as corporações etc. Na outra extremidade, também é possível observar que as mídias tentam conversar com os consumidores ou irem além, interagindo com as comunidades de fãs. Principalmente as novas empresas de mídia, que surgiram na esteira da Internet – usando de exemplo as produtoras de games -, estão entendendo cada vez mais a importância dos consumidores fiéis, que participam, discutem e espalham a marca por prazer (JENKINS, 2006). Como o escritor, produtor e diretor Mark Washaw explica: hoje, qualquer que seja a relação das pessoas com as mídias, ela é diferente do que alguns anos atrás. E a importância dessa relação só será definida pelas partes envolvidas e em como elas lidam com as mudanças. (WASHAW, 2008) No caso, as indústrias midiáticas tradicionais, como os canais de televisão, indústria fonográfica e os grandes estúdios de cinema, desde o início do século XXI, procuram se reinventar para manter a atenção do público e a importância no cenário empresarial. Ainda há certa resistência por parte de algumas corporações, como de cercear a liberdade dos consumidores fiéis, que hoje são mais ativos, temendo perda de investimentos e de direitos autorais e intelectuais das obras que detêm. A única certeza que todos possuem é que a convergência está presente e reflete em todas as mídias, e nesse caso, os jornais, revistas, televisão e assessorias de imprensa fazem parte desse universo. (JENKINS, 2006) Outro item de vital importância para entendermos a convergência, assim como Jenkins ressalta, é a transformação cultural. Desde o fim do século passado e o começo do XXI, os consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em um universo onde há conteúdos de mídia em todo lugar. Sendo assim, há uma criação de um novo sistema de mídia.

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A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticadas que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros. [...] Por haver mais informações sobre determinado assunto do que alguém possa guardar na cabeça, há um incentivo extra para que conversemos entre nós sobre a mídia que consumimos. (JENKINS, 2006, p.30)

O assunto não é tão atual quanto parece. Ainda em 1983, o cientista político Sola Pool previu um caminho midiático transitório, marcado por decisões estratégicas e que poderiam trazer consequências inesperadas para as mídias. Resumindo, as mudanças estavam ocorrendo e ninguém sabia muito bem o que era certo fazer, apenas testar. A resposta de Pool veio duas décadas depois. Os Estados Unidos estavam entrando em uma transição midiática11 rápida, do entretenimento principalmente, com os desenvolvimentos de games, com as novas tecnologias comunicacionais e as mudanças no cinema. O que os norte-americanos ainda não sabiam era como fazer um modelo de convergência que trouxesse resultados (JENKINS, 2006). De acordo com o dicionário Aurélio, um dos significados de convergência é a “tendência de várias coisas para se fixarem num ponto ou se identificarem”. Sendo assim, Henry Jenkins criou o conceito de Cultura da Convergência. Bem-vindo à cultura da convergência, onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e do poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis (JENKINS, 2006, p.29).

Segundo Jenkins, os mercados midiáticos na primeira década do século XXI passaram por mais uma mudança de paradigma. Ainda nos anos de 1990, o discurso era de “revolução digital”, de que os meios tradicionais de comunicação seriam extintos pelos novos e a Internet substituiria a radiodifusão, se tornando a ferramenta em que os consumidores acessariam com mais facilidade os conteúdos que gostavam. Em 2003, ocorreu a New Orleans Media Experience, conferência que serviu para trocar as experiências de convergência midiática. Na época, as dúvidas estavam presentes em todas as áreas, sejam as corporativas, de comunicação ou 11

Transição Midiática é uma fase durante a qual os entendimentos sociais, culturais, econômicos, tecnológicos, legais e políticos dos meios de comunicação se reajustam em face de uma mudança que produz ruptura. (JENKINS, 2006, p.387)

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games. Mas ao menos a conferência empurrou todos a um futuro, como destaca Jenkins: Todo caminho à frente apresentava obstáculos, muitos dos quais pareciam instransponíveis, mas de alguma forma, teriam de ser contornados ou superados na década seguinte. As mensagens eram claras. A convergência está chegando e é bom você se preparar; A convergência é mais difícil do que parece; Todos sobreviverão se todos trabalharem juntos (JENKINS, 2006, p.37).

A questão fundamental é que no início do novo século, diferentes níveis de participação dos fãs estavam sendo atingidos. O resultado parecia claro: laços mais fortes com os conteúdos (MARSHAW, 2008). Portanto, a esteira que mais se destacou nesses últimos anos foi a cultura popular. De acordo com Jenkins, a cultura popular nada mais é que “materiais culturais que foram apropriados e integrados à vida cotidiana de seus consumidores”. Essa definição será usada em todo o trabalho, utilizando como conceito padrão, sem fazer distinção de cultura pop12, possuindo a mesma ideia da definição de cultura popular de Jenkins. Aproximando o assunto para o jornalismo, o trabalho alinhará a cultura da convergência com o jornalismo cultural, área que dá mais atenção à literatura, entretenimento e cultura popular. Assim como expõe o jornalista Franthiesco Ballerini, definir “cultura” não é fácil, pois envolve conceitos, costumes, valores etc. Porém, este trabalho seguirá com a visão de Ballerini, que propõe um paralelo entre cultura e entretenimento, sem fazer distinção entre eles. “[...] Pois parece claro que uma obra voltada ao entretenimento há também traços culturais dos seus produtores” (BALLERINI, 2015, p.31). Justamente na perspectiva de que o entretenimento também carrega traços culturais de seus produtores que se chega ao tema deste trabalho. No decorrer do texto será possível ver alguns exemplos de como a cultura da convergência se relaciona com o mercado dos quadrinhos japoneses, os mangás, que são considerados um dos oito tipos de cultura popular do Japão (SATO, 2007).

12

Cristiane Sato no livro “Japop, O Poder da Cultura Pop Japonesa”, faz a distinção de cultura popular e cultura pop, mas utilizando o conceito de folclore para definir cultura popular. No caso deste trabalho, o conceito de Jenkins não abarca definições de folclore e sim as mesmas referências que Cristiane usou para conceituar cultura pop. (SATO, 2007, p.12)

21

Apesar dos quadrinhos japoneses terem forte influência no Japão, os mangás também são comercializados no Brasil. O mesmo ocorre com a cultura da convergência. Os exemplos da prática da convergência estão intimamente ligados à cultura norte-americana, já que o autor do conceito é norte-americano e fez uso da cultura popular de seu país de origem para basear sua teoria. Ainda assim, os mesmos conceitos de Jenkins serão utilizados neste trabalho de acordo com os costumes das comunidades de fãs brasileiros e suas participações no mercado de quadrinhos japoneses, assim como a visão das editoras nacionais ante o público ativo. O trabalho seguirá três vertentes, todas se relacionando com cultura da convergência para contextualizar o tema proposto: a participação das comunidades de fãs de mangás; O olhar das editoras nacionais, utilizando como foco a Japan Brazil Communication (JBC) e a Panini – Planet Manga; O tipo específico de participação de consumidores: os fãs do mangá One Piece, que vendeu 12 milhões de cópias apenas no ano passado no Japão. (ORICON, 2014)

22

1.5.

PROBLEMA

A partir das informações que serão levantadas no decorrer do trabalho, a proposta é que se chegue a uma conclusão de olhar jornalístico. O texto observará possíveis práticas da cultura da convergência no mercado japonês, abordando principalmente a literatura e o mercado de animação. Depois disso haverá também exemplos que ocorreram de forma semelhante no Brasil, com o viés para o mercado de quadrinhos japoneses. Levantadas todas essas questões, o trabalho pretende responder: como o jornalismo cultural e a comunidade de fãs de quadrinhos japoneses se relacionam - ou se de alguma forma se relacionam - nesse cenário da convergência?

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1.6.

JUSTIFICATIVA

As mudanças tecnológicas e culturais trouxeram um novo modelo de mídia no século XXI. Tanto das empresas, interagindo com os consumidores, quanto do público, que participa cada vez mais dos produtos que são lançados por diversas corporações de mídias, e por vezes não só no produto lançado, mas participam de debates e em criações de conteúdos próprios que de alguma forma ajudam a alavancar o nome da marca ou da mídia. E essas mudanças sacudiram toda a área da comunicação. Blogueiros, ativistas e criadores de conteúdo frequentemente escrevem que o poder crescente das plataformas, os fluxos de conteúdo e participação dos consumidores são desafios para jornalistas e para a mídia comercial. O motivo é simples, essas duas áreas temem perder a autoridade e importância histórica pelas fontes atuais de mídia livre. (JENKINS, FORD, GREEN, 2013) No final de 2014, o Brasil se tornou o quarto país com mais usuários que utilizam internet no mundo, com mais de 107 milhões de conectados, ultrapassando o Japão (eMarketer, 2014). Ballerini enfatiza de como as mudanças ocorridas com o advento da internet e do aumento cultura da conectividade estremeceu o jornalismo cultural, especificamente. Ele explica que nem mesmo o surgimento do rádio, do cinema e da televisão, no fim do século XIX e século XX respectivamente, modificaram tanto o jornalismo cultural como agora. Isso porque as organizações que espalhavam o discurso detinham mais controle das informações. No entanto, a prática do jornalismo cultural ocorre ainda pelas mídias tradicionais, mas também circula aos milhões na rede, e melhor, de graça. (BALLERINI, 2015) O resultado disso é uma grande dor de cabeça para qualquer dono de mídia tradicional que quer manter viável seu negócio e se vê diante de uma avalanche de mudanças súbitas que causam o fechamento de veículos e a erosão financeira de grupos de mídia. (BALLERINI, 2015, p. 43)

Como é possível visualizar, todo o jornalismo está sensível às atuais mudanças tecnológicas e comunicacionais, com isso, o presente trabalho focará essas mudanças olhando para o mercado de quadrinhos japoneses que são lançados no país, procurando novas oportunidades para pautas jornalísticas e situando o quadro de como está as relações entre público e editora, além de

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oferecer e possibilidades ou experimentações do jornalismo para se inserir nessa nova realidade.

25

1.7.

OBJETIVO GERAL

No decorrer do trabalho, pretende-se analisar o quadro atual do jornalismo cultural no Brasil e se há algum espaço para falar sobre quadrinhos japoneses - ou ao menos algum tipo de cultura popular. E esse espaço não se dá apenas nas mídias tradicionais, mas em qualquer plataforma, desde que siga preceitos jornalísticos. Além de levantar essas questões, a intenção é se chegar a uma visualização de relacionamento e diálogo entre jornalistas e as comunidades de fãs do mercado de quadrinhos japoneses no Brasil.

26

1.8.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

A intenção é explicar alguns detalhes anteriormente que contextualizam o objetivo geral. Para isso será necessário demonstrar como ocorre a relação entre as comunidades brasileiras de fãs de quadrinhos japoneses e as editoras nacionais, utilizando como conceito a cultura da convergência. E para que seja possível entender essa relação, também será necessário explicar brevemente se a convergência também ocorre no Japão, já que os quadrinhos japoneses são um tipo de cultura popular de seu país de origem. Com essas perguntas respondidas, ainda pretende-se explicar o quanto as comunidades de fãs são ativas, não apenas com as editoras, mas entre si, debatendo, se unindo e compartilhando informações. Além disso, o trabalho pretende ainda analisar a comunidade específica de One Piece, também mostrando seus desdobramentos e exemplos da cultura da convergência nesse cenário. E por fim, explanar sobre possibilidades de experimentação para o jornalismo cultural de hoje.

27

1.9.

METODOLOGIA

Para que o trabalho de projeto experimental fosse possível, leituras de alguns autores foram necessárias para estabelecer o conceito teórico. Os principais nomes levantados foram Henry Jenkins, Sam Ford e Green Joshua. No entanto, durante a leitura desses três autores, diversos pesquisadores foram citados e serão aproveitados no decorrer do trabalho também. Os três norte-americanos trouxeram o conceito de convergência, participação e propagação, que é a principal base deste trabalho. Além deles, nomes do francês Etiénne Barral, Paul Gravett e Cristiane Sato foram os mais utilizados, além dos livros escolhidos como “O Homem do Trem” e "Almanaque Shoujo Mangá - O poder da sedução feminina"13 para ilustrar um pouco da cultura oriental e exemplos de como a cultura da convergência está presente também no Japão e no Brasil. Após essas explanações e estabelecimento de conceitos, o pensamento para seguir com este trabalho de conclusão de curso foi de introduzir acontecimentos do mercado brasileiro de quadrinhos japoneses que se alinhem com a convergência tecnológica e dos meios de comunicação. Para isso, diversas entrevistas foram realizadas com profissionais da área, além de conversas e debates com as comunidades de fãs que já se juntaram para realizarem campanhas, cobrando, pedindo e elogiando as editoras de quadrinhos em diferentes situações. Para fazer o papel das comunidades, foram escolhidos dois grupos: Campanha Shoujos no Brasil e o grupo Um Pedaço, mesclando também com outras comunidades que falam de One Piece. Desses dois grupos sairão os exemplos de como os consumidores de quadrinhos se relacionaram com as editoras, participando para que fosse possível uma quantidade maior de materiais no mercado e mais qualidade do produto físico, entre outras histórias que corroboram com o conceito teórico deste trabalho. Os autores Henry Jenkins, Sam Ford e Joshua Green mostraram em seus livros as duas visões da prática da convergência. Das empresas e dos públicos. No projeto não será diferente, a intenção é mostrar os dois lados, de como as editoras 13

A obra é Foi feita pelos autores: Eloyr Pacheco, Gustavo Zolinger Zanin, Humberto Yashima, Lucas Tanaka, Priscila Murakami e Franco de Rosa (ESCALA, 2009)

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ouviram seus públicos e de como os públicos se juntaram em prol de algo que gostam. Nessa esteira, entra o caso do Projeto Berserk, que teve mais aceitação no meio editorial brasileiro, com a empresa Panini ouvindo o público e dando um feedback para os fãs. Outras campanhas e pedidos dos fãs também são e foram ouvidos, mas o mangá Berserk é um exemplo eficaz da cultura da convergência no mercado brasileiro. Para que a contextualização do conceito fique completa, o trabalho propôs ainda ver como as interações entre os fãs elevou o grau de discussão e engajamento sobre mangás e o mercado nacional. O foco do projeto em relação às editoras se deu apenas na JBC e Panini – Planet Manga, que são as maiores editoras do país e já possuem um histórico de relação com os seus públicos. Isso não significa que editoras como a Nova Sampa, L&PM, NewPop, Abril, Editora Draco e Astral Comics, que comercializam mangás, não se relacionam com seus consumidores, foi apenas uma escolha de se focar nas duas maiores editoras que vendem mangás no Brasil. Para falar sobre o assunto, essas informações são obtidas pelos editores dos mangás ou então o editor de conteúdo. No caso da JBC, foram duas entrevistas. Cassius Medauar, gerente de conteúdo da empresa e Marcelo Del Greco, que é editor de conteúdo e responsável pela linha Ink Comics da JBC. Ambos são jornalistas as figuras responsáveis por falar das novidades da editora e conceder palestras. Na Panini, o principal nome levantado foi a responsável pela edição do mangá de One Piece, Beth Kodama, que também concede bate-papos e palestras e está mais próxima dos consumidores. Para falar sobre a conjuntura do jornalismo nessa realidade da convergência, foi possível conversar com alguns jornalistas culturais para se estabelecer possibilidades de trabalho no mercado da comunicação, e como visualizar o papel do jornalista no meio de tantas plataformas de conteúdo. A base teórica para contextualizar a realidade do jornalismo cultural vieram dos autores Franthiesco Ballerini e Cremilda Medina, com um adendo a uma entrevista ao vivo mais aprofundada com Ballerini.

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Além desses nomes, uma entrevista foi realizada com o artista independente Max Andrade, desenhista e criador do mangá nacional Tools Challenge14, com a proposta de entender a criação de um fandom através de uma história originalmente criada aqui no país e sem possuir vínculo com as grandes editoras. 1.9.1. Produto A realização do produto se deu também através de entrevistas com as pessoas que trabalham ou já trabalharam com One Piece no Brasil, seja de maneira profissional, com os editores, seja de forma amadora, com os fansubbers e scanlators. Sendo assim, as escolhas não podiam ser diferentes: Beth Kodama, a responsável pela edição da obra aqui no Brasil, aceitou fazer a entrevista e o documentário, falando de como é trabalhar com a obra, detalhes de produção etc. Cassius Medauar também trabalhou com a obra ainda quando ela foi lançada pela Editora Conrad. O convite foi para falar mais da primeira produção do mangá e os as dificuldades da época. Além disso, o documentário contará com relatos do tradutor atual da obra, Felipe Monte, que também criou o primeiro site de One Piece no Brasil, ainda em 2003, a Romance Dawn15. Para falar da trajetória do mangá pelo mundo virtual, foram feitas também mais duas entrevistas. Uma com Rodrigo Francisco, tradutor e podcaster do maior site brasileiro sobre One Piece, a One Piece Ex. A outra com o criador de conteúdo William Halter Batista, que faz parte da piecePROJECT, segundo maior site do país de One Piece.

14

Tools Challenge ficou conhecido em 2011 em um concurso internacional promovido pela editora espanhola Norma. Hoje possui sua primeira edição impressa de forma independente graças à plataforma Catarse.me Disponível em: http://www.correiodeuberlandia.com.br/colunas/nehac-2/os-nerds-e-a-orientalizacao-dosquadrinhos-no-brasil/. Acesso em maio. 2015 15 https://romancedawnbeta.wordpress.com/ Acesso em dezembro, 2015.

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1.10. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Para estabelecer linhas gerais da teoria proposta, foi pesquisado autores como Pierre Lévy e Manuel Castells, que são teóricos mais contemporâneos e ajudaram a iniciar o assunto sobre ciberespaço e a Galáxia da Internet. Lévy traçou algumas noções do virtual e das mudanças que estavam por vir ainda na década de 1990, com os conceitos de virtualização, atualização e realização. A realização é uma ocorrência de um estado pré-definido, a atualização seria uma solução de uma problemática, e a virtualização é o estado de mudança completa, que se apõe ao atual, pois ele se torna a problemática, o diferente, uma espécie de mutação da realidade. Nas próprias palavras “a virtualização é um dos principais vetores da criação de realidade”. (LÉVY, 1995, p.18) Apesar de parecer filosófico demais, Lévy construiu alguns conceitos para se chegar ao crescimento da internet, como fazendo uma comparação simples de uma leitura de um livro e a diferença que isso teria através de um computador, de uma tela. Ele chama isso de hipercontextualização. A hipercontextualização é o movimento inverso da leitura, no sentido em que produz, a partir de um texto inicial, uma reserva textual e instrumentos de composição graças aos quais um navegador poderá projetar uma quantidade de outros textos. (LÉVY, 1995, p.42)

O pensamento de um texto navegável, o hipertexto (HTML), é considerado por Lévy um texto virtualizado, justamente por estar num ambiente de mudança completa. E nessa linha de raciocínio é possível ver o crescimento de uma ideia próxima ao que Jenkins conceitua como convergência tecnológica. Até porque, Lévy utiliza dois sinônimos para hipertexto: hipermídia e multimídia interativo. [...] a passagem ao hipertexto é uma virtualização. Não para retornar ao pensamento do autor, mas para fazer o texto atual uma das figuras possíveis de um campo textual disponível, móvel, reconfigurável à vontade, e até para conectá-lo e fazê-lo entrar em composição com outros corpus hipertextuais. [...] Com isso, a hipertextualização multiplica as ocasiões de produção de sentido e permite enriquecer consideravelmente a leitura. (LÉVY, 1995, p.43)

Ainda sobre hipertexto, em 1995, Lévy não descartou as mudanças de comportamento da sociedade em rede, bem como coloca: “Aqui, não consideramos mais apenas os processos técnicos de digitalização e de apresentação do texto,

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mas atividade humana de leitura e interpretação que integra as novas ferramentas” (LÉVY, 1995, p.44) O uso do termo “convergência” foi usado ainda por Castells em 1996, e antes dele, Daniel Bell e Harvey Brooks iniciaram a ideia de que a tecnologia é o “uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma maneira reproduzível” (BELL E BROOKS, 1971-76) Entre as tecnologias da informação, incluo, como todos [os pesquisadores], o conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão, e optoeletrônica. (CASTELLS, 1996, p. 67)

Castells, em “A Sociedade em Rede”16, também leva em consideração a mudança social no processo de transformação tecnológica da rede, explicando que “as mudanças sociais são tão drásticas quanto os processos de transformação tecnológica e econômica”. O autor ainda explica que as redes interativas de computadores criaram novas formas e canais de comunicação, o que possibilita moldar a vida da sociedade e vice-versa, a sociedade molda as redes. (CASTELLS, 1996, p.40) Alguns questionamentos sobre “informação exclusiva” também foi debatida por Lévy no livro “O que é o Virtual?”, o que ajuda no entendimento do discurso de Jenkins, Green e Ford, que explicam o compartilhamento indireto das mídias e criação de conteúdos alternativos por parte dos consumidores. Por que o consumo de uma informação não é destrutivo e sua posse não é exclusiva? Porque a informação é virtual. Conforme já sublinhamos amplamente, um dos principais caracteres distintivos da virtualidade é seu desprendimento de um aqui e agora particular, e por isso é um bem virtual, por essência desterritorializado, sem perdê-lo. (LÉVY, 1995, p.58)

Em 1994, ideias da psicanálise social de Raymond Barglow também reiteram o paradoxo da força da integração e organização humana nas redes, ao mesmo tempo em que tumultua o conceito ocidental tradicional de independência do ser humano. A mudança histórica das tecnologias mecânicas para as tecnologias da informação ajuda a subverter as noções de soberania e 16

A edição usada foi de 2012, no entanto, a teoria foi criada em 1996.

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autossuficiência que serviam de âncora ideológica à identidade individual desde que os filósofos gregos elaboraram o conceito, há mais de dois milênios. Em resumo, a tecnologia está ajudando a desfazer a visão de mundo por ela promovida no passado (BARGLOW, 1994, p.6, apud CASTELLS, 1996, p.58)

Na década de 1990, o começo da World Wide Web (www), Lévy previu basicamente o que hoje entendemos como cultura participativa, mesmo que ainda não sabendo as mudanças que a Internet traria no mundo todo. [...] o consumidor de informação, de transação ou de dispositivos de comunicação não cessa, ao mesmo tempo, de produzir uma informação virtualmente cheia de valor. O consumidor não apenas se torna coprodutor da informação que consome, mas é também produtor cooperativo dos “mundos virtuais” nos quais evolui, bem como agente de visibilidade do mercado para os que exploram vestígios de seus atos no ciberespaço. (LÉVY, 1995, p. 63)

Postman, apesar de ser de outra época, definiu o “caráter” da comunicação de uma maneira peculiar, que Castells pôde usar para relacionar com os sistemas tecnológicos crescentes nas últimas décadas. E essa relação também se aproxima do conceito de cultura da convergência. Para Postman, a comunicação molda a cultura, pois “nós não vemos a realidade como ‘ela’ é, mas como são nossas linguagens, e nossas linguagens são nossos meios de comunicação” (POSTMAN, 1985, apud CASTELLS, p.414). Como a cultura é mediada e determinada pela comunicação, as próprias culturas, isto é, nossos sistemas de crenças e códigos historicamente produzidos são transformados de maneira fundamental pelo novo sistema tecnológico e o serão ainda mais com o passar do tempo. (CASTELLS, 1996, p. 414)

De

acordo

com

Castells,

os

usos

das

novas

tecnologias

de

telecomunicações passaram por três diferentes estágios nas duas últimas décadas. Uma delas é que importa: a reconfiguração das aplicações. Ele explica que a reconfiguração da tecnologia aconteceu na tentativa e erro, o que acabou resultando na descoberta de novas aplicações à rede. E a consequência disso chega próximo ao conceito de cultura da convergência de Jenkins. (CASTELLS, 1996) Consequentemente, a difusão da tecnologia amplifica seu poder de forma infinita, à medida que os usuários apropriam-se dela e a redefinem. As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa. Dessa forma, os usuários podem assumir o controle da tecnologia como no caso da Internet. (CASTELLS, 1996, p.69)

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Em 1997, Lévy voltou a falar das novas tecnologias na sociedade e criou o conceito de inteligência coletiva. Jenkins chegou a citá-lo no capítulo da Cultura da Convergência, mas a ideia de Lévy não corrobora exatamente com o que Jenkins teoriza. No entanto, ainda assim não deixa de ser interessante para a proposta inicial da teoria da convergência. Lévy explica em sua análise, que nas redes digitais as pessoas trocam todo tipo de mensagem com todo tipo de outros grupos e indivíduos, “ou no interior de grupos, participam de conferências eletrônicas sobre milhares de temas diferentes”. E completa, ainda: [...] os novos meios de comunicação poderiam renovar profundamente as formas do laço social, no sentido de uma maior fraternidade, e ajudar a resolver os problemas com os quais a humanidade hoje se debate. (LÉVY, 1997, p. 10)

Porém, justamente pela cultura da convergência ser uma teoria atual, que engloba tantos outros conceitos, como Web 2.0, cultura participativa, cultura da conexão etc, é natural que seja um assunto que seguirá seu percurso a cada dia, pois todos nós estamos ainda no processo de estabelecer maiores noções de alcance de audiência, maneiras alternativas de transmissão, comportamento das comunidades de fãs e evolução do próprio jornalismo nesse cenário imprevisível que é a internet.

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2. DESENVOLVIMENTO 2.2.

Entendendo a cultura da convergência

Para que se possa chegar às comunidades de fãs de mangás e, especificamente, de One Piece, é preciso entender o conceito que Henry Jenkins criou. A cultura da convergência não se dá apenas pela alta tecnologia que o século XXI trouxe. Apesar de a Internet ter modificado a visão de empresários, jornalistas e consumidores, os aspectos sociais e culturais influenciam diretamente no modo como a convergência ocorre. A convergência por si só não tem um único significado, ela engloba três importantes fatores: o fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia; A cooperação entre múltiplos mercados midiáticos – cinema, videogame e literatura, por exemplo. E por fim, a mudança de comportamento dos públicos dos meios de comunicação, que antes eram considerados passivos, e hoje vão a qualquer lugar em busca das experiências de entretenimento da mídia que se tornaram fãs. (JENKINS, 2006). A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A convergência altera a relação entre as tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento. (JENKINS, 2006, p. 43)

Para reforçar esse conceito, o livro “Cultura da Conexão” abordou de maneira mais profunda o fato dos avanços tecnológicos estarem mudando o comportamento de todos e vice-versa. Sam Ford, Joshua Green e Henry Jenkins, autores do livro, abordam que os defensores das novas tecnologias discursam com frequência de como essas novas ferramentas irão democratizar a comunicação, ao mesmo tempo em que os críticos da mídia falam da perda do controle pelas mãos do cidadão, e que as plataformas que distribuem conteúdos pela mídia se concentram nas mãos de poucos conglomerados, como os gigantes Google e os donos do Facebook. E não podia ficar de fora a visão dos profissionais de relações-públicas e os profissionais de mídia (jornalistas, colunistas especialistas etc), que escrevem regularmente sobre como as novas plataformas de mídias estão desestabilizando os negócios. (FORD, GREEN e JENKINS, 2013)

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Franthiesco Ballerini ressalta que o jornalismo cultural - e por consequência o jornalismo como um todo - trabalhou durante cinco séculos sob um modelo midiático rentável, que garantiu certa estabilidade financeira e melhor visualização no fluxo de comunicação. Mas agora, a comunicação está em crise e a prática do jornalismo cultural também mudou de forma radical. (BALLERINI, 2015) Mesmo que as mudanças começassem a surgir de fato na primeira década século XXI, com a velocidade da tecnologia e novas visões de interação e participação das pessoas na sociedade virtual, hoje, na segunda década, ainda há incertezas e contínuas evoluções tecnológicas, até porque a tecnologia está sempre se alterando. Como os autores de Cultura da Conexão dizem, o que as pessoas, sejam os profissionais ou os consumidores, decidem fazer com essas novas tecnologias, sejam individualmente ou coletivamente, ainda estão sendo definidos. A cultura que produzem e espalham por esses meios tecnológicos também não possuem um fim inevitável. Resumindo, está tudo incerto e o importante é observar e analisar atentamente essas mudanças continuamente. (FORD, GREEN e JENKINS, 2013) Novas plataformas criam aberturas para mudanças sociais, culturais, econômicas, legais e políticas, além de constituírem oportunidades para a diversidade e a democratização. Os termos dessa participação, todavia, estão ainda por ser definidos e serão formatados por um conjunto de batalhas legais e econômicas que veremos se desenrolar nas próximas décadas. (FORD, GREEN e JENKINS, 2013, p.21)

Pierre Lévy, ainda em 1997, também salientou que todos esses avanços – tecnológicos no caso, Lévy não especificou as mudanças culturais e sociais - não são determináveis, não possuem uma resposta única, ele explica que “a forma e o conteúdo do ciberespaço ainda são especialmente indeterminados. Não existe nenhum determinismo tecnológico ou econômico simples em relação a esse assunto”. (LÉVY, 1997, p. 11) De acordo com o jornalista Ballerini, “a cultura tem importância vital na compreensão das atitudes humanas ao longo da história”. Grant McCracken (2003) possui um pensamento sobre cultura que fortalece a realidade da cultura da convergência, sendo a cultura detentora das “lentes”, de onde é possível ver todos os acontecimentos. Para ele, a cultura é o “plano de ação” da humanidade que

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determina as coordenadas da ação social e da atividade produtiva. Além disso, a cultura se expressa de diferentes maneiras, das culturas populares às eruditas, atingindo um grupo pequeno e limitado de pessoas e também à grande massa da população. (BALLERINI, 2015) Portanto, especificando as duas principais características da teoria aqui proposta - comportamento e avanços tecnológicos -, é necessário mostrar algumas realidades da cultura da convergência para atestar a prática da teoria. A empresa Warner Bros, por exemplo, está envolvida na produção de filmes, televisão, música popular, games, websites, brinquedos, parques de diversão, livros, jornais, revistas e quadrinhos. Essa gama de categorias entra na visão da "cooperação entre múltiplos mercados midiáticos" que foi citado no início deste tópico. A Warner utilizou isso para aumentar o alcance do público que se interessa por seus produtos. Justice League War (Liga da Justiça: Guerra) é um filme animado de 2014, e surgiu de uma adaptação dos quadrinhos da mesma equipe na fase dos Novos 52 (2013). Ou como o próprio jogo Injustice: Gods Among Us (Injustiça: Deuses Entre Nós), de 2013, que surgiu juntamente com a saga do quadrinho da DC Comics de mesmo nome (Injustice: Gods Among Us Year One - 2013). A diferença é que o jogo conta a história após cinco anos dos acontecimentos da história dos quadrinhos, o que também é uma espécie de narrativa transmídia, que será mais especificada durante este trabalho. Sendo assim, antigamente, as empresas de cinema de Hollywood se focavam apenas em fazer filmes – como a própria Warner já fez. E hoje elas possuem interesse em estar presente em toda a indústria de entretenimento, construindo um tipo de convergência tecnológica. (JENKINS, 2006) A lógica da convergência tecnológica faz parte do conceito de cultura da convergência, mas, como já mostrado no trabalho, Jenkins não ignora a convergência dos meios de comunicação. É nessa convergência que se encontra o viés cultural e social. Ela impacta o modo como consumimos os meios tecnológicos. Uma pessoa pode estar escrevendo um trabalho e ao mesmo tempo abrir diversas guias no navegador da Internet, ou pastas no computador e até mesmo ouvir música

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enquanto pensa no que escreve. Ela pode, inclusive, conversar com seus amigos no chat da rede social ou no celular, responder e-mails. Atualmente as pessoas possuem diversidade de escolhas. Para Jenkins, algumas pessoas vão ainda além, elas se tornam fãs de um seriado popular e captura amostras de diálogos e posteriormente podem resumir episódios, discutir cenas e polêmicas, roteiros, criar fan fictions17, gravar as trilhas sonoras do seriado e até mesmo fazer seus próprios filmes se baseando no que aprendeu sendo fã, publicando tudo isso na Internet. (JENKINS, 2006) Essa participação maciça das pessoas está de fato impactando nas relações entre consumidores e empresas e veículos de comunicação. Inclusive, isso cresceu a tal ponto de artistas independentes e autores de conteúdos compartilhados mais livremente - sem uso de direitos autorais, por exemplo - utilizarem a força da participação de fãs para propagar18 suas criações. O blogueiro, jornalista e escritor Cory Doctorow escreveu para a Locus, publicação especializada em ficção científica, e acabou por traçar um paralelo entre a dispersão de dentes-de-leão e a maneira como

os

criadores/autores

tiram

proveito

de

sistemas

participativos

de

compartilhamento para alcançar os públicos desejados: Se você soprar os seus trabalhos na rede, como se fossem dentesde-leão na brisa, a rede vai cuidar dos custos de replicação. Seus fãs vão copiar-colar os seus trabalhos na lista de endereço deles, fazer 60 mil cópias tão rápido e tão barato que descobrir quanto custa no total para fazer todas aquelas cópias seria de uma ordem de grandeza maior do que as cópias em si. (DOCTOROW, 2008, APUD JENKINS ET AL, 2013, p.352)

Henry Jenkins complementa que o relato de Doctorow se encaixa perfeitamente na cultura atual da convergência: comunidades criam valor e significado nos conteúdos/produtos e aproveitam como recursos para suas próprias conversas, propagando para outros que compartilham seus interesses. (JENKINS, FORD, GREEN, 2013)

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Fan Fiction é o termo que se refere, originalmente, a qualquer narração em prosa com histórias e personagens extraídos dos conteúdos dos meios de comunicação de massa (JENKINS, 2006, p.380) 18 A palavra "propagar" vem de um conceito criado por Jenkins, Ford e Green denominado "mídia propagável" e possui a ideia de algo que se espalha e repercute nas diversas modalidades de mídia e nas redes sociais, sendo um termo mais completo que “mídia viral”. No original o termo é spreadable media. (N.E., JENKINS, FORD, GREEN, 2013, p.22)

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Com essas mudanças sendo observadas na primeira década do século XXI, é perceptível que a convergência exigiu que as empresas de mídia repensassem todas suas lógicas de marketing. Assim como o que significa consumir mídias, pois a cultura e a percepção dos consumidores mudaram. Se na época que se tinha apenas a radiodifusão19 eles eram considerados passivos, hoje os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos. (JENKINS, 2006, p.47)

Jenkins ainda mostra que as empresas de mídia, instituições educacionais, jornais e as campanhas políticas exibem medo da grande chance de perda de controle e preocupação com os destinos de suas criações intelectuais. Com isso, há um desenvolvimento de "barreiras" e "monopólios" que estreitam a distribuição de conteúdos feitos por esses grupos mais "conservadores". E não apenas isso, mas também uma tendência de ver os atos de circulação, realizados pelos movimentos populares que compartilham o que gostam, como aleatórios, imprevisíveis e irracionais. (JENKINS, FORD, GREEN, 2013) No entanto, desde 1995, com pensamentos do filósofo Pierre Lévy, o discurso de que a internet seria um paraíso e renderia mais produção, emprego, serviços e, como consequência, lucro, não era muito confiável, pois na época não se percebia que as noções tradicionais de mercado e trabalho estavam prestes a mudar. (LÉVY, 1995) O ciberespaço abre de fato um mercado novo, só que se trata menos de uma onda de consumo por vir do que da emergência de um espaço de transação qualitativamente diferente, no qual os papéis respectivos dos consumidores, dos produtores e dos intermediários se transformam profundamente. (LÉVY, 1995, p. 62)

19

Segundo a legislação brasileira, compreende os serviços destinados a serem recebidos direta e livremente pelo público em geral e é dividida em radiodifusão sonora (rádio) e radiodifusão de sons e imagens (TV). Disponível em: http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalNivelDois.do?codItemCanal=677. Acesso em maio. 2015.

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Na primeira década do século XXI, Jenkins, no livro Cultura da Convergência, observou duas reações características das indústrias midiáticas na nova alternativa de participação dos consumidores e suas interações com as novas tecnologias. Uma delas é a adoção de políticas de controle, como a regulação e criminalização das várias formas de participação dos fãs. Jenkins denomina essa indústria de “proibicionista”, mais presente nas empresas como cinema, televisão e gravadoras de música. A outra reação é a de experimentações de novas abordagens, que consideram os fãs colaboradores importantes na produção de conteúdos e intermediários alternativos, ajudando a promover a marca. As empresas que seguem essa linha são chamadas por Jenkins de “cooperativas”. (JENKINS, 2006) [...] os interesses de produtores e consumidores não são os mesmos. Às vezes eles se sobrepõem. Às vezes entram em conflito. As comunidades, que num nível são os melhores aliados do produtor, em outro nível são seus piores inimigos. (JENKINS, 2006, p.92)

Resumindo, cada vez mais a web tem se tornado um local de participação do consumidor. Porém, essa participação nem sempre se dá de maneiras "legais", incluindo compartilhamentos não autorizados e não previstas de relação com o conteúdo de mídia. Jenkins ressalta ainda que essa cultura de participação no século XX ocorria, só que era de maneira "underground" e não passava pelos radares das empresas, fazendo a web apenas ser o estopim para a preocupação da indústria midiática aparecer. (JENKINS, 2006) Cultura da Convergência se baseia também em conexões sociais, ou seja, em como os consumidores de marcas se movimentam online e conseguem estabelecer proximidades por longos períodos. Assim, eles podem aumentar o número de consumidores em potencial que interagem com a comunidade a ponto de se tornarem consumidores de mais envolvimento com o produto. (JENKINS, 2006) O professor de Marketing Robert Kozinets faz uma abordagem mais pontual do significado dessas conexões sociais. Ele diz que "os consumidores fiéis estão definindo seus gostos juntos, como uma comunidade. É

uma mudança

revolucionária. Online, os consumidores avaliam a qualidade juntos. Discutem padrões de qualidade. Moderando os significados do produto, criam e recriam o conceito da marca, juntos." (KOZINETS, APUD JENKINS ET AL, 2006, p.119)

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Antes de passar para o próximo tópico, é importante citar uma ideia introduzida ainda em 2004, pelo Tim O’Reilly, em uma conferência do O’Reilly Media Group. Na época, Tim formulou a definição de Web 2.0, que veio para reforçar a convergência tecnológica e posteriormente o conceito de cultura da convergência de Jenkins. A Web 2.0 é basicamente a utilização da internet como plataforma para as empresas promoverem, distribuírem e aperfeiçoarem seus produtos, pensando no software como um serviço executável em múltiplos dispositivos. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013) [...] A Web 2.0 representa uma reorganização das relações entre produtores e seus públicos em um mercado de internet em fase de maturação. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p. 79)

2.3.

Revolução Digital?

É preciso deixar claro que a cultura da convergência de Jenkins não segue a linha da retórica da revolução digital, da qual fundamentava o fim dos antigos meios de comunicação e que os novos, vulgo a Internet, substituiria a radiodifusão. Aqui a ideia é o contrário, as mídias tradicionais ainda sobrevivem e estão se adaptando aos novos conceitos dos sistemas tecnológicos e participativos dos consumidores. Inclusive, para os historiadores, nenhum meio de comunicação morre e nem, necessariamente, desaparece. Para eles, morrem apenas as velhas ferramentas que usamos para acessar os conteúdos, como o walkman e a fita cassete. Mas essas ferramentas são apenas tecnologias de distribuição. (JENKINS, 2006) Simplificando, sistemas de distribuição são apenas tecnologias; meios de comunicação, além de distribuir conteúdos, são sistemas culturais. As tecnologias de distribuição são rotativas, mas, de acordo com Jenkins, “os meios de comunicação persistem como camadas dentro de um estrato de entretenimento e informação cada vez mais complicado”. (JENKINS, 2006, p.41) Jenkins explica que o conteúdo de um meio pode se modificar, assim como seu público também. Da mesma forma que o status do meio de comunicação pode subir ou cair, mas assim que um meio se estabelece e quando satisfaz uma demanda da sociedade, ele continua a funcionar dentro de um sistema maior de opções de comunicação. Portanto, nenhum meio de comunicação será extinto.

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Desde que o som gravado se tornou uma possibilidade, continuamos a desenvolver novos e aprimorados meios de gravação e reprodução de som. Palavras impressas não eliminaram as palavras faladas. O cinema não eliminou o teatro. A televisão não eliminou o rádio. Cada meio antigo foi forçado a conviver com os meios emergentes. [...] Os velhos meios de comunicação não estão sendo substituídos. (JENKINS, 2006, p.41)

2.4.

Práticas da Cultura da Convergência

Agora que a importância dos fãs está estabelecida na disseminação de conteúdos, é necessário citar brevemente alguns exemplos de conjunto de fãs que mudaram as ações e até atitudes de empresas. E casos em que as empresas deram mais liberdade e conversaram com seu público por meio da convergência tecnológica. Matrix (1999), por exemplo, foi uma franquia que uniu a narrativa transmídia 20 para alcançar maior interesse do público e também atrair nichos de mercado diferentes. De acordo com Jenkins, nunca uma franquia de filmes exigiu tanto de seus consumidores. (JENKINS, 2006) A narrativa transmídia ocorre através de múltiplas plataformas de mídia, e cada mídia contribui de maneira distinta e valiosa para com a franquia toda. Um detalhe é introduzido num filme, que acaba sendo expandido para a televisão, para livros ou quadrinhos. A transmídia pode ser entendida como universo expandido, onde ele pode ser explorado ou experimentado por diferentes mídias, como um game ou até mesmo uma atração de parque de diversão. A narrativa transmídia usada em Matrix foi considerada revolucionária, porém, perigosa de conseguir atenção do público (JENKINS, 2006). No decorrer deste trabalho, também haverá exemplos de transmídia na obra One Piece, que possui outras mídias além do mangá. Mas, Jenkins explica: "Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa." (JENKINS, 2006, p. 138) Os cineastas plantam pistas que só farão sentido quando jogarmos o game. Abordam uma história paralela, revelada por uma série de curtas de animação que precisam ser baixadas da web e vistas num 20

Narrativa Transmídia: histórias que se desenrolam em múltiplas plataformas de mídia, cada uma delas contribuindo de forma distinta para nossa compreensão do universo da franquia. (JENKINS, 2006,p 384)

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DVD separado. Os fãs saíram correndo dos cinemas, pasmos e confusos, e se plugaram nas listas de discussão da Internet, onde cada detalhe era dissecado e cada interpretação possível, debatida. (JENKINS, 2006, p. 137)

Para não passar sem explicações, os criadores de Matrix - os irmãos Andy e Lana Wachowski - levaram os consumidores a um universo onde a linha da realidade e a ilusão constantemente se fundem, e onde corpos humanos são estocados como fonte de energia para abastecer máquinas, enquanto suas mentes são levadas a um universo de alucinações digitais. O protagonista Neo tornou-se uma espécie de messias, e é conduzido ao movimento de resistência Zion, lutando contra os "agentes" que estão moldando esse universo de alucinações. (JENKINS, 2006) De toda forma, a narrativa transmídia de Matrix fez com que consumidores mais jovens se tornassem caçadores e coletores de informações, tendo prazer em procurar por antecedentes de personagens e pontos de enredos, fazendo ligações entre diferentes conteúdos de texto que estavam no mesmo universo da franquia. Esse fenômeno, esse impulso transmídia é o que Jenkins inclui como cultura da convergência. (JENKINS, 2006) O que também não é segredo é a influência das animações e dos quadrinhos japoneses no processo de transmídia de Matrix, fato que interessa também este trabalho. Os irmãos Wachowski já citaram que homenagearam diversas obras clássicas japonesas, como Akira21 e Ghost in the Shell22 quando fizeram Matrix. Jenkins, em seu livro, aprofunda a estratégia japonesa para se aproximar do público e fazê-los participar e interagir entre si. [...] todo o interesse dos Wachowskis pela narrativa transmídia pode ter-se originado na fascinação por aquilo que o antropólogo Mimi Ito definiu como a cultura “mídia mix” do Japão. Por um lado, a estratégia da mídia mix dispersa conteúdos em vários meios de radiodifusão, em tecnologias portáteis, como game boys ou telefones celulares, em itens colecionáveis e em diversos centros de entretenimento. [...] Por outro lado, essas franquias dependem da hipersociabilidade, ou seja, elas incentivam várias formas de

21

Escrita por Katsuhiro Otomo entre 1982 e 1990. Além do mangá, Akira também inspirou um filme homônimo, lançado em 1988, dirigido pelo próprio Otomo. Disponível em: http://br.ign.com/akira/3105/news/manga-akirasera-relancado-pela-editora-jbc-no-fin. Acesso em outubro, 2015. 22 Mangá de Masamune Shirow, que deu origem ao filme animado. A obra original foi lançada na revista seinen Young Magazine no ano de 1989. Disponível em: http://chuvadenanquim.com.br/2015/03/21/ghost-in-the-shell-eo-novo-manga-da-editora-jbc/. Acesso em outubro, 2015.

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participação e interações sociais entre consumidores. (JENKINS, 2006, p.159)

Atualmente, os irmãos Wachowski, em conjunto com Michael Straczynski, dirigiram o seriado original da Netflix, Sense8 (2015), que ganhará uma segunda temporada em 2016. O serviço via streaming da Netflix também revolucionou o modo como assistir TV, que é considerada uma nova plataforma de mídia por profissionais envolvidos neste meio, como os sites Judão23 e Omelete24. De acordo com o jornalista e viajante, Arthur Veríssimo, Sense8 traz o discurso de que “as coisas estão conectadas”, ainda mais em megalópoles. “As pessoas estão interconectadas, tem uma vibração neuronal que nos relaciona”. (VERÍSSIMO, 2015) O seriado Sense8 conta a história de oito pessoas que têm suas vidas, segredos, dons e ameaças compartilhadas entre si, a ponto de estarem em oito lugares diferentes, e sentirem emoções e o contato físico dos outros “senseights”25. Basicamente, pessoas comuns, unidas pelo destino e caçadas por serem quem são. (NETFLIX BRASIL, 2015) Ainda que Matrix tenha sido um ótimo exemplo de cultura da convergência, estudiosos como Jenkins, Ford e Green ainda se preocupam com uma realidade focada na lógica da radiodifusão, onde bastava anunciar no rádio e na televisão e esperar que os consumidores comprassem seus produtos. Para eles, "as modalidades das marcas e da indústria de diversão não podem retomar o fluxo de comunicação unidirecional da era da radiodifusão", época que tinham mais controle do fluxo de conteúdos. Para isso, eles acreditam que "as empresas devem escutar o público e aprender com ele", dessa forma, existe a possibilidade das empresas desfrutarem de um sucesso de longo prazo. (JENKINS, FORD, GREEN, 2013, p. 50) Para que as empresas mudem suas ações, elas precisam observar atentamente como seu público conversa, além de suas atitudes, ao ponto que possam

encontrar

possibilidades

de

relações

e

entendimentos

com

os

23

“Parece que o jogo virou, não é mesmo?” Disponível em: http://judao.com.br/netflix-mudando-o-jogo/. Acesso em outubro, 2015. 24

Séries e filmes preferidos do Omelete na Netflix. Disponível em: https://youtu.be/2q0OgXwuoiE. Acesso em outubro, 2015. 25 Termo utilizado como apelido de cada um dos oito protagonistas do seriado.

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consumidores. Dessa forma, a chance de o nome da marca e seus conteúdos serem propagados é existente, já que a lógica da propagação não é definitiva e simples de ser realizada. (JENKINS, FORD, GREEN, 2013) [...] as empresas estão se sentindo mais pressionadas a pensar não somente em como o público deveria difundir mensagens acerca de alguma marca (e do conteúdo da marca), mas também em termos de como sua própria presença corporativa poderia se "espalhar" para se conectar com as mensagens que o público faz circular a respeito dela. (JENKINS, FORD, GREEN, 2013, p. 53)

Na televisão, por exemplo, para ilustrar a força da participação da comunidade de fãs, o seriado Chuck (2007) é uma boa referência. Ele foi finalizado em 2012, terminando com cinco temporadas. Os fãs ficaram sabendo que o programa televisivo poderia ser cancelado no final da temporada 2008-2009. Eles se juntaram e, ao invés de reclamarem para a emissora NBC, mostraram a uma empresa que ela tinha a chance de ser anunciante do programa. Sendo assim, de acordo com a diretora de mídia digital e social da Advertising Research Foundation, Sheila Seles, os fãs escolheram demostrar o potencial de valor econômico do público de forma tangível. Os fãs se dirigiram à franquia de restaurantes Subway, mostrando o quanto eles se importavam com o seriado. Um mês depois, a NBC renovou mais uma temporada de Chuck por meio de uma parceria publicitária com a Subway. (JENKINS, FORD, GREEN, 2013) Os fãs de Chuck compraram sanduíches para demonstrar que eles eram as pessoas que a Subway estava tentando atingir, pessoas que comprariam sanduíches de metro. [...] e assim salvaram um programa. (SELES, APUD JENKINS ET AL, 2013, p. 160)

Jenkins não dá apenas exemplos da cultura da convergência em séries americanas, mas também fala um pouco de como a animação japonesa fez o uso de convergência alternativa26 para alavancar sucessos como Pokémon (1998) e Yu-GiOh (1998). As comunidades de fãs americanas arcaram com a responsabilidade de impulsionar as duas franquias, utilizando cada tecnologia à disposição para expandir o número de adeptos na febre dos desenhos animados, games e card games, naturalmente aumentando o fandom. O mercado norte-americano desde a década de 1960 se tornou muito fechado às importações de cultura japonesa, mas por meio

26

Convergência alternativa: fluxo informal e às vezes não autorizado (“pirataria”) de conteúdos de mídia quando se torna fácil aos consumidores arquivar, comentar os conteúdos, apropriar-se deles e colocá-los de volta em circulação. (JENKINS, 2006, p. 377)

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de fluxos alternativos, as empresas de mídia japonesa viram uma oportunidade de começar a conquistar o mercado ocidental. (JENKINS, 2006) A animação japonesa já era exportada ao mercado ocidental desde os anos 1960, quando Astro Boy27 (1963), Speed Racer28 (1967) e Gigantor29 (1965) chegaram às TVs norte-americanas. No final dos anos 1960, entretanto, iniciativas de reformas na televisão [...] fizeram ameaças de boicotes e legislação federal para controlar o conteúdo considerado inadequado para as crianças americanas. [...] Distribuidores japoneses foram desestimulados e retiraram-se do mercado americano [...]. (JENKINS, 2006, p. 219)

Inclusive, Pokémon não é apenas um bom exemplo no uso da convergência alternativa, tudo que gira em torno de Pokémon, faz um sucesso estrondoso. O produto original, vindo do game, surgiu de duas grandes cabeças criativas: o desenhista e animador Satoshi Tajiri, e do programador de games Tsunekazu Ishihara. Ambos possuíam suas empresas e ficaram seis anos desenvolvendo para a Nintendo um game inspirado em Tamagochi (Bichinho Virtual), justamente, Pokémon. Em fevereiro 1996 foi lançado 235 mil unidades do primeiro jogo de Game Boy, número considerado baixo em comparação a jogos da época como Final Fantasy30 e Dragon Quest31. O grande impulso do game se deu com o uso da convergência tecnológica, quando o executivo da Sho-Pro e criador do livro “Pokémon Story”, Masakazu Kubo, decidiu lançar uma série em mangá de Pokémon, mantendo a linha de roteiro do game. Na época, a revista Koro-Koro Comic da editora Shogakukan tinha uma tiragem mensal de dois milhões de exemplares, quantidade que garantiu o começo da popularização de Pokémon. (SATO, 2007) Ao final de 1996, 3 milhões de cartuchos haviam sido vendidos só no Japão. [...] Usando o Game Boy como hardware e um cabo de comunicação específico, crianças de todo o Japão puderam fazer uso da então nascente internet e jogar Pokémon em torneios em rede. [...] no outono de 1996, a empresa Media Factory lançou no Japão a primeira versão card game de Pokémon. Tamanha aceitação de um game [...] levou Kubo a propor a produção de uma 27

Obra criada por Osamu Tezuka, o homem considerado “deus do mangá” e o primeiro japonês a conseguir exportar uma série de animê para os EUA, em 1963, justamente com Astro Boy. (SATO, 2007, p. 130) 28 Produzido pelo estúdio de animação “Tatsunoko Production” ainda com o nome de “Mahha Go Go Go”, a série foi exportada no ano de 1967 e alterada para o nome de Speed Racer. (SATO, 2007, p. 115) 29 Criado pelos autores Mitsuteru Yokoyama e Fred Ladd, Gigantor é um animê adaptado do mangá Tetsujin 28go, de Mitsuteru. (BBC, 2004). Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/3631529.stm; Acesso em junho. 2015. 30 O primeiro jogo da série foi lançado originalmente para plataforma de videogame Famicom (conhecido como NES no ocidente) pela Square Co., Ltd. Disponível em: http://www.finalfantasy.com.br/ Acesso em outubro, 2015 31 http://www.dragonquest.jp/ Acesso em outubro, 2015

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série de animê para a TV. A onda Pokémon estava se tornando um tsunami. (SATO, 2007, p. 96)

Sem contar os card games, o mangá, animê e o próprio jogo – e os diversos jogos que saíram em outras plataformas como o Pokémon Stadium para Nintendo 64 -, a franquia possuiu também uma série de filmes, sendo o primeiro – Pokémon: O Filme - o campeão de vendas, arrecadando 176 milhões de dólares no mundo. Pokémon não foi somente uma febre no mundo em diferentes mídias, como também foi responsável por modificar até mesmo o receio dos americanos após o atentado do dia 11 de setembro, com a criação da loja Pokémon Center. (SATO, 2007) Em 28 de novembro de 2001, a inauguração da loja Pokémon Center no Rockfeller Center em Nova Iorque recebeu ampla e positiva cobertura da imprensa, num momento em que a cidade ainda estava traumatizada pelo ataque terrorista de 11 de setembro. O ataque causou uma crise econômica local que havia recentemente levado ao fechamento das lojas da Warner Brothers e da Disney na 5ª Avenida poucas semanas antes do Naral, e a abertura de Pokémon Center, em condições tão adversas, foi tratada pela mídia como uma atitude comovente e inspiradora. (SATO, 2007, p. 99)

Ou seja, nos dois casos japoneses (Yu-Gi-Oh e Pokémon), a convergência alternativa foi uma opção à corporativa32, que não é tão tolerante às atividades alternativas de propagação. Ainda que esses dois exemplos japoneses sejam explicitados por Jenkins, no decorrer dos próximos capítulos haverá mais enfoque na cultura da convergência no Japão. 2.5.

A cultura pop japonesa

O Japão possui um histórico peculiar na questão do surgimento da cultura pop. Como Cristiane Sato conta no livro Japop – O Poder da Cultura Pop Japonesa, após a derrota do Japão na 2ª Guerra Mundial, o governo norte-americano se instalou em Tóquio e os japoneses viram passivamente toda essa ocupação. O que antes era proibido aos japoneses, por conta dos EUA serem inimigos, agora estava nas ruas da capital nipônica e em toda a mídia – rádio, cinema, jornais e revistas. O Japão recebeu uma enxurrada de cultura popular americana. [...] como as músicas das big bands, as produções de Hollywood e os comics. Coisas antes inaceitáveis [...], tornaram-se corriqueiras. Mas ao invés de meramente copiar aquilo que vem de fora, é do âmago

32

Convergência corporativa: fluxo comercialmente direcionado de conteúdos de mídia. (JENKINS, 2006, p. 377)

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dos japoneses pegar influências estrangeiras e reinventá-las conforme a cultura local. (SATO, 2007, p. 14)

Por mais que a cultura norte-americana tenha influenciado, Sato explica que dois mil anos de histórias e tradições japonesas não podiam ser facilmente substituídas pelo recente “American way”33 do pós-segunda guerra. (SATO, 2007) Resumindo, os japoneses preferem a cultura regional, baseada em suas condições financeiras, tradições e folclore. Essa característica demostrou ser sólida o suficiente para criar e manter um rico mercado nacional de cinema, animações, quadrinhos e literatura. Assim que surgiu a cultura popular japonesa, “ocidentalizado na forma, mas nipônico no conteúdo” (SATO, 2007, p.15). [...] mesmo com as condições que os Estados Unidos dispunham no Japão logo após a 2ª Guerra, obviamente o sucesso de um ídolo ou produto dependia, como até hoje depende, de sua identificação com o público. (SATO, 2007, p.14)

Depois de um pequeno histórico, também é importante alinhar neste trabalho as definições de termos que foram criados para diferenciar produtos americanos ou estrangeiros dos produtos japoneses, mas que para os próprios japoneses são considerados termos universais. De toda forma, a cultura popular japonesa cresceu de tal modo no Ocidente, que não é exagerado pensar que o primeiro contato que temos com o Japão acontece justamente com a cultura popular, mas ela é formada por algumas mídias. Neste trabalho, o que realmente importa são os conceitos de animê e mangá, e que serão pontuados a seguir utilizando a definição de Cristiane Sato. (SATO, 2007) 

Animê: significa “animação” em japonês e é a forma contraída da palavra em inglês “animation”. No entanto, fora do Japão, animê é utilizado

especificamente

para

denominar

desenhos

animados

produzidos no Japão ou com um conjunto de características específicas que os japoneses desenvolveram. Sob o ponto de vista técnico, a principal característica do animê é o que os japoneses chamam de limited animation, que em termos gerais é o uso racional de material na produção sem o prejuízo do efeito de ação e de 33

Também conhecido como “American way of life”, que tinha como ideia central estipular um nível de felicidade de uma pessoa através da quantidade de bens que ela conseguia adquirir. Disponível em: http://historiandocomalu.blogspot.com.br/2013/05/o-american-way-of-life-e-crise-de-29.html. Acesso em outubro, 2015.

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dramaticidade, com o uso de cores mais vivas e contrastantes que o padrão Disney. Quanto à roteirização, o que caracteriza o animê de maneira pontual é a importância que ele tem na sociedade japonesa. Para eles, o animê possui o mesmo peso que a produção de filmes cinematográficos e não um formato de produção infantil. Dessa forma, o animê trata-se de um dos principais ramos da indústria do entretenimento japonesa, e é atualmente o principal veículo de divulgação da cultura pop japonesa no mundo. (SATO, 2007, p.31) 

Mangá: significa “história em quadrinhos” em japonês, e é resultado dos ideogramas man (humor, algo que não é sério) e gá (imagem, desenho). Da mesma forma do animê, para os japoneses toda e qualquer história em quadrinhos, independente do país de origem, é chamada de mangá. No exterior, o mangá é denominado apenas para os quadrinhos produzidos no Japão ou histórias que possuem o conjunto de características técnicas dos quadrinhos japoneses. O mangá no Japão é um dos setores mais importantes da indústria editorial e de entretenimento. Assim como o animê, atualmente é um dos principais meios de divulgação da cultura e da língua japonesa. (SATO, 2007, p.58)

Falar do mangá, no caso deste trabalho, se faz mais necessário por conta de se tratar também do meio editorial brasileiro e das mobilizações dos fãs com as principais editoras de mangá do país. Os animês são de suma importância no Brasil, assim como Jenkins explicou sobre experimentações de mercado e do trabalho dos fansubs – que está no próximo tópico deste trabalho -, porém, o mangá possui mais força comercial e um trabalho profissional editorial, do qual possui direitos de distribuição legais. Sendo assim, haverá um aprofundamento maior no ramo dos quadrinhos japoneses. O termo “mangá” foi criado pelo artista plástico Katsushika Hokusai (17601849), mas com outra intenção, já que na época não se existia as histórias em quadrinhos como são conhecidas hoje. O artista cunhou o termo ao usá-la como título de uma coleção de desenhos humorísticos caricatos – publicados de 1814 a 1878.

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Figura 7 - Trabalho de Katushika Hokusai – Título: Surimono 34 Fonte: Ukiyo-e.org

Hokusai se especializou numa técnica chamada ukiyo-e. Como Sato explica, eram “gravuras multicoloridas impressas a partir de blocos de madeira finamente entalhados à mão com desenhos estilizados, que na época eram consideradas arte”. (SATO, p.58-59) Histórias em quadrinhos (mangás) e desenhos animados (animê) no Japão são assuntos seríssimos. São atividades que movimentam trilhões de ienes por ano e cujas criações atualmente influenciam vários outros setores, do entretenimento à moda, dentro e fora do arquipélago. (SATO, 2007, p. 125)

E é tão sério que o mercado de quadrinho do Japão é o maior do mundo, com uma fatia de 40% do mercado editorial do país (Paul Gravett, 2004). Com o tempo, o uso do termo “mangá” se tornou fixo na cultura. No entanto, dois estrangeiros que 34

http://ukiyo-e.org/artist/katsushika-hokusai Acesso em novembro, 2015.

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impulsionaram o mercado de quadrinhos no Japão, em 1862, com o jornalista inglês Charles Wigman, que criou a Japan Punch, primeira revista de humor ocidental que foi traduzida para o japonês. Posteriormente, em 1887, o francês George Bigot criou a revista Tôbaé, especializada em sátiras políticas. Foram eles que introduziram as características básicas dos quadrinhos modernos, como narrativa de imagens sequenciais e textos em balões de diálogo. (SATO, 2007) Porém, o primeiro autor japonês a lançar o primeiro mangá de origem foi o Rakuten Kitagawa, com a história “Tagosaku to Mukubee no Tokyo Kenbutsu” (tradução livre: Tagosaku e Makubé passeiam em Tóquio), lançada em 1904 na revista Jiji Manga. No ano seguinte, Kitagawa criou a revista Tokyo Puck, que se tornou influente no seu tempo. (SATO, 2007) Já mais pros anos de 1940, um mangá que se destacou bastante foi Sazaesan, que era lançado periodicamente no jornal Asahi Shinbun, começando em 1946. Um destaque ainda mais peculiar, é que a autora do título, Machiko Hasegawa, foi a primeira mulher a se destacar bastante no mercado de quadrinhos no Japão. (SATO, 2007) No entanto, o mercado de mangás mudou completamente somente com o intitulado “deus do mangá”, Osamu Tezuka. São inúmeros títulos que foram lançados – Black Jack, Kimba, Buda, Adolf, entre outros -, uma carreira extensa e muito rica, iniciada em 1946, tanto no universo dos quadrinhos, quanto na produção de animações. Mas o maior sucesso que possibilitou o acesso da cultura japonesa para o exterior é sem dúvidas Astro Boy, de 1963. (SATO, 2007) Após o sucesso de obras de Tezuka, é importante citar também títulos como Lobo Solitário (1970) Dragon Ball (1984), Cavaleiros do Zodíaco (1985), Sailor Moon (1991), Slam Dunk (1990), Hokuto no Ken (1983) e Yu Yu Hakusho (1990), que fizeram grande sucesso entre as décadas de 1970, 1980 e 1990. (SATO, 2007) A propagação da cultura pop japonesa obteve grande impulso com a criação da Internet – assim como tantas outras culturas, informações e formas de se comunicar. Nesse cenário de mudanças, um grupo de pessoas começou a surgir no

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Japão, os chamados otakus, que nasceram mesmo em 198335, mas que começaram a se tornar notáveis no fim da mesma década, utilizando o universo virtual como sua casa. (BARRAL, 2000) O grande avanço das comunicações em anos recentes, de que a Internet faz parte, pôs o mundo ao alcance de todos a todo momento. Curiosamente, no entanto, a mesma evolução que interconecta pessoas e lhes abre perspectivas nunca antes imaginadas criou o fenômeno otaku, ao influxo do qual alguns cultivam uma aversão a aprofundar relações pessoais, imergindo, em vez disso, no virtual. (QUARTIM DE MORAES, APUD BARRAL ET AL, 2000, p.8)

De acordo com Étienne Barral, o termo “otaku” é intraduzível, porém possui duas ideias no significado japonês da palavra. Um para designar habitação, lugar onde se vive, e o outro para representar um tratamento impessoal, de distanciamento. Para Barral, efetivamente, o otaku tem aversão a aprofundar relações pessoais, e priorizam estar trancados em casa, acumulando o que lhe satisfaz. Um termo representativo ocidentalmente falando, os otakus seriam espécies de nerds japoneses, mas não é o mesmo fenômeno, além de não serem grupos identificáveis como semelhantes, mas é o mais próximo do que temos de referência. (BARRAL, 2000) Porém, Jean Jacques diz que o otaku é em geral um japonês adolescente que está entre a infância e a idade adulta. É justamente por conta deles que o Japão não só exporta produtos de alta tecnologia, mas sim, cultura. Barral lembra que há uma diferença entre um otaku e um maníaco ou colecionador. O otaku não se satisfaz apenas em ter um produto comercial – da cultura pop na maioria das vezes -, ele precisa transcendê-lo, transformá-lo, apropriar-se dele plenamente. [...] os otakus são os primeiros a testar as novidades, constituem as bases das pesquisas e povoam os escritórios e estudos. Encontramse na Sega, na Nintendo, na Sony, nas revistas especializadas, nas empresas de novas tecnologias, nas lojas de discos, nas estações de rádio e nas televisões. Nenhum campo lhes escapa, e os novos produtos, as novas tendências devem-se a sua erudição sem limite e a sua curiosidade insaciável. (JEAN-JACQUES, APUD BARRAL ET AL, 2000, p.14)

O Co-fundador da Gainax, Takami Akai, contextualizou a fase da juventude japonesa no pós-Segunda Guerra Mundial, que passou por toda uma mudança de

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Akio Nakamura, na época com 23 anos, foi o primeiro a empregar a palavra “otaku” em um artigo publicado na revista de história em quadrinhos para adultos, Buricco. (BARRAL, 2000, p.28)

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comportamento, maneira de se relacionar com a sociedade e meios tecnológicos. Antes da Guerra, as crianças possuíam grande importância para os pais e os mais jovens respeitavam os mais velhos, porém, era uma visão bastante militarista. Depois da Guerra, os japoneses simplesmente queriam apagar o passado. (BARRAL, 2000) Nossa geração cresceu sem razão real para ser orgulhosa de si mesma. É porque são abafados pelo meio social que os jovens escapam para a dimensão virtual. De fato, não há nada que nos valorize, que nos diga que somos indispensáveis. Para mim, os otakus especializam-se em domínios que lhe são próximos, como os mangás, os desenhos animados, os ídolos ou os computadores, para afirmar sua personalidade. Eles querem assim, ser reconhecidos, ter o sentimento de existir aos olhos de seus pares e reforçar seu próprio ego. É difícil viver sem ter alguma razão para se orgulhar de si próprio. (AKAI, APUD BARRAL ET AL, 2000, p. 37 e 38)

2.6.

Mas e a cultura da convergência no Japão?

Antes de dar exemplos de mídias que fizeram uso da convergência tecnológica ou dos meios de comunicação, é preciso mostrar brevemente como ocorreu a propagação no ocidente de uma das principais mídias da cultura popular japonesa, os animês. Jenkins enfatiza o trabalho “fansubbing”, que começou nos Estados Unidos no fim da década de 1980 e começo 1990, com a proposta de legendar e traduzir os animês japoneses de maneira amadora. E com o tempo a produção de legendas se espalhou, os clubes passaram a utilizar a Internet para organizarem seus trabalhos, distribuindo as séries legendadas e recorrendo a uma comunidade maior de candidatos a tradutor. (JENKINS, 2006) Como os Estados Unidos haviam fechado o mercado do entretenimento japonês na década de 60, os fãs-clubes norte-americanos que acabaram ficando com a responsabilidade de espalhar os produtos nipônicos em seu país. Artistas e distribuidores japoneses, ao verem sua cultura popular prosperar dessa forma, ficaram motivados a comercializar seus produtos no exterior. O trabalho dos fãclubes não foi em vão, pois as primeiras empresas de nicho a distribuir animê em DVD e fitas de vídeo surgiram justamente de pessoas que saíram desses clubes e se profissionalizaram, adquirindo os direitos de distribuição das empresas japonesas. (JENKINS 2006) [...] os fã-clubes muitas vezes corriam riscos que nenhum distribuidor comercial teria enfrentado, testando o mercado para novos gêneros,

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produtos e séries, e levando as empresas comerciais a seguirem seus passos sempre que houvesse aceitação pública. [...] Os clubes não estavam tentando lucrar com a distribuição de animês, e sim expandir o mercado. [...] Nesse contexto, a comunidade alternativa de fãs ainda exerce um papel importante, explicando aos espectadores americanos, através de websites e boletins, as referências e as tradições do gênero que definem esses produtos. Os fã-clubes continuam a explorar potenciais produtos de nicho que, com o tempo, poderão emergir como sucessos comerciais. (JENKINS, 2006, p.223)

Isso ocorre também com os “scanlators”, que fazem o mesmo trabalho do “fansubbing”, mas ao invés de serem traduções e edições em animações, são realizadas nos quadrinhos japoneses. No Brasil isso também é muito comum, inclusive a OPEX e a piecePROJECT realizam ambas as formas de trabalho, traduzindo o quadrinho e a animação da obra de One Piece. Como explica o presidente do Anima Club do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Sean Leonard, “a legenda de fã foi crucial para o crescimento do número de fãs de animê no mundo ocidental”. (JENKINS, 2006, p. 221)

No Japão, a produção de séries de animês para TV passa por um longo planejamento comercial entre emissoras, produtoras de animação e fabricantes licenciados para que a franquia não se torne um fracasso. Portanto, a cultura da convergência tecnológica existia desde a década de 60, com as empresas se juntando para gerar receita através de uma cadeia de vendas de produtos e serviços correlatos a série de TV envolvida. Esse trabalho envolvia agências de publicidade, gravadoras,

editoras,

distribuidoras,

indústrias

de

alimentos,

brinquedos,

videogames, papelaria etc. (SATO, 2007) Assim, quando uma série vai ao ar na tevê japonesa, há o lançamento concomitante de uma grande gama de produtos e serviços temáticos, num esforço concentrado para envolver emocionalmente os espectadores e satisfazer-lhes o ímpeto consumista. (SATO, 2007, p. 35)

Jenkins, Green e Ford ressaltam de forma mais acentuada os perfis de diferentes públicos, inclusive dos fãs fieis que procuram propagar de maneira gratuita aquilo que os entretêm, assim como ocorre com os fãs de animê. Os três autores explicam que quando um público percebe que sua franquia favorita depende de vendagens e uma economia moral sólida – que não seja cancelada, paralisada etc – normalmente ele policia suas próprias ações, chama atenção de quem pode prejudicar a continuidade da mídia e dos que procuram por acordos informais não

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muito de acordo com a lei. Os fansubs36 são alvos de pedidos de remoção de conteúdos a todo tempo, mas um trabalho de fã para fã sem fins lucrativos acaba sendo favorável para grande maioria dos interessados, fazendo com que o público crie limites do que é considerado prejudicial ou não para os produtores da obra que são fãs. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013) Contanto que os fãs não obtenham lucro, alguns donos de conteúdo optam por ignorar o uso do material em troca do trabalho que os fãs realizam para testar mercados e educar potenciais clientes. De acordo com essa economia moral do fandom, os fansubs circulam quando um programa não é disponibilizado comercialmente em seu mercado, mas os fãs muitas vezes retiram as cópias não autorizadas, voluntariamente, quando os títulos são garantidos por meio de distribuição comercial. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p. 95)

Já no Japão, de acordo com Yuichi Washida, diretor de pesquisa da Hakuhodo – segunda maior empresa de publicidade e marketing do país – as corporações japonesas buscaram cooperar com os fã-clubes, subculturas e outras comunidades de consumo, não os vendo como inimigos, mas sim como aliados importantes no desenvolvimento de potenciais conteúdos novos e na ampliação de mercados. (WASHIDA, 2004, APUD JENKINS ET AL, 2006, p.224) Inclusive, no Japão, existe o tradicional evento de doujinshi37 conhecido como Comic Market (Comiket). O Parque de Exposições Ariake, em Tóquio, recebe uma multidão de mais de 500 mil jovens fãs de fanzines. O Comiket ocorre todos os anos em agosto e dezembro e reúne, durante três dias, 34 mil clubes de desenhistas amadores – em 2009, foram 35 mil clubes38-, que criam suas próprias histórias. (BARRAL, 2000) No caso do processo de produção do mangá, há diferenças nítidas para os Estados Unidos da América e que influenciam no modo como se propaga essa mídia. Em sua maioria, os mangás são a porta de entrada para as adaptações animadas, para live actions39 ou para adaptações de novelas japonesas, os 36

“Empresa” de tradução e edição de legenda de animê realizada de fãs para fãs. Disponível em: http://www.animenewsnetwork.com/encyclopedia/lexicon.php?id=63. Acesso em outubro, 2015 37 Fanzines de histórias em quadrinhos realizadas por amadores e publicadas por conta do autor. O curioso é que os fanzines podem ser paródias de mangás de sucesso e o autor não é processado por não ter o direito autoral da obra original. (BARRAL, 2000, p.132) 38 “THE COMIC MARKET TODAY AND OVERSEAS PARTICIPANTS”. Disponível em: http://www.comiket.co.jp/info-a/C77/C77CMKSymposiumPresentationEnglish.pdf. Acesso em outubro, 2015. 39 No contexto deste trabalho, seriam filmes adaptados de mangás ou animês onde o cast de atores e atrizes são formados por pessoas reais. Há uma diferença para os Doramas, pois doramas é específico para o segmento

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denominados doramas. De toda forma, as séries de quadrinhos que são publicadas em capítulos nas revistas japonesas – com periodicidade entre semanais a bimestrais -, posteriormente são republicadas em coletâneas de livros menores (encadernados de cerca de 180 a 200 páginas por volume), mas com maior qualidade física, conhecidos como tankõbons. (SATO, 2007) Além disso, há uma diferença no tratamento da autoria do trabalho. Nos EUA, o sistema se baseia num sistema em que os personagens dos quadrinhos são propriedade de empresas (como a DC ou a Marvel) e não dos ilustradores, sendo as raras exceções em que o autor tem posse dos direitos do personagem. Nesse caso, os desenhistas são prestadores de serviço e são remunerados pelas páginas que produzem. No Japão, o desenhista tem o tratamento de autor, sendo dono das histórias e dos personagens que cria. (SATO, 2007) Uma das razões pelas quais a indústria do entretenimento japonês é muito poderosa é porque ela faz essa convergência de mídias muito antes dos Estados Unidos. No Japão existe um ciclo do mangá que alimenta o cinema, que por sua vez alimenta o rádio que por sua vez alimenta a televisão, e pela televisão, se cria outros produtos. E tudo veio do mangá primeiramente. Isso gera um ciclo muito poderoso. (BALLERINI, informação verbal, 2015)

Com toda essa crescente da cultura japonesa, nos anos 2000 os mangás passaram a ser traduzidos e publicados em lugares como Estados Unidos, América Latina (Argentina e Brasil), Ásia (Taiwan, Cingapura, Indonésia) e Europa (França, Itália, Alemanha) de forma exponencial e se transformando em um veículo de transmissão da cultura no exterior. (SATO, 2007) Dessa forma, citarei alguns exemplos do uso da cultura da convergência e que, inclusive, são de obras lançadas também no Brasil. O primeiro deles é do livro lançado pela JBC em 2013, chamado “O Homem do Trem” (Densha Otoko no original), que conta a história de um otaku que, ao acaso da vida, teve a oportunidade de conhecer uma garota após uma briga com um bêbado no trem de Tóquio. Depois do incidente, o protagonista resolve pedir conselhos de como conquistar a garota, mas no fórum online mais famoso do Japão, o 2channel (www.2ch.net), o maior fórum online do mundo, com uma média de 2,7 milhões de posts por dia. drama, com uma construção de roteiro e filmagem de novela. Disponível em: http://www.lol.etc.br/2013/12/o-quee-dorama-e-live-action-e-qual.html. Acesso em outubro, 2015.

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O 2channel funciona de maneira bem instintiva. Uma pessoa posta uma mensagem dentro de uma seção do fórum, criando um tópico de discussão. Usuários anônimos comentam sobre o assunto, e cada mensagem é identificada com um número, nome do autor - é opcional adicionar nome -, data e hora. Depois de mil mensagens dentro desse tópico, a numeração é zerada e um novo tópico sobre o assunto é criado. (HITORI, 2004) Densha Otoko rapidamente se transformou em um best seller mundial. Trata-se de uma história verídica, narrada em tempo real [...] já ganhou versões em mangá, cinema, teatro e televisão. Um ano depois da publicação do livro, quando a obra chegou às telonas, faturou US$ 35 milhões, boa cifra até para padrões hollywoodianos. (HITORI, 2004, p.7 e 8)

Outra informação importante é sobre o autor de O Homem do Trem. A editora Shinchosha, quando resolveu publicar a história, optou por usar o nome Nakano Hitori como alusão aos usuários do 2channel, pois a junção dos ideogramas traz o significado originalmente de “todos os solteiros do fórum”. A escolha pelo nome foi para homenagear todos que participaram da história do jovem que teve sua vida completamente mudada por um acontecimento do cotidiano. “Quem pensaria que este fórum, no qual geralmente só se postam banalidades, estava para virar um misto de grupo de apoio e fã-clube do Homem do Trem?” (HITORI, 2004, p.18) Um caso curioso que instigou centenas de fãs foi do mangá de boxe chamado Ashita no Joe, publicado na revista Shonen Magazine40 em 1968. O mais peculiar é que não foi numa época tecnológica da Internet, mas que serve como prova do conceito de Jenkins, que a convergência não se dá apenas pelos meios tecnológicos, mas pela mente das pessoas, pela vontade de participarem, interagirem e discutirem sobre o que gostam. Voltando para Ashita no Joe, em um dado momento da história, o personagem Toru Rikiishi desafia o protagonista da história, Joe Yabuki. No ringue, Toru se dá melhor e vence Joe, porém, por excesso de esforço, morre de parada cardíaca no fim da partida. Isso comoveu os fãs de tal forma, que Toru passou a ser mais que um personagem, se tornou uma pessoa digna de funeral e oferendas. (SATO, 2007) Em 23 de março de 1970 centenas de pessoas – crianças, adolescentes e adultos – se reuniram na frente da sede da grande editora Kodansha em Tóquio para um funeral. Um monge budista 40

http://www.shonenmagazine.com/ Acesso em outubro, 2015

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prestou os devidos serviços, diante de um altar de oferendas em incenso e flores foram feitas. Os presentes escutaram discursos acalorados em homenagem ao falecido, com lágrimas e expressões graves de luto sincero. A imprensa veio cobrir o ocorrido. No altar, conforme os costumes japoneses, estava um retrato do falecido com fitas negras. Era o boxeador Toru Rikiishi, um personagem fictício de um mangá. (SATO, 2007, p. 46)

No caso de One Piece, que é o tema central para o produto do trabalho de conclusão de curso, o que acontece é a convergência tecnológica. One Piece foi lançado originalmente no mangá em 1997, e ganhou uma animação em 1999 com a produtora Toei Animation41. No Brasil há toda uma cultura participativa que falarei com mais calma, mas no Japão, além da devoção dos fãs, que enviam cartas para o Eiichiro Oda, que as responde numa seção do próprio mangá (um espaço dedicado a perguntas e respostas que se chama SBS - Shitsumon o Boshu Suru, que no Brasil foi adaptado para Sempre Bom Saber), há também dezenas de eventos temáticos para os fãs acompanharem, como é o caso da Tokyo Tower42. Além disso, possui atualmente doze filmes, com um décimo terceiro em produção, onde o próprio autor também terá participação no roteiro. One Piece também conta com materiais extras com informações do autor e detalhes da história, com os Databooks43 (três lançados no Brasil – Red, Blue e Yellow) e os Art Books44, que além de acompanhar os desenhos do autor, possui entrevistas exclusivas com outros ilustradores do mercado de quadrinhos. Sem contar as diferentes mídias, há restaurantes especializados na gastronomia do universo da história, há apresentações teatrais com atores representando os personagens principais, há uma loja de produtos e acessórios (pelúcia, pulseira, colar, camiseta etc) chamada Mugiwara Store45. Justamente por One Piece ser o mangá mais vendido do mundo, acaba possuindo algumas regalias e é bem divulgado comercialmente, como já explicado em outros tópicos de que a cultura japonesa usa esse ciclo de mídias de forma eficaz. Voltando um pouco no tempo, outro mangá que trouxe uma participação fugaz dos fãs foi Rosa de Versalhes, de 1972. E não só pela participação dos fãs, mas a relação da obra com outras culturas é curiosa, pois ela reúne ligações entre 41

http://corp.toei-anim.co.jp/. Acesso em outubro, 2015. http://onepiecetower.tokyo/en/ Acesso em outubro, 2015. 43 Mais informações em: http://www.volonte-d.com/bookguide2.php Acesso em outubro, 2015. 44 Mais informações em: http://www.volonte-d.com/bookguide.php Acesso em outubro, 2015. 45 http://www.mugiwara-store.com/ Acesso em outubro, 2015 42

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Japão, Áustria, França e Brasil. A autora japonesa, Ryoko Ikeda utilizou a biografia de Maria Antonieta, rainha da França, como inspiração para a construção do enredo de Rosa de Versalhes. O autor da biografia é austríaco, o judeu Stefan Zweig, que curiosamente emigrou para o Brasil durante a 2ª Guerra Mundial. Mas Berusaiyu no Bara, nome original japonês da obra, não conquistou apenas japoneses, a obra influenciou o Ocidente também. (SATO, 2007) O fato é que em um dado momento da história, Oscar François de Jarjayes, a protagonista, se tornou um ícone feminista no Japão, a ponto de a autora se surpreender com a quantidade de cartas que começou a chegar na sede da editora Shueisha, e de leitoras aficionadas pela Oscar. A editora então foi obrigada a criar um fã-clube oficial, que ficou chamada de “Oscar-sama Fan Club”. A revista quinzenal Margaret – na época era semanal – que lançava a obra jamais seria a mesma, com o sucesso de Rosa de Versalhes, o shojo mangá46 recebeu seu reconhecimento e influência no meio editorial. O início dos anos 1970 foi uma época de grande agitação social no Japão: a era das manifestações estudantis e do movimento feminista. Um número crescente de moças preparava-se para romper laços conservadores que as mantinham exclusivamente na vida doméstica e ir para o mercado de trabalho, almejando a independência financeira e a realização pessoal. (SATO, 2007, p. 5051)

Para que esse contexto feminista faça sentido, Oscar era uma mulher, filha de um general da corte, mas que foi criada como homem para que o pai tivesse herdeiros. Com o tempo, Oscar mostrou ter uma personalidade forte e se torna comandante da Guarda Real e é constantemente acompanhada pelo seu criado André. Na vida adulta, Oscar se apaixona por André e se sensibiliza com as injustiças que ocorriam na sociedade da época, a partir daí, ela se torna uma revolucionária idealista. (SATO, 2007) A editora Shueisha republicou a série numa coleção de 10 volumes, que vendeu 12 milhões de exemplares – um recorde do shojo mangá que demorou duas décadas para ser quebrado. [...] Rosa de Versalhes passou a fazer parte das bibliotecas escolares de todo o Japão e a ser leitura recomendada nos cursos de história ocidental. A enorme popularidade da série também gerou aumento na procura 46

: Fatia de mercado de quadrinhos voltado a meninas e mulheres entre os 12 e 18 anos. Apesar de uma definição sólida, a demografia shojo é extremamente ampla e tanto homens quanto mulheres de todas as idades podem ler. Outra fonética do termo é “shoujo” Disponível em: http://www.shoujo-cafe.com/2012/05/quando-asmulheres-tomam-palavra.html. Acesso em outubro, 2015

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por cursos de francês e pacotes de viagem à França. Versões produzidas em diferentes mídias transformaram a obra em febre e fizeram a história correr o mundo. (SATO, 2007, p.52)

2.7.

A participação das comunidades de fãs brasileiras

A coletividade dos fãs não é simplesmente um fenômeno para se analisar superficialmente. Em Cultura da Conexão é visível como se dá a força dos fãs, não só em relação ao que se constrói com a empresa, mas a força coletiva no próprio fandom. E esses aprendizados coletivos são os que acabam mantendo a importância do fandom no que tange a própria cultura da convergência, e é nesse fator que se encontra o viés cultural e social. Neste subtítulo do trabalho, abordarei dois casos em específico que ocorreu no Brasil. Em ambos, a coletividade de fãs trouxe benefícios para o mercado editorial como um todo, tanto para o lado dos fãs como uma resposta às editoras. Foram duas campanhas ao longo de 2014 e 2015 que permitiram mais visibilidade para dois segmentos bem diferentes do mercado. O primeiro deles, o Projeto Berserk47, foi para trazer a versão luxo da obra de mesmo nome – Berserk - para o Brasil. E o segundo, também iniciado no ano de 2014, é a Campanha Mais Shoujos no Brasil48, que teve como maioria o público feminino. Mas antes de entrar profundamente nesses dois casos, se faz importante destacar o crescimento da cultura participativa49 e em como isso pode ser positivo para as comunidades de fãs. Jenkins, Green e Ford, ao longo do livro Cultura da Conexão, mostram de maneira tácita o trabalho de fãs e em como se preocupam em compartilhar informações e opiniões na cultura de rede. Esses fãs se tornam “engajados”, que como os autores explicam, são “trabalhos” que não remuneram os fãs, mas que mesmo assim o fazem por se interessarem pelo assunto que lhe é pertinente e pela relação social que aquilo proporciona. De acordo com os autores, “essas comunidades estão em busca de seus próprios interesses, conectadas e informadas por aquelas decisões tomadas pelos outros dentro de suas redes sociais”. Inclusive, essas comunidades podem ser consideradas novas formas de contabilizar 47

: A autora deste trabalho participou ativamente da campanha. Disponível em: https://youtu.be/WigHFilUDm0. Acesso em outubro, 2015. 48 : Grupo da Campanha, que hoje funciona como grupo de discussão sobre mangás pertinentes ao tema. Disponível em: https://www.facebook.com/groups/581308361985541/. Acesso em outubro, 2015 49 : Cultura em que fãs e outros consumidores são convidados a participar ativamente da criação e da circulação de novos conteúdos. (JENKINS, 2006, p.378)

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audiências, mas isso já é outro assunto que será abordado mais profundamente no subtítulo que fala sobre o jornalismo nessa realidade. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p. 92) O material que surge a partir do “faça você mesmo” ou das comunidades de fãs que fornece um veículo através do qual as pessoas compartilham suas opiniões particulares com o mundo, opiniões essas muitas vezes não representadas na mídia de massa. Quando os membros do público propagam esse conteúdo de uma comunidade para outra é porque têm interesse na circulação dessas mensagens. Eles estão adotando um material significativo para si em função de este ter um valor dentro de suas redes sociais, além de facilitar conversas que querem manter com seus amigos e familiares. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p.92)

Jenkins, em Cultura da Convergência, também ressalta o crescimento da participação online de consumidores, crescimento este que dá a oportunidade de descobrir culturas de conhecimento online e de expandir a sabedoria daquilo que gosta, por meio de comunidades alternativas. Segundo ele, essa crescente se deve porque “talvez [o consumidor] esteja escolhendo sua cultura popular pela oportunidade de explorar mundos complexos e comparar suas observações com outras pessoas”. (JENKINS, 2006, p.186) Max Andrade, autor do mangá nacional Tools Challenge, contou como foi que se tornou fã de mangás. Na infância, Max só tinha como compartilhar seus interesses e opiniões com seu irmão mais velho e com o tempo encontrou outras pessoas que possuíam o mesmo interesse que ele, os mangás. Desde então, o pequeno grupo de cinco garotos, incluindo Max e seu irmão, começaram a compartilhar interesses, emprestar entre si títulos favoritos e a discutir de forma saudável sobre as histórias que liam. Hoje, Max possui uma história em quadrinhos que foi apoiada por fãs e consumidores na plataforma Catarse50 e já possui duas edições impressas de forma independente – sem ajuda de editora. Ano passado, chegou a participar da Comic Con Experience como expositor, maior evento de cultura pop no Brasil. Voltando às campanhas, em ambas foi possível ver o engajamento dos fãs, não só para que fossem ouvidos pelas editoras, mas também para conversar sobre os personagens das obras que gostavam, sobre momentos da história, sobre 50

O Catarse é a primeira e maior plataforma de financiamento coletivo do Brasil. Disponível em: https://www.catarse.me/. Acesso em novembro, 2015.

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slogans que podiam ser usados na campanha, de como fazer um bom texto chamativo para todos os fãs. No fim, a criação de um espaço online possibilitou a comunicação entre fãs que nunca tinham se visto pessoalmente. Sentimo-nos entusiasmados com a cultura popular; acolhemos os personagens; integramos as histórias em nossas vidas; reformulamos essas histórias e as tornamos nossas. [...] consumidores e fãs estão começando a tomar gosto pelo recémdescoberto poder de moldar o ambiente de mídia e estão utilizando elementos emprestados da cultura popular para intermediar relações com as pessoas que nunca viram pessoalmente. (JENKINS, 2006, p. 315)

O Projeto Berserk tinha na realidade como intuito levantar o maior número de adeptos para convencer a editora Panini a lançar uma nova versão da obra, porém mais robusta, uma edição de colecionador. Acontece que Berserk é um mangá ainda em andamento no Japão, atualmente com 37 volumes e sem previsão de término, já que o autor Kentaro Miura lança os capítulos da história esporadicamente e também realiza outros projetos – como o mangá Gigantomachia. E para piorar a situação, Berserk tem uma primeira versão51 no Brasil, que começou a ser publicada em 2005, porém em formato meio-tanko (metade do original japonês). Resumindo, os 37 japoneses se tornaram 74 edições brasileiras, impossível para qualquer fã que queira começar a coleção atualmente. A partir disso, em janeiro de 2014, os fãs começaram a se mobilizar para trazer uma versão mais atualizada e que ao menos seguisse o mesmo formato japonês. No Japão é comum existir republicações - como foi o caso de Rosa de Versalhes - de obras famosas em edições mais completas e com uma qualidade física melhor (existe mais de um formato de mangá deste tipo, porém o mais conhecido é o kanzenban, que em tradução livre significa “edição definitiva”). Essa prática no Brasil não é muito comum, há algumas republicações de obras em qualidade mais alta, porém ainda não é um formato definitivo como é no Japão. De toda forma, o Projeto Berserk pedia ao menos um tratamento melhor do que a edição anterior. Ao todo, foram cerca de 800 pessoas envolvidas, criando textos, banners e tirinhas, discutindo possibilidades editoriais, divulgando a

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MIURA, Kentaro, 2005, Panini, p.129

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campanha etc. Berserk foi republicado em outro formato em agosto de 2014 e estava nas bancas de todo o Brasil, com distribuição nacional52.

Figura 8: As duas versões de Berserk – Da esquerda é a mais antiga, lançada em 2004 e a da direita a republicação no mesmo formato japonês. Fonte: Acervo Pessoal

Com a “Campanha Mais Shoujos no Brasil” o contexto era outro. Em entrevista com uma das organizadoras da campanha, a ideia não era apenas chamar a atenção da editora Panini (novamente). A mobilização era para juntar fãs de shojo mangá para discutir a demografia no Brasil e ver possibilidades de mangás que poderiam estar no mercado para alavancar novamente esse setor. Isso porque entre 2013 e 2014, o número de novos títulos era muito desigual em comparação a outros tipos de mangás, o que trazia dezenas de discussões nos grupos de fãs, como “o que salva a demografia no Brasil?” “O que poderia vir?” “Tem como

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O Brasil possui duas formas de distribuição de mangá: a setorizada, que começa primeiramente a distribuir nas capitais de SP/RJ e depois de três meses o material passa para o interior e o restante do país, é uma distribuição normalmente com uma tiragem menor. E a distribuição nacional já possui uma tiragem maior e atende todos os estados, desde que haja bancas interessadas no material.

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vender?” “essa obra tem live-action, dorama ou animê?” entre outras questões que se tornaram também discussões, sejam acaloradas ou saudáveis. Essa desconfiança existia pela quantidade de mangás shojos que já tinham sido lançados no passado pela editora Panini – Destino Cativo, Galism, Kare First Love, Sunadokei entre outros - que enriqueceu o mercado, porém, de acordo com a própria Beth Kodama, responsável pelas edições e adaptações de diversos títulos da Panini no Brasil, boa parte dessas obras não venderam o esperado. E então, o número de títulos da demografia naturalmente diminuiu. Ano passado53, apenas seis títulos shojos da Panini passaram pelas bancas, sendo eles Kimi Ni Todoke, O Maestro, Psychic Detective Yakumo, Vampire Knight – apenas no mês de março, pois foi quando chegou à edição final -, 07-Ghost – também apenas no mês de março por ser a última edição - e Full Moon, que abriu discórdias por também ser visto como um mangá yaoi54, o que não contaria efetivamente ao mercado do mesmo público. Sem levar em conta a periodicidade de cada mangá, é como se em 12 meses, o público leitor só tivesse a oportunidade de acompanhar de fato seis, um aproveitamento de 50% apenas, que em comparação com outras demografias shonen55 e seinen – é um número extremamente fraco. Com tudo isso na mesa, diversos fãs da demografia se mobilizaram para construir um engajamento do tema, justamente procurando por melhores títulos que vingariam e estabeleceriam uma confiança que estava relativamente perdida. Relativamente porque é natural que a demografia shojo fique com uma fatia menor do mercado, até mesmo no Japão é assim. De acordo com o editor-chefe da JBC, Cassius Medauar, apenas 4% do mercado editorial japonês é composto por mangás shojos (mas há de se levar em consideração também que a quantidade de títulos no Japão é muito maior, pois é o maior mercado de quadrinhos do mundo). Mesmo que seja natural para o mercado, era inadmissível para os fãs verem apenas um único título em banca de cada uma das duas grandes editoras por mês. A Editora JBC vinha praticamente da mesma forma que a Panini, mas trabalhando em relançamentos, como Guerreiras Mágicas de Rayearth e Sakura 53

Mais informações em: http://chuvadenanquim.com.br/category/checklist/ Acesso em outubro, 2015 Também conhecido como boys love, mangá que envolve relacionamento amoroso entre dois homens. O yaoi faz parte da demografia shojo, no entanto cresceu no Japão a ponto de existirem revistas próprias para histórias entre homossexuais, o que dá margem de entendimento também que é um tipo de demografia, com um públicoalvo parecido com o shojo, porém ainda mais fechado. No Brasil é conhecido como nicho do nicho. 55 Mangás voltados para meninos e homens entre os 12 e 18 anos. 54

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Card Captors. De lançamento novo mesmo, a editora publicou o mangá clássico de Sailor Moon, que é preciso salientar, foi considerado uma exceção pela Campanha, pois independente da demografia que Sailor Moon fizesse parte, venderia bem. No fim, o destaque maior veio com o título de volume único “Tom Sawyer” que abriu uma grande polêmica com o fandom. Em das uma das palestras da JBC em eventos de cultura pop japonesa, Cassius deu uma opinião pessoal, dizendo que Tom Sawyer não era um shojo chato e por isso valia a pena acompanhar. Uma parte do fandom não gostou nada da declaração e só se falou disso nos dias subsequentes nas comunidades de fãs. Dali em diante uma chama se acendeu para que finalmente se discutisse se shojos valiam a pena no mercado de quadrinhos ou não. Para o bem ou para o mal, o “esse shojo não é chato” se tornou um meme e é usado até hoje em alguns grupos e permitiu uma seriedade maior dos próprios fãs com o tema. Dentro de todo esse contexto, o grupo Campanha Shoujos no Brasil56 veio com a ideia de primeiramente estabelecer três mangás que possuíam mais chances de vingar no Brasil e reestabelecer esse mercado de nicho – que foram Aoharaido, Lovely Complex e Tonari no Kaibutsu-kun. O próximo passo era escolher qual editora direcionar essa campanha. Essa organização para realizar a campanha foi fundamental para que os fãs de quadrinhos japoneses no geral se interessassem pelo tema e passasse a debatê-lo, independente se compravam, se gostavam, se eram fanáticos ou não. Essa lógica também cai para as “comunidades de marcas”, apesar de esse não ser exatamente o caso de seguimento fiel a uma marca, porque existe uma concorrência de mercado clara e os fãs compram das duas grandes editoras brasileiras, porém, nos preceitos de comunidades de marca há a fiscalização e a voz ativa por parte dos fãs. Nessa discussão, as opiniões dos editores serão esclarecidas em um subtópico deste trabalho. Os membros das comunidades de marcas frequentemente têm voz ativa sobre as questões relacionadas aos serviços ao consumidor e são críticos no que diz respeito às decisões de negócios tomadas pelas empresas. [...] As comunidades de marca podem então desempenhar um papel de fiscalização. Elas poderiam apoiar com entusiasmo uma marca que as serve, mas também estão propensas a exigir mudanças no comportamento corporativo ou nos produtos quando acham que a empresa está agindo de modo contrário aos 56

Entrevista concedida por CARNEIRO, Mayara. [julho, 2015]. Entrevistador: Paloma Lourenço. Entrevista via Skype, 2015. 1 arquivo .mp3 (64 min).

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interesses de seus consumidores. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p. 208)

Antes de incluir novamente o conceito teórico de Jenkins, Green e Ford, se faz necessário também explicar que as histórias de mangás shojos passam pelo caso de estarem presentes em múltiplas plataformas e na convergência tecnológica – e praticamente todos os mangás japoneses passam por essa estratégia. Casos como Yakumo, que ainda está sendo lançado no Brasil, é uma obra originalmente de um livro (no Japão é conhecido como light novel) e após o seu sucesso, a desenhista Suzuka Oda, em parceria com o autor original Manabu Kaminaga, criaram a versão em quadrinhos. Mas cada material midiático é pensado individualmente, não há pistas ou continuação de histórias como ocorre na narrativa transmídia, mas há mangás que usam desse artifício, como o próprio One Piece com alguns filmes e informações exclusivas contidas nos databooks. Também é comum que haja versões digitais dos mangás. A Shonen Jump57 Americana usa esse método há anos, possibilitando leitura por smartphones, tablets e PC. O mangá de Kimi ni Todoke, um dos mais vendidos no Japão, também possui uma versão animada e um filme em live-action. Como já acentuado por Ballerini, esse ciclo de mídias é muito poderoso no Japão e até certa medida isso influencia aqui também, pois uma versão animada e um live-action de um mangá trazem notoriedade e confiança para que as editoras brasileiras comprem os direitos da obra, já que a chance do fandom conhecer essas mídias é maior, e de falar delas também. E daí é que vem mais um ponto dos autores de Cultura da Conexão em relação à cultura participativa. As estratégias transmídia pressupõem que a dispersão gradual de material pode sustentar vários tipos de conversas do público, recompensando e construindo vínculos particularmente fortes com os fãs mais fervorosos de uma propriedade, enquanto inspiram outros [fãs] a ser ainda mais ativos na busca e no compartilhamento de novas informações. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p. 184)

Voltando à campanha, a intenção primária era chamar atenção de todas as editoras de mangá do Brasil, mas por se tratar de algo tão específico e com um objetivo claro de crescimento do mercado, a Panini era a melhor escolha por ter sido a editora que historicamente mais lançou mangás do tipo no país. Então a campanha foi direcionada a ela. E novamente, assim como Berserk, os fãs 57

http://www.viz.com/manga/digital/shonen-jump Acesso em novembro, 2015.

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obtiveram retorno. Na palestra do Ressaca Friends58 de 2014, Beth Kodama anunciou Aoharaido, mangá finalizado em 10 volumes e que foi um sucesso de vendas no Japão. E posteriormente, no Anime Friends de 2015, a Panini anunciou Lovely Complex. A JBC, apesar de não ter sido o foco da Campanha, sempre foi alvo de discussões dentro da comunidade e ao anunciar três shojos mais alternativos, o fandom também começou a pensar em maneiras de alimentar o mercado com outros gêneros da demografia, como suspense, terror e fantasia. Os mangás que a JBC anunciou foram: Vitamin, Limit e Orange, atitude que reacendeu o mercado para outras opções editoriais, assunto que será possível ver com mais calma na visão das editoras. O fato é que no Brasil, criou-se uma cultura de que mangá shojo é apenas romance escolar, e a própria Campanha Mais Shoujos no Brasil procurou desconstruir esse mito, conscientizando fãs de mangás e dividindo demografia (público-alvo) de gênero literário. De acordo com Mayara Carneiro (informação verbal59), discussões sobre o mercado foram extremamente positivas até mesmo para ela, que já era leitora há alguns anos, porém não tinha todo o conhecimento do funcionamento editorial japonês e brasileiro com os mangás shojos, e com a troca de informações no grupo, pôde se engajar no assunto e se interessar ainda mais em estar ativa e ajudar na dúvida de outros leitores. No ano de 2015 a Campanha continuou debatendo possibilidades para reativar o contato com as editoras, mas dessa fez focando de fato em todo o mercado editorial, que agora possui mais títulos da demografia e mais diversidade – apesar de ainda não ser considerado o bastante. Agora, títulos levantados como possíveis no mercado nacional são direcionados a todas as editoras, a JBC, NewPop, L&PM entre outras. 2.7.1. Comunidades de fãs de One Piece É difícil definir exatamente quando o fandom de One Piece começou a surgir de fato no Brasil. Mesmo que o mangá tenha sido lançado em 2002 e, naturalmente criando um público consumidor, ele era disperso e bem heterogêneo, pois a Internet também não era ainda acessível a todos. Nessa época o que tinha eram grupos 58

Vídeo da palestra dos editores de mangá – Mesa Redonda Parte 2– Ressaca Friends 2014 (inicia no 20:50). Disponível em: https://youtu.be/6opaodnxd1g. Acesso em novembro, 2015.

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alternativos e unidos localmente por laços de amizade ou familiares, como ocorrido com Max. Ou no máximo com grupos conectados em plataformas como o IRC60. A visualização de um fandom maior e mais ativo se deu em 2006 com a criação do site piecePROJECT61, que por sua vez criou também a comunidade no Orkut62. Esse foi o mais importante da primeira década do século XXI por ter tanto o grupo quanto o site – que fazia o trabalho de fansubbing e scanlation. No entanto, havia outras comunidades, como mostrado na imagem.

Figura 9: Comunidades de One Piece no Orkut Fonte: Acervo Pessoal

Ainda em 2006, One Piece era considerado no Brasil um mangá/animê relativamente alternativo, não era um sucesso como Dragon Ball ou Cavaleiros do Zodíaco, apesar de já ter números estrondosos no Japão. Mesmo possuindo uma periodicidade mensal, o mangá nacional não criou um fandom enorme, muito diferente de Naruto63 e Bleach64. O crescimento veio pelo trabalho de fansubbing e scanlation na Internet, tendo resultado em meados de 2008. De lá para cá, o fandom 60

Internet Relay Chat, servidores populares utilizados por usuários e empresas para se comunicar, para compartilhamento de arquivos, trabalhos e até mesmo para jogos como RPG. O acesso a estes servidores era possível graças a ferramentas como o mIRC. Mais informações em http://www.irc.org/ Acesso em outubro, 2015. 61 http://pieceproject.xpg.uol.com.br/ . Acesso em novembro, 2015 62 Cheguei a ser uma das administradoras da comunidade do Orkut entre 2010-12. Inclusive, fui uma das pessoas, junto com o restante da staff, que fez a passagem do Orkut para o Facebook. 63 Mangá criado por Masashi Kishimoto e lançado em 1999, na Shonen Jump, mesma Revista que One Piece. Mais informações em: http://www.viz.com/naruto Acesso em Outubro, 2015. 64 Mangá criado por Tite Kubo e iniciado em 2001, também na Shonen Jump. Mais informações: http://www.viz.com/bleach Acesso em outubro, 2015

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cresceu exponencialmente, e junto dele a OPEX65 também, chegando a ter cerca de dois milhões de visitas por mês no site. No mesmo ano, o mangá de One Piece passava por um momento delicado, a Editora Conrad lançou a edição 70 com dificuldades66, com um atraso de meses em relação à edição 69. A partir de então a editora ficou dois anos possuindo os direitos da obra, porém sem novos lançamentos por falta de recursos financeiros. Na Bienal do Livro de 2010, ao ver o stand da Conrad e novidades da editora, a certeza era que o título tinha sido cancelado, como de fato foi. Por esses motivos, a construção do fandom de One Piece se direcionou para a Internet, com as comunidades de fãs – inclusive, na época, já havia discussões do cancelamento da obra pela Editora Conrad e já possíveis oportunidades de outras editoras comprarem os direitos, como conversado em entrevista com William Halter Batista e Rodrigo Francisco. Em 2012, o fandom de One Piece era comparável ao de Bleach e Naruto – mesmo que esse último seja unânime no Brasil e é o mangá mais vendido dos últimos anos. E o mangá merecia uma republicação, já esperada pelos fãs. Foi então que a editora Panini anunciou a vinda de One Piece, que foi lançado completamente diferente da edição da Conrad, como visto na imagem abaixo.

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http://onepiecex.com.br/ Acesso em novembro, 2015. ODA, Eiichiro, 2008, Conrad, p.98

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Figura 10: Edições de One Piece no Brasil. Na esquerda é a edição da Panini e a da direita é a edição da Conrad Fonte: Acervo pessoal

Desde 2012 o crescimento das comunidades de fãs é visível. A quantidade de canais do YouTube especializados em One Piece é enorme – Vlog do Enel67, Vlog do Ace68, All Blue69, a própria Um Pedaço. A OPEX não ficou para trás, criou seus programas de rádio na internet - podcasts, que são lançados semanalmente. No lançamento do mangá, a Panini criou um pacote de assinatura – que funciona até hoje -, e o divulgou de forma pontual nos eventos de literatura e de cultura japonesa, a Beth Kodama se tornou a porta-voz para tirar dúvidas e anunciar os lançamentos mensais dos mangás da editora pelo seu próprio perfil pessoal e, desse encontro virtual entre tantos fãs, era impossível que não se juntassem, discutissem, se conhecessem e se engajassem, a própria criação da Um Pedaço veio dessas participações. Essas lógicas, inclusive, recaem nas ideias de Malcolm Gladwell (2000), que baseou sua teoria em cima dos formadores de opinião. No fandom de One Piece, as figuras dos canais do YouTube acabaram se destacando dos demais e realmente 67

https://www.youtube.com/user/TripulacaoOnePiece Acesso em novembro, 2015. https://www.youtube.com/user/aceopz Acesso em novembro, 2015. 69 https://www.youtube.com/user/allbluevideoreview Acesso em novembro, 2015. 68

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criaram seus grupos de discussão, se tornaram ícones para fazer unboxing de figures70 de personagens de One Piece e a indicarem lojas que vendem produtos nerds. [...] o “formador de opinião” tem sido enfatizado em inúmeros estudos de caso de marketing para discutir por que a atenção e o endosso dos principais membros do público são fundamentais para o sucesso. A razão é que o melhor caminho para alcançar qualquer pessoa em uma comunidade é achar as poucas pessoas proeminentes que influenciam a maioria dos membros. A linguagem do “formador de opinião”, em particular, tem sido frequentemente usada pelos profissionais de relações públicas para justificar a importância de ir além dos jornalistas tradicionais – até os blogueiros. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p. 114)

E da forma como Jenkins, Green e Ford pontuam durante todas as ideias da teoria da convergência e da conexão, é o que ocorre dentro da comunidade da Um Pedaço e de tantas outras, pois cada canal do YouTube com um formador de opinião carismático, por exemplo, criou uma comunidade de fãs própria. Nessas comunidades existem debates sobre a história, teorias são formuladas, ideias compartilhadas, análises de personagens, locais geográficos criados pelo autor, assuntos polêmicos como a objetivação da mulher ou da influência da política da história dentro da nossa própria vida71. E nas discussões de qualquer teor, nos grupos de One Piece também há uma divisão de tipos de fandom. Jenkins, Green e Ford citam esses diferentes grupos de fãs e os definem ou como fandom “afirmacional” e o fandom “transformacional”. Obsession_inc conceitua que no fandom “afirmarcional” é normal que “o material de origem seja reafirmado, o propósito do autor está voltado para a satisfação da comunidade”. Nesses casos, não é comum a criação de trabalhos alternativos que acabem modificando a história original, pois somente o autor sabe o que vai acontecer na sua história. Obsession chama esses fãs de “fãs consagrados”. E o fandom “transformacional” em suas palavras, procura modificar o que lhe for conveniente: “por outro lado, é sobre obter a fonte e transformá-la com os próprios propósitos dos fãs, seja para corrigir uma questão decepcionante no material original, seja usando este material para ilustrar um ponto, seja apenas para se 70

Prática de vloggers de desembalarem os produtos que recebem para a câmera e consequentemente para seu público. 71 Devaneios: o que Oda nos ensinou sobre preconceito. Disponível em: http://www.umpedaco.com.br/2015/10/devaneios-o-que-oda-nos-ensinou-sobre.html. Acesso em novembro, 2015.

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divertir”. Para ele, esses são os fãs “não consagrados”. (OBSESSION, 2009, APUD JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p.192) Mesmo com as discussões mais reflexivas, no grupo da Um Pedaço também existe a conscientização da não segregação de pessoas que possuem opiniões diferentes, e que de certa forma não são positivas, no sentido de falar bem da obra. Muito pelo contrário, há críticas negativas por incoerências da história ou algo que de fato o fã não gostou. Jenkins, Green e Ford analisaram que mesmos os fãs insatisfeitos não deixam de participar das comunidades online, porque isso ainda é um pré-requisito para discutir os erros contidos na história ou para manter debates sobre a continuidade ou motivação dos personagens. No livro Cultura da Convergência, Jenkins cita o professor James Paul Gee, da Escola de Educação Madison, da Universidade de Wisconsin, que fala sobre novos aprendizados nessas comunidades alternativas. Gee chama isso de “laços de afinidades” e explica por que as pessoas sentem mais vontade de participar se envolver e aprender mais nesses espaços do que com livros didáticos. Gee afirma que os espaços de afinidades oferecem poderosas oportunidades para o aprendizado porque são sustentados por empreendimentos comuns, criando pontes que unem as diferenças de idade, classe, raça, sexo e nível educacional; porque as pessoas podem participar de diversas formas, de acordo com suas habilidades e seus interesses; porque dependem da instrução de seus pares, de igual pra igual, com cada participante constantemente motivado a adquirir novos conhecimentos ou refinar suas habilidades existentes; porque, enfim, esses espaços de afinidades permitem a cada participante sentir-se um expert, ao mesmo tempo que recorrem à expertise de outros. (GEE, 2005, APUD JENKINS ET AL, 2006, p.250)

A união de pessoas com o mesmo gosto não rendeu apenas um contato superficial, trouxe de fato discussões sérias e de reflexão, como a responsabilidade do maior site72 de One Piece em criar posts que não discriminem minorias ou não ofendam outros grupos. A vontade de engajamento trouxe ao fandom o conhecimento de materiais extras da obra, que são os databooks – no Brasil conhecido como Livro de Dados. 72

Entrevista via Skype com a equipe da OPEX, com as participações de: Bururu, Baruch, Rodrigo Francisco e Mr.27. Alguns nomes dos membros não foram autorizados a serem divulgados. Além da equipe, também dois membros da Um Pedaço participaram: Clarissa Silva Gasparin e Iury Padilha. E um fã comum convidado: Diogo Costa.

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Desde o “boom” de One Piece na Internet, cogitava-se saber mais sobre as informações contidas nesses livros, porém, o fandom só tinha acesso ao material japonês e a dificuldade de tradução era tremenda até pela qualidade das imagens disponíveis. Portanto, a conscientização para que todos soubessem da existência dessas informações extras começou a acontecer nas comunidades de fãs. As pessoas queriam saber o que havia dentro desses databooks. Em 2013, houve uma corrente – criada no canal piecePROJECT73- para que eles fossem lançados no Brasil, e foi positivo por um lado: um bom número de fãs acompanharam de perto o lançamento do primeiro databook: o Red Databook. No entanto, é importante salientar que os direitos do material já tinham sido comprados pela Panini na época e só estavam para fechar a data de lançamento. De acordo com os membros da OPEX, a campanha para trazer esse material veio no momento certo, pois era o auge do Vlog piecePROJECT e porque os fãs compraram a ideia de possuir os databooks. A corrente acabou por inspirar também as outras campanhas já citadas: Projeto Berserk e Campanha Mais Shoujos no Brasil, que potencializaram ainda mais a força dos fãs na necessidade de chamar a atenção das editoras. 2.7.2. A visão dos editores da JBC e Panini Assim como há o engajamento das comunidades de fãs para que sua voz chegue à empresa, há as atitudes das empresas para estarem ainda mais conectados a seus consumidores. No caso deste trabalho, as visões dos editores da JBC e Panini. Os editores da JBC, Cassius Medauar e Marcelo Del Greco explicaram (informação verbal74) que a criação do mercado de mangás no Brasil desde o início foi pensado de acordo com gosto dos consumidores, “pois não há como trazer nada que não esteja de acordo com o que os fãs querem”, falaram. Marcelo ainda lembrou da criação do Fórum Henshin (já inativo) no início do crescimento do mercado, onde os fãs da época já discutiam a respeito de mangás que poderiam vir para cá.

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https://onepiece.zlx.com.br/ Acesso em novembro, 2015 Entrevistas concedidas por GRECO, Marcel Del, MEDAUAR, Cassius.. Entrevista IV e Entrevista V. [julho 2015]. Entrevistador: Paloma Lourenço. São Paulo, 2015. 2 arquivos .mp3 (43 min e 15 min respectivamente). 74

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Apesar de Akira e Mai – A Garota Sensitiva já estarem no Brasil na década de 1980, o real mercado foi construído na virada do século, com a vinda de mangás como Cavaleiros do Zodíaco (CDZ) e Dragon Ball (DB) na Conrad Editora; e Sakura Card Captors, Rurouni Kenshin (RK) e Video Girl Ai na JBC em 2001. Mais tarde apareceria a Panini, com Lobo Solitário e outros títulos em 200475. Na época, DB, CDZ, Sakura e RK já tinham passado ou passavam na TV aberta, o que facilitou o acesso e a divulgação dos quadrinhos e foi o primeiro passo para consolidar o mercado no Brasil, que tradicionalmente é comercializado nas bancas de jornal. Video Girl Ai, como Marcelo ressaltou, foi um risco para experimentar mercado, e ver outros títulos que pudessem alimentar a diversidade de obras na época. De toda forma, na época, trabalhar profissionalmente com mangá também era diferente. Cassius explicou que, na época, a maior dificuldade se encontrava principalmente com questões de tradução, pois ainda não havia um especialista em algum tipo de literatura japonesa e soubesse os meandros entre as culturas, isso foi construído com a experiência. Beth Kodama ressaltou que foram as editoras como a Conrad, JBC e Panini que construíram terreno para os mangás, e era em um período em que os editores tinham contato com as escolhas de títulos também, como ainda é hoje. Mas lembrou também que a Panini detém 85% do que é lançado nas bancas no que diz respeito a quadrinhos (aqui conta além dos mangás, as comics americanas e nacionais, incluindo Turma da Mônica). Beth já declarou em palestras que todos os editores da redação escrevem em um papel alguns títulos de sua escolha pessoal – que normalmente casam com os pedidos dos fãs, vale ressaltar - e essas sugestões são pensadas e enviadas aos grandes negociadores da Panini. Assim como é na JBC com escolha de títulos até os dias de hoje. Quanto aos casos que se relacionam com as campanhas, Cassius e Marcelo deram um parecer principalmente sobre os shojos, pois os envolvem. A JBC tradicionalmente lançou poucos mangás voltados para o público feminino. Marcelo disse que os fãs pediram Gravitation arduamente, e em 2007 a JBC lançou, mas foi um fracasso de vendas. Nana, apesar de ter sido o shojo mais vendido no Japão na 75

Na realidade a Panini começou em 2003 com os mangás Peach Girl e Éden – It’s Endless World, mas ambos foram cancelados. Já Lobo Solitário, foi concluído em 28 volumes e é um dos maiores clássicos do Japão, o que torna a Panini mais importante no mercado a partir de então. Disponível em: http://www.guiadosquadrinhos.com Acesso em Outubro, 2015

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sua época, no Brasil não teve o mesmo êxito, e ainda está paralisado desde 2010 no Brasil. Esses e outros casos fizeram a editora repensar os títulos e trazer com mais cautela, e então se especializaram em trazer mangás shojos da CLAMP76 como Sakura, RG Veda, Guerreiras Mágicas de Rayearth e Wish. E casos muito específicos como foi Fruits Basket, Full Moon O Sagashite, Tom Sawyer e Limit. Gravitation é uma incógnita ainda, mas mesmo que tenha sido uma obra pedida, é um caso que recai na opinião do cineasta independente, Lance Weiler: “Envolver uma audiência de forma significativa não garante que seu trabalho não será ‘pirateado’, mas a construção de tais relacionamentos pode ajudar a limitar o estrago” (WEILER, 2008, APUD JENKINS, GREEN E FORD ET AL, 2013, p. 308). Isso porque é necessário lembrar que o Brasil ainda é rodeado pelo trabalho de fã para fã, que é espalhado pela Internet (fansubbings e scanlations). As editoras então passam a ter um problema: o fato desse tipo de mecanismo existir faz com que alguns consumidores prefiram versões legendadas e traduzidas por fãs, deixando de comprar o produto comercial no país, como explica Mizuko Ito (2012). As versões “piratas” propagadas pela internet não irão acabar tão cedo, é uma realidade em que as editoras brasileiras (e de todos os outros países) precisam conviver. E uma das formas disso acontecer é tentando construir relacionamentos com o público para que a versão “pirata” não seja uma preferência. Embora, historicamente, os fãs vejam seu objetivo como uma ajuda para sustentar uma indústria de anime [e mangá] que poderia atender à demanda crescente para esse conteúdo, muitos fãs mais jovens veem sua lealdade primária como “uma cultura de público conectado em rede mais híbrida e fluida, na qual a indústria não tem uma posição tão privilegiada” (ITO, 2012, p.193). A comunidade se engaja em debates acalorados sobre quando é apropriado assistir a fansubs ao invés de versões comercialmente localizadas de determinadas séries. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p. 331)

Segundo Marcelo, o grande problema dos shojos no Brasil, além de haver um senso comum de que é uma demografia que não vende no país, é que não há solidez no mercado consumidor e é uma categoria de mangá que requer os mesmos gastos de outros mangás que naturalmente vendem mais. Portanto, optar por shonens e seinens faz mais sentido para uma empresa que busca lucro, ou seja, todas. No entanto, é importante que os fãs se aproximem e falem a respeito, por 76

CLAMP é um grupo formado por quatro mulheres que criam mangás desde 1987, começando por Shining Star. Disponível em: http://clamp-net.com/about Acesso em Outubro, 2015.

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conta da Campanha Mais Shoujos no Brasil, a JBC começou a atender mais a demanda por shojos nas bancas, como já dito neste trabalho. No caso da editora da Panini, a Beth explicou que é mais fácil convencer uma pessoa a assistir um filme de ação do que um drama ou uma comédia romântica. Para ela, funciona da mesma com shonen e shojo. Ação agrada gregos e troianos, mesmo sendo ruim ou não, você se diverte e vai pra casa. Agora se a pessoa não gosta ou de romance ou de comédia, há um conflito. Claro que há shonens mais profundos e que tratam até de romance, mas esses também não são os que mais vendem. Os mais vendidos são os de ação. (informação verbal)

Sobre a fala do Cassius com o mangá de Tom Sawyer, ele explicou (informação verbal) que a internet normalmente distorce o contexto da fala e cria-se uma onda de ódio que permeia os grupos de discussão. “Hoje todos querem opinar, querem falar o que acham sem a informação certa”, ressaltou. De acordo com ele, mesmo com toda a repercussão que deu a JBC não deixou de lançar mangás shojos. “Evitamos escolher demografias, sempre trouxemos mangás que achamos legais, independente de demografia”. Já Beth Kodama, explicou (informação verbal77) que a esfriada de lançamentos de shojos pela Panini de alguns anos para cá também influenciou no mercado mais recente, no qual era visível a falta de mangás do tipo nas bancas. Para ela, a Campanha não foi uma referência como o Projeto Berserk, pois já havia um indicativo que era necessário rever e trazer mais obras, pois o mercado estava de fato carente. “Se tornou um mercado em potencial porque não havia concorrentes lançando shojos, todo mundo estava lançando shonen. Então qualquer shojo de romance que fosse lançado, venderia bem”. Sendo assim, a Panini optou por ouvir os fãs que participaram da Campanha e trouxeram dois títulos dos dois pedidos: Aoharaido e Lovely Complex. Optamos por títulos novos, queremos trazer pro Brasil o pensamento moderno japonês, como é o Japão hoje, ou o mais próximo disso. O que é sucesso lá e pode se tornar aqui ou o que se tornou falado aqui. E o que aconteceu? A Campanha pediu três títulos

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Entrevista concedida por KODAMA, Beth. Entrevista VII. [agosto 2015]. Entrevistador: Paloma Lourenço. São Paulo, 2015. 1 arquivo .wma (71 min).

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relativamente novos. E o mais novo é Aoharaido, então o trouxemos primeiro. (informação verbal)78

Quanto ao Projeto Berserk, Beth disse que foi uma campanha organizada, com muitos pedidos, e fazendo com que a editora confiasse na palavra dos fãs, mesmo que fosse um risco, “porque os fãs podiam falar que iam comprar e no fim não comprariam. Então a qualidade do mangá tinha que ser muito boa para o consumidor não desistir da compra” (informação verbal). Além dos riscos, a republicação da primeira edição de Berserk passou por um problema de distribuição, segundo Beth. Ninguém achava o mangá para comprar e achávamos que o título já estava fadado ao fracasso ao ver aqueles números pequenos, mas vimos que foi um erro de distribuição e consertamos o erro. Mas realmente o fandom se mostrou grande e acabou que mesmo com os azares, o mangá também teve muita sorte, porque vendeu bem. (informação verbal79)

2.7.3. Responsabilidade e ética Até então no trabalho especifiquei diversos pontos positivos na relação entre consumidor e empresas, entre grupos de fãs e de como a cultura popular mobilizou fandons pelo mundo. Mas é necessário salientar que muito dos exemplos são casos específicos e não unanimidades, ou seja, há sim preocupações importantes em relação ao que é falado nas comunidades de fãs, e até que ponto a cultura participativa é positiva. Assim como Jenkins opina, seria utópico demais acreditar que todas as reflexões e mobilizações dos fãs só trazem coisas boas, até porque diariamente somos deparados por declarações preconceituosas, machistas, racistas e ofensivas nas redes sociais e comentários de notícias. No mundo nerd isso não é diferente. O caso mais recente foi o de boicote ao filme de Star Wars VII – O Despertar da Força, de “fãs” racistas que não veriam o filme por haver um personagem negro e uma mulher como principais80. É preciso ter um senso crítico no que se refere à cultura e mídia alternativas, assim como não superestimar a transformação tecnológica, pois ainda há caminhos a serem construídos e atitudes a serem melhoradas. Como Jenkins acredita, não adianta tapar os olhos para os problemas dos quais esse universo da cultura da 78

Ibidem, 2015. Ibidem, 2015 80 Saiba mais em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/10/fas-racistas-tentam-boicotar-novo-star-warspor-causa-de-protagonista-negro.html Acesso em Outubro, 2015. 79

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convergência passa, como a falta de ética dos usuários, a disseminação do ódio e sociedades que ainda sequer podem participar desse mundo tecnológico. [...] existe a tendência de interpretar todas as mídias alternativas como resistentes às instituições dominantes, em vez de reconhecer que os cidadãos, às vezes, utilizam meios “de baixo para cima81” para humilhar os outros. Muitas vezes, caímos na armadilha de ver a democracia como um desfecho “inevitável” da transformação tecnológica, em vez de algo pelo qual temos de lutar para alcançar, com todas as ferramentas disponíveis. Muitas vezes, procuramos refutar as críticas à cultura alternativa, em vez de tentar identificar e resolver conflitos e contradições que talvez a impeçam de alcançar seu potencial pleno. Muitas vezes, celebramos essas vozes alternativas que estão surgindo no mercado de ideias, sem considerar quais vozes permanecem presas do lado de fora. (JENKINS, 2006, p.369)

Apesar dos benefícios da cultura da convergência no foco da disseminação da cultura popular, não é ela que será a panaceia de todas as situações complexas da sociedade. A cultura pop permitiu esse modo “novo” de comportamento, mas também porque traz menos riscos, não está em jogo uma decisão política do país ou de um problema crônico social. No entanto, pode ser um começo para superar diferenças e preconceitos. (JENKINS, 2006) Talvez nossa disposição de sair dos enclaves ideológicos aumente quando estamos discutindo sobre o que o Harry Potter vai ser quando crescer ou que mundo irá surgir quando os homens e máquinas aprenderem a trabalhar juntos, em Matrix. Ou seja, talvez possamos superar nossas diferenças se encontrarmos atributos comuns por meio da fantasia. No fim, esta é mais uma razão por que a cultura popular tem importância política – de modo algum ela parece tratar política. (JENKINS, 2006, p. 321)

No caso da cultura pop japonesa, é interessante citar como exemplo o trabalho da maior revista semanal de mangá no Japão, a Shonen Jump. Na sua fundação, a editora criou três vertentes fundamentais para seus mangás: amizade, esforço e vitória82. São características básicas de todo mangá da Jump. As responsabilidades e o bom senso que Jenkins, Green e Ford citam são na prática, como se o fã, além de não absorver esses conceitos fundamentais, compartilha de maneira

totalmente

deturpada,

informações

e/ou

opiniões preconceituosas,

contraditórias, não confiáveis, para se sentir superior em uma discussão. 81

É o termo que o Jenkins diz que é o movimento de a mídia se iniciar de forma alternativa e podendo ou não chegar à tradicional, se tornando conhecida mais amplamente. 82 Saiba mais em: http://www.genkidama.com.br/xil/shonen-jump-curiosidades-level-master-parte-1/ Acesso em outubro, 2015.

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Outra plataforma em crescimento é o YouTube, que trouxe também contradições no que Jenkins considera como “vida cívica”. Basicamente é uma plataforma com um potencial enorme, porém ao mesmo tempo surgiu a falta do bom senso dos comentários dos usuários, que “é mais associado à mutilação da sintaxe, à pobreza da ortografia, a informações erradas e à lógica fragmentada do que a qualquer grau de consciência política ou discurso cidadão”. (JENKINS, 2006, p. 366) Em relação ao compartilhamento de conteúdos na internet e de conteúdos criados por fãs, é necessário também haver a responsabilidade pela disseminação das informações, e a consciência de pensar duas vezes antes de repassar o material sem que haja um mínimo de avaliação. Jenkins, Green e Ford não defendem que o aumento dos compartilhamentos entre fãs conduza a uma sociedade mais informada, responsável e ética. [...] ao ver o modo como a propagabilidade dá ao público um papel muito mais ativo na formatação do ambiente de mídia, mas essa faz aumentar a participação da ética em nossas decisões coletivas sobre o que a mídia deve circular e como todos nós asseguramos a integridade das informações que compartilhamos com os outros. [...] à medida que as pessoas assumem um papel ativo na formação da criação e da circulação dos textos de mídia, o público tem acesso, para melhor ou para pior, a uma gama maior de opiniões. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p.279)

2.8.

O jornalismo cultural na realidade da cultura da convergência

Antes de mais nada, é importante lembrar que, como exposto no começo do trabalho, definir cultura não é simples, e por isso mesmo que rotular a prática do jornalismo cultural fará com que caia na superficialidade. As opções de assuntos nos cadernos de cultura são inúmeras, como Ballerini pontua: [...] Hoje, eles [os cadernos] englobam quadrinhos, fotografia, design, moda, vídeo games, gastronomia e internet. Isso porque ler um jornal, revista e navegar na web significam ter um comportamento não linear, que oscila entre a informação e o lazer. (BALLERINI, 2015, p. 54)

No entanto, Ballerini não esquece dos mais importantes e tradicionais assuntos no jornalismo cultural: Tais novidades no jornalismo cultural reforçam esse caráter duplo entre informação e entretenimento que ganhou força na editoria nos últimos anos. [...] No entanto, as artes consagradas (pintura, teatro, literatura e cinema) ainda são referência, pois as “regras” que regem

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a análise crítica de seus produtos estão mais estabelecidas, ao contrário dos produtos culturais novos. (BALLERINI, 2015, p. 54)

E aqui se encontra a primeira questão. Falar de quadrinhos é considerado jornalismo cultural, no entanto não é consagrado no mercado, não é um material tradicional para receber uma crítica (ou pauta) nos jornais, revistas e nos principais portais na Internet (portais dos grandes meios de comunicação). Se o produto em si ainda está caminhando por mais espaço, é de se imaginar que englobar as comunidades de fãs na realidade do jornalismo cultural brasileiro está mais distante ainda. Mas não é motivo para visualizar um cenário negativo. Em Cultura da Conexão, Jenkins, Green e Ford dão alguns exemplos de como o jornalismo está e de como se aproveitou das redes sociais para criar pautas, exemplos estes que podem dar um caminho. No entanto, Franthiesco Ballerini explica que com a chegada da internet, as redações mudaram seus hábitos, fazendo com que os jornalistas passassem muito mais tempo nas redações atualizando sites e notícias de cultura. Mesmo assim, há um ponto positivo: a rede também se tornou uma ferramenta para mais vozes e opiniões que não são encontradas nos meios tradicionais, o que pode trazer – ou não – mais leque para reflexão e análise. Mas como Ballerini também se atenta, “os blogues e páginas da internet oferecem, às vezes, opiniões, ou seja, não se trata de jornalismo ancorado em reportagem profissional, confiável” (BALLERINI, 2015, p.62) Além disso, a possibilidade de internet em adicionar no texto trechos de vídeos, áudios, clipes, filmes, imagens, entrevistas gravadas etc, também trouxe uma grande vantagem em relação a outras mídias, a única questão é que a abordagem desses textos é feita por especialistas e por leigos, ou seja, todos possuem poder de voz. (BALLERINI, 2015) As novas plataformas, portanto, são motivo de grande entusiasmo para o jornalismo cultural. Ainda que estejamos vivendo uma fase de proliferação de conteúdo ruim e poucas ilhas qualitativas, aos poucos o processo sofrerá acomodação e sobreviverão portais e veículos em que os leitores sabem que podem confiar. Nesse meio-tempo, é preciso descobrir formas eficazes de tornar o negócio digital realmente rentável. Afinal, o lado negativo de toda essa tecnologia é a facilidade imensa de reprodução de conteúdo sem precisar pagar por ele. (BALLERINI, 2015, p. 178)

Na problemática dos jornalistas estarem mais em redações do que em décadas passadas, é importante citar o Projeto São Paulo de Perfil da Universidade

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de São Paulo, criada pela doutora Cremilda Medina ainda na década de 1980, dois anos depois do fim da Ditadura Militar. Por mais que seja um projeto que sequer levava em consideração o boom da internet, ele retrata bem uma possibilidade para que o jornalismo cultural veja essa realidade das comunidades de fãs de mangás como um meio de criação de pautas e narrativas, além de também dar atenção aos próprios leitores do veículo, envolvê-los, principalmente com temas do cotidiano e/ou pouco abordados. Os exemplos do Projeto São Paulo de Perfil são simples, de falar uma história de um bairro de São Paulo, de criar vínculo com o coletivo, com pessoas, enfim, ser um mediador social. O projeto, como Medina explica: Os alunos de terceiro ano do curso de jornalismo [da USP] se envolviam com a re-humanização das pautas, a reportagem de aprofundamento, a busca de identidade cultural, a compreensão do cotidiano, dos tempos e espaços da atualidade brasileira, paulistana e paulista. (MEDINA, 2003, p.37)

Envolver aprofundamento e busca por histórias é a maneira que Cremilda conclui como uma “oposição” ao jornalismo mecânico, fixado nas redações, impossibilitando experimentações, e cheio de fórmulas, como o modelo do “quem, o quê, quando, onde, como e por quê” e o lead. “De acordo com parâmetros éticos universais, esta gramática jornalística não dá conta das demandas coletivas”. (MEDINA, 2003, p.36) De acordo com uma das estudantes que participou do projeto ainda em 1994, Priscila Teixeira, “o projeto possibilita o diálogo entre escritor e leitor”, o que se transforma em “um diálogo enriquecedor para ambas as partes”. (TEIXEIRA, 1994, APUD MEDINA ET AL, p.34). E nessa discussão, recai também na opinião do jornalista Alcino Leite83, que explica quais desafios para o jornalismo cultural: O grande desafio do jornalismo cultural nos próximos anos, em minha opinião, é descobrir um modo de ampliar a participação dos próprios leitores na cobertura cultural, sem que isso implique na perda de qualidade, tanto do ponto de vista jornalístico quanto do crítico. [...] O caderno que souber transformar a colaboração do leitor interessado em algo relevante e forte, não apenas na internet, mas também no suporte jornal, definirá o caminho do jornalismo cultural do futuro. (LEITE, 2015, APUD BALLERINI ET AL, 2015, p.74)

Cremilda também acredita que um jornalista mais interessado em aprofundar “relações” com os leitores e grupos, pode formar um profissional “mais criativo, 83

Foi Jornalista Editor da Folha de São Paulo por 12 anos nos cadernos “Ilustrada” e “Mais”. https://br.linkedin.com/in/alcino-leite-neto-0bb74034 Acesso em novembro, 2015.

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competente e solidário”, além de criar nesse processo um padrão externo, ou seja, de resposta do leitor ativo que, ou participou da realização do texto, ou está indiretamente sendo retratado, sentindo empatia pelo caso, por estar próximo da realidade cotidiana. É o mesmo que fãs de cultura pop japonesa assistirem ou lerem a uma boa matéria jornalística retratando o grupo e seus costumes, sem préconceitos e superficialidade. Mas para isso é necessário um “agente cultural”, um profissional interessado em falar dessas relações, campanhas e grupos. E bem como Ballerini pontua, “o jornalismo cultural oferece aprofundamento, reflexão e não meramente informativo, à base do lead e do release” (BALLERINI, 2015, p.56) [...] a cada experiência são constatados obstáculos partilhados por todos: a racionalidade analítica é pobremente informada e daí, em lugar de argumentos elaborados, complexos, ocorrem conceitos dogmáticos, afloram preconceitos ideológicos; o fechamento numa razão reducionista impede a emoção solidária que capta os movimentos do outro, da mesma maneira que a atrofia dos sentidos de relação não favorece a razão complexa; como criar uma narrativa ao mesmo tempo sedutora e inusitada, se a forma está aprisionada a regras de uma razão instrumental que, por sua vez, não legitima a emoção como força motriz do ser humano? (MEDINA, 2003, p.50)

Apenas em alguns casos excepcionais, é possível se deparar com reportagens jornalísticas sobre quadrinhos, como acontece com Turma da Mônica, que chegou a ter Mauricio de Sousa como convidado especial na edição do Metro Jornal no dia 9 de outubro de 2015, em que é possível ver os personagens do quadrinho durante diversas matérias, além de dois especiais falando sobre a carreira do Mauricio e do novo projeto da Graphic MSP, selo de quadrinhos que contam histórias de personagens da Turma da Mônica, mas desenhados e recriados por outros autores brasileiros84. Porém, por mais que seja um exemplo interessante, ainda não é o mercado de mangás especificamente – mesmo que há uma citação da Turma da Mônica Jovem, que é em estilo mangá -, e nem há uma relação direta com as comunidades de fãs, mesmo que sejam potenciais leitores, não foram envolvidas na criação da pauta. Mesmo com a potencialidade de Turma da Mônica, por exemplo, Ballerini lembra que “aqui no Brasil não se tem a convergência tecnológica como no Japão, é um perrengue para fazer um desenho animado de Turma da Mônica” (informação verbal). Não que isso influencie o sucesso absoluto dos gibis/quadrinhos de Turma 84

Saiba mais em: http://publimetro.band.com.br/pdf/20151009_MetroSaoPaulo.pdf. Acesso em novembro, 2015.

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da Mônica, mas caso houvesse décadas atrás, outras mídias que conversassem com os públicos, poderia ter uma maior “adoração” ao produto cultural. Atualmente, Turma da Mônica possui um seriado animado no Cartoon Network85, o restaurante da Turma da Mônica86 e uma loja física chamada Lojinha da Mônica87, com produtos diversos para venda, como pelúcia, copo, garrafa térmica etc. Além disso, o famoso parque temático retornou, localizado no SP Market Place88. Saindo um pouco de quadrinhos, um exemplo que ilustra bem como o jornalismo, no caso o americano e do ocidente da Europa, aproveitou o compartilhamento e propagação de grupos foi no caso das eleições iranianas de 2009, que movimentou redes como o YouTube, Facebook e Twitter. Entre 7 de junho e 26 de julho, o Web Ecology Project (2009) da Universidade Harvard registrou 2.024.166 tuítes sobre a eleição no Irã, envolvendo 480 mil pessoas. Enquanto isso, o iReport da CNN recebeu mais de 1600 relatos produzidos por cidadãos do Irã (Carrafano, 2009), principalmente fotos, mas também vídeos de ações nas ruas, gravas e transmitidas por celulares. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p.69)

Um grupo de estudiosos89 publicou um relatório no ano seguinte à eleição, no qual afirma que somente 100 pessoas participaram desse movimento no Twitter em território iraniano. Mas os cidadãos americanos e alguns europeus se sensibilizaram com a luta e ajudaram os iranianos com possíveis censuras, e também traduziram os tuítes para o inglês, obrigando os meios jornalísticos a darem atenção ao caso que envolveu quase 500 mil pessoas na rede. E desse caso é que surge uma questão importante da qual Jenkins, Green e Ford levantam: As salas de imprensa ainda estão se debatendo para tentar entender quais podem ser seus novos papéis nesse em que a exigência por informação pode ser instigada por afetos e formatada pelo que acontece com as comunidades on-line, em que os cidadãos podem cobrar o que os jornalistas devem cobrir e ainda reunir informações recorrendo a uma diversidade de fontes quando os meios jornalísticos tradicionais não fornecem as informações desejadas. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p.71)

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http://www.cartoonnetwork.com.br/show/turma-da-monica Acesso em novembro, 2015. http://turmadamonica.uol.com.br/chacara-turma-da-monica-restaurante-loja-inaugura-em-sao-paulo/ Acesso em novembro, 2015 87 http://www.lojinhadamonica.com.br/ Acesso em novembro, 2015. 88 http://parquedamonica.com.br/ Acesso em novembro, 2015. 89 ADAY, Sean; FARREL, Henry, LYNCH, Marc; SIDES, John; KELLY, John; ZUCKERMAN, Ethan. Blogs and bullets: new media in contentious politics. Washington, 2010. 86

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De fato, esse é o item mais complexo deste trabalho, de destrinchar como o jornalismo está lidando com todas essas mudanças, e possíveis possibilidades para inovar, assim como houve com as produtoras de cinema e de televisão. A ideia é se manter no jornalismo cultural, mas as mudanças claramente influenciam no jornalismo como um todo. Franthiesco Ballerini explica que o jornalismo cultural é feito “aos milhões no mundo, a cada segundo, em sites, blogues, portais e redes sociais, acentuando a formação de nichos cada vez mais específicos de audiência” (2015, p43). Dessa afirmação, é possível entender que mesmo com os perigos dessa ampliação de conteúdos jornalísticos na internet, também possibilitou que os mais diversos nichos tivessem mais voz, o que faz total sentido quando se observa o mercado de mangás. A partir dos anos 1990, o jornalismo cultural começou a criar diferenciais de cobertura jornalística, como o Estado de São Paulo que deixou de só cobrir um fato cultural para também criar um acontecimento cultural, lançando o Prêmio Multicultural Estadão, que “visava contemplar e incentivar os novos talentos de diversas áreas da cultura, dar prêmios em dinheiro e promover uma larga cobertura ao longo do ano”. (BALLERINI, 2015, p.61). Essa visão traz outra problemática, o produto cultural em si é mais evidenciado no Brasil do que os leitores e os acontecimentos que giram ao redor desse produto, o que esses produtos acarretam no meio social, por exemplo. [...] a construção de uma marca nessa área se dá de forma lenta, homeopática, até chegar a formador de opinião. A concentração e a crise econômica também fizeram que o jornalismo cultural sofresse da necessidade de se vender para um público cada vez maior, diante das inúmeras ofertas de revistas e jornais de variedades. A notícia cultural é vista cada vez mais como mercadoria dentro do jornal, mas isso levado a fundo pode ser danoso para a qualidade do jornalismo cultural. (BALLERINI, 2015, p.61)

E esse cenário é tão comum que, ao perguntar ao autor do mangá nacional Tools Challenge, Max Andrade, sobre jornalistas terem conversado com ele para entender o processo do mangá, da história e da sua relação com os fãs, ele respondeu que só foi procurado por jornalistas para falar de técnica visual, ou seja, de seu traço, de ser uma inspiração para desenhistas, e somente isso (informação verbal).

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Já sobre as campanhas, tudo ocorreu online, principalmente em relação aos shojos. Como Mayara explicou, alguns portais de cultura pop japonesa conversaram com os organizadores da campanha, fizeram podcasts a respeito da campanha e a própria Beth Kodama a citou quando anunciou Lovely Complex90. Com o Red Databook não houve nenhum contato de jornalistas, apenas foi utilizado como referência às outras duas campanhas citadas no trabalho, em que os organizadores contataram a staff da piecePROJECT informalmente, como fãs. Cassius, em depoimento (informação verbal), disse que no começo do mercado de mangás, o contato com os fãs era através de cartas físicas ou e-mails, e hoje há todas as redes sociais para conversar com o público, as pessoas têm os editores adicionados no Facebook e podem até conversar por mensagens no batepapo. As empresas aproveitaram esse cenário, mas o jornalismo cultural não conseguiu avançar nesse sentido, não há o aproveitamento desses diversos nichos para criação de conteúdos que, posteriormente, tragam também recursos financeiros. Inclusive, o jornalismo também perde a força com a integração dos “formadores de opinião” ou “influenciadores”. Isso cresceu, por exemplo, nas grandes convenções de quadrinhos nos Estados Unidos, com a indústria da ComicCon. O evento tomou grandes proporções a ponto dos organizadores decidirem recompensar seus fãs mais fervorosos, fornecendo acesso antecipado exclusivo de produtos inéditos que seriam lançados durante o evento. Esse tipo de ferramenta cresceu e deu lugar à publicidade, dependendo de participantes-chave que compartilhavam seus nomes (sua influência) no Twitter; de comunicadores que criavam suas próprias hashtags para sustentar a atenção para o que estava ocorrendo na Comic-Con. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013) Essas estratégias sugerem um reconhecimento crescente tanto de que esses fãs, como intermediários autenticamente populares, podem se tornar comunicadores eficazes por seu esforço, como de que o ato de ajudar a propagar a mídia pode aumentar o engajamento dos fãs participantes com o conteúdo, permitindo que tenham maior interesse pelo potencial sucesso deste. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p.187)

90

Anúncio de Lovely Complex: https://youtu.be/5wmOui8jzO4 Acesso em novembro, 2015.

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No caso do Brasil, exemplos semelhantes de formadores de opinião são: Portal Genkidama, Omelete, Judão, Chuva de Nanquim, Jbox e o Universo HQ. Porém, na maior parte deles há sim a presença de jornalistas formados e que também são formadores de opiniões, exceto o Portal Genkidama91, que acaba sendo o melhor exemplo de fãs que possuem informações e opiniões que engajam mais o público. Além dos inúmeros vlogs no YouTube que falam de cultura pop japonesa, como o Otanippon92. Nesse cenário na internet, Ballerini explica que o jornalista poderia tomar mais as rédeas do que é confiável ou não, justamente utilizando hiperlinks nos seus textos e se mostrando mais como um formador de opinião também, que atesta a credibilidade do produto e da informação. [...] sem a intermediação do jornalista, como confiar em tudo que se ouve, vê, lê na internet? Se não há um filtro jornalístico, como saber se tal leitor não está inventando algo sob um pseudônimo ou se tais imagens não são montagens? Ou seja, as novas plataformas parecem ter um potencial imenso de alimentação de notícias e textos opinativos, mas por enquanto não dispensam a valiosa intermediação do jornalista. (BALLERINI, 2015, p.182)

Inclusive, uma das respostas que Ballerini me concedeu em uma entrevista pessoal, foi o de como o setor de audiovisual já começou a se resolver nesse cenário em que os consumidores estão mais ativos, e o jornalismo ainda passa por dificuldades. Exemplo, a Netflix está totalmente na convergência tecnológica, você assiste na TV, no celular, no notebook, no Ipad. Eles estão começando a atrair tudo. E o que os jornais e as revistas fazem? Vou te dar um exemplo. Sou leitor tradicional da Superinteressante. E eu fui renovar a assinatura digital, e no telefone me falaram: não, você não pode fazer só a assinatura digital. Eu tive que pagar mais caro porque sou obrigado a receber a física! Isso aconteceu dois anos atrás, agora que a Editora Abril acordou e possibilitou somente a assinatura digital. Mas estamos falando da maior editora da América Latina! (BALLERINI, informação verbal)

Para Ballerini, e assim como Jenkins salientou também, passamos por uma fase de transição, e os especialistas e críticos do jornalismo cultural estão nadando num grande oceano com outros grupos, sejam empresariais e sejam consumidores, e o jornalismo ainda não demonstrou um diferencial. (BALLERINI, 2015) 91 92

http://www.genkidama.com.br/ Acesso em novembro, 2015. https://www.YouTube.com/user/Otanippon Acesso em novembro, 2015

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É por isso que a mídia tradicional ainda é forte, mas a decadência está clara e estão se afogando nesse mar. As mídias tradicionais ainda estão muito arraigadas com os esquemas tradicionais de divulgação, notícia, mas ao mesmo tempo é muito pedante falar: tubo bem, eles estão, mas qual sua solução? Ninguém sabe uma saída lucrativa pra mídia hoje. (BALLERINI, informação verbal)

Também em conversa pessoal com Cassius, ele explicou que vivemos na era da informação, mas que, ao menos na área de quadrinhos, as pessoas não querem se informar mais, não procuram mais detalhes sobre os produtos. Um dos exemplos ocorreu no dia em que o autor Nobuhiro Watsuki veio ao Brasil, no mês de julho de 2015, realizar uma palestra e promover uma sessão de autógrafos. Ele é um dos mangakás mais famosos do Japão, com a obra Rurouni Kenshin (RK) e também foi um dos que viram o início do trabalho de Eiichiro Oda, autor de One Piece. Oda foi assistente de trabalho do Watsuki na época de RK, e muitos fãs de One Piece têm conhecimento disso. Acontece que no Fest Comix houve alguns relatos de fãs de RK e One Piece que nem sabiam que o Watsuki viria ao Brasil. Na época, a JBC divulgou maciçamente a vinda dele ao Brasil, assim como a Fundação Japão. Há consumidores que se engajam para entender e saber mais sobre o mercado de mangás, outros só baixam da internet e se mantém alheios ao que ocorre no país em relação à cultura japonesa. Jakob Nielsen, especialista em usabilidade, afirma que este nível de participação e interesse por temas segue um padrão em comunidades online: para cada 100 usuários, apenas um participa ativamente; outros nove são colaboradores ocasionais; finalmente, os outros 90 terão um comportamento passivo93. Atualmente, Cassius acredita que a Jbox seja o veículo que mais está no caminho certo de um bom jornalismo, escrevendo críticas, trazendo notícias, vídeos explicativos, grandes abordagens sobre a cultura japonesa e também do que está acontecendo no Brasil. Ou seja, há pautas jornalísticas sobre mangás, mas também é uma prática extremamente recente historicamente. Mas há uma expectativa de que o universo nerd seja cada vez mais explorado no jornalismo, pois o crescimento de eventos – como a CCXP - e de criações cinematográficas - super-heróis - está tomando maiores proporções, sendo natural que no futuro a sociedade esteja mais acostumada também a trabalhos japoneses, como foi o caso do sucesso do filme A Viagem de Chihiro, que se tornou mundialmente conhecido. 93

http://www.nngroup.com/articles/participation-inequality/. Acesso em novembro, 2015

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Um problema que rodeia o jornalismo cultural é o ensino. Esse fator se torna importante por conta do jornalista cultural precisar ser desprendido de pré-conceitos e maniqueísmos, além de ser o mais democrático possível, justamente para poder abordar na sua crítica a amplitude da cultura, a diversidade de produtos, fãs, costumes etc. Ballerini explica que as faculdades em geral não se esforçam em se aprofundar em editorias especializadas. Segundo ele, o jornalismo cultural então não é sequer considerado um jornalismo nobre, embora seja bastante lido, atraia muita publicidade e traz status pros veículos. Mesmo assim, mas não é prioridade das faculdades. Eu mesmo dou um curso de jornalismo cultural. Faz muito sucesso a ponto de receber jornalistas de todas as faculdades, porque não têm essa disciplina lá. Fico pasmo de saber que a faculdade tem três módulos de técnica de reportagem, mas não foca em nenhum jornalismo específico. Não é impossível modificar as grades para que as faculdades se foquem mais, mas há a burocracia do MEC e a boa vontade das coordenações dos cursos. (BALLERINI, informação verbal)

Cremilda Medina também acredita no potencial do jornalista de ser mediador das vozes das minorias e de ser capaz de falar dos grupos que passam longe dos holofotes da mídia tradicional. Mas não é um tipo de jornalismo especializado, Cremilda fala da capacidade de fazer jornalismo encontrando o tom correto entre demanda social e a procura do jornalista para criar um texto mais humanizado, fazendo um esforço como o de realizar uma pesquisa científica. Dito assim parece simples, mas não é. Tecer os sentidos contemporâneos num amplo contexto democrático, reconstituir as histórias de vida num cenário de diferenças culturais que se assinam nas múltiplas oraturas, [...] despertam uma sensibilidade altamente complexa e de fina sintonia com o presente. A extensão destes aprendizados torna-se fundamental, não uma extensão arrogante como se a verdade da narrativa da contemporaneidade tivesse sido descoberta, mas uma troca imediata de experiências que enriqueça permanentemente a dialogia entre a pesquisa [e conhecimento do jornalista] e a comunidade. (MEDINA, 2003, p.54)

2.8.1. Audiência como público? Audiência é um assunto que renderia mais um trabalho de conclusão de curso, portanto, a ideia aqui não é explicar o que é audiência e todo o seu histórico na TV, além de todos seus problemas. No entanto, é importante citar que os moldes de determinar a audiência hoje não levam em consideração muitos grupos

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consumidores, o que também pode influenciar em como o jornalismo se molda, trazendo mais dificuldade para que pautas sejam aceitas e comunidades de fãs de mangás sejam ouvidas. Também é preciso lembrar que hoje em dia audiência não é público, no entanto no livro Cultura da Conexão, se discute a teoria de como seria positivo para a televisão utilizar público como audiência. Quanto ao público, é necessário situar quadrinhos japoneses como um nicho de mercado, uma fatia específica da qual há um padrão de consumidores. Aqui no Brasil, a faixa etária consumidora padrão gira em torno dos 16 a 24 anos94, sendo a maioria masculina. Mas um fã de cultura pop, seja de qual país vier essa cultura, é um potencial público consumidor. Por exemplo, um fã de quadrinhos americanos pode se interessar por mangás, assim como pessoas que assistiram aos filmes de super-heróis da Marvel/Disney, da Warner e da Fox. O ambiente de crescimento da cultura nerd permitiu uma maior flexibilidade de mercado. O fandom de mangás e animês surgiu com mais força depois da internet, e mais ainda com as redes sociais. Além dos trabalhos de fansubbing e scanlation feitos por fãs. Nesse cenário, é natural que os consumidores têm acesso maior a tecnologias atuais, interagindo com tecnologias digitais de última geração, participando de novas redes de comunicação etc. No entanto, a audiência da mídia tradicional, e também o formato publicitário das revistas e jornais no Brasil não abrange esses públicos, como explica Ballerini no caso dos jornais e revistas. A parte anunciante ainda está refém da mídia tradicional, por exemplo, a tiragem que conta para análise publicitária nos jornais e revistas ainda é a tiragem física e não a digital. Enquanto o cinema, o setor fonográfico e os games estão se virando nessa nova lógica atual de comunicação, a imprensa não está, a indústria editorial não está resolvendo isso, o que é um problema. (BALLERINI, informação verbal)

No caso da TV, para Daniel Dayan a audiência é feita por atos de medição e vigilância, e esse método não deixa pistas para que haja formas de se adaptar às novas formas de relacionamento da indústria com o público. Ou seja, a audiência já não é mais suficiente para os canais de TV, pois hoje em dia há também a TV via streaming, além de novos engajamentos dos fãs, que é público em potencial para 94

As informações foram retiradas do Portal Genkidama. Mesmo os números representando o público do site, ainda assim é um exemplo de que a maioria dos leitores são homens. Disponível em: http://www.slideshare.net/graveheart/midia-kit-genkidama Acesso em novembro, 2015.

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compra de produtos que anunciam na mídia. Sendo assim, a ideia de Daniel é fazer o público formar a audiência, não mais considerar a audiência apenas pela medição do aparelho eletrônico (TV) estar transmitindo o canal x na hora do programa y. Para aprofundar um pouco mais esse tema, Sonia Livingstone declara que o “público é tido como coletividade, mais do que a soma de suas partes, enquanto a audiência, em contrapartida, é mera agregação de indivíduos” (2005, p.25). Daniel complementa: “um público não é simplesmente um espectador no plural, um somatório de espectadores, um montante. Trata-se de uma entidade coesa cuja natureza

é

coletiva,

um

agrupamento

caracterizado

pela

sociabilidade

compartilhada, por uma identidade compartilhada e por algum senso dessa identidade”. (2005, p.46) Nesse pensamento, é possível reconhecer que os fandons de diversos seriados, filmes, quadrinhos, animações podem ser, e devem ser considerados audiência, mas ainda hoje em dia a estrutura de audiência divide os espectadores que assistem via radiodifusão e os que estão vendo por streaming. Como Craig Eagler explica: As classificações de TV medem especificamente a audiência que assiste a programas na TV, enquanto um tipo diferente de sistema de classificações (na verdade, vários tipos de sistemas) mede as audiências que assistem on-line. Embora elas compartilhem bastante do mesmo conteúdo e estejam completamente ligadas, o streaming on-line e a TV são fundamentalmente negócios separados que normalmente são distribuídos, financiados e monetizados de diferentes maneiras. (EAGLER, 2010)

Esse sistema de audiência traz confusão, pois nem sempre é possível medir a quantidade de fato de espectadores que estão assistindo ao programa. Um dos exemplos que Jenkins, Green e Ford usam é o do seriado Jericho, da CBS, do qual foi cancelado na primeira temporada por baixa audiência, mas que sofreu um revés após fãs se organizarem online e conseguirem pressionar o canal. O seriado foi renovado, mas os fãs sofreram uma advertência: para o seriado continuar no ar, o fandom precisava assistir os episódios ao vivo. A CBS não tinha reparado que esse seriado de classificação relativamente baixa tinha uma audiência significativa que assistia em sua plataforma de streaming oficial e seus DVRs em casa. Para ser computados de maneira adequada, os espectadores precisam

90

“aparecer” nas classificações medidas, assistindo a televisão ao vivo. (JENKINS, GREEN E FORD, 2013, p.159)

Ou seja, atualmente é difícil estipular potenciais consumidores apenas utilizando a audiência como parâmetro, mas ainda no Brasil, os números de audiência são de extrema importância, fazendo com que as emissoras tenham fragilidades nas decisões de mudanças, sejam com programas de entretenimento, seja com o próprio jornalismo. Acabam continuando o que já está dando retorno há décadas, e diminuindo as chances das novas vozes da atualidade se mostrarem, como o fandom de cultura pop japonesa.

91

3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE RESULTADOS Apontar as dificuldades e problemas do jornalismo, das empresas e até mesmo de fãs, assim como bons exemplos de como esses lados se resolveram é interessante para estabelecer uma base contextual e criar possibilidades para analisar de forma aprofundada algum dos itens propostos no trabalho, como analisar ações das editoras para lidar com seus consumidores, ou então o relacionamento entre fãs de cultura pop para discutir assuntos pertinentes a eles. O presente trabalho permite que algumas lacunas sejam preenchidas com algum embasamento, bem como alguns apontamentos que podem esclarecer pontos do trabalho. No entanto, é inegável reconhecer que outros questionamentos também surgiram. A mídia tradicional não aborda com tanta propriedade a cultura pop, seja a americana, seja a japonesa, seja a nossa própria. Porém, não significa que ela não é abordada de outras formas e que o fandom não se mantém engajado e informado. Os fãs que não participam ativamente, ou seja, os observadores, também fazem parte desse engajamento. No entanto, justamente por estarem mais “invisíveis”, é difícil dizer se os fãs estão bem servidos de informação e que basta o que existe hoje. Mesmo assim, há sites jornalísticos que noticiam, que opinam e escrevem críticas de cultura pop. E são conhecidos. Ballerini citou o Omelete que, juntamente com Judão e Jovem Nerd, são canais mais conhecidos e bem sucedidos no Brasil. No entanto, Ballerini explicou que para o Omelete ter mais força, crescer mais e conseguir criar um negócio rentável, tiveram que se “hollywoodiar” demais, ou seja, falar a respeito do que é mainstream, dar atenção mais ao que faz sucesso para então ter mais respeito e “grandeza” para falar de outros temas. Atualmente, deram mais abertura, por exemplo, ao feminismo no cinema e nos quadrinhos95, o que já significa algo, e é um passo para maiores desenvolvimentos.

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Para saber mais, veja os vídeos que abordam feminismo no Omeleteve: https://www.youtube.com/user/omeleteve/search?query=feminismo%3B+mulheres%3B+marvel%3B+dc. Acesso em novembro, 2015.

92

Figura 81: Página Principal do Omelete 96 Fonte: Omelete

O Omelete é só um exemplo entre tantos outros sites de cultura pop, mas igualmente, a maior parte se foca no que é mainstream. Para ler sobre quadrinhos mais alternativos ou que não estão em tanta evidência é necessário fazer uma busca mais elaborada, com mais cuidado para achar um site confiável, um bom texto etc. É até possível achar informações nos principais sites, mas não com frequência como acontece com os filmes, seriados e quadrinhos icônicos. Mesmo sendo uma ferramenta de crowdfunding, o Catarse acaba se revelando uma boa ferramenta para descobrir novos materiais alternativos e ainda ter um contato direto com o autor da obra, mas nesse caso não há o filtro jornalístico.

96

http://omelete.uol.com.br/ Acesso em novembro, 2015.

93

Figura 12: Página Inicial do Catarse 97 Fonte: Catarse.me

Observando o ambiente virtual da cultura pop japonesa, Cassius comentou sobre a JBox, que procura por pautas mais aprofundadas e não apenas noticiam lançamentos de produtos e anúncio de filmes e animês. Recentemente o site foi reformulado visualmente falando e criaram uma interface mais convidativa, facilitando também o acesso aos colunistas e ao canal do YouTube.

Figura 93: Página Inicial do JBox 98 Fonte: JBox

97

https://www.catarse.me/ Acesso em novembro, 2015.

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As críticas e resenhas são escritas por profissionais da comunicação, o que também credita mais confiabilidade nas informações e opiniões, apesar do caso que aconteceu com o mangá do Steve Jobs99 em que a JBox anunciou que a JBC iria lançar e a editora desmentiu. Mesmo assim, o site possui colunistas e um viés um pouco mais jornalístico do que amador, que seria mais o que os fãs fazem, opinando e adicionando mais paixão e emoção no texto.

Figura 104: Layout JBox 100 Fonte: JBox

Sobre as comunidades de fãs, também há dezenas de fóruns e grupos de discussão, e aqui é interessante falar do fórum Arlong Park, que é americano e considerado o maior das Américas no que se refere à One Piece. Fãs de todo lugar do mundo discutem sobre os capítulos semanais da história, da animação, fazem teorias, assim como debatem assuntos diversos sobre a obra. Só um local deste tipo pode abrir uma análise profunda de como funciona, seus participantes, os assuntos abordados etc.

98

www.jbox.com.br Acesso em novembro, 2015. http://www.jbox.com.br/2014/02/19/jbc-publicara-manga-sobre-steve-jobs/ http://www.genkidama.com.br/gyabbo/2014/02/19/editora-jbc-nao-publicara-manga-sobre-vida-steve-jobs/ Acesso em novembro, 2015. 100 Ibidem, 2015 99

e

95

Figura 115: Fórum da Arlong Park 101 Fonte: APForums

Os avanços ainda são inúmeros, tanto no crescimento dos sites para abranger cada vez mais outros grupos que ainda não são ouvidos, e obras que passam despercebidas, quanto na evolução das comunidades de fãs, que podem se engajar mais, e tornar a cultura mais conhecida para toda sociedade, seja pro bem ou não, pois como salientado no trabalho, o comportamento dos fãs virtualmente pode ter seus benefícios e malefícios, tudo depende de como a própria comunidade se porta. O que fica também como questão para análises futuras é do fato dessa realidade estar surgindo na internet, com propriedade, com pessoas conseguindo criar seus negócios, redes de comunicação que trazem retornos financeiros, como o Omelete, Jovem Nerd, Judão etc. No entanto, esse ambiente rico de sites, comunidades, editoras e assuntos da cultura pop podem também aparecer com mais frequência nas mídias tradicionais, ou então ser mais explorado no jornalismo cultural dos grandes portais? A cultura pop não está excluída da realidade, cada vez mais os filmes do Universo Marvel e do Universo DC se tornam conhecidos, mais os games mostram seus potenciais, cada vez mais histórias de livros são adaptados para o cenário cinematográfico, animês estão sendo mais explorados até pela Netflix, assim como mangás representam 50% do mercado de quadrinhos no Brasil.

101

http://forums.arlongpark.net/ Acesso em novembro, 2015.

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O jornalismo em si tem a capacidade de olhar mais a fundo, de aprofundar assuntos, dificuldades, contar histórias de personagens reais etc. O jornalismo possui a capacidade de conscientização, de trazer crítica para a sociedade, e também reflexão. E nisso, é possível mostrar com mais propriedade esse universo a toda sociedade.

97

5. MÉTODOS E TÉCNICAS 5.1.

Pesquisa

Como já especificado na introdução do trabalho, foram usados os livros Cultura da Convegência, de Henry Jenkins, e Cultura da Conexão, também de Jenkins, mas com participação do Green Joshua e Sam Ford. Além deles, os especialistas em cultura japonesa: Etiénne Barral, Paul Gravett e Cristiane Sato. Livros mais secundários para serem usados de apoio: “O Homem do Trem” e "Almanaque Shoujo Mangá - O poder da sedução feminina". No jornalismo, Franthiesco Ballerini e Cremilda Medina foram os principais especialistas. Primeiramente, a ideia inicial era simplesmente falar de mangá. Não havia uma base teórica fundamentada, estava apenas lendo outros trabalhos de conclusão de curso que abordavam assuntos sobre cultura japonesa, mas nada que conseguisse absorver com o jornalismo. Após conversar com meu orientador, ele me recomendou o livro Cultura da Convergência para abrir um pouco as ideias, como de fato aconteceu. Com a indicação da leitura da teoria, em seguida vi que Cultura da Conexão também me ajudaria na construção do raciocínio teórico. Inclusive, para saber se os livros serviriam de base teórica, li o primeiro capítulo de ambos ainda na livraria, e depois disso os comprei. Encontrar livros sobre jornalismo foi o mais complicado, achei primeiramente o livro do Ballerini, pois praticamente tinha acabado de ser lançado, e ele foi o único que encontrei em grandes livrarias que me serviu de base para esse trabalho. Eu achava pouco, li um pouco do livro Jornalismo Cultural do Daniel Piza e Cibercultura do Pierre Levy, mas o que realmente ajudou foi a leitura do livro do Ballerini, além de poder realizar uma entrevista pessoal. Mas o livro “Jornalismo Cultural no Século 21” fala bastante dos problemas atuais do jornalismo e não tantas alternativas para fazer jornalismo. Procurando por novas leituras, me indicaram ler Cremilda Medina, pois poderia me ajudar a dar mais visões de como fazer jornalismo. No caso, Medina fala muito de textos mais humanizados e com a liberdade de expor histórias diversas de grupos ou minoritários ou que de fato não são ouvidos pela mídia tradicional. Também me aventurei na leitura de Pierre Levy, lendo Inteligência Coletiva e O Que é o Virtual, o que ajudou a perceber como foi o início das teorias sobre a

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internet e a relação de empresas e pessoas no sistema de rede. Assim como fazer algumas leituras de Manuel Castells também para ajudar de base teórica anterior ao Jenkins, Green e Ford. Antes mesmo de fazer esse trabalho, eu já tinha o interesse de falar de mangás e já havia procurado vários livros que falavam a respeito. Ainda tenho uma lista separada no Skoob para comprar alguns livros no futuro para acrescentar ainda mais escopo, como os livros: Cultura Pop Japonesa – Mangá e Animê e Mangá e O Poder dos Quadrinhos Japoneses, ambos da Sonia Luyten. Mas acabei por escolher os livros da Cristiane Sato e do Etiénne Barral. O livro do francês foi o mais complicado, pois havia somente uma edição em uma sebo na cidade de São Paulo, e não há livrarias vendendo mais o livro. E logo ele que parecia ser o mais interessante para entender o japonês dentro de um ambiente virtual. Apesar de datado, o livro auxiliou bastante no entendimento do início da cultura otaku e deu um panorama bem mais amplo do que é ser otaku. Ao ler, principalmente, Cultura da Convergência, tive a percepção que já havia um livro que corroborava com a teoria proposta, no caso, O Homem Do Trem (Densha Otoko). Admito dizer que fiquei encantada de perceber que o trabalho fazia sentido em ser escrito, pois existia base teórica para tal de todos os lados, tanto para a cultura pop, para o jornalismo e para os fãs, assim como eu. Fora isso, foi necessário fazer entrevistas para entender de forma aprofundada o funcionamento do mercado de mangás no Brasil, pelo menos no que tangia relacionamento entre empresas e fãs, e se jornalistas já haviam entrado em contato com as campanhas para entender os acontecimentos acerca da movimentação desses grupos. Com isso, entrevistei os editores das principais editoras de mangá do Brasil, e também pessoas que fazem parte das comunidades de fãs de mangá. Uma delas foi com os membros da OPEX, entrevista da qual ficamos conversando via Skype por cerca de cinco horas. Essa entrevista também foi interessante, pois chamei dois membros da Um Pedaço e mais uma pessoa que acompanhava o trabalho dos dois sites. Virou um debate e muita conversa de fã que trabalha para fãs e dos nossos sentimentos perante a história. Não transcrevi tudo que conversamos, pois há bastante discussão sobre a história de One Piece e diferentes visões sobre fãs, porém nos anexos há uma parte escrita da entrevista.

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Outro grupo escolhido foi o Campanha Shoujos no Brasil, em que entrevistei uma das organizadoras da campanha, Mayara Carneiro. Também foi uma conversa por Skype, no entanto, as informações necessárias para o trabalho estão presentes no próprio grupo da campanha e na página do Facebook. A Beth também explicou a importância da campanha, então não vi a necessidade de transcrever mais de uma hora de entrevista. Até por também ter participado da campanha e visto de perto tudo acontecendo nas redes sociais. Para fazer a entrevista com o Max Andrade, tive que viajar para Uberlândia (MG), não só para falar com ele, mas para fazer uma apresentação no IntercomExpocom. Também foi uma conversa muito sobre assuntos nerds e no fim foram mais de três horas de gravação. As entrevistas mais difíceis foram com os editores da JBC, pois me encontrei com eles em eventos que ocorrem no mês de julho, e tive que conversar no meio da galera, na fila da palestra que eles iam dar. Acabei conversando com os dois no mesmo dia, mas não deu para finalizar as perguntas com o Cassius, portanto, num segundo encontro, cheguei a entrar no “camarim” do stand da JBC no Fest Comix para poder falar com ele com mais calma. Até recebi uma “bronca” do editor-chefe da JBC, vulgo chefe do Cassius, (as pessoas o conhecem pelo nome de Ed) de que eu poderia visitar a redação da JBC ao invés de correr tanto com a entrevista e acabar atrasando o trabalho deles (no mesmo dia, eles tinham que ir para outro evento). Acabou que na terceira vez realmente fui para a redação da JBC para entrevistar o Cassius para o documentário. Com a Beth foi um tanto peculiar, porque também pude visitar a redação da Panini, mas fui durante a noite, e o bairro que fica localizado a redação é de classe alta. Portanto, as ruas estavam desertas, pois não existem pedestres, apenas guaritas com seguranças e motoristas entrando em suas mansões. Admito que fiquei com medo de andar por lá, a sorte foi que consegui uma carona da própria Beth para voltar para casa. 5.2.

Documentário

É necessário deixar explicado que houve uma intenção diferenciada no modo de realizar esse documentário. Basicamente, foi utilizado uma câmera handcam,

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lapela e tripé para fazer todas as entrevistas, e fiz sozinha todas as filmagens, além de pegar todos os equipamentos emprestados da FRB. Não houve custos com produtora profissional e nem para editação do documentário. Eu, juntamente com alguns membros da Um Pedaço, fizemos todo o trabalho. E o motivo disso é simples: vamos reproduzir a ideia da proposta deste trabalho, que é fãs criando conteúdos e engajando mais consumidores, sem obter lucros, apenas tentando propagar aquilo que gostam. Não parecia fazer sentido colocar tudo nas mãos de produtoras com equipamentos muito melhores e mais especializados sendo que o trabalho fala de lutas de fãs para conseguirem melhorias para o mercado, que fala da aproximação de fãs, criando um fandom de respeito, e enfim, o trabalho foca em maneiras alternativas de criação de mídia, portanto, parecia claro que nós da equipe que tínhamos de fazer todo o trabalho. Sendo assim, apesar dos problemas de iluminação que tivemos, com qualidade de som, e até de imagem, a ideia foi de realizar as filmagens como fãs, mas também usando os conhecimentos que aprendemos em nossas profissões. No caso, o trabalho duro ficou comigo por ser a autora do TCC, mas os membros da Um Pedaço ajudaram na realização das partes do trabalho. A primeira entrevista feita foi com o membro da OPEX, Rodrigo Francisco (Ansem), e justamente por ser a primeira, foi a que tive mais dificuldade de conduzir. Ainda não tinha fechado as outras entrevistas e não sabia o que haveria de conteúdo de fato para conduzir o documentário. E por conta disso, aproveitar ao máximo todos os detalhes da história do Ansem fazia muito sentido. Só que também foi um problema para o futuro, quando já tinha todas as entrevistas em mãos. As falas dele foram as que mais destoaram do restante. Ele foi o único que também não teve a criação de um cenário, pois a entrevista ocorreu na própria faculdade. Todas as outras entrevistas foram feitas no mês de setembro. A segunda entrevista foi com o Dios, tradutor de One Piece, e para isso aconteceu uma viagem para a cidade do Rio de Janeiro, onde ele reside. Tirei férias do trabalho para poder viajar e fui hospedada por amigos que também são membros da Um Pedaço. O mais interessante dessa história é que nos dias que estive no Rio de Janeiro, choveu e fez frio. Foram os primeiros dias de frio no ano na cidade e somente quando voltei para São Paulo, a temperatura da cidade do Rio de Janeiro subiu e

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bateu mais de 36ºC. Agradeci, pois odeio o calor. Enfim, fazer a entrevista com o Dios foi enriquecedor demais, ele conseguiu linkar a Beth Kodama, Drik Sada e o próprio Cassius enquanto falava para a câmera. E também aproveitei um pouco a estadia e conheci o Rio de Janeiro, mesmo chovendo. A terceira entrevista foi com o Cassius Medauar. Foi a mais rápida de fazer, e foi na redação da JBC. Ele também falou super bem e a única coisa que estragou foi a handcam parar de funcionar no meio da entrevista. Tivemos que esperar um pouco para ela voltar, mas deu certo. A entrevista foi feita com ele numa quinta-feira e também estava calor pra caramba em São Paulo. E eu e a Clarissa (a colaborada técnica de todas as entrevistas que fiz fora da faculdade) saímos bem no sol do meio dia, o que não foi nada agradável. A quarta entrevista foi com a Beth, no sábado, um dia depois do meu aniversário de 23 anos. Foram apenas duas horas descanso, pois houve a comemoração de aniversário na noite anterior. Apesar do cansaço, não faltou disposição para conversar com a Beth. O legal é que nessa entrevista pude visitar a casa da Beth, e ver a coleção gigante que ela tem de mangás e art books. O acontecimento dessa vez foi de aparecer a gata dela (se chama Robin, que na verdade é uma personagem de One Piece e, inclusive, a minha favorita da vida inteira) no meio da gravação. Foi bem engraçado e até deu vontade de deixar como erro de gravação no fim do documentário, ficou na vontade apenas. No mesmo dia da gravação dela, tinha dois amigos que tinham vindo para o meu aniversário e que precisavam voltar para suas cidades. Então, durante a noite de sábado, tentei me dedicar aos viajantes, mas não por tanto tempo. No domingo, a próxima parada foi Itu, para fazer a última entrevista. No domingo, dia 27, foram cerca de 5 horas dormidas, não foi possível repor o sono da noite anterior, pois houve a despedida do último viajante que veio para o aniversário. Após isso, meus pais deram carona para a realização da entrevista com o William Halter Batista. No dia, a Clarissa também nos acompanhou. Nos perdemos um pouco no caminho, mas logo vimos que o caminho estava correto. William é administrador e moderador dos grupos da piecePROJECT, já fez reviews dos games de One Piece no site também e já somos velhos conhecidos, pois também fiz parte da equipe da piecePROJECT por anos. E ele foi a primeira pessoa escolhida para

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entrevistar quando surgiu a ideia de fazer um documentário sobre One Piece. Ele é um dos participantes mais ativos em comunidades de fãs e viveu os dois momentos de One Piece no Brasil, então seria uma entrevista rica. Na entrevista, ele mesmo sendo fã, também conseguiu relacionar seu trabalho de fã com as editoras, e acabou que cada entrevista se ligou uma com a outra, e muitas informações foram passadas cronologicamente. Para editar o documentário, houve o auxílio de algumas pessoas, como do Ivaldo Júnior, mais conhecido como Mugi, responsável pelas edições dos podcasts da Um Pedaço. O Iury Padilha ajudou com as ilustrações dos entrevistados e os GCs. O Thiago Capucho, chamado de Boss, fez a abertura do doc e o vídeo de transição para falar da fase da Panini. Levaram cerca de duas semanas para editar tudo, com a escolha também da trilha sonora. Esse trabalho foi uma junção de paixão e vontade de ter mais conhecimento do assunto, então seria impossível reclamar ou achar que fazer TCC é um trabalho chato. Muito pelo contrário, foi divertimento do começo ao fim a ponto de haver a pretensão de ler ainda mais sobre o assunto para ter mais embasamento teórico no futuro, e mais escopo para falar a respeito.

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6. CONCLUSÃO Levando em consideração os objetivos específicos deste trabalho, foi possível observar a prática da cultura da convergência em diversas partes do mundo, utilizando a cultura pop como recorte. No Brasil, também foi possível demonstrar como isso acontece com os mangás, mesmo que ainda em uma escala menor como os japoneses, que mobilizou pessoas a realizarem um funeral para um personagem, e como os norte-americanos, que compraram sanduíches do Subway para salvar uma série de TV. Além disso, as diferenças entre as culturas – norte-americana, japonesa e brasileira – foram relacionadas em um só trabalho, demonstrando ações distintas tanto do fandom quanto de empresas para resolução de problemas, Aprofundar

o

assunto

se

tornou

importante

para

estabelecer

uma

compreensão estruturada, assim como conceitos que podem estar distante de um leitor comum, como mangá, animê, fandom, fansubbing, otaku etc. Para um membro de uma comunidade de fãs, são termos comuns; no entanto, para aproximar a vivência dos fãs a uma abordagem acadêmica necessária a um trabalho de graduação, foi preciso buscar definições a partir de especialistas do meio. O ponto que mais foquei na primeira parte do texto foi no que tange ao comportamento das pessoas na realidade da convergência tecnológica, construindo uma “cultura em rede”, grupos de participação que se conversam, que se aproximam das produtoras de filmes, de games, das editoras, de qualquer empresa que possui mais empatia, ou que necessite criar um vínculo. Com isso, demonstrei com exemplos mais claros, como foi o caso de Densha Otoko, em que uma conversa em um chat de nerds se tornou best seller no Japão, e trouxe retorno financeiro para uma empresa e para os envolvidos, ainda criando engajamento no ambiente nerd do Japão para que os otakus não desistissem, não se isolassem, porque também poderiam ser felizes. Outro exemplo claro foi no caso do seriado de Jericho, que o público que assistia à série se manifestou quando souberam que não teriam mais como assisti-lo, e de uma forma que a empresa percebesse que eles eram sim audiência, mesmo que dando ibope de maneira alternativa. Na conjuntura atual de consumo, publicidade, relacionamentos empresariais, de uma facilidade bem maior de contato entre consumidor/público com as empresas, ainda mais no caso da cultura pop, que mexe mais com emoções, com identificação

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com personagens e com a história, como que o jornalismo cultural se encaixa nesse novo universo de mídia? Dessa pergunta surgiram outras dezenas. Como está o jornalismo como um todo? E o ensino de jornalismo? E como estão fazendo o jornalismo? O primeiro problema, na verdade, foi me deparar com uma bibliografia brasileira ligada ao jornalismo cultural muito histórica e pouco prática, sem abordar reais problemas, casos específicos. As teorias do jornalismo pouco ressoam nas demandas editoriais de qualquer época. E o trabalho se refere a problemas que estão acontecendo há cerca de dez anos no jornalismo. Isso significa que, além de não haver um histórico teórico rico no jornalismo cultural, atualmente isso ainda é moroso, pois também foram dez anos com inúmeras mudanças no ambiente virtual, tornando passageira a construção de teorias, ou seja, que precisam ser repensadas todo tempo. No fim, as minhas dúvidas e perguntas estavam praticamente contidas no livro do Ballerini, que possui referências bibliográficas que me ajudaram a ter uma dimensão melhor do problema. Mesmo assim, encontrar livros teóricos de jornalismo cultural nas grandes livrarias foi uma tarefa bem complicada, muitos estudos se encontram em revistas, ensaios e em outros TCCs. Adicione isso tudo à criação de redes sociais, com maior engajamento de entusiastas, com mais especialistas no desenvolvimento de sistemas de informação, com grandes empresas experimentando maneiras de obter mais lucro. Foram dez anos do jornalismo cultural brasileiro tentando se manter na mídia tradicional e sobreviver, e praticamente apenas isso. Nas leituras que fiz, com os jornalistas que entrevistei, e com os membros das comunidades de fãs que também conversei a sensação que ficou foi de “o jornalismo está ainda perdido nessas mudanças”. No entanto, são visíveis as tentativas de novas experiências. Um exemplo audacioso é o da Revista Galileu, que se reinventou e se aproximou das minorias, tentando conversar mais com os leitores. A divulgação da nova linha editorial foi positiva, a ponto de chegar aos olhos dos profissionais que fazem mangá102, o que é raro de acontecer.

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Opinião de Beth Kodama: https://www.facebook.com/beth.kodama.18/posts/1083491551660949?pnref=story Acesso em novembro, 2015.

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De toda forma, estabelecer uma linha de raciocínio para falar do jornalismo foi a maior dificuldade e, de fato, o maior problema deste trabalho. Seria presunçoso surgir com um caminho inovador e que curará todos os receios e desconfianças do jornalismo atual, porém, houve o levantamento de questões esclarecedoras que mostram que o jornalismo tem grandes desafios nas mãos, entre eles: - Ter um diferencial e ser respeitado por ele, para que também haja retorno financeiro com o trabalho jornalístico; - Utilizar os mecanismos tecnológicos de forma estratégica. Grandes empresas inovadoras criam softwares e ferramentas tecnológicas para facilitar e tornar o trabalho mais eficiente, e o jornalismo como um todo – não só as grandes redações – precisam fazer mais uso disso; - O jornalismo cultural, principalmente no que diz respeito a este trabalho, necessita se preocupar menos com a apresentação de produtos, abrindo caminho para contextos e problemas sócio-culturais: origens, históricos, raízes, questões de fundo, enfim. Dar notas de filmes através de número de estrelas ou espaços cada vez maiores a voz de artistas só tornará o jornalismo cultural mais banal; - A formação e/ou conhecimento no jornalismo cultural é imprescindível, assim como em qualquer jornalismo específico. Mas é importante salientar que cultura é um conceito amplo, que absorve diversos costumes, grupos, vozes, opiniões, modos de vida etc. Portanto, é um jornalismo plural e que exige profissionalmente características mais humanizadas e democráticas. A importância da construção de um olhar mais atento aumenta, para não cometer o erro de generalizar grupos, de cometer preconceitos, seja por conta de um trabalho mecanizado dentro de redações, ou por uma faculdade ensinar de tudo um pouco e menos ainda de um jornalismo especializado em cultura. O leque de problemas pode ser ainda maior se for visualizado recorte a recorte, e novamente, seria presunçoso demais enumerar soluções para um universo tão complexo como este que se configura. A linha teórica que propus no trabalho veio de um projeto da Cremilda Medina, do qual o jornalista se transforma em um mediador social, ou então um agente cultural. Não se exclui aqui o trabalho diário de notícias e nem a necessidade de também valorizar serviços (agenda) ou

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expor entretenimento, como falar dos próprios famosos. Porém, como exposto no próprio trabalho, Ballerini cita que o jornalismo cultural permite reflexão, e ela precisa ser ativada de fato, seja na mídia tradicional, seja nas alternativas. E também há uma clareza no texto, utilizando as ideias de Medina, de que só o jornalismo noticioso e o impregnado nas redações não bastam para mostrar realidades de minorias e de outros grupos que ainda não possuem voz. A reflexão na internet existe, mas também há bastante opinião, e não exatamente informação, é uma realidade que Ballerini salientou. As opiniões são válidas, pois possuem argumentos e eles podem ser absorvidos se forem bem fundamentados. No entanto, não é o bastante para utilizar como fonte confiável de informação. É como se fossem mais “produtos” ideológicos do que verdades factuais, com dados, entrevistas, fontes etc. Mesmo assim, a internet cria pautas interessantes em relação à mangá. É possível entender a complexidade do problema entre scanlators e editoras japonesas/americanas quando lemos o texto “A Invisível Economia Trabalhista Por Trás dos Quadrinhos Japoneses Pirateados”, por exemplo, escrito pela Cecília D’anastasio103. A

internet

seguirá

seu

percurso,

possuindo

textos

bons

ou

ruins

jornalisticamente, é por isso que é importante colocar em discussão o novo papel das grandes redações, das revistas especializadas, dos grandes portais, dos que procuram crescer empreendendo na comunicação. Experimentação é um caminho que só o jornalista tem condições de fazer, pois a sociedade não baterá na porta da redação e dirá tudo que tem para dizer. E com a teoria de Medina, isso é possível por meio da voz da sociedade, de fato saindo nas ruas, conhecendo histórias dos mais diversos lugares, ouvindo, olhando nos olhos das pessoas que nem possuem o costume de ler jornal ou revista ou entrar na internet. É dando espaço a todo tipo de grupo, lugar, pessoas. É criando empatia entre jornalista e leitor, assim como aconteceu com a cultura pop. Claro que são diferentes, pois as empresas que vendem entretenimento criam relacionamentos com o propósito de lucro, de estabelecer consumidores fieis e manter esse contato próximo. O jornalismo já passa por questões éticas e morais mais delicadas, pois ele trabalha com pautas que são, em tese, de interesse público, 103

Disponível em: http://motherboard.vice.com/pt_br/read/a-invisivel-economia-trabalhista-por-tras-dosquadrinhos-japoneses-pirateados?trk_source=recommended Acesso em novembro, 2015.

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e precisa estar atento a atender diferentes grupos da sociedade. Por conta disso, estabelecer vínculos é mais complexo. No entanto, o que pode ser tirado de todo esse trabalho é a necessidade de redações de todo o tipo de jornalismo sentarem, conversarem a respeito dessas mudanças e incluírem tanto as novas tecnologias como ferramentas que auxiliam e relacionar com o que comunidades virtuais - que estejam vinculadas à cultura - têm a dizer. No caso do trabalho, que foca na cultura da convergência, o termo “sair para as ruas, conhecendo lugares e espaços” se adapta à realidade virtual. Comunidades também são espaços, são lugares onde há pessoas com histórias diversas. A empatia pode ocorrer em conversas por programas de conferências em grupo ou hangouts, pode ocorrer por telefone, cartas, e-mails. Pode vir a construir também um contato pessoal após o conhecimento dessas pessoas nas comunidades virtuais. São possibilidades ilimitadas de fontes, entrevistados, pautas. O que fica então como um caminho possível neste trabalho é justamente uma pergunta: Por que não fazer isso?

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7. GLOSSÁRIO Para que alguns termos técnicos sejam de fácil entendimento e também de fácil acesso, se fez necessário a criação de um glossário para este trabalho, que segue abaixo. Animê: significa “animação” em japonês e é a forma contraída da palavra em inglês “animation”. Anime Friends: evento de cultura pop japonesa que ocorre durante uma semana do mês de julho de cada ano. O evento é composto por stands de lojas que vendem objetos da cultura pop, de stands de grandes sites de fansub ou fanclubs, há alguns painéis sobre nerdice, shows de bandas japonesas ou nacionais que cantam as músicas em japonês. Apesar da cultura pop japonesa ser o foco, também há atrações de star wars, Marvel, empresas de jogos de RPG ou de tabuleiro. Nesses eventos é normal que haja palestras e lançamentos de novos títulos de mangá no mercado nacional. Convergência: palavra que define mudanças tecnológicas, industriais, culturais e sociais no modo como as mídias circulam em nossa cultura. Algumas das ideias comuns expressas por este termo incluem o fluxo de conteúdos através de várias plataformas de mídia, a cooperação entre as múltiplas indústrias midiáticas, a busca de novas estruturas de financiamento das mídias que recaiam sobre o espaço entre as antigas e novas mídias, e o comportamento migratório da audiência, que vai quase a qualquer lugar em busca das experiências de entretenimento que deseja. (JENKINS, p. 377) Demografias de mangás: é importante salientar que as demografias criadas para o mercado japonês foram criadas mais ou menos na década de 60, e já está ultrapassada em termos gerais. O público-alvo praticamente é bastante misturado, inclusive, com mais leitoras mulheres em algumas revistas shonen do que os próprios homens. Portanto, basicamente, é um tanto complexo usar demografias para justificar estilo de mangá e público-alvo. Com os shojos e joseis é mais simples, pois realmente a maior parte dos consumidores são mulheres. Mas seinen e shonen são mais abrangentes, podendo agradar tanto meninas, meninos, mulheres adultas e homens adultos.

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Eiichiro Oda: autor do mangá One Piece, que foi lançado em 1997 na revista Shonen Jump, ainda em andamento. Fandom: termo utilizado para designar uma subcultura dos fãs em geral, caracterizada por um sentimento de companheirismo e solidariedade com outros que compartilham os mesmos gostos. Fan fiction ou fanfic: termo que se refere, originalmente, a qualquer narração em prosa com histórias e personagens extraídos dos conteúdos dos meios de comunicação de massa, incluindo mídias da cultura pop. Fansub: equipe de fãs que se configuram como donos de uma “empresa” de criação de tradução e legenda para filmes, animês, seriados, documentários e afins. Fansubbing: processo de tradução e inclusão de legenda nas mídias realizadas pelo Fansub. Internet Relay Chat: servidores populares utilizados por usuários e empresas para se comunicarem, compartilharem arquivos, trabalhos e até mesmo para jogos como RPG. O acesso a estes servidores era possível graças a ferramentas como o mIRC, para clientes do Windows, ou seja, ferramenta da Microsoft. Josei: demografia de mangás voltados para mulheres adultas. No Japão, a idade adulta é de 21 anos, mas muitos jovens possuem indepedência aos 16, podendo morar sozinhos. Kodansha: editora fundada em 1909, em Tóquio, Japão. A companhia publica livros e revistas de todo tipo de gênero, literatura, ficção, não ficção e produtos e negócios para crianças. Incluso mangás, com a publicação da Shonen Magazine, a revista seinen Afternoon e a shojo Dessert. Mangá: significa “história em quadrinhos” em japonês, e é resultado dos ideogramas man (humor, algo que não é sério) e gá (imagem, desenho). Mangaká: autor e criador de mangá. Profissão de quem faz mangá.

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Mídia: nestra trabalho, mídia é tratado como termo sinônimo de “meios de comunicação” (produtoras, canais de televisão e rádio, sites, jornais, revistas, blogs, redes sociais). Narrativa Transmídia: histórias que se desenrolam em múltiplas plataformas de mídia, cada uma delas contribuindo de forma distinta para nossa compreensão do universo da franquia. Nobuhiro Watsuki: autor do mangá Rurouni Kenshin, lançado na revista Shonen Jump entre os anos de 1994 e 1999. Eiichiro Oda foi assistente por alguns anos do Watsuki e o ajudou com RK. OPEX: site voltado para a obra One Piece, tanto em animê quanto eu mangá, criado em 2006, mas que entrou em hiato por alguns anos. Após retomarem o site, se tornaram o maior ícone da série no Brasil na internet. Osamu Tezuka: homem considerado “deus do mangá” e o primeiro japonês a conseguir exportar uma série de animê para os EUA, em 1963, justamente com Astro Boy. Além disso, foi o grande autor que se inspirou na Disney e mudou o mercado da animação e quadrinhos no Japão, criando dezenas de obras. Na realidade é difícil falar de um ícone como Tezuka em uma nota de glossário. Otaku: é um termo intraduzível que possui dois conceitos no idioma japonês. Um para designar habitação, lugar onde se vive, e o outro para representar um tratamento impessoal, de distanciamento. Resumindo, o otaku tem aversão a aprofundar relações pessoais e priorizam estar trancados em casa, acumulando o que lhe satisfaz. piecePROJECT: site voltado para a obra One Piece, tanto em animê quanto eu mangá, criado em 2006 também. Ressaca Friends: evento nos moldes do Anime Friends, porém ocorre em apenas dois dias e no mês de dezembro. Revistas Japonesas de Mangá: no Japão, os mangás são lançados primeiramente através de revistas periódicas – que na maior parte das vezes são semanais, quinzenais ou bimestrais. Essas revistas são produzidas a partir de um papel bastante barato e que os japoneses descartam após a leitura, ou

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seja, o comum é que não sejam revistas colecionáveis. São revistas bem diferentes do que vemos nas nossas bancas, possuindo cerca de 400 páginas e cerca de 10 a 20 histórias em quadrinhos por edição (depende da demografia). E assim como no Brasil, cada revista possui um público direcionado e um nome. Daí vem as famosas Shonen Jump, Shonen Magazine, Jump Square, Young Jump, Shonen Sunday, Cookie, Bessatsu Margaret etc. As histórias saem nas revistas por capítulo e após algumas edições lançadas, a editora faz a compilação dos capítulos em um encadernado, sendo esses volumes os considerados colecionáveis. Romance Dawn: primeiro site de One Piece no Brasil, criado em 2003 por Felipe Monte. Entrou em hiato por cerca de um ano no meio desses 12 anos, e hoje é voltado para as impressões dos capítulos semanais, juntamente com detalhes sobre tradução. Scanlation: processo de tradução e edição de história em quadrinhos realizados por fãs. Scanlator: equipe de fãs que se configuram como donos de uma “empresa” de criação de tradução para histórias em quadrinhos de qualquer parte do mundo. Seinen: demografia de mangás voltados para homens adultos. Shogakukan: fundada em 1922, com a linha editorial para livros didáticos primeiramente. Com o passar dos anos, ampliou as editorias e hoje publica livros, revistas de todos os tipos, inclusa revistas de mangá. Shojo: demografia de mangás voltados para meninas. Shonen: demografia de mangás voltados para meninos. Demografia mais ampla e de mais sucesso no Japão. Shueisha: a Shueisha nasceu a partir do desmembramento com a Shogakukan, em 1926, mas só se tornou uma companhia em 1947. Hoje possui 39 revistas de mangá, também com a publicação de livros, revistas de outros segmentos e livros didáticos.

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8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALLERINI, Franthiesco. Jornalismo Cultural no Século 21 - Literatura, artes visuais, teatro, cinema e música. A história, as novas plataformas, o ensino e as tendências na prática. São Paulo, Summus, 2015. BARRAL, Étienne. Otaku, os filhos do virtual. São Paulo, Editora Senac São Paulo, 2000. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo, Editora Paz e Terra, 6º Edição, 15º reimpressão, 2012. FORD, Sam; GREEN, Joshua e JENKINS, Henry. Cultura da Conexão - Criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo, Editora Aleph, 2014. GRAVETT, Paul. MANGA: Sixty Years Of Japanese Comics. Londres, Laurence King, 2004. HITORI, Nakano. Densha Otoko - O Homem do Trem. São Paulo, Editora JBC, 2013. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo, Editora Aleph, 2009. LÉVY, Pierre. A Inteligência Coletiva. São Paulo, Folha de São Paulo, Coleção Folha, Grandes nomes do pensamento, Vol. 16, 2015. LÉVY, Pierre. O Que é o Virtual? São Paulo, Editora 34, 1ª Edição 1996, 3ª reimpressão 1999. MEDINA, Cremilda. A arte de tecer o presente - Narrativa e cotidiano - 2ª Edição. São Paulo, Summus, 2003. MEDINA, Cremilda. Povo e Personagem. Canoas, Editora da Ulbra, 1996. ODA, Eiichiro. One Piece, Grande Arquivo de Dados Blue. Barueri, Panini - Planet Manga, 2015. PACHECO, Eloyr (org.). Almanaque Shoujo Mangá- O poder da sedução feminina. São Paulo, Editora Escala, 2009.

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SATO, Cristiane A. Japop - O Poder da Cultura Pop Japonesa. São Paulo, NSP Hakkosha, 2007. ANDRADE, Max. Entrevista II. [junho 2015] Entrevistador: Paloma Lourenço. Uberlândia, 2015. 2 arquivos .mp3 (120 min e 60 min). BALLERINI, Franthiesco. Entrevista I. [maio 2015]. Entrevistador: Paloma Lourenço. São Paulo, 2015. 1 arquivo .wav (63 min). GRECO, Marcel Del. Entrevista IV. [julho 2015]. Entrevistador: Paloma Lourenço. São Paulo, 2015. 1 arquivo .mp3 (43 min). CARNEIRO, Mayara. Entrevista III. [junho 2015] Entrevistador: Paloma Lourenço. Entrevista Via Skype, 2015. 1 arquivo .mp3 (45 min). OPEX/UM PEDAÇO, conversa entre membros. Entrevista IV. [junho 2015] Entrevistador: Paloma Lourenço. Entrevista via Skype. 14 arquivos .mp3. KODAMA, Beth. Entrevista VII. [agosto 2015] Entrevistador: Paloma Lourenço. São Paulo, 2015. 1 arquivo .wma (71 min). MEDAUAR, Cassius. Entrevista V. [julho 2015]. Entrevistador: Paloma Lourenço. São Paulo, 2015, 1 arquivo .mp3 (15 min). AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES Radiodifusão.

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115

9. ANEXOS Questionário para levantar público-alvo do TCC 1. Nome completo: Gabriel Vinicius Mendes 2. Sexo: Masculino 3. Idade: 16 4. Acompanha One Piece desde quando? 2013 5. Começou pelo anime ou mangá? Anime 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? (Ou as duas mídias?) As duas mídias

7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece? O que me motivou e ainda me motiva é saber que eu estou contribuindo para que One Piece alcance novas pessoas.

8. E o que te motivou a participar de grupos de discussão? Procuro sempre ler os debates de outros fãs e ficar por dentro das opiniões e o ponto de vista de cada um em relação a série.

9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? Sempre

10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo): Menor aprendiz R$ 312,00 mais ou menos.

11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Sim. Faço coleções de alguns títulos mensais e bimestrais, em média umas 4 coleções.

12. E o mangá de One Piece, você compra a edição da Panini? Sim, eu compro as edições mensais.

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1. Nome completo: Matheus Paulo Nascimento da Silva 2. Sexo: Masculino 3. Idade: 18 anos 4. Acompanha One Piece desde quando? Há 3 anos. Desde 2012. 5. Começou pelo anime ou mangá? Anime 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? Atualmente acompanho somente o mangá. Mas tenho um grande carinho pelo anime e pretendo voltar a assistilo um dia. 7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece? Me integrar na comunidade da Um Pedaço, nunca tive interesse por outras páginas em questão, mas a Um Pedaço reúne muitos fãs da obra e também amigos que possuem opiniões e conhecimentos diversificados. 8. E a participar de grupos de discussão? Uma das melhores coisas de se acompanhar uma obra é discutir sobre ela, ainda mais One Piece que permite que façamos isso em uma escala muito acima de várias outras obras similares, devido ao seu enredo gigantesco e complexidade, e claro, também por discutir com pessoas que possuem conhecimento e opiniões fortes sobre a obra. 9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? Periodicamente, mais pelo fato de não estar nos últimos capítulos como os outros membros da comunidade, o que me impede de participar de forma total em todas as discussões, mas sempre que posso opinar e participar estou presente. 10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo). Como sou estudante e não trabalho, isso varia muito. Ás vezes de 20 a 50 reais. 11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Sim, apenas One Piece. 12. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Sim, apenas One Piece. ----

1. Nome completo: André Maurício Lauer de Souza 2. Sexo: Masculino

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3. Idade: 27 anos 4. Acompanha One Piece desde quando? 2003 5. Começou pelo anime ou mangá? Anime 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? (Ou as duas mídias?) As duas. 7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece? A possibilidade de divulgar One Piece para mais pessoas, além de aprender mais sobre a obra e discutir os assuntos relacionados a ela.

8. E a participar de grupos de discussão? Mesma da anterior.

9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? Toda semana.

10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo) R$ 3.500,00. Analista de Sistemas.

11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Não.

12. E o mangá de One Piece, especificamente, você compra a edição da Panini? Sim. ---1. Nome completo: Ana Carolina Soares Falheiro 2. Sexo: Feminino 3. Idade: 16 anos 4. Acompanha One Piece desde quando? 2008 5. Começou pelo anime ou mangá? Anime 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? (Ou as duas mídias?) Mangá 7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece?

One Piece foi o único mangá que me motivou, me fez querer ir além

de simplesmente assistir ou ler. Queria ter um contato direto com outros fãs e ter liberdade para escrever e criar conteúdos diversos sobre algo que amo e me identifico.

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8. E a participar de grupos de discussão? Assistir e ler One Piece passou a não ser o suficiente, eu sentia uma necessidade muito grande de debater sobre a obra e expressar os sentimentos que até então, guardava para mim mesma por falta de pessoas com quem conversar sobre.

9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? Acompanho todos os dias as discussões no grupo, mas às vezes, por falta de tempo, não consigo participar tão efetivamente comentando e discutindo, quanto eu gostaria.

10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo) - Não Possuo renda.

11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Sim. Poucos, 2 a 4 mangás.

12. E o mangá de One Piece, especificamente, você compra a edição da Panini? Sim.

----1. Nome completo: Arthur Cesar Gera 2. Sexo: Masculino 3. Idade: 26 anos 4. Acompanha One Piece desde quando? 2009, 2010 5. Começou pelo anime ou mangá? Anime 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? (Ou as duas mídias?) Acompanho principalmente pelo mangá, mas assim que fecha um arco no anime, eu vejo também.

7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece? Bom, como não tenho amigos que gostam de One Piece, surgiu uma necessidade de discutir aspectos positivos e negativos com pessoas que acompanhassem One Piece.

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8. E a participar de grupos de discussão? Bom, como não tenho amigos que gostam de One Piece, surgiu uma necessidade de discutir aspectos positivos e negativos com pessoas que acompanhassem One Piece.

9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? 1, 2 vezes por semana.

10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo) R$ 0,00

11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Além de One Piece não costumo comprar nenhum quadrinho japonês.

12. E o mangá de One Piece, especificamente, você compra a edição da Panini? Sim. ----1. Nome completo: Caroline Boaventura Yokohama 2. Sexo: feminino 3. Idade: 19 anos 4. Acompanha One Piece desde quando? Desde os 5/6 anos 5. Começou pelo anime ou mangá? Anime sem legenda, porque sou falo japonês. 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? (Ou as duas mídias?) Hoje em dia nenhuma, porque to achando chato pra caramba.

7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece? Eu amava muito o anime, era o que resumia minha vida, e eu via valores reais lá... um pouco de protagonismo e tal. Mas passava boas mensagens e principalmente me fazia rir quando estava mal.

8. E a participar de grupos de discussão? Treta dos comentários... Uma ou outra opinião boa... Conversar com gente que sabe o mesmo assunto que eu é bem agradável.

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9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? Muito pouco (pelo menos no fórum), tem umas pessoas que acham que os argumentos delas são os únicos que prestam, e isso me desanima pra conversar.

10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo) Depende, sou freelancer. E sou designer gráfica.

11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Atualmente não, séries grandes pra acompanhar é um gasto definitivamente grande e desnecessário pra mim por agora.

12. E o mangá de One Piece, especificamente, você compra a edição da Panini? Nem compro mais. Mas era assinante da Panini. ---1. Nome completo: Clarissa Silva Gasparin 2. Sexo: Feminino 3. Idade: 22 4. Acompanha One Piece desde quando? 2011 5. Começou pelo anime ou mangá? Anime 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? (Ou as duas mídias?) Ambas

7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece? A vontade de escrever matérias profundas sobre a obra e compartilhar

com

os

leitores

as

diversas

opiniões

e

sentimentos.

8. E a participar de grupos de discussão? A vontade de discutir determinados temas, compartilhar opiniões e desenvolver teorias sobre o futuro da obra.

9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? Praticamente, todos os dias.

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10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo) Aproximadamente, 250 reais.

11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Sim. Em média, 4 quadrinhos.

12. E o mangá de One Piece, especificamente, você compra a edição da Panini? Sim.

---1. Nome completo: Giovanna Yamaniha. 2. Sexo: Feminino. 3. Idade: 14. 4. Acompanha One Piece desde quando? Acompanho há aproximadamente seis meses. 5. Começou pelo anime ou mangá? Pelo anime. 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? (Ou as duas mídias?) Ambas as mídias.

7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece? A história de One Piece me cativou muito, era algo que eu gostava muito de escrever sobre e debater.

8. E a participar de grupos de discussão? Acho incrível a possibilidade de conversar com mais fãs sobre o assunto, além de perceber que há várias pessoas que compartilham dos mesmos gostos.

9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? Sempre que vejo e tenho tempo, participo das conversas.

10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo) - R$100,00

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11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Sim, geralmente um por mês.

12. E o mangá de One Piece, especificamente, você compra a edição da Panini? Sim.

---1. Nome completo: Iury Tavares Padilha 2. Sexo: Masculino 3. Idade: 28 4. Acompanha One Piece desde quando? 2002 5. Começou pelo anime ou mangá? Mangá 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? (Ou as duas mídias?) As duas mídias 7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece? Inicialmente as atualizações semanais sobre o mangá e o anime, depois pelas variedades, como jogos, parques, imagens, coisas que não estão necessariamente ligados ao episódio do anime ou capítulo do mangá.

8. E a participar de grupos de discussão? Foi o primeiro local onde eu pude expor e debater ideias sobre a obra pois quase ninguém que eu tinha contato lia ou assistia.

9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? Diariamente.

10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo). Trabalho como ilustrador autônomo, a renda varia conforme o mês, mas em média R$2000, R$2200.

11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Atualmente não, mas já cheguei a comprar de 5 a 10 volumes mensais.

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12. E o mangá de One Piece, especificamente, você compra a edição da Panini? Não, mas tenho a coleção da Conrad.

---1. Nome completo: Gabriel Torres Viana 2. Sexo: Masculino 3. Idade: 17 anos 4. Acompanha One Piece desde quando? Desde 2013. 5. Começou pelo anime ou mangá? Anime. 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? (Ou as duas mídias?) As duas.

7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece? O amor pela grande obra de One Piece e o desejo de fazer outras pessoas se apaixonarem pela obra assim como eu sou apaixonado.

8. E a participar de grupos de discussão? Para ter contato com outras pessoas que gostam da mesma obra que eu e para poder saber o que a comunidade pensa sobre o dia a dia da obra

9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? Raramente online, prefiro as discussões malucas entre amigos (offline no caso).

10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo) Mesada (shame on me)

11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Sim, atualmente dois.

12. E o mangá de One Piece, especificamente, você compra a edição da Panini? Não, pois até pouco tempo atrás eu não lia o mangá de One Piece.

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1. Nome completo: Otávio Reis Pereira 2. Sexo: Masculino 3. Idade: 24 4. Acompanha One Piece desde quando? 2004 5. Começou pelo anime ou mangá? Ambos 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? (Ou as duas mídias?) As duas mídias

7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece? Já fazia parte de um grupo no Orkut, mas principalmente por conhecer um membro da administração da página.

8. E a participar de grupos de discussão? Troca de informações e aprendizados. Também a possibilidade de novas amizades.

9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? Diariamente.

10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo) Desempregado.

11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Sim. Acompanho 4 coleções atualmente.

12. E o mangá de One Piece, especificamente, você compra a edição da Panini? Sim.

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1. Nome completo: Thiago Geraldo Capucho 2. Sexo: Masculino 3. Idade: 22 4. Acompanha One Piece desde quando? 2012 5. Começou pelo anime ou mangá? Anime 6. Hoje acompanha qual das duas mídias? (Ou as duas mídias?) Os dois, anime e mangá.

7. O que te motivou a fazer parte de uma página no Facebook sobre One Piece? Bem, antes da Um Pedaço, cheguei a ter duas páginas sobre One Piece anteriormente, e o que me motivou a isso, foi toda as lições e histórias que a obra traz, que ao meu ver são extremamente especiais e únicas, e a vontade de compartilhar sobre aquilo com mais pessoas. No entanto, com a Um Pedaço o desejo é tornar isso ainda mais especial, não se limitando a ser somente uma página que compartilha imagens, mas um projeto que possa tocar, inspirar e transformar vidas.

8. E a participar de grupos de discussão? Querer debater e descobrir novas coisas.

9. Qual a frequência que você participa de conversas na comunidade (ou grupo)? Infelizmente, atualmente muito pouco devido a faculdade.

10. Qual sua renda mensal? (mesada ou trabalho. No caso de trabalho, especifique o cargo) Mais ou menos 250 reais.

11. Você compra quadrinhos japoneses? Se sim, quantos mensalmente? Ainda não

12. E o mangá de One Piece, especificamente, você compra a edição da Panini? Ainda não.

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