CULTURA E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA

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Descrição do Produto

CULTURA E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA, COM552
Prof. Dr. IGOR ROSSONI
"Instituto de Humanidades, Artes e Ciências "
"Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e "
"Sociedade "
"Universidade Federal da Bahia "


Izabel Cristina Tavares Gomes[1]





Ambiente decorativo de autoria da Designer de Interiores, Izabel Tavares,
assim como também, as releituras do trabalho Andy Wool, reproduzidas em
fotocópia e a reutilização de pneu, expostos nos quadros deste ambiente.
Seria a decoração ambiental uma performace?




Alexander Baumgarten (1714-1762), criador do termo, "estética", propôs
investigação das faculdades sensitivas humanas, com a particularidade da
função da cognição e, filosoficamente a estética como a reflexão sobre o
fenômeno artístico. No kantismo seria o entendimento dos juízos. No
hegelianismo, seria o aprendizado da beleza artística, em imagens
sensoriais, ou representações sensíveis, aspectos da verdade do espírito,
do princípio divino, ou da idéia.
Quando se fala em arte, em estética, pensamos no surgimento, sempre
numa totalidade, na alimentação e no cumprimento de seus fins da
complexidade humana, social e histórica em suas expressões estéticas. "A
busca pode tornar-se mais complexa, detalhada, individualizada, mas ela
terá como idéia fundamental o papel subsidiário que a arte desempenha no
processo social." (TROTSKI, 2007, p. 138)
A arte põe-se nos fundamentos dos processos em questão?
Segundo alguns autores no marxismo, ao se falar de estética, a
tendência dominante não remete ao pensamento de Trotsky. Trotsky elabora,
no interior de uma estética, uma teoria com implicações na configuração de
métodos e objetos de pesquisa.
No texto representativo do formalismo russo, tomado como objeto deste
estudo, por hipótese, busca-se uma estética e as teorias literárias
correspondentes a esta perspectiva.
Os formalistas russos focam atenção na própria obra, porque ela tem
condições de fornecer todas as informações cabíveis e possíveis desta outra
realidade real, muito mais sobre a autoria, e a partir daí então direcionar
uma visão específica para o objeto artístico e, a natureza dele é ser
plural, ser plurisignificatico, então os formalistas vão observar a forma,
e para existir forma é preciso que haja conteúdo e para que haja conteúdo é
preciso que haja forma, dando a entender que o que importa mais é a forma
como ele vem expresso, na realidade o que eles estão ficando é a forma
artística, a forma da arte como um todo.
São dois sistemas que apresentam dificuldade de atuação, do mesmo modo
que o produto não acontece sem que haja forma e conteúdo, seja ele qual
for, também não acontece se não houver o emissor, se não houver o sujeito
que faz.
Nos anos 1960 do século XX, não se vai mais focar na obra em si, mas
na autoria e na recepção, naquela equação básica do processo de
comunicação, são procedimentos de observação crítica, de uma mensagem
estética,
O que é que faz uma mensagem uma obra de arte? No âmbito da concepção
temos a plenitude da construção da mensagem em si, da obra em si,
independentemente das coisas, pensamento completamente formalista.
Inicialmente Chklovski apresenta a arte como um pensar por imagens.
Isto pode vir "tanto de um bacharel, como de um sábio filólogo que a propõe
como ponto inicial de uma teoria literária qualquer. Esta idéia está
enraizada na consciência de muita gente". (1978, p. 39)
Na visão formalista cabe falar de uma lei da imagem. (CHKLOVSKI, 1978,
p. 40)
Tanto na concepção, quanto na recepção o que importa na verdade quando
vai haver um predomínio da função poética ou estética da mensagem, quando a
mensagem for a única vertente possível de ser concebida, a mensagem
sobrepondo-se sobre a própria mensagem prioritariamente, então está se
privilegiando tanto na recepção, quanto na emissão, a obra em si.
Os objetos muitas vezes percebidos começam a ser percebidos como
reconhecimento: o objeto se acha diante de nós, sabemo-lo, mas não o vemos.
Por isso, nada podemos dizer sobre ele. Em arte, a liberação do objeto do
automatismo perceptivo se estabeleceu por diferentes meios." (CHKLOVSKI,
1978, p. 45)
Isso traz um avanço muito interessante, porque foca-se a obra
prioritariamente. É um tipo de corrente crítica também muito interessante
porque ela vem do Século XIX adentrando ao Século XX, no período em que a
sociedade européia passa por uma turbulência grande e em termos de
expressões, que é um período tão conturbado, quanto a própria vivência
humana nesse período.
"E por isso que estas pessoas deveriam contar que a história desta
arte por imagens, segundo suas palavras, consiste na história da mudança de
imagem. Mas, constatamos que as imagens são quase que imóveis; de século em
século, de país em país, de poeta em poeta, elas se transmitem sem serem
mudadas. As imagens não são de algum lugar, são de Deus. Quanto mais se
compreende uma época, mais nos persuadimos que as imagens consideradas como
a criação de tal poeta são tomadas emprestadas de outros poetas quase que
sem nenhuma alteração. Todo o trabalho das escolas poéticas não é mais que
a acumulação e revelação de novos procedimentos para dispor e elaborar o
material verbal, e este consiste antes na disposição das imagens que na sua
criação. As imagens são dadas, e em poesia nós nos lembramos muito mais das
imagens do que nos utilizamos delas para pensar." (CHKLOVSKI, 1978, pp. 40-
41)
Movimentos expressivos muito rápidos e movidos numa efervescência, por
uma "caoticidade", é o reflexo que a mudança que o ser humano está vivendo
naquele momento, passar do século XIX para o século XX. Essa enxurrada de
novas experiências estéticas e em função disso é que vai surgir esse grupo
para tentar compreender essas novas maneiras, tão efusivas e tão
convulsivas de expressão humana, esteticamente falando.
Eles vêm num momento crucial e que não adianta mais estudar a
biografia de determinado artista para compreender a obra que ele produz,
mesmo porque, o que vai se produzir em termos estéticos é de uma ruptura
com os cânones, com a cultura, com a tradição, uma ruptura completa com os
procedimentos padronizados.
No Brasil essa ruptura acontece depois da Europa, o realismo que é uma
representação altamente imagética, busca-se representar a realidade
estética, mas como ela é? Tudo que vale é o julgamento comprovado, o
julgamento vivencial, o julgamento documental, isso é que traz o perfil
deste movimento e, portanto a vida passa a ser explicada por tudo aquilo
que possa ser explicado. Como se apresenta esse movimento vai suceder o
movimento simbolista, que é exatamente o contrário em termos de conteúdo.
O Simbolismo vai manter a forma e vai buscar representações já de
transcendência, a matéria pode ser explicada pela matéria sim, mas há mais
algo ainda, isso representa conteúdos e modalidades representativas opostas
ao realismo.
No Brasil o Simbolismo não teve grandes consequências, até mesmo o que
foi importado, foi pura e simplesmente a questão formal, a forma das
manifestações simbolistas, o estilo altamente vanguardista. A poesia, por
exemplo, não estava preocupada com a palavra, estava preocupada com o
branco do papel e cria a partir não da palavra em si, mas a partir do
silêncio, a partir dos instantes intercalares entre as matérias factíveis,
do estudo verbal do que é a palavra.
Na verdade o espírito de modernidade na Europa começa com o
Simbolismo, rompendo com tudo que vem antes, com toda tradição, com todo
modo de produção expressiva que o homem vinha praticando.
Aqui no Brasil ocorreu a partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna,
mas na Europa começou um pouco mais à frente do século XIX, esse espírito
reformulador, revolucionário. A partir do simbolismo europeu, é que
intensificam-se mais essa busca por novas expressividades, cada uma delas
tentando ser mais radical que a outra. Continua uma forma de pensamento
crítico. O que é isso que está aí agora?
Na verdade o movimento não seria nada se não tivesse um fundamento,
uma atitude completamente contestatória em relação a tudo aquilo que se
praticava até então, o aspecto de esteticidade de uma ação desta, é muito
mais provocativa, muito mais contundente, porque ela leva ao extremo uma
formulação de concepção, que vai completamente contrária ao "status quo".
Artistas que iniciam carreira sobre determinado projeto artístico, de
repente faziam coisas mirabolantes. Se pensarmos em Picasso na "fase azul",
na "fase rosa", na "fase cubista", é mesmo sujeito, no entanto as obras
saem completamente diferentes. Isso vai ambientar e motivar esse tipo de
pensamento inédito da "obra pela própria obra". É interessante que isso
acontece hoje, uma visão global, focalizar tanto a autoria, quanto a obra
em si, como na receptoria, tudo isso faz parte do processo de concepção e
estética, cada um com definida atribuição, mas nesse momento "foca-se a
obra em si". Focar a obra em si é encontrar nela como subsídio de
construção, que venha no bojo do acontecimento dela em si e, se opor a
tradição. Então quer dizer: estudar a obra em si é buscar desvendar por
intermédio da obra os procedimentos sobre os quais ela foi construída.
Que procedimentos, que trajeto, que percurso, não o sujeito criador,
mas a "obra em si", tem, passou e deixou, portanto, marcas nela, para que
ela fosse desta forma ou de outra. Quais os procedimentos que foram
traçados, manipulados, para que determinada obra se constituísse como ela
é? O procedimento é uma distância que tem uma finalidade e, a finalidade é
exatamente aquela "construir uma obra de arte". Se a finalidade é construir
uma obra de arte, essa obra de arte é uma "obra de arte", ou não é uma
"obra de arte".
O que vai diferenciar uma instância de outra, se de fato "é" ou se
"não é", é que uma dessas duas possibilidades tem alguma coisa que a outra
não tem, por um único sentido. Por que independentemente do ponto, o que é
que diferencia uma "obra de arte", de uma "obra de não arte" em determinado
momento? Os elementos básicos são os mesmos, se é um pintor, por exemplo,
vai se valer de tinta, de pincéis, de tela, ou coisas parecidas, se é um
escritor ou poeta, vão se valer de palavras, emoção, se é um designer vai
se valer da forma, do traço, da cor, tanto a concepção artística, quanto a
concepção não artística vão se valer também dos mesmos elementos básicos, e
o que é faz com que um "seja" e o outro "não seja" obra de arte?
Primeiro os procedimentos, que terão direcionamentos opostos, que
serão construídos e darão, por exemplo, um "móvel" não estético, um
utensílio que tem função nem de uso, nem de ergonomia, nem de plasticidade,
por ser representativo, visual, e tentar ser o mais objetivo possível, por
atender a determinadas exigências, portanto o procedimento é tentar se
comunicar e tentar ser coerente, coeso, claro e objetivo.
Caso o móvel fosse artístico teriam que ter esses procedimentos, mas
em determinado momento eles teriam que ser rompidos, porque senão no final
se teria um móvel estético, funcional, ergonômico e com design. Então tudo
é uma questão de procedimento, e o que vai diferenciar uma coisa de outra é
a "artisticidade", se não tiver esse elemento não será uma obra de arte,
mesmo que o sujeito seja um designer, ou o contrário. Não é tudo que o
artista faz que produto é artístico, não tem essa obrigatoriedade. Somente
se nesse processo retórico de construção discursiva, seja em que código
for, efetivar-se o processo de artisticidade. Para isso a função poética ou
estética tem de advir, eclodir, explodir, gerar, ser guiada para o próprio
interior da obra que está sendo feita.
Então, são esses os procedimentos que irão conduzir, ou a um caminho
que vai determinar uma obra de arte, ou o contrário, que vai determinar uma
obra que embora pareça, ou embora tenha similares, aspectos formais,mas não
possui conteúdo, que é exatamente o momento que uma coisa que parece "ser",
mas não é, parece pela "forma" e não pelo "conteúdo". Por que o conteúdo
não existe, que não tenha a obrigatoriedade da função referencial, então
toda obra de arte ou não, diz respeito a alguma coisa, vai falar de alguma
coisa, vai expressar alguma coisa, então obrigatoriamente a função
referencial, tanto está em um, quanto está no outro, o que vai diferenciar
uma coisa da outra é que um deles foi "cortado"por esse elemento artístico
e o outro não.
A expressão artística não está em hipótese alguma no jeito, na forma
que se produz, está no "modo como aquela forma foi gerada". Se nós
pensarmos assim, independentemente de forma, todos os textos, pinturas,
espaços decorativos, sejam eles quais forem, são formados por duas
instâncias, uma instância "denunciaria" que é a "coisa" em si, a outra como
essa "coisa" foi concebida, então tudo, por exemplo, uma forma geométrica,
uma forma clássica, seja ela qual for, tem esses dois elementos, ela possui
o formato dela e como que o sujeito chegou àquele formato, ou seja, o
enunciado e a enunciação.
Se pensarmos como Picasso reduziu a anatomia humana à praticamente
algumas expressões geométricas formadas por linhas: retas, quebradas ou
curvas. Então, se pensarmos como Picasso, em algumas representações,
representou o corpo humano por intermédio disso, ao mesmo tempo ele está
dando uma referência reconhecida em um corpo humano que está ali, de uma
forma que foge ao nosso conceito estético historicamente construído, mas ao
mesmo tempo desqualificando essa construção, primeiro porque rompeu com os
contornos e optou pura e simplesmente por trabalhar com linhas retas,
linhas quebradas e linhas curvas. Segundo, desreferencializou as funções
tradicionais e tópicas dos elementos representados, isso demonstra um
procedimento de "ruptura" e, essa foi à forma como ele recondicionou
aspectos considerados formais da representação do corpo humano ou coisa
parecida.
Se pensarmos ainda mais transgressivamente, no mesmo Picasso
"cubista", ocorre maior esfacelamento da forma, porque o artista consegue
por intermédio de cores, linhas e planos mostrar uma visão holográfica
deste sujeito, independentemente do lugar onde ele esteja, de que ângulo
esteja observando, ou coisa parecida. São modos de representação, que
identificamos, a exemplo, é uma figura humana, isso é "enunciado", agora o
modo como mostrar isso, o modo como esse estudo foi concebido, promovida
todas essas transgressões é o que chamamos de "enunciação". Que são duas
formas de expressão que não trabalham dissociadamente, portanto todo
enunciado tem uma enunciação e toda enunciação leva a algum enunciado.
O que os formalistas trazem é exatamente isso, o aspecto de
artisticidades nunca está no plano do enunciado, sempre estará no plano da
enunciação, ou seja, no modo como aquele enunciado foi "gerado". Porque ali
é que há condições de se manipular os elementos que tradicionalmente são
expostos ao convívio do homem, da maneira como ele convive com as coisas.
De repente, o artista expressa alguma coisa e essa coisa tem uma ordem:
mesa, cadeira, toalha, prato, garfo, faca e comida, por exemplo.
Mas de repente vem alguém e rompe com essa ordem, a exemplo de Marcel
Duchamp. Vaso sanitário é vaso sanitário, mesa é mesa e acabou. Qual é o
aspecto artístico da atitude que Marcel Duchamp fez? Esse aspecto artístico
não está no vaso sanitário, o vaso sanitário é o enunciado nesse caso, está
no modo como o artista "manipulou" aquele determinado objeto que está no
nosso imaginário, mas no momento da concepção artística Duchamp o inverteu
de cabeça para baixo, aí sim é que há o elemento transgressor. Que é o
elemento da ruptura com os elementos que estão automatizados em nosso
consciente. Então aí entra outro conceito, que é exatamente a instância,
uma intervenção do "gênio criador", intervenção do sujeito que é artista,
ao pegar uma coisa que está automatizada pelo uso contínuo das nossas
movimentações humanas e, de repente rompe com aquilo e torna o automatizado
um acontecimento singular.
Pura e simplesmente Duchamp virou o vaso sanitário de cabeça para
baixo, parece que não é nada, não é? Mas traz uma carga de novidade, uma
carga de ruptura de uma representação. Então observamos o "poder" de uma
representação na ordem cósmica de representação do pensamento humano nesse
momento, pura e simplesmente o artista vira o objeto, o que não parece
nada, mas na realidade ele está rompendo com todo o esquematismo da
história do homem com o racionalismo, com a consequencialidade e assim por
diante. A que isso leva? Isso leva o homem a colocar em dúvida o que é
"normal"? Ou o que é o socialmente válido?
Porquanto o homem nesse momento de extrema turbulência, ele tem
repensado a própria vida, não é pura e simplesmente virar o vaso de cabeça
para baixo, mas é uma atitude que possibilita ao homem, enxergar de uma
outra maneira, fora das padronizações. Por outro lado, a força do mercado
tem um poder de reprodução, por exemplo, a Monalisa impressa numa camiseta,
ou canequinha. À exemplo o pneu como, como espelho e as fotocópias da obra
Andy Wool, usados por esta autora em sua composição decorativa e
performática.
A arte na verdade não é o objeto em si, mas o "processo criativo", que
está representado na obra de arte. Toda obra de arte é única. Não existe
experiência estética nem na produção, nem na recepção se não houver obra de
arte. Quem produz, produz fruto de uma determinada experiência e quem
recebe também. Isso é a descrição referencial de uma imagem.
Mas o "ready-made" nomeia a principal estratégia do fazer artístico de
Duchamp. A finalidade é muito mais provocar. Independentemente da
materialização da obra de arte, existem certas manifestações que não se
pode ter experiência tátil e outras não, mas o termo correto é "receber",
recepção, nos recebemos a mensagem sob várias formas distintas, dependendo
do código, por exemplo, o deficiente auditivo não conseguirá ouvir a queda
de uma cadeira verde, entretanto a cor poderá ser vista, mas o som não, o
código de certa forma privilegia o elemento visual.
A nota musical, por exemplo, não tem cor, independentemente da nossa
capacidade nós sistematizamos o código de cores, já para um deficiente
visual a cor é diferente, ele poderá até reconhecer a cor amarelo, mas será
utilizado outra sistematização. O artista é aquele que muito mais que
receptor, possui toda a complexidade do ato criativo, que é muito mais
complexo que o resultado final. São procedimentos que vão sendo lapidados,
elaborados, os estudos demonstram a elaboração da concepção até a
materialização, é muito pesado criar uma expressão estética, porque tem
toda uma elaboração de busca de expressividade.
A construção é uma construção estética, que é uma construção que vai
refletir sobre o próprio ato de construção artística. Se o tema for o
elemento que manifeste a artisticidade de determinada obra, o tema pode
tornar singular uma expressão humana que é estética, não é no tema e sim no
processo de elaboração desse tema, a "enunciação", é no jeito de fazer que
se consegue romper com o esperado, com o inusitado, dar o aspecto da
singularidade, o aspecto da novidade, o aspecto da ruptura com o
automatismo do nosso pensamento do cotidiano, nós pensamos cotidianamente,
referencializadamente.
De repente rompe-se com isso, com o rompimento abrimos caminho para
essa outra maneira de expressão, expressão estética, que vai congregar nela
todas as outras formas de expressão, mas numa única instância, enquanto que
cada uma das outras vai levar, evocar, o aspecto do homem sobre outro ponto
de vista ao qual ela é específica.
A expressão artística coloca o homem diante da diversidade do todo que
ele é, mas para fazer isso se precisa singularizar e não particularizar,
traçando estratégias processuais, procedimentos para romper com o
qualificativo de pensar o homem de acordo com o que o homem tem. Criar
alguma coisa que prenda o homem na singularidade total, e é exatamente aí
que cada um de nós sendo diferente uns dos outros, porque que ele assim o
é.
"O procedimento de singularização (…) consiste no fato de que ele não
chama o objeto por seu nome, mas o descreve como se o visse pela primeira
vez e trata cada incidente como se acontecesse pela primeira vez; além
disto, emprega na descrição do objeto, não os nomes geralmente dados às
partes, mas outras palavras tomadas emprestadas da descrição das partes
correspondentes em outros objetos." (CHKLOVSKI, 1978, p. 46)
Ele é assim porque é singularizado, fugiu-se do automatismo. A
coletividade é onde cada sujeito terá um ponto em comum, o ser que nos
habita, que representa a coletividade da particularidade. Então quer dizer
que na obra de arte ela vai se voltar e fazer despertar o instante especial
da condição humana, o que é muito diferente da concepção de uma performace
passageira, que pura e simplesmente ela vai mostrar uma faceta do nosso
cotidiano, e o que isso representa? O que ela pode trazer de substância
para atividade humana? Ela pode até mexer com alguma coisa, mas o problema
não é da obra em si, o problema é da recepção. É ou não é independentemente
do envolvimento receptivo? Se sim ou se não?
O sistema capitalista transforma arte em comércio, alguns autores
concordam que como forma de repúdio ao sistema foi criada a "Arte
Conceitual", que foi pontuada por ações de performace, que anunciava o
surgimento ou morte desse tipo de manifestação. Segundo alguns autores, a
performace é a maneira de manifestar o descontentamento e buscar o
restabelecimento do aspecto mais visceral, radical e experimental do
processo criativo e a valorização do processo versus o produto.
Ainda segundo alguns autores, a partir dos anos 1970 a performace
passou de "manifesto" a forma de se fazer "arte por si própria" e,
ramificou-se em expressões não só performáticas como também de dança e
teatro experimental. Enfim o sistema capitalista consegue transformar
"arte" em "comércio".
O que isso traz de novidade, que Duchamp já trouxe naquela
oportunidade? Ele rompeu! Tudo que vem depois, mesmo que seja similar, não
é a mesma coisa, é uma relação intertextual, mas para isso existe a
necessidade de ter elementos que já foram feitos, mas trazer uma coisa
nova. O que há de acréscimo de possibilidade de criação como antes? Talvez
para alguns, o feitio é momentâneo. O que essa força momentânea traz de
novidade em relação a "coisas" que já foram feitas pela primeira vez? A
primeira tem o brilho da originalidade, o outro muitas vezes é exposto,
então é facilitada essa ocorrência pela brevidade que o próprio espírito de
criação dessa linguagem proporciona.
A arte experimental, pelo próprio dinamismo dela, teria que pressupor
em cada ocorrência uma expressividade única. Só que o que acontece, é que,
ou de um modo ou de outro, ela é repercussões de coisas que já foram
apresentadas antes. Para isso existe uma contradição na própria concepção
dela, pura e simplesmente repetindo com outros elementos, com outras
linguagens, mas mantendo o mesmo princípio: de ser ela é experimental.
Diferentemente de uma forma fixa. As formas fixas vão surgir
primeiramente na idade clássica Greco-romana, principalmente na Grega, com
duas modalidades extremamente virulentas no tocante a expressividade
humana: na tragédia e na comédia. Depois ela só será repetida no
Renascimento, que é exatamente uma revisitação àquele tempo, após toda a
Idade Média. No Renascimento, no século XV ao século XVI, o homem vai gerar
aquele tipo de manifestação estética, como resultado da história do homem
até então e, naquele momento, ele vai reviver, vai atualizar todos os
procedimentos Greco-romanos, daí é vem o nome "renascimento das artes".
Portanto, uma atividade inteiramente racional. O momento renascentista e o
greco-romano são inteiramente racionalizados, então a forma fixa cabe muito
bem, porque é a razão que impera, é o pensamento racional de concepção
artística.
A necessidade da arte localiza-se na esfera do ser social, do humano,
vinculada ao trabalho e à linguagem e independentemente dos sobrenomes que
se dão para o nome "arte", o que importa na realidade é se "é" ou "não é"
arte. Depois os sobrenomes são os caminhos, novamente as funções da
linguagem, a primeira dominante tem que ser a poética, a segunda dominante
vai dar o direcionamento, a função emotiva. Então todos os elementos estão
na base da construção daquele tipo de manifestação artística, que vai ser
diferente de outro um tipo, que a segunda função não é a dominante e sim
uma outra e, assim por diante. No período realista, existiram produções
artísticas e produções não artísticas, no período romântico também e assim
por diante. Mas a grande questão que fica é: se "é" ou "não é" arte,
independentemente do que vem depois dela. O que é arte e o que vem depois
dela?
Trotsky estabelece outra visão, uma concepção de arte que vai ganhando
corpo na arte: "É indiscutível que a necessidade da arte não é criada pelas
condições econômicas. Mas tampouco a necessidade de alimentação é criada
pela economia. A necessidade de alimentação e calor, pelo contrário, é que
cria a economia. Nem sempre se podem seguir somente os princípios marxistas
para julgar, rejeitar ou aceitar uma obra de arte. Esta deve se julgada, em
primeiro lugar, segundo suas próprias leis, isto é, segundo as leis da
arte. Mas só o marxismo pode explicar por que e como, num determinado
período histórico, aparece tal tendência artística; em outras palavras,
quem expressou a necessidade de certa forma artística, e não de outras, e
por quê." (TROTSKI, 2007, pp. 143-144)
Novamente, a totalidade no campo de concepção e de ação da arte. Para
passar da singularização a uma concepção de arte Chklovski quase troca o
formalismo pela dialética ao conceber o seu objeto em processo.
"E eis que para devolver a sensação de vida, para sentir os objetos,
para provar que pedra é pedra, existe o que se chama arte. O objetivo da
arte é dar a sensação do objeto como visão e não como reconhecimento; o
procedimento da arte é o procedimento da singularização dos objetos e o
procedimento que consiste em obscurecer a forma, aumentar a dificuldade e a
duração da percepção. O ato de percepção em arte é um fim em si mesmo e
deve ser prolongado; a arte é um meio de experimentar o devir do objeto, o
que é já 'passado' não importa para a arte." (CHKLOVSKI, 1978, p.45;
itálicos originais)
Elaborando um parelelo entre esses dois autores: a arte como "uma
experiência que ultrapassa a escala pessoal, educa o indivíduo, o grupo
social, a classe e a nação" (TROTSKI, 2007, p. 137) não é igual à "arte
como procedimento" (CHKLOVISKI, 1978, 39-56). Mas entre esse dois autores,
suas concepções possuem complementaridade: em Trotsky reconhecimento
específico da arte, no formal, no estrutural, no interior das relações
sociais e históricas, de maneira ampla, profunda e sintética; já Chkloviski
relaciona os procedimentos e as formas ao momento social e histórico onde e
quando ocorrem.
Assim, se é arte, nunca é efêmera, ela pode ser vista como efêmera em
determinado momento da história e depois pode ser vista de uma forma
completamente diferente a exemplo, temos a obra de Van Gogh, extremamente
efêmera, e porque depois tão valorizada? Sendo ela é a mesma? O problema
estava não na obra em si, mas na "recepção dela", quem a recebeu, enquanto
crítico, não conseguiu entender aquela forma expressiva, aquela forma
"singular", tudo que está representado nas telas dele foi retirado da
paisagem, mas ele "singularizou". Mais por entender o processo de
amoldamento de procedimentos, que compõem determinado cenário
representativo, porque existe um trabalho de elaboração por traz.
Concluindo muitas vezes o trabalho do designer de interiores tem como
objetivo contestar, se contrapor , como à exemplo, o uso de pneu como
moldura ou como espelho, além de inclusão das fotocópias de obras do
artista Andy Wool, então contra todas essas coisas o designer vai provocar
uma reação que mexe com essas questões, mas ele só obterá êxito com o
reconhecimento dos elementos. Pode-se pegar uma coisa "usual e
singularizar" e "performaticamente" transformar todo esse processo de
"singularização" e, incutindo primeiro a sensação do objeto como visão,
como resultante de uma atitude que vai congregar com ela inúmeras
potencialidades, além da do reconhecimento, ou seja, como visão engloba o
reconhecimento. Então, se impera reconhecimento, automaticamente os outros
elementos são deixados em segundo plano, mas obra de arte é aquela que: em
primeiro plano cria a "sensibilização" do objeto como visão e, não o
contrário, primar pela referencialidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHKLOVSKI, V. A Arte como Procedimento. In: VÁRIOS. Teoria da literatura:
formalistas russos. Tradução de Ana Mariza Ribeiro Filipouski, Maria
Aparecida Pereira, Regina L. Zilberman e Antônio Carlos Hohlfeldt. Revisão
de Rebeca Peixoto da Silva. Organização, apresentação e apêndice de
Dionísio de Oliveira Toledo. Prefácio de Boris Schnaiderman. 4. ed Porto
Alegre: Globo, 1978. pp. 39-56

TROTSKI, Leon. A escola de poesia formalista e o marxismo. In: TROTSKI,
Leon. Literatura e revolução. Tradução de Luiz Alberto Moniz Bandeira.
Apresentação William Keach. Tradução da apresentação, cronologia da vida de
Trotski. Glossário, sugestões de leitura e índice por Débora Landsber. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. pp. 133-147







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[1] Aluna Especial do componente curricular Cultura e Experiência Estética
do Programa Multidisciplinar de Pós- Graduação em Cultura e Sociedade, do
Instituto de Humanidades, Artes e Ciências, da Universidade Federal da
Bahia. Correio-e: [email protected]
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