CULTURA E MEIO AMBIENTE O QUE HÁ DE NOVO NO NOVO CONSTITUCIONALISMO

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Local: FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – Rua Presidente Pedreira, 62, e Rua Tiradentes, 17, Ingá, Niterói RJ

4º SEMINÁRIO INTERDISCIPLINAR EM SOCIOLOGIA E DIREITO

E AGORA, BRASIL? ANAIS DO 4º S&D ISSN 2236-8736, n.4, v.4 14 e 15 de Outubro de 2014

NITERÓI: Ed. PPGSD-UFF 2014

4º SEMINÁRIO INTERDISCIPLINAR EM SOCIOLOGIA E DIREITO Anais 4º S&D, ISSN 2236-8736, n. 4, v. 4

COMISSÃO CIENTÍFICA DOCENTES Profa. Dra.Alba Simon (Pós-Doutoranda/PPGSD/UFF) Prof. Dr. Alessandro Farage Figueiredo (USP/FAP) Prof. Dr. Alexandre Fernandes Corrêa (UFRJ/Macaé) Profa. Dra. Ana Maria Motta Ribeiro (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Aurélio Wander Bastos (IUPERJ) Profa. Dra. Carla Appollinário de Castro (UFF/Volta Redonda) Prof. Dr. Carlos Eduardo Machado Fialho (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Delton Ricardo Soares Meirelles (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Éder Fernandes (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Edson Alvise (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Eduardo Manuel Val (PPGDC/UFF) Prof. Dr. Enzo Bello (PPGDC/UFF) Prof. Dr. Felipe Dutra Asensi (IESP/UERJ) Prof. Dr. Fernando Gama de Miranda Netto (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Gilvan Luiz Hansen (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Ivan Alemão (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Joaquim Leonel de Resende Alvim (PPGSD/UFF) Prof. Dr. José Henrique Carvalho Organista (UFF) Prof. Dr. Lenin Pires (PPGA/UFF) Prof. Dr. Leonardo dos Santos Soares (UFF) Prof. Dr. Luís Antônio Cruz Souza (UFMG) Prof. Dr. Luís Carlos Fridman (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Marcelo Pereira de Mello (PPGSD/UFF) Profa. Dra. Márcia Cavendish Wanderley (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Marcus Fabiano Gonçalves (PPGSD/UFF) Profa. Dra. Maria Alice Chaves Nunes Costa (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Napoleão Miranda (PPGSD/UFF) Prof. Me. Nilton Soares de Souza (Faculdade Paraíso SG) Prof. Dr. Pedro Heitor Barros Geraldo (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Valter Lúcio de Oliveira (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Wilson Madeira Filho (PPGSD/UFF) Profa. Dra. Yacy-Ara Froner (UFMG)

DISCENTES Alessandra de Almeida Braga Álvaro dos Santos Maciel Daniela Juliano Silva Eduardo Helfer de Farias Mariana Devezas Rodrigues Renata Feno Neves Rogério Borba Zani Cajueiro Tobias de Souza

4º SEMINÁRIO INTERDISCIPLINAR EM SOCIOLOGIA E DIREITO Anais 4º S&D, ISSN 2236-8736, n. 4, v. 4

COMISSÃO EXECUTIVA Prof. Dr. Wilson Madeira Filho (PPGSD-UFF) Alessandra Dale Giacomin Terra Alessandra de Almeida Braga Álvaro dos Santos Maciel Cláudia Lúcia Moreira Areias Daniela Juliano Silva Eder Fernandes Mônica Eduardo Helfer de Farias Mariana Devezas Rodrigues Murias de Menezes Nilton Soares de Souza Neto Renata Feno Neves Rodolfo Bezerra de Menezes Lobato da Costa Tauã Lima Verdan Rangel Wagner de Oliveira Rodrigues Walter Souza Filho

EDIÇÃO DOS ANAIS Prof. Dr. Wilson Madeira Filho (PPGSD-UFF) Daniela Juliano Silva (PPGSD/UFF) Tauã Lima Verdan Rangel (PPGSD/UFF)

Anais do 4º Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito ISSN 2236-8736, n. 4, v. 4 GT 04: CIDADANIA, DIREITO À CIDADE E DESCOLONIALISMO NO ÂMBITO DO NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO AMERICANO

CULTURA E MEIO AMBIENTE: O QUE HÁ DE NOVO NO NOVO CONSTITUCIONALISMO? NETTO, Mariana Corrêa1 ROMANO, Marcus Vinícius Bacellar2

INTRODUÇÃO A proteção ambiental envolve a forma de pensar a relação entre o homem e o meio ambiente, e destas relações surgiram ideologias e instrumentos de proteção que variam tanto em suas formas quanto na quantidade de proteção. A Constituição Brasileira de 1988 trouxe uma série de direitos que estão inseridos em um complexo processo de concretização. Dentro desse rol de direitos, duas categorias são parte essencial deste ensaio: o direito ambiental e os direitos culturais. Trataremos, por ora, dos conflitos entre estes ramos e das dificuldades inerentes à cultura latino-americana, que é formada por diversas populações tradicionais que habitam áreas de grande importância ambiental para sociedade. A problemática passa sempre pelo conflito entre proteção ambiental e proteção à cultura. A relação entre esses direitos, classificados como difusos, deve ser entendida sem que se pense em uma prevalência prima facie de uma categoria sobre a outra; porém, nem sempre tem sido adotado o caminho do razoável quando diante destes conflitos: por diversas vezes, o direito ambiental, em nome do principio da precaução, tem levado à desarticulação completa de complexos culturais sem que se faça uma reflexão adequada. A relação homem e meio ambiente variou no tempo e no espaço e essa variação exige, para uma compreensão mais apurada, um breve levantamento histórico e identificação das principais correntes ideológicas que direcionaram a política ambiental e, por consequência, a legislação ambiental. Nosso ponto de partida tem por base as obras “O mito moderno da natureza intocada” e “A natureza à margem da lei”, que trazem diversas considerações relevantes sobre 1

Bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes em Niterói/RJ (2011). Mestranda do Programa de PósGraduação Stricto Senso em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense. Advogada regularmente inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção do Estado do Rio de Janeiro. 2 Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Senso em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense. Advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção do Estado do Rio de Janeiro.

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as políticas de proteção ambiental e sua relação com os conflitos socioambientais. No que se refere ao direito, passaremos pelas concepções tradicionalmente “exportadas” da Europa e Estados Unidos destacando quais as contradições desses sistemas protetivos quando aplicados em países da América Latina, nos quais as disputas por território se dão a partir de uma lógica completamente distinta, para, em seguida, analisarmos as propostas do que tem sido chamado de Novo Constitucionalismo Latino Americano. Cabe aqui a advertência de que não pretendemos esgotar o tema, visamos essencialmente apresentar alguns questionamentos que, apesar da grande importância que apresentam, têm sido pouco ventilados no meio jurídico.

1 RELAÇÃO ENTRE HOMEM E MEIO AMBIENTE (NO DIREITO MODERNO) Por traz do Direito, existem ideologias que geram argumentos para justificar uma vedação ou uma permissão concedida aos homens de determinada sociedade. A construção de instrumentos jurídicos para proteção da natureza passa por um caminhar histórico que descreve a forma que o homem se relaciona com a natureza e o status que determinada sociedade dá para este complexo que chamamos meio ambiente. O homem e o meio ambiente foram pensados de muitas formas. Na Europa do séc. XVIII, o antropocentrismo garantia que o homem fosse tido como o senhor do mundo, sendo este último criado para servi-lo em uma ideologia focada na razão e na crença de que através dela se poderia controlar a natureza. Aliada à falsa ideia de que os recursos naturais jamais se esgotariam, essa visão fez com que a flora e fauna fossem atingidas violentamente pela ação predatória do crescimento industrial, científico e urbano. A natureza servia somente para servir ao homem, ilimitadamente. Em interessante passagem, Diegues informa que a domesticação de animais era um dos símbolos desse período, que significava a vitória do homem sobre o “selvagem”. “Na Europa Ocidental a domesticação de animais era tida como o ponto mais alto da humanização”3. OST (1995) informa que a propriedade comum do feudalismo ganhou contornos e fronteiras, passando a constituir a propriedade privada exclusiva. A Revolução modificou o

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DIEGUES, 2008, p. 23.

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Direito e este passou a identificar na propriedade um dos direitos mais essenciais ao homem capitalista. Seguindo essa lógica, vários instrumentos jurídicos surgiram para catalogar as espécies de propriedade e gerir a devida proteção ao mercado: É, pois, sobre o conjunto da natureza que se lança a rede da apropriação,: às coisas corporais e concretas aplicar-se-á a propriedade privada; aos elementos abstractos, como uma nova variedade vegetal, adaptar-se-ão os mecanismos da propriedade intelectual; quanto às coisas não domáveis e não apropriáveis em bloco, como ar e a água, por exemplo, será objetos da soberania pública (que é para o direito público o que a propriedade é para o direito privado), permitindo, simultaneamente, a apropriação privada dos seus elementos constitutivos.4 Ancorado em uma ideologia liberal, o direito positivista regulou essas formas de propriedade e sua fundamentação; o que garantia ao homem a possibilidade de se apropriar da terra e dos demais bens presentes na natureza fora fundamentado por diversos filósofos que são estudados até os dias atuais. Locke fundamentou a aquisição da propriedade através do trabalho e da necessidade, assim como identificou a possibilidade de abusos com o aparecimento do dinheiro como forma de circulação de riquezas5. Já no decorrer do séc. XVIII, a liberdade econômica como uma das bases do Direito permite o uso, gozo e disposição da propriedade mesmo que seja através do sacrifício da proteção à natureza, posto que impedir que o proprietário atuasse da forma que desejasse seria uma afronta aos direitos balizares do ordenamento jurídico. De acordo com a doutrina mais atual do direito civil, a propriedade era um direito absoluto e perpétuo quando do Código Civil bonapartista, ou mesmo o nosso código civil de 1916: por eles, a propriedade passa a ser “um direito justificado pela necessidade e pelo trabalho”, “um direito que pressupões ocupação (apropriação duradoura) e transformação”6. O direito se formou sobre a ideia de propriedade e a natureza como um todo é vista como um bem passível de ser adquirido e utilizado pelo homem, isso com base em uma visão de mercado que possibilita trocas patrimoniais. O que fugia dessa possibilidade de apropriação – como mar, ar, ou territórios de interesse do Estado –, passou a ser regido pelo

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OST, 1995, p. 54. OST, 1995, p. 60. 6 OST, 1995, p. 67. 5

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direito público, pelo que se passou a classificar a propriedade como bem público de uso comum, de uso especial e bem dominical. No que tange aos bens naturais, como água e atmosfera, OST (1995) faz uma indagação; ele pergunta se, neste caso, não se trataria muito mais de uso do que de propriedade, uma vez que o bem retirado da natureza é devolvido à ela. Partindo dessa ideia de uso, aquele que se beneficia destes bens e os devolve a natureza em estado um estado inferior estaria se apropriando de algo comum, usando-o como se fosse exclusivamente seu, pois usa-o de forma desmedida (p.ex., a indústria que retira água de um rio e a devolve poluída). A lógica de mercado e a lógica da propriedade pública passam, assim, a convier, mas nunca sem conflitos. Isto posto, se no direito ambiental predomina a concepção de propriedade, na ecologia encontramos as ideologias que fundamentam a qualidade e quantidade do que se protege. Em "O Mito Moderno da Natureza Intocada", DIEGUES descreve um processo que se inicia após período de grande exploração do meio ambiente, período da precarização das condições da vida nas cidades devido a insalubridade, da exploração do trabalho e de demais mazelas do período liberal pleno, quando o campo, o natural, passa a ser idealizado como paraísos sobre a terra, locais não alcançados pelo homem e que poderiam lhe servir de retiro espiritual. Essas ideias ganham força nos Estados Unidos em meados do séc. XIX. O embate entre algumas correntes ideológicas que propugnavam pela conservação do meio ambiente orientou o surgimento de diversos parques nacionais. Seguindo a visão de que o homem é um invasor do espaço natural, surge a ideia de separação entre este e a natureza, que deve ser protegida. A criação do parque de Yellowstone foi um exemplo desse movimento. O parque foi criado em 1872 e as normas do país proíbem qualquer ocupação humana que não seja unicamente para fins de recreação.7 Uma linha ideológica foi a conservacionista, que trabalha com a ideia de uso sustentável dos bens naturais. O uso racional dos bens se opôs ao desenvolvimento sem amarras,

e “essas ideias foram precursoras do que hoje se chama de ‘desenvolvimento

sustentável'”8. Outra corrente, chamada de preservacionaista, se utilizava de argumentos estéticos e 7 8

DIEGUES, 2008, p. 27. DIEGUES, 2008, p. 29.

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de teor espiritual para justificara a proteção da vida selvagem (widerness):

[...] foi John Muir o teórico mais importante do preservacionismo, abraçando um organicismo pelo qual a base do respeito pela natureza era seu reconhecimento como parte de uma comunidade criada à qual os humanos também pertenciam. Para esse autor, não somente os animais, mas as plantas, e até as rochas e a água eram fagulhas da Alma Divina que permeava a natureza. 9 Conforme informa Diegues, apesar dos diversos conflitos ideológicos nos Estados Unidos, na primeira metade do séc. XX – guiado inicialmente pela necessidade de preservação de espaços esteticamente paradisíacos e, depois, por critérios biológicos e éticos –, o que prevaleceu foi a concepção que negava a presença humana de forma permanente.10 Estas informações apresentadas até esta parte do texto nos servem para fazer duas considerações;

a primeira é a de que, mesmo que se esteja diante da construção de

instrumentos jurídicos para limitar os abusos contra o meio ambiente – como a construção dos direitos de terceira geração (coletivos e difusos), princípios como do poluidor pagador e da função social da propriedade –, hoje se adota no Brasil a concepção europeia construída sobre o positivismo, de natureza como um bem apropriável. O corpo do art. 225 da Constituição Brasileira deixa claro que meio ambiente sadio é um direito: “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Nos incisos do art. 20, temos um relato dos bens da União e diversos desses bens são parte do meio ambiente. Podemos dizer que os art. 5, inciso XXIII, art. 170, art. 186, art. 200 e art. 225, todos da Constituição Federal, são exemplos de limitações à lógica de mercado quando da utilização do meio ambiente. No que se refere aos embates ideológicos no território americano, mesmo que diante de novas linhas ecológicas que variam entre o antropocentrismo, já apontado, e as vertentes “biocêntricas”, que tendem para o reconhecimento de importância da natureza independente da sua serventia ao homem, a ideia que tem tido prevalência parece ser a que mantém homem e meio ambiente como opostos:

O 9

modelo

de

conservacionismo

norte-americano

espalhou-se

DIEGUES, 2008, p. 31. DIEGUES, 2008, p. 33.

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rapidamente pelo mundo recriando a dicotomia entre “povos” e “parques”. Como essa ideologia se expandiu sobretudo para os países de Terceiro Mundo, seu efeito foi devastador sobre as “populações tradicionais” de extrativistas, pescadores, índios, cuja relação com a natureza é diferente da analisada por Muir e os primeiros “ideólogos” dos parques nacionais norte-americanos. É fundamental enfatizar que a transposição do “modelo Yellowstone” e de parques sem moradores vindos de países industrializados e de clima temperado para países do Terceiro Mundo, cujas florestas remanescentes foram e continuam sendo, em grande parte, habitadas por populações tradicionais, está na base não só de conflitos insuperáveis, mas de uma visão inadequada de áreas protegidas. 11 2 RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E CULTURA NO DIREITO LATINO AMERICANO

2.1. Apontamentos sobre a legislação brasileira

A Convenção n° 107 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) era a norma internacional que fora internacionalizada pelo Brasil no período do Regime Militar e tratava sobre povos indígenas e tribais com um viés integracionista, o texto se definia como sendo “Concernente à proteção e integração das populações indígenas e outras populações tribais e semitribais de países independentes”. Seu texto vigorou até 2004, quando o Brasil aderiu à Convenção n° 169 da OIT, internalizada pelo Decreto Legislativo n° 143 em 200212 (promulgada pelo Decreto Presidencial n° 5051/04). Em diversas passagens da exposição de motivos do poder executivo e do relatório para aprovação do projeto de Decreto Legislativo que cominaria na Convenção n° 169 fica claro que é uma evolução frente à Convenção n° 107. Pois se abandona o projeto integralista e se busca o pluralismo, sendo esse último, segundo os relatores da Comissão de Assuntos Exteriores, da Comissão de Direitos de Consumidores e da Comissão de Constituição e Justiça, uma das características da Constituição de 1988. Portanto, para os órgãos que deram parecer favorável à internalização da 11

DIEGUES, 2008, p. 37 Lembramos que com a emenda constitucional 45 se adicionou o §3° ao art. 5, o que gerou uma nova interpretação no Supremo Tribunal Federal, que passou a entender que os tratados sobre direitos humanos que até então não havia sido internalizados pelo procedimento previsto no novo dispositivo teriam hierarquia supralegal, porem infraconstitucional.

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Convenção n° 169 o pluralismo é característica marcante da nova Constituição e a Convenção n° 107 e o Estatuto do Índio, que teve por base a referida convenção, deveriam ser revisados.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS N' 327 DE 28 DE JUNHO DE 1991 DO SENHOR MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES A Sua Excelência o Senhor Doutor Fernando Collor, presidente da República, Senhor Presidente. Tenho a honra de elevar à alta consideração de Vossa Excelência, acompanhado de projeto de Mensagem ao congresso, o texto da Convenção n' 169, "da organização Internacional do Trabalho, relativa aos povos indígenas e tribais em paises independentes. 2. A referida Convenção, adotada pela 76º reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra, 1989), revisa parcialmente a convenção' n· 107, de 1957, sobre populações indigenas e tribais, ratificada pelo Brasil em 1965. 3. A Convenção n' 169 precisa a definição dos destinatários de suas normas e, ao mesmo tempo, resguarda a soberania dos Estados que venham a promulgá-la, não atribuindo às populações tribais o "status" de sujeito de Direito Internacicnal Público. Diferentemente da Convenção n° 107, a Convenção n° 169 não se refere a "principios gerais", mas sim, a uma "politica geral" que deve nortear o relacionamento dos Governos com os povos indigenas. Enfatiza também, entre seus conceitos, a necessidade de preservação dos usos, costumes e tradições das populações indígenas, e procura assegurar que lhes sejam reconhecidos os direitos fundamentais da pessoa humana. DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL (Seção I) Agosto de 1991. Relatório Comissão de Assuntos Exteriores: Esta Convenção, aprovada na 76° reunião da Conferência Internacional do Trabalho realizada em Genebra, em 1989, revisa parcialmente a anterior Convenção n° 107, de 1957, sobre as populações indígenas e tribais, ratificada pelo Brasil em 1965, aprovada pelo Congresso Nacional Conforme o Decreto Legilativo n° 20, de 1965, e promulgada através do Decreto n° 58.824, de 14 de julho de 1966. [...] Ao propor a revisão parcial da Convenção n° 107, o Conselho de Administração da OIT – em que o Brasil detém assento permanente – estabeleceu as seguintes finalidades: A eliminação do caráter integracionaista presente na Convenção original; O fortalecimento dos direitos indígenas e tribais sobre as terras e A promoção e fomento ao autodesenvolvimento [...] Por outro lado, os direitos reconhecidos na Convenção Conviviam com a concepção declaradamente integracionais do documento (art. 13

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2), que tinha por pressuposto uma noção evidentemente etnocêntrica (art. 1, 1, a). (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL (Seção I) Setembro de 1993. Quinta-feira 02, PAG. 23). A Convenção n° 107 é discutida nos termos do Estatuto do Índio, mas alcança populações tradicionais e quilombolas, assim como a Convenção n° 169 hoje é aplicada para tratar de quilombolas e populações tradicionais, conforme podemos depreender de seu art. 1 (VILLARES, 2009, p. 29).13 A referida convenção serviu de base para diversos processos de revisão normativa, mas um dos principais efeitos foi a forma como movimentos sociais, políticos e internacionais buscaram a ressemantização de conceitos pré-88, no intuito de alcançar maior justiça social e se adequar aos caminhos históricos na relação entre o Estado e esses grupos. A Convenção n° 169 estabelece, em seu art. 2, como principal critério para o reconhecimento de povos indígenas e tribais a “consciência de sua identidade indígena ou tribal”, o que fez com que a auto-identificação, como sendo parte de um grupo culturalmente diferenciado, fosse apoderada como critério normativo na identificação destes grupos. Essa ressemantização ocorreu com força para os grupos quilombolas e para os povos/populações tradicionais. Primeiro tivemos a lei n° 9.985/00, sancionada por Fernando Henrique Cardoso, mas com um veto ao art. 2, inciso XV da lei que assim conceituava populações tradicionais:

XV - população tradicional: grupos humanos culturalmente diferenciados, vivendo há, no mínimo, três gerações em um determinado ecossistema, historicamente reproduzindo seu modo de vida, em estreita dependência do meio natural para sua subsistência e utilizando os recursos naturais de forma sustentável. O primeiro ponto a ser levantado é atentar para o fato da primeira definição de populações tradicionais no ordenamento Brasileiro ter sido ventilada em uma lei ambiental. Isso pode demonstrar uma tendência à hierarquização e maior valorização dos direitos 13

Art. 1. A presente convenção aplica-se: a) aos povos tribais em países independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial; b) aos povos em países independentes, considerados indígenas pelo fato de descenderem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas.

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ambientais frente aos direitos cultuais. Lobão (2012b, p. 9) definiu o veto e a situação social no período afirmando que o conceito previsto na lei “Do lado do governo, era ampla demais. Do lado do movimento social, seringueiros do Acre, por exemplo, o marco temporal – “três gerações” – era restritivo demais”. Posteriormente, com a mudança de governo, no período Lula, surge o Decreto n° 6.040/07, que adota outra conceituação:

Art. 3°. Para os fins deste Decreto e do seu Anexo compreende-se por: I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição; Esta conceituação se coaduna com a Convenção n° 169 e a normatização da autoidentificação como critério norteador para identificar grupos culturalmente diferenciados, assim como nega o critério temporal (na norma anterior três gerações). No que se refere aos movimentos quilombolas, tivemos um processo parecido, no período Fernando Henrique, a política de governo fora no sentido de fortalecer critérios temporais/históricos para identificação dos quilombolas, o Decreto n° 3.912/01 estabelecia:

Art. 1°. Compete à Fundação Cultural Palmares - FCP iniciar, dar seguimento e concluir o processo administrativo de identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como de reconhecimento, delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário das terras por eles ocupadas. Parágrafo único. Para efeito do disposto no caput, somente pode ser reconhecida a propriedade sobre terras que: I - eram ocupadas por quilombos em 1888; e II - estavam ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos em 5 de outubro de 1988. Por sua vez, novamente quando da internalização da Convenção n° 169 em 2004, o critério temporal/histórico foi afastado. Ao relatar os efeitos sociais da Convenção n° 169, Lobão (2012, p. 10) identifica que:

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Um deles pode ser denominado como a “ressemantização do conceito de quilombo”. Esse processo foi caracterizado pela reunião de diferentes movimentos sociais – tanto nas cidades quanto no campo – com múltiplos atores institucionais – do Estado, das universidades e de organizações não governamentais – que produziram uma centralidade do reconhecimento na auto-identificação, nos elementos diacríticos da dimensão cultural desses grupos, nos direitos de cidadania diferenciados e na recusa à fundamentação racialista ou histórica do reconhecimento. Em 20 de novembro de 2003, Dia da Consciência Negra, o Decreto n° 4.887 foi promulgado pelo então presidente Lula. A norma se aproxima da Convenção n° 169 e finca seus pés na auto-identificação, não se referindo ao critério temporal ou racialista quando da proteção da cultura quilombola, portanto, um de seus pontos mais importantes foi atualizar o conceito de “comunidades remanescentes de quilombo”. O novo conceito se aproxima do que era “sugerido pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que entende essas comunidades como grupos sociais cuja identidade étnica os distingue do restante da sociedade” (MORAES, 2011, p. 8). Assim dispõe o referido Decreto: Art. 2° Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. § 1° Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade. § 2° São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural. § 3° Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental. Os processos sociais e culturais, internalizados no ordenamento jurídico, demonstram que critérios racialistas, biológicos, temporais (históricos) perdem força frente a 16

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necessidade de proteção da cultura como direito difuso. Certamente, outros critérios além da auto-identificação são previstos ou podem ser previstos, a auto-identificação parece servir como uma dupla barreira, primeiro impede que alguém seja rotulado como sendo parte de um grupo mesmo não sendo seu desejo, segundo, permite que se questione o critério temporal e racial como sendo os mais importantes para conceituação.

2.2. A relação com a terra: cultura e ambientalismo na América Latina Nas últimas décadas, a América Latina se revelou palco de movimentos sociais marcados por resistências e insatisfação política. A dinâmica neoliberal opressiva da economia capitalista, a corrupção e claras violações de direitos conduziram sociedades latino americanas a manifestações de protesto, como o "Caracaço" na Venezuela, em 1989, motivado pela adoção de medidas econômicas prejudiciais por Carlos Andrés Pérez, presidente à época. Entre as medidas, houve um aumento no preço da gasolina que serviu como justificativa para um grande aumento no preço do transporte coletivo. As guerras da água, no ano de 2000, e do gás, em 2003, na Bolívia, respectiva e sucintamente contra a privatização do fornecimento de água e contra a exploração de gás natural sem que houvesse uma política para abastecer, primeiramente, o mercado interno e a Marcha Branca no Equador, em 2005, em prol de segurança, saúde e serviços básicos são outros exemplos de explosões populares em defesa de direitos fundamentais que não foram respeitados. Saliente-se que o Brasil viveu momentos de tensão social similares a esses, cujo estopim fora a alta no preço do transporte público somada ao descontentamento com questões políticas, de segurança pública, de educação e tantas outras. Essas resistências frente a atos do poder público que desrespeitaram direitos essenciais levaram alguns países latinos a reivindicar mudanças substanciais em suas estruturas para que estas espelhassem verdadeiramente suas identidades culturais particulares, considerando suas raízes indígenas e valorizando o bem comum através do reconhecimento de novos atores sociais. A América Latina conta com um histórico de influências maciças da cultura europeia colonizadora e das grandes revoluções mundiais, o que, por muito tempo, distorceu a identidade cultural local, totalmente diversa. Entretanto, é um erro desconsiderar as feições particulares e únicas que o ambiente colonizado imprimiu à sua modernização. O que se chama hoje de "novo" Constitucionalismo Latino Americano, ou 17

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Constitucionalismo Andino, é fruto de rupturas ideológicas, bem como de reformas institucionais propostas por governos progressistas em resposta a esses clamores sociais. São exemplos as constituições boliviana (2009), equatoriana (2008) e colombiana (1991); esta última, apesar de haver divergências acerca da sua pertença ao movimento constitucional em questão, é inquestionavelmente dotada de algumas características intrínsecas a ele, sendo um bom exemplo de participação cidadã e valorização de saberes ambientais originários. Frise-se que não se ignora, aqui, os conflitos de interesse e influências políticas à feitura das constituições ora analisadas; esses fatos, porém, não serão aqui aprofundados. De traços fortemente democráticos, o Constitucionalismo Transformador fora idealizado no seio popular em contraponto às feições insatisfatórias do modelo constitucional clássico baseado no legado iluminista europeu, que não reflete as demandas reais das sociedades sul americanas e, por isso, carece de força legitimadora. PASTOR e DALMAU (p. 4-5) versam sobre as diferenças e similitudes entre o constitucionalismo andino – adotado por Estados Plurinacionais – e o neoconstitucionalismo, movimentos que originaram constituições na América do Sul. Explicam que o neoconstitucionalismo é uma corrente doutrinária produto de "anos de teorização acadêmica" (tradução livre), enquanto o "novo" constitucionalismo latino americano é resultado de reivindicações e movimentos sociais, estando, assim, em busca da legitimidade e da normatividade da Constituição que têm carecido àquele. Afirmam que esse entendimento recupera a essência revolucionária do constitucionalismo, dotando-o de mecanismos que possam torná-lo mais eficaz. Tem-se, portanto, no exemplo do constitucionalismo latinoamericano, a concretização gradativa dos anseios de populações que há muito vivem sob o jugo de uma colonização opressiva. No caminho de libertação, os países sul-americanos vêm descobrindo meios de adaptação política, judicial e governamental que supram suas demandas peculiares. Nesse contexto, ganha mais força o pensamento decolonial, com a proposta de superar o colonialismo interno, ideológico, ou seja, parâmetros sociais, legais e econômicos impostos há décadas por grandes potências colonizadoras, norte americana e europeias. Diz-se colonialismo ideológico – ou colonialidade – posto que este se difere da estrutura de expansão física do colonialismo. As relações de colonialidade não findaram com a dominação territorial, mas se prolongaram no tempo de forma bem mais sutil: através do enfraquecimento da cultura local. Faz-se fundamental citar Aníbal Quijano sobre 18

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colonialidade do poder – ainda que sucintamente –, conceito esse elaborado originalmente por ele em 1989:

Colonialidad es un concepto diferente de, aunque vinculado a, Colonialismo. Este último se refi ere estrictamente a una estructura de dominación/explotación donde el control de la autoridad política, de los recursos de producción y del trabajo de una población determinada lo detenta otra de diferente identidad y cuyas sedes centrales están además en otra jurisdicción terriorial. Pero no siempre, ni necesariamente, implica relaciones racistas de poder. El Colonialismo es obviamente más antiguo, en tanto que la Colonialidad ha probado ser, en los últimos 500 años, más profunda y duradera que el Colonialismo. Pero sin duda fue engendrada dentro de éste y, más aún, sin él no habría podido ser impuesta en la intersubjetividad del mundo de modo tan enraizado y prolongado. (QUIJANO, 2000, p. 381) Um dos filósofos precursores da teoria da libertação, Enrique Dussel aborda, de forma incisiva, questões comportamentais e históricas da dominação, com especial foco na América Latina. Afirma que: Toda esta metafísica do sujeito, expressão temática da experiência fatídica do domínio imperail europeu sobre as colônias, se concretiza primeiro como dialética de dominador-dominado. Se há vontade de poder, há alguém que deve sofrer seu poderio [...] e por isso sua filosofia universalizou sua posição de dominador, conquistador, metrópole imperial e o fez por uma pedagogia inconsciente, mas praticamente infalível, que as elites ilustradas sejam nas colônias os sub-opressores que mantenham os oprimidos em uma cultura de silêncio, e que, sem saber pensar e falar por si, os oprimidos só escutem por suas elites ilustradas, por seus filósofos europeizados uma palavra que os aliena, os faz outros [...]. (DUSSEL apud MATOS, 2008, p. 27) O processo de descolonização do "terceiro mundo" visa acabar com o complexo de inferioridade criado a fim de reforçar a dependência latina dos países "desenvolvidos" de "primeiro mundo", sem que isso signifique negar toda a tradição teórica de conhecimento ocidental. Antes, trabalha-se em prol da ruptura com a pseudo hierarquia de importância entre os saberes locais e estrangeiros. Segundo COSTA (2006, pp.83-84): 19

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A abordagem pós-colonial constrói sobre a evidência [...] de que toda enunciação vem de algum lugar, sua crítica ao processo de produção do conhecimento científico que, ao privilegiar modelos e conteúdos próprios àquilo que se definiu como a cultura nacional nos países europeus, reproduziria, em outros termos, a lógica da relação colonial. Tanto as experiências de minorias sociais quanto os processos de transformação ocorridos nas sociedades "não ocidentais" continuariam sendo tratados a partir de suas relações de funcionalidade, semelhança ou divergência com aquilo que se definiu como centro. [...] O colonial, por sua vez, vai além do colonialismo e alude a situações de opressão diversas, sejam elas definidas a partir de fronteiras de gênero, étnicas ou raciais. Se há um desmerecimento da sabedoria dos povos originários de países colonizados hoje, deve-se isso ao enaltecimento das formas eurocêntricas de conhecimento na construção da modernidade. A preservação ambiental, por exemplo, foi substituída pela ideia de "progresso", na qual ela se transformou em empecilho ao desenvolvimento industrial e tecnológico, em uma concepção errônea, essencialmente gananciosa. Contrariando a concepção moderna de supervalorização do conhecimento acadêmico e das teorias formuladas no meio científico, o "novo" constitucionalismo latino americano resgata valores da sabedoria popular que, apesar de ser vista hodiernamente como ultrapassada por muitas culturas, propõe princípios lógicos, fundamentais e atemporais.

2.2.1. Crise do Estado Neoliberal e Estado Plurinacional

O professor Enzo Bello (2012, p. 34) ensina que a formação política latino americana se deu de forma inversa à europeia. Enquanto esta contou primeiramente com o desenvolvimento e fortalecimento de nações e uma consolidação estatal posterior, aquela ocorreu de fora para dentro (FLEURY, 2004 apud BELLO, 2012, p.35), não com o intuito de atender as demandas locais e formar um mercado nacional, mas para viabilizar o crescimento do capital internacional, formando, assim, um Estado no qual o poder político central não correspondeu à formação de uma cidadania democrática, esta indispensável para sua legitimação. Diversamente, o Estado Plurinacional se apresenta como projeto de resgate democrático, através da valorização de cada segmento da sociedade, de cada "minoria", criado pelo povo e para o povo. Entre seus mecanismos de funcionamento, pode-se citar a 20

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"edificação participativa de convivência plurinacional (refundação do Estado) e [a] oficialidade democrática do pluralismo jurídico comunitário" (WOLKMER, et al, 2013, p.10). Seus atores centrais não são os representantes políticos tradicionais, mas o povo, "sujeito de fundação da constituição material" (NEGRI apud WOLKMER, op. cit., p. 20), buscando-se, assim, padrões alternativos de legitimidade sob uma ótica comunitária, participativa e pluralista. O pluralismo ora proposto é visto como uma forma de poder legítima justamente pela coexistência harmônica de concepções divergentes igualmente participativas. Ele rompe com o monismo – herança européia – e reforça o destaque ao povo como um todo, em suas particularidades. Essa configuração estatal vem dar especial destaque às sociedades ameríndias originárias, garantindo-lhes, inclusive, autonomia legal. CITAR TRIBUNAL INDÍGENA BOLIVIANORaquel Yrigoyen distingue, historicamente, três ciclos de reformas constitucionais ocorridas na América Latina nas três últimas décadas (1980 até 2010), desde a busca do colonizador pela "transformação" dos índios em "cidadãos" até o início da superação do modelo opressor europeu-estadunidense. O primeiro momento é por ela chamado de "constitucionalismo multicultural", que se deu entre 1982 e 1988 e foi marcado pelo surgimento do multiculturalismo, que nada mais é do que o reconhecimento de diversidade e identidade cultural e da configuração multilíngue da sociedade. São exemplos as Constituições canadense (1982), guatemalteca (1985) e nicaraguense (1987), que não chegam a fazer um reconhecimento expresso do pluralismo jurídico (op. cit., p. 141-142):

La Constitución de Guatemala reconoce la configuración multiétnica, multicultural y multilingüe del país y “el derecho de las personas y de las comunidades a su identidad cultural”, así como ciertos derechos específicos para grupos étnicos y comunidades indígenas. La Constitución de Nicaragua reconoce también la “naturaleza multiétnica” del pueblo, así como los derechos culturales, lingüísticos y territoriales de las comunidades étnicas del Atlántico, para que puedan organizarse según “sus tradiciones históricas y culturales” y desarrollar un régimen de autonomías. La Constitución de Brasil de 1988, que antecede en un año a la adopción del Convenio 169 de la OIT sobre derechos indígenas, ya recoge algunos de los planteamientos que se debaten en la revisión del Convenio 107 de la OIT, por lo que se ubica en el umbral del segundo ciclo. 21

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A esse momento seguiu-se o constitucionalismo pluricultural (1989-2005), período no qual as constituições promulgadas positivaram o direito identidade e diversidade cultural reconhecido no período anterior, tornado-os princípios constitucionais (op. cit., p. 142). A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais de 1989 teve forte influência na feitura dos textos legais. Os direitos positivados incluíam a oficialização de idiomas indígenas, educação bilíngue, direito sobre terras, consultas e novas formas de participação, mas o mais importante é que as formas de pluralismo propostas por esses textos lograram romper a identidade do Estado, derrubando a crença de que só é Direito o que emana de órgãos/poderes estatais. Colômbia (1991), México e Paraguai (1992), Peru (1993), Bolívia e Argentina (1994), Equador (1996 y 1998) e Venezuela (1999) partem dessa concepção. Infelizmente, a adoção do multiculturalismo não impediu que se desse, paralelamente, o desenvolvimento de políticas neoliberais que acabaram por neutralizar os novos direitos conquistados. Exemplo disso foi a Constituição peruana (1993) que, ao mesmo tempo em que reconheceu o caráter pluricultural do Estado também eliminou as garantias de inalienabilidade e imprescritibilidade das terras indígenas, dando espaço para que diversas corporações transnacionais se instalassem e realizassem atividade extrativista em áreas protegidas (op. cit., p. 143). Por último, chegou-se ao constitucionalismo plurinacional (2006-2009) através de Bolívia (2009) e Equador (2008). O diferencial aqui reside no reconhecimento dos povos indígenas não somente como "culturas diversas", mas como nações originárias com livre e autodeterminação, ou seja, transforma-os verdadeiramente em sujeitos políticos coletivos com autonomia para governar-se, em sujeitos constituintes do Estado junto aos demais povos (op. cit., p. 145). Importa citar o exemplo da Constituição boliviana que estabelece paridade entre representantes da jurisdição indígena e ordinária na dinâmica de seu Poder Judicial e seu Tribunal Constitucional para se compreender que o Estado plurinacional inclui, necessariamente, um pluralismo judicial. Frise-se que o foco latino americano reside nas culturas indígenas, haja vista sua predominância populacional até os dias atuais nos países citados; entretanto, o mesmo princípio igualitário se aplica a todos os segmentos até então oprimidos da sociedade.

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2.2.2. O Buen Vivir

Historicamente, a América Latina foi o cenário de profanas espoliações de riquezas naturais, como minério e madeira, além de ter sido compelida a assistir a depredação de sua biodiversidade por décadas, praticamente sem reação. A necessidade de acúmulo de riquezas pelas metrópoles movida pela política mercantilista vigente durante o período colonial acirrou a exploração de recursos naturais abundantes nas colônias do sul, como o pau-brasil na Mata Atlântica brasileira, o ouro no México e a prata no Peru, em um processo de depauperação não somente de matéria prima, mas também de sociedades indígenas originárias (PELLEGRINO; PRADO, 2014, pp. 12-14). Ainda hoje predomina a visão utilitarista, que coisifica a natureza e a reconhece unicamente como fonte de recursos. Em um contexto capitalista de produção, a busca pelo lucro não despende tempo para ponderar as implicações do modelo econômico no futuro ou prefere ignorar, pois as medidas sociais e ambientais de proteção representam grandes custos. Há que se ter em mente ser a natureza fonte finita de matérias primas, exaurível, extinguível, que já há muito demonstra que não suportará o tratamento ao qual é submetida por muito mais tempo. Nesse sentido, PETERS (2014, pp. 17-21), em alusão à Filosofia da Libertação nas obras de Enrique Dussel e Leonardo Boff, propõe uma Ecologia da Libertação, como "forma de resgate social, político, histórico, econômico, ético e natural" da parcela empobrecida da humanidade que é excluída dos benefícios do chamado progresso civilizatório. O autor enfatiza a urgência de se construir um novo paradigma civilizacional que possa reverter os abismosos contrastes da sociedade hodierna entre miséria absoluta e riqueza extrema, entre desenvolvimento tecnológico e desemprego, entre industrialização e devastação do meio ambiente. Esse novo paradigma pode surgir de diversas formas. Para BOFF (apud PETERS, p. 20), cabe a cada cultura determinar uma forma particular de lidar com a natureza:" O nosso modo, embora hoje mundialmente hegemônico, é apenas um entre outros. Por isso cabe, de princípio, renunciar a qualquer pretensão monopolística acerca da autocompreensão que elaboramos e do uso da razão que fizemos e estamos fazendo". Tal assertiva explica a proposta latino americana como uma alternativa sustentável de progresso. Na mesma obra, Peters (p. 22) aponta o neoliberalismo como uma ameaça 23

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ambiental por sua característica não intervencionista (busca pelo Estado mínimo) que dota o mercado , um ente imaginário, de soberania sobre decisões que dizem respeito também ao gerenciamento de questões ambientais. Sem qualquer escrúpulo preservacionista, a exploração econômica dos recursos naturais destrói equilíbrios biológicos sensíveis indispensáveis à manutenção da vida no planeta. Em concordância, Simón Yampara Huarachi, sociólogo e professor, índio aymara qullana nascido em La Paz, na Bolívia, afirma:

A invasão colonial abriu precisamente espaços de globalização e de mundialização do sistema capitalista. Entendemos isso como superposição/imposição de valores e paradigmas de vida exógenos, como a tendência ao "desenvolvimento/progresso" para alguns, e à fome, pobreza material e miséria para outros. A descolonização é a identificação e a diferenciação dos sistemas e o cultivo de valores diferenciados a partir das civilizações. Assim, a partir desses espaços, antes de excluir ou incluir – que é negar ou formatar em um ou outro como política de exclusão ou incorporação –, precisamos complementar para entender o percurso da convivência em harmonia integral das energias dos diversos mundos. Isso faz parte do suma qamaña, mais reconhecido como bem-viver. Por isso, é preciso ver como uma apjhata (contribuição) de uma civilização à vida. O buen vivir, Sumak Kawsay, em quichua (uma das línguas oficiais de Bolívia, Peru e Equador), ou Suma Qamaña, entre o povo aymará, diz respeito a uma forma diferente de relacionamento entre natureza e sociedade que pressupõe responsabilidade social e interação harmonizada. Suma Qamaña significa " vivência, convivência entre os diversos mundos

em

harmonia

integral" (SBARDELOTTO; IHU Online). A partir desse

entendimento, o passado – e todo o conhecimento adquirido então – não é algo a ser superado e descartado, mas uma bagagem que deve acompanhar e embasar a evolução da sociedade sob um olhar cíclico, espiral, da história. O monopensamento ocidental é criticado por hierarquizar o mundo das pessoas, de forma isolada, acima de todo o resto (SBARDELOTTO; IHU Online). Essa visão prioriza o desenvolvimento humano como se este pudesse se dar separadamente do desenvolvimento sadio de todo o ecossistema terrestre.

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2.3. A questão ambiental e dois casos Cariocas

O Decreto n° 4.887/03 traz mais 2 critérios no art. 2 para que a comunidade seja considerada quilombola: “trajetória histórica de territorialidade (art. 2º, caput e §§ 2° e 3° do Decreto 4.887/03) e convergência da ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica (art. 2º, caput do Decreto 4.887/03)”. (CORRÊA, 2009, p. 13). E tais fatos são demonstrados através de laudo antropológico. Como dito no início deste texto, a ressemantização do conceito de quilombolas surge no intuito de alcançar maior justiça social e se adequar aos caminhos históricos na relação entre o Estado e esses grupos. Neste sentido que houve um distanciamento de conceitos raciais e temporais são vistos com grande cautela, enquanto critérios ligados a territorialidade e cultura, articulando a necessidade do espaço físico para a sobrevivência e reprodução cultural da comunidade. A Ilha da Marambaia localiza-se no litoral sul fluminense, no município de Mangaratiba. Pela presença de uma base de treinamento da Marinha, a ilha é administrada por militares. O leste da Ilha é administrada pela Aeronáutica e pelo Exército, o oeste é administrada pela Marinha. Nesta parte da Marambaia, vivem famílias tituladas como quilombolas e os familiares dos fuzileiros navais que ali trabalham (FABIO, 2002, p. 1-2). O local também é Área de Proteção Ambiental, criada pelo Decreto do Estado do Rio de Janeiro número 9.802/87. O grupo de quilombolas que vive na ilha tem seu marco de ocupação com a morte do “velho Breves”, o Comendador Joaquim de Souza Breves, um rico cafeicultor do século XIX que dominava muitas terras na região (FABIO, 2002; ANDION ARRUTI, 2003). Como relatado por Fabio Reis (2002, p. 2), Marambaia era o local onde seus escravos desembarcavam para depois serem distribuídos para as demais fazendas, tendo sido abandonada pelos Breves em 1889, permanecendo no local apenas os ex-escravos e os trabalhadores da casa grande. No decorrer dos anos a pesca foi a principal atividade cultural e econômica da comunidade. Em 1971 a Marinha ocupou a área e instalou o Centro de Adestramento da Marinha (CADIM), porém, somente em 1998 que a União, visando obter a posse das terras, através da Advocacia Geral da União, entrou com diversas ações contra as famílias que viviam na região. A maior parte dos quilombolas não são alfabetizados e não tinham apoio 25

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jurídico, o que fez com que tivessem muitas dificuldades para permanecerem em suas terras e se defenderam em juízo, ANDION ARRUTI (2003, p. 6) faz esse relato e esclarece que essa foi a estratégia do CADIM para evitar “custos judiciais e políticos de ter que expulsar toda a comunidade de uma só vez”. Pode-se notar que a estratégia era impedir que o caráter coletivo do direito e do conflito não ganhasse destaque, dificultando a articulação dos moradores e de instituições para defesa de direitos difusos e coletivos. As primeiras denúncias de abusos das autoridades ocorreram em 1998, mas somente em 2001 entrou em cena o Ministério Público Federal, que em 2002 promoveu uma Ação Civil Pública Contra a União e a Fundação Cultural Palmares, no intuito de proteger os interesses dos quilombolas e harmonizar a questão referente à Marinha Nacional. A Ação exigia dentre outros pedidos, que fosse feito estudo para analisar a incidência do art. 68 da ADCT ao caso. Devido aos conflitos de interesses da área de Ilha da Marambaia, antes mesmo de editar as portarias acima, o Governo Federal decidiu criar um Grupo de Trabalho (Portaria número 860/2005/Ministério da Defesa, de 05/07/2005) para estudar a questão e prover algumas alternativas de solução para a área, um dos argumentos para revogar a primeira portaria é que foi editada sem prévio parecer deste Grupo ou sem sua participação. A União também argumentou que uma titulação irresponsável acarretaria grave dano ao meio ambiente, pois a Ilha da Marambaia é Área de Proteção Ambiental e a titulação de tantas famílias poderia gerar até mesmo um processo de favelização. Sobre a questão ambiental cabe alguns esclarecimentos, o primeiro já levantamos, se refere a problemática surge do conflito entre proteção ambiental e proteção à cultura. A relação entre esses direitos, classificados como difusos, deve ser entendida sem que se pense em uma prevalência prima facie de uma categoria sobre a outra; porém, nem sempre tem sido adotado o caminho do razoável quando diante destes conflitos: por diversas vezes, o direito ambiental, em nome do principio da precaução, tem levado à desarticulação completa de complexos culturais sem que se faça uma reflexão adequada. Levantamos como exemplo dessa questão a primeira norma definidora de comunidades tradicionais estar inserida em uma lei ambiental. Outro exemplo, pode ser retirado das Condicionantes apresentadas no julgamento de Raposa Serra do Sol, em que o STF aparentemente aponta no sentido de que o Instituto Chico Mendes deve ter primazia na 26

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administração de área que sejam com dupla afetação, direito indígena e direito ambiental.14 O segundo ponto a ser tratado no concernente ao Direito Ambiental se refere a decisão de 2009 do STJ (Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 17/12/2009, T1 - PRIMEIRA TURMA - RECURSO ESPECIAL Nº 931.060) em uma das ações individuais que chegou ao Tribunal. Além da Turma ter entendido que a área é quilombola, os Julgadores também entenderam que não há perigo ambiental para o local, seguindo a fundamentação na Sentença da Ação Civil Pública 0000118-06.2002.4.02.5111.

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Condicionantes: 8 – O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade imediata do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; 9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, que deverão ser ouvidas, levando em conta os usos, as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai; 10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes;

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