Cultura escrita, Cultura impressa e Cultura digital: contiguidades e tensões

Share Embed


Descrição do Produto

Leda Maria Rangearo Fiorentini Liliane Campos Machado Maria do Carmo Nascimento Diniz Otília Maria Alves da Nóbrega Alberto Dantas Teresa Cristina Siqueira Cerqueira Amaralina Miranda de Souza Maria Emilia Gonzaga de Souza (Organizadoras)

ESTILOS DE APRENDIZAGEM, TECNOLOGIAS E INOVAÇÕES NA EDUCAÇÃO

Universidade de Brasília– Faculdade de Educação - Departamento de Métodos e Técnicas Coordenação de Ensino de Graduação a Distância (COEGD) Comitê Organizador do II Congresso Ibero-Americano de Estilos de Aprendizagem, Tecnologias e Inovações na Educação (II CIEATIE) BRASÍLIA – DF, PRIMEIRA EDIÇÃO, 2013.

Sem título-1 1

09/04/2014 11:20:05

13

Cultura Escrita, Cultura Impressa e Cultura Digital: contiguidades e tensões Ana Elisa Ribeiro [email protected]

Inicializando Há algum tempo venho lendo e estudando trabalhos que abordam temas como o letramento digital e a cibercultura. Vários deles começam com palavras que aludem ao universo digital, como “Log in” e outras, numa metáfora divertida, inspirada nas máquinas digitais e no linguajar criado para esse universo. Minha ideia não é, portanto, nova. Comecei com a palavra “Inicializando” para remeter ao universo de certo sistema operacional muitíssimo difundido pelo mundo, incluindo-se o Brasil. É desse universo de máquinas, pessoas, textos, interações e culturas escritas que quero falar. Abordo, aqui, questões sobre as fricções entre cultura digital e cultura impressa, o que tem relação direta com nossos textos e nossa maneira de selecionar modos de nos comunicarmos. E como a escola participa disso? A cibercultura YHP VHQGR GHVFULWD H PHVPR GHIHQGLGD HP YiULRV kPELWRV YHP VHQGR FRPSDUDGD H contrastada com a cultura impressaSRUH[HPSORSRUYH]HVYHPVHQGRWUDWDGDFRPRVHIRVVHXPFRQtraponto à cultura escrita, o que considero fundamentalmente equivocado. A cultura escrita vem se consWLWXLQGRKiPLOrQLRVFRPEDVHQDLQYHQomRGDHVFULWDHQRGHVHQYROYLPHQWRGDOHLWXUDHYHPSDVVDQGR por mudanças menos ou mais notáveis durante esse tempo. Tabuletas de cera ou de pedra, couros aniPDLVWHFLGRV¿EUDVYHJHWDLVFDVFRVGHWDUWDUXJDSDSHORXELWVFRPS}HPXPTXDGURGHSRVVLELOLGDGHV que fazem parte de uma mesma história, embora ela seja pouco ou nada linear, dado que as invenções e DVPXGDQoDVQHPVHPSUHRFRUUHPHPVHTXrQFLD TXDVHQXQFDDOLiV  A invenção do pergaminho, tipo de couro animal usado para a inscrição de textos, não sucede simplesmente a do papiro e seu uso não substitui outros modos de escrever de forma consecutiva e concorrente. Como sugere Fischer (2010), passam-se cerca de 400 anos até que um material se torne predominante, e as razões para isso são de variada natureza: desde econômicas (material mais barato) até políticas (bloqueio da importação) ou ambientais (animal ou planta raros). A cultura escrita, isto é, uma cultura baseada na palavra, no texto, em algum tipo de código, alfabético ou não, inscrita em algum material, propicia e provoca certas práticas, mormente sociais (antes de serem HVFRODUHVSRUH[HPSOR DTXHKRMHGDPRVRQRPHGHOHWUDPHQWRHPERUDQmRVHPSROrPLFD $VSUiWLcas sociais ligadas à escrita (e à leitura) são diversas em diferentes épocas e espaços, sendo bom exemplo citar diferenças notáveis entre as práticas de escrever e ler na China de depois de Cristo e na Europa da PHVPDpSRFDRXHQWUHSUiWLFDVOHWUDGDVXUEDQDVHUXUDLVLQFOXLQGRVHRYDORUDWULEXtGRDFHUWRVDVSHFWRV (como livros e escolarização ou a guarda da Bíblia). (PUD]mRGLVVRDFXOWXUDHVFULWDpDEUDQJHQWHLVWRpFRQIRUPDVHjVFRQWLQJrQFLDVjVSUiWLFDVVRFLDLV etc. E é dentro dessa cultura que ocorrem mudanças de caráter técnico e tecnológico que a transformam e mesmo a subdividem. Dessa forma, a cultura impressa se constitui no bojo da cultura escrita, sendo uma parte da história desta, relativa, inequivocamente, à invenção da prensa de tipos móveis. Para nós, no Brasil, que estudamos quase somente uma história ocidental, é importante saber que a impressão e mesmo os tipos móveis já haviam sido inventados na China, embora não tivessem vingado do mesmo modo que ocorreu à prensa alemã (FISCHER, 2010).

LIVRO_END_YAKUMO_Miolo.indb 13

27/02/2014 17:07:45

14 $QWHVGDSUHQVDSRUWDQWRQmRKDYLDFXOWXUDLPSUHVVDKDYLDFXOWXUDHVFULWDLVWRpXPDFXOWXUDPDQXVFULWDHIRUWHPHQWHFRRFRUUHQWHFRPDFXOWXUDRUDO $FXOWXUDLPSUHVVDHQWmRHPHUJHVHLQVWDODDOWHUD as modulações da cultura escrita e cria novos letramentos. É de fundamental importância considerar a palavra modulações, uma vez que práticas de culturas anteriores não desaparecem repentinamente. NorPDOPHQWHVmRUHSRVLFLRQDGDV RXWURWHUPRLPSRUWDQWH HPXPVLVWHPDGHPtGLDV TXHVHUHFRQ¿JXUD tecnológica e socialmente. De umas décadas para cá, vimos ouvindo falar de uma cultura digital, então parte da cultura escrita, tão QRYDHWmRFDUDFWHUtVWLFDTXHDOJXQVYrPHQYLGDQGRHVIRUoRVSDUDGHVFUHYrODHPHVPRHQVLQiOD2TXH a propicia é um novo modo de escrever, por meio de máquinas e de redes telemáticas, o que altera os leWUDPHQWRVHDVUHODo}HVGDVSHVVRDVFRPRHVFULWRRWH[WRRVIRUPDWRVRVJrQHURVDVOHLWXUDVDVIRUPDV de produção, publicação, edição, difusão e circulação de objetos de leitura. O que é, então, a cibercultura, que tomaremos aqui como sinônima de cultura digital? Em que ela se baseia e como ela se difunde? Que elementos ela traz que fazem com que mereça batismo, isto é, a distinção de um novo nome? 9iULRVDXWRUHVWrPVHGHEUXoDGRVREUHDVSUiWLFDVHDVPRGXODo}HVGDFXOWXUDGLJLWDOLQFOXVLYHWUDWDQGR-a como a saída para questões intricadas como a autoria, o direito de autor, a edição e até mesmo a educação e a aprendizagem. Na primeira parte deste trabalho, convido o leitor a um breve passeio pelas LGHLDVVREUHFLEHUFXOWXUDSULQFLSDOPHQWHHPDOJXQVDXWRUHVEUDVLOHLURVWRGRVFRQVLGHUDGRVUHIHUrQFLD QHVVHFDPSRHPVHJXLGDHVERoDUHLXPPRGHORGHSHQVDPHQWRVREUHDVIULFo}HVHQWUHFXOWXUDHVFULWD FXOWXUDLPSUHVVDHFXOWXUDGLJLWDOFRPEDVHHPXPDDQDORJLDIHLWDFRPRWUDEDOKRGH5XWK)LQQHJDQ SDUDHQWmR¿QDOL]DUHVWDGLVFXVVmRDEHUWDDRGHEDWH

Cultura digital e cibercultura Em várias partes do mundo, interessados e estudiosos se dedicaram às questões da cultura digital, desde RVXUJLPHQWRGRVFRPSXWDGRUHVHGDLQWHUQHW 1R%UDVLOpTXDVHLPSRVVtYHOQmRSDVVDUSHOR¿OyVRIR Pierre Lévy, amplamente conhecido e quase a única citação possível até pouco tempo quando o assunto HUDRKLSHUWH[WRRXDFLEHUFXOWXUD7UDGX]LGRSDUDRSRUWXJXrVHSRUWDQWRDFHVVtYHOGHVGHRLQtFLRGD década de 1990, Lévy goza de prestígio entre os estudiosos do tema. 3DUDR¿OyVRIRGDV³WHFQRORJLDVGDLQWHOLJrQFLD´ VXEWtWXORGHVHXOLYURPDLVIDPRVR DFLEHUcultura é um “Conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o ciberespaço (rede)” (LÉVY, 1999, p. 17, grifos meus). É essencial notar que não se entra na cibercultura ao ganhar um iPad ou ao comprar XPYLGHRJDPHeSUHFLVRDJLUHSHQVDUGHXPPRGRTXHWHPVXDVSHFXOLDULGDGHVRXFRPRYrPGL]HQGR alguns, depende-se da construção de um ethos. (PDOJXPDPHGLGDVHJXLGRUHVGH/pY\DXWRUHVEUDVLOHLURVWDPEpPRIHUHFHUDPVXDVGH¿QLo}HVHGHVFULções da cultura digital. Lúcia Santaella (2003), por exemplo, aponta a necessidade de um “casamento” HQWUHOLQJXDJHQVSDUDDHPHUJrQFLDGDFLEHUFXOWXUDDOpPGHDOJXQVSRQWRVFKDYHFRPRDDOWDGLVSRQLELOL]DomRGRVFRQWH~GRVVXDWUDQVLWRULHGDGHDFRQVXPRLQGLYLGXDOL]DGRDFRQYHUJrQFLDGDVPtGLDVD cultura do acesso, além da exacerbação da produção e da circulação da informação, em um contexto de capitalismo globalizado. André Lemos, em vários trabalhos, discute a cultura digital em termos tais como a potencialização do compartilhamento, a farta distribuição, a forte cooperação e a apropriação de bens simbólicos, fruto

LIVRO_END_YAKUMO_Miolo.indb 14

27/02/2014 17:07:45

15 de crescente troca social: redes sociais, blogs, vídeos, etc. (LEMOS, 2004). Em outro texto (LEMOS,  RDXWRUPHQFLRQDDOLEHUDomRGRSRORGDHPLVVmRDFRQH[mRHPUHGHHDUHFRQ¿JXUDomRGHIRUmatos midiáticos e práticas sociais. Nelson Pretto (2010), também um entusiasta das tecnologias, especialmente na educação, dá sua contribuição mencionando um “caminhar mais solto e mais amplo”, por conta da hipertextualidade na leitura HQDHVFULWD XPDUHGHQmROLQHDUGHGLIHUHQoDVDLQWHUDomRHDWURFDHQWUHVXMHLWRVDUHFRPELQDomRR UHPL[RGLiORJRFRQVWDQWHHWXGRLVVRQRSOXUDO Lendo esses autores, é muito provável que se tenha a impressão de que a cultura digital é o que sempre sonhamos. Um mundo de compartilhamento, cooperação, diálogo, leituras móveis, andanças, liberdade e troca. No entanto, outros autores nos socorrem de enxergar por apenas um olho. Um deles é Érick FeOLQWRTXHHPXPWH[WRGH HJUDQGHSDUWHGHVVDVUHIHUrQFLDVpPHVPRPXLWRUHFHQWH DSRQWDTXH HVWDPRVHPXPPRPHQWRGHH[SHULPHQWDUDYLGDFRQWHPSRUkQHD³HPEHELGDGHH[SHULrQFLDWHFQROyJLca”, mas uma tecnologia “colocada como essencial para a sociedade”, como se fosse “fator central das YLYrQFLDVVRFLDLVGDVVHQVRULDOLGDGHVHGDVHODERUDo}HVHVWpWLFDV´1DFLEHUFXOWXUDVHJXQGRHOHWDPEpP haveria mais espaço para a comunicação mediada e a tradução de tudo em dados numéricos. 0DJGD6RDUHVXPDGDVUHIHUrQFLDVPDLVUHVSHLWiYHLVTXDQGRVHWUDWDGHOHWUDPHQWRQR%UDVLOVHDUULVFD na seara digital, em um citadíssimo texto de 2002, para admitir fortemente os “efeitos da tecnologia da escrita digital nas nossas práticas de leitura e escrita”, as práticas de interação on-line, sem deixar de PHQFLRQDUDH[LVWrQFLDGRKLSHUWH[WR$DXWRUDVHSRVLFLRQDFRP/pY\TXDVH~QLFDUHIHUrQFLDGLIXQGLGD DWpRLQtFLRGRVDQRVHUDWL¿FDXPD³PXWDomRQDUHODomRFRPRVDEHU´HQVHMDGDSHODVWHFQRORJLDV digitais da informação e da comunicação. Diante desse quadro que tenta compor uma noção do que seja a cibercultura é possível inferir uma suJHVWmRGDVGLIHUHQoDVTXDQWRjFXOWXUDLPSUHVVDHDXPDFXOWXUDHVFULWDDLQGDVHPDVLQWHUIHUrQFLDVGDV novas possibilidades tecnológicas. Quando se diz que a cultura digital é o lugar do compartilhamento e do diálogo, é como se também se dissesse que esses não são valores preponderantes na cultura impressa. (PDOJXQVWUDEDOKRVVREUHDOHLWXUDGHIDWRD¿UPDVH DRPHXYHUHTXLYRFDGtVVLPDPHQWH DSDVVLYLGDde do leitor na cultura do livro e do jornal e uma súbita esperteza do leitor de dispositivos mais recentes. Há, portanto, uma tensão entre as culturas ou, melhor, uma tensão entre os olhares que as observam e GHODVDWpSDUWLFLSDP0XLWRHPERUDVHGLVFXWDLQÀDPDGDPHQWHDH[WLQomRGHFHUWDVWHFQRORJLDVFRPD chegada de novas, tudo isso tem soado muito mais como debate apaixonado do que como uma constatação empírica. As tensões entre culturas, práticas e entendimentos surgem nos mais diversos âmbitos, de formas nem sempre extremas. É interessante, no entanto, abrir os olhos para os tempos, espaços e modulações dessas TXHVW}HVD¿PGHVXEVLGLDUPRVHVWXGRVVREUHHVWHPRPHQWRULFRGHWUDQVLomR TXHSRGHGXUDUVpFXORV 

LIVRO_END_YAKUMO_Miolo.indb 15

27/02/2014 17:07:45

16

Três espaços de diálogo e tensão: a biblioteca, a editora e o show de música A música entrará aqui como um exemplo de diálogo entre culturas que não diz respeito, propriamente, aos choques entre cultura impressa e cultura digital. Os estudos de Ruth Finnegan (1988), pesquisadora europeia, podem nos ajudar a trabalhar uma ideia de “letramento musical” que nos ajuda a pensar o que DFRQWHFHTXDQGRXPDELEOLRWHFDSUHFLVDLQVWDODUXPWHOHFHQWURHPVXDVGHSHQGrQFLDVRXRTXHRFRUUH TXDQGRXPDHGLWRUDSUHFLVDSXEOLFDUXPOLYURVREUHH[SHULrQFLDVGHHQVLQRFRPIHUUDPHQWDVGLJLWDLV Finnegan, no livro Literacy and orality, analisava a relação entre oralidade e performance na música, RIHUHFHQGRDROHLWRUDOJXQVH[HPSORVGHSUiWLFDVVRFLDLVOLJDGDVDRTXHSRGHUtDPRVFKDPDUKRMHGHJrQHURVPXVLFDLV$DXWRUDH[HPSOL¿FDVHXHVWXGRFRPDVLWXDomRGHXPDFLGDGHLQJOHVDHPTXHDRPHQRV WUrVWUDGLo}HVPXVLFDLVHUDPIRUWHVRFOiVVLFR FRURVRUTXHVWUDVHLQVWUXPHQWLVWDV RURFNHRMD]]2 que a interessa são o que chama de “mundos musicais”, mas bem poderiam ser as práticas de “letramenWR´ SHUGRHPDLPSHUWLQrQFLDGRWHUPRPDVFRQVLGHUHPQRXPDDQDORJLD SDUDDP~VLFD Segundo Finnegan, na cultura da música clássica, atribui-se muita importância à partitura, aos estudos técnicos avançados e à replicação perfeita da partitura. O comportamento do público é de contemplaomRVLOrQFLRDXGLomRGDVSHoDVVHPDODUGHVHTXHUDSODXVRV6HQWDGRVRVRXYLQWHVDGPLUDPDP~VLFD perfeitamente reproduzida. Já no rock, a indumentária, a estética do corpo e dos cabelos é característica, DVVLPFRPRDDXVrQFLDRXDSRXFDFREUDQoDGHHVWXGRVPXVLFDLVDYDQoDGRV R³WRFDUGHRXYLGR´ 2 público do rock espera assistir aos shows de pé, cantando com a banda, participando de várias formas da performance. Já no jazz, o estudo de música é valorizado, mas a execução conta com o improviso e certa irregularidade. O comportamento do público é menos manifesto do que no rock, mas menos conWHPSODWLYRGRTXHQRFOiVVLFR1HVVDVWUrV³FXOWXUDV´KiGLIHUHQoDVTXDQWRjVIRUPDVGHFRPSRVLomRj performance e à participação do público. E isso é amplamente conhecido pelos ouvintes, que ajudam a organizar um “letramento” no qual as pessoas costumam ser iniciadas. Pensando dessa forma, e conforme essa paráfrase breve do trabalho (muito mais detalhado) de Finnegan, é possível concluir que as “culturas” contam com seus códigos e elementos, reiterados ou alterados socialmente. A hibridação desses códigos causa estranhamento e mudança, isto é, choque e reacomodação (ou reposicionamento), quando analisamos a questão. Dessa forma, vamos considerar os diálogos e as tensões entre dois “mundos musicais” atuais, a saber, o clássico e o popular (MPB), com raíz na canção nordestina, reproduzidos no show intitulado Valencianas, de Alceu Valença com uma orquestra sinfônica. Esse tipo de “fusão” não é inédito na música, uma vez que são conhecidas iniciativas tais como a da banda de heavy metal0HWDOOLFDFRPDRUTXHVWUDVLQI{QLFDGH6DQ)UDQFLVFRYiULDVSHUIRUPDQFHVGD banda inglesa Queen, mas especialmente com a cantora lírica Montserrat Caballe (no álbum Barcelona  DEDQGDGHURFNEUDVLOHLUD,UDDRH[HFXWDUP~VLFDVFRPYLROLQRHQWUHPXLWRVRXWURVH[HPSORV Nas ValencianasVKRZHPWXUQrQRDQRGHDVFDQo}HVPXLWRSRSXODUHVGH$OFHX9DOHQoDHUDP executadas por ele acompanhado de uma orquestra. Na apresentação na cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, uma cobertura jornalística televisiva mostrava a clara tensão entre “dois mundos musicais”, expressa no comportamento do público. A maior parte daqueles que foram assistir às Valencianas era de fãs de Valença, curiosos (ou nem tanto) com a expressão do cantor junto de uma orquestra. No entanto, RVFyGLJRVGHSDUWLFLSDomRQRVKRZQmR¿FDUDPFODURV SRUTXHGHIDWRQmRRHUDP $SHUIRUPDQFH OHYDGDDFDERHPXPWHDWURFRPFDGHLUDV¿[DV RTXHEHPVHUYHjDXGLomRGHXPDRUTXHVWUD WRUQRXVH um espaço limitado para um público que queria cantar, levantar-se e mesmo dançar, conforme os códiJRVGHXPVKRZWtSLFRGH$OFHX9DOHQoDRXTXDOTXHURXWURDUWLVWDGD03%'LDQWHGDVFDGHLUDV¿[DVDV pessoas passaram a ocupar os corredores e a dançar onde podiam.

LIVRO_END_YAKUMO_Miolo.indb 16

27/02/2014 17:07:45

17 Essa tensão e esse diálogo entre dois mundos nos parecem fáceis de visualizar e nos oferecem uma analogia que pensamos interessante para o caso das culturas impressa e digital, que se friccionam na atualidade. Vejamos os casos da biblioteca e da editora. As questões da biblioteca foram coletadas em um grupo de discussão ocorrido em agosto de 2012, em uma biblioteca pública municipal, em Belo Horizonte, durante um encontro de formação com os bibliotecários da Prefeitura da cidade. Já as questões editoriais foram observadas no processo de editoração de uma obra de que participei, tendo acesso aos e-mail trocados entre editores, organizadores e autores. Os nomes das pessoas envolvidas não serão citados, embora não haja o que desabone qualquer de suas ações, em ambos os contextos.

A biblioteca e o telecentro O caso agora em foco vem ocorrendo na rede de bibliotecas públicas da Prefeitura de Belo Horizonte, mas bem poderia ocorrer em qualquer cidade do mundo onde questões culturais relacionadas aos letramentos estão iluminadas. Tanto é assim que outros trabalhos, relatando casos semelhantes, foram publicados, por exemplo: Barreto, Paradella e Assis (2008) e Laipelt, Moura e Caregnato (2006). O SULPHLURUHIHUHVHjTXHVWmRELEOLRWHFDVWHOHFHQWURVQR%UDVLOHRVHJXQGRHVSHFL¿FDPHQWHQRHVWDGR do Rio Grande do Sul. Em ambos os casos, é possível depreender a tensão entre duas culturas dentro da cultura escrita, mas também dois pontos de vista positivos no que diz respeito à democratização do conhecimento. Na rede de bibliotecas públicas de Belo Horizonte, a discussão se destaca diante da situação posta de inserir telecentros onde funcionam bibliotecas. As razões disso são várias, entre elas certa economia de espaços, tempos, funcionários, atenção aos novos aparatos, etc. No entanto, uma “inclusão” como essa não se faz sem diálogo e choques. A biblioteca, com função de acumular, arquivar, guardar, remonta mesmo ao tempo das placas de cera ou dos papiros escritos a mão. Em outras épocas, ganhou outros sigQL¿FDGRVFRPRXPHVSDoRGHFRQVWUXomRGRFRQKHFLPHQWRPDVpFHUWDPHQWHXPDLQYHQomRGDFXOWXUD escrita muito ligada aos livros. Seu funcionamento atual vem sendo discutido há tempos, mas é comum TXHVHMDFRQVLGHUDGDXPHVSDoRGHRUJDQL]DomRVLOrQFLRFRQFHQWUDomRVREDPHGLDomRKXPDQD-iRV telecentros são outra história. Os telecentros são, segundo Barreto, Paradella e Assis (2008, p. 31), “um espaço público para acesso e XVRGDLQIRUPDomRDWUDYpVGDV7,&V FRPD¿QDOLGDGHGHFDSDFLWDUFRPXQLGDGHVUHGX]LUGHVLJXDOGDGHV econômicas e sociais e promover a cidadania”. Note-se o foco em tecnologias digitais recentes na história humana. Os telecentros são considerados um fenômeno internacional (BARRETO, PARADELLA E ASSIS,  WHQGRVXUJLGRQDGpFDGDGH6HXr[LWRHPDOJXQVSDtVHVIH]FRPTXHHVVHPRGHORIRVVHDGRWDGRHPWRGRRPXQGRLQFOXVLYHQR%UDVLORQGHKiGLYHUVDVH[SHULrQFLDVS~EOLFDVHPGLYHUVDVHVIHUDV de poder, privadas, por meio de organizações não-governamentais, etc. Nosso caso aqui diz respeito a telecentros públicos municipais. Acredita-se que a interação entre biblioteca e telecentro melhora as condições de acesso à informação SDUDRFLGDGmRLVWRpDELEOLRWHFD¿FDPDLVHTXLSDGDDOpPGHDPSOLDUDJDPDGHVHUYLoRVSUHVWDGRVj SRSXODomR1RHQWDQWRVmRPXLWRVRVFRQÀLWRVGHVVHFRQWDWRHQWUHFXOWXUDVHOHWUDPHQWRV9DPRVDDOguns deles, expresssos por bibliotecários responsáveis por bibliotecas/telecentros na capital mineira, em um encontro de formação ocorrido em 2012.

LIVRO_END_YAKUMO_Miolo.indb 17

27/02/2014 17:07:45

18 Nos olhos de cada um, a pergunta: Como fazer? Questões práticas já indicavam os elementos da discussão ensejada pelas fricções entre a cultura impressa e a cultura digital. Horários de funcionamento, SUiWLFDVGHXVREDUXOKRVLOrQFLRGLVSRQLELOLGDGHGHLQIRUPDomR³LQGHVHMDGD´H[LJrQFLDVGLVFLSOLQDUHV de um e de outro espaço, rotatividade dos monitores contratados para o telecentro (contra a estabilidade dos funcionários públicos da biblioteca), regras de uso e mesmo a ampliação do tempo de trabalho (ou GDDWHQomR GRVIXQFLRQiULRVGD3UHIHLWXUDTXHMiQmRVmRPXLWRVHWrPJUDQGHUHVSRQVDELOLGDGH $LQWHUQHWGHQWURGDELEOLRWHFDSDUHFLDVRDUXPGHVD¿RHPTXHIRUoDVPXLWRGLIHUHQWHVjVYH]HVRSRVWDVGLVSXWDYDPDSUHYDOrQFLDVREUHDVUHJUDVGRMRJR1RFDVRHPIRFRRVWHOHFHQWURVHUDPPRQWDGRV por meio de projetos do governo federal. O modelo de funcionamento não era muito claro, o que criava SUREOHPDVSDUDRVIXQFLRQiULRVGDELEOLRWHFD2EWHUXPWHOHFHQWURVLJQL¿FDYDJDQKDUPiTXLQDVHFDUJRV de “monitor”, isto é, pessoas que orientariam os usuários do espaço. A esses “monitores” são oferecidos treinamento (a distância, muitas vezes), uma bolsa (não um salário) e a obrigação em meio horário de serviço. Isso gera a seguinte dúvida à biblioteca: o telecentro só funciona quando o monitor está? Cada biblioteca da rede que se viu com essa dúvida inventou seu próprio modelo de funcionamento. $OJXPDVIHFKDYDPRWHOHFHQWURQDDXVrQFLDGRPRQLWRURXWUDVRSWDYDPSRUPDQWHURIXQFLRQDPHQWR das máquinas, ainda que os bibliotecários tivessem de se desdobrar em suas funções. Esses eram considerados, de toda forma, funcionamentos precários e pouco regulares. Outro ponto a se destacar é a diversidade de contextos e espaços em que essas bibliotecas/telecentros funcionam na cidade. Há desde aquelas que estão em favelas até aquelas que funcionam em áreas nobres. Obviamente, as práticas, as condições e os públicos desses espaços são muito diferentes, o que também provoca diversidade nas demandas que precisam ser atendidas e nos modos de uso do espaço e dos WHPSRV8PELEOLRWHFiULRUHVSRQViYHOSRUXPGRVHVSDoRVD¿UPRX³QDGDFKHJDQRPRUUR´UHIHULQGRVH jVGL¿FXOGDGHVFRPDLQWHUQHWQDELEOLRWHFDTXHFRRUGHQDHPXPDIDYHOD Como mediar usuários de internet? Que mediação é essa? É diversa daquela feita com livros nas estantes? Parece que sim. Uma discussão sobre orientação e censura desponta na fala dos bibliotecários. O TXHpRXVRTXDOL¿FDGRGRFRPSXWDGRU"4XDQGRFKHJDPERDVPiTXLQDVjELEOLRWHFDSDUHFHKDYHUXPD WHQGrQFLDDVHFRQWURODUPDLVRS~EOLFRPDVTXDQGRFKHJDP³FDFDUHFRV´ QDH[SUHVVmRGHXPIXQFLRnário), as questões são outras. “Cacarecos” são as máquinas “recondicionadas” enviadas pelo poder público. No entanto, diz o bibliotecário, numa postura de defesa de sua comunidade: “O pessoal acha que no morro qualquer coisa serve. Não é assim que funciona”. O depoimento de um bibliotecário de outra região da cidade é importante: “Primeiro, computadores no HVSDoRGDELEOLRWHFD,VVRWHYHLPSDFWR'HSRLVHOHVIRUDPSDUDDVDODGHR¿FLQDV8PDOyJLFDGLIHUHQWH uma dinâmica diferente”. O que esse funcionário chama de “dinâmica diferente” refere-se a questões importantes como: a quase secundarização da biblioteca em relação ao telecentro e as práticas de uso PXLWRGLIHUHQWHVHQWUHXPHVSDoRHRXWURPDVGHQWURGRPHVPRUHFLQWR³$VSHVVRDVYrPFRPGHPDQdas diferentes, até o comportamento delas é diferente.”. Se a biblioteca tinha a “promoção da leitura” como foco e missão, o que os usuários querem da internet não passa sempre por aí. E o bibliotecário se questiona: Qual é minha função? 6HJXQGRXPFRPSHWHQWHELEOLRWHFiULRDELEOLRWHFDSDVVDYDDVHU³TXDVHXPDODQKRXVH´ HPWRPGH reprovação. O espaço consolidado da biblioteca via suas bases tremerem diante da entrada de computaGRUHVHPVHXFHQiULR$FRQYLYrQFLDGHWRGRVDTXHOHVHGXFDGRVQDFXOWXUDLPSUHVVDJDQKDYDRXWURVFRQtornos: jogos (barulhentos), redes sociais (com seus alertas de aviso), consultas pouco convencionais. Um outro trajeto de pesquisa acontecia sob o olhar daqueles acostumados às lombadas: procura, baixa, VDOYDPDQGDHPDLOQmRLPSULPHYDLHPERUD7XGRQDPHVPDFDGHLUD6H1HYHX  DSRQWDYDQR jornalismo, uma nova e curiosa prática de fazer matérias e reportagens sem sair do lugar, o que denominou “jornalista sentado”, é um análogo o atual “pesquisador sentado”.

LIVRO_END_YAKUMO_Miolo.indb 18

27/02/2014 17:07:45

19 O telecentro pode ser considerado um “serviço suplementar”? É necessário tutorar as pesquisas do usuário? Como orientar a pesquisa escolar na web? O que fazer se uma criança pesquisa “como fazer uma bomba caseira”? Acesso irrestrito? Até onde se pode permitir a cópia? A pergunta antiga do usuário não mudou: “Tio, até onde eu copio?”. A pesquisa escolar, a rigor, só muda de tecnologia, sem mudar de modos ou de efetividade. É papel do bibliotecário ensinar a pesquisar? “Ensinar a pessoa a se valer da biblioteca”, como disse um GHOHV2PXQGRGRVOLYURVp³SUpVHOHFLRQDGR´FRPRGLVVHXPDELEOLRWHFiULD(LVXPFRQÀLWRGHEDVH ligado à edição, em relação à web, onde qualquer coisa pode ser lançada e encontrada. Até mesmo o discurso espacial da biblioteca e do telecentro é percebido e discutido. Haveria a necessidade de “uma integração mais natural entre os espaços”, no entanto, o telecentro chega depois e cabe em uma sala ao fundo da biblioteca. Ou toma-lhe um espaço de entrada, conforme o caso. Mas enciúma quem deseja que os livros sejam as vedetes daquele espaço já consagrado. Outra questão diz respeito à passidade/atividade do usuário. Questionava o bibliotecário: “se o usuário YDLDRWHOHFHQWURSDUDDOLPHQWDUXPEORJpOHJDO"´(PWHPSRVGH³SURVXPLGRUHV´ RXGHSDUWLFLSDomR HFRPSDUWLOKDPHQWRDSXEOLFDomRQmRpPDLVSULYLOpJLRGDVUHGHVHGLWRULDLVSUR¿VVLRQDLV&RQIRUPHRV autores da cibercultura, a ação e a participação são maiores aqui. Ou mais fáceis. Ou mais naturais. Essas tensões causadas pela chegada (imposta) dos telecentros às bibliotecas são esperadas se considerarmos que há, aí, um interessante contato (para não dizer choque) entre culturas, no caso, a impressa e a GLJLWDO(VHQGRXPDGHODVPDLVDQWLJDHPDLVFRQVROLGDGDpHVSHUDGRTXHKDMDXPDWUDQVLomRFRQÀLWXRVD enquanto elas se compreendem ou mesmo hibridizam.

A editora e a atividade digital 2FDVRGRSURFHVVRHGLWRULDOLPSUHVVRHPFRQÀLWRFRPDFXOWXUDGLJLWDOpPXLWtVVLPRLQWHUHVVDQWH7UDWD-se, mais uma vez, da interação entre uma cultura consolidada, com seus processos de produção e diIXVmR Mi FRQKHFLGRVHSUR¿VVLRQDOL]DGRVHPFRQÀLWRFRPXPDFXOWXUDPDLVDEHUWDFRPPRGHORV GH negócio ainda em discussão e bastante menos conhecidos. Vejamos: uma editora de livros impressos, atuante na capital mineira, encomenda a um organizador um OLYURTXHUH~QDUHODWRVGHH[SHULrQFLDVGHSURIHVVRUHVFRPIHUUDPHQWDVGLJLWDLVHPVDODGHDXOD7DLVUHODWRVDOpPGHQDUUDUHPRPDLVGHWDOKDGDPHQWHSRVVtYHODVFRQGLo}HVHDVHTXrQFLDGDVDWLYLGDGHVFRP TICs na escola, também mostram os resultados e as produções dos estudantes. A apresentação desses resultados conta com telas, textos, imagens, remixes, printscreens de telas de softwares, etc. Quando os relatos chegam para os organizadores, são lidos, avaliados, organizados, padronizados e começam a compor o texto original do livro. A partir de todos os textos, escreve-se uma Apresentação. No HQWDQWRTXDQGRHVVHRULJLQDOpHQWUHJXHjHGLWRUDSDVVDPVHXQVGLDV FRPRWH[WRHPDQiOLVH HYrPRV retornos da avaliação dos editores: é necessário retirar todas as imagens, especialmente aquelas obtidas de sites, blogs, ferramentas como Google, Apple, Mauricio de Sousa, reproduções dos textos dos alunos em ambientes virtuais e tudo o mais que houver nesse sentido. A alegação se baseia na lei de direito de autor em vigor no país e em termos de uso de sites e ferramentas. É preciso pedir autorizações impossíveis (imagens de anônimos que aparecem em sites) e recolher termos de concessão. Se as bases do trabalho com TICs na escola eram, justamente, as da cultura digital (compartilhar, colaborar, remixar, samplear, cortar-e-colar, fazer pastiche, recriar ou editar - no sentido mais amplo), as bases da produção do livro impresso são as da autoria individual e claramente atribuída, do direito patrimonial

LIVRO_END_YAKUMO_Miolo.indb 19

27/02/2014 17:07:45

20 DRWH[WRGRGLUHLWRPRUDOjFULDomRGHXPDXWRULGHQWL¿FiYHOGDHGLomRDXWRUL]DGDGRFXPHQWDOPHQWHGR crivo de um editor. O organizador da obra teve de informar cada autor de capítulo sobre a decisão editorial. Os capítulos foram, então, editados e retirou-se tudo, em termos de textos e imagens, que pudesse vir a ser um problema autoral mais adiante. Em vários casos, optou-se por apenas apresentar os links onde o leitor do livro poderia encontrar os materiais produzidos (sites, blogs, contas de Facebook, etc.). Em outros casos, nem se fez menção ao espaço digital. Os textos perderam bastante em informatividade e no propiciamento de melhores exemplos ao leitor quanto aos usos das ferramentas digitais na escola. Ainda assim, a edição de texto teve o cuidado de não comprometer os conteúdos, ainda que não se pudesse mostrar os resultados. Esse episódio, provavelmente, se repete em várias editoras do país e não mudaria muito no caso de livros eletrônicos. Embora haja a chance de inserir os links em um e-book, para que o leitor navegue na web, HVVHWLSRGHDomRDLQGDJHUDSROrPLFDVREUHGLUHLWRVDXWRUDLVHPHVPRVREUHDGHFLVmRGHSHUPLWLUTXHR usuário navegue livremente e saia do site de origem (razão pela qual muitos jornais, por exemplo, optam por nunca dar links externos, isto é, que levem o leitor a outros sites). Como relatar atividades digitais em um mundo editorial que opera na cultura do impresso? Como resolver questões autorais? Quanto risco uma editora de livros quer correr? Essas são questões consideráveis no diálogo entre culturas da cultura escrita.

Considerações atuais Esta exposição, que se baseia nos casos de uma editora de livros e de uma biblioteca, em interação com dispositivos da cultura digital, pode soar uma apresentação dicotômica ou polarizadora de questões que, são, naturalmente, nuançadas e contíguas. (VWDPRVIDODQGRGHFXOWXUDVGHQWURGDFXOWXUDHVFULWDGHXPPRGRLPSUHVVRGHSHQVDUDJLUVHUFRQVXPLUHXPPRGRGLJLWDOGHID]HUHFRQFHEHUHVVDVFRLVDV(VWDPRVIDODQGRGHH[SHULrQFLDVTXHVHFKRFDP que se renovam, mas que, antes de tudo, dialogam. Esse contato há de chegar a um equilíbrio porque o reposicionamento das mídias em um quadro ou em uma “paisagem comunicacional” (na expressão de Kress, 2003) passa por uma transição. As acomodações vão ocorrendo e talvez não possamos assistir à cena mais harmônica que um dia haverá (a não ser que outros dispositivos surjam para abalar o quadro). Foram cerca de 400 anos para que o livro em forma de rolo cedesse lugar ao códice, que nunca cedeu lugar a outro objeto. Mesmo o tablet ou a tela do computador gostam de emular essa invenção romana, de I. a.C., atribuída a Júlio César (FISCHER, 2006). Leitores, usuários de espaços da cultura escrita, personagens como autores, organizadores, editores, designers, livreiros, etc. estão todos envolvidos na reformulação de práticas e objetos. Como agir? Como atuar em um telecentro que habita o coração de uma biblioteca? Como explicar o uso de um site, no miolo de um livro de papel, sem mostrar teclas e telas com marcas registradas? E questões contrárias também causam desconforto: Por que a tela de um tablet exibe um códice que simula páginas de papel? eQDWXUDOTXHKDMDPDLVSHUJXQWDVGRTXHUHVSRVWDVHTXHKDMDGXDVFXOWXUDVHPGLVSXWDSDUDXPDDFRPRGDomRWDOYH]HTXHKDMDFRPSUHHQV}HVFRQÀLWDQWHVGHVWDVSUiWLFDVOHWUDGDVTXHVHFRORFDPSDUDD sociedade. A educação digital passa por muito mais questões (frise-se, muito mais) do que propriamente pelos dispositivos digitais: computadores, tablets, notebooks, distribuídos como se resolvessem problemas culturais outros. Os “cacarecos” da biblioteca da favela ou as supermáquinas da zona Sul não farão GLIHUHQoDVHQRFRQÀLWRHQWUHGRLV³PXQGRV´RPDLVFRQVROLGDGRLPSXVHUVXDVSUiWLFDVHVXDVUHJUDV As práticas desta idade são as do “isto e aquilo”, que ainda vão sendo construídas.

LIVRO_END_YAKUMO_Miolo.indb 20

27/02/2014 17:07:45

21

Notas

3ROrPLFD Para isso, é importante ver, no Brasil, os estudos de Magda Soares, Leda Tfouni, Angela Kleiman, para citar os trabalhos fundadores da discussão no país. *Cultura oral - Walter Ong, em seu livro Oralidade e cultura escrita (1998), estuda essas questões. Outros também pesquisam o campo da oralidade e do letramento, inclusive de outras perspectivas.

6LVWHPDGHPtGLDV A expressão, que me parece muito adequada, é de Briggs e Burke (2004). Desde sua publicação no Brasil, venho insistindo nela.

,QWHUQHWMesmo ao norte-americano Vannevar Bush, em 1944, é atribuída a preocupação com o hipertexto, mesmo bem antes da invenção das tecnologias digitais. Afora a precipitação e mesmo a inadequação de muitas dessas atribuições, a ideia de Bush era já prenúncio de algumas possibilidades digitais. (VVHVSUHQ~QFLRVWDPEpPMiHVWDYDPQDOLWHUDWXUDFRQIRUPHD¿UPD$OPHLGD  

7,&V Sigla consagrada para Tecnologias da Informação e da Comunicação, isto é, as digitais.

/DQKRXVH Espaços, geralmente privados, para acesso à web e a computadores, mediante pagamento. 3RULVVRVmRWDPEpPJHUDOPHQWHPHQRVFRQWURODGRVHPHGLDGRV7DPEpPQmRKiH[LJrQFLDVTXDQWRj TXDOL¿FDomRGRVIXQFLRQiULRV

Se Neveu - (2001) No Brasil, há trabalhos de Pereira sobre o assunto. Ver, por exemplo, (2007).

3URVXPLGRUHV $H[SUHVVmRTXHPHVFODSURGXWRUHVHFRQVXPLGRUHVpDWULEXtGDD$OYLQ7RIÀHUDXWRU do livro A terceira onda, publicado na década de 1980. Muitos pesquisadores se apropriaram da expressão.

LIVRO_END_YAKUMO_Miolo.indb 21

27/02/2014 17:07:45

22

Referências ALMEIDA, Virgilio A. F. In search of models and visions for the Web Age. Interactions (New York), v. 16, p. 20-26, 2009. %$55(72$QJHOD0DULD3$5$'(//20DULD'XOFH$66,66{QLD%LEOLRWHFDVS~EOLFDVHWHOHFHQtros: ambientes democráticos e alternativos para a inclusão digital. Ciência da Informação, Brasília, v. 37, n. 1, p. 27-36, 2008. %5,**6$VD%85.(3HWHUUma história social da mídia. São Paulo: Jorge Zahar, 2004. FELINTO, Érick. Os computadores também sonham? Para uma teoria da cibercultura como imaginário. Intexto, Porto Alegre, v. 2, n. 15, dezembro 2006. ),11(*$15XWK$UHODomRHQWUHFRPSRVLomRHSHUIRUPDQFHWUrVHVWLORVDOWHUQDWLYRV,Q),11(*$1 Ruth. Literacy and Orality. Studies in the Technology of Communication. Oxford: Basil Blackwell Ltd., 1988. [Trad. Ana Elisa Ribeiro inédita] FISCHER, Steven Roger. História da leitura. São Paulo: Unesp, 2010. KRESS, Gunther. Literacy in the new media age. USA: Routledge, 2003. /$,3(/75LWDGR&)HUUHLUD0285$$QD0DULD0GH&$5(*1$726{QLD(,QFOXVmRGLJLWDO laços entre bibliotecas e telecentros. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 16, n. 1, p. 285292, 2006. LEMOS, André. Cibercultura, cultura e identidade. Em direção a uma “cultura copyleft”?. Contemporânea, v. 2, n. 2, dezembro 2004. LEMOS, André. Ciber-cultura-remix. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 81, dezembro 2002. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. São Paulo: Editora 34, 2004. NÉVEU, Erik. Sociologie du Journalisme. Paris: La Découverte, 2001. ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita. A tecnologização da palavra. Trad. Enid Abreu Dobránszky. São Paulo: Papirus, 1998. PATTE, Geneviève. Deixem que leiam. Rio de Janeiro: Rocco, 2012. PEREIRA, Fábio H. O Jornalista Sentado e a Produção da Notícia on-line no CorreioWEb. Em Questão, Porto Alegre, v. 10, n. 1, p. 95 -108, jan./jun. 2004. PRETTO, Nelson. Redes colaborativas, ética hacker e educação. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 26, n. 3, dezembro 2010. SANTELLA, Lúcia. Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós-humano. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 22, dezembro 2003. SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 81, dezembro 2002.

LIVRO_END_YAKUMO_Miolo.indb 22

27/02/2014 17:07:45

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.