DA COMUNIDADE VIRTUAL DE PROFISSIONAIS À COMUNIDADE ACADÊMICA DOS FORMANDOS: DIZERES SOBRE A PESQUISA

June 29, 2017 | Autor: T. Biazi | Categoria: Identidades
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3 DA COMUNIDADE VIRTUAL DE PROFISSIONAIS À COMUNIDADE ACADÊMICA DOS FORMANDOS: DIZERES SOBRE A PESQUISA Terezinha Marcondes Diniz Biazi – UNICENTRO/PR Sheila Elias de Oliveira – UNICAMP/SP

Introdução

É um lugar-comum hoje, aceito sem grande questionamento pelos docentes dos Cursos de Licenciatura, que a prática da pesquisa é necessária, senão, fundamental, para a

docência.

Fala-se

em

professor-pesquisador

como

se

esta

denominação

correspondesse a um referente preciso e estável. Buscando retirar essa denominação do lugar de evidência e confrontá-la ao real das escolas brasileiras e ao da nossa universidade em particular, propusemos um mini-curso durante o IV Simpósio de Estudos Linguísticos e Literários da Universidade Estadual do Centro-oeste – UNICENTRO - IV SELL-UNI1, em 2009, para os graduandos dos cursos de Licenciatura em Letras: Português e suas Literaturas e Inglês e suas Literaturas. Tivemos um público de acadêmicos de primeiro a quarto anos, das duas habilidades. Este trabalho quer dar a conhecer e a discutir os resultados do debate empreendido sobre a relação professor-pesquisador. Especificamente, buscamos compreender os entendimentos dos acadêmicos sobre o que é ser pesquisador, o que é ser professor, se o professor deve ser pesquisador e se dá para ser professor sem ser pesquisador. Nossa exposição está dividida em quatro partes. Na primeira delas, explicitamos nosso entendimento do que seja pesquisa. Na segunda parte, descrevemos a metodologia que guiou a discussão no mini-curso. A terceira apresenta e discute os dados coletados em nosso mini-curso. Para finalizar, fazemos nossas considerações sobre o tema tratado.

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IV SELL-UNI foi realizado pelo Departamento de Letras - DELET, de 04 a 08 de maio de 2009. A UNICENTRO, na qual trabalhamos, é uma das seis universidades estaduais do Paraná. Conta com dois campi em Guarapuava e um campus em Irati.

O que é pesquisa?

Entendemos

pesquisa

como

um

conjunto

de

procedimentos

teórico

e

metodologicamente orientados em um específico domínio científico, cujo objetivo último é a produção de conhecimento sobre determinado objeto. Esta perspectiva, que acreditamos fazer parte do entendimento da pesquisa no meio acadêmico, está em consonância com o que apontam Guimarães e Orlandi (2006, p. 144):

Quando falamos de pesquisa estamos falando de um conjunto muito particular de práticas humanas: as práticas científicas. Ou seja, estamos falando de como conhecer e de como produzir conhecimento.

Os autores (idem, ibidem) listam seis passos necessários para se fazer uma pesquisa:

a) escolher um assunto; b) escolher neste assunto uma questão que tenha interesse, e que não tenha sido respondida ainda; c) tomar um ponto de vista teórico; d) assumir um ponto de vista metodológico; e) produzir a análise de materiais específicos relativos à questão escolhida, com uma instrumentação própria da metodologia escolhida no domínio teórico escolhido; f) interpretar seus resultados face às teorias e face ao objeto em questão.

Para se escolher uma questão de interesse e que não tenha sido respondida ainda, os autores enfatizam a necessidade de saber o que já se produziu em um determinado domínio, como o das ciências da linguagem:

Isto envolve saber coisas como: que teorias estão disponíveis neste domínio; o que tem sido tomado como objeto de conhecimento para as ciências da linguagem; em que disciplinas este domínio está organizado, como elas se relacionam umas com as outras (e este é um aspecto decisivo no modo de se produzir conhecimento hoje); que procedimentos estas disciplinas e domínios científicos utilizam para produzir conhecimento, o que estes procedimentos todos levaram a conhecer. (ibidem, p.143)

A pesquisa envolve, assim, a construção de uma erudição sobre determinado domínio, objeto ou questão e envolve a inscrição do sujeito de conhecimento nos pressupostos e procedimentos de uma ciência. Cabe nos perguntarmos, então, em que medida a formação dos cursos de Licenciatura prepara para a atividade de pesquisa, tal como a concebemos acima. A formação dos licenciandos nos parece estar cada vez mais voltada à instrumentalização para a prática de ensino, sem que esta envolva o trabalho

sobre a formação de sujeitos de conhecimento inscritos na discursividade científica, capazes de uma relação crítica e fundamentada sobre os objetos de ensino da área de Letras – a língua e a literatura. Ao consideramos a pesquisa como uma prática de construção de uma relação com o conhecimento, nos perguntamos de que modo inscrevê-la em nossos cursos, como elemento central da formação do professor?

O mini-curso

Nosso mini-curso, cujo objetivo era discutir a relação professor - pesquisador na atividade docente teve duração de quatro horas e envolveu cerca de 30 acadêmicos dos cursos de Letras-Português e de Letras-Inglês, em sua maioria cursando os terceiros e quartos anos da graduação, mas também vindos dos dois primeiros anos do curso. Os quartanistas desenvolvem pesquisa em seus trabalhos de conclusão de curso (TCCs), o que implica em cursarem uma disciplina cujo objetivo é auxiliá-los para este fim, além de contarem com a orientação de um professor do Departamento de Letras. Cabe dizer ainda que no primeiro ano do curso de Português e no segundo ano do curso de Inglês, consta da grade curricular a disciplina Pesquisa em Letras, cujo objetivo é introduzir os acadêmicos no universo da pesquisa acadêmica e, mais especificamente, no universo da pesquisa feita na área de Letras. Traremos para o debate as respostas a um questionário entregue aos alunos divididos em sete grupos compostos de três a quatro participantes. Após responderem ao questionário por escrito, tendo discutido com o grupo as questões propostas, promovemos uma discussão conjunta de visões de ensino e pesquisa que extraímos de uma comunidade de professores da Internet2. Foi depois dessa discussão que eles expuseram suas respostas e debatemos os temas em grupo. O questionário contava com quatro perguntas: O que você entende por ser pesquisador?; O que é ser professor?; O professor deve ser pesquisador? Justifique sua resposta.; Dá para ser professor sem ser pesquisador? Justifique sua resposta. As respostas revelaram um sentido para pesquisa não-coincidente com a concepção de pesquisa acadêmica, que apresentamos acima.

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Trouxemos postagens sobre o tópico professor x pesquisador da Comunidade do Orkut Profissão Professor, cujo conteúdo era, na época em que a visitamos (2008), público. Trata-se de uma comunidade em atividade constante e da qual participam professores de todos os níveis e disciplinas.

A pesquisa e a prática docente no dizer dos acadêmicos

Nesta seção apresentamos e discutiremos à luz da concepção de pesquisa explicitada acima as respostas dos acadêmicos ao questionário proposto no mini-curso. Para a descrição das respostas, utilizaremos a notação G para grupo, destacando os elementos expressivos para nossa análise em itálico. A pergunta 1 – O que você entende por ser pesquisador? obteve as seguintes respostas: G1: “[...] É aquele que busca conhecimento incansavelmente.” G2: “[...] É aquele que está sempre em busca de mais conhecimentos e em busca de aprimoramento.” G3: “[...] Em busca de novos métodos de trabalho para obter mais conhecimentos em um determinado assunto de seu interesse. Com o objetivo de contribuir no conhecimento e aprendizado de seus alunos.” G4: “[...] Um estado constante de estudar de um indivíduo.” G5: “[...] É a tarefa de pesquisa, se aprofundar em determinado assunto com o objetivo de se (sic) aprimorar e aperfeiçoar-se.” G6: “[...] É um indivíduo que está sempre inovando, buscando atualizar e inovar seus conhecimentos. O pesquisador sempre busca ideias novas e inovar as velhas.” G7: “[...] É o sujeito movido por uma ou mais perguntas a serem respondidas, procura investigar a fundo um assunto de seu interesse, com o objetivo de chegar o mais perto possível de uma resposta.”

Nas respostas a esta primeira questão, ser pesquisador recebe o predicado busca de conhecimento em quatro das sete respostas: busca conhecimento (G1), busca de mais conhecimentos (G2), busca de novos métodos de trabalho para obter mais conhecimento (G3), buscando atualizar e inovar seus conhecimentos (G6). Em G1, G2 e G6, a busca de conhecimento é definida como a atividade mesma de pesquisa; em G3, a atividade de pesquisa é a “busca de novos métodos de trabalho” e o objetivo é “obter conhecimentos”.

Nas outras três respostas, a atividade de pesquisa é identificada a: (estado constante de) estudar (G4), se aprofundar em determinado assunto (G5) e investigar a fundo um assunto de seu interesse (G7). Há, assim, em todas as respostas, o sentido de busca de uma erudição sobre um assunto. Em G7, essa busca é predicada por procedimentos que lembram a atividade de investigação científica: ela é movida “[...] por uma ou mais perguntas a serem respondidas”. O sentido que determina as respostas sobre ser pesquisador é o da pesquisa como estudo, e não como produção científica. A pergunta 2 – O que é ser professor? obteve as seguintes respostas: G1: “[...] É aquele que constrói um elo entre a pesquisa e os seus alunos, que leva o conhecimento aos outros.” G2: “[...] Ser professor é ser responsável pela construção de pessoas conscientes.” G3: “[...] É contribuir para o conhecimento, ser responsável e comprometido com a educação. Ser pesquisador respeitando as diversidades sociais, buscando novos métodos de trabalho que possam suprir as necessidades educacionais de seus alunos.” G4: “[...] Compartilhar ideias, conhecimento em um estudo contínuo e interminável.” G5: “[...] É a pessoa que tem a tarefa de repassar o conhecimento aos determinados alunos, de maneira clara, para que os mesmos possam assimilar os tais conhecimentos.” G6: “[...] Ser professor é ser um indivíduo especial, que está ali para ensinar, transmitir conhecimentos, auxiliar em vários aspectos. É trazer sempre uma inovação. É fazer com que o ensino teórico possa ter relação ou aproveitamento na vida individual e social.” G7: “[...] O professor é dono de uma responsabilidade muito grande, maior talvez do que imagina. Tem o papel primeiro de transmitir conhecimentos, além de formar cidadãos, auxiliar na educação na educação construindo valores e desenvolver a criticidade de seus alunos.”

Mais uma vez, em quatro das sete respostas, encontramos uma regularidade: ser professor é predicado por transmitir/repassar/levar conhecimento: leva o conhecimento (G1), repassar o conhecimento (G5), ensinar, transmitir conhecimentos (G6), transmitir

conhecimentos (G7). Em G4, o predicado deriva para compartilhar idéias, conhecimento, que não traz o sentido de transporte, mas de comunhão. Em todos eles, o conhecimento é significado como algo pronto, a ser repassado, transmitido, levado, compartilhado com os alunos. Novamente, não há a relação com a produção de conhecimento, mas com o estudo para aquisição de conhecimento. Um elemento que reforça este direcionamento é, tanto nas respostas à pergunta 1 como à 2, a variação entre singular e plural da palavra conhecimento. O conhecimento é contável, o que indica que se estabelece com ele antes uma relação quantitativa do que qualitativa na qual o foco está em conhecer o quê e não em conhecer como. É interessante observar as articulações ao predicado transmitir, repassar, levar conhecimento. Em G1, leva o conhecimento está articulado a constrói um elo entre a pesquisa e os seus alunos; isto é, o elo de pesquisa que une o professor ao aluno é a transmissão de conhecimento. Em G5, repassar o conhecimento se articula a para que os mesmos [alunos] possam assimilar o conhecimento. O conhecimento não é algo a ser trabalhado, construído, produzido, mas repassado pelo professor e assimilado pelo aluno. Em G7, a criticidade, a construção de valores e a formação do cidadão estão juntas, em um paralelismo sintático, e postas como um acréscimo a transmitir conhecimentos, e não como parte da transmissão de conhecimentos; o sentido de acréscimo se faz pelo conectivo além de: “[...] Tem o papel primeiro de transmitir conhecimentos, além de formar cidadãos, auxiliar na educação na educação construindo valores e desenvolver a criticidade de seus alunos.” Em G3, encontramos ainda a menção a conhecimento, mas, dessa vez, no predicado contribuir para o conhecimento, no qual se pode vislumbrar uma relação com a pesquisa enquanto produção de conhecimento, que, no entanto, não está implicada no conjunto da resposta: “[...] É contribuir para o conhecimento, ser responsável e comprometido com a educação. Ser pesquisador respeitando as diversidades sociais, buscando novos métodos de trabalho que possam suprir as necessidades educacionais de seus alunos.” Finalmente, G2 atribui ao professor o papel de formador de consciências: “[...] Ser professor é ser responsável pela construção de pessoas conscientes”. Temos, portanto, nesta resposta, como sentido predominante, o do professor como transmissor de conhecimentos.

A terceira pergunta do questionário – O professor deve ser pesquisador? Justifique sua resposta. Foi respondida afirmativamente pelos sete grupos. As respostas são as seguintes: G1: “[...] Sim. Com certeza. Porque não existe conhecimento acabado, sempre há mais o que pesquisar e consequentemente ensinar o que se aprendeu.” G2: “[...] Com certeza, pois ser professor exige que este profissional esteja sempre em contato com novas teorias e conhecimentos.” G3: “[...] Sim, pois através da pesquisa que ele irá adquirir novos conhecimentos e enriquecer sua formação como profissional.” G4: “[...] Sim, pois você não pode se deixar ultrapassar para dar aula precisa pesquisar antes.” G5: “[...] Sim para que esse conhecimento passado aos alunos, citado anteriormente, esteja atualizado, preparado e vivo para melhor ensinoaprendizagem e também para que o ensino não se torne mecânico.” G6: “[...] Sim, pois quando o professor é atualizado, ele está apto para responder e saciar as necessidades e dúvidas mais polêmicas dos alunos. Quando se faz uma relação entre o conteúdo de sala de aula e algo novo, ou seja, com a atualidade, pode-se interagir melhor e tirar maiores proveitos.” G7: “[...] Sim. A pesquisa ajuda o professor a estar sempre em contato com novos conceitos, mantendo-os atualizados.”

Para os acadêmicos participantes do mini-curso, o professor deve ser pesquisador. Entretanto, o predicado mais recorrente do pesquisador é atualizado, ou seja, pesquisa é para eles sinônimo de atualização de conhecimentos. A palavra aparece em G5 (esteja atualizado), em G6 (quando o professor é atualizado), na qual vem acompanhada de outra palavra com a mesma raiz – atualidade, e em G7 (mantendo-os [novos conceitos] atualizados). Nas três primeiras respostas, outros predicados se põem em relação de paráfrase com o sentido de atualização: sempre há mais o que pesquisar (G1), sempre em contato com novas teorias e conhecimentos (G2), adquirir novos conhecimentos e enriquecer sua formação como profissional (G3), você não pode se deixar ultrapassar (G4).

Nas respostas à terceira pergunta, o sentido predominante é o de equivalência entre professor e profissional atualizado, que estuda continuamente e se expõe aos conhecimentos novos, que ele não produzirá, mas sim irá adquirir. Para a quarta e última questão – Dá para ser professor sem ser pesquisador? Justifique sua resposta, os acadêmicos se posicionam pela associação entre ensino e pesquisa. A pergunta foi interpretada diferentemente pelos grupos, o que gerou respostas diferentes. Quatro grupos (G1, G2, G3 e G4) afirmam que não dá para ser professor sem ser pesquisador; três outros grupos (G5, G6 e G7) afirmam que sim, porque interpretam a pergunta como a possibilidade de existência do professor não pesquisador, e não como a possibilidade de competência do professor não pesquisador. Todos afirmam, assim, que pode existir o professor não pesquisador, mas que a qualidade do ensino ficará comprometida. As respostas estão abaixo: G1: “[...] Não... pois o seu conhecimento é limitado. O professor que não é pesquisador não conseguirá transmitir o que o aluno precisa saber.” G2: “[...] Acreditamos que não, porque ambos os trabalhos apresentam similaridades, tanto um quanto o outro necessitam de fontes que baseiam seu trabalho o que faz ser um bom professor é ser automaticamente pesquisador.” G3: “[...] Não, pois o bom profissional deve constantemente buscar o conhecimento. Porém existem aqueles que se acomodam usando métodos tradicionais de ensino e quem perde com isso são seus alunos.” G4: “[...] Não. Porque se ele não se atualizar, não conseguirá acompanhar o desenvolvimento de seus alunos.” G5: “[...] Sim, porém o professor pode perder parte do conhecimento no tempo e ficar desatualizado.” G6: “[...] Pode ser um professor, sem ser pesquisador, sim. Porém o aluno e o professor irão perder. Quando o professor pesquisa e descobre novas teses, ele aprende. Assim, o aluno receberá mais informações e será um individuo com conhecimento complexo e amplo.” G7: “[...] Sim, é possível e muito freqüente nos dias atuais. Porém, a ausência das pesquisas deixa o professor estagnado em sua prática, levando a perdas no ensino-aprendizagem.”

Nas respostas, a pesquisa é novamente associada a: (o rompimento com o) conhecimento limitado (G1); fontes que baseiam o seu trabalho (G2); constantemente buscar conhecimento (G3); se atualizar (G4); (o rompimento com o) ficar desatualizado (G5); descobre novas teses / aprende (G6); (o rompimento com o) professor estagnado em sua prática (G7). A direção predominante, como se observa, é a de pesquisa como atualização, busca de novos conhecimentos.

Considerações finais

Como resposta à pergunta O que você entende por ser pesquisador?, predomina o sentido de pesquisa como estudo, e não como produção científica. Como resposta a O professor deve ser pesquisador?, o sentido predominante é de equivalência entre professor e profissional atualizado; igualmente, como resposta à pergunta: Dá para ser professor sem ser pesquisador?, predomina o sentido de pesquisa como atualização. Pesquisar é, então, estudar, atualizar-se sobre determinado tema, e não produzir conhecimento. Por sua vez, a relação entre ensino e pesquisa não é determinante na resposta a: O que é ser professor?, ainda que o conhecimento seja um predicado fundamental da resposta. O sentido que predomina é o do professor como transmissor de conhecimentos, o que implica uma relação com o conhecimento assumido como pronto, e não a construir ou produzir. Parece haver, portanto, em nossa universidade, uma falta de apropriação da prática científica à prática discente e, por conseguinte, uma falta de projeção da pesquisa acadêmica sobre a prática docente. A pesquisa acadêmica está dissociada da docência, e está dissociada da relação do professor com o conhecimento. O que queremos argumentar é que o pesquisador acadêmico, ao se propor o desafio da produção de conhecimento, tenderá (se for um bom pesquisador) a fazer as leituras necessárias para compor a erudição mínima sobre o tema de sua pesquisa de maneira crítica, indagativa, e não de maneira passiva, como se estivesse diante de um saber acabado. Ele tenderá a valorizar mais (ou pelo menos tanto quanto) a capacidade de formular boas perguntas em relação à capacidade de formular boas respostas. Ele dificilmente se tomará, portanto, enquanto docente, como um transmissor de

conhecimentos, mas sim como um fomentador de uma relação crítica com o conhecimento. Nessa perspectiva, a abordagem passa a ser tão importante quanto o conteúdo do ensino; na verdade, ela determinará o conteúdo, ou os objetos de ensino. É para tentar transformar o entendimento dos acadêmicos e avançar para uma outra compreensão do que seja uma formação docente e a relação com o conhecimento que estamos trazendo à luz as questões postas neste artigo. Defendemos aqui que pesquisa é produção ou construção de conhecimento, entendendo o conhecimento não como conteúdo, mas como uma relação com o real, com o que está à nossa volta. Nosso olhar volta-se para o conhecer - construir conhecimento como processo, e não para o conhecimento como produto sem processo. A pesquisa acadêmica, ao preconizar uma relação constantemente ativa com o conhecimento, pode produzir efeito sobre outras práticas do sujeito, quiçá transformando-as também, assim como a pesquisa, em gestos de intervenção na sociedade. Defendemos, portanto, que a produção de conhecimento faça parte da docência e seja compreendida como tal, de modo que não seja considerada uma prática à parte da docência. Precisamos nos comprometer com a aliança entre pesquisa e ensino para romper o modelo vicioso de transmissão de conteúdos, e considerar “[...] a produção do ensino com base na pesquisa.” (MALDANER, 1999, p.291) Se considerarmos que a pesquisa pode tornar-se aliada para a produção do ensino, o professor não será mais o transmissor de conhecimento, mas aquele que instigará no aluno o desenvolvimento de uma capacidade de pensar sobre o que está à sua volta, e ler criticamente os conhecimentos produzidos sobre os objetos com os quais se depara, propondo novas questões e novas respostas sobre questões de ensino. Cabe a nós, que trabalhamos na formação inicial de professores, a tarefa de problematizar a relação entre professor pesquisador em nossas aulas e levar os alunos a uma compreensão outra do que seja ser professor, da qual ser pesquisador faça parte. Cabe a nós, também, trabalhar para que o professor nas escolas tenha condições materiais de fazer pesquisa, de ser um pesquisador. Isto implica em tempo previsto para a pesquisa na carga horária, vínculo com instituições de ensino superior, inserção em grupos de pesquisa, entre outras condições que precisamos começar a discutir e a defender.

Referências bibliográficas

GUIMARAES, E.; ORLANDI, E. P. O conhecimento sobre a linguagem. In: PFEIFFER, C.C. & NUNES, J. M. (orgs.) Linguagem, História e Conhecimento. Campinas/SP: Pontes, 2006, p.143-157.

MALDANER, O. A. A pesquisa como perspectiva de formação continuada do professor de Química. Química Nova, 22(2),1999, p.289-292.

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