DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 45, § 2º, DA LEI Nº 12.594/2012

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Cf. SIQUEIRA NETO, Lélio Ferraz de; et al. Manual Prático das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude: adolescente em conflito com a lei. São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo, Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva, 2012, p. 188 e seguintes.
Cf. SIQUEIRA NETO, Lélio Ferraz de; et al. Manual Prático das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude: adolescente em conflito com a lei. São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo, Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva, 2012, p. 188 e seguintes.
Cf. SIQUEIRA NETO, Lélio Ferraz de; et al. Manual Prático das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude: adolescente em conflito com a lei. São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo, Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva, 2012, p. 188 e seguintes.
Nesse sentido, conferir: GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 477 e seguintes.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 489.
Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1999.
Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1999.
GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Rio de Janeiro: Landy, 2004, p. 176 e seguintes.
GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Rio de Janeiro: Landy, 2004, p. 177 e seguintes.
GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Rio de Janeiro: Landy, 2004, p. 179 e seguintes.
GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Rio de Janeiro: Landy, 2004, p. 183 e seguintes.
GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Rio de Janeiro: Landy, 2004, p. 183 e seguintes.
Cf. GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Rio de Janeiro: Landy, 2004.
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 141.
Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006.
Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006.
MEGALE, Maria Helena Damasceno e Silva. Hermenêutica Jurídica: Interpretação das Leis e dos Contratos. 2002. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002, p. 111.
Nesse sentido, conferir: MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. E também: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.
SIQUEIRA NETO, Lélio Ferraz de; et al. Manual Prático das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude: adolescente em conflito com a lei. São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo, Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva, 2012, p. 188 e seguintes.
Cf. SIQUEIRA NETO, Lélio Ferraz de; et al. Manual Prático das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude: adolescente em conflito com a lei. São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo, Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva, 2012, p. 188 e seguintes.
SIQUEIRA NETO, Lélio Ferraz de; et al. Manual Prático das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude: adolescente em conflito com a lei. São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo, Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva, 2012, p. 189 e seguintes.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1995, p. 401.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1995, p. 401.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 11.


Da inconstitucionalidade do artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012

The unconstitutionality of article 45, § 2º, of the Law nº 12.594/2012

Resumo: A proposta de repensar a execução das medidas socioeducativas sob a ótica constitucional revela-se de grande utilidade para uma compreensão mais profunda do fenômeno da ressocialização dos adolescentes, pois inaugura um novo enfoque, que prioriza o questionamento acerca da própria natureza do ato infracional. O presente estudo busca, ao atentar para a necessária reaproximação entre a Lei nº 12.594/12 e a Constituição, compreender o impacto das revelações trazidas pelos princípios da isonomia, da individualização da pena e da inafastabilidade da jurisdição na aplicação de novas medidas socioeducativas a adolescentes plurirreincidentes, questão aqui escolhida para debate por representar, indubitavelmente, um dos grandes desafios da execução das medidas na contemporaneidade.

Palavras-chave: inconstitucionalidade; SINASE; individualização da pena; isonomia e inafastabilidade de jurisdição.

Abstract: The proposal to rethink the implementation of socio-educative measures in a constitutional perspective proves to be very useful for a deeper understanding of the phenomenon of adolescents´ re-socialization, by inaugurating a new approach that prioritizes questioning the very nature of responsibility. This study seeks to attend to the necessary rapprochement between the Federal Law nº 12.594/12 and the Constitution, focusing the impact of the revelations brought by the principles of equality, individualization of punishment and "controversies pursuant to law" in implementing new measures to habitual offenders, issue chosen to be discussed here due to the fact that it represents one of the great challenges in implementing socio-educative measures nowadays.

Key words: unconstitutionality; SINASE; equality; individualization of punishment and "controversies pursuant to law".

Sumário: 1. Introdução; 2. Da inconstitucionalidade do artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012; 2.1. Da filtragem hermenêutico-constitucional; 2.2. Da violação ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional; 2.3. Da violação ao princípio da isonomia; 2.4. Da violação ao princípio da individualização das medidas socioeducativas; 3. Conclusão; 4. Referências bibliográficas.


Introdução

Frankestein, obra literária das mais influentes, relata as mudanças que a criatura – Frankestein – provoca em seu criador – o cientista. Igualmente, as criaturas imaginadas por promotores, advogados e juízes modificam as concepções de seus atores. Assim, a Lei Federal nº 12.594/12, que instituiu o Sinase – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo –, vem modificando a aplicação das medidas socioeducativas, sua própria estrutura e seus criadores. Como a nossa referência a Frankestein sugere, a Lei Federal nº 12.594/12 propõe novos riscos e desafios para problemas ainda não resolvidos.
Fruto de ampla discussão no Congresso Nacional, a Lei veio regulamentar aspecto que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069/90) não havia abordado de forma integral.
Muito embora o Estatuto tivesse definido a apuração e o processo de conhecimento relativo a atos infracionais cometidos por adolescentes, não regulamentou a execução das medidas socioeducativas.
Por este motivo, a principal norma para preenchimento das lacunas decorrentes do Estatuto da Criança e do Adolescente era a Lei de Execuções Penais (Lei Federal nº 7.210/84), com finalidades nitidamente distintas daquelas almejadas na seara da Infância e Juventude.
Ressalte-se que a Lei nº 12.594/12 reflete a relevante atuação da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude - ABMP, responsável pela elaboração do Projeto de Lei nº 1.627/07.
Em seu artigo 1º, § 1º, define o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) como sendo

"o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei."

Não bastasse, o artigo 1º, § 2º, estabelece como objetivos das medidas socioeducativas a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, a desaprovação da conduta infracional, a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento.
A partir dessa breve introdução, passemos à análise da constitucionalidade do artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012.


Da inconstitucionalidade do artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012

Dispõe o artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012:

"Art. 45 - § 2o - É vedado à autoridade judiciária aplicar nova medida de internação, por atos infracionais praticados anteriormente, a adolescente que já tenha concluído cumprimento de medida socioeducativa dessa natureza, ou que tenha sido transferido para cumprimento de medida menos rigorosa, sendo tais atos absorvidos por aqueles aos quais se impôs a medida socioeducativa extrema." 

A proposição normativa criou hipótese de absorção das condutas anteriormente praticadas por aquelas que ensejaram a imposição da medida extrema.
Ressalte-se, por oportuno, que duas correntes surgiram a respeito do tema.
Sob um prisma pedagógico, a primeira corrente sustenta que é possível considerar adequada a proposta do legislador, haja vista que se busca evitar que o adolescente seja punido por atos pretéritos, máxime quando já tenha se reeducado e esteja novamente integrado à comunidade em que vive.
A segunda corrente, por outro lado, considera que tal previsão é inconstitucional. Isso porque os fatos que ensejaram a responsabilidade do adolescente são diversos e cada caso deve ser sempre analisado de forma individualizada, atentando-se para os princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição, da individualização da sanção e da isonomia.
Entendemos que a última corrente é a mais acertada.
Contudo, antes de analisar pormenorizadamente os argumentos que nos levam a acreditar que a norma é inconstitucional, é preciso atentar para a forma como deve se dar a compreensão do intérprete.

2.1) Da Filtragem Hermenêutico-constitucional

A concretização da norma jurídica não pode ser fruto da subjetividade do intérprete, mas deve decorrer de parâmetros pré-determinados que possibilitem o fechamento hermenêutico do sistema.
Mas como deve se dar a seleção do conjunto de normas que deve incidir no caso concreto?
Apesar da existência de uma margem de indeterminabilidade na interpretação do caso concreto, a tarefa de concretização da norma não se dissolve no relativismo. Existe uma perene busca pela previsibilidade das decisões e pelo ideal de justiça:

"Na ideia de uma ordem judicial supõe-se o ato de que a sentença do juiz não surja de arbitrariedades imprevisíveis, mas de uma ponderação justa do conjunto. A pessoa que se tenha aprofundado em toda compreensão da situação estará em condições de realizar essa ponderação justa. Justamente por isso existe segurança jurídica em um estado de direito; ou seja, podemos ter uma ideia daquilo que nos atemos. Qualquer advogado ou conselheiro está, em princípio, capacitado para aconselhar corretamente, ou seja, para predizer corretamente a decisão do juiz com base nas leis vigentes."

Nesse sentido, o neoconstitucionalismo pretende superar a legalidade estrita, mas não despreza o direito posto. Sem recorrer a categorias metafísicas, procura estabelecer uma leitura moral e Ética do Direito. Há uma necessária reaproximação entre o Direito e a Filosofia, buscando-se a implementação de uma nova hermenêutica constitucional e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais a partir da dignidade humana.
Nesse diapasão, aduz Günther que essa seleção prévia das normas, por ele denominada de "juízo de adequabilidade", depende da percepção de que existem no Direito dois níveis discursivos.
O primeiro nível discursivo abrange os discursos de justificação, de natureza tipicamente legislativa, cuja dimensão de validade é firmada a partir da possibilidade de universalização da norma posta em face de diferentes situações de aplicação (princípio de universalidade).
O segundo nível discursivo abrange os discursos de aplicação, de natureza tipicamente jurisdicional, cujo critério de adequabilidade se dá com a possibilidade de individualização da norma em face do caso concreto, desde que todas as circunstâncias envolvidas no momento da aplicação sejam consideradas (princípio de adequabilidade).
A distinção entre discursos de justificação e discursos de aplicação se encontra, segundo Günther, no fato de que os critérios que servem para apurar a validade de uma norma não coincidem com os utilizados para indicar a adequação de uma norma válida a uma determinada situação. É preciso, na segunda hipótese, fazer a justificação da pertinência da aplicação de uma norma geral a um caso particular, garantindo racionalidade à decisão.
O princípio da universalidade, aplicável no âmbito da justificação da norma, tem como equivalente o princípio da adequação, quando se passa ao terreno da concretização.
Assim é que, para Günther, todo discurso de aplicação, para ser legítimo, precisa justificar a adequabilidade das normas a serem aplicadas a partir de todas as circunstâncias envolvidas no processo de aplicação.
Nesse diapasão, a segurança jurídica e a justiça estão intimamente relacionadas com a lógica da argumentação de adequabilidade, compatibilizando a justiça no caso concreto com a racionalidade da decisão.
Assim, para que se determine a norma a ser aplicada em cada caso, é preciso observar a lógica da adequabilidade no âmbito do discurso de aplicação, que, segundo o jurista alemão, deve seguir duas diretrizes principais:
1) completa descrição da situação: o aplicador do direito deve buscar uma completa descrição da situação concreta, para que todos os elementos fáticos e jurídicos sejam submetidos à análise, realizando uma "filtragem" dos fatos relevantes para o caso.
2) coerência normativa: os conflitos de normas devem ser resolvidos não pela existência de um conteúdo material hierarquicamente superior pré-determinado no ordenamento, como se fosse possível falar em normas preferenciais, mas em virtude da adequabilidade da norma ao caso concreto.
Procura-se, desse modo, evitar o risco da decisão fundada em resultados "pré-concebidos pelo julgador" (v.g., o juiz que deseja condenar um adolescente e, desconsiderando os preceitos da hermenêutica, vale-se de argumentação, ainda que ilegítima, para chegar ao resultado pretendido), em manifesta contradição à impossibilidade de se determinar previamente o sentido da norma de decisão.
Ora, a decisão adequada para o feito só pode ser aquela oriunda das circunstâncias presentes no caso decidendo e se materializa através do processo judicial. Não existe verdade prévia. A verdade é construída intersubjetivamente, a partir dos elementos do caso concreto e da observância aos precedentes. Segundo Streck,

"é inexorável que eu venha combater toda e qualquer atividade discricionária, voluntarista ou decisionista do Poder Judiciário – e da doutrina positivista que guarnece tais posições. Registre-se minha posição firme – fundado na hermenêutica filosófica – no sentido de que 'levemos o texto a sério', entendido o texto como evento [...]."

Desse modo, a determinação da norma jurídica a ser aplicada a cada caso deve se dar a partir da coerência das normas em face da totalidade das circunstâncias fáticas envolvidas e dos precedentes existentes, compatibilizando a norma da decisão com o "fechamento hermenêutico" do ordenamento.
Assim, à luz do princípio da supremacia da Constituição, outra não pode ser a conclusão senão aquela que nos leva à unicidade do fenômeno hermenêutico: o processo de compreensão, interpretação e aplicação de um preceito jurídico é unitário e, por este motivo, tem sempre como ponto de partida a Constituição.
Em outras palavras, a Constituição serve de base para a compreensão do Direito, determinando o sentido de todas as normas que compõem o ordenamento jurídico.

"Assim, a unidade do sistema encontra seu fundamento na sua norma positiva superior, que é a Constituição. Do ângulo axiológico, buscar origem exógena para os princípios gerais do direito é colocar em risco valores universalmente consagrados na experiência jurídica do Direito ocidental, como da segurança ou certeza jurídica e outros."

Portanto, se toda concretização da norma é sempre uma concretização da própria Constituição, fica fácil concluir que toda interpretação (ainda que indiretamente) é sempre uma interpretação da própria Constituição.
Passemos, assim à análise da (in)compatibilidade da norma trazida pelo artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/12, com a Constituição.

2.2) Da violação ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional

Em primeiro lugar, urge frisar que o artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/12, ofende o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito."
Ora, o adolescente que incorre na prática de diversos atos infracionais antes da aplicação de medida de internação não pode ter afastada, pelo legislador, a possibilidade de apreciação, pelo Estado-juiz, da necessidade de aplicação da medida extrema.
Ao afirmar que não poderá ser imposta nova medida de internação, o legislador impede que o juiz possa decidir se a nova medida é ou não necessária, limitando, de forma inconstitucional, o acesso do Ministério Público (titular das ações socioeducativas) à tutela jurisdicional.
Desse modo, a criação de critério único, coibindo a imposição de nova medida de internação ao infrator, enseja sentimento de impunidade e, por via de consequência, a impossibilidade de ressocialização, quando ainda necessária a adoção de novas medidas.
Ora, é irrefutável que as medidas socioeducativas destinam-se à proteção do adolescente, mas não se pode negar que também constituam meios de defesa social.
Em outras palavras, é preciso compreender a finalidade das medidas socioeducativas, de modo que o caráter pedagógico não é o único parâmetro para sua aplicação, sendo falacioso, para não dizer ingênuo, acreditar que não têm um caráter sancionatório (porque, com a sua conduta, o adolescente quebrou a norma de conduta social) e retributivo (uma vez que se trata de uma resposta do Estado à prática do ato infracional).
Devidamente caracterizada a afronta ao princípio da inafastabilidade de jurisdição pelo artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/12, passemos à análise da sua (in)compatibilidade com o princípio da isonomia.

2.3) Da violação ao princípio da isonomia

Não bastasse, outro princípio constitucional violado é o da isonomia (artigo 5º, caput, da Constituição), haja vista que a lei equiparou a conduta de adolescente que cometeu um único ato infracional – ainda que grave – à daquele que tenha cometido vários deles.
Uma interpretação filológica do artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/12, nos leva à conclusão de que, uma vez aplicada a medida extrema e excepcional de internação em razão da prática de duas condutas infracionais, em relação à segunda não poderá o adolescente ser sancionado, porquanto estaria absorvida pela primeira medida imposta.
Ocorre que esse tratamento igual em casos desiguais ofende o princípio constitucional da igualdade, em razão da existência do critério de díscrimen estabelecido pelo legislador.
Segundo Canotilho, haverá observância ao princípio da igualdade "quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente tratados como desiguais. Por outras palavras: o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária."

E segue o ilustre autor, esclarecendo que "existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (I) fundamento sério; (II) não tiver um sentido legítimo; (III) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável."

Da mesma maneira, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que o princípio da isonomia não é - enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica - suscetível de regulamentação ou de complementação normativa.

"Esse princípio - cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público - deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios, sob duplo aspecto: a) o da igualdade na lei; b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei - que opera numa fase de generalidade puramente abstrata - constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório."

Com efeito, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, não estabeleceu qualquer distinção ao afirmar que todos são iguais perante a lei em direitos e deveres.
A igualdade material não se presta a absolver adolescentes de condutas infracionais.
Ao revés, a isonomia substancial deve ser um instrumento de mitigação das disparidades existentes na sociedade sem, contudo, deixar de lado a necessidade de sancionar aqueles que incorreram na prática de atos infracionais.
Ao se admitir a compatibilidade do artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/12, com o princípio da isonomia, seria admissível, no mesmo sentido, estabelecer um Direito Infracional voltado somente para "adolescentes primários" e outro para aqueles plurirreincidentes – o que não pode prevalecer. Isso sim fere o princípio da igualdade e a conquista do Direito Infracional do Fato.
Por esta razão, o Direito é a todos destinado, bem como suas limitações, institutos e eventuais gravames ou benesses.
Indubitável que o aparato estatal se movimenta para propiciar ao adolescente ressocialização, entendida esta como o redirecionamento para uma vida honesta em comunidade e para o resgate da cidadania do agente.
Contudo, se o adolescente, após a prática vários atos infracionais, é agraciado com a extinção do processo socioeducativo, o trabalho de ressocialização estará inexoravelmente comprometido, haja vista que remanescerá o sentimento de impunidade, estimulando a reiteração na prática de condutas vedadas.
Frise-se, por oportuno, ser plenamente possível que, na hipótese de provimento de recurso interposto, sem efeito suspensivo, contra decisão que aplicou medida socioeducativa de internação, o reeducando se veja livre de qualquer sanção, de sorte que a extinção operada poderá ensejar a ausência de responsabilidade de forma geral.
Por este motivo, entendemos que, não obstante eventual cumprimento pelo adolescente das etapas do processo socioeducativo necessárias à adequada orientação e reeducação, é plenamente admissível a aplicação de novas medidas, objetivando garantir tratamento diferenciado àqueles que não se encontram na mesma situação.
Em suma, deve-se, antes de tudo, garantir isonomia no cumprimento das medidas socioeducativas para adolescentes que se encontrem em situações desiguais.

2.3) Da Violação ao Princípio da Individualização das Medidas Socioeducativas

O artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012, afronta, também, o princípio da individualização das penas (artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição).
Tratando-se de questão ligada às peculiaridades do caso concreto, não se pode ignorar que devam ser considerados os antecedentes, a conduta social, a personalidade e os motivos da prática do ato infracional.
Ao se ignorar as circunstâncias do caso, a norma prevista no artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012, viola frontalmente a Constituição, uma vez que ignora a necessidade de individualização da sanção.
Incumbe ressaltar que a execução da medida socioeducativa deve observar a necessidade de responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, à desaprovação de sua conduta infracional, à integração social do infrator e à garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento.
Não se pode olvidar, ainda, que os princípios da brevidade, da excepcionalidade e da especial condição de pessoa em desenvolvimento implicam na necessidade – ainda maior do que aquela que acomete o Direito Penal – de individualização da reprimenda.
Imprescindível, desse modo, que cada adolescente acusado da prática de ato infracional tenha sua situação individualmente considerada, recebendo a medida que se mostre mais adequada à sua condição.
Em suma, não restam dúvidas de que o dispositivo em testilha é inconstitucional, uma vez que viola o princípio da individualização das medidas socioeducativas.

Conclusão

Indiscutivelmente, a Lei Federal nº 12.594/12 assume papel de destaque no ordenamento jurídico, por se tratar de diploma normativo absolutamente inovador, no tocante à previsão de um sistema pioneiro de regulamentação da execução das medidas socioeducativas.
O artigo 45, §2º, da "Lei do SINASE", todavia, criou hipótese de absorção dos atos anteriormente praticados por aqueles que ensejaram a imposição da medida extrema, eivando o sistema de grave inconstitucionalidade, ao violar os princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição, da individualização das medidas e da isonomia.
Nesse liame, a proposta de repensar a execução das medidas socioeducativas sob a ótica constitucional revela-se de grande utilidade para uma compreensão mais profunda do fenômeno da ressocialização dos adolescentes, pois inaugura um novo enfoque, que prioriza o questionamento acerca da própria natureza do ato infracional e de seus objetivos.
Atentando para a necessária reaproximação entre a Lei nº 12.594/12 e a Constituição, percebe-se que os princípios da isonomia, da individualização da pena e da inafastabilidade da jurisdição, quando deparados com a aplicação de novas medidas a adolescentes plurirreincidentes, conduzem à inconstitucionalidade do artigo 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012, compatibilizando, no contexto do Estado Democrático de Direito, a concretização do caráter pedagógico das medidas socioeducativas com o combate à impunidade.
Em suma, a comunidade jurídica possui um considerável conhecimento acumulado sobre os princípios constitucionais que regem as medidas socioeducativas. Ela também possui a criatividade e a habilidade para oferecer novas soluções para problemas que assolam a Lei nº 12.594/12. Mas a comunidade jurídica precisa desejar correr os riscos associados com a exploração de novos horizontes. Não é certo quão longe os investimentos nesses riscos nos levarão. Mas é certo que nós não iremos a lugar algum se os evitarmos.


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