Da participação de uma História do Cinema Brasileiro

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Da participação de uma História do Cinema Brasileiro Rodrigo Bouillet Organizador do Cineclube Tela Brasilis [email protected] Texto para a sessão comemorativa de 2 anos do Cineclube Tela Brasilis realizada na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 25 de agosto de 2005. Após a exibição de Insônia, foi realizado debate com os diretores Emmanuel Cavalcanti, Luís Paulino dos Santos, e ainda Severino Dadá e Edson Batista I O Cineclube Tela Brasilis nasceu de uma iniciativa de estudantes de Cinema da Universidade Federal Fluminense. Mesmo fazendo parte deste meio supostamente privilegiado no acesso a informações e aos próprios filmes que constituem a cinematografia nacional, impressionou-nos a dificuldade em entrar em contato com essa (nossa) história. Longe de estar satisfatoriamente escrita, resolvemos colaborar com ela não só através de estudos acadêmicos, mas também em uma saudável cinefilia – a vontade de dividir com qualquer público o prazer de ver filmes. Em um contexto de retorno (ainda tímido) do filme brasileiro às telas, estávamos convictos de que era necessário lançar um olhar para trás, promover um resgate, problematizando as grandes obras e reavaliando outras nem tão privilegiadas. Mais do que uma simples exibição de filmes o Cineclube Tela Brasilis é um ato de resistência, valorização e construção. Entendemos que a formação de novas platéias e cineastas passa pelo contato com a cinematografia de seu país, não somente com as atuais produções exibidas nas salas comercias, mas sobretudo com toda uma história que ecoa hoje em dia e que segue em constante movimento. Assim vem sendo mês a mês desde a quinta-feira de 7 de agosto de 2003, quando de nossa primeira exibição. De lá para cá foram 25 sessões dedicadas exclusivamente ao Cinema Brasileiro, sempre preocupadas em reconstituir todos os momentos de sua história, procurando fugir das grades de classificação e categorização, dos estereótipos e dos clichês. Já foram apresentados 42 filmes brasileiros de curta, média e longametragem, que datam desde 1919 a 2005, compondo um amplo painel de nossa produção cinematográfica. Filmes de diversos gêneros, épocas e estéticas, sem priorização de alguma específica. Assim foram exibidos filmes “clássicos” (Ganga Bruta, Aruanda e O Padre e a Moça), marginais (Leucemia e Vozes do Medo), raros (Tristezas Não Pagam Dívidas e Garota

de Ipanema), esquecidos (O Canto do Mar e A Intrusa), “infantis” (A Dança dos Bonecos), polêmicos (Iracema e Mato Eles?), “comerciais” (Bete Balanço e Roberto Carlos em Ritmo de Aventura), experimentais (Glauces e Minas, Texas), antigos (A Filha do Advogado) e recentes (Cine Mambembe, Terra Estrangeira, Harmada). No intuito de promover não só a exibição, mas também uma reflexão sobre a produção nacional, toda sessão é apresentada por um ou mais convidados e seguida de debate. Além disso, há sempre um texto crítico sobre os filmes exibidos escrito por um dos organizadores do Cineclube Tela Brasilis. Acreditamos que a presença de convidados traz diferentes olhares sobre o Cinema Brasileiro. Muitas vezes, tentamos trazer pessoas de outras áreas, que não a de cinema, favorecendo o arejamento da discussão para outros campos de reflexão social. Em uma breve recapitulação destes 2 anos, podemos destacar a participação em nossas sessões, como debatedores, de cineastas veteranos como Vladimir Carvalho, Maurice Capovilla, Paulo César Saraceni, Mário Carneiro, Silvio Tendler, Jorge Bodanzky e a nova geração de Aurélio Aragão e Felipe Reynaud, por exemplo. Tivemos também a presença dos experientes críticos José Carlos Avellar, Miguel Pereira e Carlos Alberto Mattos ao lado dos novos nomes de Tatiana Monassa e Luís Alberto Rocha Melo. Os tarimbados teóricos de cinema João Luiz Vieira, Hernani Heffner, Lécio Ramos, Sílvia Oroz, Andréa França, Hilda Machado, Ana Pessoa encontrando-se com as novas pesquisas de Fabián Núñez, Leonardo Macário, Mariana Baltar. Bem como pessoas de reconhecimento de outras áreas que não a cinematográfica, como Daniel Aarão Reis, Renato Boschi, Consuelo Cunha Campos. Esta nossa pequena história não seria possível sem as pessoas que, algum dia, já foram parte do Cineclube Tela Brasilis e sem o apoio da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (outrora também local de importantes debates sobre o Cinema Brasileiro), destacando as figuras de Gilberto Santeiro e Hernani Heffner, que disponibilizaram espaço, infra-estrutura e acervo para a concretização do projeto. Bem como os demais funcionários e projecionistas. II Sempre tentando lançar um novo olhar sobre questões do Cinema Brasileiro, a sessão comemorativa de 2 anos do Cineclube Tela Brasilis promove a exibição do longa-metragem em episódios INSÔNIA, único filme produzido pelo que viria a se tornar o STIC (Sindicato dos Técnicos da Indústria Cinematográfica). Finalizado em 1982, jamais foi lançado comercialmente e conta, hoje em dia, somente com esta cópia que será exibida. Seus três episódios são baseados em contos do livro homônimo de Graciliano Ramos. O primeiro chama-se Dois dedos, e foi dirigido por

Emmanuel Cavalcanti, ator de vasta carreira, especialmente no Cinema Novo. O episódio seguinte é A prisão de J. Carmo Gomes, de Luís Paulino dos Santos, primeiro diretor de “Barravento” (antes de Glauber Rocha assumir a direção do projeto). O terceiro, Um ladrão, foi dirigido por Nelson Pereira dos Santos. O projeto de INSÔNIA foi encampado pelos técnicos de cinema, que resolveram sair do SATED (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões que, à época, incorporava também os técnicos de cinema) e fundar um sindicato específico da categoria. O filme, portanto, apresenta-se como afirmação simbólica de autonomia e competência. Engajados em um processo de politização que vem do Cinema Novo, os técnicos elaboraram um projeto de filme com características de uma obra entendida como “de qualidade” naquele momento – tanto político-social, isto é, de engajamento, de reflexão, de crítica, quanto de empenho estético, associando-se então à idéia de que o técnico brasileiro é altamente qualificado, é um artista. O diretor Luiz Paulino, neste sentido, elabora uma pequena distinção entre “técnicos” e “trabalhadores” de cinema. Ele destaca que era preciso estimular e valorizar não só a criação, a arte de diretores de fotografia, montadores, cenógrafos, figurinistas – que eram funções, de alguma forma, reconhecidas e apreciadas –, mas também de uma massa de “trabalhadores”, isto é, maquinistas, eletricistas e toda sorte de colaboradores da produção cinematográfica, que não tinham sua participação reconhecida como fundamental à concepção de uma obra de natureza coletiva, como é um filme. De tarefa essencialmente braçal, remuneração mais baixa e sem usufruir sequer de visibilidade, o “trabalhador” de cinema, assim como o “técnico”, teria um saber específico. A partir da idéia de que não temos uma indústria cinematográfica, de que as produções vão se sucedendo de forma pouco articulada e da ausência de uma política governamental para melhor qualificação profissional, teríamos então uma artesania autodidata, que aprende e se especializa na medida que faz, tornando-se, nas adversidades tão conhecidas do cinema nacional, capaz de gerar um produto altamente qualificado e elaborado. Emmanuel Cavalcanti reforça esta idéia, pois atenta para uma histórica falta de recursos de produção no cinema brasileiro sempre contornada pela excelência e empenho dos recursos humanos. Conta o diretor que, naquele momento, havia uma apatia muito grande Embrafilme, com poucos projetos sendo realizados. A afirmação e a força categoria de técnicos através de seu trabalho se daria neste contexto adversidade, entrando na luta sindical como uma frente política

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Com articulação de Vanda Lacerda (atriz de São Bernardo e presidente do SATED) junto à família de Graciliano Ramos, esta cedeu os direitos de adaptação. A verba para o filme foi conseguida, com muito esforço, com a própria Embrafilme. Resultando até mesmo em uma invasão de seus corredores pelos técnicos para que o projeto fosse concluído. Assim veio a idéia de adaptar contos e não um romance de Graciliano Ramos. Era preciso mostrar o trabalho do maior número possível de técnicos e a qualidade de seus trabalhos. Além disso, a escolha do escritor vinha do fato de ser aclamado como grande artista nacional, comunista, de atuação no tempo de outra ditadura, entendido como figura de resistência social. Não por acaso, Leon Hirzsman já havia adaptado São Bernardo, e Nelson Pereira dos Santos, de Vidas Secas, naquele momento preparava Memórias do Cárcere. Há uma clara opção, tal como os outros longas, por não adaptar os episódios ao tempo presente de produção do filme – o final da década de 1970 – em uma tentativa de escapar da censura. Os episódios de Cavalcanti e Paulino têm uma referência política mais clara. O primeiro trata de uma certa indiferença de uma elite dominante, de uma elite política para com o povo. O outro se detém mais sobre o exame de uma proposta política conservadora, reacionária, a do integralismo no Brasil. O pesquisador Hernani Heffner destaca que o filme “é o exame, naquele momento, de um país que emperrou, que está num impasse, que tinha como falidas suas soluções de direita e acaba por se desestruturar a partir de suas próprias premissas. Todos os três episódios falam sobre desagregação. É um exame sobre a figura do homem autoritário, pois uma das grandes discussões nos 70 no Brasil era o que é o autoritarismo, qual sua origem, porquê ele é tão recorrente na história republicana brasileira, porquê ele é sempre a opção que se apresenta quando o Brasil chega a um impasse de transformação. Seja nas décadas de 30, 50, 60,...” Sob essa perspectiva, o episódio A prisão de J. Carmo Gomes, de Luís Paulino, tem sua importância potencializada ao fazer uso de imagens de manifestações integralistas, extraídas dos filmes Grande Parada Pliniana e Registro Integralista no Paraná. Apesar de um pouco marcado pela época em que foi realizado, pois debitário de uma estratégia de afastamento ao espetáculo ou da fácil fruição de um cinema clássico narrativo de intenções mais comerciais – o que revelaria um compromisso ideológico à direita –INSÔNIA permanece atual por nos lembrar das saídas autoritárias que, por vezes, ainda se espreitam no campo da política nacional.

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