Da política como arte do espetáculo: sobre as mobilizações brasileiras de março de 2015

July 26, 2017 | Autor: J. Iulianelli | Categoria: Comparative Politics, Political Science
Share Embed


Descrição do Produto

Da política como arte do espetáculo: sobre as mobilizações brasileiras de março de 2015 Jorge Atilio Silva Iulianelli Como dissolver o ódio da turba, da plebe rude? A resposta clássica é panem et circenses... O circo midiático armado. Num período que se arrasta entre o início das eleições brasileiras de 2014 até 15 de março de 2015. Ódio de classe? O que temos é um conjunto de ações que questionam fatos tremendamente dramáticos. Durante os últimos doze anos houve mudanças profundas na sociedade brasileira. Houve massificação de um bem-estar ainda por ser consolidado. Tome-se em consideração medidas tais como maior acesso à educação pública para crianças e jovens; maior extensão dos atendimentos do serviço público de saúde; redução da miséria e da fome; aumento do acesso da população a moradia digna - quer pelo acesso ao minha casa, minha vida; quer pelo aumento do acesso a água potável e saneamento. Pode-se ver essas e outras melhorias sociais em diferentes estudos do IBGE, Ipea e Inep, dentre outros órgãos confiáveis, O mesmo resultado, também, é confirmado por estudos de organizações como a FGV e outras não tão afinadas com as políticas sociais. Durante doze anos se apostou numa afinação internacional que deu origem a articulações como os BRICS, e se fortaleceu o Mercosul e a Unasul. Uma articulação para uma política internacional soberana. Criou-se o Fundo Soberano e apoiou-se a crianção do Banco do Sul. O País passou de tomador de empréstimo ao Fundo Monetário Internacional a ser um dos financiadores do Banco. Os ares da crise internacional financeira iniciada em 2008 não haviam afetado dramaticamente as plagas nacionais. Por outro lado, o sistema financeiro nunca foi tão privilegiado, os bancos tiveram lucros fantásticos neste período. A produção das indústrias automotoras, todas transnacionais, com o compromisso de manterem a empregabilidade do setor, receberam benefícios fiscais, que foi uma renúncia fiscal governamental nunca antes vista. O agronegócio recebeu todos os insumos possíveis e imagináveis, até mesmo com a aprovação da lei de transgênicos, que renunciava ao princípio da prevenção, tão reclamado por ambientalistas e diferentes setores da comunidade científica nacional. A mineração se expandiu e a descoberta do Pré-Sal, como a maior bacia petrolífera marinha dos últimos tempos, foi anunciado em alto e bom tom como a porta para o futuro da Nação, sobretudo com futuros investimentos na área educacional. Evidentemente, este cenário altamente complexo e repleto de contradições explicou a voracidade com que se abriu o processo eleitoral. No que segue, elaboramos uma reflexão que parte de uma consideração breve sobre o processo eleitoral, busca compreender nele a quebra do jogo democrático como a displicência para com os consensos necessários para que se radicalize a democracia. Em segundo lugar, notamos o diálogo de surdos entre o governo e a sociedade, em especial, entre o governo e a sociedade que

exige mudanças à esquerda. Em terceiro lugar, analisamos o ovo da serpente e o uso midiático para o sangramento de Dilma e seus efeitos para os processos democráticos nacionais. Tecemos considerações finais menos para retomar os argumentos apresentados e mais para verificar problemas ainda necessários de maiores e melhores aprofundamentos. Indico que o objetivo dessas reflexões e apenas o de manter argumentos que possam contribuir para decisores políticos de diferentes instâncias institucionais sobre que passos dar para a radicalização da democracia, em favor dos direitos das maiorias. I. A palhaçada da rejeição da derrota: circenses et falsus Mefistofeles nunca aceitou que o Inferno era seu lugar. Coisa do capeta, do cramulhão? Bem, o fato é que processos de disputa não se resolvem sem que exista vitorioso na contenda. Como aplacar a fúria do derrotado? O processo eleitoral de 2014 foi tenso. O elemento que estava colocado sobre dois projetos socioeconômicos que, no frigir dos ovos, em suas explanações tendiam a ter como única diferença a manutenção e o aprofundamento de políticas sociais, apesar da extensão do crescimento econômico - medido pelo PIB - ficou como o nó górdio da discórdia. Ora, os argumentos fundados nos fatos da política econômica conduzida pelo PSDB durante os dois mandatos de FHC eram incontestes. O preço pago pela sociedade, em termos de adesão governistas quase exclusivamente às políticas neoliberais foram muito altos. Neste sentido, havia, por outro lado, o discurso da política econômica do PT, nos três mandatos anteriores, ter se descolado daquele modelo. Isso teria permitido um conjunto de conquistas no cenário doméstico e internacional, de promoção da soberania nacional e do povo brasileiro. Porém, essas conquistas tinham uma moeda de troca com o Capital nacional e os Conglomerados Transnacionais que chegaram, ao que parece, a limites de sua sustentabilidade. O baixo crescimento da economia, medido pelo PIB, impõe restrições à lucratividade desses setores? Reflete dificuldade desses setores em manter as taxas de lucro com empregabilidade, como vinha ocorrendo? Parece que as duas questões teriam respostas afirmativas, porém não pretendo cansar os leitores com dados empíricos que comprovem essa tese. Há publicações próprias para tanto. O que desejo chamar atenção é para o arco de aliança que se formou ao redor das candidaturas contrárias à continuidade do PT na condução das políticas públicas federais, da governança da União. E este elemento estava claro desde o primeiro turno. A administração de Dilma e os processos de captação de recursos para campanhas políticas, dentre outros fenômenos da política brasileira, cumularam em situações como o escândalo do mensalão. O Mensalão fez parte do elemento circense de convencimento da necessidade da alternância de poder - motivo mais democrático não haveria.

Porém, seguramente, a postura machista e desrespeitosa do candidato Aécio terminaram, dentre os próprios fatores do beneficiamento social que as administrações do PT cumularam para a sociedade, culminando na derrota dele no segundo turno. O que acontecia nessa eleição era um processo no qual as campanhas e suas formulações midiáticas passaram a ser mais importantes que os projetos políticos em disputa. Então, houve início a uma mensuração da corrupção nossa de cada dia, e mensalões, trensalões e aeroportos de tios invadiram corpos e mentes. E quais projetos de País estavam em disputa? Não havia nenhum esclarecimento sobre isso. Nos estertores do processo eleitoral, Dilma passa a oferecer um discurso que afirma manutenção de politicas sociais, empregabilidade, combate a corrupção e manutenção do superávit primário. O foco principal estava na alteração do Ministério da Fazenda. A substituição de Mantega passou a ser objeto de especulações, e, de qualquer modo se opunha ao anúncio de Armínio Fraga que era da equipe econômica de FHC. É verdade que a disputa entre a presença de Fraga e o modelo econômico a ser implementado se iniciou já no primeiro turno. No segundo turno, esse tema era um dos elementos de repúdio da maioria à candidatura Aécio. O resultado foi a derrota eleitoral de Aécio. Aceita em momento imediato com a declaração de efetivação da oposição desde aquele momento. Até aqui temos apenas um relato sobre o processo eleitoral, que transcorreu na normalidade democrática e teve um processo tenso solucionado pela voz das urnas. O que permaneceu como problema foi o seguinte conjunto de questões: - como a corrupção seria tratada pelo governo? - como a oposição reagiria à política econômica que se efetivasse? - como o empresariado nacional e dos conglomerados transnacionais reagiria à política econômica? - como os movimentos sociais organizados, que foram fundamentais para a vitória de Dilma, responderiam a essa política econômica? O anúncio de oposição ferrenha não veio sem ameaças. Desde antes do início do mandato ao Mensalão se adicionou o Petrolão. E não se sangrou Dilma apenas, com ela se sangrou a Petrobras. O processo de elucidação dos esquemas de levantamento de subornos a dirigentes da Petrobras, a participação de empresários das grandes empreiteiras nacionais, que para vencerem em processos de licitação dispendiam de forma ilegal seus recursos, iniciou a ser demonstrado pelas investigações da Polícia Federal. Ficou evidenciada a participação de políticos nos processos, que asseguravam recursos para campanhas eleitorais por este meio. Todo o esquema nebuloso ficou translúcido. Até que os processos de investigação chegassem a se robustecer já havia passado as eleições. Porém, o circo midiático do sangramento do governo, num vampirismo que exigia sangue para sua nutrição, estava posto. As sonegações da mídia ao erário público e o envolvimento da mídia e de políticos com remessas de divisa ilegais para

contas em paraísos fiscais, também, iniciaram a ser divulgadas e investigadas pela Polícia Federal. O cenário político apresentou assim os seguintes atores sociais: o governo, a oposiçao, a mídia (oposicionista) e os movimentos sociais (emancipatórios). Nas sombras, a oposição notou a benfeitoria que há nas redes sociais. Aproveitou o calor da indignação que brota de qualquer processo em que a injustiça - no caso, vinculada ao uso de recursos públicos - é capaz de gerar. Não há vínculo entre o que se armou em março de 2015 - à esquerda e à direita - e o calor das manifestações de rua de junho de 2013. Porém, emergiu um novo ator social, mais ou menos anódino, de uma massa insatisfeita com a não satisfação da condução da coisa pública de forma transparente. Parece que as cobranças por transparência e accountability tomam maior vigor que as cobranças para radicalização das políticas sociais. II. Sociedade que fala, governo que não escuta e governo que fala para ninguém que queira ouvir Existe uma indignação à direita, que tem na agenda da corrupção sua bandeira. É uma bandeira que não discute o processo. Os corruptores, em grande parte a iniciativa privada nacional e transnacional, não é mencionada. É como se existisse apenas um pólo, o governo corrompido, corrupto. Efetivamente, levando-se em conta que o governo é o guardião da coisa pública, o protetor da coisa pública, o promotor da coisa pública, espera-se dele lisura nos processos, cuidadosa administração e mecanismos éticos promotores da probidade. A indignação dos cidadãos tem sua justificativa. Entretanto, ela tem sido a expressão do desejo de probidade pública? Em que medida se intensifica a indignação com os processos de corrupção ou com os corruptores? Poderíamos dizer que a mídia se especializou numa goebelização e que sai repetindo mil vezes uma mentira para que ela se torne verdade. O Mensalão erigiu a figura do Juiz Joaquim Barbosa em uma espécie de herói nacional. O Ministro que desprezava os limites do devido processo legal para fazer com que a sana de parcela da sociedade, que exigia punições severas aos detratores da Lei fossem outorgadas. A aposentadoria do Ministro lhe poupou do inevitável, a aplicação da Lei. Na medida em que foi aplicada, o que era exagero processual, na medida do possível, foi desabilitado e as medidas devidas aplicadas. Ou seja, à montante, se ofereceu aos condenados os mecanismos possíveis de aplicação da pena, e à jusante a mídia tomou os resultados jurídicos como elementos para forjar maior indignação. Como esses fatos ocorrem em meio à crise do Petrolão, os primeiros dias do mandato 2, de Dilma, se encontram diante desse embroglio. É uma confusão que lhe rouba qualquer iniciativa. Porém, Dilma e seu núcleo duro tomaram

decisões que iam na direção oposta ao que levou as urnas a clamarem por um segundo mandato. Primeiro, como se viu diante de um Congresso de maioria conservadora, e como viu o conservadorismo se arvorar em detratar o PT como propulsor da política nacional, optou por fazer uma aliança com o setor produtivo e urbano do conservadorismo. Cria um Ministério que quer aplacar a ira conservadora no campo e na cidade. Mais ainda, convoca para o Ministério da Fazenda um articulador do mercado financeiro, como que para se afinar com o desejo de lucro que este setor mantem. Essas opções iam claramente contra os interesses dos movimentos sociais que apoiaram sua reeleição. Em segundo lugar, opta por aceitar como uma necessidade a ruptura com direitos trabalhistas básicos, como seguro desemprego e garantias previdenciários, para uma economia de 1,8 bilhão de reais aos cofres públicos. Evidentemente, essas medidas não eram apenas uma oferta aos que exigem austeridade fiscal, mais que isso era uma oferta ao Deus Mamom, o Mercado, a quem se sacrificavam direitos trabalhistas absolutamente impostergáveis. Isso foi realizado sem nenhuma negociação com o movimento sindical. Não existia outra alternativa a este senão reagir fortemente contra tais medidas. Essas medidas em nada repercutiam a série de direitos clamados nas Jornadas de Junho de 2013, que levaram Dilma a mencionar a possibilidade de maior diálogo com a sociedade. O projeto de lei, dimanado do Executivo, para uma maior participação social, regulamentando essa participação, foi rejeitado pelo Congresso. No Congresso, a disputa pela liderança saiu sem um acordo do PT com os demais partidos da base. O PMDB se viu convencido da necessidade de uma liderança autônoma - leia-se, oposta ao Executivo, ou mais restritamente, oposta a Dilma. Elege-se Eduardo Cunha, na Câmara. No Senado a continuidade de Renan Calheiros não significou apoio a Dilma. O isolamento cresce mais. As tentativas de passar no Congresso o projeto de lei que cria o Instituto Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Insaes) e do Imposto sobre Grande Fortuna (IGF) têm derrotas fragorosas. A busca por evitar a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Petrolão também é derrotada. Não ouve os movimentos sociais, não repercute os resultados das ruas em Junho, nem das urnas, e não tem como dialogar com o Congresso conservador. Ainda teve que enfrentar a saga da mídia. A mídia, em especial a Rede Globo, faz uma campanha nacional de detração do governo. Ainda que a editoria enfrente uma que outra resistência interna, o discurso hegemônico da emissora é sobre a incapacidade administrativa de fazer a economia crescer, adicionada da falta de lisura na condução dos negócios públicos. Vários políticos aposentados, como FHC, escrevem artigos sobre a possibilidade de um Impeachment. O instituto FHC solicita ao jurista Ives Gandra um parecer

favorável sobre o Iimpeachment. A reação a isso se dá logo, porque o risco para a democracia nativa frágil e em passos lentos fica evidente. Dalmo Dalari produz artigo que mostra a impropriedade jurídica da aplicação do instituto do impedimento de mandato para este governo que recém foi eleito. A saga prossegue com o uso das redes sociais, ofereço um relato impressionista, que pode ter maior acurácia com uma pesquisa empírica bem desenvolvida. As redes sociais propalam discursos amplamente contra o governo e até contra a democracia. é interessante notar a diversidade das redes. O Facebook parece mais aberto à diversidade e os discursos não têm um tom hegemônico. No Google + o antigovernismo é hegemônico. O twiter praticamente não tem um tom hegemônico, talvez porque o pouco uso de palavras não permita reflexões duras para qualquer dos lados. Porém, está clara a questão: há inconformidades de todos os lados, por motivos distintos, contra o governo federal e suas posturas. Panem. Parece que para o governo desde que as políticas sociais pudessem ser mantidas, tudo mais não seria questionada. Medidas de ajuste e austeridade fiscal poderiam ser tomadas sem nenhuma negociação ou explicação à sociedade. Os projetos de infra-estrutura poderiam se manter desde que isso tivesse algum efeito para alguma manutenção de empregabilidade. É como se o governo desistisse do medium poder para negociar com os atores sociais, e acreditasse que a administração poderia usar o medium dinheiro (bens, serviços, emprego) para tal fim. Com isso, aumentar preços de combustíveis, tarifas de energia, e desmontar direitos trabalhistas como o do seguro desemprego e de garantias previdenciárias, não seria problemático. Para os movimentos sociais estas medidas são, sim, muito problemáticas. Para a aliança conservadora, ao que parece, essas medidas não surtiram a cola que o governo esperava. Para a mídia, essas medidas não davam o sangue que o vampirismo esperava. III. Circensi diaboli Foi iniciado um processo midiático de intervenção dura. A convocação de um ato público para o dia 15 de março feito pela principal cadeia de televisão do País. Convocar um ato como se fosse um processo de cobertura jornalística foi algo tremendo, nunca antes na história do País... Hummm, bem, antes na história do País essa mesma rede convocou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade... Elementos prenunciadores de um golpe de Estado. A queda de Allende teve greve de caminhoneiros, panelaços da classe média, e o bombardeio de La Moneda, que culminou com o suicídio de Allende. O próprio cenário nacional que antecedeu o golpe de 1964 teve elementos nos quais a cooperação da mídia, de setores de classe média e das elites, com a força dos militares, levou à desestabilização da ordem constitucional. Não por um acaso a Petrobras está no meio deste cenário, nem tampouco os setores

organizados dos movimentos sociais se sentiram na obrigação de fazer um ato em defesa de democracia e sem sintonia ou sincronia com o outro ato anunciado para o dia 15 de março, para que não ocorresse qualquer espécie de confronto físico. Os ânimos estavam novamente exaltados. Terceiro turno? Por certo. Apenas isso? Não. Há o legítimo direito à indignação e à exposição de projetos democráticos necessários ao aprofundamento do jogo democrático. Isso é um fenômeno extremamente positivo para o processo nacional. Haver duas manifestações, que expressam suas indignações, podem ser elemento favorável à democracia. Há algumas condições para as quais se deve atentar, no entanto. O jogo democrático não é um jogo de faz de conta. O processo democrático exige participação e responsabilidade. Há que se cuidar para que a ordem institucional seja preservada, e se existir necessidade de rupturas elas precisam lidar com as dimensões jurisdicionais do Estado democrático de direito. O ponto que se coloca e que precisa ser refletido é a apresentação de pleito favorável à instalação de um regime de intervenção militar. Essa é uma lamentável reedição. A ruptura com a ordem democrática é um absurdo político para esse e qualquer momento histórico. A ordem democrática foi uma conquista das lutas políticas que remontam 50 anos. Perder esse horizonte é simplesmente aceitar que reinem experiências tirânicas, com aparatos militares de produção de violência contra os direitos políticos, como a tortura. É exatamente esse caldo cultural que impede a discussão sobre a unificação das polícias civil e militar, a discussão sobre a condenação de policiais que cometam tortura ou qualquer ação arbitrária e de abuso de poder, a criminalização dos forjados autos de resistência. O que temos por hora, como necessidade histórica, é avançar sobre a discussão do regime legal de segurança humana, mais que manutenção da atual ordem de segurança pública desumana. Ninguém, convocado para o dia 15 de março, estava com a bandeira da Reforma Política, que deve começar imediatamente com a regulação do financiamento privado de campanhas políticas. Não havia nenhum grupo no dia 15 de março exigindo a Reforma Agrária, necessária para debelar os conflitos sociais no campo e ampliar a rede de agricultura familiar e de produtores das comunidades tradicionais indígena e quilombola. Nem havia nenhum grupo social naquele dia 15 de março conclamando à Reforma Tributária ou à criação e implantação do Imposto sobre Grandes Fortunas. Não havia grupo algum no dia 15 clamando pela implementação do Sistema Nacional de Educação, ou pela Política Nacional de Formação de Profissionais da Educação, prevista pelo Plano Nacional de Educação 20142024. Poderia continuar a elencar várias outras agendas cidadãs que necessitam avançar no debate nacional.

Esse contraponto indica uma distância entre os grupos sociais que estavam no dia 15 de março exercendo o direito cidadão de manifestar opinião, de ser contrário ao governo instalado, de ser contrário à corrupção e de exigir mudanças nesta direção. Porém, ao mesmo tempo, havia grupos sociais que lá estavam a reivindicar intervenção militar, ruptura com o regime democrático, e impedimento de continuidade do mandato presidencial conquistado por Dilma, legitimamente, no último pleito. Esse convívio de uma agenda democrática e antidemocrática na mesma mobilização é o que chama mais atenção. As análises imediatas ao dia 15, propaladas pelo próprio governo federal, que recebeu total atenção da mídia, apresentadas pelo Ministro Cardozo, da Justiça, e Rosseto, da Secretaria Geral da Presidência, avaliavam que as manifestações do dia 15 foram democráticas, pacíficas e que teriam como resposta uma ação anticorrupção do governo Dilma e um maior diálogo com a sociedade. Esta mesma interpretação foi veiculada no dia 16 de março, pela própria presidenta Dilma, que acrescentou ao elemento do diálogo duas observações: dialogar é possível apenas com quem quer dialogar, e o diálogo, por parte do governo, se dará de forma humilde e soberana. O destaque da presidenta é claro. A sociedade quer se fazer ouvir. Ela o tempo todo mencionou as duas manifestações, a do dia 13 e a do dia 15. Engana-se quem considera as manifestações do dia 13 chapa branca, manifestações de acordo amplo, geral e irrestrito com o governo. As manifestações do dia 13 foram um recurso dos movimentos sociais organizados para deixar claro que nenhuma iniciativa contra a democracia será aceita subordinadamente. Ao contrário, em defesa da conquista dura, realizada há 30 anos, todo esforço será feito. Também pretenderam deixar claro que há uma contrariedade profunda com os esforços de destruição da imagem pública da Petrobras, como empresa brasileira e do povo brasileiro. Neste sentido, as manifestações do dia 13 levantavam uma agenda positiva de reforço democrático e do patrimônio nacional. Porém, apresentavam uma agenda crítica à corrupção, com uma proposta clara, que se faça a Reforma Política, instrumento necessário para o combate à corrupção, desde que haja controle do financiamento de campanhas e impedimento de financiamento de campanha por parte de empresas privadas. Também se manifestou em favor de várias agendas cidadãs, como a Reforma Agrária e a derrubada das MPs 664 e 665, que reduzem direitos dos trabalhadores. O discurso governamental, entretanto, ainda está a se construir. Também no dia 16 de março ocorreu reunião ministerial, e do Ministro Mercadante, da Casa Civil, com parlamentares da base aliada para criar um esteio e reforço às posições governamentais, em especial ao projeto de anticorrupção que está a ser engendrado. Efetivamente, até o momento, as respostas do Planalto estão mais acordes ao dia 15 que ao dia 13. Isso representa a continuidade de opção à direita que o Planalto sustenta. O ouvido mouco ao dia 13 é uma lástima.

Porém, faltam elementos catalisadores das pulsões que mobilizaram o dia 13, e que poderiam fazer com que uma agenda cidadã invadisse o Planalto e o Congresso, fazendo com que os direitos cidadãos mais urgentes fossem, de facto, apreciados. O que temos é uma vociferação que deveria ser para acalmar os manifestantes do dia 15, que, no entanto, não entenderão nesses gestos nenhuma atitude proativa do governo em favor do desmonte do que eles propalam como sendo um esquema criminoso de uma quadrilha instalada no Planalto. Ou seja, a surdez ao dia 13 e a audição ao dia 15 geraram um discurso governamental que não diz nada a ninguém. É um processo difícil que exige uma tecnologia social mais aberta por parte do Planalto, mais apta a ter condições de se sustentar com os grupos e movimentos sociais que têm reivindicações cidadãs de reforço ao processo democrático; e oferecer, ao mesmo tempo, uma prática que demonstre atenção ao principal apelo do dia 15, que se interrompa o ciclo de corrupção. Com efeito, a agenda mais próxima aos pontos de convergência dos dois interesses, seria a Reforma Política, impedindo o financiamento empresarial das campanhas. Porém, a Reforma Política não pode ser restrita a isso. Por isso, por parte dos movimentos sociais organizados, além de instituições públicas de elevada consideração, como a OAB e a Cnbb, se exige uma Assembleia Constituinte Exclusiva para a Reforma Política. Enquanto isso, a mídia, que tem empresas que sonegam e que, também financiam campanhas, conclamam a uma reflexão continuada contra o governo e o seu partido propulsor, o Partido dos Trabalhadores. A cada suspeição levantada pela Polícia Federal, que gere ou não uma ação judiciária contra o partido e seus agentes, a imprensa já realiza o julgamento prévio, condena os atores sociais mencionados e atribui tudo a um plano governamental. É um discurso de ataque ao poder público. Nada fora do jogo democrático, no qual oposições ao poder podem e devem ser manifestas. Porém, o problema é que isso não pode ficar como uma armadilha, que aguarde a espreita alguma forma de deposição do mandato legítimo, ou de reconstrução de um regime tirânico e antidemocrático tocado por força das armas - e essas insinuações não param de ser pronunciadas. Considerações finais - por uma agenda à esquerda O jogo é a democracia e a palavra não é ouvir, menos ainda a ação é o diálogo. O que está em cena é a necessidade de reforçar as agendas e os atores sociais capazes de gerar mobilizações que as faça tornar necessária a atenção das instituições do poder, o Planalto e o Parlamento, às mesmas. Para que as agendas possam ser expostas e exerçam poder catalisador, é necessário que o exercício do discurso, da busca de consensos, dos diferentes atores sociais, se exerça. O cenário não é tranquilo. E o discurso que busco interpretar aqui não

é para quem acredita que a democracia deva ser substituída por outra forma de condução da convivência política na sociedade. Mais do mesmo não deve gerar outro resultado. As manifestações de junho de 2013 e as de março de 2015 não têm o mesmo cariz, são de natureza distintas, e o governo precisa reconhecer isso nas análises. No caso de junho, a juventude era o elemento articulador, as redes sociais eram usadas como parte da expressão de muitas indignações dos jovens, que nasceram no regime democrático, não experimentaram a formação ideológica de 1950-1970 e tiveram um processo organizativo inspirado em movimentos internacionais de jovens (Occupy, Primaveras árabes, etc.). Na agenda de junho de 2013, a pauta difusa de reivindicações mostrava a contrariedade com o Congresso, os Partidos e com o Executivo. A corrupção não era uma agenda mais forte que, por exemplo, ser a favor e contra o aborto, ou estar negando a representação do impronunciável da infelicidade. Esta dimensão aberta daquela ocasião colocava em cheque o sistema representativo da política nacional, questionando partidos e movimentos sociais na sua forma de arregimentação de pessoas, de formação política, e de disseminação de sonhos. Na verdade, questiona, também, o sistema educacional e as igrejas, como agências de socialização, que parecem insuficientes para insuflar sopros de desejos de cidadania e de participação. Porém, poderíamos dizer que elas se tangenciam justamente neste ponto do questionamento às instituições políticas e às agências de socialização. Elas indicam que os meios de articulação de indivíduos, como as redes sociais, podem ter uma força mobilizadora e motivadora mais forte que os meios tradicionais de socialização. Elas têm, também, um circuito do caldo cultural conservador e preconceituoso da sociedade brasileira, que se fez presente em junho de 2013 e março de 2015. Mais ainda, o ponto central da agenda antigovernista, não contra este ou aquele governo apenas, mas contra a possibilidade da condução política da coisa pública, isso ficou no ar. É um tema a ser aprofundado. No limite, Occupy tinha interesses autogestionários? As análises sobre o Anonymous mostram que não, porém não se pode chegar a nenhuma análise conclusiva no momento. O que temos neste cenário é a possibilidade de uma discussão maior e mais profunda sobre a possibilidade da democratização da democracia. A estratégia governamental era apelar para a experiência dos Conselhos. Isto está, ainda, barrado pela onda conservadora do Congresso. De qualquer maneira, isto será insuficiente. O processo de democratização da democracia tem que ocorrer pela afirmação dos direitos na sociedade, pela construção de mais profunda equidade, de gênero, etnia, geração e diversas identidades que permitem e geram socializações de caráter emancipatório. O dilema não é entre ter uma administração não-corrupta ou corrupta, o dilema é entre ter controle social da coisa pública e do Estado ou não. O conjunto das ações não podem ser

exclusivamente do Parlamento e do Executivo, nem mesmo a manutenção das ações do judiciário. As vozes mais conservadoras e corruptas vêm a público fazer eco a demanda por ética e moralidade públicas. Porque os Parlamentares aceitariam reduções de benefícios aos processos que os elegem? Não parece que isso se configure. Parece, até mesmo, contraintuitivo acreditar que estes atores sociais movam ações que restringiram suas margens de manobra atuais. O que se coloca como necessidade? Ação da cidadania exigindo do Parlamente atenção à necessidade de tratar o mais seriamente possível da Reforma Política, abrir os ouvidos ao clamor de mais de 8 milhões de cidadãos que assinaram o abaixo-assinado por uma Assembleia Constituinte Exclusiva para Reforma Política. Porém, a mídia criou o número mágico de 2 millhões de manifestantes do 15 de março, que são apresentados como a massa moral, a massa que resiste de forma intransigente e objetiva contra as manobras enganosas do Planalto para superar os limites que lhes foram indicados como fatos a serem combatidos. Não importa se existe, ou não, um Projeto de Lei de Anti-corrupção, nem mesmo entender o mérito de tal projeto, apenas anunciado. É relevante que se o detrate, desde a perspectiva da mídia que manifesta um interesse particular. Qual? Impedir que o foco se vire contra ela? Contra os depósitos no HSBC de seus donos e seus funcionários, remetendo divisas para o exterior e sonegando impostos? O desafio da democratização está colocado. Como os movimentos sociais e as agências de socialização, como as igrejas e instituições educacionais cumprirão o papel de fomentar uma cidadania participativa e exigente, capaz de superar os arautos de candida moraleja, que torna viciada a ética? Haverá condições de um empenho político dessas forças sociais para tocar as agendas coletivas e cidadãs neste momento? O que parece difícil de se esperar, é que o Planalto recupere a sanidade, se afaste da ala conservadora, se associe ao empenho necessário para democratizar a democracia. Pois, o cenário dantesco que repete como farsa o passado leva a crer que o anúncio das Reformas de Base poderia precipitar, uma outra vez, um retrocesso do cenário democrático conquistado a duras penas. É lamentável. O que realmente precisamos é de um choque hiperdemocrático, criando maiores condições de participação dos diferentes setores populacionais na interferência com os tomadores de decisão. Há iniciativas como consultas públicas e conferências que utilizam a internet como meio para facultar a participação direta de cidadãs e cidadãos. Isso, além das medidas de participação direta ensejadas pela Constituição Federal de 1988, tem se mostrado insuficiente para que a cidadania participativa se sinta como comunidade de pertença e como comunidade de decisão dos destinos nacionais. Essa é uma tarefa coletiva. A democracia precisa ser radicalizada e isto exige a vigilância de todos. Os questionamentos ao sistema

representativo, levantados durante as Jornadas de Junho, em 2013, permanecem. As respostas aos mesmos têm que ser construída por todos nós.

Como dissolver o ódio da turba, da plebe rude? A resposta clássica é panem et circenses... O circo midiático armado. Num período que se arrasta entre o início das eleições brasileiras de 2014 até 15 de março de 2015. Ódio de classe? O que temos é um conjunto de ações que questionam fatos tremendamente dramáticos. Durante os últimos doze anos houve mudanças profundas na sociedade brasileira. Houve massificação de um bem-estar ainda por ser consolidado. Tome-se em consideração medidas tais como maior acesso à educação pública para crianças e jovens; maior extensão dos atendimentos do serviço público de saúde; redução da miséria e da fome; aumento do acesso da população a moradia digna - quer pelo acesso ao minha casa, minha vida; quer pelo aumento do acesso a água potável e saneamento. Pode-se ver essas e outras melhorias sociais em diferentes estudos do IBGE, Ipea e Inep, dentre outros órgãos confiáveis, O mesmo resultado, também, é confirmado por estudos de organizações como a FGV e outras não tão afinadas com as políticas sociais. Durante doze anos se apostou numa afinação internacional que deu origem a articulações como os BRICS, e se fortaleceu o Mercosul e a Unasul. Uma articulação para uma política internacional soberana. Criou-se o Fundo Soberano e apoiou-se a crianção do Banco do Sul. O País passou de tomador de empréstimo ao Fundo Monetário Internacional a ser um dos financiadores do Banco. Os ares da crise internacional financeira iniciada em 2008 não haviam afetado dramaticamente as plagas nacionais. Por outro lado, o sistema financeiro nunca foi tão privilegiado, os bancos tiveram lucros fantásticos neste período. A produção das indústrias automotoras, todas transnacionais, com o compromisso de manterem a empregabilidade do setor, receberam benefícios fiscais, que foi uma renúncia fiscal governamental nunca antes vista. O agronegócio recebeu todos os insumos possíveis e imagináveis, até mesmo com a aprovação da lei de transgênicos, que renunciava ao princípio da prevenção, tão reclamado por ambientalistas e diferentes setores da comunidade científica nacional. A mineração se expandiu e a descoberta do Pré-Sal, como a maior bacia petrolífera marinha dos últimos tempos, foi anunciado em alto e bom tom como a porta para o futuro da Nação, sobretudo com futuros investimentos na área educacional. Evidentemente, este cenário altamente complexo e repleto de contradições explicou a voracidade com que se abriu o processo eleitoral. No que segue, elaboramos uma reflexão que parte de uma consideração breve sobre o processo eleitoral, busca compreender nele a quebra do jogo democrático como a displicência para com os consensos necessários para que se radicalize a democracia. Em segundo lugar, notamos o diálogo de surdos entre o governo e a sociedade, em especial, entre o governo e a sociedade que exige mudanças à esquerda. Em terceiro lugar, analisamos o ovo da serpente e

o uso midiático para o sangramento de Dilma e seus efeitos para os processos democráticos nacionais. Tecemos considerações finais menos para retomar os argumentos apresentados e mais para verificar problemas ainda necessários de maiores e melhores aprofundamentos. Indico que o objetivo dessas reflexões e apenas o de manter argumentos que possam contribuir para decisores políticos de diferentes instâncias institucionais sobre que passos dar para a radicalização da democracia, em favor dos direitos das maiorias. I. A palhaçada da rejeição da derrota: circenses et falsus Mefistofeles nunca aceitou que o Inferno era seu lugar. Coisa do capeta, do cramulhão? Bem, o fato é que processos de disputa não se resolvem sem que exista vitorioso na contenda. Como aplacar a fúria do derrotado? O processo eleitoral de 2014 foi tenso. O elemento que estava colocado sobre dois projetos socioeconômicos que, no frigir dos ovos, em suas explanações tendiam a ter como única diferença a manutenção e o aprofundamento de políticas sociais, apesar da extensão do crescimento econômico - medido pelo PIB - ficou como o nó górdio da discórdia. Ora, os argumentos fundados nos fatos da política econômica conduzida pelo PSDB durante os dois mandatos de FHC eram incontestes. O preço pago pela sociedade, em termos de adesão governistas quase exclusivamente às políticas neoliberais foram muito altos. Neste sentido, havia, por outro lado, o discurso da política econômica do PT, nos três mandatos anteriores, ter se descolado daquele modelo. Isso teria permitido um conjunto de conquistas no cenário doméstico e internacional, de promoção da soberania nacional e do povo brasileiro. Porém, essas conquistas tinham uma moeda de troca com o Capital nacional e os Conglomerados Transnacionais que chegaram, ao que parece, a limites de sua sustentabilidade. O baixo crescimento da economia, medido pelo PIB, impõe restrições à lucratividade desses setores? Reflete dificuldade desses setores em manter as taxas de lucro com empregabilidade, como vinha ocorrendo? Parece que as duas questões teriam respostas afirmativas, porém não pretendo cansar os leitores com dados empíricos que comprovem essa tese. Há publicações próprias para tanto. O que desejo chamar atenção é para o arco de aliança que se formou ao redor das candidaturas contrárias à continuidade do PT na condução das políticas públicas federais, da governança da União. E este elemento estava claro desde o primeiro turno. A administração de Dilma e os processos de captação de recursos para campanhas políticas, dentre outros fenômenos da política brasileira, cumularam em situações como o escândalo do mensalão. O Mensalão fez parte do elemento circense de convencimento da necessidade da alternância de poder - motivo mais democrático não haveria.

Porém, seguramente, a postura machista e desrespeitosa do candidato Aécio terminaram, dentre os próprios fatores do beneficiamento social que as administrações do PT cumularam para a sociedade, culminando na derrota dele no segundo turno. O que acontecia nessa eleição era um processo no qual as campanhas e suas formulações midiáticas passaram a ser mais importantes que os projetos políticos em disputa. Então, houve início a uma mensuração da corrupção nossa de cada dia, e mensalões, trensalões e aeroportos de tios invadiram corpos e mentes. E quais projetos de País estavam em disputa? Não havia nenhum esclarecimento sobre isso. Nos estertores do processo eleitoral, Dilma passa a oferecer um discurso que afirma manutenção de politicas sociais, empregabilidade, combate a corrupção e manutenção do superávit primário. O foco principal estava na alteração do Ministério da Fazenda. A substituição de Mantega passou a ser objeto de especulações, e, de qualquer modo se opunha ao anúncio de Armínio Fraga que era da equipe econômica de FHC. É verdade que a disputa entre a presença de Fraga e o modelo econômico a ser implementado se iniciou já no primeiro turno. No segundo turno, esse tema era um dos elementos de repúdio da maioria à candidatura Aécio. O resultado foi a derrota eleitoral de Aécio. Aceita em momento imediato com a declaração de efetivação da oposição desde aquele momento. Até aqui temos apenas um relato sobre o processo eleitoral, que transcorreu na normalidade democrática e teve um processo tenso solucionado pela voz das urnas. O que permaneceu como problema foi o seguinte conjunto de questões: - como a corrupção seria tratada pelo governo? - como a oposição reagiria à política econômica que se efetivasse? - como o empresariado nacional e dos conglomerados transnacionais reagiria à política econômica? - como os movimentos sociais organizados, que foram fundamentais para a vitória de Dilma, responderiam a essa política econômica? O anúncio de oposição ferrenha não veio sem ameaças. Desde antes do início do mandato ao Mensalão se adicionou o Petrolão. E não se sangrou Dilma apenas, com ela se sangrou a Petrobras. O processo de elucidação dos esquemas de levantamento de subornos a dirigentes da Petrobras, a participação de empresários das grandes empreiteiras nacionais, que para vencerem em processos de licitação dispendiam de forma ilegal seus recursos, iniciou a ser demonstrado pelas investigações da Polícia Federal. Ficou evidenciada a participação de políticos nos processos, que asseguravam recursos para campanhas eleitorais por este meio. Todo o esquema nebuloso ficou translúcido. Até que os processos de investigação chegassem a se robustecer já havia passado as eleições. Porém, o circo midiático do sangramento do governo, num vampirismo que exigia sangue para sua nutrição, estava posto. As sonegações da mídia ao erário público e o envolvimento da mídia e de políticos com remessas de divisa ilegais para

contas em paraísos fiscais, também, iniciaram a ser divulgadas e investigadas pela Polícia Federal. O cenário político apresentou assim os seguintes atores sociais: o governo, a oposiçao, a mídia (oposicionista) e os movimentos sociais (emancipatórios). Nas sombras, a oposição notou a benfeitoria que há nas redes sociais. Aproveitou o calor da indignação que brota de qualquer processo em que a injustiça - no caso, vinculada ao uso de recursos públicos - é capaz de gerar. Não há vínculo entre o que se armou em março de 2015 - à esquerda e à direita - e o calor das manifestações de rua de junho de 2013. Porém, emergiu um novo ator social, mais ou menos anódino, de uma massa insatisfeita com a não satisfação da condução da coisa pública de forma transparente. Parece que as cobranças por transparência e accountability tomam maior vigor que as cobranças para radicalização das políticas sociais. II. Sociedade que fala, governo que não escuta e governo que fala para ninguém que queira ouvir Existe uma indignação à direita, que tem na agenda da corrupção sua bandeira. É uma bandeira que não discute o processo. Os corruptores, em grande parte a iniciativa privada nacional e transnacional, não é mencionada. É como se existisse apenas um pólo, o governo corrompido, corrupto. Efetivamente, levando-se em conta que o governo é o guardião da coisa pública, o protetor da coisa pública, o promotor da coisa pública, espera-se dele lisura nos processos, cuidadosa administração e mecanismos éticos promotores da probidade. A indignação dos cidadãos tem sua justificativa. Entretanto, ela tem sido a expressão do desejo de probidade pública? Em que medida se intensifica a indignação com os processos de corrupção ou com os corruptores? Poderíamos dizer que a mídia se especializou numa goebelização e que sai repetindo mil vezes uma mentira para que ela se torne verdade. O Mensalão erigiu a figura do Juiz Joaquim Barbosa em uma espécie de herói nacional. O Ministro que desprezava os limites do devido processo legal para fazer com que a sana de parcela da sociedade, que exigia punições severas aos detratores da Lei fossem outorgadas. A aposentadoria do Ministro lhe poupou do inevitável, a aplicação da Lei. Na medida em que foi aplicada, o que era exagero processual, na medida do possível, foi desabilitado e as medidas devidas aplicadas. Ou seja, à montante, se ofereceu aos condenados os mecanismos possíveis de aplicação da pena, e à jusante a mídia tomou os resultados jurídicos como elementos para forjar maior indignação. Como esses fatos ocorrem em meio à crise do Petrolão, os primeiros dias do mandato 2, de Dilma, se encontram diante desse embroglio. É uma confusão que lhe rouba qualquer iniciativa. Porém, Dilma e seu núcleo duro tomaram

decisões que iam na direção oposta ao que levou as urnas a clamarem por um segundo mandato. Primeiro, como se viu diante de um Congresso de maioria conservadora, e como viu o conservadorismo se arvorar em detratar o PT como propulsor da política nacional, optou por fazer uma aliança com o setor produtivo e urbano do conservadorismo. Cria um Ministério que quer aplacar a ira conservadora no campo e na cidade. Mais ainda, convoca para o Ministério da Fazenda um articulador do mercado financeiro, como que para se afinar com o desejo de lucro que este setor mantem. Essas opções iam claramente contra os interesses dos movimentos sociais que apoiaram sua reeleição. Em segundo lugar, opta por aceitar como uma necessidade a ruptura com direitos trabalhistas básicos, como seguro desemprego e garantias previdenciários, para uma economia de 1,8 bilhão de reais aos cofres públicos. Evidentemente, essas medidas não eram apenas uma oferta aos que exigem austeridade fiscal, mais que isso era uma oferta ao Deus Mamom, o Mercado, a quem se sacrificavam direitos trabalhistas absolutamente impostergáveis. Isso foi realizado sem nenhuma negociação com o movimento sindical. Não existia outra alternativa a este senão reagir fortemente contra tais medidas. Essas medidas em nada repercutiam a série de direitos clamados nas Jornadas de Junho de 2013, que levaram Dilma a mencionar a possibilidade de maior diálogo com a sociedade. O projeto de lei, dimanado do Executivo, para uma maior participação social, regulamentando essa participação, foi rejeitado pelo Congresso. No Congresso, a disputa pela liderança saiu sem um acordo do PT com os demais partidos da base. O PMDB se viu convencido da necessidade de uma liderança autônoma - leia-se, oposta ao Executivo, ou mais restritamente, oposta a Dilma. Elege-se Eduardo Cunha, na Câmara. No Senado a continuidade de Renan Calheiros não significou apoio a Dilma. O isolamento cresce mais. As tentativas de passar no Congresso o projeto de lei que cria o Instituto Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Insaes) e do Imposto sobre Grande Fortuna (IGF) têm derrotas fragorosas. A busca por evitar a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Petrolão também é derrotada. Não ouve os movimentos sociais, não repercute os resultados das ruas em Junho, nem das urnas, e não tem como dialogar com o Congresso conservador. Ainda teve que enfrentar a saga da mídia. A mídia, em especial a Rede Globo, faz uma campanha nacional de detração do governo. Ainda que a editoria enfrente uma que outra resistência interna, o discurso hegemônico da emissora é sobre a incapacidade administrativa de fazer a economia crescer, adicionada da falta de lisura na condução dos negócios públicos. Vários políticos aposentados, como FHC, escrevem artigos sobre a possibilidade de um Impeachment. O instituto FHC solicita ao jurista Ives Gandra um parecer

favorável sobre o Iimpeachment. A reação a isso se dá logo, porque o risco para a democracia nativa frágil e em passos lentos fica evidente. Dalmo Dalari produz artigo que mostra a impropriedade jurídica da aplicação do instituto do impedimento de mandato para este governo que recém foi eleito. A saga prossegue com o uso das redes sociais, ofereço um relato impressionista, que pode ter maior acurácia com uma pesquisa empírica bem desenvolvida. As redes sociais propalam discursos amplamente contra o governo e até contra a democracia. é interessante notar a diversidade das redes. O Facebook parece mais aberto à diversidade e os discursos não têm um tom hegemônico. No Google + o antigovernismo é hegemônico. O twiter praticamente não tem um tom hegemônico, talvez porque o pouco uso de palavras não permita reflexões duras para qualquer dos lados. Porém, está clara a questão: há inconformidades de todos os lados, por motivos distintos, contra o governo federal e suas posturas. Panem. Parece que para o governo desde que as políticas sociais pudessem ser mantidas, tudo mais não seria questionada. Medidas de ajuste e austeridade fiscal poderiam ser tomadas sem nenhuma negociação ou explicação à sociedade. Os projetos de infra-estrutura poderiam se manter desde que isso tivesse algum efeito para alguma manutenção de empregabilidade. É como se o governo desistisse do medium poder para negociar com os atores sociais, e acreditasse que a administração poderia usar o medium dinheiro (bens, serviços, emprego) para tal fim. Com isso, aumentar preços de combustíveis, tarifas de energia, e desmontar direitos trabalhistas como o do seguro desemprego e de garantias previdenciárias, não seria problemático. Para os movimentos sociais estas medidas são, sim, muito problemáticas. Para a aliança conservadora, ao que parece, essas medidas não surtiram a cola que o governo esperava. Para a mídia, essas medidas não davam o sangue que o vampirismo esperava. III. Circensi diaboli Foi iniciado um processo midiático de intervenção dura. A convocação de um ato público para o dia 15 de março feito pela principal cadeia de televisão do País. Convocar um ato como se fosse um processo de cobertura jornalística foi algo tremendo, nunca antes na história do País... Hummm, bem, antes na história do País essa mesma rede convocou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade... Elementos prenunciadores de um golpe de Estado. A queda de Allende teve greve de caminhoneiros, panelaços da classe média, e o bombardeio de La Moneda, que culminou com o suicídio de Allende. O próprio cenário nacional que antecedeu o golpe de 1964 teve elementos nos quais a cooperação da mídia, de setores de classe média e das elites, com a força dos militares, levou à desestabilização da ordem constitucional. Não por um acaso a Petrobras está no meio deste cenário, nem tampouco os setores

organizados dos movimentos sociais se sentiram na obrigação de fazer um ato em defesa de democracia e sem sintonia ou sincronia com o outro ato anunciado para o dia 15 de março, para que não ocorresse qualquer espécie de confronto físico. Os ânimos estavam novamente exaltados. Terceiro turno? Por certo. Apenas isso? Não. Há o legítimo direito à indignação e à exposição de projetos democráticos necessários ao aprofundamento do jogo democrático. Isso é um fenômeno extremamente positivo para o processo nacional. Haver duas manifestações, que expressam suas indignações, podem ser elemento favorável à democracia. Há algumas condições para as quais se deve atentar, no entanto. O jogo democrático não é um jogo de faz de conta. O processo democrático exige participação e responsabilidade. Há que se cuidar para que a ordem institucional seja preservada, e se existir necessidade de rupturas elas precisam lidar com as dimensões jurisdicionais do Estado democrático de direito. O ponto que se coloca e que precisa ser refletido é a apresentação de pleito favorável à instalação de um regime de intervenção militar. Essa é uma lamentável reedição. A ruptura com a ordem democrática é um absurdo político para esse e qualquer momento histórico. A ordem democrática foi uma conquista das lutas políticas que remontam 50 anos. Perder esse horizonte é simplesmente aceitar que reinem experiências tirânicas, com aparatos militares de produção de violência contra os direitos políticos, como a tortura. É exatamente esse caldo cultural que impede a discussão sobre a unificação das polícias civil e militar, a discussão sobre a condenação de policiais que cometam tortura ou qualquer ação arbitrária e de abuso de poder, a criminalização dos forjados autos de resistência. O que temos por hora, como necessidade histórica, é avançar sobre a discussão do regime legal de segurança humana, mais que manutenção da atual ordem de segurança pública desumana. Ninguém, convocado para o dia 15 de março, estava com a bandeira da Reforma Política, que deve começar imediatamente com a regulação do financiamento privado de campanhas políticas. Não havia nenhum grupo no dia 15 de março exigindo a Reforma Agrária, necessária para debelar os conflitos sociais no campo e ampliar a rede de agricultura familiar e de produtores das comunidades tradicionais indígena e quilombola. Nem havia nenhum grupo social naquele dia 15 de março conclamando à Reforma Tributária ou à criação e implantação do Imposto sobre Grandes Fortunas. Não havia grupo algum no dia 15 clamando pela implementação do Sistema Nacional de Educação, ou pela Política Nacional de Formação de Profissionais da Educação, prevista pelo Plano Nacional de Educação 20142024. Poderia continuar a elencar várias outras agendas cidadãs que necessitam avançar no debate nacional.

Esse contraponto indica uma distância entre os grupos sociais que estavam no dia 15 de março exercendo o direito cidadão de manifestar opinião, de ser contrário ao governo instalado, de ser contrário à corrupção e de exigir mudanças nesta direção. Porém, ao mesmo tempo, havia grupos sociais que lá estavam a reivindicar intervenção militar, ruptura com o regime democrático, e impedimento de continuidade do mandato presidencial conquistado por Dilma, legitimamente, no último pleito. Esse convívio de uma agenda democrática e antidemocrática na mesma mobilização é o que chama mais atenção. As análises imediatas ao dia 15, propaladas pelo próprio governo federal, que recebeu total atenção da mídia, apresentadas pelo Ministro Cardozo, da Justiça, e Rosseto, da Secretaria Geral da Presidência, avaliavam que as manifestações do dia 15 foram democráticas, pacíficas e que teriam como resposta uma ação anticorrupção do governo Dilma e um maior diálogo com a sociedade. Esta mesma interpretação foi veiculada no dia 16 de março, pela própria presidenta Dilma, que acrescentou ao elemento do diálogo duas observações: dialogar é possível apenas com quem quer dialogar, e o diálogo, por parte do governo, se dará de forma humilde e soberana. O destaque da presidenta é claro. A sociedade quer se fazer ouvir. Ela o tempo todo mencionou as duas manifestações, a do dia 13 e a do dia 15. Engana-se quem considera as manifestações do dia 13 chapa branca, manifestações de acordo amplo, geral e irrestrito com o governo. As manifestações do dia 13 foram um recurso dos movimentos sociais organizados para deixar claro que nenhuma iniciativa contra a democracia será aceita subordinadamente. Ao contrário, em defesa da conquista dura, realizada há 30 anos, todo esforço será feito. Também pretenderam deixar claro que há uma contrariedade profunda com os esforços de destruição da imagem pública da Petrobras, como empresa brasileira e do povo brasileiro. Neste sentido, as manifestações do dia 13 levantavam uma agenda positiva de reforço democrático e do patrimônio nacional. Porém, apresentavam uma agenda crítica à corrupção, com uma proposta clara, que se faça a Reforma Política, instrumento necessário para o combate à corrupção, desde que haja controle do financiamento de campanhas e impedimento de financiamento de campanha por parte de empresas privadas. Também se manifestou em favor de várias agendas cidadãs, como a Reforma Agrária e a derrubada das MPs 664 e 665, que reduzem direitos dos trabalhadores. O discurso governamental, entretanto, ainda está a se construir. Também no dia 16 de março ocorreu reunião ministerial, e do Ministro Mercadante, da Casa Civil, com parlamentares da base aliada para criar um esteio e reforço às posições governamentais, em especial ao projeto de anticorrupção que está a ser engendrado. Efetivamente, até o momento, as respostas do Planalto estão mais acordes ao dia 15 que ao dia 13. Isso representa a continuidade de opção à direita que o Planalto sustenta. O ouvido mouco ao dia 13 é uma lástima.

Porém, faltam elementos catalisadores das pulsões que mobilizaram o dia 13, e que poderiam fazer com que uma agenda cidadã invadisse o Planalto e o Congresso, fazendo com que os direitos cidadãos mais urgentes fossem, de facto, apreciados. O que temos é uma vociferação que deveria ser para acalmar os manifestantes do dia 15, que, no entanto, não entenderão nesses gestos nenhuma atitude proativa do governo em favor do desmonte do que eles propalam como sendo um esquema criminoso de uma quadrilha instalada no Planalto. Ou seja, a surdez ao dia 13 e a audição ao dia 15 geraram um discurso governamental que não diz nada a ninguém. É um processo difícil que exige uma tecnologia social mais aberta por parte do Planalto, mais apta a ter condições de se sustentar com os grupos e movimentos sociais que têm reivindicações cidadãs de reforço ao processo democrático; e oferecer, ao mesmo tempo, uma prática que demonstre atenção ao principal apelo do dia 15, que se interrompa o ciclo de corrupção. Com efeito, a agenda mais próxima aos pontos de convergência dos dois interesses, seria a Reforma Política, impedindo o financiamento empresarial das campanhas. Porém, a Reforma Política não pode ser restrita a isso. Por isso, por parte dos movimentos sociais organizados, além de instituições públicas de elevada consideração, como a OAB e a Cnbb, se exige uma Assembleia Constituinte Exclusiva para a Reforma Política. Enquanto isso, a mídia, que tem empresas que sonegam e que, também financiam campanhas, conclamam a uma reflexão continuada contra o governo e o seu partido propulsor, o Partido dos Trabalhadores. A cada suspeição levantada pela Polícia Federal, que gere ou não uma ação judiciária contra o partido e seus agentes, a imprensa já realiza o julgamento prévio, condena os atores sociais mencionados e atribui tudo a um plano governamental. É um discurso de ataque ao poder público. Nada fora do jogo democrático, no qual oposições ao poder podem e devem ser manifestas. Porém, o problema é que isso não pode ficar como uma armadilha, que aguarde a espreita alguma forma de deposição do mandato legítimo, ou de reconstrução de um regime tirânico e antidemocrático tocado por força das armas - e essas insinuações não param de ser pronunciadas. Considerações finais - por uma agenda à esquerda O jogo é a democracia e a palavra não é ouvir, menos ainda a ação é o diálogo. O que está em cena é a necessidade de reforçar as agendas e os atores sociais capazes de gerar mobilizações que as faça tornar necessária a atenção das instituições do poder, o Planalto e o Parlamento, às mesmas. Para que as agendas possam ser expostas e exerçam poder catalisador, é necessário que o exercício do discurso, da busca de consensos, dos diferentes atores sociais, se exerça. O cenário não é tranquilo. E o discurso que busco interpretar aqui não

é para quem acredita que a democracia deva ser substituída por outra forma de condução da convivência política na sociedade. Mais do mesmo não deve gerar outro resultado. As manifestações de junho de 2013 e as de março de 2015 não têm o mesmo cariz, são de natureza distintas, e o governo precisa reconhecer isso nas análises. No caso de junho, a juventude era o elemento articulador, as redes sociais eram usadas como parte da expressão de muitas indignações dos jovens, que nasceram no regime democrático, não experimentaram a formação ideológica de 1950-1970 e tiveram um processo organizativo inspirado em movimentos internacionais de jovens (Occupy, Primaveras árabes, etc.). Na agenda de junho de 2013, a pauta difusa de reivindicações mostrava a contrariedade com o Congresso, os Partidos e com o Executivo. A corrupção não era uma agenda mais forte que, por exemplo, ser a favor e contra o aborto, ou estar negando a representação do impronunciável da infelicidade. Esta dimensão aberta daquela ocasião colocava em cheque o sistema representativo da política nacional, questionando partidos e movimentos sociais na sua forma de arregimentação de pessoas, de formação política, e de disseminação de sonhos. Na verdade, questiona, também, o sistema educacional e as igrejas, como agências de socialização, que parecem insuficientes para insuflar sopros de desejos de cidadania e de participação. Porém, poderíamos dizer que elas se tangenciam justamente neste ponto do questionamento às instituições políticas e às agências de socialização. Elas indicam que os meios de articulação de indivíduos, como as redes sociais, podem ter uma força mobilizadora e motivadora mais forte que os meios tradicionais de socialização. Elas têm, também, um circuito do caldo cultural conservador e preconceituoso da sociedade brasileira, que se fez presente em junho de 2013 e março de 2015. Mais ainda, o ponto central da agenda antigovernista, não contra este ou aquele governo apenas, mas contra a possibilidade da condução política da coisa pública, isso ficou no ar. É um tema a ser aprofundado. No limite, Occupy tinha interesses autogestionários? As análises sobre o Anonymous mostram que não, porém não se pode chegar a nenhuma análise conclusiva no momento. O que temos neste cenário é a possibilidade de uma discussão maior e mais profunda sobre a possibilidade da democratização da democracia. A estratégia governamental era apelar para a experiência dos Conselhos. Isto está, ainda, barrado pela onda conservadora do Congresso. De qualquer maneira, isto será insuficiente. O processo de democratização da democracia tem que ocorrer pela afirmação dos direitos na sociedade, pela construção de mais profunda equidade, de gênero, etnia, geração e diversas identidades que permitem e geram socializações de caráter emancipatório. O dilema não é entre ter uma administração não-corrupta ou corrupta, o dilema é entre ter controle social da coisa pública e do Estado ou não. O conjunto das ações não podem ser

exclusivamente do Parlamento e do Executivo, nem mesmo a manutenção das ações do judiciário. As vozes mais conservadoras e corruptas vêm a público fazer eco a demanda por ética e moralidade públicas. Porque os Parlamentares aceitariam reduções de benefícios aos processos que os elegem? Não parece que isso se configure. Parece, até mesmo, contraintuitivo acreditar que estes atores sociais movam ações que restringiram suas margens de manobra atuais. O que se coloca como necessidade? Ação da cidadania exigindo do Parlamente atenção à necessidade de tratar o mais seriamente possível da Reforma Política, abrir os ouvidos ao clamor de mais de 8 milhões de cidadãos que assinaram o abaixo-assinado por uma Assembleia Constituinte Exclusiva para Reforma Política. Porém, a mídia criou o número mágico de 2 millhões de manifestantes do 15 de março, que são apresentados como a massa moral, a massa que resiste de forma intransigente e objetiva contra as manobras enganosas do Planalto para superar os limites que lhes foram indicados como fatos a serem combatidos. Não importa se existe, ou não, um Projeto de Lei de Anti-corrupção, nem mesmo entender o mérito de tal projeto, apenas anunciado. É relevante que se o detrate, desde a perspectiva da mídia que manifesta um interesse particular. Qual? Impedir que o foco se vire contra ela? Contra os depósitos no HSBC de seus donos e seus funcionários, remetendo divisas para o exterior e sonegando impostos? O desafio da democratização está colocado. Como os movimentos sociais e as agências de socialização, como as igrejas e instituições educacionais cumprirão o papel de fomentar uma cidadania participativa e exigente, capaz de superar os arautos de candida moraleja, que torna viciada a ética? Haverá condições de um empenho político dessas forças sociais para tocar as agendas coletivas e cidadãs neste momento? O que parece difícil de se esperar, é que o Planalto recupere a sanidade, se afaste da ala conservadora, se associe ao empenho necessário para democratizar a democracia. Pois, o cenário dantesco que repete como farsa o passado leva a crer que o anúncio das Reformas de Base poderia precipitar, uma outra vez, um retrocesso do cenário democrático conquistado a duras penas. É lamentável. O que realmente precisamos é de um choque hiperdemocrático, criando maiores condições de participação dos diferentes setores populacionais na interferência com os tomadores de decisão. Há iniciativas como consultas públicas e conferências que utilizam a internet como meio para facultar a participação direta de cidadãs e cidadãos. Isso, além das medidas de participação direta ensejadas pela Constituição Federal de 1988, tem se mostrado insuficiente para que a cidadania participativa se sinta como comunidade de pertença e como comunidade de decisão dos destinos nacionais. Essa é uma tarefa coletiva. A democracia precisa ser radicalizada e isto exige a vigilância de todos. Os questionamentos ao sistema

representativo, levantados durante as Jornadas de Junho, em 2013, permanecem. As respostas aos mesmos têm que ser construída por todos nós.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.