Da repartição das receitas tributárias

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE DIREITO

Antônio Augusto Alves de Andrade

DA REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS: os repasses constitucionais obrigatórios na proteção das autonomias no federalismo fiscal brasileiro

Belo Horizonte 2014

Antônio Augusto Alves de Andrade

DA REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS: os repasses constitucionais obrigatórios na proteção das autonomias no federalismo fiscal brasileiro

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel. Orientador: Professor Doutor André Mendes Moreira

Belo Horizonte 2014

ANTÔNIO AUGUSTO ALVES DE ANDRADE

DA REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS: OS REPASSES CONSTITUCIONAIS OBRIGATÓRIOS NA PROTEÇÃO DAS AUTONOMIAS NO FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO

Trabalho monográfico apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Belo Horizonte, 2014.

_______________________________________________ Prof. Dr. André Mendes Moreira (Orientador)

_______________________________________________ Prof.

_______________________________________________ Prof.

RESUMO

A presente monografia tem como objetivo analisar a regulação constitucional da repartição das receitas tributárias no âmbito do federalismo fiscal brasileiro. Inicialmente, há a apresentação do federalismo no Brasil e da divisão das competências entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Após, analisa-se a formação da receita tributária, estudando a discriminação da competência tributário. Para tanto, procurar-se-á compreender a forma por meio da qual a Constituição de 1988 atribui a aptidão para que cada ente federado aufira, por meio da arrecadação tributária, a receita necessária para a realização das necessidades públicas. A seguir, apresenta-se as formas de compartilhamento da receita tributária previstas nos artigos 157 a 159 da Constituição brasileira, pontuando suas características e objetivos. Nesse momento é descrito os instrumentos de participação direta na receita tributária e a formação e funcionamento dos fundos de participação. Assim, procurar-se-á demonstrar a que a repartição da receita tributária visa garantir as autonomias dos entes federados, possibilitar o accountability, diminuir a brecha vertical e colaborar para a diminuição das desigualdades regionais e sociais. Palavras-chave: federalismo, receitas públicas, competências tributárias, repartição de receita, fundos de participação.

ABSTRACT This thesis aims to analyze the constitutional regulation of the tax revenue sharing under the Brazilian fiscal federalism. Initially, the federalism in Brazil and the division of powers between the Union, States, Federal District and Municipalities is presented. After, we analyze the formation of tax revenue and the division of tax jurisdiction. To this end, efforts will be made to understand the means by which the 1988 Constitution assigns the power to each federated entity obtains through taxation the revenue necessary for the realization of collective needs. Then presents the forms of sharing tax revenue referred to in articles 157 to 159 of the Brazilian Constitution, highlighting its characteristics and objectives. At this moment is described the instruments of direct participation in tax revenue and the formation and operation of participation funds. Thus, will seek to demonstrate that the distribution of tax revenue intended to ensure the autonomy of the federated entities, enabling the accountability, reduce the vertical gap and contribute to the reduction of regional and social inequalities. Keywords: federalism, public revenue, tax jurisdiction, revenue sharing, participation funds.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. – Cálculo do fator populacional do FPM destinado às capitais............................55 Tabela 2. - Cálculo do fator renda per capita do FPM destinado às capitais.......................56 Tabela 3. – Participação de cada Estado no total da distribuição do FPM destinado aos municípios do interior.............................................................................................................57 Tabela 4. – Coeficientes por faixa de habitantes para cálculo da participação no FPM devida aos municípios do interior...........................................................................................58 Tabela 5. – Coeficientes de participação previstos originariamente para o FPE................60

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9 1. O FEDERALISMO BRASILEIRO .................................................................................. 11 1.1. As origens do Estado Federal ..................................................................................... 11 1.2 Conceito e características do Estado Federal ............................................................. 12 1.3 O Estado Federal no Brasil .......................................................................................... 14 1.4. Breves considerações sobre o federalismo previsto na Constituição de 1988......... 17 1.4.1. Repartição das competências ............................................................................... 17 1.5. Federalismo fiscal ........................................................................................................ 20 2. DA RECEITA TRIBUTÁRIA........................................................................................... 21 2.1. Necessidades públicas e atividade financeira do Estado .......................................... 21 2.2. Da receita pública ........................................................................................................ 22 2.3. Da receita tributária .................................................................................................... 23 2.4. A competência tributária ............................................................................................ 25 2.4.1. Definição................................................................................................................. 25 2.4.2. Características ....................................................................................................... 26 2.2.1. Repartição da competência tributária no Brasil ................................................ 30 3. DA REPARTIÇÃO DA RECEITA TRIBUTÁRIA ........................................................ 35 3.1. Classificações das transferências fiscais .................................................................... 37 3.1.1. Quanto à forma de distribuição dos recursos ..................................................... 37 3.1.2. Quanto à origem normativa dos repasses ........................................................... 38 3.1.3. Quanto à vinculação da aplicação ....................................................................... 39 3.1.4. Quanto à exigência de contrapartidas ................................................................. 39 3.2. Objetivos ....................................................................................................................... 39 3.2.1. Preservação da autonomia dos entes federados ................................................. 40 3.2.2. Accountability ........................................................................................................ 42 3.2.3. Redistribuição regional ......................................................................................... 44 3.2.4. Redução da brecha vertical .................................................................................. 47 3.3. Repartição Direta ......................................................................................................... 49 3.2.1. Os artigos 157 e 158 da Constituição ................................................................... 49 3.2.2. Repasse da CIDE-Combustíveis .......................................................................... 52 3.2.3. Repasse do IOF-Ouro ........................................................................................... 54 3.4. Participação direita: fundos de participação ............................................................ 55 3.2.1. Fundo de Participação dos Municípios ............................................................... 56

3.4.2. Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal ................................. 62 3.4.3. Fundos Constitucionais para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste ...................... 65 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 69 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 71

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INTRODUÇÃO

Desde a Proclamação da República, e durante todo o século XX, o federalismo brasileiro tem se modificado e adaptado às tendências e movimentos políticos e econômicos. Nesse processo, afastou-se do modelo norte-americano e se afirmou enquanto modelo típico e peculiar de federação, consagrado pela Constituição de 1988 logo em seu artigo 1º. O texto constitucional assegura autonomia aos entes federados. Segundo Silva (2010), essa autonomia se consubstancia na capacidade de auto-organização, autogoverno e autoadministração e é realizado na forma de competências de cunho legislativo, organizativo e administrativo. Para que tal capacidade exista de fato os entes federados necessitam de instrumentos tributários e financeiros que assegurem o exercício e realização dessas competências sem a dependência de outras pessoas do pacto federativo. Essa autonomia financeira foi regulada pela Constituição a partir de um complexo sistema de partilha de recursos. Além de trazer normas exaustivas em matéria de tributação (art. 145 a 156), o texto constitucional previu casos nos quais haverá a participação de uma pessoa política no produto da arrecadação de tributos de competência de outro ente estatal. Trata-se das transferências intergovernamentais obrigatórias, ou, conforme termo utilizado no texto constitucional, da repartição das receitas tributárias. O presente trabalho tem como objetivo analisar a repartição da receita tributária a partir da perspectiva da ordem constitucional de 1988. Para tanto, no primeiro capítulo faz-se breve análise a respeito do federalismo no Brasil. Na oportunidade, será analisado sua formação histórica, suas características e a repartição das competências administrativas e legislativas. No segundo capítulo analisaremos a receita tributária. Procurar-se-á localizá-la no âmbito da atividade financeira do Estado como sendo uma forma de receita pública. A seguir passa-se à análise da competência tributária a partir de suas características e de sua discriminação no texto constitucional. Após a análise das fontes da receita tributária, no terceiro capítulo faz-se a análise da repartição do produto da arrecadação. Inicialmente, procura-se demonstrar suas funções e objetivos. A seguir passa-se à análise das repartições, direta e indireta. Nesse momento será feito a análise pormenorizada dos artigos 157 a 159 do texto constitucional e de sua regulamentação, descrevendo as diversas espécies de repartição.

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Ao longo do trabalho procurar-se-á demonstrar que a repartição das receitas tributárias tem como objetivo garantir autonomia financeira aos entes que compõem a federação brasileira. Essa autonomia, no entanto, deve ser entendida como instrumento para a promoção das políticas públicas responsáveis pela efetivação dos direitos fundamentais. Pretende-se, assim, compreender a repartição das receitas tributárias como um mecanismo para a realização do projeto constitucional de 1988, conforme exposto no artigo 3º da Constituição da República.

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1. O FEDERALISMO BRASILEIRO O estudo da repartição da receita tributária, tema do presente trabalho, deve ser iniciado pela discussão a respeito do Estado Federal. Tal forma de Estado pressupõe a divisão constitucional das competências entre distintos níveis de governos autônomos, com reflexos importantes na tributação e nas relações financeiras entre os governos subnacionais. O objetivo do presente capítulo não é esgotar a temática a respeito do Estado Federal. Pelo contrário, objetiva, unicamente, apresentar os pressupostos teóricos para a discussão a respeito da repartição da receita tributária. Para tanto, é necessário que se explore brevemente as características do Estado Federal e de sua posição nas relações tributário-financeiras (federalismo fiscal), bem como sua regulamentação constitucional no Brasil.

1.1. As origens do Estado Federal

Ainda que seja um fenômeno que ganha vulto com a modernidade, a Federação possui origens remotas na história. Segundo Sontag (2013) existem experiências embrionárias do federalismo já na antiguidade com o surgimento da Foederatae Civitaes em 493 a.C., caracterizado pela aliança entre unidades territoriais latinas politicamente vinculadas a Roma. Tal formação era caracterizada pela precariedade de seus vínculos e pela restrição da atuação conjunta de seus componentes, que não possuíam soberania. Há também referências à Confederação Helvética, criada em 1291 a partir do pacto de aliança e amizade celebrado entre três cantões na região europeia dos Alpes, tendo sido a primeira união duradoura entre Estados registrada. Tal confederação deu origem à Suíça, que assumiu a forma de Estado Federal em 1848 (DALLARI, 2010, p. 252). No entanto, em sua forma contemporânea, o Estado federal e o federalismo surgem como consequências do processo de independência das treze colônias britânicas na América do Norte, ocorrido em 1776. Ainda que houvessem experiências e tentativas de união entre as antigas colônias antes da independência, é somente com a necessidade de fortalecimento dos treze novos Estados livres, independentes e soberanos, que se originaram após a independência, que o Estado Federal se constituiu naquele país (DALLARI, 2007, p. 257).

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Logo no ano seguinte à Independência, começou-se a discutir a criação da “Confederação de União Perpétua” entre os treze Estados com o objetivo de fortalecê-los militarmente frente à antiga metrópole. Por meio dessa aliança os Estados mantinham sua soberania plena, delegando ao governo central unicamente as prerrogativas que se faziam necessárias para a defesa e manutenção do território. Não havia um órgão superior que uniformizasse a aplicação da lei em todo o território, sendo que o tribunal da Confederação não possuía competência para aplicar o direito a questões individuais (MELLO, 1946, p. 11). Segundo Dallari (2010, p. 257) tamanha liberdade e as divergências e conflitos entre os estados confederados, enfraquecia e prejudicava suas independências, surgindo a necessidade de reformar tal sistema. Foi nesse contexto que foi convocada a Convenção da Filadélfia de 1787, que, originariamente, só teria o objetivo de rever as cláusulas do tratado constitutivo da Confederação. Tal reunião acabou por se transformar em um congresso constituinte, finalizado com a aprovação da Constituição dos Estados Unidos, que, após a ratificação da totalidade dos Estados, entrou em vigor em 1789. A Constituição norte-americana, além de ser um marco importante na história do constitucionalismo, por ser a primeira constituição escrita da história, foi responsável pela estruturação moderna do Estado Federal. Nele os Estados estabeleciam um vínculo indissolúvel entre si, preservando uma parcela de seu poder e atribuindo o restante à um novo e único ente, chamado de União. Com isso, abriam mão de sua soberania pessoal em prol do governo central e passavam a gozar de autonomia nos estritos limites previstos pela Constituição.

1.2 Conceito e características do Estado Federal

Inicialmente, é importante que se faça o necessário contraste entre o Estado do tipo Federal e o Estado Unitário e o Estado Confederado. O Estado Unitário é caracterizado pela unicidade em sua ordem jurídica, política e administrativa, se compondo por uma coletividade única e homogênea. Essa forma de Estado é dotada, segundo Bonavides (2010, p. 162), de centralização política, administrativa, territorial e material. Assim, ao mesmo tempo em que do governo central provém todo o Direito, que é único em todo o território do Estado, ele é também o responsável pela gestão dos serviços públicos e execução das leis em todo o seu território.

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Em oposição a tal formação, o Estado Federal se divide internamente em coletividades inferiores e parciais, cada qual com suas atribuições e competências próprias, sendo, nos limites constitucionais, responsáveis pela produção do Direito a ser aplicado em sua base geográfica própria e pela gestão e prestação material de determinadas políticas públicas. Por outro lado, e em termos gerais, a Confederação é constituída por meio de um tratado entre Estados que, sem perder suas soberanias próprias, se unem para perseguir objetivos comuns relacionados, na maior parte das vezes, à defesa externa e à segurança interna, sendo formação típica do Direito Internacional. A atuação da Confederação se dirige para Estados que a compõe e não para seus cidadãos. Não há, assim, um direito que seja aplicável a todos os indivíduos pertencentes aos Estados confederados, uma vez que inexiste, nesse caso, a formação de uma estrutura política de caráter supraestatal (BONAVIDES, 2010, p. 179-181). A primeira diferenciação entre a Confederação e o Estado Federal é o fato de que nesse último os Estados que o formam perdem completamente a sua soberania tendo, como consequência, a formação de um novo Estado, soberano, fundamentado em uma Constituição. Ao contrário da Confederação, há, no Estado Federal, uma legislação unitária e comum a todo o seu território, que convive com a legislação própria editada pelos entes federados, que, dentro do exercício de suas autonomias constitucionalmente limitadas, produzem as normas a serem aplicadas em seu âmbito interno. Preservando suas soberanias, os Estados confederados nãos se submetem a um poder único e central, podendo, por esse motivo, denunciar o tratado constitutivo e, a qualquer momento, se retirar da aliança. Tal faculdade não gozam os entes federados diante da expressa vedação, presente em todas as constituições que regulam tal forma de Estado, da possibilidade de secessão (BONAVIDES, 2010, p. 182). Diante de tais distinções, pode-se conceituar o Estado Federal como sendo o pacto estável e perene, firmado na Constituição, mediante o qual ordens jurídicas parciais e autônomas, denominados de entes federados, coexistem com uma ordem jurídico-política total, soberana, cada qual com suas competências legislativas, administrativas e tributárias próprias, de modo que as entidades federadas participem da formação da vontade nacional ao mesmo tempo em que produzem o direito aplicado dentro de seus limites, conforme as delimitações previstas na Constituição. Segundo Barroso (2010, p. 172) a forma federativa de Estado procura conciliar a diversidade de cada unidade política componente da federação com a necessidade de unidade e coesão interna para o exercício da soberania. Nesse sentido, apresenta os elementos que

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caracterizam essa formação como sendo, primeiramente, a repartição de competências entre as entidades formadoras da Federação, que exercem atribuições de cunho político-administrativas, legislativas e tributárias por direito próprio, em segundo lugar a autonomia de cada ente federado, compreendido como capacidade de auto-governo e auto-administração e, por último, a participação das entidades federadas na formação da vontade do ente global, em suma, do poder nacional. O Estado Federal, portanto, procura promover a compatibilização entre o interesse dos Estados em preservar sua esfera de poder própria com a necessidade de se garantir poderes próprios à uma entidade única, o que só seria possível com o esforço de todos os Estados em um governo centralizado. Essa dicotomia entre unidade (coesão) e diversidade (particularismo), dá a tônica ao federalismo atual, estando presente em praticamente todos os países que, atualmente, adotam esse modelo, sobretudo no Brasil.

1.3 O Estado Federal no Brasil

Discussões a respeito da viabilidade do Estado Federal no Brasil ocorrem desde o período anterior à Independência, no entanto, é somente com a Proclamação da República que tal forma de Estado surge no cenário brasileiro de forma definitiva, estando presente, ainda que somente nominalmente, em todas as constituições desde então. O Decreto n. 1, de 15 de Novembro de 1889, além de proclamar a república e instituir um governo provisório, promoveu a criação de um Estado Federal, por meio do desmembramento do país em estados e a descentralização, forçada, do Estado Unitário monárquico1 estruturado pela Constituição de 1824. Tal movimento é chamado comumente de federalismo de origem centrípeta, conferindo tendências centralizadoras até hoje percebidas nas relações entre as pessoas federais (DEL FIORENTINO, 2010, p. 41). Segundo Branco, Coelho e Mendes (2010, p. 253), o federalismo previsto na Constituição de 1891 era extremamente influenciado pelo modelo americano, a começar pelo

O Decreto n.1, de 15 de Novembro de 1889, assim dispunha em seus artigos iniciais: “Art. 1º - Fica proclamada provisoriamente e decretada como a fórma de governo da nação brazileira - a República Federativa. Art. 2º. As Províncias do Brazil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brazil. Art. 3º. Cada um desses Estados, no exercício de sua legitima soberania, decretará opportunamente a sua constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos locaes.” 1

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nome adotado: Estados Unidos do Brasil. Previa aos Estados, antigas províncias do Império, os poderes remanescentes que não fossem expressamente delegados à União (art. 65), sendo assegurado autonomia aos municípios (art. 68). Durante sua vigência, no entanto, a política foi dominada pelas elites locais de São Paulo e Minas Gerais, que direcionavam as ações do governo federal para o favorecimento desses dois Estados, de modo que as autonomias dos demais entes federados ficaram extremamente comprometidas (DEL FIORENTINO, 2010, p. 48) A crise da República Velha demandou a superação da antiga ordem constitucional, o que se fez por meio do Golpe de 1930, do qual originou a efêmera Constituição de 1934. Influenciada pela Constituição de Weimar, previa um texto com inúmeros avanços na seara social, econômica e tributário-financeira, que procura promover a conciliação das diversas matizes e ideias políticas existentes então (BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 253). O texto manteve quase as mesmas diretrizes adotadas anteriormente, inovando somente na maior atribuição de poderes à União em detrimento dos Estados (artigos 5º e 7º) e na melhor discriminação das competências tributárias de cada ente federado (artigos 6º e 8º). Como destaque tem-se a primeira previsão de um repasses constitucionais de uma esfera federativa para outra2. É nesse momento, portanto, que surgem as transferências constitucionais no Brasil, objeto do presente estudo. O golpe que deu origem ao Estado Novo, em 1937, foi acompanhado pela outorga da Carta de 1937, que, segundo Barbosa e Magnoli (2011, p. 307), era inspirada nos regimes fascistas europeus, sobretudo nas ditaduras de Mussolini na Itália e de Salazar em Portugal. Ainda que o texto tivesse a previsão da formação de um Estado Federal (art. 3º), com competências, ainda que centralizadas, na União (art. 15), o que se viu foi o estabelecimento de um regime ditatorial e repressivo caracterizado, no plano federativo, pela total subserviência dos Estados ao Executivo Federal, com a autorização de nomeação de interventores estaduais pelo Presidente da República (art. 9º). Assim, durante a ditadura do Estado Novo varguista, o federalismo não passou de mera previsão do texto constitucional, que não encontrava amparo nas práticas centralizadoras do governo federal.

Art. 10. Parágrafo único: “A arrecadação dos impostos a que se refere o número VII será feita pelos Estados, que entregarão, dentro do primeiro trimestre do exercício seguinte, trinta por cento à União, e vinte por cento aos Municípios de onde tenham provindo. Se o Estado faltar ao pagamento das cotas devidas à União ou aos Municípios, o lançamento e a arrecadação passarão a ser feitos pelo Governo federal, que atribuirá, nesse caso, trinta por cento ao Estado e vinte por cento aos Municípios. ” 2

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O fim do Estado Novo foi acompanhado pela promulgação da Constituição de 1946, que restaurou a tripartição de poderes e o federalismo. Estabeleceu-se competências privativas da União (art. 5º), prevendo matérias que poderiam ser objeto de regulamentação complementar por parte dos Estados (art. 6º). Como forma de limitar as intervenções federais nos Estados, responsáveis pelo desaparecimento da Federação no regime anterior, previa em seus dispositivos rígidos requisitos para o estabelecimento da intervenção (art. 7º a 14). Além disso, previa também mecanismos para assegurar a autonomia dos municípios (art. 23 e 28). A Constituição de 1946 também trouxe avanços importantes no âmbito da tributação e das relações financeiras entre a União, Estados e Municípios, que foram ampliados pelas sucessivas emendas pelo qual o texto passou. Destaca-se, nesse ponto, o art. 29, modificado pelas emendas constitucionais n. 5 de 1961 e n. 10 de 1964, que previa transferências da receita tributária para os municípios. Durante sua vigência, a ordem constitucional esteve seriamente ameaçada por inúmeros movimentos que tinham por objetivo quebrar a ordem democrática e instaurar, novamente, um regime de força. A instabilidade atingiu o ápice em 1964, quando, por meio de um golpe civilmilitar, João Goulart foi deposto e instaurou-se uma ditadura militar. Em 1965, já no período ditatorial, pode-se destacar a edição da Emenda Constitucional n. 18, que reorganizou o sistema tributário nacional e fez surgir os Fundos de Participação, cujo incremento foi se fazendo até sua atual conformação. A Carta de 1967, e sua Emenda n. 1 de 1969, deram a formalidade jurídica do regime de exceção, e se caracterizaram pela extrema concentração de poderes na União e no Executivo Federal. Com isso, não apenas o Legislativo se viu tolhido em sua liberdade mas também os entes federados tiveram suas autonomias praticamente anuladas pela ingerência do governo central. O Regime Militar representou o retrocesso da democracia e da federação, fundamentos que o constituinte de 1988 procurou restaurar, dando-lhe contornos até então inéditos na história institucional brasileira. Dessa forma, os movimentos políticos e sociais da década de oitenta, sobretudo o movimento “municipalista”, e que impulsionaram a redemocratização e o fim da ditadura, foram determinantes para a configuração do federalismo na Constituição de 1988 (PRADO, 2007, p. 119).

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1.4. Breves considerações sobre o federalismo previsto na Constituição de 1988

A Constituição de 1988 prevê o federalismo logo em seu artigo inicial3, dispondo a respeito da união indissolúvel entre Estados e Municípios e do Distrito Federal, prevendo, mais a frente4, a peculiar formação de sua Federação, composta por três níveis de governo distintos de governo. A importância assumida pelo federalismo na Constituição pode ser verificada pela vedação, constante do art. 60, §4º do texto, da deliberação a respeito de emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado. Assim, qualquer proposta de emenda constitucional que afete os elementos essenciais da Federação, sobretudo a autonomia, sobretudo a financeira, dos entes federados, deve ser considerada repelida. A federação compõe, assim, a identidade do projeto constitucional brasileiro, devendo ser utilizada Os artigos 18 a 36 da Constituição trazem o delineamento da atual estruturação do federalismo no Brasil, regulando os institutos que conferem autonomia aos entes federados, tais como as competências de cada ente, os mecanismos de intervenção da União nos Estados e dos Estados nos municípios. A seguir será analisado a repartição das competências legislativas e materiais entre os entes federados.

1.4.1. Repartição das competências

A Federação, como visto anteriormente, surge da necessidade de se promover a repartição do poder e das atribuições estatais entre diferentes níveis de governo segundo interesses nacionais, regionais e locais. Nesse sentido Kelsen (2000, p. 451) afirma que o federalismo se caracteriza pela existência de diferentes níveis de produção normativa, cada qual com um âmbito de validade específico. Assim, as normas federais são originadas no poder legislativo federal e possuem validade em todo o território do Estado. Por outro lado, as normas estaduais, ou municipais, se originam no legislativo local e possuem âmbito de validade restrito

Art. 1º da Constituição de 1988: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel entre Estados e Municípios e Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos” 4 Art. 18 da Constituição de 1988: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos e independentes entre si. ” 3

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ao seu território. Assim, a esfera material de validade da ordem jurídica pode ser total, no caso das normas federais, ou local, no caso das normas estaduais ou municipais. Dessa maneira, a distribuição das competências entre os entes federados, segundo Horta (1995, p. 425), configura-se como preocupação central na estruturação do federalismo, conferindo-lhe uma tendência mais ou menos descentralizada conforme atribua maiores ou menores poderes aos Estados-membros e municípios. Por esse motivo, a discriminação das competências assume função determinante na garantia da autonomia das entidades federativas componentes do Estado (HORTA, 1964, p. 49). Na Constituição de 1988 a questão se resolveu por meio da repartição legislativa, material (administrativa) e tributário-financeira. É por meio do exercício dessas competências que os entes federados exercem suas autonomias e podem se auto organizar, autogovernar, auto administrar e auto financiar. A repartição das competências é feita por meio do critério do interesse predominante. Assim, à União caberão as matérias de interesse predominantemente geral (nacional), aos Estados as matérias de interesse predominantemente regional e aos municípios os interesses predominantemente locais. Essa repartição clássica, no entanto, tem encontrado dificuldade em se adaptar à um contexto de crescente integração internacional representada pela globalização, e pelo fato de, internamente, existirem questões que transcendem às bases territoriais dos Estados-membros (SILVA, 2010, p. 478). O art. 21 CF do texto prevê as competências da União, que, em síntese, abrangem questões relacionadas à soberania do próprio Estado Federal. É nesse sentido que ela possui competências para se relacionar na sociedade internacional celebrando tratados e participando de organismos internacionais, declarar guerra e celebrar a paz, assegurar a defesa do território, emitir moeda, elaborar e executar planos de desenvolvimento social e econômico nas diversas regiões do país etc. Também o art. 177 CF prevê competências da União, agora, no que se refere à ordem econômica e financeira, prevendo tratar-se de monopólio desse ente federado, dentre outras, a pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás natural, a refinação do petróleo nacional e estrangeiro, etc. A competência legislativa da União é prevista no art. 22 CF, que traz um extenso rol de matérias a serem regulamentadas de modo privativo. Além desses, as matérias que demandam

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lei complementar para sua plena eficácia também se encontram abrangidas na competência legislativa privativa desse ente federado. De modo geral, os assuntos abrangidos pela competência legislativa da União relacionam-se a interesses gerais do país, e englobam o direito civil, penal, processual, do trabalho, águas, sistema monetário etc. Os Estados, na forma do art. 25, possuem poderes residuais, ou remanescentes, abrangendo matérias orçamentárias, a criação e extinção de cargos públicos estaduais, criação de secretarias, organização de seus poderes internos, do Ministério Público Estadual, da Defensoria Pública estadual e da Procuradoria-Geral do Estado, dentro dos limites estabelecidos pela Constituição federal. Tais matérias abrangem, assim, os poderes de autoorganização e autogoverno, o que implica diretamente na preservação e garantia das autonomias dos Estados-membros. O art. 23 CF prevê as matérias que são de competência de todas as entidades federadas. Tratam-se de matérias fundamentais para a própria sociedade brasileira, como a guarda da Constituição e das instituições democráticas, do cuidado com a saúde e educação e da proteção ao meio ambiente. São competências concorrentes, sendo de responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que devem atuar em colaboração mútua. Há também a previsão de competência legislativa concorrente, em um verdadeiro condomínio legislativo, no qual a União editará normas estabelecendo as diretrizes de caráter geral que serão objeto de regulamentação pelos Estados-membros para atender às suas peculiaridades5. Pelo disposto no art. 24, as matérias abrangidas englobam o direito tributário, direito financeiro, direito econômico e urbanístico, orçamentos, produção e consumo, proteção ao patrimônio artístico, cultural e paisagístico, educação e cultura, dentre outros. Por fim, aos municípios é atribuído a competência para sua auto-organização, o que é feito por meio de lei orgânica, que deve se adequar às limitações constantes da Constituição Federal e da Constituição estadual (art. 29 CF). Algumas competências dos municípios foram expressamente previstas pelo constituinte, como as constantes do art. 144, §8º, que faculta às municipalidades a criação de guardas municiais para proteção dos bens, serviços e instalações municipais. Outras, entretanto, decorrem da competência implícita, constante do art. 30, inciso

Art. 24: “§1º. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. §2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. §3º. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. §4º. A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. ” 5

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I da Constituição, que permite aos municípios legislarem, privativamente, sobre assuntos de interesse local. Além disso, eles também possuem competência para suplementar a legislação federal e estadual, no estrito limite de aperfeiçoa-las e adaptá-las à realização dos interesses locais, conforme art. 30, inc. III. Outras competências são previstas no art. 30, possuindo, em sua maioria, caráter instrumental, como a que prevê a competência para organizar e prestar os serviços públicos de interesse local, como o transporte coletivo e a prestação de cooperação técnica com a União e com os Estados no atendimento à saúde. 1.5. Federalismo fiscal A realização das competências legislativas e administrativas dos entes federados só é possível se a eles forem atribuídos mecanismos para obterem os recursos necessários para financiar suas próprias atividades com autonomia. Nesse ponto, tem-se o federalismo fiscal, ou seja, a distribuição de recursos tributários, originariamente ou por meio de transferências, entre as diversas pessoas políticas que compõe a Federação, com o objetivo de realizar os encargos constitucionalmente atribuídos a cada um. Segundo Prado (2007, p. 4), o federalismo fiscal pode ser compreendido a partir de quatro conjuntos de fatores. O primeiro refere-se à estrutura de distribuição da competência tributária, consubstanciando nas prerrogativas de legislar e arrecadar determinados tributos. O segundo refere-se ao sistema de partilha de recursos entre os entes federados, o que se faz por meio das transferências intergovernamentais. O terceiro refere-se aos mecanismos de equalização, que tem como objetivo reduzir as disparidades em capacidade fiscal e gastos entre os governos. Por fim, o quarto relaciona-se às transferências vinculadas, que relaciona-se ao poder que algumas federações reservam ao governo central de orientar a atuação dos governos subnacionais. No presente trabalho, a preocupação volta-se para o segundo ponto, ou seja, para a repartição da receita tributária entre as entidades componentes da Federação. Para tanto, devese estudar a respeito da atribuição da competência tributária entre os entes federados para que se possa compreender a origem dos recursos repartidos. Passa-se, portanto, ao estudo da formação da receita tributária pelo exercício das competências atribuídas constitucionalmente à União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

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2. DA RECEITA TRIBUTÁRIA

O presente capítulo tem como objetivo analisar a obtenção de um tipo específico de receita pública, a chamada receita tributária, cuja repartição será objeto de análise no capítulo seguinte. Trata-se de analisar, em suma, a repartição da competência tributária entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, incluindo-os no âmbito maior da atividade financeira do Estado. Assim, procurará compreender as competências tributárias não como um fim em si mesmo, mas como um instrumento para a realização e efetividade da Constituição.

2.1. Necessidades públicas e atividade financeira do Estado

O estudo da evolução do Estado evidencia que, em seu desenvolvimento, ele acabou por atrair para si diversas responsabilidades que, originariamente, não lhe eram atribuídas. De fato, o Estado Liberal era, por natureza, absenteísta em suas ações. A ele cabia unicamente regular a propriedade e conferir segurança aos seus cidadãos. Tudo o mais cabia aos indivíduos e à iniciativa particular, cuja liberdade dependia do mínimo de atuação estatal. Com o tempo, sobretudo a partir das Constituição mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, o Estado passa a ser responsável pela promoção dos direitos sociais, cuja efetividade demandam ações positivas e direcionadas para a promoção de interesses relacionados ao bem-estar da população. Com isso, o Estado passa a intervir nos diversos searas da vida social e econômica, se agigantando em suas responsabilidades 6. Segundo Baleeiro (2004, p. 4), é nesse momento que surge então a ideia de necessidade pública, representada pelos interesses das coletividades e satisfeita por meio de serviços públicos, que são promovidas pelo Estado, exclusivamente ou em parceria com a iniciativa privada, que tem como objetivo tornar efetivo o próprio fim social das instituições políticas.

Segundo Daniel Sarmento “a positivação dos direitos sociais e econômicos, fenômeno assente na inquestionável premissa de que, diante da desigualdade de fato existente no meio social, se o Estado não agir para proteger o mais fraco do mais forte, os ideais éticos de liberdade, igualdade e solidariedade em que se lastreia o constitucionalismo seguramente vão se frustrar. O advento desta segunda geração de direitos fundamentais impunha ao Estado o cumprimento de prestações positiva, que tinham de ser asseguradas através de políticas públicas interventivas. O Estado não mais se contenta com a proclamação retórica de igualdade de todos perante a lei, assumindo como tarefa impostergável a promoção efetiva dessa igualdade no plano dos fatos.” (SARMENTO, 2010, p. 19) 6

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As necessidades públicas são, basicamente, aquelas definidas na Constituição como direitos fundamentais (individuais, sociais ou coletivos), que são realizadas pelo exercício das competências materiais dos entes federados. Portanto, é no texto constitucional, produto da história e das aspirações culturais das coletividades, onde se encontram descritas as necessidades públicas (OLIVEIRA, 2013, p. 77). Trata-se, portanto, de definições positivadas no texto da Constituição e nas leis que a complementam. Assim, a repartição constitucional das competências materiais e legislativas, brevemente esboçadas no capítulo anterior, definem e apresentam as necessidades e interesses públicos que devem ser obrigatoriamente realizados por cada ente federativo. Para tanto, o Estado precisa de obter os recursos necessários para promover e realizar seus deveres estampados na Constituição. Assim, segundo Oliveira (2013, p. 80), a atividade financeira do Estado consiste a obtenção de recursos, sua gestão e aplicação visando o cumprimento das necessidades públicas previstas na constituição e representadas, basicamente, na forma de serviços públicos voltados para a efetivação de direitos fundamentais de cunho individual, social e coletivo.

2.2. Da receita pública

Tem-se, assim, que a primeira etapa para a realização da atividade financeira do Estado é a obtenção de receitas. De modo geral, todo acréscimo patrimonial por parte do Estado, todo dinheiro que ingressa nos cofres públicos, é definido como entrada. Algumas dessas entradas não são definitivas. Há um ingresso momentâneo e passageiro desses recursos no tesouro, como ocorre com os depósitos exigidos nas licitações públicas como forma de garantia da proposta ou do contrato celebrado (art. 56 da Lei 8.666/1993). Na mesma categoria inclui-se as cauções, fianças e empréstimos obtidos pelo Tesouro. Essas são chamadas de entradas provisórias. Por outro lado, existem aquelas que são obtidas a título permanente por parte do Estado, sendo denominadas de entradas definitivas. Somente as entradas de recursos a título permanente e definitivo podem ser consideradas como receitas públicas. Assim, pode-se definir receita pública como sendo a obtenção de bens e dinheiro a título definitivo por parte do erário público, o que vem a acrescer seu vulto de maneira positiva (BALEEIRO, 2004, p. 60).

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Para tanto, o Estado pode-se utilizar de diversos mecanismos para a obtenção desses numerários, estabelecendo com a sociedade vínculos de diversas naturezas. Segundo Harada (2010, p. 32) as receitas públicas podem ser classificadas quanto a sua origem em originárias e derivadas. As receitas públicas originárias resultam da exploração pelo Estado de seus próprios bens, seja sob o regime de direito privado, na exploração da atividade econômica, seja sob o de direito público disponível, por meio da exploração dos chamados bens dominicais, que, segundo são aqueles que, apesar de pertencentes ao Estado, não são utilizados pela Administração Pública para o uso público em geral ou para a consecução de atividades administrativas. As receitas públicas derivadas decorrem do constrangimento promovido pelo Estado no patrimônio do particular. São caracterizadas por serem compulsórias, sendo sua formação caracterizada pela relação de sujeição que os indivíduos possuem para com o poder público. Segundo Baleeiro (2004, p. 61), as receitas derivadas, também chamadas de obrigatórias, podem ser formados a partir de penas pecuniárias (multas), reparações de guerra ou arrecadação tributária. Ainda que sejam compulsoriamente obtidas e representam, até certo ponto, a expressão do poder de imperium estatal, as receitas derivadas estão sujeitas às restrições impostas pela Constituição. De fato, no Estado de Direito, os direitos e garantias individuais formam um corpo de limitações, que possuem especial expressão na seara da relação jurídico-tributário, por meio das limitações constitucionais ao poder de tributar. Passa-se, a seguir, a analisar com os cuidados específicos, a formação da receita tributária.

2.3. Da receita tributária

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A receita tributária é aquela constituída por meio da cobrança de tributos. Ainda que o vocábulo “tributo” possa ter diversas acepções7, a definição de tributo no Brasil é prevista legalmente, no art. 3º do Código Tributário Nacional8. Da legislação, portanto, pode-se extrair os elementos constitutivos do conceito de tributo. O primeiro refere-se à compulsoriedade do tributo: trata-se de prestação obrigatória. Uma vez que seja verificado a ocorrência do fato gerador, nasce, automaticamente, a obrigação tributária, independentemente da manifestação de vontade seja do Estado seja do contribuinte. O segundo refere-se a que a obrigação tributária deve ter natureza pecuniária. O terceiro elemento diz respeito ao fato de que o pagamento não pode constituir em sanção por ato ilícito. O terceiro elemento refere-se à necessidade do tributo ser instituído em lei, decorrência direta dos art. 5º, inc. II9 e 150, inc. I10 do texto constitucional, que preveem o princípio da legalidade. Por último tem-se o requisito de que a cobrança do tributo se dá mediante atividade administrativa plenamente vinculada, ou seja, não há margem para o agente público agir de maneira discricionária no âmbito da administração fazendária (CARVALHO, 2005, p. 25). A Lei 4.320/1964, em seu art. 11, §1º, também prevê a figura do tributo, conceituandoo, no âmbito financeiro, como receita derivada11, tratando-se de receita corrente12. A partir de tais ideias pode-se estabelecer que a receita tributária consiste nas entradas definitivas auferidas pelo Estado de modo derivado, mediante o exercício do poder de tributar, assegurado e limitado pelo texto constitucional. É, pois, constituída pelo montante de dinheiro – ou bens cujo valor possa ser exprimido em dinheiro – referentes à incidência tributária e consistente na arrecadação de impostos, taxas e contribuições, objeto das obrigações

Segundo Carvalho (2005, p. 19) “o vocábulo ‘tributo’ experimenta nada menos do que seis significações diversas, quando utilizado nos textos do direito positivo, nas lições da doutrina e nas manifestações da jurisprudência. São eles: a) ‘tributo’ como quantia em dinheiro; b) ‘tributo’ como prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; c) ‘tributo’ como direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) ‘tributo’ como sinônimo de relação jurídica tributária; e) ‘tributo como norma jurídica tributária; f) ‘tributo’ como norma, fato e relação jurídica. ” 8 Art. 3º do Código Tributário Nacional: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” 9 Art. 5º, inciso II: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. ” 10 Art. 150, inciso II: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. ” 11 Art. 9º, Lei 4.320/1964: “Tributo é receita derivada, instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e as contribuições, nos termos da Constituição e das leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de suas atividades gerais ou específicas exercidas pelas entidades. ” 12 Art. 11, §1º da Lei 4.320/1964: “São Receitas Correntes as receitas tributárias, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviço e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas correntes.” 7

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compulsórias, instituídas em lei, que não se constituam sanção por ato ilícito e que são arrecadas mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

2.4. A competência tributária

2.4.1. Definição A análise da receita tributária impõe como consequência, no âmbito do federalismo fiscal brasileiro, a análise da distribuição da competência tributária entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. De fato, sendo o Estado Federal caracterizado pela existência de diferentes níveis de produção normativa, cada ente federado possuirá diferentes atribuições, conforme os contornos estabelecidos pela Constituição. É por meio do exercício da competência tributária que cada ente federado irá obter as receitas necessárias à realização de suas funções e deveres previstos em nível constitucional. Em conformidade com o princípio da legalidade, o tributo só pode ser criado por meio de lei. Tal atividade legislativa, no entanto, somente pode ser exercida nos estritos termos da competência tributária, cuja regulação emana da Constituição e determina a legitimidade primeira da própria atividade tributária do Estado. Segundo Carrazza (2012, p. 567), a competência tributária pode ser definida como a aptidão, abstrata, para criar, tributos por meio da descrição legislativa dos elementos que compõe a norma tributária. Tal possibilidade atribuída ao ente federado para criar o tributo é acompanhada pela aptidão de aumentar, diminuir ou suprimir a carga tributária, podendo, ainda, perdoar débitos tributários, parcela-los, anistia-los, bem como regular toda a atividade arrecadatória de que tem responsabilidade. É possível diferenciar poder tributário de competência tributária a partir da existência, ou não, de limitações jurídicas ao seu exercício. Nessa perspectiva, o poder de tributar assenta sua origem na própria soberania estatal, sendo exercido independentemente de normas que o regulamente e o restrinja, sendo, por isso, uma aptidão de fato. Por outro lado, a competência tributária se coloca como a restrição do poder tributário, que, em um Estado de Direito, sofre limitações constitucionais ao seu exercício. De fato, a Constituição, que, segundo a doutrina clássica, possui a dupla função de organizar o Estado e garantir direitos fundamentais aos seus cidadãos, impõe uma série de restrições ao poder tributário, que, na ausência dessas limitações,

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pode não raro se converte em arbítrio. Nessa perspectiva, a competência tributária apresenta-se como a divisão, e consequente limitação, do poder tributário, originariamente uno, entre as pessoas jurídicas (entes federados) que formam o Estado (MACHADO, 2012, p. 29). Conforme GUSMÃO (2008, p. 135), ainda que esteja inicialmente inserida no âmbito da competência legislativa, a competência tributária também se expressa na atividade arrecadatória, realizado pela Administração Pública. De fato, uma vez que cabe ao ente federado instituir e cobrar o tributo, sendo essa última atividade exercida pelo Poder Executivo, a ele também é atribuído parcela da competência tributária. Por fim, afirma Carvalho (2009, p. 218) que a competência tributária é conferida não somente ao Legislativo e ao Executivo mas também ao Judiciário e aos particulares, sendo uma locução dotada de multiplicidade de significados13.

2.4.2. Características

Segundo Carraza (2012, p. 580), a competência tributária possui cinco características essenciais, quais sejam, a privatividade, indelegabilidade, incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e facultatividade do exercício. Carraza (2012, p. 580) aponta que, no direito brasileiro, a atribuição de competência tributária se faz de maneira privativa, ou seja, uma vez que determinada pessoa jurídica encontra-se habilitada para instituir determinado tributo, há a vedação de que outras pessoas o instituem. Nesse sentido, o desrespeito às normas de competência tributária importa na inconstitucionalidade do tributo assim instituído14.

Com efeito, “Não podemos deixar de considera que tem, igualmente, competência tributária o Presidente de República, ao expedir um decreto sobre IR, ou seu ministro ao editar a correspondente instrução ministerial; o magistrado e o tribunal que vão julgar a causa; o agente da administração encarregado de lavrar o ato de lançamento, bem como os órgãos que irão participar da discussão administrativa instaurada com a peça impugnatória; aquele sujeito de direito privado habilitado a receber pagamento de tributo (bancos, por exemplo); ou mesmo o particular que, por força de lei, está investido na condição de praticar a sequência procedimental que culminará com a produção de norma jurídica tributária, individual e concreta (casos de IPI, ICMS, ISS etc).” (CARVALHO, 2005, p. 218). 14 Afirma Roque Antônio Carrazza que “a criação de um tributo por pessoa política incompetente viola normas constitucionais. Esta anomalia jurídica não pode ser sanada, nem mesmo com o beneplácito da pessoa política que sofreu a usurpação. Portanto, a falta de competência da pessoa política que, fazendo rosto à Constituição, ‘cria’ tributos alheios acarreta a nulidade do ato por ofensa a princípio básico da ordem jurídica. A lei assim produzida, maculada por vício essencial, não pode, mesmo, ter eficácia jurídica. Pelo contrário, pronunciada pelo Judiciário, mediante provocação, a nulidade, volve as coisas ao estado anterior ao advento do ato anulado (efeito ex tunc)” (CARRAZZA, 2012, p. 585-586). 13

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No entanto, alguns autores, como Coêlho (2012, p. 61), discordam desse posicionamento, defendendo existir competências tributárias comuns, no caso de taxas e contribuições de melhoria, e privativas, no caso de impostos15. Carvalho (2005, p. 223), por sua vez, aponta que a possibilidade da União legislar sobre impostos extraordinários na iminência ou no caso de guerra externa (conforme autorização contida no art. 154, inc. II da Constituição), compreendidos ou não em sua competência tributária, é suficiente para afastar a afirmação de ser a competência tributária dotada de privatividade. A característica da indelegabilidade impõe a vedação de que a pessoa política a quem foi atribuída a competência tributária a delegue para outrem. Assim, impede-se que haja a transferência da aptidão para instituir e cobrar tributos originariamente conferidos a determinado ente federado para outro de diferente espécie. A indelegabilidade também impede que, em um mesmo ente federado, o Poder Legislativo delegue a outros poderes, ou a outras pessoas, a atribuição para criar tributos. No entanto, conforme expressa previsão do art. 7º do CTN, é possível que haja a atribuição das funções de arrecadação e fiscalização do tributo a outro ente federado, respeitados as limitações da Constituição16 (CARRAZZA, 2012, p. 742). Segundo Carrazza (2012, p. 745), a incaducabilidade diz respeito ao fato de que o não exercício da competência tributária por um prolongado período de tempo não impede que o ente federado a quem foi conferida competência faça o uso das aptidões conferidas e, respeitando as limitações constitucionais, institua e passe a cobrar tais tributos. Assim, conforme afirma Carvalho (2005, p. 222), a possibilidade da competência tributária caducar em razão da omissão legislativa representaria o enfraquecimento da própria Constituição, uma vez que, no caso, as ações do poder público teriam força suficiente para

Segundo o professor Sacha Calmon Navarro Coêlho “as taxas e as contribuições de melhoria são atribuídas às pessoas políticas, titulares do poder de tributar, de forma genérica e comum, e os impostos, de forma privativa e discriminada. Como corolário lógico temos que os impostos são enumerados pelo nome e discriminados na Constituição um a um. São dominados e atribuídos privativamente, portanto, a cada uma das pessoas políticas, enquanto as taxas e as contribuições de melhoria são indiscriminadas, são inominadas e são atribuídas em comum às pessoas políticas. Vale dizer, os impostos tem nome e são ‘numerus clausus’ em princípio. As taxas e as contribuições de melhoria são em número aberto, ‘numerus apertus’ e são inumeráveis. ” (COÊLHO, 2012, p. 6162). 16 Art. 7º do Código Tributário Nacional: “A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do §3º do art. 18 da Constituição [de 1946]” 15

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modificar a Constituição, o que não é possível de ocorrer com uma constituição de caráter rígida como a brasileira. A inalterabilidade diz respeito à impossibilidade da competência tributária ser alterada pela própria pessoa jurídica que a detém. Uma vez que a competência tributária é delineada pela Constituição, atos normativos que lhes são inferiores, como o Código Tributário Nacional, ou simples leis ordinárias, decretos, portarias ou atos administrativos, não possui o condão de ampliar ou restringir tais atribuições (CARRAZZA, 2012, p. 755). Isso, no entanto, não representa a completa inalterabilidade do tratamento da competência tributária, uma vez que suas fronteiras podem ser alteradas por emenda constitucional. No entanto, tal alteração deve respeitar os limites explícitos à edição de emendas, dentre eles os limites materiais dispostos no art. 60, §4º, em especial a previsão contida em seu inciso I. De fato, a alteração desarrazoada da competência tributária pode representar a fragilização dos entes federados que, sem as receitas suficientes e necessárias para fazer frente a seus gastos, tem suas autonomias reduzidas a mera previsão legal, isenta, no entanto, de qualquer efetividade. No entanto, por não existir respostas únicas, a solução dos problemas atinentes à inalterabilidade da competência tributária deve encontrar guarida no caso concreto, não existindo, portanto, soluções pré-prontas17. Segundo Carrazza (2012, p. 757), a irrenunciabilidade diz respeito à impossibilidade de que União, Estados, Distrito Federal e Municípios renunciem à aptidão a eles conferidos de instituir e cobrar determinados tributos. Como visto, a tributação se coloca como principal meio de obtenção de rendas por parte do Estado, de modo que inexiste qualquer disponibilidade sobre a competência tributária constitucional conferida aos entes federados, que não podem, de modo unilateral e definitivamente, abdicar ao direito de criar tributos.

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Roque Antônio Carraza aponta dois exemplos de alteração das competências tributárias e analisa se elas fragilizam, ou não, o princípio federativo: “Tal ocorreria [desrespeito ao art. 60, §4º, inc. I CR], por exemplo, se os Estados-membros fossem despidos, por uma emenda constitucional, da competência para tributar, por meio de imposto, as operações mercantis, pois, como é sabido e consabido, é este tributo que lhes dá os meios financeiros para atingirem seus objetivos institucionais. Não nos parece, no entanto, que restaria afrontado o princípio federativo caso uma emenda constitucional transferisse, por exemplo, aos Municípios a competência, que a União detém, para instituir o imposto territorial rural. É que este tributo positivamente não amesquinha as finanças federais. Tanto não, que, com o advento da Emenda Constitucional 42, já é dado aos Municípios optar por sua arrecadação (art. 153, §4º, III, da CF), hipótese em que ficam com a totalidade do produto assim obtido (cf. art. 158, III, in fine, da CF). ” (CARRAZZA, 2012, p. 756-757).

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Isso não significa, no entanto, que o Estado não tenha a faculdade de negar efeitos tributários a fatos, ou a aspectos de fatos. Segundo Coêlho (2003, p. 219), isso é realizado por meio de previsões expressas de intributabilidade, que podem se expressar na forma de imunidades ou isenções. A imunidade é a proibição, constante do texto constitucional, de o legislador instituir tributos sobre determinados fatos ou contra as pessoas ali indicadas, sendo, portanto, uma limitação constitucional. Por outro lado, na isenção, a exclusão de fatos do âmbito de incidência da norma tributária se faz por meio de lei, ou seja, há a instituição de tributo conforme autorização na Constituição mas, no plano infraconstitucional, exclui-se do âmbito da norma tributária instituidora (hipótese de incidência) a previsão de determinados fatos que, não fossem essa exclusão, estariam aptos a darem origem à obrigação tributária (MACHADO, 2011, p. 229) A esse respeito é importante consignar o disposto no art. 151, inciso III da Constituição18, que veda a possibilidade de isenções heterônomas, ou seja, isenções concedidas por ente federado distinto daquele que possui competência para instituir o tributo objeto da isenção. Ainda que possa parecer lógico que a atribuição da competência tributária a determinado ente, ao mesmo tempo que lhe confere a faculdade de, observados os critérios legais, oferecer isenções aos contribuintes de determinado tributo, representa a impossibilidade de outros entes federados legislarem sobre tal exação, isso era permitido, por expressa previsão constitucional19, pela Carta pretérita. Assim, quis o constituinte de 1988 assegurar a autonomia financeira dos entes federados, extremamente debilitada pelo regime autoritário e centralizador existente até então. Por fim, a facultatividade, Carrazza (2012, p. 758), importa que, uma vez atribuídas as competências tributárias, os entes federados podem, ou não, exercê-las. Não há, assim, obrigação que os entes federados realizem a instituição e cobrança dos tributos a eles conferidos pela Constituição. Um claro, e eloquente, exemplo, é o fato de a União não ter instituído o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), conforme art. 153, inciso VII da Constituição.

Art. 151, inciso III da Constituição da República de 1988: “É vedado à União: III –instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.” 19 Art. 19, §2º da Constituição de 1967, conforme redação dada pela Emenda Constitucional n. 1/1969: “A União, mediante lei complementar e atendendo a relevante interesse social ou econômico nacional, poderá conceder isenções de impostos estaduais e municipais.” 18

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Uma vez conceituada e caracterizada a competência tributária, passa-se à análise de seu delineamento, conforme disposto no texto constitucional.

2.2.1. Repartição da competência tributária no Brasil

Segundo Coêlho (2012, p. 62), a repartição constitucional da competência tributária utiliza-se como referencial teórico a teoria dos fatos geradores, que diferencia os tributos em vinculados e não vinculados a uma atuação estatal. Os tributos não vinculados, segundo o magistério de Ataliba (2012, p. 137), são aqueles cuja hipótese de incidência consiste em algum fato que não se constitui como atuação estatal, relacionando-se, assim, exclusivamente à esfera econômica do contribuinte. Assim, conforme a previsão do art. 16 do Código Tributário Nacional20, todo tributo que cuja hipótese de incidência não se referir à uma atuação estatal terá natureza de imposto, independentemente do nome que a ele tenha sido atribuído. Por outro lado, quando o aspecto material da hipótese de incidência se referir à uma atuação estatal, estar-se à diante de tributo vinculado, que pode ter ou a natureza de taxa ou de contribuição. A diferença entre essas duas espécies consiste, segundo Geraldo Ataliba, na mediata ou imediata vinculação do contribuinte em relação à atuação estatal remunerada. Assim, na taxa tem-se que a atuação estatal é diretamente referida ao contribuinte, ao passo que na contribuição a relação entre a atuação estatal e o contribuinte se dá por um fato intermediário (ATALIBA, 2012, p. 146). Disso se conclui que a distinção entre os tributos vinculados e os não vinculados se faz, portanto, quanto à situação do fato do qual se origina a obrigação tributária estar, ou não,

Art. 16 do CTN: “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. ” 20

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relacionado à uma atuação estatal. Se sim, tem-se taxas e contribuições21. Do contrário, ter-seá impostos22. No que tange aos impostos, a Constituição realizou a indicação dos fatos geradores nominando-os e atribuindo-os de modo privativo a cada ente federado, evitando, assim, que houvesse a interferência de um ente federado sobre o outro. No caso, o constituinte dispõe sobre os fatos e situações que o legislador da União, dos Estados e dos Municípios poderão utilizar na definição da hipótese de incidência dos impostos sobre sua competência. (COÊLHO, 2012, p. 65). Assim, no art. 153 previu que compete à União instituir imposto sobre importação de produtos estrangeiros (II), imposto sobre exportação de produtos nacionais ou nacionalizados (IE), imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza (IR), imposto produtos industrializados (IPI), imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), imposto sobre propriedade territorial rural (ITR) e imposto sobre grandes fortunas (IGF). Além desses, previu a Constituição em seu artigo 154 que a União possui competência para instituir o imposto extraordinário de guerra e, ainda, competência para instituir novos impostos, desde que observados as limitações constantes naquele artigo23. No art. 154 previu a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir o imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direito (ITCD), imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de

Segundo o professor Sacha Calmon Navarro Coêlho: “Os tributos vinculados a uma atuação estatal são as taxas e as contribuições; os não vinculados são os impostos. Significa que o fato jurígeno genérico das taxas e das contribuições necessariamente implica uma atuação do Estado. No caso das taxas, esta atuação corporifica ora um ato do poder de polícia (taxas de polícia), ora uma relação de serviço público, específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição (taxas de serviço). Na hipótese da contribuição de melhoria, a atuação estatal materializa-se através da realização de uma obra pública capaz de beneficiar ou valorizar o imóvel do contribuinte. Nas contribuições previdenciárias, é benefício à pessoa do contribuinte ou de seus dependentes. ” (COÊLHO, 2012, p. 62) 22 Nas palavras de Sacha Calmon Navarro Coêlho: “Com os impostos as coisas se passam diferentemente, pois os seus fatos jurígenos as suas hipóteses de incidência, são fatos necessariamente estranhos às atuações do Estado (lato sensu). São fatos ou atuações ou situações do contribuinte que servem de suporte para a incidência dos impostos, como, v.g., ter imóvel rural (ITR), transmitir bens imóveis ou direitos a eles relativos (ITBI), ter renda (IR), prestar serviços de qualquer natureza (ISQN), fazer circular mercadorias e certos serviços (ICMS). ” (COÊLHO, 2012, p. 63) 23 Art. 154 da Constituição da República: “A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição. II – na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.” 21

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transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) e imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA). O art. 155, por fim, previu que cabe aos municípios a instituição do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU), imposto sobre transmissão inter vivos, por ato oneroso, de bens imóveis e de direito reais sore imóveis (ITBI) e o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISQN). Por previsão do art. 147, compete à União a arrecadação dos impostos estaduais e municipais nos territórios federais (no momento, inexistentes) e ao Distrito Federal os impostos municipais. Vê-se, portanto, a rígida separação de fatos sobre os quais pode ser instituído os tributos de modo que é inadmissível que um fato seja incluído no âmbito constitucional de mais de um imposto, o que impede, por exemplo, que União e Estados tributem a renda – visto que essa é de tributação privativa da União. No que tange às taxas, por serem tributos vinculados à remuneração de uma atividade do Estado em relação à pessoa do contribuinte, a competência para a sua instituição e cobrança é determinada no momento da determinação da competência material (administrativa) relacionada ao serviço público ou ao poder de polícia considerado como fato jurígeno para a cobrança do tributo (MACHADO, 2012, p. 84). Assim, a competência para instituição e cobrança da taxa tem como antecedente a competência administrativa para exercer o serviço público ou poder de polícia a ser remunerado mediante a cobrança do tributo. O mesmo ocorre com a contribuição de melhoria, uma vez que é só é competente para instituir e cobrar o ente federado responsável pela realização da obra pública24, seja ele a União, Estado, Distrito Federal ou Município.

Assim, conforme afirma Sacha Calmon Navarro Coêlho: “a repartição político-administrativa do poder de polícia entre as pessoas políticas e dos serviços públicos é que orientará, segregando, a competência tributária comum que a Constituição lhes outorgou para instituir taxas. Isto não seria possível se o fato gerador das taxas não se constituísse de atuações do Estado relativamente à pessoa do contribuinte, relativamente a um interesse seu, capaz de ser diretamente atendido por uma manifestação estatal. Na hipótese da contribuição de melhoria ocorre o mesmo. Sendo o seu fato gerador genérico a realização de uma obra pública em benefício de um imóvel de propriedade do contribuinte, haverá de cobrar a contribuição a pessoa política que tiver realizado a obra pública beneficiadora (ou valorizadora) do imóvel pertencente ao contribuinte”. (COÊLHO, 2012, p. 64) 24

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Cabe à União, conforme art. 148 da Constituição, a competência para instituir empréstimos compulsórios25, que, segundo Coêlho (2012, p. 68), possui natureza de imposto especial, causal, temporário e restituível. Aos Municípios e ao Distrito Federal foi atribuída a competência para a instituir contribuição para custeio dos serviços de iluminação pública, conforme art. 149-A, inserido ao texto por meio da emenda constitucional n. 39/2002. A aprovação da citada emenda se deu após o Supremo Tribunal Federal pacificar o entendimento segundo o qual a taxa para o custeio de serviço de iluminação pública, então largamente utilizada pelos municípios, era dotada de inconstitucionalidade, uma vez que tal serviço não se adequada às exigências constitucionais para a instituição de taxa26. À União (art. 149 CR) é conferida, em caráter privativo, a competência para a instituição de contribuições parafiscais, que, segundo Coêlho (2012, p. 111), estão afetadas às finalidades específicas de financiar o sistema oficial de previdência e assistência social, fornecer recursos às ações interventivas do Estado no domínio econômico e social e garantir o funcionamento dos órgãos corporativos e de representação de classe. Assim, dentre essas contribuições encontra-se as destinadas à Seguridade Social, que, conforme o art. 195 da CF, possui diversas fontes de custeio, sendo financiada, por exemplo, por meio da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Tem-se, ainda, as contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE), instrumentos utilizados pelo Estado como forma de, em conformidade com as diretrizes e princípios constitucionais que regem a matéria (art. 170 a 181 da CR), promover a intervenção na ordem econômica. Ainda que, segundo Machado (2012, p. 176), todo tributo interfira na economia de alguma maneira, a CIDE se justifica somente quando essa intervenção beneficia o contribuinte de maneira direta, sendo tal benefício componente fundamental para a sua própria Artigo 148 da Constituição: “A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b.” 25

“TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE NITERÓI. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ARTS. 176 E 179 DA LEI MUNICIPAL Nº 480, DE 24.11.83, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 1.244, DE 20.12.93. Tributo de exação inviável, posto ter por fato gerador serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, a ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais. Recurso não conhecido, com declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos sob epígrafe, que instituíram a taxa no município.” (Pleno, RE 231.764-6, Rel. Min. Ilmar Galvão) 26

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legitimidade no âmbito do sistema tributário27. Dentro dessa subespécie encontra-se a CIDECombustíveis, cuja repartição da receita, em conformidade com o art. 159, inc. III CF, será objeto de análise no próximo capítulo. Por fim, tem-se, também, as contribuições sociais destinadas ao interesse das categorias profissionais ou econômicas, que se destinam ao financiamento das pessoas jurídicas de direito público ou privado que tem como objetivo a fiscalização e regulação da atividade e exercício profissional de determinados grupos. Dentre essas encontra-se as contribuições-anuidade (utilizadas no financiamento dos órgãos controladores e fiscalizadores das profissões) e a contribuição sindica, previstas nos artigos. 578 e 579 da CLT. Os regimes próprios de previdência social (art. 40 CF) são financiado por meio de contribuição instituída pelos próprios entes federados na forma do art. 149, §1º da CF, cabendo aos Estados, Municípios e Distrito Federal que optarem pela criação de sistema de previdência próprio para seus servidores titulares de cargo efetivo a instituição e cobrança da respectiva contribuição previdenciária. Uma vez apresentada a discriminação da competência tributária, passa-se ao estudo do principal tema do presente trabalho: a repartição da receita tributária.

Sacha Calmon de Navarro Coêlho afirma que “a intervenção estatal deve, necessariamente, beneficiar os contribuintes da exação de modo direto. Para tanto, a análise do dispositivo legal que as institui – de modo a determinar se os recursos obtidos com a contribuição serão efetivamente voltados ao benefício da classe contribuinte – é de fundamental importância para a aferição de sua constitucionalidade. Assim, é forçoso concluir que a referibilidade (entendida esta como a correlação lógica entre os pagantes e o benefício trazido pela contribuição) é elemento essencial das CIDEs. Inexistindo essa contraprestação estatal específica, não há que se falar em tributo vinculado a uma atuação do Estado. Em não sendo tributo vinculado, será imposto (única modalidade prevista no ordenamento jurídico pátrio de tributo não vinculado a uma atuação estatal). Em sendo imposto, e havendo a vinculação legal das receitas obtidas com a contribuição (como sempre ocorrerá, tendo em vista a própria natureza da CIDE), a exação será eivada de inconstitucionalidade, por violação ao art. 167, IV, da Constituição da República.” (COÊLHO, 2012, p. 114) 27

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3. DA REPARTIÇÃO DA RECEITA TRIBUTÁRIA

A discriminação da competência tributária objetiva fornecer aos entes federados os recursos suficientes para que eles façam frente às suas responsabilidades na realização das necessidades públicas. Entretanto, o resultado da arrecadação originário do ente federado muitas vezes não é suficiente para a realização de suas competências e encargos administrativos. Nesse contexto faz-se necessário que os entes federados que, por diversos motivos, tenham menor capacidade de obter receitas tributárias, recebam recursos arrecadados por outro ente. Esses recursos são obtidos por meio de transferências intergovernamentais que repassam parcela da receita tributária dos entes federados de maior abrangência territorial para os de menor abrangência. Assim, parcela da receita tributária da União é repassada a Estados e Municípios e parcela da receita tributária dos Estados é repassada aos Municípios por meio de sistemas de transferências de receitas regulados pela Constituição e por diplomas normativos esparsos. A receita só pode ser repartida quando for auferida por parte do ente arrecadador. A relação jurídica de direito público que se estabelece entre o ente repassador e o recebedor é, portanto, diferente da relação jurídico-tributária, sendo posterior a ela. Assim a participação no produto da tributação só pode ocorrer quando o tributo tiver sido instituído pela pessoa política competente e o houver a realização do fato gerador da obrigação tributária. Assim, até que haja a efetiva arrecadação do tributo, há, unicamente, mera expectativa de participação na receita alheia (DEL FIORENTINO, 2010, p. 220). A receita repartida é composta por tudo o que foi arrecadado. Assim, segundo Del Fiorentino (2010, p. 221), as renúncias fiscais realizadas pelo ente arrecadador sobre os tributos partilhados não pode prejudicar a participação das outras pessoas políticas sobre aquela receita. O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que a concessão de incentivos fiscais por parte do Estado não pode afetar o repasse de tributo partilhado com os Municípios. Tal decisão seu deu no âmbito do RE 572.762-9, recurso em que

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se discutia benefício fiscal concedido pelo estado de Santa Catarina e seus reflexos no repasse de parcela do ICMS aos municípios28. Outro dispositivo constitucional que se refere a questão semelhante é o art. 16029 que veda a retenção ou restrição da entrega dos recursos previstos no art. 157 a 159 aos Estados, Distrito Federal e Municípios. O parágrafo único prevê, no entanto, duas condicionantes à entrega dos recursos, que é o pagamento de créditos para com o ente repassador e o cumprimento ao art. 198, §2º, inc. II e III, que refere a investimento mínimo em ações e serviços em saúde pública. Segundo Oliveira (2005, p. 222), isso não significa que o ente repassador possa utilizar dos recursos a serem distribuídos para se auto pagar. Assim, a União e os Estados não podem utilizar desses recursos para satisfazerem o crédito que possuam com os Municípios nem, por si próprio, suprir falta de investimento mínimo em saúde que deixou de ser realizado pelos entes federados menores. Dessa forma, os recursos retidos deverão ser mantidos em conta corrente separada de maneira que a unidade federativa arrecadadora não possui disponibilidade sobre tais receitas, que deverão ser liberadas assim que o ente beneficiário resolva as pendências que deram origem às retenções (DEL FIORENTINO, 2010, p. 214). As transferências intergovernamentais estão presentes em praticamente todos os países que adotam a Federação como forma de Estado30, diferindo, no entanto, de país para país, conforme o grau de centralização e descentralização e o nível de comprometimento entre as pessoas políticas participantes do pacto federativo.

“CONSTITUCIONAL. ICMS. REPARTIÇÃO DE RENDAS TRIBUTÁRIAS. PRODEC. PROGRAMA DE INCENTIVO FISCAL DE SANTA CATARINA. RETENÇÃO, PELO ESTADO, DE PARTE DA PARCELA PERTENCENTE AOS MUNICÍPIOS. INCONSTITUCIONALIDADE. RE DESPROVIDO. I – A parcela do imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de Comunicação, a que se refere o art. 158, IV, da Carta Magna pertence de pleno direito aos Municípios. II – O repasse da quota de constitucionalmente devida aos Municípios não pode sujeitarse à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito estadual. III – Limitação que configura indevida interferência do Estado no sistema constitucional de repartição de receitas tributárias. ” (RE nº 572.762-9, Pleno, Relatoria Min. Ricardo Lewandoski, j. em 18.6.2008) 29 Art. 160 da Constituição de 1988: É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos. Parágrafo único: A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos: I – ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias; II – ao cumprimento do disposto no art. 198, §2º, incisos II e III”. 30 Prado (2007) faz uma apurada análise das transferências fiscais no Canadá, Alemanha, Austrália e Índia em comparação com a realidade brasileira, obra a qual remetemos o leitor para maiores informações sobre a repartição das receitas tributárias sob uma perspectiva comparada. 28

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A regulamentação constitucional dos repasses encontra-se prevista, em sua quase totalidade, entre os artigos 157 a 162. O presente capítulo tem como objetivo realizar a análise de tais dispositivos legais, bem como sua regulamentação.

3.1. Classificações das transferências fiscais

No Brasil, a repartição da receita tributária é composta por um complexo sistema de transferências e participações diretas, englobando repasses de diversas naturezas e destinações. Os estudos jurídicos e econômicos sobre a matéria classificam as transferências intergovernamentais e os repasses da receita tributária em diversas categoria. A seguir, será apresentado as classificações mais comuns.

3.1.1. Quanto à forma de distribuição dos recursos

A primeira e mais simples classificação a ser realizada é quanto ao modo por meio do qual se realiza a repartição da receita tributária, que poderá ser direta ou indireta. Tal critério taxonômica encontra ampla aplicação pela doutrina, sendo o principal meio de classificação da repartição da receita tributária, sendo utilizado por Coêlho (2012, p. 346), Gomes (2009, p. 79). Segundo Prado (2007, p. 15), a repartição direta também pode ser denominada de devolução tributária. Os entes federados de maior abrangência, União e Estados, no exercício de sua competência tributária, realizam a arrecadação sobre fatos geradores distribuídos ao longo de seu âmbito territorial, que englobará, necessariamente, outros entes e governos de menor abrangência. As devoluções tributárias consistem, assim, no repasse de parcela da receita arrecada pelos entes federados maiores no âmbito territorial das entidades menores e tem como objetivo ampliar a receita dos entes federados subnacionais. É o que se tem nos artigos 153, §5º, 157 e 158 da Constituição A repartição indireta é a realizada por meio de fundos, formados por parcelas de um ou mais impostos, cujos recursos são repartidos por meio de critérios estabelecidos na constituição e na legislação que os regulamentam. O art. 159 prevê o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, o Fundo de Participação dos Municípios, e os Fundos de Financiamento do Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro-Oeste (FCO), que serão analisados mais à frente.

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3.1.2. Quanto à origem normativa dos repasses

Tal classificação leva em consideração a origem normativa dos repasses. Assim, a receita será classifica em constitucional, legal ou voluntária, de acordo com a fonte de onde emana a sua repartição (GOMES, 2009, p. 80). As transferências constitucionais se originam de parcelas do produto arrecadado e repassado a Estados e Municípios por força de norma constitucional. Tem-se, nesse sentido, o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (art. 159, inc. I, alínea a), o Fundo de Participação dos Municípios (art. 159, inc. I, alínea b e d), os Fundos destinados ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste (art. 159, inc. I, alínea c), o repasse da arrecadação da CideCombustíveis (art. 159, inc. III), os repasses diretos da União para os Estados (art. 157), os repasses diretos na União e Estados para Municípios (art. 158), a transferência relativa ao IOF aplicada ao ouro (art. 153, §5º), o repasse da arrecadação de parcelado IPI para os Estados e Municípios (art. 159, inc. II, §2º e 3º) dentre outros. As transferências legais são instituídas e regulamentadas por leis específicas, que determinam a forma por meio da qual será feita as transferências, a aplicação dos recursos e a prestação de contas. Por fim, as voluntárias são aquelas que emanam da discricionariedade do ente federado, que entrega a outro ente da Federação parcelas de recursos como forma de cooperação, auxílio ou assistência financeira. Possuem definição no art. 25 da Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). O mesmo dispositivo legal prevê também exigências a serem observadas para a realização de transferências voluntárias31.

Art. 25 da Lei Complementar n. 101/2000: “Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou destinados ao Sistema Único de Saúde. §1º São exigências para a realização de transferência voluntária, além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias: I – existência de dotação específica; II – (vetado); III – observância do disposto no inciso X do art. 167 da Constituição; IV – Comprovação, por parte do beneficiário, de: a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos; b) cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e saúde; c) observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal; d) previsão orçamentária. §2º É vedada a utilização de recursos transferidos em finalidade diversa daquela pactuada. ” 31

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3.1.3. Quanto à vinculação da aplicação

Quanto à vinculação na aplicação de tais recursos, ou seja, quanto à obrigatoriedade de tais recursos serem aplicados em determinados setores, os repasses podem ser classificados em condicionais ou incondicionais. Segundo Cosio, Mendes e Miranda (2008, p. 17), os repasses são incondicionados quando não estão vinculados a nenhum fim específico, podendo o ente recebedor aplicá-los conforme sua própria determinação. É o que ocorre, por exemplo, com a transferência da quota parte do ICMS pertencente aos Municípios (art. 158, inciso IV da Constituição). Por outro lado, os repasses são condicionados, ainda segundo Cosio, Mendes e Miranda (2008, p. 17), quando sua aplicação está vinculada a gastos em determinados setores, como os repasses da Cide-Combustíveis (art. 159, inc. III), cujos recursos deverão ser aplicados em projetos de infraestrutura de transportes (art. 177, §4º, II, c). Nessa categoria também se destacam os recursos destinados ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).

3.1.4. Quanto à exigência de contrapartidas

As exigências sem contrapartida (block grants) são aquelas que não vinculam os entes recebedores ao cumprimento de contrapartidas financeiras ao ente repassador. São, assim, repasses que aumentam a autonomia dos entes beneficiados, vez que, para poderem auferir essas receitas, não necessitam realizar nenhum controle fiscal, além daqueles normalmente exigidos de todos os governos (COSIO; MENDES; MIRANDA, 2008, p. 18). Os repasses com contrapartida (matching grants), são aqueles em que os recursos são repassados ao recebedor à medida em que ele realiza e efetiva certos compromissos fiscais ou administrativos (COSIO; MENDES; MIRANDA, 2008, p. 18).

3.2. Objetivos

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As transferências de recursos e a repartição da receita tributária possuem objetivos e funções diversas, tais como aumentar e garantir autonomia aos entes federados e permitir a atenuação das desigualdades regionais e sociais. No entanto, segundo Del Fiorentino (2010, p. 114), tais objetivos são meramente desejáveis, uma vez que o arranjo institucional e o embate de forças políticas no âmbito do pacto federativo impedem, que os mesmos sejam alcançados. Por outro lado, a presença de diferentes transferências e repartições da receita tributária podem gerar incentivos e consequências antagônicas de acordo com suas funções próprias. Isso acontece, por exemplo, quando uma transferência, com o fim de atingir certos níveis mínimos de investimento em determinadas políticas públicas, condiciona sua aplicação em determinados setores, o que acaba por diminuir a autonomia do ente federado em questão, por exemplo (COSIO; MENDES; MIRANDA, 2008, p. 10). A seguir será analisado os principais objetivos a serem alcançados com a repartição da receita tributária sob o ponto de vista do ordenamento jurídico nacional e conforme apresentado por Cosio, Mendes e Miranda (2008).

3.2.1. Preservação da autonomia dos entes federados

Segundo Horta (1964, p. 2), a autonomia dos entes federados é elemento fundamental do pacto federativo. Assim, a sua garantia, preservação e aprofundamento é a principal característica do estatuto jurídico-econômico da repartição da receita tributária no âmbito do federalismo brasileiro. No primeiro capítulo do presente trabalho foi analisado o conteúdo jurídicoconstitucional da autonomia dos entes federados a partir da análise das competências de cada ente em seus contornos relacionados à autonomia administrativa e autonomia legislativa. No segundo capítulo analisou-se a receita tributária como forma de repartição originária da receita tributária, o que contribui, parcialmente, para a preservação da autonomia financeira. No entanto, o exercício da competência tributária não é suficiente para que os entes federados aufiram os recursos necessários para a realização de suas responsabilidades. Nesse sentido, segundo Cosio, Mendes e Miranda (2008, p. 11), a transferência de recursos que não estejam condicionados à realização de contrapartidas ou vinculados à aplicação obrigatória em determinados setores torna-se a melhor maneira de aumentar a autonomia dos entes federados.

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Nesse caso, os governos subnacionais possuem o total controle do investimento a ser realizado com os recursos recebidos, podendo atender às necessidades públicas de acordo com as demandas públicas locais – sem a interferência do ente federado de maior abrangência – ao mesmo tempo em que não é obrigado à realização de certas contrapartidas, representadas normalmente como investimentos mínimos ou ajustes fiscais específicos (PRADO, 2007, p. 97). Um exemplo desse primeiro caso é o que ocorre com os recursos repassados pelo Fundo de Participação dos Estados (art. 159, inc.I CR), Fundo de Participação dos Municípios (art. 159, inciso I, alíneas b e d CR) e pela quota parte do ICMS repassado dos Estados para os Municípios (art. 158, inc. IV CR). Em todos esses casos o ente federado que recebe os recursos possui ampla liberdade para melhor alocar a receita transferida nas despesas que julgar mais importante, sem que o ente arrecadador e repassador interfira na alocação. Por outro lado, se houver a necessidade de se obter certos objetivos e metas, o nível de autonomia dos entes recebedores será menor, uma vez que, nesses casos, eles estão sujeitos à aplicação dos recursos recebidos em setores previamente determinados, seja pela legislação, seja diretamente pelo ente repassador. É o que ocorre, por exemplo, na transferência da CIDE-Combustíveis aos Estados e Municípios (art. 159, inc. III e §4º CR), que devem alocar tais receitas especificamente no financiamento de programas de infraestrutura de transportes (art. 159, inciso III c/c art. 177, §4º, inciso II, c). Segundo Cosio, Mendes e Miranda (2008, p. 10), a maior atribuição de autonomia aos entes federados de menor abrangência territorial para a realização de programas sociais e políticas públicas que efetivamente atendam à necessidade local está relacionada ao princípio da subsidiariedade. O princípio da subsidiariedade, em suma, estabelece que a prestação de serviços públicos pelo Estado deve se dar pelo ente governamental que esteja mais próximo ao cidadão usuário de tais serviços. Dessa maneira, somente quando essa esfera de governo mais próxima não for capaz de desempenhar suas atividades é que outra, de menor proximidade, deverá fazêlo. Baseia-se, assim, na afirmação da descentralização como forma de tornar efetivo as garantias e direitos fundamentais, sobretudo sociais e coletivos (BARACHO, 1995).

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Assim, ao se conferir maior independência na alocação dos recursos, arrecadados originariamente ou obtidos por meio de repartição da receita tributária, confere-se aos entes federados a possibilidade de atender às necessidades de sua população sem interferência do poder central. Segundo Gomes (2009, p. 84), a maior proximidade que os entes federados de menor abrangência, Estados e Municípios, possuem em relação aos cidadãos beneficiados pelas políticas públicas confere-lhes a possibilidade de conhecer suas necessidades e promover ações e serviços especializados e desenvolvidos especificamente para aquele público, garantindo, inclusive, a realização do princípio da eficiência, conforme previsto no art. 37, caput do texto constitucional. Não se trata, como visto, de autonomia ampla e irrestrita. De fato, em um Estado Constitucional de Direito, sobretudo naqueles com tendência ao Estado Social, como no caso brasileiro, não se pode afirmar que os entes federados possuem amplas liberdade na aplicação de recursos. Pelo contrário, a Constituição de 1988 prevê objetivos fundamentais a serem atingidos pela República32, sem considerar os direitos sociais33, que demandam, para sua efetivação, ações positivas por parte do poder público. Conclui-se, portanto, que a preservação e garantia das autonomias dos entes federados deve ser vista como instrumento para a efetividade dos direitos fundamentais, sobretudo os sociais e coletivos, e não como um fim em si mesmo. Tem-se, com isso, meios para que Estados e, sobretudo, os Municípios, conhecendo as necessidades locais, realizem a melhor alocação com o objetivo de atender à demanda local por determinadas políticas públicas. É esse o sentido principal, baseado nas prioridades constitucionalmente previstas, que deve animar a repartição da receita tributária em seu objetivo de preservar as autonomias dos entes federados.

3.2.2. Accountability

O termo inglês accountability é largamente utilizado nas análises relacionados ao federalismo e à repartição da receita tributária, embora não encontre tradução perfeita para o Art. 3º da Constituição da República Federativa do Brasil: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” 33 Art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” 32

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português. De fato, o termo possui uso tão amplo, abarcando inúmeras aplicações em diferentes contextos, que é difícil encontrar um único termo que traga a mesma ideia da expressão. Apesar disso, alguns autores relacionam a noção de accountability com “controle” ou “prestação de contas” (DEL FIORENTINO, 2010, p. 130). Até mesmo na doutrina estrangeira especializada encontra-se dificuldades para definir o termo com exatidão. Segundo Schedler (1999, p. 13) há, no entanto, o consenso de que accountability possui dupla dimensão. São eles awserability e enforcement. Para Schedler (1999, p. 15), a ideia de accountability como answerability está relacionada à obrigação do governo em fornecer respostas às questões da população, estando relacionado, portanto, ao acesso à informação das decisões governamentais, o que o poder público tem feito, e às explicações de tais decisões, porque o poder público escolheu tal determinada ação ou política. Trata-se, não apenas de promover a publicidade dos atos governamentais mas, também, de promover a transparência e diálogo entre o poder público e os cidadãos, estando relacionado, portanto, a um aspecto argumentativo e fortemente relacionada à ideia de controle do poder34. A outra dimensão, enforcement, está relacionada às punições, de natureza administrativa, civil e criminal, de agentes públicos que se desviaram dos princípios e regras aplicáveis às suas atividades. Assim, apresenta-se como complemento à dimensão anterior, pois visa garantir que atos ilegais sejam devidamente punidos, para que se crie os incentivos necessários para a manutenção da instituições (SCHEDLER, 1999, p. 17). No que se refere à situação brasileira, ainda que não seja utilizado esse termo, existem alguns mecanismos que se aproximam à noção de accountability e que, de certo modo, auxiliam em sua aplicação à repartição da receita tributária. Quanto à primeira dimensão, answerability¸ a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) e o controle realizado pelos conselhos gestores de políticas públicas, como os conselhos nacional, estaduais e municipais de saúde (previstos na Lei Geral do Sistema Único de Saúde, Lei 8.142/1990), permitem que haja controle, por parte da população, de parcelas das Nas palavras de Andréas Schedler “On the one side, exercising accountability therefore involves elements of monitoring and oversight. Its mission includes finding facts and generating evidence. On the other side, the norm of accountability continues the Enlightment’s project of subjecting power not only to the rule of law but also to the rule of reason. Power should be bound by legal constraints but also by the logic of public reasoning. Accountability is antithetical to monologic power. It establishes a dialogic relationship between accountable and accounting actors. It majes both parties speak and engages them both in public debate. It is therefore opposed not only to mute power but also to unilateral speechless controls of power.” (SCHEDLER, 1999, p. 15). 34

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despesas públicas em setores de interesse da sociedade civil organizada. Além disso, o próprio Tribunal de Contas exerce importante função no controle da repartição da receita tributária. Quanto à segunda dimensão, enforcement, a possibilidade de intervenção da União no Estado que deixar de entregar a seus Municípios as receitas tributárias previstas no texto constitucional (art. 34, inciso V, alínea b da Constituição) é uma forma de punição, ainda que seja direcionada não ao agente em si, mas ao ente federado. Outra forma seria a regulamentação restritiva da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2001), no caso de desrespeito a determinadas diretrizes relacionadas ao controle financeiro por parte dos entes recebedores. Além disso, as ações de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992) e alguns tipos penais, como o de peculato (art. 312 CP) exercem um controle do tipo sancionatório, ainda que pouco eficaz. No entanto, conforme Cosio, Mendes e Miranda (2008, p. 11) é urgente que se estabeleça mais mecanismos de accountability na gestão dos recursos da receita tributária transferidos no Brasil para que a população possa monitorar a maior ou menor eficiência nos gastos, a sua alocação em setores determinados e os resultados dos investimentos realizados. De fato, não é outra a motivação do federalismo além de, principalmente, aproximar o centro de decisão do local onde seus efeitos serão sentidos. Para isso, é imperativo a participação da população e a punição pela malversação dos recursos recebidos, dois objetivos que não tem sido realizado com êxito no Brasil.

3.2.3. Redistribuição regional

A diferenças regionais, que justificam a opção pela forma federativa de Estado nos diferentes países, também evidenciam, na maioria das vezes, a existência de graus diversos de desenvolvimento econômico e social entre os entes federados. Como consequência, a base arrecadatória das entidades componentes da Federação e a sua consequente capacidade de, autonomamente, suprir as demandas por ações e serviços públicos é variável (PRADO, 2007, p. 2). Isso é facilmente percebido no Brasil onde existe um claro descompasso econômico e social entre as regiões Norte e Nordeste e as regiões Sul e Sudeste. Foi observando tal realidade

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que a constituinte de 1988 previu como um dos objetivos fundamentais da República a redução das desigualdades regionais (art. 3º, inc. III). Segundo Prado (2007, p. 2), uma das formas de promover tal objetivo é, justamente, por meio da repartição da receita tributária a partir de mecanismos que transfiram recursos das regiões mais desenvolvidas para as regiões menos desenvolvidas. Deve-se, entretanto, atentar para o fato de que a igualdade a ser promovida, antes de se dar entre os diferentes entes da Federação, deve ser entre os cidadãos residentes nas diversas regiões. De fato, atenta contra a igualdade constitucionalmente assegura (art. 5º CR) o fato de que cidadãos residentes em um Estado mais rico possua melhores serviços públicos do que aquele residente em um Estado mais pobre (GOMES, 2009, p. 88). Nesse sentido, a repartição da receita tributária deve ter como característica a promoção da equalização dos níveis de qualidade das políticas públicas entre as diversas regiões do país, assegurando, também, que cada ente tenha a autonomia para realizar a alocação dos recursos recebidos no setor que julgar mais importante de acordo com suas peculiaridades locais – atendo-se às demandas coletivas no âmbito das políticas públicas. A redução das desigualdades inter-regionais por meio da repartição da receita tributária se coloca como expressão da cooperação que deve existir entre os entes federados para atingir os objetivos da república (art. 3º CR). Nesse sentido, Contipelli (2012, p. 370) afirma o caráter cooperativo do federalismo brasileiro, segundo o qual as unidades autônomas não atuam de forma rigidamente em separado mas, pelo contrário, de forma conjunta e coordenada, para responder devidamente às demandas sociais em prol dos interesses gerais da nação. Trata-se, assim, de forma de realização dos princípios da solidariedade e da lealdade constitucional no âmbito do pacto federativo. A solidariedade refere-se aos laços de interdependência mútua entre as pessoas componentes da Federação e que animam a própria formação do Estado Federal. Esse laço importa não apenas na realização de atividades conjuntas, na forma de consórcios públicos (Lei 11.107/2005), por exemplo, como também possui expressão na repartição da receita fiscal, com repasses dos entes federados mais ricos para os que possuem menor capacidade de arrecadação (CONTIPELLI, 2012, p. 370). A lealdade constitucional, conforme Contipelli (2012, p. 371), rege as relações entre os entes federados de um Estado, que devem exercer suas competências levando-se em consideração não somente os interesses territoriais próprios, mas também das demais unidades

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constitutivas e do próprio Estado como um todo. Assim, encontraria aplicação prática na atitude “altruísta” dos entes federados, que se comprometem mutuamente com o projeto constitucional de bem comum, que é refletido na homogeneização social e prestação de serviços públicos de qualidades mínimas em todo o território nacional. A esse respeito, apresenta-se relevante a forma por meio da qual se obtém o montante objeto de repartição e os critérios, qualitativos e quantitativos, a serem utilizados em sua repartição, uma vez que é deles que se terá a maior ou menor efetividade das transferências realizadas. Nesse sentido, para que se atinja os resultados esperados, a repartição da receita devem se dar conforme critérios que espelhem as condições socioeconômicos que melhor espelhem as condicionantes da análise, como renda per capita, índice de desenvolvimento humano e capacidade arrecadatória. Algumas deficiências têm sido apresentadas quanto à forma por meio da qual a repartição da receita tributária no Brasil tem sido desenvolvida. Del Fiorentino (2010, p. 121) aponta que uma deficiência na utilização da repartição tributária como forma de redução das desigualdades inter-regioais refere-se ao horizonte de análise de tais transferências. Segundo o autor, ao focar unicamente em desigualdade regionais elas deixam de oferecer soluções para desigualdades internas aos próprios entes federados, onde existem regiões de diferentes níveis de desenvolvimento (como ocorre com o Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais ou o Vale da Ribeira em São Paulo). Além de tal problema, outras se apresentam e se relacionam diretamente à própria autonomia dos entes federados. Ainda que se deva compreender os mecanismos de repartição da receita tributária como instrumentos de equalização entre regiões desiguais, Prado (2007, p. 109) aponta que elas podem ser responsáveis pela criação de incentivos contrários à plena autonomia dos entes federados. De fato, uma vez que os entes federados possuam a certeza de que irão receber recursos a título de transferências e repasses de receitas oriundos de outros entes, eles podem preferir não exercer suas competências tributárias e deixar de arrecadar tributos por si próprios, o que acabaria por aumentar a dependência dos entes federados recebedores em relação aos entes repassadores. Por esse motivo, é desejável que tais mecanismos tenham caráter transitório, ou seja, devem desaparecer ou tornar-se menos importantes, e determinantes para a sobrevivência

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financeira do ente federado, à medida em que o próprio desenvolvimento econômico permita que cada ente possua uma capacidade fiscal que os possibilite, por si próprio, financiar suas atividades e políticas públicas (PIRES, 2013, p. 178). Nesse sentido, conforme Contipelli (2012, 372), tanto a solidariedade quanto a lealdade constitucional, que inspiram a promoção de redução das desigualdades regionais, devem ser entendidas como meios para a promoção da autonomia federativa. Assim, tais princípios, ao mesmo tempo em que impõe a necessidade das transferências, impõe também a condição de que as mesmas não sejam eternas. Devem, por isso, permitir que, em médio ou longo prazo, as unidades constitutivas da Federação possam, por si só, financiar de modo independente seus encargos por meio da transição de uma condição de financeiramente dependente para uma condição autônoma, dotada de plena capacidade fiscal.

3.2.4. Redução da brecha vertical

Segundo Prado (2007, p. 6), em quase todas as federações assiste-se a tendência de concentração da arrecadação tributária nos governos centrais em detrimento dos governos subnacionais. No caso brasileiro, tal assimetria na capacidade de arrecadação de receitas, que tendem a se concentrar na União, não acompanha a atribuição de competências administrativas (materiais), que tendem a ser conferidas aos entes federados de menor abrangência territorial, sobretudo nos municípios. Tal diferença entre o volume de encargos e responsabilidades, principalmente no campo das políticas e serviços públicos, e a arrecadação de receita que cada ente possui para, de maneira autônoma, fazer frente a tais gastos é conhecido como brecha vertical (vertical gap) e é uma das principais razões da existência da repartição e transferências da receita tributária. A presença da brecha vertical é explicada por dois fatores. O primeiro diz respeito à atribuição dos principais tributos à competência tributária do ente central, o que é visto como necessário pela configuração própria do sistema tributário. Assim, os entes federados de menor abrangência territorial, que, diante da atual tendência de descentralização, passam a ter maiores responsabilidades e encargos administrativos, não podem financiar, com receitas próprias, suas atividades, necessitando, assim, de receitas arrecadadas por outras pessoas políticas (PRADO, 2007, p. 7).

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O segundo fato se relaciona a duas responsabilidades que o governo central assume, que é o de reduzir as disparidades horizontais de capacidade de gasto (equalização inter-regional), conforme visto no item anterior, e comandar certo montante de recursos a serem repassados para os governos subnacionais de forma seletiva e discricionária (PRADO, 2007, p. 7). Há, entretanto, argumentos econômicos que justifiquem a concentração de maior parte da competência arrecadatória nos governos centrais, bem como a atribuição de certas bases tributárias para governos locais. Segundo Gomes (2009, p. 84), a tributação sobre bases tributárias (fatos geradores) de maior mobilidade, como renda, capital e consumo, deve ser atribuída ao ente federativo de maior abrangência, uma vez que se ele for atribuído a algum ente federado de menor abrangência, a “base tributária” tenderá a se deslocar para um local com alíquotas menores. Outros fatores apontados por Gomes (2009) como determinantes no momento de atribuição da competência tributária é a distribuição das bases tributárias sobre o território nacional, uma vez que sua concentração em determinada região em detrimento das demais justifica a atribuição de competência para o ente federado de maior abrangência territorial, sob pena de acentuar as disparidades regionais. O Brasil é um típico caso de federação com forte tendência à descentralização administrativa mas com centralização na arrecadação tributária. De fato, a maior parte das políticas públicas cuja qualidade causa preocupação, como saúde, educação e segurança pública, são de responsabilidades principalmente de Estados e Municípios, que não possuem os recursos necessários para fazer frente a tais despesas. A União, por sua vez, acaba lançando mão não somente de sua maior competência para a instituição de impostos, mas também se utiliza da possibilidade de criar contribuições sociais como forma de aumentar sua arrecadação ao mesmo tempo em que cria mecanismos para desvincular as receitas obtidas com as contribuições dos fins que lhe deram origem, mediante a chamada Desvinculação de Receitas da União (DRU) (PRADO, 2007, p. 65). A DRU foi criada pela Emenda Constitucional n. 27/2000 que, alterando o art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, passou a desvincular de órgão, fundo ou

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despesa, vinte por cento da arrecadação dos impostos e das contribuições sociais, com a exceção constante do §1º do citado artigo35, inicialmente no período de 2000 a 2003. A Emenda Constitucional n. 42/2003, além de ampliar o prazo para 2007, passou a incluir na desvinculação as contribuições de intervenção no domínio econômico. O prazo foi ampliado novamente para 2011 (Emenda Constitucional n. 56 de 2007) e para 2015 (Emenda Constitucional 68 de 2011). Dessa forma, a União aumenta a arrecadação fiscal sem ampliar os repasses devidos a Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo a DRU apontada por Prado (2007, p. 93) como a responsável pelo aumento desenfreado da carga tributária e pela falência da gestão orçamentária nos últimos anos36. É nesse contexto que se desenvolve e se justifica a presença das transferências de receita tributária como forma de conferir a Estados e Municípios os recursos necessários para atendem aos encargos que lhes foram constitucionalmente atribuídos, promovendo o “fechamento” dessa brecha e a consequente tentativa de saneamento das finanças dos entes federados.

3.3. Repartição Direta

3.2.1. Os artigos 157 e 158 da Constituição

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Art. 76, §1º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com redação da Emenda Constitucional n. 68/2011: “O disposto no caput não reduzirá a base da cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, na forma do §5º do art. 153, do inciso I do art. 157, dos incisos I e II do art. 158 e das alíneas a, b e d do inciso I e do inciso II do art. 159 da Constituição Federal, nem a base de cálculo das destinações a que se refere a alínea c do inciso I do art. 159 da Constituição Federal.” 36 Segundo Sérgio Prado “A estrutura criada em 1988 deu origem a uma dinâmica perversa de expansão continuada da carga tributária, onde a expansão das receitas federais via contribuições, por serem estas vinculadas, leva a consequente expansão dos gastos sociais, sem qualquer possibilidade de uma efetiva gestão orçamentária. O Governo Federal não tem alternativa para ampliar sua receita. A elevação continuada da arrecadação de contribuições, contudo, não resolve o problema dos demais gastos federais que estão fora do orçamento da seguridade social. Para ganhar um pouco de flexibilidade neste sentido, foi criada a DRU, um mecanismo pelo qual 20% das receitas totais federais ficam livres de quaisquer vinculações. Para cada cinco reais adicionais arrecadados pelas contribuições, quatro são retidos nos gastos sociais, e um é liberado para atender às demais despesas do orçamento federal. Esta dinâmica perversa tem como resultado a virtual falência do conceito de orçamento público federal no país. Não existe mais a possibilidade de uma efetiva discussão sobre prioridades orçamentária, e da discussão equilibrada dos recursos entre as diversas necessidades. Entre as principais consequências desta expansão desproporcional do financiamento social está o abandono do investimento público em áreas cruciais como infraestrutura e segurança pública. ” (PRADO, 2007, p. 93)

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Os artigos 157 e 158 regulamentam a repartição direta da receita tributária destinada aos Estados e Distrito Federal e aos Municípios, respectivamente. De acordo com o art. 157 do texto constitucional, pertencem aos Estados e ao Distrito Federal cem por cento do produto da arrecadação do IR incidentes na fonte sobre os rendimentos pagos por eles e por suas autarquias e fundações e vinte por cento do produto da arrecadação do imposto que for instituído pela União no exercício da competência atribuída pelo art. 154, inciso I (imposto residual). Pelo art. 158, inciso I CF pertencem aos municípios cem por cento do IR incidente sobre os rendimentos pagos por eles, suas autarquias e fundações; no inciso II do mesmo artigo há a previsão de que cinquenta por cento do produto da arrecadação do ITR relativamente aos imóveis neles situados pertencem aos municípios, cabendo cem por cento quando o município optar por realizar sua fiscalização e cobrança, na hipótese referente ao art. 153, §4º, inciso III da Constituição. Pelo disposto no art. 158, inciso III, pertence aos municípios cinquenta por cento do produto da arrecadação do IPVA incidente sobre veículos automotores licenciados em seus territórios. A Lei Complementar n. 63, de 11 de janeiro de 1990, dispõe em seu artigo 2º que esse repasse deve ser feito automaticamente no momento em que houver a arrecadação37.

3.2.1.1. Quota-parte do ICMS aos Municípios

O inciso IV do artigo 159 dispõe que pertence aos municípios vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do ICMS, sendo no mínimo três quartos na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços realizados no território do município e até um quarto, de acordo com o que dispuser a lei do ente federado em questão. O art. 161, inciso I prevê que a definição de valor adicionado, para fins da repartição descrita, deverá ser realizada mediante lei complementar, o que foi feito na Lei Complementar n. 63/1990. Segundo esta, em seu artigo 3º, §1º, o valor adicionado pode ser obtido por duas

Art. 2º da Lei Complementar 63/1990: “50% do produto da arrecadação do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores licenciados no território de cada Município serão imediatamente creditados a este, através do próprio documento de arrecadação, no montante em que esta estiver sendo realizada.” 37

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maneiras. A primeira se dá por meio do cálculo que apura o valor das mercadorias que saíram do município acrescido do valor relativo aos serviços ali prestados, deduzindo-se desse resultado o valor relativo às mercadorias que entraram no mesmo município, em cada ano civil. A segunda maneira é aplicada aos casos em que há tributação simplificada ou que dispensem controle de entrada, quando o valor agregado corresponde a 32% da receita bruta. O art. 3º, §2º dispõe a respeito dos critérios a serem considerados no cálculo do valor agregado, que compreende basicamente as operações e prestações que constituam fato gerador do ICMS, mesmo quando o pagamento for antecipado ou diferido, ou quando o crédito for diferido, reduzido ou excluído devido a isenção, incentivo ou favores fiscais. Também serão computadas as operações imunes ao ICMS. A mesma lei, no art. 3º, §§3º ao 10º, dispõe a respeito da forma de apuração do montante da receita do ICMS a ser repassada a cada município. Em linhas gerais, o Estado irá apurar a relação percentual entre o valor adicionado em cada município e o valor total arrecadado pelo ICMS, devendo publicar, até o dia 30 de junho do ano em que estiver sendo apurado, o índice a ser utilizado para a entrega das parcelas do referido imposto pertencente a cada um de seus municípios. Tal índice deve corresponder à média dos índices apurados nos dois anos anteriores à apuração. Posteriormente, os municípios terão um prazo de trinta dias para apresentar impugnações aos dados e índices publicados, sendo que estas deverão ser julgadas no prazo de sessenta dias a partir da primeira publicação. Por fim, após decididas as impugnações, o Estado deverá publicar nova lista, agora definitiva, com os índices a serem utilizados no repartição a que se refere o comando do art. 158, inciso IV da Constituição. Nesse processo, os municípios têm direito ao livre acesso às informações e documentos utilizados pelo Estado no cálculo dos índices. Assim, o art. 6º prevê a possibilidade de os municípios acompanharem a arrecadação do ICMS realizada em seus territórios, preservandose as competências legislativas e fazendárias do Estado na atividade arrecadatória38.

Art. 6º da Lei Complementar 63/1990: “Art. 6º - Os Municípios poderão verificar os documentos que, nos temos da lei federal ou estadual, devam acompanhar as mercadorias em operações de que participem produtores, indústrias e comerciantes estabelecidos em seus territórios; apurada qualquer irregularidade, os agentes municipais deverão comunica-la à repartição estadual incumbida do cálculo do índice de que tratam os §§3º e 4º do art. 3º desta Lei Complementar, assim como à autoridade competente. §1º - Sem prejuízo do cumprimento de outras obrigações a que estiverem sujeitos por lei federal ou estadual, os produtores serão obrigados, quando solicitados, a informar, às autoridades municipais, o valor e o destino das mercadorias que tiverem produzido. §2º - Fica vedado aos Municípios apreender mercadorias ou documentos, impor penalidade ou cobrar quaisquer taxas ou 38

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O art. 4º da mesma lei complementar dispõe que no momento da arrecadação do ICMS, 25% será imediatamente depositado ou remetido à uma conta aberta em estabelecimento oficial de crédito de titularidade conjunta de todos os Municípios do Estado. Tal depósito deverá ser realizado automaticamente pelos agentes fazendários, sob pena de responsabilidade pessoal. O artigo 5º prevê que até o segundo dia útil de cada semana, o estabelecimento de crédito entregará, a cada município, a parcela que a este pertencer e que tenha sido depositado na semana imediatamente anterior na conta bancária referida anteriormente. O pagamento de tais recursos fora do prazo fica sujeito a atualização monetária de 1% ao mês, conforme parágrafo único do artigo 10. A não entrega dos valores devidos a cada município sujeita os estabelecimentos oficiais de crédito às sanções e penalidades na forma do 9º da Lei e abre a possibilidade de os Estados sofrerem intervenção, na forma dos art. 34 da Constituição e 10 da Lei Complementar 63/90.

3.2.2. Repasse da CIDE-Combustíveis

O art. 159, inciso III da Constituição, dispõe que a União entregará 29% do produto da arrecadação da CIDE-Combustíveis, prevista no art. 177, §4º do texto constitucional, para Estados e Distrito Federal. Desse montante, cada Estado deverá entregar 25% para seus municípios, conforme regulamentação legal. Tal repasse deve ser utilizado no financiamento de programas de infraestrutura de transportes (art. 177, §4º, inc. II, alínea c). A Lei nº 10.336/2001, que instituiu a CIDE-Combustíveis, trata, em seus artigos 1º-A e 1º-B a respeito da repartição da receita auferida pela arrecadação de tal contribuição. O artigo 1º-A estabelece que os valores a serem repassados devem ser calculados sobre a totalidade da arrecadação, incluindo os adicionais referentes a juros e multas moratórias cobradas judicial e administrativamente, deduzidas as parcelas especificadas no art. 8º da mesma lei (que versa sobre a possibilidade de dedução do valor da CIDE pago na importação

emolumentos em razão da verificação de que trata este artigo. §3º - Sempre que solicitado pelos Municípios, ficam os Estados obrigados a autorizá-lo a promover a verificação de que tratam o caput e o §1º deste artigo, em estabelecimentos situados fora de seus territórios. §4º - O disposto no parágrafo anterior não prejudica a celebração, entre os Estados e seus Municípios e entre estes, de convênios para assistência mútua na fiscalização dos tributos e permuta de informações.”

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ou comercialização no mercado interno dos valores da contribuição para o PIS e COFINS dos produtos especificados no art. 5º da lei). O repasse é feito trimestralmente, até o oitavo dia útil de cada mês subsequente ao do encerramento do trimestre, mediante crédito em conta vinculada no Banco do Brasil (art. 1º-A, §1º). O critério da repartição (art. 1º-A, §2º) é de 40% proporcionalmente à malha viária federal e estadual existente em cada Estado e no Distrito Federal (conforme estatística do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT), 30% proporcionalmente ao consumo dos combustíveis sobre os quais há incidência da CIDE (conforme estatísticas da Agência Nacional de Petróleo – ANP), 20% proporcionalmente à população (conforme apuração do Instituto Nacional de Geografia e Estatística – IBGE) e 10% distribuídos em parcelas iguais entre os Estados e o Distrito Federal. O Tribunal de Contas da União é o responsável por realizar o cálculo dos percentuais de participação dos Estados e do Distrito Federal (art. 1º-A, §4º), conforme o cronograma especificado na legislação, e pela publicação dos coeficientes devidos a cada ente. Os Estados e o Distrito Federal podem apresentar recursos para retificar o valor publicado. Os repasses aos Estados e ao Distrito Federal será realizado com base nos percentuais publicados pelo TCU levando-se em consideração as propostas de programa de trabalho para utilização de tais recursos. Tais propostas devem conter os projetos de infraestrutura de transporte a ser realizado pelos entes federados, os respectivos valores unitários e totais e os cronogramas financeiros (conforme disposto no art. 1º-A, §7º CR). A lei ainda estabelece limitações e restrições no uso de tais recursos (art. 1º-A, §10). A primeira limitação é a inclusão das receitas e a previsão das despesas na lei orçamentária do ente federado em questão, e a segunda é a vedação da utilização de tais recursos para outros fins que não sejam aqueles especificados no programa de trabalho apresentado ao Ministério dos Transportes. Para tanto, os entes recebedores de tais recursos deverão encaminhar ao Ministério dos Transportes relatório contendo os demonstrativos de execução orçamentária e financeira dos citados programas de trabalho (art. 1º-A, §11). O descumprimento de tal programa enseja a possibilidade de o Poder Executivo determinar a suspensão do saque dos valores da conta vinculada da respectiva unidade federativa até a regularização da pendência (art. 1º-A, §13).

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O art. 1º-B dispõe sobre como serão feitos os repasses do Estados aos seus respectivos municípios do percentual de 25% do total recebido. O §4º do art. 159 da Constituição da República prevê que lei federal deve regulamentar a forma por meio da qual será feita tal destinação. Em sua ausência ela deverá ser feita com base no parágrafo primeiro do art. 1º-B da mesma Lei 10.336. Assim, 50% será proporcionalmente aos critérios previstos na regulamentação da distribuição do Fundo de Participação dos Municípios e 50% proporcionalmente à população, conforme apuração pelo IBGE. A participação de cada município será calculado pelo TCU (art. 1º-B, §2º), sendo que o saque dos respectivos valores está vinculado à inclusão das receitas e previsão das despesas na lei orçamentária municipal. Segundo Del Fiorentino (2010, p. 198), as deficiências de tal transferências estão relacionados sobretudo à falta de critérios objetivos para se verificar a qualidade dos investimentos realizados por meio do programas de trabalho de cada ente federado e à pulverização representada pelo repasse para os municípios39.

3.2.3. Repasse do IOF-Ouro

O art. 153, em seu §5º prevê que, quando o ouro for utilizado como ativo financeiro, sobre ele haverá a incidência exclusiva do IOF, devido na operação de origem. A totalidade do produto auferido em tal arrecadação deverá ser repassado aos Estados e Municípios onde ele teve sua origem, na proporção de trinta e setenta por cento, respectivamente, A Lei 7.766/1989 dispõe sobre o tratamento tributário do ouro e prevê, em seu artigo 1º, quando ele será considerado como um ativo financeiro40, casos em que a alíquota incidente será de um por cento (art. 4º).

Segundo Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino: “Nesse seguimento (infraestrutura de transportes), não é difícil aferir indicadores de qualidade das estradas e a quantidade de investimentos realizados, em comparação ao montante transferido. Assim, como forma de incentivar a aplicação responsável e consciente desses valores, poder-se-ia estabelecer critérios de premiação nas diversas regras de rateio, que poderiam levar em consideração a qualidade da malha viária de cada estado, bem como sua ampliação em relação ao ano anterior.” e “como 25% da distribuição da CIDE se dá em escala municipal, essa pulverização de recursos reduz a disponibilidade de verbas para ações que requerem uma escala de atuação maior. O repasse para os Municípios deveria ser repensado, tendo em vista que seria muito mais proveitoso, em termos de eficiência de aplicação dos recursos, que a gestão desse numerário ficasse integralmente nas mãos dos Estados e do Distrito Federal.” (DEL FIORENTINO, 2010, p. 198) 40 Art. 1º da Lei 7.766/1989: “O ouro em qualquer estado de pureza, em bruto ou refinado, quando destinado ao mercado financeiro ou à execução da política cambial do País, em operações realizas com a interveniência de 39

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Pelo artigo 11, parágrafo único, da citada lei, o produto de tal arrecadação é repassado mensalmente ao Estado e ao Município onde o ouro foi produzido. Quando ele tiver origem no exterior, a sua origem, para fins de repasse, será considerada no local onde ele entrou no território brasileiro. Tais recursos não estão vinculados à necessária aplicação em gasto ou despesa pública específica, sendo, portanto, responsável por garantir a autonomia do ente federado em promover a aplicação de seus recursos conforme suas peculiaridades e necessidades locais. Da mesma maneira, não pode a União contingenciar ou reter o repasse de tais recursos.

3.4. Participação direita: fundos de participação

Fundos públicos são reservas, em dinheiro ou bens, cujo montante é afetado a determinada função e possuem definição legal no art. 71 da Lei 4.320/196441. Os fundos podem ser divididos em fundos de destinação, que possuem suas receitas vinculadas a determinada finalidade, e fundos de participação, que é a reserva de valores a serem distribuídos entre determinadas pessoas jurídicas sendo, por isso, forma de repartição indireta da receita tributária. Os fundos públicos são, assim, um conjunto especial de recursos que recebem tratamento especial pelo Direito, e não possuem, dessa maneira, nem personalidade jurídica nem personalidade judiciária (OLIVEIRA, 2005, p. 220). A personalidade jurídica consiste, basicamente, na aptidão genérica de ser titular de direitos e deveres. É o que permite às pessoas físicas e jurídicas atuarem, celebrando atos e negócios jurídicos, na defesa de interesses próprios, interferindo na esfera jurídica de outrem. Tais conceitos são estranhos aos fundos uma vez que, pelo ordenamento jurídico eles são objetos, ou seja, é sobre eles que recaem os interesses das pessoas jurídicas.

instituições integrantes do Sistema Financeiro nacional, na forma e condições autorizadas pelo Banco Central do Brasil, será, desse a extração, inclusive, considerado ativo financeiro ou instrumento cambial. §1º - Enquadra-se na definição deste artigo: I – o ouro envolvido em operações de tratamento, refino, transporte, depósito ou custódia, desde que formalizado compromisso de destiná-lo ao Banco Central do Brasil ou à instituição por ele autorizada. II – as operações praticadas nas regiões de garimpo onde o ouro é extraído, desde que o ouro na saída do Município tenha o mesmo destino a que se refere o inciso I deste parágrafo.” 41 Art. 71 da Lei 4.320/1964: “Art. 71 – Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.”

56

Pelas mesmas razões os fundos não possuem personalidade judiciária, ou seja, não podem atuar na relação jurídico-processual, seja como autor, seja como réu42. Os fundos de participação utilizados para a repartição da receita tributária previstos na Constituição em seu artigo 159 são o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e os Fundos de Financiamento do Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro-Oeste (FCO). Outros fundos são previstos em outros artigos, como, por exemplo, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNEB), previsto no art. 212 da CR e no art. 60 do ADCT. O presente trabalho, no entanto, irá analisar unicamente aqueles previstos no art. 159, com ênfase nos dois primeiros (FPE e FPM), pela sua importância no contexto geral da repartição da receita tributária no Brasil.

3.2.1. Fundo de Participação dos Municípios

O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) possui previsão constitucional no art. 159, inciso I, alíneas b e d da Constituição e se constitui como uma das principais transferências de recursos para os Municípios. O FPM foi instituído em 1965 por meio da Emeda Constitucional nº 18/1965, que determinava que 20% da arrecadação do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) fossem redirecionados metade para o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e metade para o Fundo de Participação dos Municípios. Inicialmente a repartição se dava da forma da Lei n. 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN), que estabelecia um coeficiente individual de participação por município, definido de acordo com faixas populações. Mais tarde, com o Ato Complementar n. 35/1967, os recursos passaram a ser direcionados de acordo com dois grupos. Parte dos recursos (10%) seria repassado às capitais de acordo com o fator representativo da população de cada município

Segundo Regis Fernandes Oliveira “a corrente que entenda da inexistência, seja da personalidade jurídica, seja de personalidade judiciária é a correta. Em primeiro lugar, os Fundos não são titulares de direitos, nem sujeito de obrigações. Ser pessoa jurídica significa ser centro de imputação normativa, isto é, ter vontade, praticar atos, interferir no centro imputativo de outra pessoa jurídica, poder firmar contratos, ir a juízo, etc. Nada disso faz o fundo. De outro lado, não pratica atos jurídico e, pois, não pode ser sujeito ativo ou passivo em relação processual (...) O Fundo é neutro. Não tem direito. Não cria deveres. Nada. ” (OLIVEIRA, 2005, p. 220) 42

57

em relação às capitais e o fato representativo do inverso da renda per capita do respectivo Estado. O restante dos recursos, 90%, seria repassado aos demais municípios. O Decreto-Lei n. 1.881/1981, além de alterar a tabela de coeficientes dos municípios não capitais, previu uma nova modalidade, denominada de Reserva do Fundo de FPM, composto por municípios com população acima de 156.217 habitantes. A esse grupo foram destinados 4% dos recursos previstos às capitais, além daqueles destinados a municípios não capitais. A Constituição de 1988 representou significativo aumento na participação de Estados e Municípios na arrecadação tributária federal uma vez que, pelo disposto no art. 159 CR, 46% da receita arrecada via IR e IPI é destinado ao FPE e ao FPM. A regulamentação do FPM se dá, sobretudo, por meio das Leis Complementares n. 62, de 28/12/1989 e Lei Complementar n. 91, de 22/12/1997, com as respectivas alterações. Estabelece o artigo constitucional que da arrecadação do IPI e do IR 23,5% será objeto de repartição por meio do FPM, sendo que desses valores 10% será destinado às capitais, 86,4% aos municípios do interior e 3,6% ao Fundo de Reserva, destinado aos municípios do interior com mais de 142.633 habitantes (art. 3º da LC n. 91), que também participam da distribuição referentes aos 86,4% dos recursos citados anteriormente. O cálculo das quotas e a fixação dos coeficientes de participação de cada município na receita tributária repassada por meio do FPM é de competência do Tribunal de Contas da União, que utiliza as informações recebidas pelo IBGE. A determinação do valor a ser transferido às capitais, 10% do total repassado, se dá a partir de dois fatores, o populacional o da renda per capita do Estado a qual a capital pertence, conforme art. 4º da LC n. 91 e art. 91, §1º do CTN. O fator populacional é obtido por meio do cálculo43 da relação entre a população da capital em questão e o total da população de todas as capitais. Ao resultado de tal operação aplica-se o fator previsto no art. 91, §1º, alínea a do Código Tributário Nacional (tabela 1). Tabela 1 – Cálculo do fator populacional do FPM destinado às capitais

43

O cálculo dos montantes referentes ao FPM é explicitado pelo Tribunal de Contas da União no documento O que você precisa saber sobre transferências Constitucionais e Legais. Fundo de Participação dos Municípios – FPM, disponível em:

58

Percentagem que a população da entidade

Fator

participante representa da população total do país Até 2%

2,00

Acima de 2% até 2,5%

2,50

Acima 2,5% até 3,0%

3,00

Acima 3,00% até 3,5%

3,50

Acima de 3,5% até 4,0%

4,00

Acima de 4,0% até 4,5%

4,50

Acima de 4,5%

5,0

Fonte: Lei nº 5.172/1966 – Código Tributário Nacional

O fator renda per capita, de acordo com o art. 91, §2º do CTN e o art. 2º da Lei Complementar n. 62/1989, com redação dada pela Lei Complementar n. 143/2013, corresponde ao resultado centesimal do cálculo obtido pela divisão da renda per capita nacional pela renda per capita do Estado da capital em questão. A esse valor, aplica-se o fator previsto no art. 90, caput do CTN (tabela 2). Tabela 2 - Cálculo do fator renda per capita do FPM destinado às capitais Inverso do índice relativo à renda per

Fator

capita da entidade recebedora Até 0,0045

0,4

Acima de 0,0045 até 0,0055

0,5

Acima de 0,0055 até 0,0065

0,6

Acima de 0,0065 até 0,0075

0,7

Acima de 0,0075 até 0,0085

0,8

Acima de 0,0085 até 0,0095

0,9

Acima de 0,0095 até 0,0110

1,0

Acima de 0,0110 até 0,0130

1,2

Acima de 0,0130 até 0,0150

1,4

Acima de 0,0150 até 0,0170

1,6

Acima de 0,0170 até 0,0190

1,8

Acima de 0,0190 até 0,0220

2,0

59

Acima de 0,0220

2,5

Fonte: Lei n. 5.172/1966 – Código Tributário Nacional

O coeficiente de cada capital é o resultado do fator populacional vezes o fator renda per capita. O percentual total dos 10% do FPM a ser repassado às capitais, portanto, é obtido dividindo seu coeficiente pelo somatório dos coeficientes de todas as capitais. O art. 4º da Lei Complementar n. 91 assegurou que as capitais irão receber, no mínimo, o mesmo coeficiente atribuído no exercício de 1997, sendo que os ganhos adicionais estão sujeitos ao redutor financeiro previsto no art. 2º, §1º do mesmo diploma legal. Tais critérios são expressados nas seguintes tabelas. No que se refere à participação dos municípios do interior nos 86,4% do FPM que lhes compete, em observância ao art. 5º da LC n. 6244, a Resolução n. 242/1990 do Tribunal de Contas da União dispôs a respeito da participação diferenciada de que cada Estado tem direito na distribuição dos recursos do FPM (tabela 3). Assim, inicialmente verifica-se qual a porcentagem do FPM a ser distribuído para o Estado em questão, de acordo com a referida tabela. Tabela 3 – Participação de cada Estado no total da distribuição do FPM destinado aos municípios do interior Estado

Participação %

Acre

0,2630

Alagoas

2,0883

Amapá

0,1392

Amazonas

1,2452

Bahia

9,2695

Ceará

4,5864

Espírito Santo

1,7595

Goiás

3,7318

Maranhão

3,9715

Mato Grosso

1,8949

Mato Grosso do Sul

1,5004

Art. 5º da Lei Complementar n. 62/1989: “O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos Fundos de Participação e acompanhará, junto aos órgãos competentes da União, a classificação das receitas que lhes dão origem.” 44

60

Minas Gerais

14,1846

Pará

3,2948

Paraíba

3,1942

Pernambuco

4,7952

Piauí

2,4015

Rio de Janeiro

2,7379

Rio Grande do Norte

2,4324

Rio Grande do Sul

7,3011

Rondônia

0,7464

Santa Catarina

4,1997

São Paulo

14,2620

Sergipe

1,3342

Tocantins

1,2955

Fonte: Resolução TCU nº 242/1990 Posteriormente, utiliza-se a população do município em questão para, utilizando a tabela constante do Decreto 1.881/1966 (tabela 4), ratificado pela Lei Complementar n. 62/1989, extrair um coeficiente, que será dividido pela soma dos coeficientes de todos os municípios do Estado. O resultado será o percentual individual que o referido município terá sobre o total da receita repassada ao Estado – apurada conforme a tabela anterior. Tabela 4 – Coeficientes por faixa de habitantes para cálculo da participação no FPM devida aos municípios do interior Faixa de Habitantes

Coeficiente

Até 10.188

0,6

De 10.189 a 13.584

0,8

De 13.585 a 16.980

1,0

De 16.981 a 23.772

1,2

De 23.773 a 30.564

1,4

De 30.357 a 37.356

1,6

De 37.357 a 44.148

1,8

De 44.149 a 50.940

2,0

De 50.941 a 61.128

2,2

61

De 61.129 a 71.316

2,4

De 71.317 a 81.504

2,6

De 81.505 a 91.692

2,8

De 91.693 a 101.880

3,0

De 101.881 a 115.464

3,2

De 115.465 a 129.048

3,4

De 129.049 a 142.632

3,6

De 142.633 a 156.216

3,8

Acima de 156.216

4,0

O valor referente à reserva, a que municípios com mais de 142.633 habitantes possuem direito (art. 3º da LC 91/1997) é igual ao utilizado para as capitais. O fator população é obtido pela relação entre a população do município em questão e a soma da população de todos os municípios que possuem direito a esse montante. Do resultado de tal operação extrai-se o fator utilizando-se a mesma tabela (tabela 1). Todos os municípios de um mesmo Estado possuirão o mesmo fator renda per capita, uma vez que ele é calculado para o Estado, sendo que seu valor é dado, também, pela mesma tabela utilizada para as capitais (tabela 2). De acordo com o art. 6º, parágrafo único da Lei Complementar n. 62/1989, havendo criação de novos municípios, o TCU faz a revisão da participação de todos os municípios do Estado em questão, reduzindo proporcionalmente suas participações no FPM transferido àquele Estado de modo a conferir ao novo município participação nos recursos repassados45. A Emenda Constitucional n. 55/2007 aumentou em 1% o montante da arrecadação do IPI e do IR a ser repassado para os municípios. Esses valores devem ser entregues até o primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano. Tal mudança se deve após pressão do movimento de prefeitos e tem sido destinado, quase em sua totalidade, para o pagamento do décimo terceiro salário dos servidores públicos municipais.

Segundo Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino: “Os coeficientes dos novos Municípios serão somados aos dos já existentes, aumentando o somatório de coeficientes do Estado. Como a participação do Estado na cota global do FPM do Estado permanece a mesma e o somatório de coeficientes aumenta, a cota individual diminui. Ou seja, visto que a participação estadual na quota global do FPM é fixa e o número de participantes aumenta, a quota individual de todos diminui. Assim, para assegurar recursos do FPM aos novos Municípios de um determinado Estado, as parcelas devidas aos demais Municípios existentes naquele Estado são reduzidas proporcionalmente, não afetando os de outros Estados.” (DEL FIORENTINO, 2010, p. 173). 45

62

3.4.2. Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal

Com origens remotas na Constituição de 194646, o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) recebeu esse nome a partir da Emenda Constitucional n. 18, de 1 de Dezembro de 1965 e era formado inicialmente por 10% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, descontados os incentivos fiscais vigentes na época, além de restrições e outras deduções referentes a tais impostos. Atualmente, a previsão do FPE se dá no art. 159, inciso I, alínea a da Constituição de 1988, tendo sido recepcionada a regulamentação da matéria feita pelos artigos 88 a 90 do Código Tributário Nacional. A regulamentação exigida pelo art. 161, inc. II47 do texto constitucional se fez pela Lei Complementar n. 62, de 28 de dezembro de 1989. A Lei Complementar n. 62 dispunha que dos recursos repassados via FPE, 85% deveria ter como destino estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, cabendo os outros 15% aos estados do Sul e Sudeste. Assim, utilizando-se dos critérios da superfície territorial, população e renda per capita de cada estado, critérios estabelecidos no art. 88 do CTN, a lei trazia em seu anexo uma tabela (Tabela 5) de coeficientes que, multiplicados pelo montante total repassado, determina os recursos que deveriam ser distribuídos a cada ente recebedor. Tabela 5 – Coeficientes de participação previstos originariamente para o FPE Ordem

Unidade da Federação

Coeficiente

1

Acre

3,4210

2

Alagoas

4,1601

3

Amapá

3,4120

4

Amazonas

2,7904

5

Bahia

9,3962

6

Ceará

7,3369

Art. 15, §2º da Constituição de 1946: “A tributação de que trata o n. III terá a forma de imposto único, que incidirá sobre cada espécie de produto. Da renda resultante, sessenta por cento no mínimo serão entregues aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, proporcionalmente à sua superfície, população, consumo e produção, nos termos e para os fins estabelecidos em lei federal. ” 47 Art. 161, inc. I da Constituição da República: “Art. 161. Compte à lei complementar: II – estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio econômico entre Estados e Municípios.” 46

63

7

Distrito Federal

0,6902

8

Espírito Santo

1,5000

9

Goiás

2,8431

10

Maranhão

7,2182

11

Mato Grosso

2,3079

12

Mato Grosso do Sul

1,3320

13

Minas Gerais

4,4545

14

Pará

6,1120

15

Paraíba

4,7889

16

Paraná

2,8832

17

Pernambuco

6,9002

18

Piauí

4,3214

19

Rio de Janeiro

1,5277

20

Rio Grande do Norte

4,1779

21

Rio Grande do Sul

2,3548

22

Rondônia

2,8156

23

Roraima

2,4807

24

Santa Catarina

1,2798

25

São Paulo

1,0000

26

Sergipe

4,1553

27

Tocantins

4,3400

Total

100,0000

Fonte: Lei Complementar n. 62, de 28 de dezembro de 1989 Os coeficientes fixados na Lei Complementar 62, conforme era disposto no art. 2º, §2º em sua redação original, deveriam ser substituídos em 1992 por outros, que deveriam estar embasados nos novos dados apurados em 1990. Essa, no entanto, não foi editada e, por vários anos, sucessivas leis prorrogaram a vigência dos coeficientes ali previstos, postergando os critérios estabelecidos no início da década de 90, mesmo diante do já inexistente quadro fático que deu suporte às disposições originárias.

64

Tem isso em vista, foram propostas quatro ações diretas de inconstitucionalidade48 contestando a constitucionalidade dos parâmetros de rateio estabelecidos na Lei Complementar n. 62 e a omissão do Congresso Nacional em promover a regulamentação da matéria em conformidade com as novas condições de desenvolvimento de Estados e Municípios. Os proponentes das ações defendiam que os critérios estabelecidos em 1989 não mais refletiam a realidade socioeconômica desses entes, estando em desacordo com o disposto no art. 161, inc. II da Constituição. O Supremo Tribunal Federal julgou conjuntamente as quatro ações declarando a inconstitucionalidade do art. 2º, incisos I e II, §§1º, 2º e 3º e do Anexo Único da Lei Complementar n. 62/198949. Segundo o STF, os citados dispositivos não eram mais propícios à realização do imperativo constitucional de promover o equilíbrio sócio econômico entre Estados e Municípios. Na oportunidade o STF manteve a vigência da lei até 31 de dezembro de 2012, prazo dado para que o Congresso Nacional editasse nova regulamentação, adaptando-a à nova realidade enfrentada pelos entes federados. A nova regulamentação, no entanto, só se fez com a Lei Complementar 143, de 17 de julho de 2013. A nova lei previu que os coeficientes individuais previstos no anexo da Lei Complementar n. 62 seria aplicado até 31 de dezembro de 2015 (art. 2º, inc. II). A partir de 1º de janeiro de 2016 cada ente federado irá receber valor igual ao que foi distribuído no ano anterior corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor e por 75% da variação real do Produto Interno Bruto nacional do ano anterior (art. 2º, inc. III). Caso a parcela a ser distribuída superar o montante calculado conforme o inciso II do art. 2º, os recursos serão distribuídos em conformidade com coeficiente de participação que será calculado levando-se em consideração a participação relativa da população do ente federado

48

A ADI nº 875/1993, proposta pelo Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a ADI nº 1.987/1999, proposta pelo Mato Grosso e Goiás, a ADI nº 2.727/2002, proposta pelo Mato Grosso do Sul e ADI nº 3.243/2004, proposta, novamente, pelo Mato Grosso. 49 “Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI n.º 875/DF, ADI n.º 1.987/DF, ADI n.º 2.727/DF e ADI n.º 3.243/DF). Fungibilidade entre as ações diretas de inconstitucionalidade por ação e por omissão. Fundo de Participação dos Estados - FPE (art. 161, inciso II, da Constituição). Lei Complementar nº62/1989. Omissão inconstitucional de caráter parcial. Descumprimento do mandamento constitucional constante do art. 161, II, da Constituição, segundo o qual lei complementar deve estabelecer os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados, com a finalidade de promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes federativos. Ações julgadas procedentes para declarar a inconstitucionalidade, sem a pronúncia da nulidade, do art. 2º, incisos I e II, §§ 1º, 2º e 3º, e do Anexo Único, da Lei Complementar n.º 62/1989, mantendo sua vigência até 31 de dezembro de 2012.” (ADI nº 19.87, Rel. Min. Gilmar Mendes)

65

recebedor diante da população nacional e a participação relativa do inverso da renda per capita domiciliar do ente beneficiário na soma dos inversos da renda domiciliar per capita (art. 2º, inciso III). Importante inovação trazida pela lei está prevista no §3º do art. 2º, que dispõe a respeito da atualização dos dados de população e de renda per capita domiciliar de cada ente federado. De fato, o FPE, enquanto instrumento de atenuação das desigualdades regionais, só poderá atingir seu objetivo se ele levar em consideração dados econômicos e sociais, não apenas para conceber melhores formas de atingir o objetivo mas, também, para analisar se ele tem sido eficiente em seus objetivos. Os recursos do FPE, a princípio, não estão vinculados a nenhum gasto específico, o que contribui para o aumento da autonomia dos entes federados. No entanto, em conformidade com o art. 60, inc. II do ADCT, 20% da receita repassada está vinculada ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico e de Valorização do Magistério (FUNDEB). No entanto, ainda com essa vinculação, os entes federados possuem ampla liberdade para aplicação dos recursos obtidos por meio do FPE. A independência de fatores políticos nos critérios de distribuição, uma vez que esses já estão predefinidos e são amplamente conhecidos, contribuem para aumentar a autonomia que os entes federados recebedores possuem na alocação dos recursos.

3.4.3. Fundos Constitucionais para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste

O Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) e o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) possui previsão no art. 159, inciso I, alínea c da Constituição da República que dispõe que 3% do produto da arrecadação do IPI e do IR será destinado à aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo dessas três regiões. O financiamento se dará, conforme a previsão do mesmo artigo, por meio de instituições financeiras e de acordo com planos regionais de desenvolvimento, sendo que caberá ao semiárido nordestino metade dos recursos destinados à região.

66

Pelo disposto no art. 4º da Lei 7.82750, de 27 de setembro de 1989, os recursos não serão destinados aos entes federados diretamente, mas diretamente ao setor produtivo, que deverão aplicar os recursos em conformidade com o Plano de Desenvolvimento Regional e com as diretrizes do art. 3º da citada lei51. Além do produto da arrecadação do IPI e do IR, o art. 6º dispõe que o FCO, o FNO e o FNE, são compostos pelos retornos e resultados de suas aplicações, pelo resultado da remuneração dos recursos não aplicados, pelas contribuições, doações, financiamentos e recursos de outras origens, por recursos concedidos por entidades de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiras e por dotações orçamentais ou outros recursos previstos em lei. Desse total, 0,6% será destinado ao FNO, 1,8% para o FNO e 0,6% para o FCO. Trata-se de mecanismo de parceria entre o setor privado e o Estado como forma de promover a atenuação das desigualdades regionais não por meio de programas sociais mas por meio de atividades produtivas realizadas pelo setor privado. De fato, tem-se se visto nos últimos anos iniciativas crescentes de parceria entre a Administração Pública e a iniciativa privada como forma de se atingir o interesse público. A Constituição da República, art. 170, ao considerar que a ordem econômica está baseada no trabalho e na iniciativa, dispõe, em seu inciso VII, que ela deve perseguir a redução das desigualdades sociais e regionais. Os fundos constitucionais para o Centro-Oeste, Norte e Art. 4º da Lei 7.827: “São beneficiários dos recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste os produtores e empresas, pessoas físicas e jurídicas, além das cooperativas de produção, que desenvolvam atividades produtivas nos setores agropecuário, mineral, industrial, agroindustrial, de empreendimentos comerciais e de serviços das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, de acordo com as prioridades estabelecidas nos respectivos planos regionais de desenvolvimento.” 51 Art. 3º da Lei 7.827: “Art. 3° Respeitadas as disposições dos Planos Regionais de Desenvolvimento, serão observadas as seguintes diretrizes na formulação dos programas de financiamento de cada um dos Fundos: I concessão de financiamentos exclusivamente aos setores produtivos das regiões beneficiadas; II - ação integrada com instituições federais sediadas nas regiões; III - tratamento preferencial às atividades produtivas de pequenos e miniprodutores rurais e pequenas e microempresas, às de uso intensivo de matérias-primas e mão-de-obra locais e as que produzam alimentos básicos para consumo da população, bem como aos projetos de irrigação, quando pertencentes aos citados produtores, suas associações e cooperativas; IV - preservação do meio ambiente; V adoção de prazos e carência, limites de financiamento, juros e outros encargos diferenciados ou favorecidos, em função dos aspectos sociais, econômicos, tecnológicos e espaciais dos empreendimentos; VI - conjugação do crédito com a assistência técnica, no caso de setores tecnologicamente carentes; VII - orçamentação anual das aplicações dos recursos; VIII - uso criterioso dos recursos e adequada política de garantias, com limitação das responsabilidades de crédito por cliente ou grupo econômico, de forma a atender a um universo maior de beneficiários e assegurar racionalidade, eficiência, eficácia e retorno às aplicações; IX - apoio à criação de novos centros, atividades e pólos dinâmicos, notadamente em áreas interioranas, que estimulem a redução das disparidades intra-regionais de renda; X - proibição de aplicação de recursos a fundo perdido. XI - programação anual das receitas e despesas com nível de detalhamento que dê transparência à gestão dos Fundos e favoreça a participação das lideranças regionais com assento no conselho deliberativo das superintendências regionais de desenvolvimento; XII - divulgação ampla das exigências de garantias e outros requisitos para a concessão de financiamento.” 50

67

Nordeste tem como objetivo, ao repartir a receita tributária, possibilitar que, por meio da atividade produtiva e da geração de renda, se obtenha a atenuação das desigualdades. Assim, segundo Del Fiorentino (2010, p. 179), o financiamento do setor produtivo dessas regiões, além de permitir a atenuação das desigualdades, aumenta a produtividade econômica, eleva a arrecadação tributária e melhora a distribuição de renda. Alguns autores, no entanto, apontam algumas deficiências nesses repasses, como o fato deles serem destinados para empreendimentos em áreas já privilegiadas, não atingindo de modo prioritária os estados ou municípios mais pobres. Como forma de solucionar tal questão, apontase a destinação dos recursos não para o setor produtivo mas para investimentos em infraestrutura, o que reduziria as desvantagens comparativas dos estados menos desenvolvidos em relação ao Sul e Sudeste (DEL FIORENTINO, 2010, p. 181).

3.5. Repartição do IPI-Exportação

O art. 159, inciso II da Constituição da República prevê que a União entregará dez por cento da arrecadação do IPI aos Estados e Distrito Federal, proporcionalmente às suas exportações de produtos industrializados. Tal repasse consiste em compensação a Estados e ao Distrito Federal em função da desoneração das importações, o que acabou afetando a arrecadação do ICMS, de competência desses entes federados, e é regulamentado pela Lei Complementar n. 61 de 1989. O §1º do art. 1º da citada lei dispõe que o repasse será feito levando-se em consideração a origem da exportação (com a ressalva do §2º do mesmo artigo 52) e o conceito de produtos industrializados previsto em lei complementar. O §4º do mesmo art. 1º reproduz regra constante da Constituição da República (art. 159, §2º CR) segunda a qual o limite que cada ente federado pode receber está limitado a vinte por

Artigo 1º, §2º da Lei Complementar n. 61: “Para os fins do inciso I do §1º desta Lei Complementar [do art. 1º] dessa Lei Complementar, na hipótese de a operação interestadual anterior à exportação ter sido realizada ao abrigo de isenção, total ou parcial, do imposto de que trata a alínea b do inciso I do art. 155 da Constituição Federal, será considerada a unidade federada de origem, ou seja, aquela onde teve início a referida operação interestadual.” 52

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cento do montante transferido. O excedente será distribuído entre as demais unidades federativas na mesma proporção de suas participações. Há, ainda, a previsão do §3º do art. 159 que prevê o repasse aos municípios de vinte e cinco por cento do total recebido pelos Estados.

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CONCLUSÃO Nesse trabalho demonstrou-se que o Federação procura conciliar a necessidade de coesão necessária a todo Estado e a autonomia política das diversas regiões que o compõe. Dessa forma, prevê a coexistência de diferentes níveis de produção normativa, cada qual um âmbito material de validade específico. A cada nível de governo é dado competência para legislar, nos limites de seu território, a respeito de determinadas materiais, bem como prover, por meio da atividade administrativa, determinados serviços. Tais competências, que se encontram no âmago do federalismo, podem ser mais ou menos dilatadas. É a partir da análise da distribuição das competências entre os níveis de governo que é possível auferir o maior ou menor nível de descentralização e, consequentemente, os contornos próprios de cada modelo de federação. No caso do Brasil, a Constituição de 1988 utilizou-se dos critérios de interesse predominante. Assim, à União foi atribuído competência para administrar e legislar sobre assuntos de interesse nacional, ao Estados sobre assuntos de interesse regional e aos Municípios assuntos de interesse local. No entanto, as autonomias administrativas, legislativas e governamentais dos entes federados devem ser acompanhadas pela autonomia financeira dessas mesmas pessoas políticas. De fato, sem os recursos necessários e suficientes para cobrir as suas despesas na realização das responsabilidades e encargos que lhes foram constitucionalmente determinados, é impossível que eles atuem de modo autônomo. Nesse sentido, dois mecanismos podem ser utilizados. O primeiro é a atribuição da competência tributária, por meio do qual os entes federados obtêm receitas de modo originário. Assim, a Constituição de 1988 atribuiu parcela a cada esfera de governo uma parcela do poder tributário, dotando-os da atribuição de instituírem impostos, taxas e contribuições de melhoria (art. 145 CR). Na maioria das vezes, no entanto, os entes federados não conseguem auferir os recursos necessários para cobrir todas as suas despesas. Isso se deve, como se viu, devido à atribuição de competências tributárias mais dilatadas à União à própria distribuição dos fatos tributáveis no território da Federação, que se concentram nos estados mais ricos, onde há, por consequência, maior arrecadação.

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Assim, a repartição das receitas tributárias entre os entes da federação se coloca como instrumento fundamental na preservação do pacto federativo. Essa repartição, como visto, visa atender à uma quádrupla função: (i) preservar as autonomias dos entes federados; (ii) promover a atenuação das desigualdades regionais; (iii) possibilitar ao aumento da accountability e (iv) reduzir a brecha vertical. É nesse sentido que a Constituição prevê mecanismos de repartição direta e indireta da receita. A repartição direta é feita por meio de devoluções tributárias, quando o ente federado arrecadador repassa parcela, ou a totalidade, da receita auferida no território de um ente federado menor. É o que ocorre, por exemplo, na transferência de parcela do ICMS dos Estados aos municípios onde houve a ocorrência do fato gerador (art. 158, inc. IV CR) ou da transferência aos Estados e Municípios da totalidade da receita auferida mediante a tributação do ouro pelo IOF (art. 153, §5º CR). Por outro lado, a repartição indireta é aquela realizada por meio de fundos público financeiros de participação, destacando-se o Fundo de Participação dos Estados, Fundo de Participação dos Municípios e os Fundos Constitucionais para o Norte, Nordeste e CentroOeste. Ao longo do trabalho procurou-se evidenciar que o principal objetivo da atividade financeira do Estado é a realização de serviços públicos que deem efetividade aos direitos fundamentais, sobretudo os direitos sociais. Assim, a interpretação constitucionalmente adequada da repartição da receita tributária é aquela que permite que cada ente federado realize, com autonomia, seus encargos no campo das políticas públicas. Dessa maneira, os repasses constitucionais obrigatórios devem ser interpretados como instrumentos relevantes na promoção dos objetivos da república, conforme delineados no art. 3º da Constituição.

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