\"DA SIMPLES ABNEGAÇÃO DE CIDADÃOS\": SERVIÇO PÚBLICO E O JUDICIÁRIO OITOCENTISTA (2017)

May 23, 2017 | Autor: Vanessa Spinosa | Categoria: History, Social History, Siglo XIX
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“DA SIMPLES ABNEGAÇÃO DE CIDADÃOS”: SERVIÇO PÚBLICO E O JUDICIÁRIO OITOCENTISTA Vanessa Spinosa (Departamento de História/UFRN) Palavras-chaves: judiciário, cidadania, patriotismo

O bacharel pernambucano José Nicoláo Tolentino de Carvalho era o presidente da província do Rio Grande do Norte, em 1877. Durante aquele ano, ele lidou com uma seca extenuante, que assolou a região e deveria dar conta deste e de outros problemas na gestão provincial. Ainda assim, ao relatar1 à Assembleia sobre o funcionamento do sistema judiciário avaliou que apesar das dificuldades que ainda se anotam ao cabal desempenho das importantes funções das autoridades policiais, é força confessar, que alguma coisa tem-se conseguido, devendo-se esse resultado a simples abnegação de cidadãos que, sem a mínima recompensa, de bom grado aceitam tão espinhoso cargo2.

Uma fala otimista, talvez. Sobretudo, uma construção discursiva que faz refletir sobre alguns aspectos importantes sobre o judiciário e a cidadania durante o Segundo Reinado no Brasil. Este artigo busca refletir sobre o que seria, para os administradores do Império, o serviço dos agentes da justiça para o sistema. Afinal, o que os ministros, chefes de polícia e presidentes locais, entendiam como a árdua tarefa de, mesmo em más condições, seguir servindo ao templo da justiça3? A construção do discurso desses homens era, em realidade, uma ampla defesa de posição a ser demarcada no sistema administrativo, para a magistratura e para o judiciário. A uns, a eleição pela carreira era um fardo e, a outros, era uma missão que somente o espírito patriótico poderia justificar. Enquanto se sustentava um discurso sobre a intenção desvirtuosa em ingressar no sistema visando uma promoção política, partidária ou privada, havia quem

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O acesso aos relatórios ministeriais da justiça e aos relatórios provinciais do Rio Grande do Norte e da Paraíba do Norte citados neste artigo: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES. Brazilian Government Documents. Disponível em: A escrita da época também foi atualizada para as citações que seguem. 2 RELATÓRIO provincial do Rio Grande do Norte, 1877, p.7-8. 3 RELATÓRIO Ministério da Justiça, 1867, p. 17. As seguintes citações serão feitas apenas como RELATÓRIO.

entendesse que nem esta justificativa poderia ser considerada, dados os deveres e o peso que era o ato de servir à justiça. Portanto, cabe-nos pensar que, ainda que os cargos da justiça fossem uma chamada promissora ao desenvolvimento pessoal, visando uma ascensão social e política no Império, eles certamente eram uma aposta complexa para a guinada tão esperada de cada um dos indivíduos. Ao ser nomeado, o cidadão, homem, com alguma posse, eleitor e com bons antecedentes estava correndo riscos reais. E esta foi a nuance que mais nos chamou a atenção4. Pois, ocupar os cargos do judiciário poderia ser uma pena e não necessariamente uma conquista. Segundo os administradores das províncias periféricas a que nos detivemos, Rio Grande do Norte e da Paraíba do Norte, era possível entender que aceitar aos postos do sistema de justiça era o mesmo que eleger ingressar em uma ação missionária. E, missionário porque patriótico. Aliás, vale salientar, esse discurso ou esta interpretação sobre os cidadãos que atuavam no judiciário não era um enunciado localizado, isolado. Os ministros da justiça, em diversos anos durante o Segundo Reinado, reiteravam sobre as condições materiais e sociais a que os homens da justiça estavam submetidos, quando serviam à coroa. Segundo eles, somente o cidadão com a noção do dever patriótico justificaria sua permanência nos cargos, servindo ao judiciário. Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, ministro em 1857, explicava em relatório que, as funções de delegado e de subdelegado eram um pesado dever outorgado aos cidadãos. Segundo ele, “uma polícia que se confiava duros deveres só se justificaria pelo patriotismo” 5. Assim, a abnegação dos cidadãos era uma das grandes armas argumentativas para explicar o ingresso no serviço público, na justiça oitocentista. Conforme o presidente do Rio Grande do Norte, as funções policiais existiam na sua gestão, graças à abnegação. Portanto, os traços de uma consciência cidadã apareciam. Ao mesmo tempo em que se entende que a aceitação do cargo correspondia a uma tarefa espinhosa, sua missão se tornaria ainda mais digna de ser ressaltada e elogiada. O que o dr. Tolentino de Carvalho emitia era uma crítica velada às condições materiais no exercício das atribuições dos agentes da justiça. Era como se o emblema do mártir cristão se corporificasse nos cidadãos que acediam aos cargos policiais do sistema. Esta argumentação se completava com a do ministro Pereira de Vasconcelos anos antes, em 1857. Na ocasião, ele explanava à 4

Esta discussão faz parte do trabalho doutoral Vocação para a justiça: o serviço público como missão cidadã (Brasil 1840-1889), apresentado pela autora à Universidade de Salamanca, no ano de 2016. 5 RELATÓRIO, 1857, p. 10.

Assembleia: “é não querer ver as coisas como realmente são, é cerrar os olhos à experiência, a mais clamorosa”6. Querer um cargo público ou rechaçá-lo poderia ter uma série de motivações. Aqui, os ministros e presidentes abraçavam a causa, justificando esse movimento. Esta ideia expressa pelos administradores, coopera para que entendamos que quando os potenciais elegíveis aceitavam os postos, não tinham condições materiais e estruturais para assumi-los, conforme estava idealizado no Código do Processo. E, quando faltavam interessados nos lugares vagos, havia um discurso compreensível por parte dos líderes, pois o estado não tinha recursos atrativos para mantê-los nos ofícios designados. Como entender o ingresso destes homens, que já haviam visto outros colegas, vizinhos, compadres passarem pela mesma experiência e, ainda assim, seguirem ao chamado governamental? Ainda que os relatórios locais e nacionais não tragam muitas especificações sobre as causas do interesse ou desprezo pelos cargos no judiciário, o que podemos depreender a partir de suas argumentações, é que quem aceitava a empreitada e seguia os comandos do poder central era considerado alguém abnegado. Era uma liderança perseverante e resistente. Mas, então, servir localmente, como chefe de polícia ou juiz municipal, era uma questão de abnegação? Era preciso perseverar e resistir ao quê, se eles estavam nos mais distintos rincões do país para representar a maior autoridade constituída no Império? A leitura, feita pelos administradores, é importante para que entendamos qual o papel cidadão que eles notavam e tomavam como fato destacado na análise sobre o desenvolvimento do braço da justiça para o Império. Senão, observemos a descrição que o ministro Parananguá fazia em 1859. Segundo ele, as funções policiais estavam muito bem representadas nas províncias do Império, afinal, “nota-se um movimento geral e enérgico contra o crime e seus autores, e os resultados não são de se desdenhar” 7. Este profícuo resultado, sendo explanado em tom enaltecedor, não recaía sobre o papel do estado, sobre sua própria administração ou por conta da plena organização e reconhecimento do poder central. Segundo o João Lustosa da Cunha, o mérito dos bons resultados daquele ano devia-se a personagens específicos: os chefes de polícia têm conseguido vencer pela perseverança, mais de uma resistência e se tivessem força que os auxiliasse, muito mais teriam obtido, apesar da repugnância que geralmente se nota para servir cargos policiais 8. 6

RELATÓRIO, 1857, p. 10. RELATÓRIO, 1859, p. 11. 8 RELATÓRIO, 1859, p. 11. 7

Aqui, novamente percebemos que, além de uma tentativa de demarcar os chefes locais de polícia como os sujeitos mobilizadores das ações de combate ao crime, o ministro também deixava sua crítica ao sistema. Além de só haver um bom funcionamento policial, graças a pessoas perseverantes e que entendiam o seu papel (importante) na sociedade, também a falta de postos ocupados era outra realidade, porque o que se oferecia era insuficiente. Não era atrativo ser da força policial, aliás poderia ser repugnante, segundo ele. Portanto, ao personalizar os méritos e generalizar os descréditos, ele deixava claro seu posicionamento sobre o aparato estatal judiciário. E essa lógica, como visualizamos já tanto em plano local como no nacional, estava impregnada de constantes análises sobre o papel do estado para manter os seus como aliados no progresso da gestão pública. Por outro lado, quem aceitava o serviço no judiciário era o cidadão. E isso se reforçava nos pronunciamentos. Mesmo sabendo do ônus, ele assumia o cargo e manejava as atribuições requeridas, apesar das condições materiais e organizativas que lhes dava o sistema judiciário. Ainda que estes homens falassem para e pelo estado, inclusive o criticando, para o Império a propaganda seguiria sendo positiva. O cidadão elogiável era o exemplo ideal para o serviço público. Aliás, sustentamos que o ato de ingressar no sistema de justiça imperial teria precisamente a faceta de projetar o próprio estado para dentro de si. Era a saída pedagógica do Império, portanto. Era a oportunidade em que “o indivíduo aprendia que os valores do poder público deveriam ser preservados e ele tinha um papel importante nisso” 9. E, também nesse sentido, se garantia a consciência do papel cidadão e de seu exercício. Ainda que árduo, se nos basearmos nas falas dos administradores. Aceitar ingressar no sistema judiciário e seguir servindo ao estado, apesar de ser uma penosa tarefa, era sinal de comprometimento com a causa pública. Portanto, existia a imagem de um cidadão que entendia seu dever patriótico. Apesar da repugnância, isto é, dos riscos, há agentes que policiam o estado. Termos como perseverança, apesar das dificuldades, abnegação entravam no vocabulário dos ministros e presidentes provinciais sempre associados a uma exaltação que chamavam de dever patriótico ou missionário. Esse cariz místico, pois os que entendiam sua função social e cidadã só poderia ser alguém com iluminações divinais, não esteve fora da lógica bacharelesca durante o período imperial.

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MATOS, Hebe. “Nação e cidadania nos jornais cariocas da época da Independência: o Correio do Rio de Janeiro como estudo de caso”. In: CARVALHO, J M.; NEVES, L. M. B P. das.(orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos. Cidadania, política e liberdade, p. 216.

Eduardo Spiller, em Pagens da Casa imperial: jurisconsultos e escravidão no Brasil do século XIX10, traz essa dimensão também. Em outra esfera, na do Instituto dos Advogados do Brasil, ele observou que, ao tratarem os advogados, muitos com cargos políticos também, sobre a criação da instituição, sempre faziam ligações claras sobre as ideias de sacerdócio, abnegação, soldados de Cristo, fiéis entre outras, que dialogavam com as categorizações aqui expostas, pelos administradores da justiça. Estas associações estavam diretamente coligadas, também, ao comportamento exemplar ou positivo destes cidadãos, quando no corpo judiciário do Império. Desse modo, ainda vale frisar, tais homens da abnegação conformavam o papel exemplar da rareza, da exceção. Tanto que a construção do discurso ministerial sempre ia no sentido de valorar, de apontar atuações como quase que episódicas do que seria um servidor patriótico da justiça. E, é importante analisar, tal visão não estava restrita aos postos médios da hierarquia judiciária. Senão, observemos o que o ministro Martiniano de Alencar ponderava em 1868. Segundo ele, os eleitos para o exercício da magistratura “sentem-se oprimidos na esfera acanhada de uma profissão árida e inglória”11. E, por isso, “é mister muito civismo e virtude para formar tantos magistrados respeitáveis(…)” 12. Neste caso especialmente, a sua interpretação era de que o constante traslado dos magistrados pelo país trazia para a classe um “espírito de instabilidade, prejudicial à boa administração da justiça” 13. Assim, ele justificava tanto o elogio aos que ingressavam no sistema, como também apontava as críticas que justificavam o entendimento de que assumir postos era ter a consciência de que passariam por uma era de pesado encargo, com reconhecimento ínfimo ou, para usar sua expressão, inglório. Para seguirmos a construção deste discurso em via local também, voltemos à fala dos presidentes. O barão de Mamanguape, em 1861, presidia a província da Paraíba do Norte. Ele, tratando sobre a força pública local, avaliava os vários aspectos do peso, da missão que considerava inglória. Personificando os elogios ao chefe de polícia, balizava que a exceção de um ou outro termo, d’uma ou outra freguesia, a polícia na província não é feita do modo que era pra desejar, apesar dos esforços do digno chefe de polícia, que por sua parte tem sempre dado inequívocas provas de dedicação à causa pública: não obstante ela vai prestando os

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SPILLER, Eduardo. Pajens da Casa Imperial: jurisconsultos e escravidão no Brasil do século XIX. Tese de doutorado. Campinas: UNICAMP, 1998. 11 RELATÓRIO, 1868, p. 81. 12 Idem. p. 87. 13 Idem. p. 99.

serviços, que se pode obter de um funcionalismo pobre, e sem a menor recompensa, nem mesmo da honorífica14.

Portanto, esta fala do barão sobre a Paraíba do Norte, nos dá diversas nuances sobre o porquê da valorização das exceções patrióticas que eles encontravam durante seus mandatos. O presidente sinalizava, primeiramente, que havias raras localidades onde se poderia contar com um funcionamento ideal de polícia, ou seja, raros eram os espaços em que a justiça operava com material humano e estrutural eficiente. Dentro deste quadro, como foi de praxe com os demais relatores, ele ressaltava que a chefia de polícia, ainda dentro deste quadro caótico, entendia o que era a causa pública. Aqui, não discutiremos se o chefe de polícia era aliado político do presidente, haja visto que dificilmente este dado iria se revelar nas fontes em que nos debruçamos. Porém, o que nos vale pontuar aqui é que, ao tentar destacar a exceção à regra, o barão de Mamanguape reafirmava a ideia de que era necessário uma consciência cidadã para dar suporte a um serviço que não lhe traria muitos louros. Aliás, segundo o presidente, nem recompensa, nem honrarias, o que tentava ele próprio fazer, quando mostrava que o “digno chefe de polícia, que por sua parte tem sempre dado inequívocas provas de dedicação”. A prova de dedicação à causa pública era o sinal de que o sobredito chefe entendia qual era a sua missão e dela não se eximia, apesar de a polícia não ter os braços necessários para uma atuação ideal. O exercício da justiça era uma faceta, portanto, do exercício da cidadania. Era a consciência de sua função social para o funcionamento das forças de legitimidade e de proteção de sua liberdade e do direito à justiça. Portanto, se a cidadania pressupõe uma relação dos indivíduos com o estado, este exercício cidadão não estaria apenas no poder de eleger-se, de votar, ou de ser um jurado nos bancos do sistema judiciário, como se sustenta. Pelos vistos, havia todo um discurso que legitimava a ideia de que servir ao sistema, como carcereiro, delegado ou juiz fazia parte, também, de um ato de cidadania. A participação desses sujeitos sociais nos veios da instituição forjava, sim, um estreitamento das relações e operavam na internalização dos valores concernentes ao poder público. Quiçá toda essa construção de um organismo judiciário estivesse nutrido, também, por uma consciência cidadã. As queixas pela falta de preparo, sobre os erros cometidos no exercício dos cargos, fazia parte da trilha destes homens da lei, em seus 14

RELATÓRIO provincial da Paraíba do Norte. Exposição, 1861, p. 6.

aprendizados sobre o sistema e o que ele representava. Portanto, pelo que se pode notar, menos do que homens de posses nas raias da justiça, que mais pareciam manipuladores da ordem cooptando com ela para conseguir mais poderes, o que aparece aqui é uma versão dos agentes da justiça que queriam, sim, fortalecer suas posições sociais e políticas, porém também entendiam que na escolha pelo cargo lhe poderia advir uma série de pesares que estavam dispostos a cumprir. O discurso patriótico e elogioso dos administradores poderia ser uma compensação pela dedicação desvantajosa destes sujeitos ao judiciário? Sim. Porém, o traço essencial é perceber que a própria adesão dos chamados cidadãos nos quadros da justiça requeria uma compactuação com o plano estatal, que não se trataria apenas de seus interesses privados. Ainda, vale lembrar, que a interpretação e a versão que os dirigentes políticos e do judiciário davam sobre as atuações árduas e missioneiras destes homens, eram os seus olhares sobre o que entendiam acerca das ações cidadãs dentro do sistema de justiça. E, nesse sentido, todas as práticas destes agentes que conseguimos sinalizar, apontaram para mais uma faceta do que deveria ser uma consciência cidadã. Confome Carvalho, se a cidadania é concebida como a maneira pela qual as pessoas se relacionam com o estado, não há porque excluir de seu estudo o cumprimento de seus deveres cívicos como o serviço militar no Exército, Armada e na Guarda Nacional. O cumprimento desses deveres requer contatos estreitos com as instituições e autoridades do estado e certamente contribui para a internalização de valores, positivos ou negativos, referentes ao poder público.15

Havia, claro, a possibilidade de estes homens nomeados e encarregados exercer a justiça em vários rincões do país, mas não entenderem da mesma forma que os administradores expunham e interpretavam. Não estamos negando que a construção desta figura cidadã poderia ser uma versão vinda de cima. Porém, ainda que não totalmente 16, como não pensar que a cidadania também não fora constitutiva desta mesma maneira? Tenhamos em conta que, enquanto os ministros e presidentes locais entendiam que as atuações dos agentes da justiça sinalizavam um ato missionário ou o cumprimento de seu dever cidadão, por outro lado, havia também uma enorme quantidade de casos em que estes funcionários usavam de várias estratégias para sair de uma chamada inglória. Sinal de que 15

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania: tipos e percursos. Estudos Históricos, n. 18, 1996. p. 341-342. Para entender sobre o percurso da cidadania no Brasil no contexto da independência e do Primeiro Reinado Cf. PEREIRA, Vantuil S. 'Ao Soberano congresso': petições, requerimentos, representações e queixas à câmara dos deputados e ao senado – os direitos do cidadão na formação do estado imperial brasileiro (1822-1831). Tese de Doutorado (História). Niterói, UFF, 2008. 16

nem todos cooptavam por esta manifestação patriótica. E o mais importante, sinal de que esses homens usavam tanto da lei como de outras estratégias, como a omissão e o silêncio para se negar a cumprir o que seria o chamado à cidadania 17. E, por outra parte, conforme o presidente provincial da Paraíba do Norte ressaltava, o ofício inglório, como o da magistratura, fazia parte da ação civilizadora 18. Tendo em conta todas as estratégias governamentais em prol da adesão de mais braços para implementar esse efeito civilizador no Brasil, também há uma outra reflexão inevitável. A missão civilizatória passaria, em primeiro plano, na organização interior de seus membros colonizadores da ilustração, da civilização. Mas, em realidade, as frentes governamentais foram diversas. Passava pela educação, preparando esse sujeito desde a simples leitura de um documento até a formação prática ou acadêmica nas ciências jurídicas; pelo incentivo material, com suporte financeiro, apoio à carreira, com algum plano de evolução interna na magistratura ou plano de aposentadorias; pela criação de instituições que reforçassem a importância de ser bacharel, como o Instituto dos Advogados do Brasil. Era importante que a internalização do que é civilização se impregnasse aos agentes do sistema. E então, conscientes de sua missão patriótica, poderiam acudir aos lugares. Afinal, como lembrou Araújo Lima, se não houvesse um suporte material e de pessoal necessários, “tropeços aparecerão à ação civilizadora”19. Podemos perceber como era fundamental a estrutura material e humana da justiça, através de várias perspectivas analíticas dos administradores da justiça. Ao contrário do que a historiografia do direito e da história do Brasil havia lidado com o tema das condições sociais e materiais dos agentes da justiça, não possibilitaram que várias facetas do movimento deste sistema fosse balizado de forma mais minuciosa. As condições salariais, o perfil do empregado público, a cultura local e a relação muito menos impositiva do estado com os agentes, mais voltada à negociação, apareceram no cruzamento entre a visão macro, a nacional, e a regional e local, com os relatórios. Era necessário atrair esses bacharéis formados todos os anos pelas Faculdades de Direito brasileiras. Era preciso convencê-los de que era vantajoso servir à justiça. E, sobretudo, era imprescindível ao Império que a civilização fosse levada através da justiça para todos os sertões, como símbolo do poder centralizador. Mas, para tanto, um longo caminho deveria ser percorrido pelo estado do Brasil. A missão civilizatória, via justiça, 17

Para esta discussão Cf. SPINOSA, Vanessa. Vocação para a justiça: o serviço público como missão cidadã (Brasil 1840-1889), Tese de Doutorado (História). Salamanca: Universidade de Salamanca, 2016. 18 RELATÓRIO provincial da Paraíba do Norte, 1863, p. 08. 19 Ibdem.

demandava maiores seduções por parte do poder central aos bacharéis. E esta tarefa, talvez, não tenha sido cumprida com o êxito idealizado pelos gestores nacionais.

Referências Bibliográficas CARVALHO, J M.; NEVES, L. M. B P. das.(orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos. Cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania: tipos e percursos. Estudos Históricos, n. 18, p. 337-360, dez. 1996. ISSN 2178-1494. Disponível em: . Acesso em: 25 Out. 2016. PEREIRA, Vantuil S. 'Ao Soberano congresso': petições, requerimentos, representações e queixas à câmara dos deputados e ao senado – os direitos do cidadão na formação do estado imperial brasileiro (1822-1831). Tese de Doutorado (História). Niterói: UFF, 2008. SPILLER, Eduardo. Pajens da Casa Imperial: jurisconsultos e escravidão no Brasil do século XIX. Tese de doutorado (História). Campinas: UNICAMP, 1998. SPINOSA, Vanessa. Vocação para a justiça: o serviço público como missão cidadã (Brasil 1840-1889). Tese de doutorado (História). Salamanca: Universidade de Salamanca, 2016.

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