DA TEORIA SOCIAL E DO MÉTODO SOCIOLÓGICO FRENTE À INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

August 24, 2017 | Autor: Luciano Abade | Categoria: Social Sciences, Ciências Sociais, Epistemologia
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DA TEORIA SOCIAL E DO MÉTODO SOCIOLÓGICO FRENTE À INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

Luciano dos Santos Abade [email protected]

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo fazer uma breve análise acerca da correlação existente entre a teoria social e a pesquisa científica, seus métodos e sua efetividade em produzir conhecimento científico que reflita a realidade social. A teoria social surge da necessidade racional do homem em compreender a si mesmo e o contexto no qual está inserido. A sustentar a teoria social está a investigação cientifica, calcada no método científico sociológico, que difere daquele utilizado nas ciências duras, vez que se trata de método reflexivo, que ao mesmo tempo em busca investigar as relações e interações sociais, culturais e de linguagem, está sujeito a sofrer modificações durante o processo de investigação pelo próprio conhecimento.

Abstract: The aim of the current work is provide a short analysis about the relation between the social theory and the scientific research, the methodology used and its effectiveness in producing scientific knowledge, which reflects the social reality. The social theory arises from the rational necessity of Man to comprehend itself and its environment. The scientific investigation underpins the social theory, which is based on the scientific sociological method, and differs from those used in other fields of “hard sciences”, as it is can be characterized as a reflexive method that aims to investigate the social, cultural and linguistic relations and interactions, and is subject to modifications during the investigation process. PALAVRAS CHAVE: Metodologia Científica, Epistemologia

INTRODUÇÃO

O objetivo geral do presente texto é trabalhar os conceitos apreendidos no decorrer do curso de Formação em Educação Científica, notadamente aqueles concernentes à epistemologia da ciência, método científico e seus desdobramentos na construção do conhecimento.

O objetivo específico deste trabalho reside na utilização daqueles conceitos no campo da pesquisa social, por meio de apontamentos sobre a teoria social, o desenvolvimento da pesquisa científica voltada para a sociologia, seus problemas e limitações, bem como a correlação desta área de conhecimento com os demais campos da ciência.

O trabalho divide-se em três tópicos a saber: (i) introdução à teoria social, (ii)discussão acerca da forma do método científico aplicado à investigação social e (iii) conclusão.

O presente texto não se tem a pretensão de se esgotar a discussão acerca da problematização proposta acerca da utilização método científico pela ciência social e seus desdobramentos epistemológicos e formas de integração, haja vista a complexidade e extensão da discussão, mas apresentar uma análise critica acerca dos tópicos mais relevantes.

Optou-se por uma abordagem epistemológica do problema, utilizando-se a pesquisa bibliográfica como paradigma teórico. Após a publicação do presente, será realizada uma coleta de dados secundários, a partir de trabalhos científicos e de relatórios publicados por estudiosos da investigação científica na área das ciências sociais. Com base nos trabalhos identificados, serão definidos critérios e selecionados de dois a cinco estudiosos e será proposto a eles a participação em simpósio específico sobre o tema aqui tratado e a posterior edição de trabalho conjunto tratando sobre o tema.

2- DA TEORIA SOCIAL – Histórico e Evolução

A teoria social nasce da necessidade dos humanos de compreenderem-se a si mesmos e os processos históricos e sociais nos quais estão inseridos e a forma como tais processos ao mesmo tempo foram influenciados por fatos ocorridos no passado e são responsáveis por delinear as relações e fatores de interação social no futuro.

Em suma, a teoria social tem por objetivo a busca de explicações racionais que permitam ao homem compreensão da realidade social em que está inserido .

A teoria social assim entendida como a explicação racional da realidade tem origem no pensamento filosófico grego, entretanto, foi na Europa do sec. XVIII que se delinearam os contornos da teoria social moderna.

Podem ser apontados como fatores responsáveis pela necessidade da criação de uma teoria específica de investigação da realidade das relações humanas as profundas mudanças ocorridas nas relações sociais em virtude do massivo processo de industrialização.

As novas formas de relação de poder, aliadas a um novo modelo de acumulação de capital, produção de riquezas e o crescimento exponencial da produção de conhecimento cientifico e teórico levaram

a um processo de domínio sobre a

natureza e dos fatores produtivos nunca antes experimentados. Contribui também a profunda mudança social que a Revolução Francesa trouxe em seu bojo.

É dentro deste contexto que a investigação das relações sociais social surge como ciência, uma vez que a realidade social poderia ser compreendida em sua própria natureza, graças ao amadurecimento de diversas correntes intelectuais que permearam aquele período histórico. I

Neste diapasão, cabe trazer a definição do que é sociedade e social, na concepção de Berger1 (2001, p. 36 e 37): “Para o sociólogo, sociedade designa um grande complexo de relações humanas, ou para usar uma linguagem mais técnica um sistema de interação. é dificil especificar quantitativamente neste contexto, a palavra grande.(...)Tem-se uma sociedade quando um complexo de relações é suficientemente complexo para ser analisado em si mesmo, entendido como uma entidade autônoma comparada com outra da mesma espécie.Da mesma forma, é preciso definir melhor o adjetivo social.(...)E para darmos uma definição exata do social, é difícil melhorar a de Max Weber, segundo a qual uma situação social é aquela em que as pessoas orientam suas ações umas para as outras. A trama de significados, expectativas e conduta que resulta dessa orientação mútua constitui o material da análise sociológica.”

I

Berger (2001, p. 41) nos fala de ancestrais históricos do pensamento sociológico, como Maquiavel, Francis Bacon,Erasmo de Roterdã e os filósofos iluministas do séc. XVII.Ainda como fortes influências se encontra o pensamento de Montesquieu, Locke e os teóricos do racionalismo e do liberalismo.

À época de seu reconhecimento como ramo científico que tem por objetivo investigar as relações sociais, a sociologia foi definida como ciência natural da sociedade e foi em sua gênese diretamente influenciada pela doutrina positivista IIde Saint-Simon e Augusto Comte.

Comte sustenta que teoria social teria como pressuposto a busca por leis naturais abstratas, não cabendo para sua investigação a análise de causas teóricas e funcionais. “Era indispensável aperfeiçoar os métodos de investigação das leis que regem os fenômenos sociais, ou seja, descobrir qual é a ordem contida na história humana, lembrando que o princípio dinâmico do progresso deveria estar subordinado ao princípio estático da ordem”2.

Cumpre ressaltar que o positivismo tem como paradigma o fato de que a análise teórica deve ser calcada apenas no que tange às propriedades invariáveis e fundamentais do universo, procurando dessa forma se afastar do método metafísico e a prática da dedução. A ciência social, portanto, adota a metodologia de investigação das ciências naturais, a saber: investigação precisa, sistemática e empírica que conduz às teorias3. (Giddens, 1999, p. 469).

A teoria social elaborada por Comte e Saint Simon não contempla o conceito de individualidade. Para estes pensadores existe apenas a Humanidade e o conceito de humano que ultrapassa o sentido fisiológico deriva do social, já que o desenvolvimento humano provém da sociedade, de qualquer forma que se o considere.

Na esteira do pensamento de Comte, surgiram vários outros pensadores que se empenharam em estabelecer a sociologia científica, com objeto e método bem delimitados. Dentre estes cita-se o inglês Herbert Spencer, que apoderando-se da metodologia das ciências naturais elabora a teoria do darwinismo social, na qual, fazendo correlação com a teoria das espécies de Charles Darwin, buscava explicar II

Sistema que reconhece apenas o que pode ser cientificamente verificado ou o que é passível de prova lógica ou matemática. Como doutrina que só se atém aos fatos e às relações entre os fatos, o positivismo, constitui uma reação a mais contra a filosofia tradicional, especialmente contra a metafísica. Para Comte, a filosofia tem de ser "positiva", e isto significa que deve se restringir aos resultados das ciências naturais e se converter numa teoria do saber científico. A partir dessas bases, Comte estabelece sistematicamente os fundamentos da sociologia, ciência da sociedade que ele classifica como o saber superior e de maior transcendência futura para a humanidade. Disponível em: https://sites.google.com/site/sbgdicionariodefilosofia/positivismo, acessado em 10/12/14.

fenômenos como a desigualdade social por meio de conceitos como evolução e seleção natural.

Emile Durkhein, na tentativa de estabelecer a sociologia como disciplina rigorosamente objetiva, surge como opositor às orientações propostas por Comte, que transformavam a investigação social numa dedução de fatos particulares a partir de leis supostamente universais como enunciava, por exemplo, a lei dos três estadosIII. Para Durkhein “a sociologia deveria utilizar uma metodologia científica, investigando leis, não generalidades abstratas e sim expressões precisas de relações descobertas entre os diversos grupos sociais”4.

O pensamento de Durkhein concebe a sociedade como um conjunto de ideais que são constantemente alimentados pelos homens que fazem parte dela, é um fato sui generis no qual a consciência individual é diferente da consciência coletiva assim entendida como o sistema representações coletivas (por exemplo: a linguagem ou um grupo de práticas de trabalho encontradas em certa sociedade).

O método sociológico proposto por Durkhein ainda que se utilize do método científico das ciências naturais parte da premissa de que os fatos analisados pela Sociologia pertencem ao reino social e possuem peculiaridades que os distinguem dos fenômenos naturais. Ele irá se basear no exame das expressões diretas das representações coletivas e pelo uso da estatística, na busca de um sistema lógico de compreensão do mundo, estabelecendo as regras para a observação dos fatos sociais:

A primeira delas e a mais fundamental é considerá-los como coisas. Daí seguem-se alguns corolários: afastar sistematicamente as prenoções; definir previamente os fenômenos tratados a partir dos caracteres exteriores que lhes são comuns; e considerá-los, independentemente de suas manifestações individuais, da maneira mais objetiva possível. (Quintaneiro, 1999, p. 66)

III

Teoria formulada por Augusto Comte (ele a chama de “lei”), segundo a qual a humanidade teria passado, em seu processo histórico de desenvolvimento, de uma etapa teológica (caracterizada por uma crença em poderes sobrenaturais organizadores do universo) ao estado metafísico (no qual a crença teológica teria sido substituída pela confiança em princípios abstratos, apreendidos racional e aprioristicamente) para atingir, finalmente, o estado positivo ou científico, no qual o conhecimento outra coisa não é senão a dedução da experiência. (1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. Extraído de https://sites.google.com/site/sbgdicionariodefilosofia/positivismo, acesso em 22/10/2014.

Mister salientar a colaboração fundamental de Max Weber e Karl Marx para a consolidação da sociologia como ciência. Karl Marx foi o responsável por lançar os alicerces para a explicação da vida social “a partir do modo como os homens produzem socialmente sua existência por meio do trabalho e de seu papel enquanto agentes transformadores da sociedade” (Quintaneiro, 1999, p. 22).

Max Weber, assim como Emile Durkhein tem sua obra marcada pela busca da construção de uma metodologia sociológica objetiva, através da investigação e da delimitação

uma infinidade de temas, dentre os quais se destacam a abordagem

sociológica da religião, da divisão do trabalho e da política.

A gênese da teoria social se filia ao pensamento positivista - conforme já asseverado – se assentada na relação lógica entre enunciados, conforme se depreende da análise do pensamento dos teóricos aqui apresentados. “A lógica da ciência forneceria um critério ideal de como o cientista ou comunidade científica deveria agir ou pensar, tendo portanto, um caráter normativo em vez de descritivo.O objetivo central não era, portanto, o de explicar como a ciência funciona, mas justificar ou legitimar o conhecimento cientifico, estabelecendo seus fundamentos lógicos e empíricos.5”(Mazzotti,2004, p.13)

O pensamento de Durkhein e Weber, orientado para a objetividadeIV da sociologia e do método sociológico é construído sobre as proposições do empirismo. A diferença entre positivismo e empirismo reside no método.

O positivismo se baseia na teoria, sendo assim o método científico é orientado e planejado para testar a precisão dessa teoria. Já no empirismo, grosso modo, pode-se dizer que o método de coleta de dados não parte de uma teoria especifica para guiar seus procedimentos. A teoria é, ao contrário, elaborada a partir da análise dos dados.6 Codifica-se o conhecimento empírico e elaboram-se leis explicativas.

IV

A objetividade pode ser entendida como uma estrutura permanente, propriedade de teorias científicas de estabelecer afirmações inequívocas que podem ser testadas independentemente dos cientistas que as propuseram. Está diretamente relacionada ao atributo dos experimentos científicos de que deve ser possível reproduzi-los. Para ser considerada objetiva, uma teoria,hipótese, asserção ou proposição deve ser passível de ser transmitida de uma pessoa para outra, demonstrável para terceiros, bem como representar um avanço no entendimento do mundo real. Disponível em: www.wikipedia.com, acesso em 12/12/2014.

As ideias de Karl Marx nitidamente são de cunho realista. May (2004, p. 26) define com bastante clareza o cerne dessa linha de pensamento: “(...) o realismo argumenta que o conhecimento que as pessoas tem do seu mundo social afeta o seu comportamento, e, diferentemente das proposições do positivismo e do empirismo, o mundo social simplesmente não "existe" de forma independente desse conhecimento(...) as causas não são, de maneira

simples, determinantes das ações, mas devem ser vistas como "tendências" que produzem efeitos particulares.(...)Portanto, a tarefa da pesquisa social não é só coletar observações sobre o mundo social, mas explica-las no contexto de quadros teóricos que examinam aqueles mecanismos subjacentes que informam as ações das pessoas e impedem as suas escolhas de chegarem a termo.”

Juntamente com o idealismoV - que sustenta que na pesquisa das relações sociais certos dados escapam ao campo da fenomenologia da natureza7 e, portanto, das ciências naturais pelo fato das ações humanas não serem governadas por mecanismo de causa e efeito - o positivismo, o empirismo e o racionalismo são as principais correntes de pensamento nas quais se estruturou a espinha dorsal das ciências sociais.

A natural evolução do pensamento humano leva ao surgimento de novas teorias que discutem o papel do pensamento sociológico clássico, seus métodos e aplicações, confrontando-o com novas abordagens epistemológicas e metodologias.

E não é outro o papel desempenhado pela corrente de pensamento denominada Escola de Frankfurt- surgida nos anos 20 do séc. XX -que tem entre seus principais expoentes Herbert Marcuse e Teodor Adorno, através da elaboração de uma teoria crítica da sociedade, contrapondo a teoria tradicional da qual o positivismo seria e expressão mais bem acabada à visão dialéticaVI dos fatos sociais. Os frankfurtianos criticam a concepção de “ciência” cartesiana adotada pela teoria tradicional, baseada em um sistema dedutivo no qual todas as proposições acerca de determinado campo poderiam ser reduzidas a poucas leis gerais8, resultando em sistemas teóricos nos quais os objetos seriam ligados entre si de modo direto e livre,

V

. A corrente idealista advoga a ideia de que a vida social pode ser entendida somente através de um

exame da seleção e da interpretação que as pessoas fazem dos eventos e das ações. Para esta escola de pensamento, o objetivo da pesquisa é entender esses processos e as regras que as tornam possíveis. VI Neste caso, trata-se do conceito de dialética materialista firmado por Karl Marx, no qual , o mundo só pode ser compreendido em um todo, refletindo uma ideia a outra contrária até o conhecimento da verdade. Os movimentos históricos ocorrem de acordo com as condições materiais da vida.

sem contradição, situação que não é possível no campo das ciências sociais. (Mazzotti, 1999, p.116).

A escola de Frankfurt objetiva superar as dicotomias entre saber e agir, sujeito e objeto, aliando a teoria à pratica, enfatizando a ideia que o sujeito do conhecimento é um sujeito histórico que se encontra inserido em um contexto histórico que o influencia.

Conforme se verá adiante o pensamento frankfurtiano é um dos pilares no qual se assenta o desenvolvimento da teoria social contemporânea, que refuta a teoria e a pesquisa social calcadas em paradigmas teóricos elaborados como um sistema fechado e de abordagens unilaterais levando à criação de teorias monolíticas, que são incapazes de explicar de maneira plena o funcionamento das sociedades ou favorecer o entendimento das relações sociais.

No período que se segue à Segunda Guerra Mundial e vai até o início dos anos 1970, determinadas vertentes do pensamento sociológico (aquelas baseadas no empirismo lógico)VII passam a se destacar das demais. Essas visões foram influenciadas fortemente pelo paradigma mertonianoVIII em que a ciência é representada como uma região diferenciada e específica da vida social, capaz de produzir um tipo de conhecimento que se supunha superior às outras formas de saber9. A ciência em geral é orientada por um único corpo de princípios, motivo pelo qual os cientistas sociais precisam apenas examinar os fundamentos lógicos da ciência natural para explicar a natureza de sua ciência. Na mesma linha de pensamento é o ideal de ciência unificada de NeurathIX .

VII

Inúmeras interpretações sobre o caráter da ciência foram desenvolvidas por aqueles que, usualmente, estavam associados a semelhante ponto de vista, e, a despeito de sua imprecisão, esse rótulo apresentava vários elementos comuns: desconfiança da metafísica, preocupação em definir com exatidão o que possa ser "científico", ênfase na verificabilidade de conceitos e proposições, e simpatia por formas hipotéticodedutivas de construção de teorias (Giddens, 1999, p. 28) VIII Thomas Merton foi um sociólogo norte americano que elaborou uma teoria tendo por base a sistemática das ciências naturais, que aparentemente consistiam na codificação do conhecimento empírico e na construção de leis explicativas. A teoria cientifica é sistemática porque testa as leis explicativas por meio de processos experimentais e acumula, assim, constantemente conhecimentos verdadeiros. (Giddens, 1999, p. 25) IX Otto Neurath em seu trabalho defende a ciência unificada como redução enciclopédica, em conformidade com os ideais do empirismo lógico ou empirismo ou racionalismo empírico. Essa teoria tem por pressuposto agregar valores ao corpo de concepções científicas. (Nota do autor).

O fim dos anos 60 trazem consigo uma decisiva mudança de paradigma. Karl Popper, Kuhn, Toulmin, Lakatos e Konrad Hesse, surgem questionando o primado do empirismo lógico na filosofia da ciência natural, ocasionando o surgimento de uma "nova filosofia da ciência", que repudiava inúmeras teses das visões precedentes.

Essa nova concepção, em traços gerais pode ser assim resumida: “afastada a ideia de que podem existir observações isentas de teoria, enquanto os sistemas de leis dedutíveis entre si já não são entronizados como o ideal supremo da explicação cientifica. Mais importante ainda, considera-se a ciência como um esforço interpretativo, de modo que problemas como significado, comunicação e tradução se tornam imediatamente relevantes para as teorias científicas. Tais desenvolvimentos na filosofia da ciência natural influenciaria

de maneira inevitável a reflexão sobre as ciências

sociais”. (Giddens 1999,p.9)

Esse novo paradigma levou a uma polarização da discussão sobre a teoria social e os métodos de pesquisa, na qual se situam de um lado os defensores da teoria empírica, que advogam a ideia que os debates teóricos são de escassa aplicação na utilização da pesquisa baseada na observação e no empirismo e de outro os defensores da ideia da rivalidade entre as tradições filosóficas, inspirados pela Escola de Frankfurt que vêm a concepção da diversificação como modo de se evitar o dogmatismo decorrente de um esquema único de pensamento.

Entretanto, estas perspectivas são limitadas por não se aterem à natureza da pesquisa, aplicando-se mais à forma como ela é conduzida.

A escolha do método científico deve aliar a teoria à pesquisa, funcionando aquela como catalizador para os dados empíricos desta. A teoria social possibilita também uma orientação mais geral em relação às questões políticas, históricas, econômicas e sociais, provendo ainda uma base crítica que possibilite uma reflexão acerca do próprio processo de pesquisa e sobre os sistemas sociais em geral, requerendo uma relação dúplice e correlata entre ideais teóricos e a prática da pesquisa social. (Berger 2001, p 43).

A teoria social hoje é fruto do relacionamento constante entre teoria e pesquisa social no qual ambas são modificadas pela combinação de reflexão experiência e prática.10 DO MÉTODO CIENTÍFICO

As teorias científicas, grosso modo, podem ser divididas em dois tipos: (i)teorias fenomenológicas (ii)teorias explicativas.

Fenomenológicas são todas aquelas teorias que possuem suas proposições lastreadas por propriedades e relações que podem ser verificadas empiricamente. “Teorias desse tipo têm como função descrever, por suas leis as correlações entre os fenômenos. Isso é suficiente para permitir a previsão de um fenômeno a partir da ocorrência de outros” 11·.

Explicativa ou construtivista é a teoria que busca a explicação dos fenômenos através da investigação da causa de sua ocorrência. Essa espécie de teoria se baseia em proposições que se referem a entidades e processos que não podem ser compreendidos pela observação direta dos mesmos, sendo, portanto, construída através de análise estrutural subjacente.

Em ambos os métodos de investigação o escopo é a obtenção de proposições universais, leis gerais e teorias capazes de prever e controlar um conjunto de fenômenos que poderiam ser obtidas através da observação e testadas a partir da verificação exaustivas das hipóteses, em um processo indutivo. É o método Mertoniano, alicerçado no positivismo e no empirismo lógico, cujas características já foram delineadas no tópico anterior. Essa visão positivista do método científico é questionada pela filosofia da ciência contemporânea, notadamente pelas correntes de pensamento da Escola de Frankfurt, pela teoria da Falseabilidade de Karl Popper e pelo relativismo de Kuhn.

Os questionamentos levantados decorrem do fato de que ambos os métodos só se mantêm até onde a teoria social seja corroborada pela evidência empírica, o que não impede que a interpretação dos dados obtidos seja feita de modo parcial, baseado na cosmovisão de quem os interpreta, sendo, portanto, métodos científicos limitados.

Os frankfurtianos, como já visto, propuseram uma teoria que visa aliar a teoria à pratica, enfatizando a ideia que o sujeito do conhecimento é um sujeito histórico que se encontra inserido em um contexto histórico que o influencia, opondo a visão positivista ao modo de investigação dialético.

Questionam ainda a extensão do método das ciências naturais às ciencias naturais, especificamente no tocante à necessidade de decomposição de problemas complexos

em

aspectos

singulares

como

forma

de

adequação

ao

teste

empírico.(Mazzotti, 2004, p.118).

Popper, argumenta que não se pode verificar a veracidade de um enunciado somente através da observação e do uso lógica indutiva. Sua teoria da ciência parte do primado de que a ciência “progride na direção de um melhor conhecimento do mundo por um processo de conjecturas e refutações.

O conhecimento científico é irredutivelmente hipotético, conjectural, sendo certo que na sua concepção o que diferencia a ciência é justamente a possibilidade de falseabilidade de suas proposições básicas, atributo que permite que seja refutada pela experiência.

A teoria popperiana questiona ainda a validade da indução não só no que diz respeito a generalizações superficial como também no que tange à elaboração de teorias, já que a partir de um certo número de observações, diferentes teorias compatíveis com os dados obtidos podem ser elaboradas.

Khun, por seu turno, refuta o racionalismo crítico proposto por Karl Popper. Propõe então a teoria da incomensurabilidade, na qual havendo duas ou mais teorias rivais não se pode justificar racionalmente a escolha por uma delas, ao argumento de quando há a mudança de um paradigma, ocorrem mudanças substanciais no modo de interpretação fenomenológico, nos critérios de seleção dos problemas relevantes e nas técnicas e procedimentos para solucioná-los, bem como nos critérios de avaliação de teorias.12

Assevera ainda que a pesquisa desenvolve-se de acordo com o contexto social em que o cientista está inserido, sendo este fator e não as regras de dedução ou indução que determinam as suas práticas e escolhas de teorias, ou seja, no método por ele há impregnação dos fatos pela teoria.

A corrente denominada de sociologia do conhecimento surge na esteira do pensamento de Khun, adotando as teses da incomensurabilidade e da impregnação dos fatos pela teoria, mas advogam que o conhecimento científico é na verdade uma construção social. Tem entre seus teóricos Feyerabend e Bruno Latour.

Essa teoria parte da ideia da construção de um programa forte (Strong Programme) que possibilitasse a interpretação da ciência. O cerne desse programa seria um principio diretivo no qual o interprete da ciência deve descobrir a causa das convicções dos cientistas para invocar o mesmo tipo de causa para explicar tanto as convicções racional (verdadeira, bem sucedida) como a irracional (falsa, falha)13. Oriundo dessa corrente de pensamento, FeyerabendX propõe um modelo de anarquia epistemológica no qual ante a impossibilidade de se decidir entre duas teorias rivais, as duas devem proliferar como forma de expansão do conhecimento. O teórico sustenta ainda que o conhecimento cientifico não se encontra em patamar aos outros tipos de conhecimento.

Inúmeras outras correntes de pensamento surgiram, dentre as quais se destaca LakatosXI e sua concepção de progresso como a articulação de programas de pesquisa científica. Entende que no caso de metodologias conflitantes, a escolha da mais adequada deve ser por meio de uma reconstrução racional do progresso de cada metodologia, comparando cada uma dessas reconstruções racionais com o seu impacto na história da ciênciaXII. (Losee, 2001, p 236).

X

Paul Feyerabend nasceu em Viena, em 1924, viveu nos Estados Unidos e na Europa. Graduou-se em Física. Foi orientado de Popper na Escola de Economia de Londres. Sua principal obra chama-se “Contra o Método”, e seus principais conceitos são o anarquismo epistemológico e o pluralismo metodológico, Disponível em: http://www.infoescola.com/ciencias/epistemologia-de-feyerabend/, consultado em 01/01/2015.. XI Imre Lakatos (1922-1974) Graduou-se em matemática, física, e filosofia da Universidade de Debrecen. A filosofia da matemática de Lakatos foi inspirada tanto pela dialética de Hegel quanto de Marx, pela teoria do conhecimento de Karl Popper, e o trabalho do matemático George Polya (nota do autor). XII Khun critica a teoria de Lakatos, afirmando que a chamada “história da ciencia” é uma interpretação do registro histórico, interpretação esta desenvolvida a partir de um ponto de vista em particular. O interprete

O debate que se seguiu à publicação das teorias acima delineadas, contribuíram para uma reflexão profunda na maneira de se ver a ciência e do método positivista, até então aceito como o método geral pelo qual deveriam se guiar todas as vertentes do conhecimento científico. Essas teorias causaram impacto profundo, sobretudo na metodologia das ciências sociais, que sempre encontrou dificuldade em se adaptar ao modelo das ciências duras.

Como consequência direta, a metodologia da pesquisa social passa a ser cada vez mais permeada pelo paradigma qualitativo - em oposição direta ao método positivista clássico, calcado em uma metodologia constituída a priori- o que permite ao pesquisador social a investigação de problemas que não caberiam nos limites rígidos do paradigma positivista.

Certo é que o ideal de método científico único que deve ser seguido por todas as ciências, conforme proposto pelos positivistas não é viável, assim como também não é viável a pesquisa cientifica feita sem qualquer preocupação com o método.

O panorama atual da pesquisa sociológica é calcado na diversidade de métodos e teorias e admite a integração de diferentes paradigmas. Sobre o panorama atual, a definição de Mazzotti (2004, p.128) é exemplar:

Considerando-se que os conceitos de ciência e de método científico que podem ser identificados nas ciências naturais foram construídos historicamente, através da prática dos cientistas, é possível compreender que, em um processo análogo, paralelamente àqueles que defendem a adoção dos princípios básicos das ciências naturais, outros pesquisadores das ciências sociais estejam buscando construir uma idéia de cientificidade distinta da tradicionalmente adotada naquelas ciências, por considerá-la pouco adequada á natureza dos fenômenos por elas estudados. Assim, refletindo toda uma história anterior de práticas concretas e reflexões sobre essas práticas, a pesquisa nas ciências sociais hoje se caracteriza por uma multiplicidade de abordagens, com pressupostos, metodologias e estilos narrativos diversos. Essa história não é linear nem homogênea entre as diversas ciências sociais, embora tenha sido influenciada por alguns marcos da discussão mantida pelos cientistas e filósofos da ciência.

faria então julgamentos de importância baseados em evidencias disponíveis a eles, seria, portanto, um método cuja isenção se questiona (n. do autor).

CONCLUSÃO

A pesquisa é fundamental para todos os ramos da ciência. Somente através da incorporação de novos conhecimentos torna-se possível o seu ajustamento às novas realidades e a manutenção de sua utilidade.

Entender a maneira como as visões particulares influenciam o resultado da pesquisa científica, as maneiras como essas interações ocorrem e os efeitos desse comportamento sobre o processo de pesquisa demanda reflexão por parte dos teóricos e pensadores das ciências sociais, entretanto, uma questão se impõe: Como o pesquisador poderá decifrar o que simbolizam as ações e comportamentos sociais? A seleção do que é significativo para ser compreendido é atribuída ao pesquisador que também reside no meio social. A controvérsia reside na distinção entre a compreensão e a explicação. A sociologia compreende e a ciência natural explica.14

O pensamento sociológico dentro deste contexto se manifesta como fruto das tensões entre as formas de entendimento e apresentadas e as expectativas muitas vezes constituídas pelo conhecimento científico. “Em primeiro lugar, no fato de que se trata de uma “ciência”. Embora se tenha demonstrado que a prática real científica não se mantém fiel a esses critérios, ela assume em geral a seguinte forma: a ciência é uma coleção de práticas que reivindica ou deve reivindicar clara – e, como tal, tácita – superioridade sobre outras formas de conhecimento e pode produzir informação confiável e válida em nome da verdade.” 15

É fato que investigação científica na área das ciências humanas diferentemente com o que ocorre nas chamadas ciências duras nem sempre se utiliza de métodos qualitativos ou quantitativos unicamente, não se estrutura de modo a gerar ciência básica ou se baseia em pesquisa inspirada pelo uso e tampouco se faz por meio de pesquisa puramente aplicada.( Del Vecchio, 2013,p.17).

O método científico das ciências humanas é peculiar, trata-se na verdade de um método reflexivo, já que ao mesmo tempo em que busca investigar as relações e interações sociais, culturais e de linguagem, pode ocorrer que durante esse processo de investigação o próprio conhecimento e as formas de conhecer provoquem transformações nos próprios elementos que servem de objeto da pesquisa.

A pesquisa social hoje é calcada na multidisciplinaridade, ela não se desenvolve em comportamento estanque e tampouco tem sua progressão limitada sob o ambiente de um dado paradigma. As fronteiras interdisciplinares existem, “mas não impõe a anulação de fluxos transversais entre as diferentes áreas de conhecimento, sendo esses fluxos indispensáveis à inovação científica”. (Del Vecchio, p. 82).

REFERÊNCIAS 1

Berger, Peter L., Perspectivas Sociológicas: uma visão humanísticas, tradução de Donaldson M. Garschagen, 23ª Ed, Petrópolis, Vozes, 2001,p.36-37. 2 Quintaneiro, Tania, Um toque de clássicos:Marx, Durkhein e Weber,Tania Quintaneiro, Maria Ligia de Oliveira Barbosa, Márcia Gardênia de Oliveira. -2 ed. rev. amp. -Belo horizonte, Ed UFMG, 2002, p 19; 3 Giddens; Anthonny e Turner, Jonathan, Teoria Social Hoje, tradução de Gilson Cesar Cardoso de Sousa, Sao Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 469; 4 Durkhein, Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1978, p. VII-VIII; 5 Mazzotti, Alda Judith Alves e Gewandsznajder, Fernando, O Método nas Ciências Naturais e Sociais - Pesquisa Quantitativa e Qualitativa-2 ed, Thompson,2004, p.13; 6 May, Tim Pesquisa social: questoes, metodos e processos; trad. Carlos Alberto Silveira Netto Soares. -3.ed. -Porto Alegre: Artmed, 2004, p.25; 7 Bonavides, Paulo, Ciência Política, 10ª Ed, Malheiros, São Paulo, 1999, p .28; 8 Ob. Cit 4, p. 117. 9 Del Vecchio, Angelo [et al.], Ciências Humanas em Debate -1 ed, São Paulo, cultura acadêmica, 2013, p. 83 10 May,Tim, Pesquisa social, questões, métodos e processos,trad. Carlos Alberto Silveira Netto Soares -3 ed- Porto Alegre, Artmed,2004, p. 43-44; 11 Chibeni, Silvio Seno, Algumas observações sobre o método científico, notas de aula, 12/2006; 12 Ob. Cit 4, p.113. 13 Losse, J,A Historical Introduction to the Philosophy of Science, 4 ed. Oxford, Oxford University Press, 2001, p.240-241 (tradução livre do autor); 14

Cedro Marcelo, in Revista Perspectivas Sociais Pelotas, Ano 1, N. 1, p. 125-135, março/2011, disponível em http://www.ufpel.edu.br/isp/ppgcs/perspectivas_sociais/marco_2011/marcelo_cedro.pdf, consultado em 20/10/2014. 15

Bauma, Zygmunt e May, Tim; Aprendendo a pensar com a sociologia/tradução Alexandre Werneck. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010, p. 209;

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