Dança em campo ampliado com a pesquisa artística

June 30, 2017 | Autor: Candice Didonet | Categoria: Artistic Research
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DANÇA EM CAMPO AMPLIADO COM A PESQUISA ARTÍSTICA Candice Didonet1 Resumo: Este artigo elabora reflexões acerca de como a dança, enquanto gênero artístico, pode estabelecer-se em campo ampliado com a pesquisa artística. A ideia de campo ampliado (KRAUSS, 1979) estabelece relações entre práticas e processos artísticos advindos da escultura, que, se deslocam para tecer reflexões no campo da dança. Partindo do pressuposto que a dança estabelece e gera movimentos do corpo, a pesquisa artística em dança pode estar relacionada a ações que compõe condutas de investigação em seus formatos de pesquisa. Palavras-chave: dança, pesquisa artística, campo ampliado. Este texto busca ampliar reflexões questionando como o campo de ações em dança pode se ampliar em relação à pesquisa artística. Se ampliado o modo como se organizam as relações que a dança estabelece com a pesquisa artística, podem haver ressignificações nos campos de ação e atuação em dança? No que se refere a pesquisa artística, pode a dança propor conhecimentos que engendram e deslocam continuamente ideias e conceitos como ações? Pensar em um campo que se amplia como campo de possibilidades de ações pode relacionar os processos artísticos com os movimentos perceptivos que articulam. Um campo ampliado torna-se campo de possibilidades que relaciona as materialidades e experiências que inventam os exercícios que compõe atuações e ações. Pretende-se tratar a dança ao levar em consideração o ensino-aprendizagem em dança, visto que atualmente existem muitos cursos de Licenciatura e Bacharelado no Brasil que instauram possibilidades de atuação nesta área de conhecimento. Para tanto, este texto leva em consideração a experiência docente, artística e acadêmica que vem sendo realizada na Universidade Federal da Paraíba dentro do Departamento de Artes Cênicas da mesma instituição.

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Candice Didonet é artista do corpo, pesquisadora e docente do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal da Paraíba, no curso de Licenciatura em Dança. Mestre em Dança, especialista em Estudos Contemporâneos em Dança pela Universidade Federal da Bahia, bacharel em Comunicação das Artes do Corpo pela PUC/São Paulo. E-mail: [email protected]

A aprendizagem e relação com a dança pautada na ideia de corpo-propositor (SILVA, 2013) aborda escolhas que não diferenciam a dança por categorias, tipos e estilos. Deste modo, interessa perceber a relação que a dança estabelece como processo de pesquisa criativa que leva em consideração o estudo de movimento para além de uma técnica ou estilo. O estudo do movimento agregado a pesquisa artística se estabelece na investigação a expor assuntos que as danças podem propõem. É possível dizer que todo ser humano tem um corpo propositor pelas suas potencialidades inerentes, pela via biológica de acesso, mas, para que essa proposição aconteça efetivamente, é necessário que o sujeito perceptor proponha-se relacionar com outros aspectos do corpo que também são inerentes (o físico, o mental, o emocional e o cultural). E que se permita novas descobertas que essa experiência sensória traz, mobilizando aspectos inerentes, transgredindo modos de estar e dançar no mundo. (SILVA, 2013, p.65) Se ações podem explicitar os contextos responsáveis pela percepção da dança em campo ampliado com a pesquisa artística, os modos como se organizam as visibilidades deste campo trabalham com o movimento perceptivo das ações. A organização de proposições em dança, sejam educacionais ou artísticas, envolve assuntos e modos de estudo que proporcionam a experimentação, elaboração e exposição que se articula como pesquisa e aqui são colocadas em discussão. Como a pesquisa artística correlaciona contextos que podem gerar campos ampliados que permitem revezamentos, tentativas e exercícios de formulação em dança? A dança enquanto possibilidade de organização dos pensamentos do corpo constitui-se como modo de ação, como já discutido por KATZ (2005). Assim, os processos de ensino-aprendizagem-criação em dança articulam aspectos criativos e inventivos que atenuam a separação daquilo que se aprende com, e, como se aprende, com, e, como agimos em relação ao pesquisar. A conexão entre o que se aprende e o que se pesquisa pode atenuar a separação entre teoria e prática, educação e criação nos processos de pesquisa e criação em dança. Neste âmbito é necessário entender danças para além de estilos ou técnicas a fim de relacionar seu campo como área de conhecimento que agregando ações com outras áreas. Assim, toma-se como ponto de partida a ideia de que “Aprender investigando: a educação em dança é criação compartilhada” TRIDAPALLI (2008) propõe a diminuição da separação entre prática e teoria, criação e educação em dança, algo que se torna urgente para entender as novas epistemologias do corpo.

Partindo da premissa que dançar move e é uma ação cognitiva do corpo, considera-se que não existe um modo único e universal do corpo aprender dança. Ao levar em conta a educação como um processo de criação que instiga também a pesquisa artística, as experiências de investigação podem ser concomitantes aos modos de aprendizado. Assim, os contextos que são gerados por estas ações aproximam distâncias entre educação e criação, elucidando que o ato de dançar é um processo de tentativas, adaptações e descobertas problematizadas a fim de solucionar questões, conceitos e ações implicados no corpo. Ao olhar para os processos de pesquisa, ensino e aprendizagem em dança relacionando a formação acadêmica em que a proposta de investigação é um modo de subverter habituais processos de aprendizagem, pode-se localizar situações que estão no campo de ações e conhecimentos em dança e que também se fertilizam em outras áreas de conhecimento. Os tipos de conhecimentos que a dança agrega incluem o intuitivo, o tácito e o sensível. A pesquisa em dança quando experimentada em outros modos de conhecer e se relacionar com ideias prévias de dança, pode injetar mudanças nos modos de aprendizagem, reconfigurar e encontrar novas possibilidades de suas implicações no ensino em seus âmbitos de ação e criação. Compreender e legitimar a dança em campo ampliado com a pesquisa artística é uma tarefa nada fácil que exige trilhas processuais que realocam a crença de que aprender a dançar só é possível porque existem técnicas, inspiração e talento. A dança, em campo ampliado com a pesquisa artística, procura por modos de abordar a pesquisa artística a fim de visibilizar modos de pesquisa e ações visto que, organizar pensamentos e informações do corpo podem apresentar estratégias de dançar assuntos que geram. O caráter processual da pesquisa artística em dança sugere a ligação de seus aspectos organizativos pois constitui vivências com os assuntos que propõem. Dessa forma, as “[...] configurações de dança são construídas mediante infinitas possibilidades organizativas de seu conjunto de informações [...]” (SIEDLER, 2011, p.60). Desta forma, o contexto processual da pesquisa artística que atravessa outros gêneros artísticos pode agregar discussões que dialoguem com os modos como as pesquisas artísticas em dança e, exercitam condutas e compreensões.

O campo ampliado aqui abordado e tratado neste texto é um termo trazido do livro “A Escultura em Campo Ampliado” de Rosalind Krauss (1979)2. Apesar de abordar o campo ampliado em relação à escultura e paisagem arquitetônica, o texto aponta a percepção de estratégias para reduzir o que é estranho daquilo que já se conhecia do campo escultura e artes visuais e, que, pode trazer pistas para compreender a dança em relação a seu ampliamento a outros gêneros artísticos. A ideia de gênero artístico é de que a dança se desenvolve como gênero pois muitos estudiosos defendem a idéia de que as origens das práticas em dança são muito remotas e estão ligadas as relações sociais e políticas que estabelecem no mundo. Alguns propõe que a dança atualmente, tem suas raízes fincadas nos paradigmas da contemporaneidade que rompem com a questão de uma origem e história única. Outros sugerem que a dança pode ser tão antiga quanto o ritual. É importante enfatizar que a noção de dança como a conhecemos hoje não pode ser classificada a estilos pois acontecem inúmeras manifestações artísticas a ela ligadas e que podem agregar das artes performativas as culturas populares. Enquanto gênero artístico danças acontecem simultaneamente pelo mundo afora reunindo pessoas engajadas em movimentar percepções que se tem de mundo. Neste sentido e, para tratar as danças tão diversas que existem, torna-se necessário compor campos ampliados da dança com a pesquisa artística. Assim, o termo campo ampliado pode vir então de um campo diferente, o da escultura, mas apresenta maleabilidade das relações conceituais que situa. Esse movimento de um termo para além da denominação que visibiliza, pode ser condição mutável de significações e funções apresentando campos de explorações das relações que apontam3. Então sobre um termo há elementos contextuais e corporais não conhecidos previamente discutidos a partir do seu uso linguistíco. Por serem os termos pensados como categorias de convenção de nomenclatura homogêneas, a relação da palavra com o 2

Por ser artigo de referência, mas de difícil acesso aos novos pesquisadores no Brasil, reeditouse a tradução publicada no número 1 de Gávea, revista do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, da PUC-Rio (1984) encontrado em: http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/01/ae17_Rosalind_Krauss.pdf 3

Para compreender os campos que se ampliam na discussão do texto de Rosalind Krauss ver a dissertação de Mestrado de Maurício Leonard de Souza, da Escola de Arquitetura da UFMG intitulada Veredas: o corpo habitante da paisagem artística. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/RAAO-7RUHZD

termo passou a possibilitar campos de ações para além de territórios de pertencimento de nomes. Portanto, se as esculturas eram pensadas como “importantes por fazerem a mediação entre o local onde se situam e o signo que representam” (KRAUSS, 1979, p. 131), uma espécie de lógica de compreensão do uso do termo linguístico “campo ampliado” começa a se ampliar com a perda do lugar fixo de significação no seu entendimento. O termo “campo ampliado¨ vai determinando abordagens em outros campos e áreas artísticas que vão borrando territórios para além de suas características já conhecidas. Desse modo, é possível refletir acerca de que os termos sempre podem atualizar condições de uso linguístico gerando e gerindo ações e condutas. Aqui, o termo “escultura”, apesar de sua maleabilidade e diálogo com diferentes práticas na pesquisa artística foi apresentado em seu deslocamento para outra área de conhecimento. No entanto, quando a palavra “escultura” ficou cada vez mais difícil de ser pronunciada pela diversidade de ações que a compunham, compreende-se uma posição que situa e representa a ideia do termo. É quando a escultura passa por uma crise de denominação e de representação, que diferentes modos de realizá-la passaram também a ser chamados assim revelando ausência de fixidez e perda de lugar em seu próprio campo. Para pensar no deslocamento de um termo para além de seu campo de denominação torna-se necessário rever a compreensão de um termo no âmbito de suas nomeações. Isto pode gerar campos ampliados para além de nomes e que podem situar modos de ações e possibilidades em nomear. Nesse sentido, o termo - a categoria a qual pertence o status da nomenclatura-, “atua sobre o novo e o diferente para diminuir a novidade e mitigar a diferença”. (KRAUSS, 1984, p.129). A percepção entre o uso do termo e aquilo que ele designa seria apenas um conforto para reduzir o que se torna estranho em um determinado campo e passa a ser aceito em outro. A ideia de campo que se amplia em condições mutáveis de experiência torna-se plausível para situar campos de ações, pois envolve movimentos e modos de relação aos espaços/tempos que compõem. Como exemplo, pode-se pensar na presença da obra de arte no campo da escultura que passou a discutir as lógicas de acontecimento de sua própria pesquisa artística nos modos de relação com o público. O que o texto de Krauss aborda é a ideia de monumento auto referencial presente no campo da escultura que sofreu ruptura de categoria e nome. É justamente pela perda do lugar fixo de “monumento”, que muitas esculturas passaram a expor condições negativas que apresentaram lugares

vulneráveis nos espaços/tempos que compunham. Isto foi determinando a característica processual das ações neste campo. Com isto, o termo “escultura” já não seria mais reduzido somente ao monumento espetacular ou marco que determinava a sua própria referência contextual, pois passou a situar posicionamentos e lugares que geraram campos ampliados de percepção em relação ao seu status pesquisa e acontecimento artístico. Ao abordar-se a escultura e sua relação com o termo campo ampliado é possível pressupor que a dança em campo ampliado com a pesquisa artística, torna-se um modo de abordagem que permite a atualização de suas categorias de percepção no mundo. Estas categorias de percepção são geradas não somente pelos estilos de danças que conhecemos, mas pela capacidade de relações que as danças possibilitam e pelas situações e ampliações geradas em seus campos de ações na pesquisa artística. Para o autor Piero Golia (2014), é possível abordar a ideia de ampliamento em termos de realidade o que ilumina a questão do termo “campo ampliado” como modo de chamar que é também ampliado. A pesquisa artística em campo ampliado de percepção age diretamente na realidade, modificando vivências e experiências que podem provocar mudanças nos entendimentos dos processos e práticas artísticas contemporâneas. Assim, a ampliação aqui tratada é abordada a partir dos processos de feitura de deslocamentos e atualizações das práticas artísticas que compõe danças e, estas, seriam justamente os campos a serem ampliados corporalmente. Visto que pode criar ampliamentos enquanto experiência, a pesquisa artística gera diferentes situações nas interações que estabelece, seja no processo de ensino, aprendizagem, prática, exposição ou compartilhamento. AS DANÇAS COMO PESQUISA ARTÍSTICA E SEUS DESAFIOS Tratar a dança em campo ampliado com a pesquisa artística trata-se de um desafio, visto que, a pesquisa artística ainda constitui um campo mínimo de aceitação na sociedade como um todo, principalmente no entendimento de seus processos em educação, produção e formatos de compartilhamento. Para a autora Kathleen Coessens (2014) a pesquisa artística apresenta desafios de entendimento e aceitação na sociedade e, para isto, precisa articular modos de conhecimento, formatos, campos e atuações Torna-se necessário participar no campo mais amplo da pesquisa artística e aqui, se questiona esta ampliação no campo da dança a partir da perspectiva que representa

valor para atualizar e situar âmbitos da cultura e da educação como um todo. Coessens defende que o pesquisar artístico significa abrir campos até agora inexplorados e que questionam condições de campos já conhecidos e estigmatizados. Assim e para maior eficácia, a pesquisa artística precisa ser articulada em seus próprios termos inventando nomes que servirão para a apreensão de realidades em diferentes gêneros artísticos. Deste modo, o objetivo deste artigo torna-se a refletir acerca do potencial da dança enquanto pesquisa artística em campo ampliado que possibilite sua percepção e inserção no mundo. A compreensão das práticas artísticas e o diálogo com outros conhecimentos torna-se fundamental para relacionar o que vem sido realizado por outros modos de pesquisa, como a acadêmica, por exemplo. Seja qual for o modo de pesquisa, sempre oferecerá uma perspectiva de mundo correlacionada a seu acontecimento. Na pesquisa artística, diferentemente da pesquisa acadêmica, pode-se vislumbrar possibilidades de acontecimentos que levem em conta aspectos criativos que inventam práticas e situações. É neste sentido que se torna importante tratar a dança em campo ampliado com a pesquisa artística pois a dança aborda relações com o corpo e com o movimento que visibilizam ações ligados a modos de perceber, ser e estar. Quando se fala em ações, o corpo determina qualidades de relação que caminham junto da prática artística proporcionando o envolvimento, a vivência e, principalmente, o exercício. A dança em campo ampliado com a pesquisa artística pode determinar atos que privilegiem a vivência dos processos que constituem o acontecimento artístico gerando e gerindo possibilidades futuras de relações com o mundo. REFERÊNCIAS GOLIA, Piero. Expanding in terms of reality. In: Akademie x Lessons in art

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LIFE.

Phaidon: London, 2015. LEONARD, Maurício Leonard. Veredas: o corpo habitante da paisagem artística. Dissertação de Mestrado. Arquitetura. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Universidade Federal de Minas Gerais, 2008.

KATHLEEN, Coessens. A arte da pesquisa em artes. Artistic Research Journal, 2014. Disponível em: http://www.periodicos.ufrn.br/artresearchjournal/article/view/5423/4421 Acesso em 21.04.201. KATZ, Helena. Um, dois, três: a dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte: FID Editorial, 2005. KRAUSS,

Rosalind.

A

escultura

no

campo

ampliado.

Disponível

em:

http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/01/ae17_Rosalind_Krauss.pdf Acesso em 13.04.2015 SIEDLER, Elke. Configurações de Dança: a incerteza como condição de existência. Dissertação de Mestrado. Dança. Universidade Federal da Bahia, 2012. SILVA, Rosemeri Rocha da. Uno, mapa de criação: ações corporalizadas de um corpo propositor num discurso de dança. Tese de Doutorado. Artes Cênicas. Programa de PósGraduação em Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia, 2013. TRIDAPALLI, Gladistoni dos Santos. Aprender investigando: a educação em dança é criação compartilhada. Dissertação de Mestrado. Dança. Programa de Pós-Graduação em Dança, Universidade Federal da Bahia, 2008.

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