David Hume: Uma Introdução

July 16, 2017 | Autor: Kherian Gracher | Categoria: David Hume
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David Hume: Uma Introduca ~o  Kherian Gracher [email protected]

Com certeza um dos maiores nomes da loso a moderna e David Hume. Nascido em 1711, de uma famlia nobre da Escocia, entre os 12 e 14 anos estudou literatura e loso a na universidade de Edimburgo, apaixonando-se por essas duas areas. Se preparou para trabalhar na pro ss~ao do direito e ate se arriscou como negociante, mas segundo suas palavras suas proprias palavras, sentia \uma avers~ao insuperavel a tudo o que n~ao fossem as buscas da loso a e do conhecimento em geral". Mais do que apenas um losofo, Hume fez muita fama como historiador e ensasta. Em vida, sua obra que mais fez sucesso - e lhe rendeu uma seguranca nanceira consideravel - foi uma serie de livros intitulada \A Historia da Inglaterra" (1754-62). No entanto, a sua primeira obra foi um dos livros mais importantes da historia da loso a, chamado \Tratado da Natureza Humana" (1739-40). Entre os anos de 1734 e 1737, cansado de tentar a vida como negociante (que so durou tr^es meses, diga-se de passagem), resolveu viver de sua heranca e foi para o interior da Franca, tentando a vida no campo por pensar que seria economicamente mais viavel. Ele foi residir em La Fleche (sim, cidade onde Descartes estudou no colegio jesuta). Usando da biblioteca desse colegio David Hume comp^os seu longo tratado. Apenas como uma nota - para dar inveja a qualquer jovem - Hume comecou a escrever seu tratado com 23 anos! Sim, com 23 anos ele comecou a escrever uma das maiores obras da historia da loso a, sendo publicada em tr^es livros entre os anos de 1739 e 1740, quando Hume tinha por volta de 28 anos. A ideia de Hume com seu tratado era introduzir o metodo experimental de raciocnio nos assuntos loso cos. Isso se caracterizara como uma forte renuncia a metafsica. Contudo, a aceitac~ao do Tratado da Natureza Humana foi pessima. O proprio David Hume, se referindo a essa obra, disse que \jamais uma em Texto de divulgac~ ao (www.universoracionalista.org)

publicado

no

portal

Universo

Racionalista

preitada literaria foi t~ao desafortunada quanto o meu Tratado", ele "ja saiu natimorto da impressora". Parte dos losofos da epoca que liam a obra n~ao a compreendiam direito, parte a recusava, e uma parte muito pequena a aceitava. Para solucionar esse problema, Hume publica em 1748 a obra intitulada \Investigac~oes Sobre o Entendimento Humano", que basicamente era um resumo revisto de seu Tratado. Essa obra, sem sombra de duvidas, e fantastica! Com uma clareza e objetividade sem igual, Hume apresenta em um livro curto toda sua teoria loso ca. Completamente argumentativo e com uma riqueza literaria, a exposic~ao que Hume faz se tornou um paradigma de escrita clara para todos os losofos que vieram apos ele, ate mesmo para os losofos que n~ao concordavam com sua teoria. Ate o nal de sua vida, David Hume tem uma colec~ao de livros e ensaios publicados. No entanto, para apresentar sua teoria, basta nos centrarmos nas Investigac~oes Sobre o Entendimento Humano. Hume, tal como Descartes, estava preocupado em entender os fundamentos do conhecimento humano. Todavia, Hume chega em conclus~oes bem contrarias as de Descartes. Enquanto Descartes se enquadra como um racionalista, Hume foi um empirista. Mas primeiro, antes de explicarmos isso, vejamos sua teoria.

1 Como funciona nosso processo de entendimento? Como funciona nosso processo de entendimento? Essa primeira pergunta nos servira de condutora para o incio dos pensamentos de Hume. De acordo com os termos usados por Hume, nos entendemos o mundo atraves de duas vias: (1) Ideias; e (2) Impress~oes. (1) Impress~oes: Seriam nossas percepc~oes mais vvidas e fortes, por exemplo, nossas sensac~oes. Quando eu vejo o notebook na minha frente, eu tenho a impress~ao em minha mente desse computador. Essa impress~ao e vvida, pois eu estou em contato direto com aquilo que me cria essa impress~ao. Eu tenho uma experi^encia com o objeto da minha impress~ao. As impress~oes podem ser caracterizadas como sensac~oes, que s~ao frutos da experi^encia que tenho dos meus sentidos com objetos externos; ou re ex~oes, que s~ao frutos da experi^encia que tenho dos meus sentimentos, ou seja, s~ao objetos internos a nos. (2) Ideias: S~ao os objetos que est~ao em nossa mente sem que tenhamos naquele momento um contato direto com as impress~oes dela. As ideias seriam 2

impress~oes menos vvidas, mais t^enues. Por exemplo, quando eu penso na bicicleta que eu tinha quando crianca, ainda que eu feche os olhos e quase sinta o vento em meus cabelos ao pedalar aquela bicicleta, essa impress~ao que eu tenho e menos vvida que a do meu notebook, que esta agora na minha frente. Os objetos da minha memoria (como a bicicleta) n~ao s~ao objetos presentes nas minhas impress~oes (como o notebook), esses objetos da nossa mente seriam as ideias. Podemos distinguir dois tipos de ideias: as simples e as complexas. As ideias simples s~ao aquelas que s~ao copias diretas de impress~oes que tivemos. A da bicicleta, por exemplo, e uma ideia simples, pois eu tive uma impress~ao com essa bicicleta no passado, mas hoje eu so tenho a ideia dessa bicicleta, que e a memoria dela. As ideias complexas, por sua vez, s~ao objetos da nossa imaginac~ao. Pensem em Pegaso, o famoso cavalo alado da mitologia grega. Nos - e ninguem - teve a impress~ao direta de um cavalo com asas. Mas ele e objeto de nossos pensamentos, e entendemos qualquer frase que fala sobre Pegaso. Por exemplo, conseguimos entender a frase \Pegaso era o cavalo alado de Belerofonte". Como podemos entender essa ideia, se nunca tivemos uma impress~ao direta com ela? Porque a ideia que temos de Pegaso e fruto da imaginac~ao, e uma ideia complexa. A imaginac~ao, para Hume, e a faculdade que e capaz de manipular as ideias simples, gerando ideias complexas. Por exemplo, eu entendo o que e \cavalo" e o que e \asas", pois ja tive experi^encia com um cavalo e com um animal com asas, como um passaro. Tenho assim a ideia simples de cavalo e a ideia simples de asas, que e uma copia da impress~ao que eu tive ao ter o contato com esses animais. A imaginac~ao, por sua vez, permite-me misturar essas ideias simples e formar uma nova, a ideia complexa de cavalo alado. A faculdade da imaginac~ao nos permite tambem misturar ideias complexas com uma outra ideia simples e formar uma ideia mais complexa ainda. Por exemplo, a ideia que tenho de Pegasos rosa. Temos a ideia complexa de Pegasos (que e uma mistura das ideias simples de cavalo e de asas) e adicionamos mais uma ideia simples, a ideia simples de ter a colorac~ao rosa. Obtemos, pela imaginac~ao, uma nova ideia complexa: a ideia de cavalo alado com pelagem cor de rosa. Eis que Hume apresenta o famoso argumento da decomposic~ao para defender o que ele chama de Princpio da Copia. Se podemos decompor nossos pensamentos em ideias simples, copiadas de alguma sensac~ao que ja tivemos, ent~ao todas 3

as nossas ideias s~ao copias de nossas impress~oes (ou percepc~oes mais vvidas). Aparentemente, todas as ideias que temos podem, de fato, ser decompostas em ideias simples, ideias que s~ao copias diretas das impress~oes. Portanto, (esse e o princpio da copia) todas nossas ideias s~ao copias de nossas impress~oes. Outro argumento que Hume apresenta para defender o princpio da copia e o da impossibilidade de formarmos ideias sem que haja uma sensac~ao, ou impress~ao, pelo qual essa ideia e uma copia. Se n~ao podemos formar ideias acerca de sensac~oes que jamais tivemos, ent~ao todas as nossas ideias s~ao copias de nossas impress~oes. De fato, n~ao podemos formar ideas acerca de sensac~oes que nunca tivemos, isto e, de impress~oes que nunca tivemos. Para pensarmos nisso, basta pegarmos o caso de de cientes fsicos. Um cego n~ao poderia, infelizmente, formar a ideia de cor; tal como um surdo n~ao consegue formar a ideia de sons. Isso por que tanto o cego quanto o surdo n~ao podem ter a experi^encia, a impress~ao, que forma a ideia (respectivamente) de cor e som. Portanto, todas nossas ideias s~ao copias de nossas impress~oes.

2 Como funciona as conex~oes entre as ideias que formamos? Como funciona as conex~oes entre as ideias que formamos? Hume a rma que s~ao de tr^es modos:  Semelhanca: Quando vemos um retrato, por exemplo, formamos a ideia

desse retrato, mas naturalmente pensamos no objeto original, que e retratado. Isso acontece por que conectamos a ideia do retrato com a ideia do objeto retratado atraves da semelhanca.  Contiguidade: Ja quando pensamos em um c^omodo de uma casa, como

um quarto, nos pensamos tambem acerca dos outros c^omodos. Nos sempre pensamos que para todo espaco qualquer A existe um espaco maior B no qual A pertence a B. Isso acontece por que a ideia que temos de A se conecta com a ideia que formamos de B atraves da contiguidade. O mesmo acontece com o tempo, por exemplo, quando pensamos em um certo momento no tempo, quando formamos a ideia desse momento, sempre pensamos nos momentos anteriores e posteriores a ele, formamos a ideia desses momentos. Pense, por exemplo, na ideia que voc^e tem de quando voc^e nasceu. Automaticamente voc^e pensa que houve um momento anterior 4

ao seu nascimento, mesmo que voc^e n~ao tenha a experi^encia, a impress~ao desse momento anterior (voc^e n~ao tinha nascido), mas voc^e forma a ideia complexa desse momento por que existe a contiguidade.  Causalidade: Quando pensamos em causas e efeitos, nos pensamos atraves

da conex~ao de ideias regidas pela causalidade. Por exemplo, pense quando jogamos uma pedra em uma poca com a agua em repouso. Nos temos a ideia dessa ac~ao de jogar a pedra. Automaticamente nos conectamos essa ideia ao seu efeito, a perturbac~ao da agua que estava em repouso. Conectamos a ideia do efeito, que e a perturbac~ao da agua em repouso, com a ideia da sua causa, que e atirarmos a pedra na poca d'agua. O mesmo ocorre quando jogamos bilhar ou sinuca. Digamos que voc^e esta apontando o taco para uma bola A, mirando de certo modo que a bola A atinja a bola B, que esta parada. Antes mesmo de voc^e dar a tacada, voc^e ja tem a ideia de que ao dar a tacada na bola A, ela ira se movimentar em direc~ao a bola B, e o choque entre as duas fara com que a bola B se movimente. Mas voc^e ainda nem deu a tacada e ja pressup~oe que a bola B ira se mover. Isso acontece por que conectamos a ideia da bola B se mover como sendo um efeito causado por sua tacada. Essas conex~oes acontecem em virtude da causalidade. Hume pensa que atraves desses tr^es princpios de conex~oes, ou associac~oes entre ideias, nos seremos capazes de explicar como funciona nosso processo de compreens~ao. Temos assim uma resposta para a pergunta de como entendemos o mundo. A resposta seria que nosso processo de entendimento e composto por impress~oes e ideias, e nos conectamos as ideias de tr^es modos. Esses modos determinam como entendemos as coisas. Hume dara especial atenc~ao para o terceiro modo de que conectamos as ideias, o princpio de causalidade. De acordo com ele, e atraves desse princpio que fundamentamos todos os nossos conhecimentos cient cos, pois sempre supomos que todo evento na natureza s~ao causados por alguma coisa, e a ci^encia pretende descrever e fornecer as leis que regem a conex~ao entre esses eventos. Por exemplo, quando soltamos um objeto temos como efeito ele cair, e a ci^encia oferece uma lei (nomeadamente, da gravitac~ao) para descrever como isso acontece.

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3 Como justi camos o conhecimento? Como nos justi camos os nossos conhecimentos? Hume oferece dois tipos de justi cac~oes e diz como elas se comportam. De acordo com sua explicac~ao, todo o conhecimento humano e dividido em relac~oes de ideias e quest~oes de fato.  Relac~oes de Ideias O conhecimento baseado em relaco~es de ideias s~ao aque-

les tais como da matematica, geometria e logica. Trata-se de conhecimentos a priori que temos, que determinamos sua verdade pela simples operac~ao do pensamento, independente do que possa existir em qualquer parte do universo. Por exemplo, sabemos que todo tri^angulo tem tr^es lados, ou que o quadrado da hipotenusa de um tri^angulo e igual a soma dos quadrados de seus dois lados apenas pelo raciocnio. N~ao precisamos da experi^encia para descobrir que essas a rmac~oes s~ao verdadeiras. Alem disso, a rmac~oes que s~ao relac~oes de ideias, se s~ao verdadeiras, s~ao necessariamente verdadeiras; e se forem falsas, s~ao falsidades necessarias. Ou seja, ser~ao verdadeiras ou falsas em todas as circunst^ancias possveis. Que todo tri^angulo tem tr^es lados e uma a rmac~ao verdadeira em qualquer circunst^ancia possvel, mesmo n~ao existindo um objeto triangular, mesmo que nos n~ao existssemos para comprovar isso. Ela e verdadeira indiferente a como o mundo se comporta.  Quest~oes de fato O conhecimento baseado em quest~oes de fato s~ao aque-

les das ci^encias empricas, ou aqueles que que temos no dia a dia sobre o mundo. Trata-se de conhecimento a posteriori, que so podemos determinar sua verdade atraves da experi^encia. Ou seja, n~ao podemos saber se a rmac~oes que s~ao quest~oes de fato s~ao verdadeiras ou falsas apenas pensando sobre elas, tal com ocorre na matematica por exemplo. Como sabermos se a a rmac~ao de que Napole~ao tinha um cavalo branco, e verdadeira ou falsa? N~ao podemos determina a veracidade desta a rmac~ao apenas pensando sobre isso, precisamos de que alguem tenha visto o cavalo de Napole~ao para determinar se a a rmac~ao e verdadeira ou falsa. Alem disso, n~ao incorreramos em alguma contradic~ao em supormos a negac~ao de uma quest~ao de fato. Toda a rmac~ao que e uma quest~ao de fato e contingentemente verdadeira. Ou seja, e verdadeira, mas poderia ser falsa. Essa distinc~ao entre relac~oes de ideias e quest~oes de fato sera essencial para o trabalho de Hume. Devemos ter em mente que relac~oes de ideias s~ao a rmac~oes 6

que podemos determinar seu valor de verdade a priori e que, para Hume, toda a rmac~ao dessa natureza e (se for verdadeira) necessariamente verdadeira ou (se for falsa) e uma falsidade necessaria. Alem disso, toda a rmac~ao que e uma quest~ao de fato e tal que so podemos determinar seu valor de verdade de modo a posteriori, e todas essas a rmac~oes s~ao (se for verdadeira) contingentemente verdadeira ou (se for falsa) contingentemente falsa. Entre varios tipos de a rmac~oes que fazemos, Hume teve interesse por um tipo em especial, as quest~oes de fatos n~ao-presentes. O que seriam essas a rmac~oes? Quando fazemos a rmac~oes de quest~oes de fatos, so podemos determinar seus valores de verdade de modo a posteriori. Ou seja, apenas atraves da experi^encia sabemos se elas s~ao verdadeiras ou falsas. Mas ha um certo tipo de quest~oes de fatos que n~ao nos e permitido conferir todos os casos, atraves de experi^encia, para sabermos se de fato a a rmac~ao e verdadeira ou falsa. Pense, por exemplo, na a rmac~ao que todos os seres humanos s~ao mortais. Acreditamos que essa a rmac~ao e verdadeira em virtude de todas as vezes que vimos seres humanos morrerem, alem de que todos os relatos que chegaram ate nos parecem con rmar essa tese. No entanto, nos nunca poderamos investigar todos os seres humanos para constatar se essa a rmac~ao e verdadeira ou falsa. Daqui a 100 anos nascera um ser humano, mas nos ja supomos que ele sera mortal. Toda a ci^encia parece se basear neste tipo de infer^encia. Essas infer^encias falam sobre casos gerais (como todos os x se comportaram de um certo modo y), como tambem fazem previs~oes (se um objeto x estiver em tais condic~oes, ent~ao ele se comportara de um certo modo y). Mas como justi camos essas infer^encias? Elas escapam da possibilidade de nos investigarmos empiricamente e descobrirmos se s~ao verdadeiras ou falsas, tampouco podemos descobrir seus valores de verdade de modo a priori. Hume a rma que as quest~oes de fato n~ao-presentes est~ao fundamentadas nos princpios da causalidade. Entre os tr^es modos de conectarmos as ideias, um deles e a causalidade. Ela nos permite compreender como o mundo se organiza em causas e efeitos. Assim, a nossa justi cac~ao para a rmac~oes desse tipo se sustenta nesse princpio. O problema: Sera que a causalidade existe so na nossa cabeca, ou podemos observa-la no mundo? Ou seja, sera que nos pressupomos que ha causalidades porque nossas faculdades cognitivas consegue melhor compreender o mundo desta forma, ou sera que podemos de fato observar causas e efeitos no mundo? De acordo com Hume, as quest~oes de fatos n~ao-presentes s~ao justi cadas pela causalidade, ou princpio da causac~ao. Todavia, como podemos conhecer 7

causas e efeitos? Como esse processo funciona? Iremos agora n~ao nos preocupar qual e a justi cativa para quest~oes de fatos n~ao-presentes, mas tentaremos nessa parte entender como elas funcionam.

4 Como justi camos quest~oes de fatos n~ao-presentes? O processo de entendermos a causalidade funciona baseado nas experi^encias que tivemos. Como Hume a rma, se nos nunca tivessemos visto antes uma bola de bilhar, ao termo uma em nossas m~aos nos jamais conseguiramos, apenas observando suas propriedades, dizer o comportamento dessa. N~ao poderamos dizer que se a jogarmos contra outra bola de bilhar, a segunda bola iria se movimentar. Nos fazemos infer^encias causais, ou seja, dizemos que ha um comportamento de causa e efeito entre certas coisas, nos baseando nas experi^encias passadas que tivemos. Pense em uma crianca. Ainda que facamos varias descric~oes sobre o fogo e os perigos desse, uma crianca jamais criara uma relac~ao entre causa e efeito entre o fogo e a dor de uma queimadura a n~ao ser que ela experimente p^or a m~ao no fogo e perceber a dor causada. Assim, tomando o fogo como causa e o efeito como a dor, a crianca criara essa relac~ao atraves de experi^encias. Tendo isto em vista, Hume a rma que a causalidade e baseada nas experi^encias passadas. Nos observamos e tivemos varias experi^encias de dois eventos sempre ocorrerem em uma certa conjunc~ao: soltar um objeto no ar, ele cair ao ch~ao; p^or a m~ao no fogo e sentir o calor; etc. Supomos, desse modo, que o primeiro evento (o evento A) causa o segundo evento (o evento B). Deste modo a rmamos que o evento B e efeito do evento A, que e sua causa. Nos pressupomos ent~ao que ha uma relac~ao entre esses eventos. Hume foi um dos primeiros a observar o que chamamos de infer^encias indutivas. Infer^encias indutivas s~ao aquelas que a partir de experi^encias passadas ou presentes (que seriam as premissas do nosso argumento), tentamos inferir uma conclus~ao que trata de casos gerais ou faca previs~oes. Por exemplo: (1) Observamos no passado que se algo e um ser humano, ent~ao ele morreu. (2) Observamos no presente que se algo e um ser humano, ent~ao ele morre. (3) Logo, todos os humanos (de hoje ou do futuro) s~ao mortais. As premissas (1) e (2) tratam de observac~oes, experi^encias que zemos no passado. A partir delas nos tentamos garantir que a proposic~ao (3) e verdadeira. 8

O mesmo ocorre, por exemplo, com as leis cient cas. Os cientistas se baseiam em diversas observac~oes e experimentos cuidadosamente feitos para que ent~ao se conclua algo geral acerca do comportamento de certos aspectos da natureza, e com isso fazer previs~oes. Sabemos como as quest~oes de fatos n~ao-presentes funcionam: atraves de argumentos indutivos. Como vimos anteriormente, argumentos indutivos s~ao aqueles que as premissas se baseiam em observac~oes feitas no passado ou no presente e que tentam inferir uma conclus~ao acerca de casos gerais ou fazer previs~oes. Temos ent~ao que as quest~oes de fatos n~ao-presentes se justi cam pelo princpio de causalidade, e a causalidade se baseia na induc~ao (e ja sabemos como ela funciona), mas quais as justi cativas para aceitarmos a induc~ao? Como nos assegurarmos que a induc~ao e um bom metodo para conhecermos a realidade? Pensando sobre isso Hume apresenta um dos principais problemas da loso a, o Problema da Induc~ao: Como justi camos as infer^encias indutivas? Para entendermos o problema da induc~ao, melhor comecarmos por mostrar como a induc~ao se diferencia da deduc~ao. Vejamos o exemplo de um argumento dedutivo e de um argumento indutivo:

Argumento Dedutivo

(A) Se algo e um ser humano, ent~ao e mortal. (B) Socrates e um ser humano. (C) Socrates e mortal.

Argumento Indutivo (1) Observamos no passado que se algo e um ser humano, ent~ao ele morreu. (2) Observamos no presente que se algo e um ser humano, ent~ao ele morre. (3) Logo, todos os humanos (de hoje ou do futuro) s~ao mortais. O que diferencia esses dois argumentos? A sua validade. Nos argumentos dedutivos validos, em todos os casos que assumirmos que suas premissas s~ao verdadeiras, teremos de assumir que suas conclus~oes s~ao verdadeiras tambem. Por exemplo, vamos supor que (A) e (B) s~ao verdadeiras. Podemos rejeitar (C)? N~ao, e impossvel, pois (A) e (B) implicam (C). Se rejeitarmos (C) isso signi ca que ou (A) ou (B) s~ao falsas (mas nos ja assumimos que s~ao verdadeiras). Ja nos argumentos indutivos validos, ainda que aceitemos que as premissas (1) e (2) s~ao verdadeiras, a conclus~ao (3) poderia ser falsa. As premissas de argumentos 9

indutivos so ajudam a garantir maior probabilidade da conclus~ao ser verdadeira. Assim, enquanto em argumento dedutivos dizemos que a conclus~ao preserva o valor de verdade das premissas (ou seja, necessariamente, se as premissas s~ao verdadeiras a conclus~ao tambem sera); em argumentos indutivos as premissas aumentam a probabilidade da conclus~ao ser verdadeira. Mas notemos, ainda que a conclus~ao tenha uma probabilidade altssima de ser verdadeira, ainda e possvel que essa conclus~ao seja falsa em alguma circunst^ancia - o que n~ao acontece com as conclus~oes de argumentos dedutivos validos, se assumirmos que suas premissas s~ao verdadeiras. Hume notou que os argumentos indutivos oferecem conclus~oes contingentes, pois ainda que assumirmos suas premissas, a conclus~ao sempre pode ser falsa (ou seja, s~ao quest~oes de fato). Isso traria preocupac~oes tanto para o nosso dia a dia como tambem para a ci^encia. Para o nosso dia a dia por que grande parte das infer^encias que fazemos s~ao indutivas. E para a ci^encia por que elas se baseiam nessas infer^encias para formular leis cient cas. No entanto, n~ao ha fortes garantias de que as conclus~oes s~ao verdadeiras - garantias essas que as infer^encias dedutivas oferecem. Hume ent~ao pensa em algum modo de tornar as infer^encias indutivas em dedutivas. Fazer isso implica que poderamos salvar do campo das incertezas as infer^encias indutivas. Vejamos como poderia ser feito: (1) Observamos no passado que se algo e um ser humano, ent~ao ele morreu. (2) Observamos no presente que se algo e um ser humano, ent~ao ele morre. (PUN) A natureza mantem sua uniformidade no tempo. (3) Logo, todos os humanos (de hoje ou do futuro) s~ao mortais. Hume adiciona (PUN) como premissa, que seria o Princpio de Uniformidade da Natureza (PUN). Ou seja, a natureza mantem uma uniformidade no tempo, de modo que suas regularidades, que ocorreram no passado ou no presente, n~ao se alteram no futuro. Se aceitarmos (1), (2) e (PUN), podemos inferir dedutivamente a conclus~ao (3). Ou seja, se as premissas forem verdadeiras, ent~ao a conclus~ao e verdadeira. Eis que temos uma aparente soluc~ao. Transformamos um argumento indutivo em um argumento dedutivo. No entanto, continua Hume sua investigac~ao: O que garante que o PUN e verdadeiro? Eis que ele se encontra em um beco sem sada. Tentamos justi car a induc~ao adicionando uma premissa que tornaria o argumento inicial, que era indutivo, em um argumento dedutivo. No entanto, so podemos garantir essa 10

premissa indutivamente. Aceitamos o Princpio de Uniformidade da Natureza por que aceitamos o seguinte raciocnio: (4) Observamos no passado que a natureza se manteve uniforme. (5) Observamos no presente que a natureza se manteve uniforme. (PUN) Logo, a natureza mantem sua uniformidade no tempo. O raciocnio para garantirmos que o PUN e verdadeiro e um raciocnio indutivo. Ou seja, estamos sendo circulares. O que garante as infer^encias indutivas seria o PUN, mas ele so pode ser garantido pela propria induc~ao. Estaramos, em ultima analise, garantindo a induc~ao pela propria induc~ao. N~ao podemos ent~ao garantir a induc~ao atraves da deduc~ao. E se garantimos a induc~ao pela propria induc~ao (como no caso de usarmos o PUN), estamos sendo circulares. O que garante ent~ao a induc~ao? Hume ent~ao percebe que formamos infer^encias indutivas n~ao por garantias racionais, mas por quest~oes psicologicas. Nos o fazemos por que temos o habito de fazer. O habito de vermos regularidades no mundo nos fazem dar ades~ao para induc~oes, mas n~ao existe garantias racionais para esse metodo.

5 Hume e o empirismo Hume foi um dos principais expoentes do empirismo, principal corrente loso ca que se opunha ao racionalismo. Enquanto o racionalismo tentava fundamentar na raz~ao o papel predominante para aquisic~ao de conhecimentos substanciais acerca da realidade; o empirismo diz que s~ao nossos sentidos que t^em esse papel fundamental. N~ao seramos capazes de oferecer um fundamento ultimo apenas em uma tese metafsica fundamentada pela raz~ao. A nossa aquisic~ao de conhecimento e feita em virtude de conhecermos e determinarmos certos conceitos, e isso ocorre em virtude de certas experi^encias que temos. A analise que Hume oferece do nosso entendimento, com a distinc~ao entre ideias e impress~oes, e que todas ideias s~ao copias de impress~oes, deixa claro sua posic~ao empirista. Nossas ideias s~ao determinadas em virtude das experi^encias que tivemos. Se n~ao tivessemos essas experi^encias, jamais formaramos ideias, haja vista que s~ao essas experi^encias que nos permitem formar impress~oes, e as ideias simples s~ao copias das impress~oes que temos. Ent~ao todo conhecimento que temos sobre o mundo sera, em ultima inst^ancia, baseado nas impress~oes que tiramos das experi^encias que tivemos. 11

6 Conclus~ao David Hume foi um dos principais losofos do perodo moderno, sintetizando com maestria a tese empirista em sua analise dos processos do entendimento e apresentando um dos principais problemas loso cos que temos hoje: O Problema da Induc~ao. Alem do mais, com seus livros temos um padr~ao de clareza e objetividade que servem de guia para toda escrita loso ca. Sua obra merece ser lida n~ao so como uma obra de loso a, mas como uma obra da literatura mundial.

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