De que forma o regionalismo modifica a geopolítica regional de potências emergentes como Brasil e Índia? Instituições, polaridade e preponderância

July 4, 2017 | Autor: Augusto Teixeira Jr. | Categoria: Geopolitics, South Asian Studies, Brazil, Mercosur/Mercosul, India, SAARC, South America, SAARC, South America
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA

AUGUSTO WAGNER MENEZES TEIXEIRA JÚNIOR

DE QUE FORMA O REGIONALISMO MODIFICA A GEOPOLÍTICA REGIONAL DE POTÊNCIAS EMERGENTES COMO O BRASIL E A ÍNDIA? INSTITUIÇÕES, POLARIDADE E PREPONDERÂNCIA

Recife 2010

AUGUSTO WAGNER MENEZES TEIXEIRA JÚNIOR

DE QUE FORMA O REGIONALISMO MODIFICA A GEOPOLÍTICA REGIONAL DE POTÊNCIAS EMERGENTES COMO O BRASIL E A ÍNDIA? INSTITUIÇÕES, POLARIDADE E PREPONDERÂNCIA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco, na área de concentração de Política Internacional, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Ferreira da Costa Lima.

Recife, 2010. 2

Teixeira Júnior, Augusto Wagner Menezes De que forma o regionalismo modifica a geopolítica regional de potências emergentes como o Brasil e a Índia? : Instituições, polaridade e preponderância / Augusto Wagner Menezes Teixeira Júnior. - Recife: O Autor, 2010. 154 folhas : il., gráf., fig., tab. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Ciência Política, 2010. Inclui: bibliografia. 1. Ciência Política. 2. Regionalismo. 3; Política mundial. 4. Mercosul . 5. Polarização - Polaridade regional. I. Título. 32 320

CDU (2. ed.) CDD (22. ed.)

UFPE BCFCH2009/61

3

4

Dedico esta dissertação aos brasileiros que virão, pois eles continuarão a luta por um país melhor e mais forte.

5

“Na realidade, somente o respeito decorrente da igualdade de forças constitui base firme para uma aliança, pois o eventual transgressor recua diante do sentimento de que não tem superioridade bastante para atacar. Não respeitaram a nossa independência senão por lhes ter parecido evidente que, visando ao império, conseguiriam mais facilmente a supremacia com belas palavras e golpes astuciosos de política do que com golpes de força.” A História da Guerra do Peloponeso, Tucídides

6

RESUMO A dissertação versa sobre o papel do regionalismo na política mundial como um mecanismo capaz de influenciar a polarização e a polaridade regional. O estudo foi realizado a partir da comparação dos processos de integração e cooperação regional de Brasil e Índia. Após a apresentação e enquadramento do estudo no marco geral da literatura da área, discutimos como o Mercosul (Mercado Comum do Sul) e a SAARC (South Asian Association for Regional Cooperation) influíram na mudança da polarização regional na América do Sul e na Ásia meridional, de forma favorável a relações inter-estatais cooperativas, porém em níveis diferentes. Foram estudadas a mudança ao longo do tempo das dinâmicas de segurança regionais e a evolução institucional dos blocos. Finalmente, analisamos o caráter estratégico do regionalismo para os países em apreço e como este assenta na preponderância regional como condição essencial para determinados objetivos de política externa. Colocamos em evidência as principais dinâmicas políticas que comprovam essa afirmação e por fim, discutimos dados sobre a preponderância de Brasil e Índia a partir da comparação de dados em três etapas: variáveis desagregadas, análise através de dados do projeto Correlates of War e aplicação do Modelo 2 de Chang. Concluímos que além dos dados confirmarem a hipótese de que o regionalismo influencia na polarização e na distribuição de poder regional, o estado atual da superioridade de capacidade e poder material de Brasil e Índia diante dos demais países de suas respectivas regiões foi maximizado. Palavras-Chaves: Regionalismo; Polarização e Polaridade Regional; Mercosul; SAARC; Brasil; Índia.

7

ABSTRACT The dissertation focuses on the role of regionalism in world politics as a mechanism able to influence regional polarization and polarity. The study was conducted by comparing the processes of regional integration and cooperation of Brazil and India. After the presentation and framing of the study in the context of the literature of the area, one discussed how Mercosur (Southern Common Market) and SAARC (South Asian Association for Regional Cooperation) have influenced the change of regional polarization in South America and southern Asia, favorably to inter-state cooperative relations, but at different levels. We studied the change over time of the dynamics of regional security and institutional development of the blocs. Finally, we analyzed the strategic nature of regionalism for the countries in question and how this is based on the regional preponderance of those countries as a important condition for foreign policy objectives. We put out the main political dynamics that prove this statement, and finally, we discuss the data on the preponderance of Brazil and India departing from the comparison of data in three moments: disaggregated variable analysis, the use of data from Correlates of War project and the use of Chang’s Model 2. We conclude that in addition to the confirmation of our hypothesis that regionalism influences the polarization and the distribution of regional power, the current state of the superiority of capacity and material power of Brazil and India was maximized when compared to the other countries in their regions. Key-Words: Regionalism; Regional Polarization and Polarity; Mercosur; SAARC; Brasil; India.

8

AGRADECIMENTOS Primeiramente, sou grato a Augusto Wagner e Ana Cristina, meus pais, e Geovania, Eunice e Mário, meus avós pela eterna compreensão e apoio ao longo da minha vida e caminhada acadêmica. A minha companheira e alma gêmea Jaciane Mota pelo apoio nas horas mais difíceis e pelo carinho. Agradeço também aos meus irmãos, Peter e Camila pelas palavras de estímulo. Luke, Zulu, Léia e Anny foram fundamentais. Reconheço o papel importantíssimo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Universidade Federal de Pernambuco, ao primeiro pela bolsa de estudos, a segunda pelas condições de pesquisa. Não poderia deixar de mencionar a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da UFPE (FADE), pois sem o seu auxílio viagem dificilmente eu poderia ter tido uma experiência tão enriquecedora como participar da IPSA, como Chair e expositor de trabalho. Ainda na linha institucional, gostaria de expressar meus sentimentos em relação ao programa PROCAD da CAPES que me permitiu uma rica experiência acadêmica na Universidade de São Paulo (USP) indispensável para este trabalho e para a minha formação acadêmica. Obrigado a Marcos Costa Lima, meu orientador, Rafael Villa (co-orientador durante a minha estada na USP) e ao Prof. Marcelo de Almeida Medeiros. Devo bastante ao Prof. Tullo Vigevani, com o qual tive a oportunidade de aprender no Programa San Tiago Dantas. Lembro aqui também a Prof. Flávia Campos Mello, que me tirou importantes dúvidas sobre Teoria das Relações Internacionais. Eu não poderia deixar de mencionar o Prof. Leonel Itaussu Mello com quem pude aprofundar os meus conhecimentos em Geopolítica. A disposição de ajudar de Ricardo U. Sennes me permitiu dicas valiosas em seus trabalhos, por isso sou grato. Agradeço a Cristina Pacheco que tem sido para mim um exemplo na vida docente e como pessoa. Os amigos são de fundamental importância para a vida, mas também o foram para a escrita deste trabalho. Dessa forma agradeço aos meus amigos da Ciência Política da UFPE, Elton Gomes e Antônio Henrique, com os quais compartilhei idéias ao longo do desenvolvimento deste trabalho. Um forte abraço para Bianor Teodósio, sempre presente e parceiro. Marco Auréio, mesmo ausente, porém importante. Fora do mundo acadêmico, expresso a minha gratidão a Celso e Nélia Lima. Sem a ajuda de Celso Lima e de seus conhecimentos de Excel a análise e comparação de dados quantitativos que eu me propus realizar teria se tornado mais difícil e trabalhosa. 9

SUMÁRIO Pág. RESUMO .........................................................................................................................7 ABSTRACT .....................................................................................................................8 AGRADECIMENTOS .....................................................................................................9 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ....................................................................11 LISTA DE GRÁFICOS ..................................................................................................12 LISTA DE TABELAS ....................................................................................................13 LISTA DE FIGURAS ....................................................................................................14 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................15

Capítulo 1: História, Revisão da Literatura, Conceitos e Métodos .........................21 1.1 Mudanças na Ordem Internacional Pós-Guerra Fria: Geopolítica, Regionalismo e Potências Emergentes .....................................................................................................21 1.2 Abordagens Regionalistas e a Região como Nível de Análise .................................33 1.3 Comparando Diferentes: Desenho da Pesquisa, Most Different System Design (MDSD) e o Institucionalismo Histórico ..................................................................43

Capítulo 2: Modelo Descritivo RSCT, Geopolíticas Regionais e Desenvolvimentos Institucionais Comparados ..........................................................................................50 2.1. Apresentação da “Teoria dos Complexos Regionais de Segurança” ......................51 2.2. Aplicação do Modelo Descritivo RSCT: Dinâmicas Geopolíticas e de Segurança na América do Sul e Sul da Ásia .........................................................................................54 2.3. Processos Políticos e Desenvolvimentos Institucionais do MERCOSUL e SAARC ...........................................................................................................................68

Capítulo 3: A Dimensão Estratégica da Cooperação e Integração Regional e a Preponderância Reforçada .........................................................................................91 3.1 A Busca Estratégica da Preponderância Regional ....................................................91 3.2. Dinâmicas Políticas e a Dimensão Estratégica do Mercosul e da SAARC .............99 3.3. O Regionalismo como Mecanismo de Distribuição de Capacidades e Poder .......106 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................133 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................140 APÊNDICE ..................................................................................................................148 10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABC – Argentina, Brasil e Argentina ALADI – Associação Latino-Americana de Integração ALALC – Associação Latino-Americana de Livre Comércio ALBA – Aliança Bolivariana para as Américas ALCSA - Área de Livre Comércio Sul-Americana APEC – Asia-Pacific Economic Cooperation ASEAN – Association of Southeast Asian Nations BENELUX – BElgië, NEderland e LUXembourg BIMSTEC - Bay of Bengal Initiative for Multisectoral Technical and Economic Cooperation BJP – Bharatiya Janata Party BRICs – Brasil, Rússia, Índia e China CAN – Comunidade Andina de Nações CENTO – Central Treaty Organization CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CIA – Central Intelligence Unit CINC - Composite Index of National Capability COW – Correlates of War CSN - Comunidade Sul-Americana de Nações CS-ONU – Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas FCES - Foro Consultivo Econômico-Social G-20 – Grupo de 20 países em desenvolvimento MAN - Movimento dos Não Alinhados MDSD – Most Different System Design Mercosul – Mercado Comum do Sul MRE – Ministério das Relações Exteriores NAFTA – North American Free Trade Agreement OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONU – Organização das Nações Unidas OPEC – Organization of the Petroleum Exporting Countries OTCA – Organização do Tratado de Cooperação Amazônica PIB – Produto Interno Bruto PNB – Produto Nacional Bruto RSC – Regional Security Complex RSCT – Regional Security Complex Theory SAARC – South Asian Association for Regional Cooperation SACU – Southern African Custom Union SADC – Southern African Development Community SAFTA – SAARC Free Trade Area SAPTA – SAARC Preferential Trade Agreement SEATO – Southeast Asia Treaty Organization SIPRI –Stockholm International Peace Research Institute SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia UE – União Européia UNASUL – União de Nações Sul-Americanas USD – United States Dollars WF - The World Factbook WMEAT - World Military Expendidures and Arms Transfers 11

LISTA DE GRÁFICOS Pag. Gráfico 1

- Distribuição da População dos Estados do Mercosul (dados de 2005) ...110

Gráfico 1.1 - População dos Estados do Mercosul e Associados (dados de 2005) ......111 Gráfico 2

- População dos Estados SAARC em 2005 ...............................................112

Gráfico 3

- Evolução do PIB nos Estados do Mercosul ............................................113

Gráfico 3.1 - Evolução do PIB nos Estados do Mercosul (Sem o Brasil) ...................113 Gráfico 3.2 - Evolução do PIB nos Estados Associados ao Mercosul .........................114 Gráfico 3.3 - Evolução do PIB nos Estados do Mercosul e Associados sem o Brasil .115 Gráfico 4

- Evolução do PIB dos Estados da SAARC ..............................................116

Gráfico 4.1 - Evolução do PIB dos Estados da SAARC (Sem a Índia) .......................117 Gráfico 5

- Evolução dos Gastos Militares nos Estados do Mercosul .......................118

Gráfico 5.1 - Evolução dos Gastos Militares nos Estados do Mercosul sem o Brasil ..118 Gráfico 5.2 - Evolução dos Gastos Militares nos Estados do Mercosul e Associados .119 Gráfico 5.3 - Evolução dos Gastos Militares nos Estados do Mercosul e Associados sem o Brasil ..........................................................................................................................120 Gráfico 6

- Evolução dos Gastos Militares dos Estados SAARC .............................121

Gráfico 6.1 - Evolução dos Gastos Militares dos Estados SAARC sem a Índia ..........121 Gráfico 7

- CINC para os Estados do Mercosul e Associados ..................................123

Gráfico 7.1 - CINC para os Estados do Mercosul e Associados (Sem o Brasil) ..........124 Gráfico 8

- CINC para os Países da SAARC .............................................................125

Gráfico 8.1 - CINC para os Países da SAARC (Sem a Índia) ......................................126 Gráfico 9

- Variação da Capacidade de Poder no Mercosul ......................................127

Gráfico 9.1 - Variação da Capacidade de Poder no Mercosul sem o Brasil .................128 Gráfico 9.2 - Variação da Capacidade de Poder nos Estados Associados ao Mercosul........................................................................................................................129 Gráfico 10 - Variação da Distribuição de Poder nos Estados SAARC ........................132 Gráfico 10.1 - Variação da Distribuição de Poder nos Estados SAARC (Sem a Índia) .......................................................................................................................................132

12

LISTA DE TABELAS Pag. Tabela 1 - Exportações intra-regionais como porcentagens de total de exportações (1970-1998) ....................................................................................................................22 Tabela 2 - Gastos Militares - Mundo (Em bilhões de dólares US$, em 2007) ...............26 Tabela 3 - Gastos Militares – América do Sul (Em bilhões de dólares US$, em 2007) .........................................................................................................................................26 Tabela 4 - Comparativo de Variáveis Clássicas de Poder Duro (Hard Power) - Brasil e Índia ................................................................................................................................32 Tabela 5 - Tipo de Ordem, Polaridade e Polarização na América do Sul e Sul da Ásia .........................................................................................................................................53 Tabela 6 - Síntese da Situação da Segurança Regional na América do Sul e Sul da Ásia ....................................................................................................................................55-56 Tabela 7 - Tipos De RSC na América do Sul e Sul da Ásia ...........................................68 Tabela 8 - Abordagens da Ciência Política Sobre a Integração Regional ......................73 Tabela 9 - Iniciativas, Acordos e Tratados de Cooperação e Integração Realizados pelo Brasil – 1950-1991 .........................................................................................................76 Tabela 10 - Parceiros Comerciais da Índia: Exportações (%) ........................................96 Tabela 10.1 - Parceiros Comerciais da Índia: Importações (%) .....................................96 Tabela 11 - Evolução do Comércio entre Brasil e demais Países do Mercosul – Série Histórica ..........................................................................................................................97

13

LISTA DE FIGURAS Pag. Figura 1 - Três Círculos Estratégicos: Brasil e Índia ......................................................45 Figura 2 - Relações entre o nível global e regional e a seqüência de penetração em RSCs .........................................................................................................................................52 Figura 3 - Mapa Político do América do Sul ..................................................................56 Figura 4 - Mapa Político do Sul da Ásia ........................................................................61 Figura 5 - Alianças e suas relações com as dinâmicas regionais e globais na Guerra-Fria .........................................................................................................................................64 Figura 6 - Organograma do MERCOSUL ......................................................................77 Figura 7 - Organograma SAARC: Hierarquia Organizacional e Canais Informais .......86 Figura 8 - Três Equações de Poder de Chang ...............................................................108

14

INTRODUÇÃO Quais as relações entre o regionalismo, potências emergentes e geopolíticas regionais? À primeira vista os temas parecem se situar em áreas distintas de estudo no interior da disciplina das Relações Internacionais e da Ciência Política. Todavia, o redesenho do poder e da política internacional nos últimos 20 anos tendem a aproximar esses temas, sobretudo sob a égide de assuntos como as dinâmicas de segurança em transição e a distribuição de poder regional e internacional. O estudo combinado do regionalismo e da segurança é uma poderosa ferramenta de análise quando se objetiva melhor compreender essas transformações. Atualmente os estudos da integração regional e da segurança internacional fazem parte da espinha dorsal da disciplina das Relações Internacionais e da Ciência da Política Internacional. Desde a emergência e sucesso da experiência européia, a integração tem sido objetivo de estudo apaixonado de vários pesquisadores, muitos deles motivados, às vezes, por razões normativas, como a busca da paz e da cooperação entre os países e povos. A segurança internacional goza de status privilegiado no conjunto da disciplina e podemos afirmar tal à importância desse campo de estudo, que ao lado das grandes questões da Teoria Política e do Governo Civil, o estudo da defesa e da segurança dos Estados tem sido ao longo da história do interesse das altas cúpulas do poder. Tentativas sistemáticas de estudo buscaram auxiliar a condução das relações nacionais e exteriores nesse campo da vida social, destacando-se assim escritos famosos como A Arte da Guerra de Sun Tzu, o Arthashastra (A Ciência da Política) de Kautilya, A História da Guerra do Peloponeso de Tucídides, A Arte da Guerra e O Príncipe do florentino Nicolau Maquiavel. Não seria errôneo afirmar que os primeiros estudos sobre integração regional foram inspirados em questões de paz e guerra. Walter Mattli (2003) nos lembra que autores como David Mitrany entendiam que a integração européia poderia ser a condição facilitadora da paz duradoura na região, a muito acometida por guerras. Nas décadas de 1950 e 1960, durante a primeira onda do regionalismo, organizações no continente asiático como a ASEAN, CENTO e SEATO buscavam compatibilizar os objetivos globais dos Estados Unidos ao longo da Guerra Fria com a necessidade de forjar a cooperação inter-estatal, tendo a ASEAN prevalecido como a principal experiência regionalista na Ásia até os dias atuais. É fato que, com a evolução da agenda de estudos da integração regional, temas correlatos à segurança passaram, 15

gradualmente, a perder força. Novas dinâmicas como a transformação do Estado, formas recentes de governança, déficit democrático, desenho institucional e instituições políticas da integração passaram a ser itens dominantes da agenda de pesquisa desse campo (MATTLI, 2003; DASH, 2008), afastando-se assim do legado das interpretações realistas que continuavam a ver na integração um forte traço da segurança internacional, principalmente em seu momento de gênese (HURRELL, 1995). Com o advento da segunda onda regionalista, no final da segunda metade da década de 1980, a dimensão de segurança do regionalismo foi definitivamente sobrepujada pelos aspectos econômicos e comerciais. Pivô dessa nova onda, o NAFTA apresentava um novo paradigma de regionalismo, fenômeno que a CEPAL, em documento de 1994 chamou de “Novo Regionalismo” (CEPAL, 2000). A favor de uma visão mais comercialista e chamada por alguns analistas, de neoliberal, enterrou as idéias desenvolvimentistas do velho regionalismo, em especial aquele praticado nas Américas sob os auspícios da ALALC, ALADI e o CAN. A partir desse período os estudos do regionalismo viveram o predomínio da perspectiva econômica. Como conseqüência, a dimensão de segurança e estratégia, antes encontradas em alguns estudos da área, perdeu o sentido no contexto da literatura do período1. Não obstante a predominância de enfoques econômicos e jurídicos sobre o regionalismo nos tempos hodiernos surge cada vez mais estudos que visam resgatar as relações entre integração, cooperação, segurança regional e internacional. A história recente funciona como impulsionadora dessa nova agenda de pesquisa, onde o krátos, força ou poder em grego, volta a ser o elemento fundamental da análise. Filiando-se a essa nova onda de estudos, o trabalho em questão se insere na agenda acadêmica sobre o regionalismo na política mundial. Contudo, a proposta aqui defendida visa analisar e avaliar o potencial caráter transformador desse empreendimento político nas relações regionais internacionais. À primeira vista pode parecer estranho uma dissertação cujo título é uma pergunta. Ainda mais estranho é o teor de sua indagação. A pergunta que guia trabalho é a seguinte: de que forma o regionalismo modifica a geopolítica de potências emergentes como o Brasil e a Índia? Logo de início, o leitor atento verá que não nos perguntamos se o regionalismo exerce influência ou modifica as geopolíticas regionais, mas como.

1

Para uma síntese sobre o regionalismo em perspectiva histórica ver Louise Fawcett (2005).

16

A história e a experiência política do século XX demonstram que esforços de integração e cooperação regional, sendo o mais famoso deles a União Européia, influem em mudanças políticas ao longo do tempo, alteram e compõem novas variáveis nos cálculos políticos dos atores nas relações internacionais. É de amplo conhecimento que um dos principais dividendos da integração européia é a paz relativamente duradoura, em especial entre países com históricos de desavenças que, mormente resultavam em confrontações violentas, como acontecia com a França e Alemanha. Também é difícil negar a importância do regionalismo na distribuição da riqueza internacional, onde cada vez mais, a economia internacional tem nos blocos regionais uma importante parcela da circulação e produção da riqueza (SIRÖEN, 2000; CHOI e CAPORASO, 2003; GILPIN, 2004). O embate teórico entre os defensores da globalização versus o regionalismo tendeu a coincidir com a conclusão de que este segundo pode ser uma forma mais rápida de alcançar a liberalização comercial e abertura de mercados, objetivos a muito propagados pelos globalistas (GILPIN, 2004). Hodiernamente autores como Buzan e Wæver (2003) buscam enquadrar em esquemas analíticos a União Européia como um novo tipo de ator internacional dotado de características “estatais”. Em tom mais pessimista, Nye Jr. busca avaliar as possibilidades de pensar a UE como um novo pólo de poder (2005). Esses processos chamam atenção para a influência do regionalismo na mudança política, econômica e de segurança e os seus rebatimentos para o mundo. Fora do velho continente, o regionalismo se mostrou uma opção viável, a exemplo de um país de forte caráter isolacionista e com passado semi-autárquico, como os Estados Unidos. Este, quase que por ironia do destino, dada a sua negação da integração regional em décadas passadas, inaugurou a segunda onda do regionalismo com o NAFTA. Finalmente, a força da integração e da cooperação regional a partir de 1989 se faz presente em todos os continentes, apresentando uma nova forma de organização, competição e distribuição do poder político e econômico no sistema internacional e transnacional. Não é possível pensar, atualmente, em política e economia internacional sem fazer menção a blocos regionais, como a União Européia, NAFTA, CAN, Mercosul, ASEAN, APEC, SAARC, SADC, SACU entre outros (VIZENTINI e WEISEBRON, 2006). Observadas as relações entre regionalismo e transformações políticas e econômicas internacionais cabe aprofundar a indagação. Qual o impacto e a influência do regionalismo para países em desenvolvimento, mais especificamente potências 17

emergentes? O mundo do início do século XXI assiste a emergência de novas potências ascendentes ao status de grandes poderes. Com isso em mente, se pode indagar: como o regionalismo afeta as relações internacionais desses países, em especial nos contextos regionais? Cumpre ele algum caráter estratégico em suas trajetórias de ascensão internacional? Essas são algumas questões que este trabalho visa responder. O regionalismo tem recebido, cada vez mais, status de condição e recurso estratégico para alcançar objetivos de política externa, principalmente quando se trata de inserção internacional. Isso é mais verdadeiro ainda quando tratamos de potências emergentes com expressivas ambições internacionais. No caso de potências regionais, como são o Brasil e a Índia, a opção regionalista reveste-se de um caráter profundamente estratégico. Dessa forma a política regional e o seu contexto ganham contornos de prioridade em suas políticas externas. A priorização do exterior próximo na política externa de Brasil e Índia não se afasta dos objetivos de ambição global. Pudemos constatar não haver conflito de prioridades quando observamos o caráter de preponderância regional exercido por estes países e os possíveis dividendos políticos a serem extraídos dessa condição de superioridade de poder. Como demonstra Andrew Hurrell, “há algo intuitivamente lógico na idéia de que a preponderância regional deveria representar parte importante de qualquer reivindicação do status de grande potência” (2009, p. 21). A constatação do internacionalista britânico reforça a percepção da dimensão estratégica da preponderância regional para os projetos de inserção internacional de Brasil e Índia. Contudo, sabe-se de antemão que o Brasil e a Índia já eram potências que contavam com grande superávit de poder em suas regiões, seja pela sua população, peso econômico ou capacidades militares. Mesmo assim, de acordo com autores como Buzan e Wæver (2003) e Marco Cepik (2005, 2009) as condições de superioridade desses países não afetavam a distribuição de poder regional de forma a configurá-la como unipolar nem garantiam a prevalência de dinâmicas de cooperação inter-estatal. Baseados na idéia de que o regionalismo influi na distribuição de poder regional, fomos impelidos a analisar se o Mercosul e a SAARC estão contribuindo para modificar a polarização e a polaridade regional na América do Sul e no Sul da Ásia. Para melhor compreender como realizaremos esse trabalho, explicamos a seguir a estrutura da dissertação. No primeiro capítulo nos preocupamos em apresentar o problema de pesquisa e enquadrá-lo nas discussões da literatura de Ciência Política e Relações Internacionais. 18

De forma sistemática, apresentamos nesse capítulo o contexto histórico e teórico do pós-guerra fria como conjuntura crítica que veio dar força tanto à emergência do regionalismo na qualidade de elemento transformador nas relações internacionais, mas também como impulsionador de potências ascendentes no plano político internacional. Esse debate é enquadrado a partir dos estudos sobre a polaridade e os limites da ação política e de mudança do sistema internacional. Ainda nesta parte do texto dissertativo, nos preocupamos em justificar o tema a partir de um quadro teórico e dos desenvolvimentos recentes na política internacional. Aqui fazemos entender de forma expressa o porquê da escolha do Brasil e da Índia como os objetos do estudo em apreço. Os países de economias em desenvolvimento e potências regionais com aspiração a poder global, destacam-se no início nas décadas final do século XX e início do XXI como possíveis jogadores de peso no tabuleiro global. Não apenas por seu peso político, econômico e demográfico, mas devido a projetos políticos acordados por suas elites políticas passam a ser atores de destaque nas relações internacionais contemporâneas. No entanto, nenhuma apresentação da história e teoria está completa sem a explicação de como o estudo será feito. Expomos com detalhes os procedimentos de pesquisa e a estratégia metodológica adotada. Como um exercício de política comparada, o estudo em apreço lança mão do Most Different System Design, explicado no primeiro capítulo. Aliado a essa estratégia de comparação, lançamos mão do conceito de path dependence, tributário do institucionalismo histórico. No segundo capítulo, temos como principal objetivo analisar como, no caso do Mercosul e da SAARC, o regionalismo contribuiu para a mudança dos padrões de polarização. Este conceito é aqui utilizado em consonância ao significado heurístico que lhe dá a Teoria dos Complexos Regionais de Segurança (RSCT). Tributária da Escola de Copenhague, esta teoria é amplamente empregada na dissertação, e fornece, entre outras ferramentas, a estratégia descritiva dos contextos de segurança da América do Sul e da Ásia meridional. A compreensão das principais dinâmicas de segurança dessas regiões é primordial para a explicação de como os processos de integração e cooperação regional do Mercosul e SAARC influíram positivamente na transição da rivalidade para cooperação. Também chamamos atenção para como os processos em questão se dão de forma diferente em ambas as regiões, tendo mais sucesso o contexto mercosulino. No terceiro capítulo, explicamos como se relaciona a idéia de preponderância regional aos objetivos estratégicos do Brasil e Índia. Aqui, objetivamos avaliar se o regionalismo influenciou positivamente na definição da polaridade regional. Para tal, 19

além de nos dedicarmos a tratar conceitualmente a preponderância, expomos eventos selecionados nas políticas externas regionais de Brasil e Índia que permitem apreender o impacto do regionalismo em suas estratégias de inserção internacional. No intuito de ampliar o rigor do estudo em apreço, lançamos mão da análise e comparação de dados quantitativos. Com esses procedimentos pretendemos avaliar a evolução no tempo, mas também o estado atual da distribuição de poder nas regiões. A seção onde utilizamos amplamente gráficos de dispersão está organizada em três momentos: busca inicialmente analisar variáveis selecionadas, logo após analisa dados referentes ao Composite Index of National Capabilities (CINC) do projeto Correlates of War e, finalmente, aplica o Modelo 2 de Chang2. Por fim, esboçamos as considerações finais da dissertação.

2

Instrumento explicativo utilizado para a mensuração do poder nacional a partir de variáveis selecionadas. Uma explicação detalhada do Modelo de Chang é realizada no capítulo 3.

20

CAPÍTULO 1: HISTÓRIA, REVISÃO DA LITERATURA, CONCEITOS E MÉTODOS

1.1.

Mudanças na Ordem Internacional Pós-Guerra Fria: Geopolítica,

Regionalismo e Potências Emergentes O período compreendido entre os anos de 1989 a dezembro de 1991 marcou o fim da Guerra Fria, primeiro com a queda do muro de Berlim e, posteriormente, com desmembramento em Estados independentes das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Uma parcela significativa da literatura em Ciência Política e Relações Internacionais fornecia previsões sobre a nova ordem pós-bipolaridade. Dentre estes prognósticos e análises se destacam os escritos de Krauthammer (1990, 2003), Wohlforth (1999) e Gilpin (2002, 2004), mas também Huntington (1999) e Nye (2005), entre outros. A finalidade deste debate estava em detectar para qual configuração rumaria a nova polaridade internacional. Divergindo conceitualmente, mas também na avaliação dos processos de mudança em curso, os autores variavam na utilização de termos como unipolaridade, multipolaridade, ou como preferia Huntington (1999), “uni-multipolar”. Segundo Buzan e Wæver (2003), a análise de Hungtington aproximava-se mais acertadamente da configuração da distribuição de poder contemporânea. No contexto das transformações originadas pelo término do conflito bipolar e com o concomitante advento do “momento unipolar”, a política mundial e a estrutura da segurança internacional sofreram sérias inflexões (KRAUTHAMMER, 1990). Destacase nesse momento que com a redução do overlay3 das superpotências no contexto da Guerra Fria as dinâmicas regionais passaram por um ganho de autonomia. Esta idéia está expressa claramente nas palavras de Rosecrance, quando afirma que: “an end to the bipolar cleavage [has led] to a restoration of regional sovereignty” (ROSECRANCE apud VÄYRYNEN, 2003) Como resultado, um número crescente de conflitos e guerras passou a ser informado por dinâmicas regionais, às vezes com pouca interação com a dinâmica internacional de segurança. A regionalização da economia, dos conflitos e da segurança 3

Reproduzimos a seguir a definição orginal de overlay: “when the interests of external great powers transcend mere penetration, and come to dominate a region so heavily that the local dynamics of security interdependence virtually cease to operate. It usually results in the long-term stationing of great power armed forces in the region, and in the alignment of the local states according to the patterns of great power rivalry” (BUZAN e WÆVER , 2003, p. 490).

21

permeou o período do pós-Guerra Fria, trazendo consigo oportunidades e necessidades para atuação de potências regionais com capacidade de buscar a segurança e a estabilidade em suas respectivas regiões. Esse padrão de atuação tende a reforçar consideravelmente a importância do Brasil e da Índia para a segurança internacional, dadas as interconexões e interdependências entre o nível regional e global. Não apenas a segurança se mostrou afetada pela nova dinâmica em questão, mas também o comércio e a economia viram-se profundamente influenciados pelos fenômenos de regionalização e do regionalismo, demonstrando novas possibilidades de organização territorial da produção e da distribuição de recursos socialmente valorizados, como a riqueza (GILPIN, 2002, 2004; HURRELL, 1995). A série histórica abaixo fornece um indicativo da expressão econômica da regionalização.

Tabela 1 Exportações intra-regionais como porcentagens de total de exportações (1970-1998)4 1970 1980 59,5 60,8 União Européia 36,0 33,6 NAFTA 9,4 11,6 MERCOSUL 22,3 17,2 ASEAN 57,9 57,9 APEC Fonte: Choi & Caporaso (2003, p. 493).

1985 59,2 43,9 5,5 18,6 67,7

1990 65,9 41,4 8,9 18,9 68,5

1995 62,4 46,2 20,3 24,3 72,0

1998 55,2 51,7 25,1 20,4 69,7

Informados pela revisão da literatura realizada por Choi e Caporaso (2003), podemos afirmar que os dados apresentados na tabela 1 nos levam a concluir que o regionalismo não pode ser um fenômeno ignorado, sobretudo pelos grandes centros do capitalismo internacional, como certificam os altos níveis de exportações intra-regionais na União Européia, NAFTA e APEC ainda já na década de 1990. Embora já tenhamos feito referências desde a introdução, para o bom entendimento do estudo em apreço se faz necessário discutir de forma breve o problema da polaridade no pós-guerra fria a partir dos principais debates. As teorias sobre polaridade são tradicionalmente vinculadas à escola Realista de Relações Internacionais e tem em Kenneth Waltz (1979), formulador original do neo-realismo, o seu principal expoente. Esta perspectiva teórica parte do pressuposto de que o sistema internacional é

4

A SAARC não figura nesta tabela em virtude da pequena dimensão comparativa da sua importância econômica, enquanto bloco econômico regional. Ao longo do presente trabalho ficará claro ao leitor que a importância significativa da SAARC reside muito mais nas condições potenciais para segurança e prosperidade na Ásia do Sul, e como coloca Kishore C. Dash (2009) é ainda uma promessa a ser cumprida.

22

formado por unidades, os Estados, sendo estas funcionalmente semelhantes e diferenciadas apenas por suas capacidades. Esta orientação analítica tende a compreender o sistema de Estados como regido pelo princípio da anarquia, exibindo ela, contudo, aspectos de ordem. Segundo esta corrente, mesmo na ausência de uma autoridade central no sistema internacional, o ordenamento internacional é garantido e organizado pelas grandes potências, as quais são classificadas pela distribuição de capacidades e poder ao nível do sistema (WALTZ, 1979)5. Notabiliza-se na discussão feita por essa escola o papel funcional e ordenador realizado pelos países que atuam no plano sistêmico (global). Contudo, a fragilidade desta perspectiva fica evidente quando negligencia o papel de potências de outra ordem capazes de desempenhar papel semelhante não no nível global, mas no regional. A crítica a essa deficiência é um dos momentos iniciais na elaboração do nosso referencial de estudo. Atentas às fraquezas dessa corrente, perspectivas alternativas como a Escola Inglesa, o Construtivismo e a Escola de Copenhague colocam em questão a hierarquização de potências no nível sistêmico privilegiado pelo neo-realismo. Como conseqüência de sua crítica construtiva a estratégia de classificação do neo-realismo estrutural, autores representativos destas escolas incluem a dimensão regional em suas análises. Ao estudar o advento dos BRICs no sistema internacional de Estados no século XXI, Hurrell (2009) apresenta a possibilidade de categorização de potências em pelo menos duas camadas. Estas são divididas entre: 1) as grandes potências e 2) as potências emergentes. Uma terceira categoria é trabalhada pelo o autor em outras publicações, correspondendo ao conceito amplamente utilizado de potências médias (2000), embora este conceito tenda a cair em desuso no estudo de países intermediários como o Brasil e a Índia. Na versão do construtivismo convencional (conventional constructivism6) de Buzan e Wæver (2003), a polaridade é dividida em três camadas, são elas: 1) superpotências (atualmente apenas os Estados Unidos), 2) grandes Potências

5

No capítulo “Ordens Anárquicas e Balanças de Poder” (WALTZ, 1979), o neo-realismo estrutural waltziano converge com a Escola Inglesa na concepção segundo a qual o sistema internacional, ou como prefere a Escola Inglesa – Sociedade Internacional (BULL, 2002), mesmo sendo regido pelo princípio da anarquia existe um elemento organizador, a ordem, promovida pelas grandes potências, responsáveis pela gerência do sistema. 6 De acordo com McDonald (2008), o Construtivismo não é uma escola de Relações Internacionais homogênea. Este autor divide as abordagens construtivistas em conventional constructivism e critical constructivism. A abordagem construtivista que utilizaremos ao longo da dissertação é ligada a versão convencional do construtivismo, linha mais próxima das teorias tradicionais de Relações Internacionais, como o Realismo e Liberalismo, especialmente sob a crença epistemológica sobre a capacidade positiva de apreensão de uma realidade existente, ou a idéia de que existe um mundo para ser “descoberto” e descrito objetivamente (2008, p. 87).

23

e 3) as potências regionais. A inclusão da dimensão regional da polaridade nesse esquema analítico o robustece. Entretanto, a forma em que os autores lidam com as potências regionais exibe alguma fragilidade. Muitas das potências como a Índia e o Brasil são hodiernamente emergentes, dificultando a demarcação entre uma potência regional e uma potência global emergente. Um detalhe compartilhado por ambas as escolas, Inglesa e Construtivista, é que ambas percebem que cada um desses conceitos aceita em suas classificações alguma variação nas capacidades de poder e força dos Estados. A bibliografia tende a denominar o Brasil e a Índia como emergentes, potências regionais e países intermediários, mesmo tendo em mente a díspar capacidade de poder militar entre eles7. Um dos resultados desse debate é a maior visibilidade e produção intelectual sobre a mudança de polaridade no período da ordem internacional em transição no pós-1989. Em razão destes desenvolvimentos teóricos, o debate contemporâneo sobre a nova ordem global tende a discutir de que modo potências emergentes, como Brasil, Rússia, Índia e China (BRICs) afetam o sistema internacional no sentido de torná-lo multipolar (SOARES DE LIMA e HIRST, 2009; VAZ, 2006; HURRELL et al., 2009). O estudo do comportamento de países da segunda camada (second tier countries) tem recebido a atenção de pesquisadores, especialmente durante a era unipolar (HURRELL, 2009). Embora compartilhem uma preferência pela configuração de poder multipolar, um dos principais limites enfrentados por esses países de acordo com esta produção acadêmica, é que os países em apreço pouco podem fazer para, sozinhos, alterar a distribuição de poder internacional. Daí a importância estratégica do balanceamento brando8 (HURRELL, 2009), expresso em políticas como a integração, cooperação regional e coalizões do tipo Sul-Sul9. Com a finalidade de enquadrar os casos estudados na dissertação à luz do debate realizado acima, expomos a seguir algumas características de destaque de Brasil e Índia e os temas de importância nas pautas regional e global. O protagonismo de potências emergentes tem desempenhado um papel expressivo no contexto das transformações no cenário internacional. Vários analistas e políticos foram animados pelo prognóstico 7

Este ponto está posto claramente em Sennes (2006) quando realiza a discussão conceitual sobre potências médias, países intermediários e potências emergentes. 8 No original “Soft Balancing”. Entende-se que a construção de coalizões, ententes e o emprego do regionalismo podem ser utilizados como formas de balanceamento brando. Esta discussão está presente em “Hegemonia, liberalismo e ordem global: qual é o espaço para as potências emergentes?” (HURRELL, 2009, p. 17). 9 Uma excelente revisão da literatura sobre Coalizões Sul-Sul e o debate atual pode ser vista em Oliveira, Onuki e Oliveira (2009).

24

positivo feito pelo banco de investimentos Goldman Sachs sobre a economia mundial nas próximas décadas, se prevê que o Brasil e a Índia figurarão entre as primeiras economias do mundo (WILSON e PURUSHOTHAMAN, 2003). Esse cenário prospectivo é importante para as nações em apreço, tendo em vista que o desenvolvimento e o crescimento econômico são percebidos como fatores determinantes em suas capacidades de afetar a ordem internacional10 (LAFER, 2004; MOHAN, 2006b). Aliado à iniciativas como o G-20 e pelo seu próprio peso econômico, se evidenciam pela arrojada atuação na economia internacional nos dias atuais. Exibem, nesses assuntos, posturas pró-ativas favoráveis a mudança de aspectos selecionados da economia internacional, como na agricultura. Entre outros aspectos, no intuito de agirem como “rule-makers”, e não como “rule-takers11” Brasil e Índia destoam dos demais países intermediários pela sua atuação em instituições e organizações internacionais. Em relação aos assuntos de segurança, buscam com o G-412 um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CS-ONU), capacitando-os a participar de forma ativa de um dos principais mecanismos de manutenção da ordem internacional. Destarte a variedade de temas e formas de abordagem das transformações internacionais e de como afetam o Brasil e Índia, o campo da segurança internacional carece de mais estudos sobre os impactos de um maior engajamento desses países na segurança regional e no regionalismo, dimensões constitutivas da geopolítica atual (MATTOS, 2002). Embora não sejam economias desenvolvidas e não estejam na fronteira das capacidades militares, Brasil e Índia são dotados de recursos de poder que os distinguem de outras nações em nível de desenvolvimento semelhante, especialmente quando comparados com os países de suas respectivas regiões. Ao utilizar o indicador de gastos militares podemos ter uma idéia aproximada das potenciais capacidades de poder militar de Brasil e Índia a partir de um comparativo global e regional.

10

Com efeito, existem importantes interações entre a dimensão econômica, como o desenvolvimento econômico e crescimento, com a segurança de países emergentes. Sobre esse aspecto são de grande utilidade os conceitos de “força nacional abrangente” e “sociedade integralmente em ascensão”(FOOT, 2009, p. 135). 11 Uma excelente discussão sobre a importância das instituições para a gerência da ordem internacional e operacionalização da hegemonia americana está em John Ikenberry (1998). 12 O Grupo dos 4, ou G-4, foi uma articulação internacional criada entre Alemanha, Brasil, Índia e Japão, no intuito de pressionar pela reforma e sua inclusão como membros plenos com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas (MRE, 2007).

25

Tabela 2 Gastos Militares - Mundo (Em bilhões de dólares US$, em 2007) 1. Estados Unidos 547,0 Reino Unido 59,7 2. China 58,3 3. França 53,6 4. Japão 43,6 5. Alemanha 36,9 6. Rússia 35,4 7. Itália 33,1 8. Índia 24,2 9. República da Coréia 22,6 10. Fonte: Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), SIPRI Military Yearbook 2008, retirado de: Estatísticas, Compilação, Ministério das Relações Exteriores (MRE, 2008, p.98). Tabela 3 Gastos Militares – América do Sul (Em bilhões de dólares US$, em 2007) 1. Brasil 15,33 Colômbia 5,32 2. Chile 4,82 3. Venezuela 2,00 4. Argentina 1,75 5. Equador 1,19 6. Peru 1,13 7. Uruguai 0,24 8. Bolívia 0,14 9. Paraguai 0.06 10. Suriname Nd 11. Guiana Nd 12. Fonte: Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), SIPRI Military Yearbook 2008, retirado de: Estatísticas, Compilação, Ministério das Relações Exteriores (MRE, 2008, p.98).

Como é possível observar a partir dos dados expostos acima, enquanto a Índia figura entre as principais potências militares do mundo, o Brasil ocupa lugar privilegiado na hierarquia sul-americana, mas não no plano global. Vale salientar que o baixo perfil militar do Brasil é uma das características amplamente criticadas em relação ao projeto de inserção internacional como grande potência do país. Mesmo o Brasil encontrando problemas em relação às suas capacidades de poder militar, voltando às tabelas 2 e 3 é possível inferir que ambos os países jogam um papel importante nas dinâmicas de segurança regional, com mais ênfase para a manutenção da estabilidade regional13 no caso brasileiro. O caso indiano é diferente, pois se caracteriza mais pelas tentativas de não ser contida pelos países menores da região e pelo Paquistão, tendo uma direção muito mais ofensiva do que defensiva no status quo regional. Outro conceito fundamental é o de “países pivô” (CHASE, HILL e KENNEDY, 1996). Este 13

Vale salientar, que embora os países convirjam para este papel, tanto os contextos regionais como os tipos de intervenção a favor da estabilidade são bastante diferentes entre si.

26

termo expressa a idéia de que qualquer mudança na direção da polarização e/ou da polaridade regional induzida por Estados como a Índia e o Brasil afetarão todo o contexto regional influindo dessa forma respectivos tabuleiros geopolíticos regionais. É possível constatar quando consideramos a dimensão ideacional que os países supracitados aspiram por um papel mais influente nos assuntos internacionais, exibindo uma forte preferência por uma configuração de poder multipolar (SOARES DE LIMA e HIRST, 2006, 2009; HURRELL, 2008, 2009). Sobre essa preferência cabe indagar como os desenvolvimentos recentes afetam o grau de polarização e a polaridade no nível regional na América do Sul e na Ásia meridional. O debate realizado por autores como Sennes (2001), Hurrell (2009) e Nye (2005) discute amplamente se e como as potências emergentes atuam no processo de distribuição de poder no nível internacional, ainda em grande medida concentrado nos Estados Unidos da América14. Ao lado de outros BRICs, Brasil e Índia são considerados os principais fomentadores de uma ordem multipolar, apresentando projetos alternativos de inserção externa em importantes regiões do planeta. Dessa forma nos cabe perguntar como atuam eles, e por quais mecanismos influem nos processos de distribuição de poder no nível internacional? Essa indagação nos leva diretamente ao papel dos contextos regionais dos países aqui estudados. Ao lado das transformações originárias do período pós-Guerra Fria, a década de 1990 proporcionou um conjunto de mudanças na política externa de Brasil e Índia. Nas últimas décadas, uma dimensão de destaque em relação aos objetivos destas potências emergentes, dentre esses a construção de uma ordem policêntrica, é a importância que cumpre o entorno regional. Segundo Lafer (2004) e Cervo (2008), embora a região e o exterior próximo sempre tenham estado na agenda da política externa de ambos os países, nem sempre foi uma prioridade ou fez parte de projetos estratégicos de longo prazo. É neste momento de transição que acontece o nascimento do Mercado Comum do Sul (Mercosul), principal bloco regional da América do Sul e Caribe, inaugurando um período bem sucedido de regionalismo. Em 1995, com o Protocolo de Ouro Preto, o bloco galgou a condição de personalidade jurídica e ator de política externa, robustecendo assim o seu desenvolvimento institucional ainda dentro dos marcos do modelo intergovernamental. Em 1998 com a assinatura do Protocolo de Ushuaia pelos Estados Partes, junto a membros associados, Chile e Bolívia respectivamente, a 14

A literatura especializada não apresenta consenso sobre que tipo de ordem vigora no sistema internacional contemporâneo, uma boa discussão sobre esta questão é apresentada em Nye (2002).

27

segurança e a estabilidade política dos regimes democráticos recém inaugurados tornase oficialmente um bem público a ser defendido por instrumentos de governança regionais (ALMEIDA, 2001). De acordo com Vigevani e Cepulani (2007), o ano de 1997-8 também marca o início do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, durante o qual os autores observam em sua política externa uma mudança dentro da continuidade, priorizando primeiramente o Mercosul e a expansão da integração para a América do Sul15. Este movimento de inflexão é sentido mais fortemente durante o primeiro governo Lula da Silva, ao longo dos anos 2003-2006. Desde a redemocratização a diplomacia brasileira, seja pelo Itamaraty ou pela diplomacia presidencial16, atuou em países da região no intuito de estabilizá-la e garantir a segurança, como foram as suas atuações mediadoras no conflito entre Equador-Peru e nas tentativas de recuo democrático no Paraguai. No campo econômico, observou-se uma ampliação do espaço econômico brasileiro na região, chegando o intercâmbio intra-regional sul-americano a superar as exportações brasileiras com destino aos Estados Unidos em 2007 (TEIXEIRA JR e COSTA LIMA, 2008). Quanto à Índia, desde a independência o cenário regional tem sido um motivo de preocupação. Tendo travado mais de três guerras contra o Paquistão, uma guerra de fronteira com a China e acossada por disputas ainda não plenamente resolvidas por território e recursos compartilhados. Observa-se facilmente que o Sul da Ásia tem sido para a Índia um cenário estratégico instável e de preocupações geopolíticas e de segurança. Não obstante, desde 1985 os países da região encabeçaram a criação da SAARC, o mais importante projeto regionalista na Ásia meridional17. O bloco regional, pouco aprofundado e desenvolvido em seus mais de vinte anos de existência, passou na década de 1990 a contar com outro estado de prioridade na agenda regional indiana. Durante esse período, a Índia mudou a sua política para região e também para a SAARC 15

Embora diferindo sobre a análise da mudança e continuidade da Política Externa Brasileira nos últimos 10 anos realizada pelos autores supracitados, Soares de Lima e Hirst (2009). Concordam com a observação de uma priorização da América do Sul como espaço privilegiado da política externa, inclusive referendado pelas palavras do antigo Secretario Geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães (2006). 16 O termo “diplomacia presidencial” é utilizado nos estudos recentes sobre a Política Externa Brasileira (PEB), tendo no estudo publicado por Cason e Power (2009) um importante aporte. 17 Embora a SAARC seja um bloco regional que caminha para a integração regional principalmente em áreas funcionais, DASH (2009) entende que os avanços do regionalismo na Ásia se dão melhor com uma ênfase em processos de cooperação, mas não de integração. Uma das causas está entre as profundas desconfianças históricas entre os países das regiões asiáticas e ao caráter recente da soberania adquirida e conquista dessas nações. A esta observação não escapa a experiência da SAARC, que em sua própria sigla congrega os termos de cooperação regional. Porém, um telos observado por Dash (1996, 2009) e Siddharthan (2008) é que uma cooperação regional, em alguns campos ainda incipientes, possa evoluir para um processo claro de integração regional.

28

como demonstram a mudança na avaliação das potencialidades favoráveis à cooperação e de como atingir uma condição de segurança indiana na região (DASH, 2008). A partir de 1997 a “Doutrina Gujral” tornou-se o principal elemento de orientação da política externa do país. Um dos principais fatores de mudança foi à reorientação da política exterior indiana para a região à luz de idéias como não-reciprocidade e boa vontade18. Com essa nova percepção o regionalismo foi percebido como necessário, tanto para o desenvolvimento econômico nacional, como para a sua segurança. Com efeito, na perspectiva da economia indiana, a integração e cooperação regional eram entendidas como políticas complementares aos esforços de liberalização econômica do país ao longo da década de 1990 (DASH, 1996, 2008; SIDDHARTHAN, 2008). Politicamente, a mudança de percepção da região inseriu-se nos marcos da “Doutrina Gujral”, que incluía a estabilização da região como um instrumento de segurança para o país, onde o regionalismo figurava como instrumento necessário (DASH, 2008; MOHAN, 2009). Essa alteração na trajetória histórica da política externa não se encerrou com a alternância de poder entre os conturbados anos de 1996-1997. Em meados de 1997 a ascensão do partido BJP (Bharatiya Janata Party) altera algumas das linhas gerais da diplomacia indiana, caracterizadas tradicionalmente pela influência do pensamento de Nehru e Gandhi. Inspirado no Realismo Clássico de Morgenthau, Roy (2009) argumenta que nesse momento a orientação indiana praticou uma “política de prestígio”19 (MOHAN, 2006; KAPUR, 2006). Em 1998, os testes atômicos indianos foram acompanhados, em paralelo, por um maior engajamento regional. Em 2004, já com o Partido do Congresso de volta ao governo, a Índia passa a tomar uma postura pró-ativa na resolução dos assuntos regionais, recuperando de forma mais enfática a SAARC (South Asian Association for Regional Cooperation) e buscando criar e reforçar os mecanismos e instituições20 de gerência regional em temas de cooperação funcional, mas também de segurança. Como resultado, a Índia tomou a postura de liderança na SAARC, levando o bloco além, como demonstram a celebração de acordos preferenciais de comércio (SAPTA – SAARC Preferential Trade Agreement) e mais recentemente, e em 2006, um 18

Dissertamos sobre esse assunto com mais detalhes no Capítulo 3. Kapur (2006) converge com a análise realizada por Roy (2009), ambos os autores inspirados pelo neorealismo ofensivo. Mohan (2006a) é mais cético, filiando-se de forma indireta a uma perspectiva mais voltada ao neo-realismo defensivo, tendo na China e no Paquistão os principais motivadores da reação indiana no período. 20 Dado o baixo grau de institucionalização da SAARC, é interessante aplicar o conceito de instituições informais trabalhado por autores da Ciência Política, entre eles Hall e Taylor (1996). 19

29

acordo de livre comércio (SAFTA - SAARC Free Trade Area). Talvez mais importante do que os ganhos econômicos esperados são os dividendos políticos e geopolíticos do regionalismo. Representativo dessas expectativas são os objetivos de tentar fazer-se presente na região e de criar meios de resolução de controvérsias políticas e econômicas por fóruns regionais. Na melhor das hipóteses, o resultado pretendido consistia em alterar os padrões de rivalidades intra-regionais a favor de relações cooperativas. Para Dash (2008), a perspectiva em questão ganhou força quando predominou a ótica da consolidação da SAARC como um fórum de diálogo intra-regional e entre potências regionais21. Os processos históricos acima descritos permitem inferir que a dimensão regional das relações internacionais de Brasil e Índia tornou-se, oficialmente, de grande relevância para os seus objetivos políticos internacionais. É possível notar que a nossa discussão, até o momento, tratou de apresentar de forma conceitual e histórica, aspectos ligados ao poder e capacidades materiais, diretamente ligados a polaridade e a polarização. No entanto, embora priorizemos a dimensão material do poder, se está ciente do papel que as idéias desempenham para a compreensão do objeto de estudo. Na perspectiva ideacional, o regionalismo é interpretado como um projeto, mas também como uma auto-percepção de si que norteia e informa o curso das ações a favor das transformações pretendidas. Hurrell (2009) observa que, embora a dimensão ideacional não possa ser considerada uma forma de poder em si mesma, esta pode vir a contribuir para as capacidades e condições de força, entre elas a moral nacional e uma avaliação positiva da identidade internacional de um país. Mas, sobretudo a auto-imagem nacional pode conter um telos. Este, normalmente encontra-se associado ao tipo de papel que determinado país deve desempenhar por destino ou atributos como demografia, PIB, gastos militares, cultura, etc. Deve-se enfatizar que as dimensões ideacional e material não são realidades estanques. Ambas dialogam no mundo empírico, podendo se reforçar na busca nacional ao longo da condução de uma política internacional efetiva, como a política de poder ou maximização deste. Assim, a esfera ideacional pode ser convertida em um atributo de poder suave. No que tange ao regionalismo, que conceitualmente se 21

Sobre como o conflito entre Índia e Paquistão incidiu no desenvolvimento institucional da SAARC é necessário observar como o bloco transplantou para si a dinâmica de balança de poder asiática, comportando atores ligados a alianças trilaterais, pró-Índia e Paquistão, ver Kapur, 2006 e Siddharthan (2008). Hodiernamente a SAARC abriga em seu âmbito uma convenção contra o terrorismo na região, elemento que, apoiado em outros fatores, levou o renomado analista político indiano C. Raja Mohan a afirmar que o desenvolvimento político da Cooperação Regional no Sul da Ásia está apontando para uma agenda de segurança cooperativa (2009).

30

situa na concepção de idéia, aspiração e projeto político, serve como a articulação da construção de um saber sobre as relações entre aspirações e poder e meio geográfico (região) e como estas relações podem ser utilizadas para objetivos políticos, nem sempre respeitando as atuais capacidades de poder material (HURRELL, 1995, 2009). Esta perspectiva é reforçada quando se considera os casos brasileiro e indiano, como confirmam autores a exemplo de Soares de Lima e Hirst (2009), Roy (2009) e Harriss (2006)22. É mister afirmar que nesta perspectiva, embora o regionalismo e as suas funções possam ser entendidos de formas diferentes por ambos os países, a sua dimensão instrumental permanece, mesmo podendo divergir sobre como a instrumentalidade se dá. Na dimensão material, o caráter de meios-fins do regionalismo é mais evidente. Nos casos estudados, a perspectiva material entende que o regionalismo tem as suas mais relevantes expressões na cooperação e na integração regional. Em termos de regionalização ambos os blocos (Mercosul e SAARC) podem não corresponder a maior parcela do comércio exterior dos respectivos países23. Contudo, sobrevalorizar os aspectos econômicos e comerciais do regionalismo nos induziria a um erro de avaliação da importância para o Brasil e a Índia do empreendimento político sob escrutínio. Com efeito, essas experiências têm fortes rebatimentos em outras esferas da vida social e internacional tão importante como a produção e circulação de riqueza. À luz dos debates expostos e destarte a relevância dos aspectos econômicos e comerciais, o que pretendemos demonstrar neste trabalho é como os processos de integração e cooperação regional liderados por potências emergentes contribuem para a alteração dos cenários geopolíticos regionais (América e Ásia do Sul). Para responder essa indagação avaliamos a mudança na polarização regional no próximo capítulo. Adiantamos, porém, um pouco a discussão sobre a polaridade. Aqui, a distribuição de poder diz respeito aos recursos econômicos, políticos e militares na região. Podem ser constatados na tabela a seguir alguns indicativos da relevância dos países sob escrutínio através de seus atributos clássicos de poder material:

22

Este último apresenta uma avaliação negativa das ações indianas orientadas pelo ideário de seu lugar o mundo como grande potência. Mohan (2006b) exibe uma postura mais realista sobre idéias e capacidade de realização na política externa indiana na história e contemporaneamente. 23 Segundo dados do Asian Development Bank (2008, p. 07), nenhum país da SAARC figura entre os dez principais destinos para exportações indianas (mensuradas em valor) entre os anos de 2000 a 2007. De acordo com dados de 2007 da CEPAL (2008, p. 23), o mercado sul-americano é o destino de pouco mais de 15% do total das exportações brasileiras.

31

Tabela 4 Comparativo de Variáveis Clássicas de Poder Duro (Hard Power) - Brasil e Índia Brasil Índia

População

total: 8,511,965 km² terra: 8,456,510 km² mar: 55,455 km² 198,739,269 (milhões)

PIB (official exchange rate)

$1.665 Trilhões (2008 est.)

total: 3,287,590 km² terra: 2,973,190 km² mar: 314,400 km² 1,166,079,217 (milhões, Julho 2009 est.) $1.237 Trilhões (2008 est.)

Gastos Militares/PIB

2.6% 24do PIB (2006 est.)

2.5% do PIB (2006)

Território

Fonte: CIA Factbook – Countries: Brazil: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/br.html; India: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/in.html

Os recursos tradicionais de poder de potências como o Brasil e a Índia tem levado teóricos a pensar sobre formas de classificação do poder desses países no contexto regional. Dentre esses utilizamos amplamente o presente trabalho o conceito de preponderância. A partir da visualização da tabela anterior se constata facilmente que em termos comparativos globais, Brasil e Índia constam entre os 10 países com maior território25, Produto Interno Bruto (PIB) e população em termos globais. Uma análise mais refinada dirá que ambos os países são potências preponderantes em seu entorno regional (América do Sul e Sul da Ásia), como veremos no terceiro capítulo. Entretanto, nos indagamos sobre como a condição de preponderância regional já alcançada por esses países contribuem ou não para a mudança da polarização e da polaridade na América do Sul e Ásia meridional. A essa inquietação intelectual respondemos inicialmente com perguntas. De que forma o regionalismo influi nas dinâmicas de polarização? Como as mudanças nas relações regionais internacionais de Brasil e Índia em suas regiões afetam os padrões de distribuição de poder regional? Houve aumento ou recuo na concentração de poder regional no período analisado? Exerce o regionalismo uma relação de causalidade com a manutenção das condições de superioridade de poder duro desses países quando comparados aos vizinhos próximos ou influência na redistribuição de poder na região? Essas são algumas indagações que serão respondidas ao longo do trabalho. 24

É imperioso salientar a diferença entre gastos militares e gastos com equipamento/armamento. Do valor acima cerca de 90 % é destinado a verbas de custeio e pagamento de pessoas, menos de 5% é direcionado a investimento. Estes fatores comprometem a expressão de poder militar do Brasil (LUCENA SILVA e TEIXEIRA JR, 2009). 25 O Brasil como quinto maior país e a Índia como o sétimo.

32

Em razão destas provocações cabe expressar de forma direta que a idéia central desta dissertação consiste na hipótese de que o regionalismo pode influir na mudança de dinâmicas geopolíticas regionais. Estas dinâmicas são aqui avaliadas através dos conceitos de polarização e polaridade. Compreende-se que blocos regionais podem ser utilizados para fins de política externa de potências regionais, como a mudança de padrões de rivalidade para cooperação intra-regional. Mais importante, temos como premissa que o regionalismo afeta a distribuição de poder, econômico e político, contribuindo para alterar a polaridade regional. Concomitantemente, influi na geopolítica regional ao gerar/aumentar a influência das referidas potências sobre países vizinhos26 e alterar a distribuição de poder na região. A maior ou menor influência sobre os demais países pode ser averiguada pelo impacto do regionalismo na mudança da polarização regional, principalmente quando esta muda a favor de dinâmicas de cooperação. A partir da concepção de que o regionalismo diz respeito tanto a integração como a cooperação regional, nenhuma dessas modalidades pode acontecer de forma satisfatória à luz de expressivos conflitos de interesse. Quando estes prevalecem, existe fortes incentivos a defecção do experimento regionalista tornando a sua sobrevivência ameaçada (KEOHANE, 1984; MILNER, 1992). Isso explica por que a nossa análise sobre a polaridade regional é precedida pela explicação da mudança nos padrões regionais de inimizade / amizade. Nossas menções à geopolítica, dinâmicas de segurança regional e regionalismo nos levam à explicitar o nível de análise, o referencial teórico e conceitual empregue.

1.2.

Abordagens Regionalistas e a Região como Nível de Análise

1.2.1. Região, Geopolítica e Espaço

Autores como Hurrell (2005), Buzan e Wæver (2003) afirmam que o nível de análise regional tem sido tradicionalmente negligenciado pelos trabalhos mainstream em Relações Internacionais, predominando a escolha dos níveis individuais e sistêmicos. Com o advento da integração européia a região, cada vez mais, passou a ser um importante objeto e nível analítico na Ciência Política e nas Relações Internacionais. Entretanto, os esforços destinados para a compreensão do regionalismo têm sido

26

Para uma concepção de influência como forma de poder ver Aron (2002).

33

fortemente influenciados por perspectivas eurocêntricas (DASH, 2008). Na verdade, a Teoria da Integração Regional na Ciência Política foi construída, em sua grande maioria, a partir da análise da experiência européia (MATTLI, 2003). Embora seja amplamente aceito que a União Européia seja a principal manifestação do regionalismo nos últimos 50 anos, a força do exemplo europeu no estudo da integração regional comparada pode ter efeitos negativos. Um problema observado por alguns autores acerca desse ponto é que a avaliação do regionalismo fora da Europa tende a ser estudado tendo como referência a UE. Escampando, dessa forma, as sutilizas e excepcionalidades dos casos estudados, que podem, todavia, apresentar trajetórias absolutamente distintas, mas igualmente instigantes para a academia. Diante destas constatações, preferimos seguir a sugestão de Hurrell. De acordo com o internacionalista britânico: “Rather than try and understand other regions through the distorting mirror of Europe, it is better to think in general theoretical terms and in ways that draw both on traditional International Relations and on other areas of social thought” (HURRELL, 2005, p. 39). Destarte as contribuições pioneiras e de grande valor teórico o estudo do regionalismo inspirado apenas na experiência da União Européia tende a ser insuficiente para compreender as especificidades do regionalismo nos países em desenvolvimento. Além de ser um fenômeno multidimensional e que se manifesta de diversas formas o regionalismo é também um termo “guarda-chuva” que cobre uma vasta gama de processos, como a regionalização econômica, criação de laços societais regionais, criação da identidade regional, formação de instituições regionais inter-estatais ou a promoção estatal da integração regional. Em outras palavras “Regionalism is best viewed as an unstable and indeterminate process of multiple and competing logics with no overriding teleology or single end point” (HURRELL, 2005, p. 39-40). Para melhor compreensão cabe aqui reproduzir uma afirmação de Väyrynen (2003), bastante comum em outros autores do regionalismo como Mattli (2003) de que as relações internacionais estão passando por um processo de reorganização vertical em que a ênfase está mudando para cima e abaixo do nível nacional, destacando-se assim as dinâmicas regionais e sub-nacionais. Em concordância com o exposto acima podemos sintetizar que em Relações Internacionais existem pelo menos três opções de escolha do nível de análise, a saber: 34

sistêmico (global), regional e doméstico. No presente estudo optamos pelo segundo nível. Conforme as influências teóricas do presente trabalho, optamos por denominar essa estratégia de estudo como “abordagem regionalista”. Intrinsecamente, esta forma de observar e inferir acerca das dinâmicas das relações internacionais parte da constatação de que são fundamentais as inter-relações entre o meio físico com o tipo e padrão de comportamento externo dos Estados. De forma notável, uma das primeiras abordagens ligadas a cratologia (estudo do poder) que se prestou a analisar essas relações foi a disciplina Geopolítica. Segundo o célebre cientista político Zbigniew Brzezinski, a Geopolítica “refere-se à combinação de fatores geográficos e políticos que determinam a condição de um Estado ou região, enfatizando o impacto da geografia sobre a política”. (BRZEZINSKI apud MELLO, 1999, p.12). Apesar do enfoque dado aos determinantes espaciais naturais, como perceptível na geopolítica naturalista (CAIRO, 2008; AGNEW, 2003) a geopolítica moderna lida com cenários mais complexos se comparado aos dilemas da geopolítica naturalista27 e da vertente ideológica da Guerra Fria28. Deixando de lado qualquer pretensão determinista, optamos por adotar a postura de inter-relações e influência recíproca, como preferem expoentes da geopolítica contemporânea advindos do setor civil e do militar, como preferem proceder Agnew (2003) e Meira Mattos (2002). A postura epistemológica aqui esposada é tributária da versão standard do Construtivismo em Relações Internacionais (MCDONALD, 2008). As questões geopolíticas do pós-Guerra Fria, além de guardarem elementos de outras eras geopolíticas, como a importância de regiões estratégicas, o controle de mares, estreitos, rotas de comércio e energia, adiciona em sua agenda questões novas como terrorismo global, narcoguerrilhas, entre outros. Dentre os novos temas, a reconfiguração da geopolítica mundial na era unipolar, sobre a qual se deteve a exSecretária de Estado norte-americana Condolezza Rice (2008) figura como um dos principais temas contemporâneos da geopolítica. É neste contexto de novas ameaças e de reconfiguração dos espaços pelas emergências de potências como Brasil, Índia e China, e re-emergência de poderes como Rússia, que a nova era geopolítica apresenta novas complexidades, adicionando assim elementos novos. Entre estes, com o advento de uma ordem unipolar, ou de supremacia militar e estratégica inconteste dos Estados

27

A exemplo das teses do Poder terrestre e do Poder marítimo, de Mackinder (1904) e Spykman ( 1944). Como exemplo podemos citar o problema da Contenção Militar-Ideológica de Kennan e Kissinger (AGNEW, 2003).

28

35

Unidos, a influência tende a ser mais valorizada do que o controle direto sobre recursos e territórios alheios, especialmente no caso de potências emergentes e regionais29. Portanto, no contexto destes debates geopolíticos sobre a dimensão espacial das relações internacionais, destaca-se a expressividade dos contextos regionais em que se encontram o Brasil e a Índia. É importante destacar como esse nível de análise favorece a compreensão das dinâmicas regional-global no mundo contemporâneo. Para tal citaremos Hurrell mais uma vez: “Em todos os casos [Brasil e Índia], a política externa é fortemente condicionada pelo contexto regional – por balanças de poder regionais (especialmente no Sul da Ásia e no Leste Asiático); por padrões cambiantes de insegurança regional (especialmente na forma de novas categorias de ameaça); e por padrões de regionalização social e econômica cada vez mais densos. As regiões também são essenciais para o auto entendimento histórico” (2009, p. 22). Para este entendimento, devem-se compreender historicamente os distintos status atribuídos às regiões onde se encontram os países em apreço. A América do Sul30 tendeu a ser considerada ao longo da história como uma região marginal na política internacional. Assim o foi desde os finais do século XIX ao início do XX como apontou Halford Mackinder (1904), até as primeiras décadas do século XX com Nicholas J. Spykman (1944); embora, de acordo com Cairo (2008), uma releitura da importância da região tenha sido feita por Huntington e Barnett (CAIRO, 2008). Contrastando com essa avaliação do subcontinente sul-americano, a Ásia tem sido cada vez mais uma macroregião extremamente valorizada. Nesta porção geográfica, destacam-se especialmente as porções geográficas que se situam desde o Sul da Ásia até o Nordeste asiático, com o Japão e a Coréia do Sul. Juntamente com a sua importância geopolítica, a Ásia também é palco e epicentro de importantes transformações na distribuição de poder econômico, tecnológico e militar na atualidade. Aqui, a ascensão da China e da Índia aponta para a emergência de novas potências com capacidade de projeção global (ZAKARIA, 2008). Estas questões são desenvolvidas por uma vasta bibliografia, como é possível constatar pelos nomes que seguem: Joseph Nye Jr. (2005), Zbigniew Brzezinski (s.d), Robert Kagan (2008). Estudioso da geopolítica contemporânea, Robert D. Kaplan (2009) 29

Em Paz e Guerra entre as Nações (2002), Raymond Aron discute a influência como uma expressão do poder. 30 Segundo Vizentini (2008), o termo América do Sul é um conceito mais operacionável pela geopolítica e pela diplomacia do que tende a ser o de América Latina. Moniz Bandeira (2008) esposa semelhante interpretação.

36

argumenta sobre a centralidade do Sul da Ásia, notadamente a bacia do Oceano Índico como possível núcleo de conflitos inter-estatais na política internacional do século XXI. A parte do fato de importantes analistas normalmente atribuírem diferente importância à América do Sul e à Ásia do Sul, o fenômeno regionalista se faz presente em ambas as regiões. O referencial teórico que embasa a análise aqui realizada proporciona parâmetros que permitem um estudo comparativo, como demonstraremos ser possível na seção 1.3 deste capítulo.

1.2.2. Classificação dos Países segundo Suas Capacidades, Escopo e Poder.

Uma abordagem regionalista, que leve em consideração as dimensões de geografia (espaço) e história (tempo), trata essencialmente de um nível meso das relações internacionais. No entanto, a definição da polaridade, de forma tradicional, tende a se dar de acordo com a distribuição de poder no nível do sistema. Segundo o esquema analítico do realismo waltziano, o sistema internacional é composto por unidades, os Estados, funcionalmente semelhantes. Os Estados são diferenciados por suas capacidades, escopo de atuação internacional e poder, logo, um processo de classificação de potências necessita levar em conta essas qualidades. Ao discutirem sobre níveis de análise na disciplina de Relações Internacionais, Buzan e Wæver (2003) entendem que o realismo, em particular a versão de Kenneth Waltz (1979), tende a classificar de forma tricotômica os Estados de acordo com as suas capacidades e poder, as distinções possíveis são: Grandes Potências, Potências Médias e Pequenas Potências. Note-se que o nível tido em consideração na perspectiva do neo-realismo estrutural de Waltz é o estrutural-sistêmico. Uma das fragilidades dessa vertente é que ignora as configurações de poder no nível regional. Para o estudo aqui realizado, este tipo de classificação não satisfaz as necessidades de análise regionalista. Em outras palavras, a abordagem aqui empreendida tem atenção especial para as configurações de polaridade no nível regional das relações internacionais. Ao estudarmos as relações internacionais que ocorrem em um espaço físico geograficamente delimitado como é uma região, torna-se relevante discutir brevemente sobre o tipo de potências que habitam nesse meio. Em particular, tratando na dissertação de duas regiões como a América do Sul e Sul da Ásia, onde, ao lado de pequenas potências se destacam potências regionais preponderantes como o Brasil e a Índia, se faz importante dispensar algum espaço para apresentar a definição de Potências 37

Regionais, aplicável a ambos os países. Todavia, como demonstraremos mais adiante, esta definição começa a ser insuficiente para o status de poder que estes países começam a alcançar. De acordo com Buzan e Wæver (2003) Potências Regionais (Regional Powers) definem a polaridade de qualquer Complexo Regional de Segurança31 (RSC). Para a presente dissertação os dois dados que seguem são fundamentais. Os autores avaliam que a polaridade regional no Sul da Ásia é bipolar e na América do Sul multipolar. As características distintivas desse tipo de país na condição de potência regional é que as suas capacidades estão fortemente ligadas aos seus respectivos contextos regionais, não registrando importância semelhante no nível global. Poderes de nível superior, como a super-potência Estadunidense e as grandes potências interagem com as potências regionais baseadas no cálculo de que a influência e capacidades destes últimos sejam de relevância para os processos de securitização de uma região em particular. No entanto, potências regionais são normalmente excluídas dos cálculos de interação ligados a polaridade sistêmica, embora, podendo ser inseridas nesse nível do jogo internacional em função da rivalidade entre os grandes poderes, como acontecia na Guerra Fria (2003, p. 37). Contudo, os desenvolvimentos políticos das últimas duas décadas têm caminhado para demonstrar uma crescente importância das potências regionais em apreço na política mundial. Além de fortalecer o seu papel de potência regional, Índia e Brasil buscam também mudar estruturalmente o seu lugar na hierarquia internacional. Inseridos no quadro descrito acima, esses dois países buscam fortalecer as suas condições na geopolítica regional a partir da alteração da polaridade regional favorável a si, sendo para isso relevante a alteração na polarização regional. Note-se que a concepção de polaridade abarcada nesta discussão não está apenas ligada a variáveis matérias de poder. Como afirmado em momento anterior as dimensões de caráter ideacional e simbólicas exercem importante influência na motivação e orientação desses países. É útil lembrar que além da conceituação de potências regionais, os Estados estudados podem ser enquadrados como países intermediários (SENNES, 2001, 2006), ou como prefere Hurrell (2009), países da segunda camada. Até o momento, a discussão aqui empreendida privilegiou as relações entre o nível global-global e global-regional. Cabe agora nos determos brevemente às interações intra-regionais. Em comum com os demais conceitos em Ciências Sociais, 31

No capítulo 2 apresentamos a Teoria dos Complexos Regionais de Segurança, onde é explicado o conceito de Complexo Regional de Segurança.

38

aqueles expostos nas sessões anteriores embora nos ajudem a apreender a realidade, exibem dificuldades e os atributos que os caracterizam não são ponto pacífico na literatura (HURRELL, 2000). Mesmo assim, na ausência de uma teoria ou conceito definitivo sobre como melhor classificar países como o Brasil e a Índia, podemos destacar duas características essenciais que nos auxiliarão. Primeiramente, ambos os países possuem recursos que os distinguem dos demais vizinhos. Em segundo lugar, possuem uma imagem construída de que devem ocupar um lugar de destaque na política internacional, tanto pelas suas condições naturais, pela sua importância regional, mas também pelo papel que podem jogar em temas expressivos da política mundial (HURRELL, 2000; SOARES DE LIMA e HIRST, 2006). Para que se entenda essas características distintivas de forma mais esquemática, tomamos a liberdade de reproduzir alguns trechos de quando Andrew Hurrell buscou responder a indagação de por que focar os países dos BRICs em particular32: “[1] A primeira razão é que todos parecem dispor de recursos de poder militar, político e econômico; alguma capacidade de contribuir para a gestão da ordem internacional em termos regionais ou globais, além de algum grau de coesão interna e capacidade de ação estatal efetiva. [...] [2] Uma segunda razão é o fato de todos esses países compartilharem uma crença em seu direito a um papel mais influente em assuntos mundiais.” (2009, 10-11). Em face disto, estes países não figuram ao lado de pequenas potências, com pouco poder e influência sobre os assuntos internacionais, nem tampouco possuem lugar ao lado de grandes potências, responsáveis pela gerência, em última instância, da política mundial, estando assim em uma posição intermediária.

1.2.3. Literatura sobre os casos selecionados: Brasil e Índia

Desde o advento do Mercosul tem crescido o interesse e o espaço na produção nacional dedicada à questão da integração regional e as relações exteriores do Brasil com a região. Cada vez mais, o Mercado Comum do Sul e a integração sul-americana passam a ser avaliadas a partir de seus próprios objetivos e processo histórico em detrimento de análises comparativas com a União Européia que beiram ao mimetismo (FERRER, 2006). Um dos pontos de destaque na bibliografia estudada é a consideração 32

Para o presente trabalho, dos países que compõem os BRICs analisaremos apenas Brasil e Índia.

39

de que, com a emergência do bloco do Cone Sul a política externa brasileira objetiva, entre outras coisas, a diluição e descentralização do poder dos grandes centros já estabelecidos abrindo margem para um maior equilíbrio de poder e um multilateralismo (VIZENTINI, 2006, 2008; SOARES DE LIMA e HIRST, 2009). Um dos autores obrigatórios neste campo de estudos é Ricardo Seitenfus (2004). A sua importância é aqui atribuída em função da forma que o autor distingue a política externa da política internacional. Entre os aspectos basilares de sua discussão, o presente trabalho incorpora o reconhecimento de que o Mercosul e o regionalismo sul-americano não são apenas itens da política externa brasileira, esta entendida como as relações normais que um Estado mantém com outros. Mas que esses dois movimentos da estratégia regional do Brasil são reflexos de uma política internacional, no sentido de uma política de inserção, projeção e criação de um espaço político próprio que garanta a autonomia no âmbito de suas relações exteriores (SEITENFUS, 2004). Nessa perspectiva, o Mercosul pode ser enquadrado como um empreendimento de política internacional. Em linha semelhante Paulo Fagundes Vizentini (2006, 2007, 2008) apresenta uma rica discussão teórica e empírica sobre o caráter defensivo/ofensivo do bloco, no que tange a sua postura diante das transformações da ordem internacional, como a globalização econômica e a unipolaridade. Ainda sobre a postura do Brasil diante do sistema internacional, de forma semelhante à Sennes (2001, 2006), Maria Regina Soares de Lima e Monica Hirst (2006) contribuem para o estudo em apreço com os conceitos de países intermediários. Nesse sentido, a compreensão dos impasses e constrangimentos a inserção internacional do Brasil enquanto potência regional e jogador global se fazem indispensáveis. Ainda nesse campo teórico-conceitual, Hélio Jaguaribe segue sendo uma referência indispensável, tanto pela estratégia analítica de dialogar as dimensões de poder econômico, político e militar com as condições e especificidades de um país em desenvolvimento como o Brasil (2005). Fundamental para o debate é o conceito de preponderância, desenvolvido pelo cientista político Leonel Itaussu Mello (1996), a partir das categorias analíticas de Raymond Aron. Esse ferramental se faz caro à análise, pois possibilita compreender adequadamente a postura e o tipo de relacionamento de poder do Brasil com os seus vizinhos, evitando classificar esses países como hegemônicos. Esta opção analítica contrasta diretamente com interpretações identificadas com a idéia de hegemonias regionais de Brasil e Índia, a exemplo da tese de que existe no caso mercosulino uma hegemonia cooperativa sob o eixo Brasília40

Buenos Aires, como conclui o analista político argentino Alberto Sosa (2008)33. A discussão empreendida por Mello (1996) acerca das “modalidades de paz”34, na qual se destaca o conceito de preponderância é analiticamente rico para o estudo da situação do Brasil na América do Sul, como o é para a Índia no Sul da Ásia. Quanto ao caso indiano, desde a segunda metade da década de 1980, o país tem passado por um profundo processo de transformação econômica e política. Paralelamente às reformas liberais dos anos 90, o país passou ao longo dos últimos anos por acontecimentos como a derrota do tradicional Partido do Congresso para o Bharatiya Janata Party (BJP) em 1997, a retomada do exercício do governo pelo Partido do Congresso. Acima de tudo, o período que fizemos referência acima foi palco de importantes transformações internas na economia, mas também na política e sociedade indiana. No campo da política externa, a literatura tende a se dividir sobre se as mudanças recentes na orientação da política externa indiana são fruto da percepção da rápida ascensão chinesa ou motivadas por estímulos domésticos, como uma busca por prestígio e reconhecimento. Além da questão sobre qual interpretação explica melhor a realidade daquele país, o fato é que nesta última década a Índia está mudando o cenário geopolítico regional, especialmente a partir de 1998 com o seu teste de artefatos nucleares (THOMAS, 2004; MOHAN, 2006a, 2006b; KAPUR, 2006; ROY, 2009). Um importante expoente nos estudos sobre política externa indiana, o analista político indiano C. Raja Mohan (2006a, 2006b) compreende que a grande estratégia de inserção internacional indiana está dividida em três círculos concêntricos, sendo eles: a vizinhança imediata, Ásia e litoral do oceano Índico e o nível global. Mesmo participando da SAARC desde a sua fundação na última metade da década de 1980, apenas nos anos 1990 a Índia voltou a vislumbrar a necessidade de promover a integração econômica regional no subcontinente. Quando a Índia assumiu essa tarefa o comércio intra-regional passou por um momento de crescimento (MOHAN, 2006b, p. 5). Após décadas de negação do regionalismo político e econômico, a Índia passou a ser uma participante ativa em várias organizações regionais (2006b, p.6)35. Nesse âmbito, correspondente ao primeiro ciclo concêntrico, o autor considera a inauguração do 33

Uma idéia semelhante está presente na tese sobre Relações em Eixo desenvolvida por Patrício ( 2006), no entanto a concepção vigente não é a de hegemonia, mas sim de uma capacidade liderança ligada a atores de maior poder relativo regional, que bilateralmente conseguem “puxar” processos de integração regional. 34 Equilíbrio [de poder], Hegemonia e Império. Mello (1996) atribui status autônomo à preponderância, colocando esta entre o equilíbrio e a hegemonia. 35 Entre essas se destacam: SAARC, BIMSTEC, APEC, ASEAN + 4, esta última em negociação.

41

SAFTA como a possibilidade de reintegrar os mercados do subcontinente, os quais constituíam um único espaço econômico antes de 1947. Visão esta compartilhada por autores como Siddharthan (2008). Estes desenvolvimentos são vislumbrados como fatores que aumentam os ganhos econômicos indianos e podem criar interdependências entre este e os seus vizinhos. Paralelamente a metas econômicas, se observa a adoção e aderência a objetivos regionais, como estabilizar as relações com os vizinhos menores e criar medidas de confiança com o Paquistão. Não obstante a percepção predominante de competição entre China e Índia e da rivalidade indiana com o Paquistão, Mohan (2006a) vislumbra os esforços de reconciliação política com estes países como parte da grande estratégia indiana para a região. Porém, entende que nas próximas décadas aumentarão dramaticamente as demandas para que a Índia garanta a estabilidade da vizinhança. (2006b, p.8). Uma alternativa explicativa concorrente sobre estas questões é fornecida por Nabarun Roy (2009). Este argumenta que a Índia, com a ascensão do partido BJP nos anos 90 passou a buscar uma “política de prestígio” (2009), caracterizando-se por uma conduta de auto-afirmação como grande potência e expandindo sua presença na região com bases em estímulos domésticos de busca por prestígio e reconhecimento, diferente do que os neo-realistas defensivos argumentam quanto à expansão da Índia como motivada pela ascensão da China. Mesmo em ambiente complexo, carregado de instabilidade política e de questões de segurança pendentes, a cooperação e a integração econômica no sul da Ásia sobrevivem. Nesta linha de análise Kishore C. Dash em seu artigo “The political economy of regional cooperation in South Asia” (1996) delineia o histórico da integração regional no Sul da Ásia, destacando as possibilidades deste processo. Em publicação mais recente, o autor apresenta uma análise robusta da história e atualidade da SAARC, na qual lança mão do estudo das dinâmicas políticas nacionais na explicação do sucesso e fracasso do regionalismo no Sul da Ásia, destacando as hercúleas dificuldades da cooperação regional na região (DASH, 2008). Em uma avaliação mais otimista, o economista indiano N. S. Siddharthan (2008) argumenta que embora historicamente a SAARC seja uma experiência de cooperação e integração regional problemática, nos últimos anos passou por uma intensificação, onde se notabilizou a importância da liderança indiana. Para o autor um novo momento na história da integração regional surge com a inclusão de novos países no bloco, o Afeganistão como membro pleno (em 2007) e como observador a ASEAN, China, Coréia e Japão. 42

A revisão da bibliografia realizada nos permite concluir, mesmo de forma parcial, que o Brasil e a Índia buscam consolidar suas posições de potência regional, o que implica em maior participação, influência e presença no cenário político e econômico da região. Factualmente, ambos têm buscado realizar tal projeto. No campo político, pela criação de instituições e reforço das existentes voltadas a gerência dos assuntos regionais. No campo econômico, pela integração dos mercados e aumento dos fluxos intra-bloco. No campo geopolítico, este complexo político-econômico permite maior influência entre as potências regionais e países de menor porte, distribuindo poder favoravelmente para o Brasil e Índia. Doravante, apresentamos as estratégias comparativas e os métodos de inferência que lançaremos mão para o estudo em questão.

1.3.

Comparando Diferentes: O Desenho da Pesquisa, Most Different System

Design (MDSD) e o Institucionalismo Histórico Esta dissertação versa sobre como processos de cooperação e integração regional liderados por potências regionais influem na modificação da geopolítica regional, a partir da ótica da polarização e da distribuição de poder. A dissertação lança mão da comparação das experiências de Brasil e Índia e as suas respectivas experiências regionalistas, o Mercosul e a SAARC. Neste primeiro capítulo traçamos as linhas gerais do sistema internacional contemporâneo e os principais debates concernentes ao tema em apreço. Esse quadro geral permite enquadrar os processos no nível regional como pertencentes a um contexto maior. Esse enquadramento se realizou sob a perspectiva dos debates em torno da formação de uma nova ordem multipolar e formação de blocos de poder. Apoiados nessa perspectiva histórica ampla, tratemos a seguir dos métodos e parâmetros da pesquisa.

1.3.1. Variáveis operáveis: dependentes, intervenientes e independentes

Como tradicionalmente ocorrem com as Ciências Sociais, os fenômenos políticos são dotados de grande complexidade, tendo normalmente múltiplas causas e motivações. Assim sendo, a explicação de fenômenos políticos deve ser auxiliada pela utilização de variáveis e fatores outros. A seguir serão apresentadas as variáveis escolhidas para o estudo.

43

A variável dependente, ou o que pretendemos explicar são as mudanças na América do Sul e Sul da Ásia da polarização e na polaridade, as quais correspondem àquilo

que

chamamos

no

título

da

dissertação

de

geopolítica

regional.

Conseqüentemente, queremos avaliar como ocorreu o processo de consolidação da preponderância durante o período regionalista vivido pelos países escrutinados. Caso a hipótese seja confirmada, a preponderância tenha aumentado, buscaremos compreender os benefícios auferidos pelas potências regionais. A história e a geografia estão presentes no estudo fornecendo variáveis intervenientes que auxiliam na elucidação das relações entre variáveis dependentes e independentes. Com isso, a análise dos contextos políticos regionais e a história da integração se mostram elementos importantes para entender os cenários e situações onde são realizados os cálculos estratégicos e as decisões políticas são tomadas. Ademais, de acordo com o modelo descritivo dos Complexos Regionais de Segurança (RSC – BUZAN e WÆVER, 2003) a existência e a quantidade de potências concorrentes é um dado importante, pois informa o comportamento dos Estados que perseguem a consolidação da posição de potência regional e maior projeção internacional, como é o caso de Brasil e Índia. Dessa forma, as dinâmicas regionais de segurança, as suas interações com o meio internacional doméstico e global são fatores que auxiliam na análise que se fará nos próximos capítulos. As variáveis independentes com as quais explicamos o problema proposto estão organizadas de forma lógica e cronológica. O lócus escolhido para o estudo é a esfera das relações internacionais regionais. Nesse sentido, a cooperação e a integração regional são os primeiros dados importantes para a explicação. Do regionalismo derivam as instituições e mecanismos que vão acomodar as dinâmicas de rivalidade, tal como suavizar as possíveis tensões oriundas da distribuição assimétrica de recursos e capacidades socialmente valorizadas no contexto regional. Mais importante é a capacidade destas organizações regionalistas estudadas em prover expectativas sobre a solução das assimetrias e acerca de ganhos mútuos com a integração e cooperação. Este estado de coisas, associado à condição de preponderância garante a influência de Índia e Brasil sobre países vizinhos menores. Isto se dá pela capacidade de convencimento sem uso direto da coerção e da força. Embora, se deva destacar que aqui não está em uso a idéia de hegemonia, mas sim a de preponderância36. O argumento sobre este ponto é que

36

No terceiro capítulo a distinção entre hegemonia e preponderância é colocada com mais clareza.

44

embora Brasil e Índia tenham capacidades e recursos de poder muito superiores se comparado aos seus vizinhos, não exibem capacidades semelhantes em gerar consensos, visões de mundo e perspectivas sólidas de ganhos mútuos com a hegemonia. Daí recorrentes crises de confiança mútua e ameaças de defecção no Mercosul e na SAARC. Com efeito, estes problemas são sérios para os intentos de Brasil e Índia em virtude do caráter estratégico assumido pelo regionalismo naqueles contextos. Publicações acadêmicas e documentos diplomáticos fazem saber que a América do Sul e o subcontinente indiano são as esferas preferenciais de atuação destes Estados. Contudo, embora sejam nessas porções geográficas que as principais dinâmicas de segurança desses países se dão, no que concerne a preocupações geopolíticas mais amplas o âmbito da suas respectivas regiões é extrapolado. Contudo, cientes da centralidade da região para esses países, lançamos mão do instrumento dos Círculos Concêntricos, para visualmente compreender melhor como se situa o nível regional em um contexto micro e macro. A escolha desse ferramental parte da idéia de que as estratégias de política externa dos países são organizadas em círculos concêntricos. Estes se organizam como segue:

Figura 1 Três Círculos Estratégicos: Brasil e Índia Nível Global

América do Sul

América Latina; Atlântico Sul

Nível Global

Vizinhança Imediata

Ásia, Litoral do Oceano Índico

Fonte: Vizentini (2006), Soares de Lima & Hirst (2006), Cervo (2008), Raja Mohan (2006b), Kapur (2006).

45

O recorte realizado para ambos os países dá conta do primeiro círculo, acima apresentados como América do Sul e Vizinhança Imediata. Note-se que ambos os recortem compreendem os processos de integração, tanto o MERCOSUL como a SAARC. Apesar de serem empreendimentos eminentemente sub-regionais, têm apresentado importantes efeitos sobre a região.

1.3.2. Smal n, Institucionalismo Histórico e o MDSD

O emprego da comparação nas tentativas de apreensão e interpretação do mundo social e político datam de tempos imemoriais, podendo ser encontrado em escritos clássicos. Começando com os gregos antigos, Aristóteles consagrou em A Política a sua célebre comparação entre formas de governo boas e corrompidas, aproveitadas posteriormente por Platão em seu livro A República. Na modernidade clássica, o pensador italiano Nicolau Maquiavel lançou mão da comparação em o célebre O Príncipe. Estudos comparados no pensamento político fazem-se presentes a muito, constituindo uma verdadeira tradição na história da disciplina. Mais contemporaneamente, com a separação da Ciência Política da Filosofia e a sua posterior institucionalização como disciplina independente, surgiu a consolidação e sistematização do sub-campo da Política Comparada. Permeando toda a variedade de debates e subáreas da Ciência Política, desde os estudos sobre relações ExecutivoLegislativo à Política Internacional, a Política Comparada se faz presente como uma poderosa ferramenta de análise e produção de conhecimento na disciplina. No que tange ao escopo da comparação aqui efetuada, lançamos mão da estratégia metodológica de small n, no nosso caso a escolha de dois casos, Brasil e Índia. A comparação foi realizada lançando mão de técnicas de política comparada informadas por Landman (2008). O cientista político Arendt Lijphart (1971) define o método comparado como um dos métodos básicos de estabelecer proposições empíricas gerais. No sentido desta definição, o método comparativo é entendido como uma forma de estabelecer relações entre as variáveis. Embora conheçamos os limites do referido método, reconhecemos também a existência de um trade off metodológico, no nosso caso, o problema da escolha intencional de casos é combatida por um conjunto de atributos fortes para a análise aqui realizada, os quais o Small n pôde oferecer. Ademais, este escopo comparativo tem respaldo em estudos de importantes metodólogos do campo. Autores consagrados da Ciência Política como Lijphart (1971), Geeds (2003) 46

Landman (2008) concordam quanto a algumas forças e virtudes do método de Small n. Estas podem ser classificadas como sendo: possibilita captar mudanças e desenvolvimentos políticos dentro dos países e do entre países, caracteriza-se por ser uma investigação mais intensiva do que extensiva, tornando possível uma análise mais profunda das realidades estudadas, salienta singularidades, aspectos históricos e culturais. Finalmente, prioriza utilizar níveis de abstração conceituais mais baixos, os conceitos não “viajam” bastante e os tornam mais capazes de descrever e operacionalizar, com mais nuances, contextos e histórias diferentes, trazendo assim riquezas a comparação. Para a análise da evolução histórica e factual dos blocos econômicos em apreço aplicamos abordagem institucional comparada. O institucionalismo não é um fenômeno recente na Ciência Política. Como afirma Ellen M. Immergut (1998) existe uma tradição institucionalista que remete a pensadores políticos do século XVIII como Jean Jacques Rousseau, e no século XIX e inícios do XX se destacaram autores como Max Weber. O institucionalismo e o neo-institucionalismo, por conseguinte vai além de uma abordagem, responde a uma tradição de longa influência na Ciência Política, na sua agenda e questões de pesquisa. Voltado à análise de outros contextos e fenômenos, o institucionalismo histórico surge, de acordo com Hall e Taylor (1996) como reação à análise da vida política em termos de grupo e contra o estrutural funcionalismo, então dominante nos anos 1960 e 1970. Servindo-se de elementos destas abordagens, a vertente histórica do neo-institucionalismo conservou a idéia de que a luta por recursos escassos é um aspecto central na política. Do estrutural funcionalismo conservaram a idéia de que a forma em que a comunidade política e as estruturas econômicas estão organizadas influencia decisivamente quando estas enfrentam conflitos e estes tendem a distribuir recursos e privilegiar interesses de forma assimétrica. Com isso, esta vertente é entendida por importantes autores, como Immergut (1998) como voltando a sua análise a uma perspectiva do poder e da distribuição assimétrica de recursos e privilégios. No que tange ao institucionalismo histórico, a forte ênfase no poder permite produzir análises políticas, diferentemente de algumas análises da escolha racional em que a lógica política é confundida com a lógica da micro-economia. O foco no poder, na distribuição assimétrica de ganhos e a luta por recursos escassos conferem a essa vertente uma perspectiva política mais tradicional, na qual disputas por recursos, prestígio, autoridade e influência são dominantes. Ao lado dessa característica, 47

apresentam uma concepção do desenvolvimento institucional que privilegia as trajetórias, as situações críticas (critical junctures) e as conseqüências imprevistas. Essa estratégia possibilita compreender as diferenças em cenários distintos e como diferentes variáveis e histórias influem nos resultados políticos. Outro aspecto positivo está em juntar elementos materiais e imateriais, a exemplo de recursos escassos e idéias, na explicação da importância das instituições em determinadas situações políticas. No intuito de apreender a influência das diferentes trajetórias históricas na conformação dos tipos de bloco regional e de relação de suas potências regionais com os seus vizinhos, sob a égide da estabilidade política na região e dos ganhos econômicos empregamos a técnica de path dependence37, característica do institucionalismo histórico (HALL e TAYLOR, 1996; IMMERGUT, 1998). Ao lado deste aporte, realizamos um diálogo entre autores Realistas (ARON, 2002; WALTZ, 1979, ROY, 2009), da Escola Inglesa (HURRELL, 1995, 2000, 2009; BULL, 2002) e Construtivistas (BUZAN e WÆVER , 2003). Essa estratégia metodológica possibilitou o estudo da cartografia de poder regional, a compreensão do modo pelo qual os processos de integração e cooperação regional modificam a estrutura de poder e da geopolítica na região, pela perspectiva das instituições e mecanismos associados à integração. Isso, sem descurar, como aconselha Coleman (1998) das conexões causais. O desenho do estudo comparado recorre ao Most Different System Design (MDSD), discutido pelo metodólogo e cientista político Todd Landman (2008). Este desenho serve para organizar a comparação de casos no contexto em que estes têm pouco ou quase nada em comum, mas apresentam resultados políticos semelhantes. Em outras palavras, o MDSD compara países que não compartilham nenhuma característica específica a não ser o resultado político. Destaca-se nessa forma de análise comparada a importância de um ou dois fatores ou variáveis na explicação vistos como importantes para o resultado. Os casos selecionados, Brasil e Índia, são semelhantes quando observados sob o prisma de serem ex-colônias, países em desenvolvimento, tamanho continental, grande populações, organização federal do Estado e regime democrático. Contudo, as semelhanças acabam por aí. Mas, mais importante do que as semelhanças iniciais, os seus contextos regionais e a história do regionalismo diferem profundamente. Na América do Sul, observa-se uma longa estabilidade e paz relativa no

37

Segundo Soares de Lima e Hirst “Path Dependence é um termo da língua inglesa que denomina a dependência, em tempo presente, de uma trajetória (estratégica, tecnológica, [...]) decorrentes de escolhas passadas; dependência essa reforçada pela tendência auto-reprodutiva de tais instituições.” (2009, p. 47).

48

relacionamento do Brasil com os seus vizinhos. O mesmo não pode ser dito da Índia. Na Ásia do Sul, contenciosos e conflitos com o Paquistão e a China, e os impactos dessas lutas de poder nos países vizinhos afetam sobremaneira as possibilidades de integração e mudança geopolítica favorável à Índia. Da mesma forma, é diferente a capacidade de criar consensos e instituições regionais para resolução de problemas da região, como a estabilidade política, crescimento e desenvolvimento econômico. Não obstante as diferenças, ambos os processos de integração apresentam resultados políticos semelhantes, mas guardando, ainda assim, algumas particularidades. Neste capítulo nos preocupamos em discutir as transformações surgidas com fim do conflito bipolar, entre elas a mudança da polaridade global, a maior autonomia relativa das dinâmicas de segurança regional e o protagonismo de potências emergentes. Ademais, apresentamos o referencial teórico e conceitual, tal como o nível de análise escolhido. Aliado a essa exposição, apresentamos os procedimentos metodológicos e os métodos de inferência. No próximo capítulo, discutimos sobre os distintos contextos geopolíticos e de segurança na América do Sul e na Ásia do Sul, à luz da teoria dos Complexos Regionais de Segurança. Buscaremos estabelecer relações entre as dinâmicas intra-regionais de segurança e geopolítica e os avanços e óbices ao desenvolvimento institucional do MERCOSUL e da SAARC. O principal objetivo desse esforço será detalhar as semelhanças e diferenças de ambos os processos regionalistas, averiguando como a integração influi na distribuição de poder regional, em outras palavras, na polaridade regional.

49

CAPÍTULO 2: MODELO DESCRITIVO RSCT, GEOPOLÍTICAS REGIONAIS E DESENVOLVIMENTOS INSTITUCIONAIS COMPARADOS O trabalho em apreço versa sobre as relações entre o regionalismo e a segurança regional. Nessa parte da dissertação iremos expor o referencial teórico e conceitual que guiará a nossa análise tanto sobre a cooperação e integração como a segurança. Em seqüência às explicações acerca do embasamento teórico aqui esposado, procedemos com a realização de dois comparativos entre Brasil e Índia. O primeiro é voltado a comparar dinâmicas de segurança e geopolíticas regionais; o segundo é sobre os processos de desenvolvimento político e institucional do Mercosul e da SAARC. Como expresso no capítulo 1, temos como premissa que os respectivos processos de cooperação e integração regional diferem profundamente do exemplo paradigmático da União Européia. Isso se dá pelas peculiaridades desta experiência singular, e também pela condição de economia em desenvolvimento vivida pelos países da América do Sul e do subcontinente indiano, além dessas regiões guardarem fragilidades em relação aos seus contextos de segurança38 e por serem esforços de cooperação e integração regionais de configuração Sul-Sul39. Portanto, temos como hipótese que as dinâmicas regionais e sub-regionais de segurança tiveram fortes impactos na estruturação dos processos de desenvolvimento político e institucional dos blocos regionais em questão. Após apresentar a “Teoria dos Complexos Regionais” (seção 2.1) e os contextos de segurança regional a serem comparados (seção 2.2), partimos para a exposição e análise dos processos políticos e as instituições da integração (seção 2.3), onde esboçaremos a tentativa de estabelecer relações entre segurança e desenvolvimento institucional em ambos os blocos. Antes de adentrarmos na seara das dinâmicas geopolíticas e de segurança em que estão envolvidos o Brasil e a Índia em suas respectivas regiões, faz-se necessário uma breve apresentação do aparato teórico que informa a análise.

38

Em ambas as regiões existem riscos e ameaças a segurança, no entanto, enquanto predominam na América do Sul as chamadas “novas ameaças” e o elemento de atentado a ordem interna, como o narcotráfico, movimentos secessionistas e o crime organizado, na Ásia meridional as principais dinâmicas de ameaça derivam diretamente dos conflitos e tensões convencionais inter-estatais, normalmente entre a Índia e o Paquistão. O que não impede que características de “guerra irregular” não estejam presentes, como terrorismo contra alvos governamentais hindus, guerrilha Tamil no Sri Lanka e vários movimentos políticos violentos na Índia e em países vizinhos (VISACRO, 2009). 39 Esta concepção é desenvolvida por Kishore C. Dash (2008, p. 12-16).

50

2.1. Apresentação da “Teoria dos Complexos Regionais de Segurança” Como exposto no Capítulo 1, ao longo da pesquisa e da escrita desta dissertação optamos pela utilização da “Teoria dos Complexos Regionais de Segurança” (RSCT) como a ferramenta basilar no estudo do problema de pesquisa escolhido. A escolha foi motivada tanto pela sensibilidade desta teoria aos fatores da geografia e da história, quanto por sua capacidade de diálogo com teorias tradicionais das Relações Internacionais40 e da Integração Regional. De fato, a aplicação do RSCT, entendido pelos seus formuladores como um método para estudar regiões específicas (BUZAN e WÆVER, 2003, p. 40) apresenta-se dessa forma como um instrumento útil a estudos comparativos. Buzan e Wæver (2003), dois expressivos expoentes da Escola de Copenhague, definem um complexo regional de segurança (RSC) da seguinte forma: “a set of units whose major processes of securitization, desecuritisation, or both are so interlinked that their security problems cannot reasonably be analysed or resolved apart from one another” (2003, p. 44). A idéia central envolta nesta definição é que os principais processos de (des)securitização irão se desenvolver em clusters regionais, desempenhando o aspecto geográfico expressivo papel nesta teoria. Segundo os autores, a utilidade de sua aplicação é derivada de três razões: 1) proporciona um nível de análise adequado em estudos de segurança, 2) possibilita organizar estudos empíricos e 3) torna possível a criação de cenários baseados em teoria (2003, p. 45). Uma quarta razão que pode também ser enumerada é que a Teoria dos Complexos Regionais de Segurança se presta a vários tipos de desenho e objetivos de pesquisa, entre eles estudos descritivos e prospectivos. De acordo com a teoria em questão os complexos regionais de segurança derivam, de um lado, das relações entre as estruturas anárquicas e as conseqüências de suas balanças de poder, do outro pelas pressões da proximidade geográfica local (2003). Novamente, o elemento de territorialidade se mostra presente, a partir da concepção de que a adjacência ou proximidade possibilita mais interações de segurança entre vizinhos

40

A citação adiante demonstra o forte componente Construtivista desta teoria: “Regional Security Complex is an analytical concept defined and applied by us, but these regions (RSCs) are socially constructed in the sense that they are contingent on the security practice of the actors. Dependent on what and whom they securitise, the region might reproduce or change.” (BUZAN e WÆVER, 2003, p. 48.)

51

do que entre Estados situados em outras áreas (regiões)41. Se pudéssemos expressar o núcleo da idéia contida na RSCT de forma simples esta estaria apresentada como segue:

Anarquia + Distância + Diversidade Geográfica = Padrões de Clusters Baseados Regionalmente (Complexos Regionais de Segurança)

Porém, diferente de uma primeira impressão sobre a abordagem em questão, os elementos expostos acima operam a partir de uma dinâmica de poder complexa e não mecânica. Na compreensão de Buzan e Wæver a interdependência em segurança em uma região é fortemente mediada pelo poder das unidades (Estados) que nela habitam (2003). Essa percepção os leva a considerar que as dinâmicas distintas em um complexo regional de segurança são informadas principalmente por diferenças na distribuição de poder42. De acordo com a tipologia dos autores, a polaridade global e regional pode resultar no estabelecimento de, pelo menos, três tipos de potências, a saber: superpotências (Guerra Fria- EUA e URSS), grandes potências e pequenas potências. Uma quarta categoria, a de “potências regionais43, é amplamente utilizada pelos autores”, estas, tal como uma superpotência ou uma grande potência pode ser dominante em um RSC. Quando um complexo regional de segurança tem a sua polaridade definida por grandes potências ou de nível superior, estas podem penetrar em outros RSCs e exercer o efeito de transbordamento (spillover effect), influenciando dinâmicas de segurança de outras regiões. Este movimento pode ser entendido da seguinte forma: Figura 2 Relações entre o nível global e regional e a seqüência de penetração em RSCs

Padrão de Distribuição de Poder entre as Grandes Potências ↓ Mecanismos de Penetração ↓ Dinâmica Regional dos Complexos Regionais de Segurança (RSC)

41

Essa idéia está de franco acordo com o valor atribuído à territorialidade na abordagem do neo-realismo ofensivo de John Mearsheimer (2001). Segundo Cepik (2005) esse aspecto é uma concessão teórica dos autores na reformulação da RSCT, visto que a formulação original da teoria era fortemente Construtivista. Ver o Capítulo 1 de Regions and Powers (2003) 42 Ao lado desse determinante, fatores como a identidade regional, auto-percepção e padrões históricos de amizade /inimizade operam conjuntamente na definição das dinâmicas de segurança regional. 43 Uma definição simples é fornecida no glossário de Regions and Powers: “an actor that counts in determining the polarity structure of a regional security complex” (BUZAN e WÆVER , 2003, p. 491).

52

A lógica da ação exposta na figura anterior demonstra o processo pelo qual se torna possível Estados extra-regionais intervirem, ou até determinarem as dinâmicas regionais de outros complexos regionais de segurança. Quando isto acontece a autonomia de potências regionais e poderes menores é ameaçada em um atributo essencial aos princípios westphalianos: a autonomia. Do ponto de vista da lógica interna da teoria aqui discutida, o efeito transbordamento incide em problemas, visto que a RSCT considera que os complexos regionais de segurança são mutuamente exclusivos, daí a importância de conceitos como penetration e overlay44. Dentro de uma estrutura anárquica, a estrutura e característica básica de um RSC é definida por três tipos de relações: distribuição de poder (polaridade) e as suas conseqüentes relações de poder (regional balance of power), padrões de amizade e inimizade (polarização) e relações de poder com atores externos à região (CEPIK, 2005, p. 4). Estas variáveis fornecem um importante arcabouço analítico, como se pode notar na tabela abaixo:

Tabela 5 Tipo de Ordem, Polaridade e Polarização na América do Sul e Sul da Ásia América do Sul Sul da Ásia Princípio de Ordem

Anarquia

Anarquia

Distribuição de Poder (polaridade)

Multipolar45

Bipolar

Grau de Polarização (1991-2007)

Baixo

Alto

Fonte: Tabela 1 - Segurança regional: Sul da Ásia, África Austral e América do Sul, em Cepik (2009, p. 69-70).

Observa-se que o princípio que rege os RSCs na América do Sul e no Sul da Ásia é o da anarquia. Ambas as regiões tem como configuração de distribuição de poder a multipolaridade e a bipolaridade respectivamente. Fazem-se distinguir também pelo grau de polarização amizade (América do Sul) / inimizade46 (Sul da Ásia). A cooperação e a integração regional, como formas de regionalismo, são entendidas pelos analistas como possíveis indutores de mudanças em Complexos Regionais de Segurança. Sobre esse aspecto da teoria, os autores utilizam a idéia de 44

Ver definição no capítulo 1. Observamos que essa distribuição de poder na América do Sul está sendo alterada favoravelmente para o Brasil, influindo para que, na melhor das hipóteses uma multipolaridade profundamente assimétrica seja a distribuição de poder característica na região. Desenvolveremos essa idéia a partir do terceiro capítulo. 46 Ao longo da dissertação usamos o binômio cooperação / conflito como significado semelhante ao dos conceitos de amizade / inimizade, conceitos estes, atrelados a um referencial teórico específico. 45

53

internal transformation, ou nas palavras de Marco Cepik (2005) “direção provável de mudança”. Sobre esse tipo de mudança, reproduzimos a seguir o que Buzan e Wæver entendem por internal transformation: “[…] means that changes in essential structure occur within the context of its existing outer boundary. This could mean changes to the anarchic structure (because of regional integration); to polarity (because of disintegration, merger, conquest, differential growth rates, or suchlike); or to the dominant patterns of amity / enmity (because of ideological shifts, warweariness, changes of leadership, etc.);” (BUZAN e WÆVER , 2003, p. 53). [grifo nosso] A definição de Transformações Internas, reproduzida acima, chama atenção para dois tipos de eventos a que somos sensíveis. O primeiro refere-se aos impactos dos processos de integração regional, que podem alterar a estrutura anárquica de uma região (i.e: União Européia-Europa); segundo, mudança na polaridade e a alteração nos padrões de amizade / inimizade podem representar o resultado da emergência da cooperação como dinâmica relacional predominante. É importante destacar, baseado neste quadro analítico que ao estudar o período pós-Guerra Fria Cepik (2009) conclui que os processos de cooperação e integração regional nos complexos regionais de segurança sul-asiático e sul-americano não influíram na alteração do princípio ordenador. Estas constatações são particularmente importantes para esta dissertação, pois o que demonstraremos neste e no capítulo 3 é que a cooperação e integração regional estão realizando mudanças internas nos dois complexos regionais de segurança. O que demonstraremos é como a cooperação e a integração regional, com suas expressões máximas na SAARC e no Mercosul está caminhando para mudar a polaridade, os padrões de polarização, mas não, talvez, o princípio de ordem. Confrontemos essa idéia com os dados fornecidos pelo levantamento mais recente (CEPIK, 2009) sobre a segurança regional e as dinâmicas do regionalismo nas regiões estudas.

2.2.

Aplicação do Modelo Descritivo RSCT: Dinâmicas Geopolíticas e de

Segurança na América do Sul e Sul da Ásia As variáveis utilizadas no RSCT podem ser empregues para gerar modelos descritivos sobre a segurança em regiões distintas. Com essa finalidade, adaptamos o 54

levantamento descritivo da situação de segurança regional na América do Sul e Ásia meridional feito pelo cientista político Marco Cepik (2009). A tabela que segue discute rapidamente quatro níveis de dinâmicas de segurança. Explicitamente inspirado em Buzan e Wæver (2003), Cepik (2009) compreende que os planos mencionados nas linhas anteriores são os que seguem: dinâmicas globais, inter-regionais, regionais e domésticas. A abrangência da discussão presente na tabela 6 exibe um conteúdo mais abrangente do que as abordagens descritivas e analíticas realizadas nas seções 2.2.1 e 2.2.2. Com efeito, a análise que reproduzimos de Cepik (2009) busca dar conta daquilo que Buzan e Wæver (2003) chamam de security constellations, enquanto o nosso recorte prioriza o nível regional, sem descurar, porém, das relações com outros níveis. Contudo, justifica-se a apresentação desse conteúdo mais amplo, pois fornece uma exposição do quadro geral e, em múltiplos níveis, de como as principais dinâmicas de segurança se relacionam em diferentes momentos da cena internacional, permitindo assim, uma compreensão mais completa do quadro internacional de segurança em que se inserem o Brasil e a Índia. Ao longo das próximas sub-seções nos remeteremos ao conteúdo exposto na tabela abaixo, tornando-a fundamental para a compreensão do presente capítulo. Tabela 6 Síntese da Situação da Segurança Regional na América do Sul e Sul da Ásia América do Sul Sul da Ásia Dinâmicas Segurança Importantes

de mais

Inter-regionais: associadas ao narcotráfico; participação em Operações de Paz – ONU. Regionais/Domésticas: conflito armado na Colômbia; gastos militares de defesa do Chile e Venezuela; tensão separatista na Bolívia; narcotráfico, tráfico de armas; contrabando, corrupção, crime organizado, tráfico de pessoas e lavagem de dinheiro

Inter-regionais: acesso a petróleo e energia; terrorismo, balança regional Ásia Central e Oriente Médio. Regionais: centralidade do confronto Índia-Paquistão, tensões ÍndiaBangladesh, SAARC e convenção anti-terrorista. Domésticas: separatismos e conflitos políticos no Paquistão; guerrilhas e violência na Índia; guerra civil no Sri Lanka.

Relações de Poder com atores externos à região

Penetração dos Estados Unidos (Hegemon Regional) e disputa sobre a agenda da integração entre as alternativas da Alca, da ALBA e da proposta da UNASUL; barganha diplomática com a União Européia; crescimento da importância comercial da China para a região.

Aliança Índia-Estados Unidos-Japão versus Paquistão-China e ChinaRússia; relações Comerciais e militares da Índia com a Rússia e Israel e acordos de segurança e comércio com o ASEAN.

Direção Provável de Mudança

Maior cooperação de segurança na Amazônia (OTCA e SIVAM) e no Mercosul, especialmente contra o crime organizado e violento; institucionalização da UNASUL.

Baixa institucionalização da segurança na região; busca indiana por supremacia regional e status de grande potência, enfraquecimento do Paquistão; risco de guerra nuclear elevado; tendência à formação de um

55

super-complexo asiático.

de

segurança

Afeganistão País onde se disputam Colômbia as fronteiras da região Fonte: Tabela 1: Segurança regional: Sul da Ásia, África Austral e América do Sul, in Cepik (2009, p. 6970).

Tratando do momento presente, a tabela acima nos permite entrar em contato com uma miríade de dinâmicas de segurança em níveis distintos da vida internacional. Para que melhor compreendamos como a situação de segurança nas duas regiões em questão chegou a tal configuração devemos realizar uma breve recapitulação histórica a partir de eventos selecionados. A partir deste momento, iniciamos o primeiro esforço comparativo prometido no início deste capítulo.

2.2.1. Brasil e o RSC América do Sul Figura 3 Mapa Político do América do Sul

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/04/South_america.jpg 56

Diferente do que acontece com a idéia de América Latina, o conceito de América do Sul é um conceito geopolítico (MONIZ BANDEIRA, 2008). Porção sul das Américas, o subcontinente sul-americano pode ser subdividido em três sub-regiões, sendo elas a platina, andina e amazônica. O rio amazonas, o mais importante rio da região, corta uma grande parte do território brasileiro e corta outros países da região, como o Peru e a Colômbia. Ademais, o Brasil, maior país da porção meridional das Américas, além de ocupar 8.514.215 milhões de quilômetros quadrados, tem um litoral que se estende por 7.367 quilômetros e faz fronteira com 10 dos 12 países da região. É admirável que, com esse grau de porosidade, o país tenha “15.735 quilômetros (cerca de 8.000 milhas) de fronteiras, sem litígio, com todos os países da América do Sul (exceto Equador e Chile)” (MONIZ BANDEIRA, 2008). No Brasil recém independente em 1822-23 a lógica da balança de poder era uma das formas de racionalidade políticas preferidas. Porém, diferente do que acontecia no subcontinente indiano, as motivações do balanceamento na América do Sul eram informadas muito mais endogenamente do que lideradas por potências ou interesses exteriores à região. Provavelmente isso se deu pelos recentes processos de independência nacional dos países da porção Sul do continente americano, resultando de forma predominante a construção de regimes republicanos na América hispânica. O Brasil que, no concerto da América do Sul, presenciava o nascimento das nascentes repúblicas hispano-americanas, resguardando para si a heterodoxia da permanência da monarquia e de sua dinastia originária sob o signo do Império, viu sua diplomacia voltar-se para intervir no curso dos acontecimentos políticos na região. São notáveis as intervenções políticas e militares na Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia (MELLO, 1996; LAFER, 2004). Diferente do que aconteceu no Sul da Ásia, onde o padrão de distribuição de poder consolidou um arranjo bipolar entre Índia e Paquistão, na América do Sul se desenvolveu uma multipolaridade regional. Vale assinalar que esta condição de polaridade se consolidou como bastante assimétrica e a partir da segunda metade do século XX, favorável ao Brasil. Dos países da América do Sul centrais na política externa brasileira no período se destaca a Argentina, que desde 1870, quando da formação do seu Estado, rivaliza com o Brasil pela liderança dos territórios banhados pela Bacia do Prata. Até recentemente, esta era a sub-região prioritária para a política regional e a defesa nacional. Além do país portenho, podemos citar outros atores historicamente importantes com relação a seus recursos de poder como o Chile, Colômbia e o Peru (CEPIK, 2009, p. 76-77). 57

É digno de nota que cada país listado anteriormente faz parte daquilo que Buzan e Wæver (2003) chamam de sub-complexo regional de segurança. Na análise dos referidos analistas, distinto da Ásia meridional, a América do Sul é recortada por três sub-complexos, sendo eles o da sub-região platina, andina e amazônica. Na sub-região platina as dinâmicas de segurança tendem a ser definidas pelos padrões de amizade e inimizade entre Brasil e Argentina. No contexto andino, esta definição se dá entre Chile, Peru e Equador e na sub-região amazônica entre Brasil, Colômbia e Venezuela. Podemos inclusive estabelecer uma relação entre a estruturação dos sub-complexos regionais e os principais conflitos intra e inter-estatais na América do Sul. A Guerra do Pacífico, a Guerra do Paraguai (ou Guerra da Tríplice Aliança) e o conflito cinqüentenário entre o governo colombiano e as FARC se dão em sub-regiões mais ou menos delimitadas. Vale, contudo, não ter como regra a definição das dinâmicas de segurança definidas no nível sub-regional. Embora as relações de segurança em que o Brasil estava inserido tivessem na Argentina o seu principal contraponto, a participação de outros atores fora do sub-complexo regional platino era garantida pela atuação do Chile como um estado útil ao balanceamento portenho. Este fato fica evidente quando se lembra dos seguintes aspectos: as relações entre Argentina, Brasil e Chile, o ABC do Barão de Rio Branco, e também no período autoritário inaugurado em 1964 no Brasil, quando a Argentina, ainda sob o regime democrático, se mostrava uma ameaça tanto para o Brasil como para o Chile sob o governo de Augusto Pinochet (MELLO, 1996, LAFER, 2004). Mas é necessário afirmar que, se tradicionalmente o padrão de relacionamento do Brasil com a Argentina foi marcado pela inimizade, este padrão mudou para uma tendência de amizade, influindo decisivamente para levar a uma baixa polarização na região sul-americana. É de comum acordo afirmar que Brasil e Argentina tiveram um longo processo de mudança em suas relações políticas e de segurança, que culminaram com os processos de redemocratização e a formação do Mercosul (SEITENFUS. 2004; LAFER, 2004; VIZENTINI, 2006; CERVO, 2008; MONIZ BANDEIRA, 2008; SOARES DE LIMA E HIRST, 2009). O início da reaproximação entre Argentina e Brasil se deu sob o contexto de rivalidades significativas. São dignos de menção os contenciosos sobre as águas compartilhadas do Rio Paraná, os desentendimentos ocorridos no contexto dos projetos de construção das barragens de Itaipu (Brasil) e Corpus (Argentina), na década de 1970, mas também a corrida armamentista e nuclear na época entre Brasília e Buenos Aires. Esta última é significativa, pois os acordos de cooperação nuclear firmados entre 58

os dois países são amplamente apontados como um momento de ruptura histórica nos padrões de conflito entre as potências platinas. A solução dos conflitos sobre recursos hídricos compartilhados e os programas nucleares podem ser considerados como os momentos iniciais na mudança de uma trajetória caracterizada pelo conflito para um padrão cooperativo entre os dois países, reforçada e sustentada hodiernamente pelo Mercado Comum do Sul (PATRÍCIO, 2006; VIZENTINI, 2006). O fim da Guerra Fria vê a consolidação dos laços de cooperação ensejados pelo processo de integração regional entre os países platinos no início da década de 1990, estendendo-se para países andinos, a saber: Chile e Bolívia como membros associados do Mercosul ainda nesta década. No entanto, a força do regionalismo não se mostrou suficiente para amenizar todas as dinâmicas de conflito intra-regionais. Importantes exemplos desses fatos estão reproduzidos na tabela anterior quando são listados fatos como: aumento dos gastos militares de defesa do Chile e Venezuela; tensão separatista na Bolívia; narcotráfico, tráfico de armas; contrabando, corrupção, crime organizado, tráfico de pessoas e lavagem de dinheiro. Dentre esses podemos também incluir o transbordamento do conflito colombiano para a região, resultando na criação de externalidades negativas para o RSC sul-americano. É indispensável afirmar que, enquanto a lógica da balança de poder segue informando a racionalidade do Estado indiano em suas relações com as demais potências do Sul e Sudeste da Ásia, na América do Sul o chamado hard balancing tem perdido lugar para a construção de um regime de segurança, sob a égide do regionalismo e de suas organizações como o Mercosul47. Este último desenvolvimento é um feito relevante, dado o histórico pregresso de violência inter-estatal da região48. Para 47

A Unasul joga um papel fundamental nessa mudança da gerência da segurança na região. Nos ocuparemos desse tema em trabalhos futuros. 48 Alsina (2009) ao revisar a tese de Mares acerca dos conflitos nas Américas Central e do Sul, constata que diferente do que pensa comumente, as regiões apresentam um número elevado de conflitos, nem sempre resultando no confront armado inter-estatal com mais de 10,000 mortos, no caso, uma Guerra. Para uma breve noção desta idéia, a citação que reproduzimos a seguir lista os principais conflitos interestatais e intra-estatais na América do Sul: “Some of the most important interstate wars in Latin America have been: the Cisplatine War (Brazil vs Argentina, 1825–8 – eventually producing Uruguay); the Triple AllianceWar (Brazil, Argentina, and Uruguay against Paraguay, 1865–70); theWar of the Pacific (Chile gained territory at the expense of Peru and Bolivia, 1879–83); the ChacoWar (Bolivia vs Paraguay, 1932–5 – Paraguay gained territory from Bolivia); the Leticia War (Colombia vs Peru, 1932– 3); the Zarumilla War (Peru vs Ecuador, 1941 – and in 1981 and 1995); the Falklands/Malvinas War between Argentina and Britain (1982). Some civil wars were more bloody than most of the interstate wars: ‘la violencia’ in Colombia (1949–62); the repression of dissidents in Chile (1973–7); ‘the Dirty War’ in Argentina (1976–80); the fight against the Sendero Luminoso in Peru (1982–c. 2000); and now the ongoing armed conflict in Colombia. Most interstate wars were fought over boundaries – some resulting in new states, most about contested areas. As noted by Kelly (1997: 138), five of the seven major wars directly engaged the buffer states, and often the outcome was loss of territory by the buffer

59

efeito de comparação com o subcontinente indiano, a América do Sul é historicamente menos violenta, em termos de intensidade e quantidade de conflito (HURRELL, 1995; MARES, 2001; BUZAN e WÆVER, 2003). No que concerne às relações do Brasil na América do Sul, as relações bilaterais e regionais no tocante a questões de segurança, infra-estrutura, desenvolvimento econômico e tecnológico tenderam a buscar um nível de formalização e/ou de institucionalização razoável, embora ainda considerados baixos. Mas, com efeito, segundo Celso Lafer (2004) e Raquel Patrício (2006), o Acordo Tripartite de 1979 e o Acordo de Cooperação Nuclear entre Brasil e Argentina assinado em 1980, constituíram verdadeiras conjunturas críticas a favor da cooperação regional. Foram eles essenciais para a criação de medidas de confiança entre as duas potências sul-americanas, o que abriu caminho para o projeto de cooperação mais profundo, sob a forma de integração econômica. É possível notar que na América do Sul o regionalismo, muito provavelmente, não foi o motivador da mudança da polarização. De fato, o Mercosul, empreendimento regionalista mais importante da região, veio a existir apenas em 1991, enquanto que, entre 1985 até os anos 1990, a prioridade da integração era primeiramente bilateral. Contudo, argumentamos que um dos principais contributos do regionalismo no que tange a mudança na polarização sul-americana foi ter funcionado

como

um

catalisador dos

empreendimentos

cooperativos

e

integracionistas, vindo a se expandir para toda a sub-região platina e para os Andes, com a participação de Chile e Bolívia na condição de Estados associados. Entendemos também que o Mercosul foi um fator essencial na criação de medidas de confiança entre os países da região, principalmente o Brasil e a Argentina. Sobretudo para países de menor poder relativo ao Brasil, como Paraguai e Uruguai, o bloco representa uma possibilidade de look in do Brasil em compromissos firmados, além de permitir alguma previsibilidade quanto à sustentação da cooperação regional. Considerando-se a assimetria de poder na região, o Mercado Comum do Sul pode ser visualizado por estrategistas desse país como um meio de conter o peso desproporcional do Brasil. Nada semelhante em relação aos efeitos spill-overs do regionalismo na região do Mercosul foi alcançado no contexto do complexo de segurança regional do Sul da Ásia. Quando levamos em consideração os tipos e os níveis de conflito, que acontecem nos contextos de segurança das duas regiões sob estudo, vemos que ambas são profundamente diferentes. A Índia se encontra em uma região onde se desenvolvem state (Polandisation). No state ceased to exist because of defeat in these wars.” (BUZAN e WÆVER, 2003, p. 305).

60

recentemente as principais dinâmicas de segurança globais, como as que listamos: a ascensão da China (Sudeste Asiático), o advento do terrorismo global e a Ásia como cenário prioritário de sua contenção (Ásia Central) e o surgimento de Estados párias com capacidade nuclear. Esses desenvolvimentos, além de aumentarem os riscos na região, tornam os cálculos de segurança mais complexos, elevam os custos de alocação de recursos e expectativas em processos incertos de cooperação e integração regional. O fato é que, no contexto da América do Sul, a integração regional se mostrou uma importante variável na mudança das dinâmicas amizade / inimizade, a favor da primeira. Os achados sobre as relações entre segurança e regionalismo na América do Sul nos incentivam a buscar se algo de semelhante aconteceu no Sul da Ásia.

2.2.2. A Índia e o RSC Sul da Ásia Figura 4 Mapa Político do Sul da Ásia

Fonte:. UNITED NATIONS. January 2004. Department of Peacekeeping Operations, Cartographic Section. http://www.un.org/Depts/Cartographic/map/profile/seasia.pdf

61

De acordo com a descrição da Ásia meridional realizada por Dash (2008, p. 45), geograficamente, a região é facilmente demarcada. Tem, no Himalaia, as fronteiras no norte, nordeste e noroeste. Ao sul, os vastos mares do Oceano Índico, a oeste o Mar da Arábia e a leste a Bahia de Bengala. Estas são as características que geograficamente tornam a região delimitada do resto do mundo. Ademais, três grandes rios cortam a região: Indus, o Ganges e o Brahmaputra. Oito países – Afeganistão, Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal, Paquistão e o Sri Lanka compartilham os mesmos rios, cadeia de montanhas, oceanos e ciclos ecológicos. Com exceção do pequeno corredor de água entre o subcontinente e o Sri Lanka e as Maldivas, toda região não apresenta barreiras naturais entre os países. Sobretudo, os países da região compartilham um passado colonial, laços históricos, tradições culturais e religiosas, afinidades lingüísticas, normas sociais e valores. A Ásia do Sul, que em sua construção histórica e geográfica originária é uma região territorialmente contígua, com exceção de Sri Lanka e das Maldivas, foi formada pela co-existência de culturas, religiões e formas de organização políticas diferentes (Reinos e Impérios, não Estados Nações), (THOMAS, 2004). Mas talvez, a principal característica da região nos seja dada por Thomas (2004) quando o analista, ao reiterar a descrição histórico-geográfica feita acima, afirma que o sistema de Estados do Sul da Ásia é centrado na Índia (indo-centric). Com o advento do Império Britânico nas Índias, ainda na década de 1950 do século XIX49, a lógica da balança de poder é trazida para o Sul da Ásia, tornando a região um apêndice e caudatária do jogo de poder entre as grandes potências. Segundo Thomas (2004), Dash (2008) e Mohan (2006b) mesmo após a independência e o evento da partição da Índia, a balança de poder que opera no Sul da Ásia é profundamente influenciada pelas dinâmicas globais de segurança. Para entender nesse contexto de segurança a atuação externa da Índia é necessário levar em conta os diferentes padrões de política externa do país. Segundo Ganguli e Pardesi (2009), a política externa pode ser estruturada em três fases, sendo estas: 1ª fase 1947-1962, 2ª fase 1962-1991 e a 3ª fase de 1991 até o presente momento. Durante a primeira fase, a Índia agia conforme princípios considerados idealistas (MOHAN, 2006b; KAPUR; 2006). De forma distinta do Paquistão, que em 1954 se tornou membro do South-East Asian Treaty Organization

49

A presença britânica é mais antiga do que a data acima registrada. No entanto a década de 50 do referido século é expressiva pela anexação formal da Índia como colônia do império britânico, após a chamada Revolta dos Cipaios, registrando o fim da primazia da Companhia Britânica das Índias Orientais (THOMAS, 2004).

62

(SEATO) e, em 1955, do Central Treaty Organization (CENTO)50, a diplomacia de Nova Déli rejeitava qualquer chamado americano para formar sistemas de alianças contra as ameaças do comunismo. A lógica intrínseca a esta posição é apresentada nas palavras do primeiro-ministro indiano Nehru quando afirmava: “If war comes, it comes. It has to be faced. The prevention of war may include providing for our own defense and you can understand that, but that should not include challenges, counterchallenges, mutual cursing, threats, etc. These certainly will not prevent war, but only make it come nearer.” (NEHRU apud THOMAS, 2004, p. 312). As crenças idealistas sustentadas pelos representantes da alta política indiana, em especial Nehru, tiveram que ser revistas a partir da derrota na guerra sino-indiana de 1962, momento que marca uma virada “realista” na condução da política externa do país (THOMAS, 2004; KAPUR, 2006; MOHAN, 2006a, 2006b; ROY, 2009). Na verdade, esta “virada” foi incompleta. Como demonstram Ganguli e Pardesi (2009) embora a Índia tenha adotado uma abordagem de “auto-ajuda51”, o seu stablishment político e os compromissos exteriores do país exigiam a manutenção da retórica não-alinhada. No entanto, o analista político indiano Kapur (2006) demonstra claramente a mudança na condução das relações exteriores indianas quando este país passa a participar informalmente do sistema de alianças da Guerra Fria, de forma preferencial no contexto da Ásia meridional. Afirma ele que o padrão de alianças na região entre 1947 até fim da União Soviética e o término da Guerra Fria, tendeu a ser o seguinte: Figura 5 Alianças e suas relações com as dinâmicas regionais e globais na Guerra-Fria

Grupo 1 Índia (Sul da Ásia), Afeganistão (Ásia) e União Soviética (Sistema-Global) Grupo 2 Paquistão (Sul da Ásia), China (Ásia) e Estados Unidos (Sistema-Global)

É digno de destaque que após 1962 e com a morte de Nehru em 1964 a Índia começa a fortalecer os seus vínculos com a União Soviética, no entanto, mantém uma

50

Ambas as organizações patrocinadas pelos Estados Unidos no sentido de conter o comunismo na região (VIZENTINI, 2007). 51 Conceito vinculado ao neo-realismo estrutural de Waltz (1979).

63

impressionante margem de autonomia. Observa-se também que o sistema de alianças exposto na figura 5 sobreviveu ao nascimento da SAARC em 1985, trazendo consigo óbices à integração regional. Como observa Mohan (2006a, 2006b) e mais recentemente Roy (2009), as alianças e a balança de poder no Sul da Ásia no pós-Guerra Fria são fortemente marcadas pelo advento das capacidades nucleares de Índia e Paquistão, que deram a este último a condição antes perdida de paridade estratégica com a Índia. Além disso, o sistema de alianças tende a se alterar, o que traz ambigüidades para o Paquistão, tornando confusa qualquer análise ou tentativa de criação de um cenário prospectivo para os estrategistas do país muçulmano. Afirmamos isso baseado na tendência recente de uma maior aproximação dos Estados Unidos com a Índia e o aumento das pressões sobre o Paquistão para o combate aos talibãs em seu lado da fronteira com o Afeganistão. Fronteira esta, profundamente porosa em virtude da composição étnica entranhada nos dois países (ZAKARIA, 2008). Assim, podemos inferir que o emprego do balanceamento na Ásia tem sido cada vez mais complexo, pois além da região estar passando por processo de internacionalização econômica, globalização, também está sendo capturada pelas dinâmicas globais de segurança, em especial a Guerra Contra o Terror (MOHAN, 2006a). Novos desenvolvimentos políticos tendem a alterar a lógica tradicional da balança de poder na região, em especial com o advento e fortalecimento do regionalismo, não apenas a SAARC, mas o ASEAN no Sudeste Asiático e a APEC na Ásia de Leste e Pacífico (SIDDHARTHAN, 2008). Apesar do regionalismo não ser suficiente para alterar profundamente as estruturas anárquicas que informam os Estados como agir na região, faz com que surjam novos complicadores nos cálculos e possibilidades políticas da política externa indiana, como veremos no capítulo 3 dessa dissertação. Contudo, pelo menos seis desenvolvimentos recentes expostos na tabela 6 são de grande interesse: 1) SAARC e convenção anti-terrorista, 2) Baixa institucionalização da segurança na região; 3) busca indiana por supremacia regional e status de grande potência; 4) enfraquecimento do Paquistão; 5) risco de guerra nuclear elevado; 6) tendência à formação de um supercomplexo de segurança asiático. Como demonstra Dash (1996, 2008) o regionalismo, em especial a integração regional no Sul da Ásia é um fenômeno político pouco desenvolvido. No entanto, a criação recente de uma convenção anti-terrorista no seio da SAARC aponta para a tentativa de respostas coletivas a problemas de segurança regional. Não apenas o 64

terrorismo convencional, mas a utilização de armas de destruição em massa do tipo nuclear por atores não-estatais. Dessa forma a SAARC pode vir a proporcionar à região um arranjo de segurança cooperativa. Dada a baixa institucionalização da segurança no complexo regional sul-asiático, a SAARC passará pelo difícil desafio entre a necessidade de gerar um grau de institucionalização razoável para a condução dos assuntos de segurança regional, como quer a Índia, sem fortes interferências de países extra-regionais e extra-continentais. O difícil será ajustar essa demanda indiana com os fundamentados receios das pequenas potências sul-asiáticas, que como bem demonstra Thomas (2004), têm na supremacia indiana um dos principais problemas de segurança. Mesmo assim, o desenvolvimento institucional da SAARC pode fornecer uma resposta multilateral regional para o relacionamento com a Índia em questões de segurança, mas também nos temas tradicionais da SAARC, como comércio, economia e assistência humana e social. Mais importante para os países pequenos do Sul da Ásia é que o bloco regional em apreço proporciona o ambiente para o engajamento multilateral com a Índia, em vez de resolver itens de política externa de forma bilateral, supostamente uma opção desvantajosa para países com pouco poder relativo. Esta estratégia tem como princípio o reforço da condição de barganha oferecido em ambientes institucionais que possibilitam uma artificial igualdade inter-estatal (no âmbito formal) a países com pouca capacidade de poder. Ao discutir essa opção de engajamento das pequenas potências da Ásia meridional com a Índia, Dash (2008) traz a discussão sobre o regional entrapment. Esse conceito expressa a idéia de que em um ambiente em que os recursos de poder são distribuídos de forma muito assimétrica, uma organização de cooperação ou integração regional que nivele formalmente os atores, instituindo a esses, entre outras condições, o poder de veto, é a melhor opção para engajar um hegemon regional, no caso a Índia. Da perspectiva indiana, um fator de avaliação política capaz de influenciar os cálculos sobre a utilidade da SAARC está na possível formação de um super-complexo asiático de segurança, como prevêem Buzan e Wæver (2003), mas também Marco Cepik (2009). Em paralelo a essa tendência está a rápida ascensão da China no cenário asiático e mundial e a nova centralidade da região para a política global de segurança dos Estados Unidos, estes fatos possivelmente tornarão a SAARC um fórum e organização política de cooperação cada vez mais necessária para os objetivos de política externa da Índia, principalmente por que o país enseja uma posição de predominância e supremacia 65

inconteste em seu exterior próximo, aliada ao desejo de ascender à condição de grande potência.

2.2.3. Síntese dos Tipos de RSC na América do Sul e Sul da Ásia

Após a descrição e análise das principais dinâmicas de segurança regional em que se envolvem o Brasil e a Índia, se faz necessário voltarmos à teoria e, à luz da Teoria dos Complexos Regionais, classificar os tipos de complexo regional de segurança em apreço. Em Regions and Powers, Buzan e Wæver afirmam que existem dois tipos básicos de Complexo Regional de Segurança, Standard (padrão) ou Centred52 (centrado). Tanto o RSC da Ásia Meridional como o da América do Sul são do tipo standard. A idéia de um RSC standard guarda em si um modelo teórico básico que se aplica perfeitamente as realidades dos contextos regionais estudados, como pode ser auferido pela definição do conceito feita pelos autores: “A standard RSC is broadly Westphalian in form with two or more powers and a predominantly military-political security agenda. All standard complexes are anarchic in structure. In standard RSCs, polarity is defined wholly by regional powers (e.g., Iran, Iraq, and Saudi Arabia in the Gulf, India and Pakistan in South Asia) and may vary from uni to multipolar. In standard RSCs, unipolarity means that the region contains only one regional Power [...]. Standard RSCs do not contain a global level power, and therefore in such regions (currently Africa, the Middle East, South America, and South Asia) clear distinctions can be drawn between inside, regional level dynamics, and outside, intervening, global level ones. In terms of amity and enmity, standard RSCs may be conflict formations, security regimes, or security communities, in which the region is defined by a pattern of rivalries, balances, alliances, and/or concerts and friendships. Within a standard RSC the main element of security politics is the relationship among the regional powers inside the region.” (2003, p. 55).

52

Para uma compreensão do respectivo conceito segue a definição de um Centred RSCs: “Centred RSCs come in three (potentially four) main forms. The first two forms are the special cases in which an RSC is unipolar, but the power concerned is either a great power (e.g., Russia in the CIS) or a superpower (e.g., the United States in North America), rather than just a regional power. The expectation in these cases is that the global level power will dominate the region (unipolarity), and that what would otherwise count as regional powers (Ukraine, Canada, Mexico) will not have sufficient relative weight to define another regional pole. Part of the reason that India’s claim for great power status has not been accepted is that Pakistan still defines a regional pole of power. It is possible that a unipolar standard RSC could also become centred without the unipole thereby elevating itself to global great power status. One can imagine such a scenario developing around regional level unipoles such as South Africa and Nigeria, but in fact we find no cases of this type [..]”. (BUZAN e WÆVER, 2003, p. 55).

66

Como exposto na tabela 4, os RSCs América do Sul e Sul da Ásia além de serem do tipo Standard, têm como princípio de ordem a anarquia, variam entre a unipolaridade e a multipolaridade (Multipolar e Bipolar, respectivamente) e neles não habita nenhuma potência de alcance global53. Como previsto, as principais dinâmicas de segurança das regiões são definidas por potências regionais. Afastamos-nos um pouco do modelo neste ponto. Sugerimos que no caso da América do Sul, para países como a Argentina, Chile, Peru e Colômbia, seria mais adequado criar uma categoria de potência subregional em virtude da pouca capacidade de transbordamento de suas ações para o restante da região54. Além disso, inserimos a Venezuela como uma potência subregional, diferente do que faz Cepik (2009). Para uma melhor visualização dos achados e da conclusão desta seção segue uma tabela com uma finalidade de síntese. Tabela 7 Tipos De RSC na América do Sul e Sul da Ásia América do Sul Sul da Ásia Tipo de RSC Standard ou Centred

Standard

Standard

Número de Atores

12 (4 membros do Mercosul, 4 associados)

7 (8 membros da SAARC)

Argentina (EP) Bolívia (EA) Brasil (EP) Chile (EA) Colômbia (EA) Equador (EA) Guiana Paraguai (EP) Peru (EA) Suriname Uruguai (EP) Venezuela (EP)

Bangladesh Butão Índia Maldivas Nepal Paquistão Sri Lanla

Potências Regionais55/ sub-regionais Brasil Argentina Chile

Potências Regionais Índia Paquistão

Tipo de Potência que Define a Polaridade

Membros da SAARC (Ásia Central) Afeganistão

53

Embora os eventos recentes da mudança de poder nas regiões possa exigir a alteração dessa conclusão, como demonstramos no próximo capítulo. 54 A comparação de dados realizada na terceira seção do próximo capítulo deixa claro que existe uma tendência que aponta a impossibilidade de considerar estes países como potências regionais, ao menos comparáveis ao Brasil em termos de poder e capacidades. 55 Esta listagem realizada por Marco Cepik (2009, p. 76) é informada pelas capacidades relativas de defesa dos países da região. Como demonstraremos no capítulo 3, esta listagem e polaridade deve ser revista.

67

Peru Colômbia Venezuela

Fonte: Mercosul: Estados Partes = EP; Estados Associados = EA. Regions and Powers... (BUZAN e WÆVER , 2003, p. 53-55 ); Segurança nacional e Cooperação Sul-Sul.... (CEPIK, 2009, p. 70-76).

2.3. Processos Políticos e Desenvolvimentos Institucionais do Mercosul e SAARC Ao lado de uma gama de importantes acontecimentos políticos e econômicos na segunda metade do século XX, como a globalização, a Terceira Revolução Industrial, o fim da era bipolar e da União Soviética, emerge o regionalismo como fenômeno expressivo na moldagem das relações internacionais da era contemporânea. Como é possível perceber a partir da seção anterior, o regionalismo não tem apenas uma expressão econômica, representada, por exemplo, pela internacionalização e verticalização da produção e da economia internacional, processo de grande interesse da academia na década de 1980 (GILPIN, 2002). O fenômeno em apreço tem, também, uma dimensão político-militar de grande relevância na organização dos tabuleiros de xadrez internacional nos níveis inter-estatal e transnacional. Mas também influi em como o poder é organizado e exercido na cena internacional (NYE, 2005). Escrevendo, na década de 1960, sobre a primeira onda regionalista, Joseph Nye Jr. afirmava que existiam basicamente duas categorias de regionalismo: a primeira se referia a organizações microeconômicas que envolvem integração econômica formal, caracterizadas por estruturas institucionais formais. O Mercosul funciona como exemplo. A segunda tem relação com organizações políticas macrorregionais interessadas no controle de conflitos, a exemplo da Organização dos Estados Americanos (OEA) nas Américas e a ASEAN no Sudeste Asiático (NYE apud HURRELL, 1995, p. 23). Porém, o ato inicial deste tipo de empreendimento político foi o processo de cooperação, e posterior integração dos países europeus, inicialmente, sob a égide do BENELUX e posteriormente com a Comunidade Econômica Européia. A primeira onda regionalista trouxe à Ciência Política e a disciplina das Relações Internacionais a necessidade de estudar e antever os rumos da cooperação e da integração européia como uma nova forma de interação inter-estatal com expressivos rebatimentos domésticos e internacionais. O interesse no processo em curso na Europa ia além da cooperação, sendo também um objeto prioritário da agenda o estudo de suas possíveis funcionalidades para assuntos do momento, como a necessidade de pacificar 68

de forma perene os países europeus, em especial o eixo franco-alemão, tradicionalmente conflituoso (PATRÍCIO, 2006). Os estudos sobre cooperação e integração regional evoluíram e ganharam espaço nas disciplinas que privilegiam o estudo da cratologia. Na última metade da década de 1980, com advento daquilo que se convencionou chamar de “segunda onda regionalista” os estudos da integração voltaram a ganhar um relevante espaço na agenda acadêmica. Este novo momento tem em iniciativas como o NAFTA e o Mercado Comum do Sul, um novo formato e lógica política na criação de blocos regionais (HURRELL, 1995; ALMEIDA, 1998). A segunda onda a qual nos referimos não apenas marca uma nova etapa cronológica do regionalismo, mas traz também mudanças qualitativas à antiga versão. Escrevendo ainda nos primeiros anos desse novo fenômeno, Hurrell descreve quatro características importantes do chamado “novo regionalismo”, das quais gostaríamos de destacar duas. A primeira refere-se à grande variação no nível de institucionalização, com muitos agrupamentos regionais evitando conscientemente as estruturas institucionais e burocráticas das organizações internacionais tradicionais e o modelo regionalista apresentado pela UE. O segundo ponto que queremos lançar luz é sobre o seu caráter multidimensional, o que torna cada vez mais difícil traçar a linha divisória entre regionalismo econômico e político, uma vez alimentado por desenvolvimentos como o fim da Guerra Fria, a descentralização ou regionalização da segurança, mas fundamentalmente pela transformação da economia global (1995, p. 24). É exatamente esse caráter multidimensional e pela heterogeneidade das experiências regionalistas que se faz necessário distinguir conceitualmente que tipo de regionalismo está em questão quando tratamos de comparar duas experiências tão distintas como o Mercosul e a SAARC. É possível elencar ao menos duas expressões de regionalismo nas regiões estudadas, a saber: a cooperação e a integração regional. Em virtude da necessidade de uma conceituação clara iniciaremos expondo o conceito de cooperação. A literatura de relações internacionais é bastante profícua sobre o assunto cooperação internacional, sendo um dos temas norteadores nos debates das décadas de 1970 e 1980. Nestas décadas as abordagens racionalistas, da Escolha Racional e da Teoria dos Jogos, realizaram contribuições expressivas à temática (MILNER, 1992). Um dos principais frutos dessa literatura foi o refinamento teórico realizado por autores como Keohane (1984). Refinando o conceito, Keohane afirma que “intergovernmental cooperation takes place when the policies actually followed by one government are 69

regarded by its partners as facilitating realization of their own objectives, as the result of a process of policy coordination.” (1984, p. 51-52). Dessa forma, entende-se que a cooperação acontece quando, através do processo de coordenação de políticas, os atores ajustam os seus comportamentos às preferências atuais ou antecipadas de outros. Deve ser salientado que o que motiva e sustenta a cooperação é a racionalidade instrumental, a cooperação entre Estados não é informada por uma ética da convicção, segundo o conceito weberiano, mas por objetivos de manutenção e maximização de poder, riqueza e recursos socialmente valorizados. Embora esse tipo de análise e pressupostos analíticos tenham sido dominantes na agenda de pesquisa sobre a cooperação, o estudo dessa prática não se restringiu a tais abordagens. Inclusive a cooperação entre Estados vem sendo debatida por outras correntes das Relações Internacionais que sustentam perspectivas epistemológicas diferentes da escolha racional e do individualismo metodológico. Dentre as novas escolas que passam a se fazer presentes nesses debates estão os representantes da Escola Inglesa e do Construtivismo. Uma importante contribuição dessa literatura é oferecida por Hurrell, quando, ao argumentar que boa parte da atividade regionalista envolve empreendimentos políticos como negociação e construção de acordos e regimes entre Estados, afirma que “essa cooperação pode ser formal ou informal, e níveis elevados de institucionalização não são garantia de eficácia ou importância política” (1995, p. 28). Vale reproduzir outro trecho quando o autor complemente o que dissemos acima ao afirmar que “a cooperação regional pode envolver a criação de instituições formais, mas pode, com freqüência, basear-se em estruturas bem mais frouxas, englobando padrões de reuniões regulares que obedecem a algumas regras, juntamente com mecanismos de preparação e acompanhamento.” (1995, p. 28). Essa descrição, como se verá a seguir, é de fundamental importância para a compreensão da SAARC, que no que tange as suas dinâmicas políticas institucionais é ainda um empreendimento de cooperação entre Estados, dificilmente classificado como um processo de integração regional. Salvo em período muito recente, com o advento do SAFTA é que a integração econômica passou a ser uma realidade mais próxima do regionalismo na Ásia meridional. No mais, o que acontece na SAARC é muito mais um processo de tentativa de coordenação de políticas, às vezes buscando a minimização de externalidades negativas aos demais atores, em prol de um objetivo ou agenda 70

compartilhada. É necessário afirmar que mesmo uma iniciativa como a SAARC, pouco desenvolvida institucionalmente e com sérios problemas de cooperação, pode ser um início para mitigar de problemas de segurança no âmbito regional. Para deixar esse ponto claro, recorremos novamente a Hurrell. O autor escreve que “no campo de segurança, por exemplo, essa cooperação pode se estender desde a estabilização de um equilíbrio regional de poder até institucionalização de medidas de construção de confiança ou a negociação de um regime” de segurança para a região como um todo.” (1995, p. 28). Embora a iniciativa de cooperação regional sul asiática não tenha logrado grandes avanços em sua agenda oficial, medidas de confiança mútua tem sido construídas. Ao menos um espaço não institucionalizado para a solução de controvérsias foi criado, nas reuniões e conversas informais no âmbito das Cúpulas de Chefes de Estado ou de Governo da SAARC. Contrastando com a experiência de cooperação regional na Ásia do Sul, o caso mercosulino é amplamente considerado pela bibliografia como um claro exemplo de integração regional (HURRELL, 1995; ALMEIDA, 1998, 2001; SIRÖEN, 2000; GILPIN, 2004). Diferente do que apresentamos como sendo cooperação inter-estatal, ou intergovernamental, como prefere Keohane (1984), a integração regional, em sua versão mais desenvolvida e ambiciosa, a União Européia, pode ser definida como sendo, “[...] o processo pelo qual os atores em distintos contextos nacionais são persuadidos a deslocar suas lealdades, expectativas e atividades políticas para um novo centro, cujas instituições possuem ou exigem jurisdição sobre os Estados nacionais preexistentes” (HAAS apud HURRELL, 1995, p. 41). Uma definição menos ambiciosa e aplicável ao caso do Mercosul é dada por Hurrell, ao afirmar que, “a integração regional envolve decisões específicas de políticas por parte dos governos, destinadas a reduzir ou remover barreiras ao intercâmbio mútuo de bens, serviços, capital e pessoas. [...]. À medida que a integração avança, a agenda se expande para cobrir barreiras não-tarifárias, a regulação de mercados e o desenvolvimento de políticas comuns nos planos micro e macro” (1995, p. 29). O exposto até o momento nos leva a um impasse entre uma definição clássica do processo integracionista e de cooperação, cujo caso paradigmático é o exemplo da 71

Europa Ocidental e as experiências deste processo político em países em desenvolvimento e do antigo Terceiro Mundo. Este impasse é melhor compreendido quando se alerta para as mais tradicionais explicações da integração regional. Para que se tenha uma visão geral do problema exposto nesse parágrafo, a tabela abaixo apresenta, de forma bastante sintética, algumas das mais importantes teorias sobre a integração regional.

Tabela 8 Abordagens da Ciência Política Sobre a Integração Regional Teoria

Foco Principal

Método

Tempo da Integração

Objetivos da Integração

Transnacionalismo (communications theory)

Construção de Comunidades Políticas

Dinâmica Normativa

Assumido (pósguerra) com interrupção pós1954 na EU

Funcionalismo

Instituições supranacionais

Dinâmica Normativa

Assumida (pósguerra)

Mudança política em um dado território e construção de instituições e práticas que garantissem a paz Paz pela Prosperidade

Neo-Funcionalismo

Atores Políticos nos níveis supra e subnacional

Dinâmica Positiva

n/d

IntergovernamentaIsmo

Chefes de Governo

Positivo (Dinâmico)

Maximização do Bem-Estar (Assumido)

Efeitos Principais Externos da Expoentes Integração Redução Karl dos Deutsch conflitos bélicos de grande intensidade

n/d

David Mitrany

n/d

Ernest Haas

“Explicado” Maximização n/d Grico (como a do Bem-Estar convergência das e do Poder preferências dos Estados membros) Fonte: Table 2.1 Theoretical approaches to regional integration (MATTLI, 2003, p. 20); Transnationalism (DASH, 2008, p. 4-7).

As abordagens expostas acima foram elaboradas tendo como objeto de estudo a experiência Européia de cooperação e integração regional. Um traço distintivo desta experiência é que ela se filia a uma matriz supranacional de integração, com exceção do Benelux, como alerta Almeida (1998). Inegavelmente, o processo europeu de integração foi o caso paradigmático nos estudos de integração e cooperação regional. O problema, como disserta Hurrell (1995), Almeida (1998) e Dash (2008) é que poucos exemplos de regionalismo fora da Europa Ocidental conseguiram, ou almejaram seguir os caminhos da atual União Européia. Mais importante, o arcabouço teórico e analítico criado para o

72

seu estudo encontram limites quando defrontam experiências distintas fora deste contexto político, social e econômico (HURRELL, 2005; DASH, 2008). Com efeito, os tradicionais estudos da integração européia nos trazem um forte contributo para o trabalho aqui realizado: a exemplo das lições sobre a importância da cooperação e da integração regional para a mudança de dinâmicas de inimizade / amizade, ou conflito / cooperação (ALMEIDA, 1998; PATRÍCIO, 2006). O caso europeu não apenas demonstra a condição de paz como um dos possíveis dividendos da integração regional, mas também como a integração opera na criação de medidas de confiança mútua e mecanismos não violentos de solução de litígios e controvérsias. Conclui-se que o grande insight das teorias clássicas da integração estudadas ao longo da pesquisa para a escrita da dissertação neste trabalho esteja presente em David Mitrany. Especialmente quando se depara com a idéia desse autor acerca da integração como um possível instrumento da construção da paz. A natureza da paz é outra questão de relevância, pois de fato, esta pode ser, na verdade, a ordem. Como entende o teórico da Escola Inglesa, Hedley Bull (2002), a ordem é sustentada por mecanismos de gerência da sociedade internacional. Na compreensão de Aron em seu estudo sobre as modalidades de paz (2002) esta manutenção da ordem pode dar-se através do equilíbrio, hegemonia, supremacia ou preponderância. É oportuno lembrar, o argumento da dissertação defende que tanto a cooperação na Ásia meridional sob o âmbito da SAARC, como a integração mercosulina, funcionam no sentido de consolidar uma condição de preponderância para o Brasil e a Índia, em suas devidas regiões de origem, o que atribui ao regionalismo um mecanismo de distribuição de poder. Responderemos porém no terceiro capítulo se esta relação aqui esboçada guarda a provável capacidade de interferir na configuração da polaridade regional. Finalizada esta discussão teórica e precisados os conceitos de cooperação e integração, seguem então as seções de estudo de caso.

2.3.1. Mercosul

Embora a Guerra Fria não tenha se mostrado um período próspero a iniciativas integracionistas entre países em desenvolvimento, também classificados como do Sul, a América Latina foi palco de importantes tentativas nesse campo, vindo a lograr efetivo êxito nos primeiros anos da década de 1990, com a criação do Mercosul. Com efeito, é importante partir do fato de que esforços a favor da integração regional e da cooperação 73

inter-estatal na América Latina não são fenômenos recentes, sendo um processo político com longa trajetória, apresentando assim momentos críticos de ruptura histórica contra e a favor do regionalismo (LAFER, 2004; CERVO, 2008). O diplomata e estudioso da integração mercosulina, Paulo Roberto de Almeida afirma que “houve, durante os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, um projeto de constituição de um ‘bloco austral’ [...]” (1998, p. 43). Na ausência de um resultado concreto, a iniciativa, ocorrida no ano de 1941, ficou apenas no papel. As diferentes posturas de Argentina e Brasil frente aos dois lados da Segunda Grande Guerra (Aliados e o Eixo) foi um forte contributo para este estado de coisas. Enquanto o Brasil adotou formalmente uma postura claramente pró-aliada, a Argentina preferiu manter uma condição de neutralidade. Passado o maior conflito bélico da história da humanidade, na década de 1950, novamente por iniciativa argentina foi proposta uma reedição do “Pacto ABC”, um projeto integracionista entre Argentina, Brasil e Chile (1998, p. 44). Como demonstra Almeida (1998, 2001), após essa nova tentativa na década de 1950, demoraria quase meio século para em 1991, Argentina e Brasil viram-se engajados em um efetivo processo de integração bilateral, o Mercosul. A literatura brasileira sobre o tema, aqui representada por Almeida (1998, 2001), Lafer (2004) e Cervo (2008), enfatiza que o contexto político da década de 1960 e 1980 foi relativamente favorável à integração latino-americana. Podemos localizar empreendimentos deste tipo ao longo da década de 1960, quando embalado pelo discurso e ativismo da CEPAL a integração da América Latina foi vislumbrada como um importante mecanismo na luta pela superação do subdesenvolvimento. Inicialmente imerso em ambiente intelectual e político relativamente favorável, o regionalismo latinoamericano deu resultados como a criação de organizações como a Associação Latino de Livre Comércio (ALALC). Contudo, a balança entre audaciosos objetivos de integração econômica e dificuldades políticas ligadas a negociação de temas sensíveis com grande número de atores inibiu maiores esforços à cooperação econômica por meio da ALALC. Somados a heterogeneidade e ao alto número atores com poder de veto, a significativa heterogeneidade no nível de desenvolvimento entre os países da região, as dificuldades de atender as metas de liberalização e redução tarifária acordadas e o clima crescente de desconfiança mútua promovida pelo embate político e ideológico da Guerra Fria são fatores apontados nas explicações para o fracasso relativo desta organização (VIZENTINI, 2008). Ainda que ancorada em sólido arcabouço teórico e técnico cepalino, a referida instituição macro-regional não logrou êxito. Em período posterior, já 74

na década de 1980, no contexto do segundo Tratado de Montevidéu, foi criada a organização sucessora da ALALC, a Associação Latino Americana de Integração (ALADI) (ALMEIDA, 1998, 2001). É no final dos anos 1970 que aconteceu a principal conjuntura crítica nas relações bilaterais entre os principais poderes platinos. Em 1979, com a assinatura do Acordo Tripartite sobre o aproveitamento hídrico da bacia do Paraná pela Argentina, Brasil e Paraguai, a dinâmica de conflito, ou inimizade na acepção de Buzan e Wæver (2003), começou a mudar para relações onde predominavam a cooperação, ou “amizade”. Dois aspectos são dignos de nota sobre esse episódio. O primeiro é que esse padrão de conflito começa a mudar efetivamente durante governos ditatoriais, mostrando que o início dos esforços de aproximação Brasil-Argentina são anteriores aos processos de redemocratização nos dois países. O segundo é o papel que a cooperação e o processo que se seguiu de integração bilateral e sub-regional foi essencial para a mudança de “inimizade” em “amizade”, em outras palavras, de conflito para cooperação56. A cooperação sub-regional ao longo dos governos militares em Brasília e Buenos Aires, muito mais direcionada a resolver os problemas de segurança a partir da construção de medidas de confiança mútua com o principal rival platino, abriu a possibilidade de criar vínculos de confiança e diálogos permanentes em áreas de interesse comum, inclusive em itens sensíveis como a energia atômica. Fato este que com a re-democratização em ambos os países, o processo de cooperação regional evoluiu para um franco processo de integração bilateral, posteriormente quadrilateral (VIZENTINI, 2008). Como nos mostra Almeida a “Declaração de Iguaçu” de 1985 expressava uma “firme vontade de acelerar o processo de integração bilateral” (1998, p. 45) Ainda na década de 1980, a assinatura de 12 protocolos de cooperação que abarcavam explicitamente objetivos comuns como o desenvolvimento econômico, Brasil e Argentina vislumbraram a integração como um mecanismo importante para o desenvolvimento econômico dos respectivos países (CERVO, 2008).

56

Esta interpretação histórica é inspirada em Mello (1996), Almeida (1998), Vizentini (2006) e Cervo (2008). Também converge para essa análise Raquel Patrício (2006).

75

Tabela 9 Iniciativas, Acordos e Tratados de Cooperação e Integração Realizados pelo Brasil – 1950-1991 Ano Iniciativa, Acordo/Tratado Operação Pan-Americana 1958 Tratado de Montevidéu – ALALC 1960 Segundo Tratado de Montevidéu – ALADI 1980 Tratado da Bacia do Prata 1969 1978

Tratado de Cooperação da Amazônia

1979 1980

Acordo Tripartite Acordo de Cooperação Nuclear entre Brasil e Argentina

1985

Declaração de Iguaçu Declaração Conjunta sobre Política Nuclear Ata para Integração Brasil-Argentina Assinatura de doze protocolos de cooperação entre Brasil e Argentina Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento Ata de Buenos Aires Tratado de Assunção Fonte: Almeida (1998), Cervo (2008) e Lafer (2004).

1986 1988 1990 1991

Este processo, no entanto, foi coroado com a assinatura do Tratado de Assunção pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, em 1991. Com a assinatura do que talvez seja o principal documento do Mercosul, metas são lançadas e possibilitam o início do processo de adaptação, maturação e vitalidade do bloco. Um aspecto de grande valia do referido Tratado foi ter lançado as bases da estrutura organizacional do Mercosul, indispensável para o desenvolvimento institucional e de suas funções nos primeiros anos. Vale salientar, que com o Protocolo de Ouro Preto, assinado em dezembro de 1994, o agrupamento sub-regional do Cone Sul, além de receber personalidade jurídica de direito internacional, ganha os contornos definitivos de sua estrutura de governo, que está estruturada como mostra a figura que segue:

76

Figura 6 Organograma do MERCOSUL

Fonte: disponível em: http://www.mercosul.gov.br/organograma/organograma-mercosul

77

Uma breve explicação da estrutura administrativa do bloco é necessária. Diferente do modelo europeu, no Mercosul optou-se pelo que Almeida (2001) chama de “modelo de Benelux”. Esta opção privilegia uma gerência intergovernamental, mais flexível, porém, dependendo pesadamente das ações e interesses dos executivos nacionais em detrimento de uma estrutura orgânica supranacional (ALMEIDA, 1998). Os principais órgãos do Mercosul são: o Conselho do Mercado Comum (CMC), o Grupo Mercado Comum (GMC)57 e a Comissão de Comércio do Mercosul. Além de serem os órgãos políticos do bloco, são diretamente atrelados aos principais processos de tomada de decisão referentes ao processo de integração58. O mais importante órgão do bloco, o Conselho do Mercado Comum, é composto pelos ministros de Relações Exteriores e de Economia e é, por excelência, uma instância intergovernamental, fortemente ligada aos executivos nacionais, suas dinâmicas e interesses. Mesmo trazendo pequenas modificações a estrutura administrativa do bloco, o Protocolo de Ouro Preto trouxe mudanças importantes, como a criação de novos foros, como o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES), que permite a vocalização no Mercado Comum do Sul de atores da sociedade civil. Do ponto de vista político, mas também econômico, o Mercosul é o projeto internacional mais relevante em que participam Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A integração é compreendida pelos parceiros como elemento fundamental para os respectivos processos de desenvolvimento econômico, onde figuram como condições a ampliação das dimensões dos respectivos mercados nacionais. De acordo com documento oficial do bloco, “A zona de livre comércio e a união aduaneira constituem passos intermediários para alcançar um mercado único que gere um maior crescimento de suas economias, aproveitando o efeito multiplicador da especialização, das economias de escala e do maior poder de negociação do bloco.”59 Em relação aos desafios relativos aos efeitos do regionalismo para o sistema multilateral de comércio é entendido que “O MERCOSUL não foi criado como uma fortaleza com vocação de isolamento; ao contrário, foi concebido como asseguramento da inserção de nossos países no mundo exterior” (op.cit). Além dos ganhos econômicos do bloco, o MERCOSUL é também um elemento de estabilidade na região, onde se 57

Criado na segunda metade da década de 1980, ou seja, anterior ao Tratado de Assunção. Para uma explicação detalhada da estrutura institucional do Mercosul ver Almeida (1998, p. 54-64). 59 http://www.mercosur.int/msweb/portal%20intermediario/pt/mercosul/mercosul.html 58

78

pretende neutralizar as tendências à fragmentação política, conferindo um ambiente de relativa paz e estabilidade no espaço regional. A própria integração regional e os objetivos mencionados acima não poderiam se tornar realizáveis de forma cooperativa se não fosse o longo processo de transformação dos padrões de relacionamento entre os principais poderes do Cone Sul: Argentina e Brasil (MELLO, 1996; CERVO, 2008). Com efeito, o Mercosul vai além de sua dimensão econômica e comercial, como afirma Paulo Roberto de Almeida (1998). O bloco é principalmente uma construção política, com propósitos estratégicos politicamente definidos. A integração regional, como um regime amplo, abarca em sua estrutura normativa e legal aspectos ligados a regime político, condição de segurança e defesa sub-regional e direitos humanos. A influência do bloco mercosulino deixou de ser apenas sub-nacional. Já na “Ata de Buenos Aires”, o desejo de expandir o alcance integracionista para além do contexto bilateral e sub-regional entre Argentina e Brasil, “dá início a um processo de consultas e negociações com outros países da região com vistas à ampliação do processo de liberalização comercial entre o Brasil e a Argentina” (ALMEIDA, 1998, p. 88). No entanto, o que se desejava expandir ia além de fins econômicos e comerciais, mas de natureza política e de segurança também, embora em relação a esta última seara os entendimentos se desenvolveram de forma mais informal. O nível de abrangência pretendida quanto a assuntos que dizem respeito ao Mercosul pode ser exemplificada pela assinatura do “Compromisso Democrático no Mercosul”, em 1996. Neste documento eram previstas medidas de consulta e punição caso houvesse a quebra da ordem democrática. Mas foi principalmente com a celebração na Argentina do Protocolo de Ushuaia, onde a defesa comum da democracia e da estabilidade política foi enfaticamente tornada um item de segurança comumente aceito. Na acepção construtivista da Escola de Copenhague, poderíamos afirmar que a democracia e a estabilidade política no Cone Sul foram securitizadas desde 1985. Este processo se deu principalmente a partir da evolução institucional e normativa do Mercosul, em paralelo ao advento da redemocratização nos dois grandes países platinos. Ao se levar em consideração o contexto político onde tanto a reaproximação entre Argentina e Brasil na última metade da década de 1980 uma avaliação como essa faz todo sentido. Durante esse período, líderes civis buscavam além de garantir os processos de retorno a ordem democrática no âmbito doméstico, paralelamente, procuravam construir aquilo conhecido na Ciência Política como institutional lock-in. Nesta acepção, compromissos 79

internacionais com força de lei doméstica constituíam elementos de reforço a uma decisão política de um determinado grupo, tornando mais difícil um recuo ao autoritarismo (ALMEIDA, 1998; LAFER, 2004). Em virtude da importância atribuída ao bloco, tanto em matéria de desenvolvimento, mas também pela sua contribuição para a garantia de retorno à democracia, os líderes políticos dos Estados partes tiveram que agir pragmaticamente e com realismo na construção institucional do Mercosul, afastando do ideário político no momento idéias supranacionais difíceis de alcançar. Em questões sensíveis como a segurança no âmbito mercosulino, um aparato institucional de baixo nível de desenvolvimento ao menos possibilitou a construção de medidas de confiança mútua entre os atores políticos, além da perspectiva de cooperação continuada, que envolvem maiores custos a atitudes não-cooperativas (MILNER, 1992). O processo de construção do MERCOSUL apresenta um traço especial de continuidade. Passível de ser entendido através da sustentação do processo de integração pelas elites políticas brasileira e argentina, mesmo quando os resultados econômicos não eram promissores. A conjuntura crítica que sustenta esta afirmação ocorre entre os anos de 1998 a 2002. Eventos marcantes neste período no campo da economia tiveram expressivo impacto no desenvolvimento e futuro do bloco mercosulino. Medeiros (2000) nos mostra como a crise asiática, evento inicial de uma série de conturbações econômicas

vivenciadas

em

países

em

desenvolvimento,

incidiu em

sérias

conseqüências para a América do Sul, vindo a acirrar animosidades entre Brasília e Buenos Aires. Por outro lado, a situação de desgaste da economia internacional também no final dos anos 1990 e início do século XXI também foi palco da proposta brasileira de criação de uma Área de Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA), ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Com o advento da eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Mercosul consolida a sua dimensão estratégica para a inserção internacional do país, já iniciada na segunda metade da administração de Fernando Henrique Cardoso, contudo, nesse primeiro momento, sem a mesma ênfase estratégica (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007; VIZENTINI, 2008). Ao longo dos cinco anos que compreende 2003-2007 o Brasil tem reforçado os laços econômicos, comerciais e de concertação política com os países da América do Sul. O país apresenta a estratégia de engajamento dos países dos subsistemas platinos, amazônicos e andinos no duplo pólo de estabilidade política e de ganhos econômicos. Vale salientar que, ao se aproximar economicamente da Venezuela, o país tem acumulado importantes saldos comerciais, tendência existente com os demais 80

países do bloco mercosulino (LAMPREIA, 2009). No que tange à dimensão econômica, a região já supera os Estados Unidos da América como principal destino das exportações60. Estes dados são expressivos não apenas para demonstrar o peso econômico do Brasil na região, mas como esta se torna primordial a tradicionais objetivos da política externa brasileira, como o desenvolvimento econômico (LAFER, 2004). Ademais, esses dados se tornam bastante elucidativos quando observamos que a pauta de exportação brasileira para os países da América do Sul consiste, principalmente, de produtos manufaturados e de bens de médio e alto valor agregado (TEIXEIRA JR e COSTA LIMA, 2008). Portanto, podemos entender que no seu entorno regional, o Brasil apresenta clara preponderância econômica diante dos seus vizinhos61 (MELLO, 1996; SOSA, 2008). Assim, o Mercado Comum do Sul, organizado no formato intergovernamental, é a principal organização de suporte a integração regional na América do Sul. Cabe afirmar que, ao privilegiar uma estrutura institucional pouco desenvolvida, contenciosos e questões importantes são, mormente, resolvidos fora do âmbito mercosulino. Isso significa que, às vezes, os verdadeiros espaços e momentos de resolução de controvérsias acabam sendo os fóruns e entendimentos presidenciais e diplomáticos. Concomitantemente, a absorção pelos países membros de objetivos comuns passa a depender enormemente da disposição dos executivos e da situação política doméstica e as suas dinâmicas com os respectivos legislativos e setores chave da sociedade.

2.3.2. SAARC

Semelhante ao que acontece na experiência mercosulina, a construção da SAARC é um evento culminante em um processo histórico relativamente longo. Segundo Dash (2008) a idéia de um fórum regional sul-asiático se remete a Abril de 1947, quando um órgão não-oficial do governo indiano, o Indian Council of World Affairs, organizou a Asian Relations Conference, em Nova Déli. A essa conferência, presidida pelo Primeiro Ministro indiano Jawaharlal Nehru, compareceram 25 nações asiáticas, ultrapassando expressivamente o número de nações sul asiáticas62. Um dos aspectos vislumbrados pelos países no momento foi a necessidade de maior cooperação

60

Informe Estatístico da Cepal (2008, p. 23). Desenvolveremos este ponto com mais detalhes no terceiro capítulo. 62 Sete países compõem o espaço geográfico da Ásia meridional. 61

81

regional, voltadas especialmente para contribuir com as hercúleas tarefas de alcançar a paz e a prosperidade nas nações recém-independentes, como Índia e Paquistão. Como Dash observa, o lócus da discórdia dessa tentativa embrionária de construção de um esforço prolongado de cooperação regional foram as desconfianças e interesses conflitantes entre a China e a Índia. Em momento posterior em 1949 foi realizada pela Índia uma primeira iniciativa oficial, em virtude da situação crítica que se encontrava a Indonésia, vítima de invasão pela Holanda em 1948. O resultado final da conferência, contido em sua resolução final, chamava atenção para a necessidade de criação de uma base institucional para cooperação entre os países asiáticos. Contudo, o processo que se buscava construir a favor da cooperação inter-estatal na Ásia foi interrompido em uma primeira conjuntura crítica. A perspectiva compartilhada em prol de um amplo arranjo cooperativo entre os países do continente foi subitamente abortada com a vitória dos partidários de Mao Tsé Tung na China em 1º de Outubro de 1949 e, paralelamente, com a escalada da Guerra Fria. Para a diplomacia indiana, em especial a visão de Nehru, favorável a cooperação e a solidariedade entre os países do terceiro mundo, a opção regional de cooperação teve que ser pragmaticamente colocada em segundo plano a favor da atuação global, encabeçada através do Movimento dos Não Alinhados (MAN). Nas palavras de Dash, “Prime Minister Nehru realized that the commitment for an Asian regional grouping had weakened among the Asian countries as the urgent task for all the countries in Asia was now to devise a policy toward the Cold War and to face the rise of communism in Asia. Consequently, Nehru became more interested in developing a Third World NAM rather than focusing on regional integration initiatives in Asia.” (2008, p. 80). A perda de entusiasmo indiano pela cooperação regional no final da década de 1940 foi seguida de uma segunda iniciativa. Dessa vez, as Filipinas sediaram a próxima confêrencia das nações asiáticas e lideraram a sua organização. O evento, conhecido formalmente como Baguio Conference, aconteceu em Maio de 1950. Como já observaram os indianos, as fraturas ocasionadas pela Guerra Fria já estavam presente na Ásia, de forma a limitar profundamente os possíveis esforços e conquistas relacionados a objetivos regionais. Nessa conferência as divisões ficaram marcadas entre os países que aderiram aos dois blocos da era bipolar, pró-comunismo e pró-capitalismo. Porém, 82

aqui já se vislumbravam alguns países que preferiam a condição de neutralidade, como Índia, Paquistão, Indonésia, Tailândia e Ceilão (atual Sri Lanka). Uma terceira iniciativa para a cooperação regional foi tomada pelo Primeiro Ministro do Ceilão, John Kotelawala, resultando inicialmente na Conferência de Colombo, em 1954. Nesta iniciativa, as tensões entre Índia e Paquistão começaram a ser mais fortemente sentidas, gerando complicações nos processos de negociação com os demais participantes da conferência. Mas um dividendo positivo foi extraído desta tentativa. Referimo-nos a proposta para a primeira conferência Afro-Asiática em Bandung, 1955. Como demonstra Kishore C. Dash (2008), após 1955 as discussões sobre a construção de um fórum ou associação para cooperação regional na Ásia deixaram de se ocorrer nas conferências intergovernamentais e passou a ter o seu lócus no âmbito das Nações Unidas. Os fracassos em progredir com o intento cooperativo é visto por Dash como uma das provas de que o chamado “velho regionalismo63” não foi fortemente sentido no Sul da Ásia durante o período acima discutido, tendo a região que esperar ate meados dos anos 1980 para vivenciar avanços efetivos. A primeira proposta concreta de cooperação regional para o subcontinente indiano foi lançada em Maio de 1980 pelo presidente de Bangladesh, Ziaur Rahman. Ao contrário do se possa pensar inicialmente, a iniciativa de Bangladesh teve início ainda na década de 1970, mais especificamente em 1977, quando o chefe do executivo daquele país conversara sobre a temática com o então Primeiro Ministro indiano Morarji Desai. No mesmo ano, o rei Birendra do Nepal em discurso ao Comitê Consultivo do Plano Colombo alertou para a necessidade de cooperação entre os países da Ásia do Sul na questão do compartilhamento das águas, assunto sensível, principalmente em seu relacionamento com Nova Déhli (THOMAS, 2004; DASH, 2008). De forma oposta ao que aconteceu no caso mercosulino, a SAARC nasce como proposta dos países pequenos da região: Bangladesh e o Nepal64 (DASH, 1996). Em outras ocasiões entre 1977 e 1979, o presidente de Bangladesh buscou chamar atenção para a necessidade da cooperação regional no Sul da Ásia, em ocasiões como na Cúpula dos Não Alinhados, em Havana. Neste contexto, no qual a Guerra-Fria era uma realidade para estes países, o conflito bipolar e os seus rebatimentos na periferia do sistema se fizeram sentir no

63

Para uma boa discussão sobre o velho e o novo regionalismo, ver Vaÿrynen (2003). No caso da integração no Cone Sul, o processo foi liderado pelas principais potências regionais e rivais históricos da região, constituindo-se no que Patrício (2006) chamou de relações em eixo. 64

83

processo de construção da cooperação regional. Um dos principais reflexos que este dado estrutural do sistema internacional no período impôs à SAARC foi o esvaziamento explícito de qualquer assunto ligado à segurança. Além disso, foi excluída qualquer proposta de redução da soberania a favor de construção de organizações supranacionais. O caráter de cooperação limitada pode ser constatado pela composição prioritariamente técnica da agenda da SAARC. Podendo-se afirmar seguramente que os itens formais da agenda da SAARC comportam a classificação de “cooperação funcional” (HERZ e HOFFMAN, 2004). Embora esta formatação temática forneça subsídios para o avanço em aspectos centrais ao desenvolvimento, como redução da pobreza e provisão de infraestrutura, a agenda oficial da SAARC não permite enfrentar em seu âmbito formal o principal obstáculo para a cooperação regional voltada ao desenvolvimento comum: o contexto de desconfiança mútua entre Índia e os demais países da região. Assim sendo, é notável que fatores em vários níveis fossem catalisadores da emergência da cooperação regional na Ásia Meridional. Dentre os quais destacamos a Guerra Fria (sistêmico), as relações tensas entre Índia e Paquistão, anexação indiana de territórios alheios como de Sikkim em 1975, o medo coletivo de predominância política e econômica indiana (regional) e as mudanças políticas dentro do regime (mudança de governo) e de regime (recuos democráticos ou o advento de democracias) na região (domésticos). Somam-se à esses elementos de ordem econômica, os desafios do subdesenvolvimento em todos os países do subcontinente indiano, a necessidade de industrialização e os dois choques do petróleo na década passada (1973-1979) que contribuíram para deteriorar ainda a mais a má situação econômica na região. Em decorrência desse contexto de deterioração das condições econômicas e de segurança, em 1980 ficou confiada à Bangladesh a criação do documento de trabalho acerca da criação de uma associação de cooperação regional. O resultado serviria de texto para discussão entre os Ministros de Relações Exteriores da região. Após muitas tentativas de instituir a cooperação regional na Ásia meridional, seguido a árdua tarefa de construção política para dar materialidade à SAARC, a região vivenciou um rápido processo de construção do bloco. Sete reuniões foram realizadas para a definição da estrutura organizacional e as possíveis áreas de cooperação65.

65

Foram elas: Colombo (1981), Kathmandu (1981), Islamabab (1982), Colombo (1983), Dhaka (1983), 1ª Conferência de Ministros de Relações Exteriores em Nova Déli (1983), Male (1984), Thimpu (1985) e Dhaka (1985).

84

Um dos principais resultados está no fato de que no contexto asiático, a SAARC é a principal experiência de integração regional que a Índia faz parte. Fundada no contexto da primeira Reunião de Cúpula dos Chefes de Estado ou Governo dos Países do Sul da Ásia, na cidade de Dhaka em dezembro de 1985, a SAARC congrega atualmente oito membros66. Além das diferenças territoriais, econômicas e étnicas entre os países sul asiáticos, na SAARC existe uma pluralidade de regimes políticos, vigorando a dicotomia entre democracia e autocracia (MUNI e JETLY, 2008). Contrasta dessa forma a experiência sul-asiática quando comparada ao Mercosul, onde todos os Estados membros são países democráticos. Por outro lado, semelhante ao Mercosul, o desenho institucional da SAARC preza por um modelo intergovernamental. Mas de forma mais enfática do que naquele, a ação dos executivos nacionais e os imperativos conjunturais da política regional e asiática têm forte impacto na política do bloco. A escolha do tipo de estrutura institucional pode ser observada pela visualização do organograma da SAARC:

66

Os sete originais são: Bangladesh, Butão, Índia, Nepal, Maldivas, Paquistão e o Sri Lanka. O Afeganistão foi o último a se tornar membro, em 2007.

85

Figura 7 Organograma SAARC: Hierarquia Organizacional e Canais Informais

Fonte: DASH, Kishore C. Regionalism in South Ásia: Negotiating cooperation, institutional structures. Routledge contemporary South Asia series; 8. Routledge, Abingdon/ New York. 2008. pp. 9

86

Como é possível observar no organograma, a principal instância dessa organização de cooperação regional é Head of State or Government Meeting, claramente de natureza intergovernamental. Hierarquicamente, segue-se a ela o Ministerial Meeting e o Councel of Ministers/Foreign Ministers. Deve-se notar que o papel desempenhado pelo secretariado da SAARC é diferente do que acontece no Mercosul, que tem funções claras (ALMEIDA, 2001). No caso da organização asiática o secretariado tem funções confusas, algumas já realizadas por outros órgãos. Ademais, o próprio desenho institucional da organização coloca em segundo plano um possível papel ativo do secretariado. Paralelamente ao desenho institucional do bloco regional, um conjunto de princípios informava o formato que a organização tomaria. Destacam-se os critérios de unanimidade e a norma de que os assuntos bilaterais e itens da agenda ligados a contenciosos devem ser excluídos das deliberações, como exposto no artigo X da Carta da SAARC (DASH, 2008). De acordo com a avaliação da estrutura institucional do bloco feita por este analista, estes princípios foram incluídos no intuito de fazer com que todos os Estados parte sejam formalmente iguais e tenham poder de veto e que as discussões nos fóruns não fossem contenciosas (2008, p. 90). Em convergência com o Mercosul, que desde o Tratado de Assunção prezava pelo princípio da decisões por consenso, a SAARC adotou essa medida para nivelar os poderes assimetricamente distribuídos em um ambiente de jogo político institucional. Quanto ao segundo princípio, demonstra um importante obstáculo para o desenvolvimento das suas atribuições nas relações internacionais na Ásia meridional, ao não incentivar a criação de instrumentos e instâncias de solução de controvérsias, como tem o Mercosul. Não que essas instâncias apaguem as assimetrias de poder, mas oferecem uma oportunidade para mitigar o puro jogo entre atores em níveis diferentes de barganha. Por outro lado, é interessante a semelhança com o Mercosul quanto à composição dos itens de cooperação. Ao analisarmos as áreas de abrangência dos comitês técnicos podemos inferir que o tipo de cooperação pretendido no âmbito formal da SAARC é de caráter funcional. Vale mencionar, que o escopo e o nível de implementação que acontece na experiência do Cone Sul americano e na Ásia meridional diferem enormemente (ALMEIDA, 2001; DASH; 2008). Mas como no caso mercosulino, as instâncias e instituições informais da cooperação e integração regional jogam um papel fundamental, como veremos a seguir.

87

Destarte o discurso técnico e setorial da agenda da South Asian for Regional Cooperation, emerge informalmente na política prática uma segunda agenda na organização, voltada a assuntos tradicionalmente conhecidos como pertencentes à High Politics. No âmbito das Cúpulas anuais da SAARC, os Chefes de Estado e de Governo, além dos Ministros de Relações Exteriores da região realizam os entendimentos sobre os aspectos político e de segurança essenciais à paz e a prosperidade na região. A relação conflituosa desde a independência entre os dois maiores poderes do Sul da Ásia (Índia e Paquistão) tem no processo de cooperação regional e integração econômica a tentativa de mitigar a instabilidade política favorecendo assim a prosperidade econômica por meio das benesses do livre-mercado em escala regional. É no âmbito dessa tentativa que foi celebrado o SAARC Preferential Trading Arrangement – SAPTA, em 1993, apenas se tornando efetivo em 7 de dezembro de 1995, com a ratificação do último membro pendente: o Paquistão. Esta iniciativa busca aumentar o nível de interdependência econômica entre os países do bloco, tornando, em tese, mais custoso o recurso à violência organizada entre eles, em especial a guerra67. Entre as inúmeras mudanças proporcionadas pelo fim da Guerra Fria está a mudança da política externa da Índia para a Ásia do Sul68. Um dos principais aspectos foi sua crescente atenção para os assuntos regionais em áreas que não apenas ligadas a segurança. De membro reticente da SAARC, este país passou a uma nova mentalidade, na qual, atualmente traz para si o papel de líder da experiência de integração. Ao fazê-lo celebrou diversos acordos bilaterais com os membros do bloco, enquanto um acordo de maior escopo não era ainda possível, aumentando consideravelmente o fluxo de comércio e o peso econômico indiano na região (SIDDHARTHAN, 2008). Este país passa a voltar-se para a região no sentido de reduzir as fontes de ameaças à sua segurança, mas também objetivando ganhos econômicos caros ao processo de desenvolvimento econômico em curso. Assim, tendo entrado em vigor em 1995, o SAARC Free Trade Area permitiu a criação de comércio na região, no qual um dos aspectos políticos essenciais foram os acordos para redução de tarifas, item expressivo para os países menos empoderados economicamente. Como Dash (1996) revela, a Índia exibiu interesse no aprofundamento dos laços econômicos, como mostra

67

Este raciocínio mostrou-se relativamente frágil quando da Guerra de Kargil em 1999, entre ambos os países. 68 Este ponto será desenvolvido com mais detalhes no próximo capítulo.

88

a lista de produtos em que houve redução de tarifas, tendo a Índia apresentado o maior número de itens. Semelhante ao caso brasileiro, a Índia busca consolidar uma esfera de influência econômica no Sul da Ásia, onde é a sua zona de segurança mais próxima. O perigo eminente advindo de suas tensões com o Paquistão dá impulso a iniciativas que possam mitigar o caráter conflitivo das relações na região. Assim, tendo passado dez anos e obedecendo ao cronograma acordado, em 2006 foi inaugurado o SAARC Free Trade Area (SAFTA). Proposta mais ambiciosa do que o SAPTA, a SAFTA visa aumentar o grau de interdependência econômica entre os países da região pela criação de comércio. Embora não incida negativamente sobre a predominância econômica da Índia na economia regional, pretende-se que o SAFTA induza, com o passar dos anos, a criação de incentivos voltados a redução da violência intra e inter-estatal na Ásia meridional. A possibilidade de empreendimentos conjuntos e de cooperação efetiva entre a Índia e os demais países da região, além de ser um importante mercado para bens e serviços indianos avançados, é uma oportunidade para que os países sul-asiáticos comprarem bens e contratarem serviços mais baratos do que no âmbito extra-regional (DASH, 1996, SIDDHARTHAN, 2008). Embora a Índia seja um global player e uma economia emergente, a exemplo do Brasil, dada a proximidade e expansão econômica chinesa na região é essencial garantir o mercado regional como espaço geopolítico e geoeconômico. Os ganhos econômicos e a estabilidade política esperada pelo bom funcionamento dos mecanismos da cooperação e integração econômica, principalmente a criação de medidas de confiança mútua entre Índia e Paquistão são entendidos como essenciais ao processo de desenvolvimento econômico em curso. Em outras palavras, a integração regional, com a criação de interdependência econômica entre os atores permitiria à Índia reconquistar o seu espaço econômico original, perdido durante o processo de dissolução de sua base territorial em 1947, como também a sua influência política de tempos antigos. O principal objetivo que pretendemos ter atingido com esse capítulo foi demonstrar a partir da aplicação do Most Different System Design (MDSD) de que forma processos de integração e cooperação regional, em contextos totalmente distintos, contribuem para a mudança nos padrões de amizade / inimizade, ou conflito e cooperação. Obviamente que o nível de mudança na polarização nos casos estudados não é o mesmo. A mudança de inimizade para amizade entre o Argentina e o Brasil se deu com relativo sucesso, na qual a grande maioria de seus contenciosos de ordem 89

militar foram resolvidos na mesa de negociações. Atualmente, as principais fontes de tensão estão ligadas a questões comerciais no Mercosul, a patente preponderância brasileira não apenas no Cone Sul, mas também na América do Sul e, por último, a ascensão internacional do Brasil como líder regional e país intermediário. Mesmo assim, o padrão de relacionamento é predominantemente cooperativo, fundamentado pelas dinâmicas e interdependências criadas pelos compromissos políticos e estratégicos, também como pelos ganhos econômicos e comerciais esperados pela integração. No caso da Índia, houve sim uma mudança nos padrões amizade / inimizade, favoráveis a uma maior cooperação. Se pensarmos em uma escala, no contexto asiático estes binômios devem ser associados na forma de gradação. O nível de cooperação proporcionado por experiências como a SAPTA e SAFTA, tal como a tentativa de solução de controvérsias por fóruns e instituições informais associadas à SAARC demonstram uma evolução a favor de maior cooperação. Porém, pequena quando comparada ao ocorrido no contexto do Mercosul. Mas também é inegável que aquela região criou, com essa associação, um lócus mínimo para criação de medidas de confiança mútua. Talvez o mais importante seja que embora muitos analistas tenham uma postura pessimista na avaliação da SAARC em suas duas décadas de existência, pecam por não observar que o bloco criou um conjunto de expectativas comuns, padrões e rotinas burocráticas intra-elites e pessoal técnico dos comitês técnicos e grupos de apoio da sociedade civil a favor da cooperação regional. Dessa forma, o regionalismo no Sul da Ásia não tem sido um experimento com o mesmo sucesso em relação ao Mercosul ou ao ASEAN mas, sem dúvida, apresenta evoluções nas relações interestatais dos países da região. Concluímos então, de forma parcial, que o regionalismo na América do Sul e Ásia meridional contribuiu como um catalisador na mudança da polarização regional. Porém, em níveis claramente diferentes em ambas as regiões. No próximo capítulo veremos como a preponderância de Brasil e Índia está influindo na mudança da polaridade regional. Ademais, as dinâmicas políticas que sustentam a ênfase integracionista nas políticas externas de ambos os países será discutida a partir da seleção e discussão de eventos selecionados.

90

CAPÍTULO 3: A DIMENSÃO ESTRATÉGICA DA COOPERAÇÃO E INTEGRAÇÃO REGIONAL E A PREPONDERÂNCIA REFORÇADA

3.1. A Busca Estratégica da Preponderância Regional Existe um relativo consenso entre a literatura discutida neste trabalho acerca do caráter estratégico da cooperação e da integração regional vivenciadas pelo Brasil e Índia no último quartel do século XX e início do XXI69. Razões de ordem pragmática são apontadas para explicar o porquê da adoção do regionalismo por esses países. Podemos elencar algumas, como a necessidade de adaptação política, econômica e militar no ambiente internacional do pós-Guerra Fria (HURRELL, 1995), a necessidade de garantir os processos domésticos de redemocratização (ALMEIDA, 1998) e a construção de medidas de confiança mútua (PATRÍCIO, 2006; DASH, 2008). Paralelo a essas motivações, objetivos mais audaciosos como galgar a posição de grande potência são entendidos como forças motrizes da ação, a racionalidade última de empreendimentos políticos como o Mercosul e a SAARC. É dever do analista ter em consideração aspectos como uma vontade a muito perseguida por parte de Brasil e Índia em alterar sua posição na hierarquia de poder e riqueza internacional, preferencialmente transformando a polaridade internacional a favor de uma ordem policêntrica (ZAKARIA, 2008; DASH, 2008; VIZENTINI, 2008). A permanência dessa vontade de potência pode ser visualizada, inclusive, em momentos críticos da história política desses países e do sistema internacional; como demonstram a via autonomista seguida pelo Brasil durante o governo Geisel na década de 1970, rompendo com a rigidez da bipolaridade70 (VIZENTINI, 2008); no caso da Índia, o seu comportamento autonomista durante os primeiros anos de independência, no contexto de expressiva fragilidade do ponto de vista econômico e de segurança é um forte indicativo do viés não-alinhado encampado por este Estado e sustentado por uma significativa parcela de sua sociedade (DASH, 2008; NARLIKAR, 2009). O que queremos demonstrar com essa breve discussão é que, ao lado dos determinantes de poder material, a dimensão ideacional joga um papel primordial tanto 69

Dentre esses podemos citar Vizentini (2000, 2006, 2008), Lafer (2004), Cervo (2008), Moniz Bandeira (2008, 2009), Soares de Lima e Hirst (2009), Dash (1996, 2008), Kapur (2004), Mohan (2006a, 2006b), Roy (2009) entre outros. 70 Como reforço a essa interpretação, Hurrell (2009) afirma que em poucos momentos da história do Brasil este se comportou como um Estado que se caracterizava pelo bandwagoning, ou alinhamento com o mais forte.

91

na dinâmica internacional desses países, como para a sua explicação (HURRELL, 2009). Um forte exemplo de como as idéias influenciam a agenda e a condução da política externa de países pode aqui ser apresentada pela auto-percepção e crença no papel de destaque que cabe por destino aos países em apreço nos assuntos internacionais. É exatamente neste ponto que o papel desempenhado pelo ordenamento regional se faz importante. Aceite o postulado de que esses países almejam fortemente mudar o seu status de potência, o contexto regional e a sua distribuição característica de poder são dimensões constitutivas dessa escalada. Segundo Hurrell, a capacidade de gerar ordem regional, através da preponderância, é vista como um dos atributos necessários para alcançar o patamar de grande potência (HURRELL, 2009). Assim, seria fundamental para esses países alcançar uma condição de superioridade em relação aos pares regionais, não apenas no que tange a atributos clássicos de poder, mas também naquilo que Nye Jr. chama de Soft Power. O poder suave seria primordial para dar legitimidade aos atores que pretendem ordenar um sistema ou sub-sistema internacional a partir de determinados princípios, valores e instituições (NYE JR., 2005; HURRELL, 2009). Essa avaliação nos impele a indagar sobre a natureza dessa “superioridade”. Conceitualmente, convencionamos classificá-la como preponderância. Mas o que vem a ser isto? No capítulo VI de Paz e Guerra entre as Nações, Aron propõe uma tipologia sobre as modalidades de paz. Entende o autor que “a paz tem aparecido como a suspensão, mais ou menos durável, das modalidades violentas da rivalidade entre os Estados” (ARON, 2002, p. 220). É importante salientar que o sociólogo francês percebia que a paz, ou melhor, o seu tipo, está intimamente ligado a configuração de distribuição de poder. Seguindo insight, o autor propõe um modelo tripartite sobre os tipos de paz, sendo ele como segue: equilíbrio, hegemonia e império. Embora não faça parte, diretamente, do seu modelo, Aron situa uma quarta modalidade sob a qual a paz pode emergir e se sustentar. Este subtipo, situado entre o equilíbrio e a hegemonia é a preponderância. Palavra “oriunda do latim (praeponderare), [a] preponderância liga-se à idéia de superioridade de peso, prevalência ou influência” (CUNHA apud MELLO, 1996, p. 49). A discussão da próxima seção insere a preponderância no âmbito da influência. Já na seção 3.3, na qual dados comparados sobre variáveis associadas a poder e capacidades, a noção de preponderância empregue ganha contornos de superioridade de peso e prevalência. Vale salientar que ambos os significados condizem com a percepção weberiana de poder, discutida e adotada por Aron (2002). 92

O entendimento sobre como o conceito preponderância surge na explicação de Aron é bem elucidado quando nos voltamos ao contexto histórico e teórico em que Aron o extrai. Quando, durante uma análise histórica no livro Paz e Guerra entre as Nações, o teórico das Relações Internacionais francês discute acerca da condição de poder da Alemanha de Bismarck. Ao fazê-lo, precisa com mais clareza o papel da preponderância em sua classificação ternária das modalidades de paz. De acordo com o acadêmico, a condição alcançada pelo império alemão na década de 1870, com a derrota da França na guerra franco-prussiana, elevou o país germânico, não à condição de hegemonia, mas ao status de preponderância. Esta limitação na escalada de poder alemão se devia aos freios exercidos pela Grã-Bretanha contra uma possível hegemonia do Reich. Funcionando como o fiel da balança de poder no continente, a Grã-Bretanha não permitiria que o Primeiro Reich alcançasse tal posição de mando sobre as demais unidades estatais da Europa continental. A citação que segue permitirá compreender melhor a predileção pelo conceito de preponderância em detrimento de hegemonia: “Possivelmente a Alemanha de Bismarck não mereça ser chamada de hegemônica, por que sua hegemonia se limitava ao continente europeu, que não representava na totalidade um sistema fechado. Se se levasse em conta a Grã-Bretanha e seus prolongamentos marítimos, o Reich não era absolutamente hegemônico: tinha apenas uma preponderância terrestre como, antes dele, a França [...]. A Inglaterra sempre evitara que tal preponderância se transformasse em império, ou menos em hegemonia incontestada.” (ARON, 2002, p. 221). O exemplo buscado na situação descrita por Aron pode ser mais bem compreendida ao trazermos para a discussão os contextos regionais analisados na presente dissertação. O cientista político Leonel Itaussu Mello (1996), ao analisar a drástica mudança histórica na balança de poder do Cone Sul na última metade do século XX contribui para uma compreensão mais fina do conceito de preponderância, como é possível observar com a citação que segue, “Entendemos que a situação típica da preponderância configurase quando, no âmbito de um determinado grupo de unidades políticas, a ruptura do equilíbrio de poder não engendra para a unidade beneficiária uma posição de supremacia incontestável, nem reduz as demais a um estado de impotência, que são característicos da hegemonia. Por outras palavras, o que tipifica a preponderância é que o peso ou a influência superiores de uma certa unidade não lhe conferem, necessária ou automaticamente, uma posição de supremacia ou comando nas suas relações com unidades mais fracas que integram a constelação política. Ocorre 93

que o conjunto formado por unidades de poder desigual inserese geralmente num contexto mais amplo e constitui apenas o subsistema de um sistema maior que relativiza a superioridade de peso da unidade preponderante. Assim, a preponderância exercida pela unidade de maior peso dentro daquele subsistema encontra-se subordinada, por sua vez, à hegemonia de outra unidade mais poderosa, que ocupa o vértice do sistema mais abrangente.” (MELLO, 1996, p. 49). Podemos retirar algumas conclusões úteis a partir do que foi apresentado por Aron e Mello. A primeira é de que a definição da distribuição de poder regional só pode ser realmente avaliada quando entendidas as suas relações com as dinâmicas globais de poder e polaridade. O exemplo transcrito anteriormente, inspirado no caso europeu na segunda metade do século XIX é claro quanto a isso. A descrição de Aron nos mostra que uma situação da balança de poder européia favorável ao Primeiro Reich não permitia a Alemanha galgar a condição de hegemon, em virtude do caráter impeditivo e dominante da Grã-Bretanha nas relações internacionais e na política de poder da região e do mundo à época. Igualmente, quando discutimos as situações de Brasil e Índia na América do Sul e Ásia meridional a idéia de preponderância se mostra conceitualmente mais ajustada em detrimento do conceito de hegemonia. No primeiro caso, uma condição inconteste de hegemonia é freada pela existência hegemônica dos Estados Unidos na mesma macro-região. Sobre a Ásia do Sul, demonstramos no segundo capítulo que as dinâmicas de segurança do subcontinente indiano funcionam como um complexo regional de segurança, na qual uma condição de hegemonia indiana é vedada pela expressiva competição de potências da Ásia-Pacífico, entre os quais, a China, Rússia, Irã, Japão e os Estados Unidos. Dessa forma, apenas uma condição de preponderância pode ser garantida, como demonstraremos na seção que segue. Com essa discussão chegamos a um conceito mais próximo da realidade dos casos estudados. Porém, ao tratar, em substância, de quantidades desigualmente distribuídas de poder entre os Estados em um dado contexto é necessário que dispensemos algumas linhas para definir a partir de que parâmetros será possível avaliar essas polaridades definidas pela preponderância. Por ora, questionamos como auferir e mensurar uma condição de preponderância? Conceitos como os de equilíbrio, hegemonia ou império, mas também o de preponderância são termos subsidiários da idéia de poder. Como demonstra Aron 94

(2002) esta seara de grande interesse da Ciência Política e das Relações Internacionais esconde entendimentos distintos sobre a natureza e as dinâmicas de poder (BALDWIN, 2003). Aqui, no presente trabalho, a diferença esboçada por Aron entre poder e potência nos será relativamente útil. O primeiro funciona em um contexto relacional, o segundo, pode ser mensurado, embora com limites, a partir da idéia de recursos e meios pelos quais se exerce o poder. No entanto, Aron é cético quanto à capacidade de mensuração exata do poder, como discute no capítulo 2 de Paz e Guerra Entre as Nações (2002), mas também faz saber que em tempos de paz, a potência dos Estados é uma expressão mais ou menos deformada da relação de forças reais ou potenciais. Esta idéia é bem representada pela definição, claramente de matriz weberiana, fornecida pelo próprio autor, quando afirma que, “No campo das relações internacionais, poder é a capacidade que tem uma unidade política de impor sua vontade às demais. Em poucas palavras, o poder político não é um valor absoluto, mas uma relação entre os homens.” (ARON, 2002, p. 99). Aceitando uma posição sobre o poder inspirada em Clausewitz,

é difícil

estabelecer de forma clara as distinções entre poder militar e político, havendo, na verdade, fortes relações entre ambas as expressões do krátos (RAPOPORT, 1983; STRACHAN, 2008). Esta discussão nos é extremamente útil, principalmente pela nossa tentativa de avaliar as condições de preponderância de Brasil e Índia em suas respectivas regiões. Sabemos de antemão, que não existe uma medida exata ou forma unânime de mensurar o poder e as capacidades nacionais71. A própria natureza do poder, entendido como uma expressão relacional inibe uma quantificação e mensuração exata, principalmente em tempos de paz (BALDWIN, 2003). Por isso, optamos por uma estratégia analítica que permitisse quantificar de forma aproximada as capacidades de poder nacional, a partir de índices, cujas variáveis são agregadas, mas também pela comparação entre países de variáveis desagregadas. Os resultados esperados servirão para validar ou refutar a nossa hipótese de que o regionalismo, no caso do Brasil e da Índia, tem funcionado como um mecanismo de distribuição de recursos socialmente valorizados, nos permitindo afirmar que tem contribuído para distribuição assimétrica de poder.

71

Treverton e Jones (2005) realizam uma boa revisão da literatura e dos métodos de mensuração de poder, apontando também as dificuldades e limitações desse tipo de procedimento.

95

Mas as constatações sobre uma condição de preponderância do Brasil e da Índia em suas regiões não são fatos novos. Desde a década de 1990 autores já observavam a situação de superioridade de poder do Brasil frente aos seus vizinhos, em especial os da sub-região platina (ALMEIDA, 1998). A existência da preponderância indiana na Ásia meridional é assunto perene da agenda política do Paquistão e das pequenas potências da região desde 1947. Analistas políticos como Medeiros (2000) e Costa Lima ( 2008) a muito chamam atenção para o desequilíbrio de peso do Brasil e da Índia em suas regiões; o primeiro na ocasião da crise da valorização do dólar no Brasil e os fortes efeitos para os países da região, em especial a Argentina, e o segundo quanto à estrutura econômica e tecnológica indiana em relação aos seus vizinhos. A condição de força regional indiana é ainda reforçada pelos fatos descritos a seguir. Além de estar em uma condição de superioridade econômica e tecnológica em relação aos seus vizinhos próximos, a Índia é relativamente pouco dependente do comércio intra-regional do Sul da Ásia, tendo a Ásia, apenas recentemente (2003-4), participado com a maior fatia do comércio internacional da Índia. Tabela 10 Parceiros Comerciais da Índia: Exportações (%) Região (maior parceiro comercial) 1960-61 1970-71 1980-81 1990-91 UE 36.2 18.4 21.6 27.5 (Reino Unido) (26.9) (11.1) (5.9) (6.5) América do Norte 18.7 15.3 12.0 15.6 (Estados Unidos) (16) (13.5) (11.1) (14.7) OCDE – Outros 10.1 15.2 10.6 10.4 (Japão) (5.5) (13.3) (8.9) (9.3) Europa de Leste 7.0 21.0 22.1 17.9 (Rússia) (4.5) (13.7) (18.3) (16.1) OPEC 4.1 6.4 11.1 5.6 África 6.3 8.4 5.2 2.1 Ásia 6.9 10.8 13.4 14.3 América Latina 1.6 0.7 0.5 0.4 Outros 8.0 2.7 1.0 6.2 Fonte: Ministry of Finance, Economic Survey 2004-2005, Kale (2009, p. 53).

2000-01 22.7 (5.2) 22.4 (20.9) 5.1 (4.0) 2.4 (2.0) 10.9 3.2 21.4 2.1 7.3

2003-04 21.1 (4.7) 19.2 (18.0) 3.7 (2.7) 1.8 (1.1) 15.0 3.3 27.6 1.7 4.2

2000-01 19.8 (6.3) 6.8 (6.0) 5.9 (3.6) 1.3 (1.0) 5.4 1.7

2003-04 17.3 (4.1) 7.4 (6.4) 6.9 (3.4) 1.6 (1.2) 7.2 1.3

Tabela 10.1 Parceiros Comerciais da Índia: Importações (%) Região (maior parceiro comercial) UE (Reino Unido) América do Norte (Estados Unidos) OCDE – Outros (Japão) Europa de Leste (Rússia) OPEC África

1960-61 37.1 (19.4) 31.0 (29.2) 7.1 (5.4) 3.4 (1.4) 4.6 5.6

1970-71 19.6 (7.8) 34.9 (27.7) 7.4 (5.1) 13.5 (6.5) 7.7 10.4

1980-81 21.0 (5.8) 14.7 (12.9) 7.4 (6.0) 10.3 (8.1) 27.8 1.6

1990-91 29.4 (6.7) 13.4 (12.1) 11.2 (7.5) 7.8 (5.9) 16.3 2.2

96

Ásia 5.7 3.3 11.4 14.0 América Latina 0.4 1.0 2.5 2.3 Outros 2.2 0.4 0.5 3.5 Fonte: Ministry of Finance, Economic Survey 2004-2005, Kale (2009, p. 53).

14.4 1.5 36.0

17.2 1.5 33.3

Por outro lado, no caso do Brasil com o Mercosul, durante os períodos iniciais do bloco até o fim da década de 1990, o Mercado Comum do Sul respondia a uma parcela importante do comércio exterior brasileiro (ALMEIDA, 1998). Segundo Choi & Caporaso (2003, p. 493) o comércio intra-bloco que correspondia a 8,4% em 1990, passou a 25,1% no ano de 1998. É fato que o comércio intra-bloco tenha sofrido uma expressiva queda com os efeitos da crise asiática de 1997-8 e com os posteriores desgastes da crise brasileira e argentina. Por outro lado, já nos primeiros anos do século XXI as exportações do Brasil para o Mercosul e América do Sul além de terem crescido, já ultrapassam o valor total exportado para os Estados Unidos no ano de 1997 (CEPAL, 2008, p. 23). Ademais, ao longo destes períodos de crise, mesmo com a redução temporária deste intercâmbio econômico, o Brasil tendeu a acumular saldos comerciais positivos com a maioria dos membros do bloco. Tabela 11 Evolução do Comércio entre Brasil e demais Países do Mercosul – Série Histórica

Fonte: Associação de Comércio Exterior do Brasil – AEB. Elaboração MDIC/SECEX; Elaboração: AEB.

No entanto, se que a dimensão de superioridade econômica e comercial de Brasil e Índia em relação aos seus vizinhos próximos já é de conhecimento geral da academia, qual é a importância de nos questionarmos sobre a preponderância regional dos países em apreço e as suas conseqüências?

97

Primeiramente, os países em questão lideram importantes processos de integração e cooperação em suas regiões. O Mercosul é considerado o mais importante bloco regional entre países em desenvolvimento (ALMEIDA, 1998; VIZENTINI, 2008). Analistas políticos chamam atenção para a relevância da SAARC como a principal expressão do regionalismo na Ásia meridional (HURRELL, 1995; DASH, 1996, 2008; MOHAN, 2006a). Muito da compreensão acadêmica sobre cooperação e integração entende que, os atores políticos sendo racionais, privilegiarão dinâmicas políticas que, ou maximizem sua quantidade de poder e recursos valorizados, ou ao menos os mantenha (KEOHANE, 1984; MILNER, 1992). A integração regional é vislumbrada como um empreendimento no qual os autores visam eliminar de seus panoramas políticos jogos de soma zero, privilegiando de jogos de ganha-ganha (win-win game). Nestes, a lógica a favor dos ganhos mútuos é predominante, mesmo quando estes são desiguais (MILNER, 1992). Essa forma de analisar a cooperação entende que a reciprocidade é uma dimensão fundamental na sustentação de esforços prolongados no tempo de cooperação entre Estados (MILNER, 1992). Em outras palavras, o que queremos expressar é que nenhum Estado dotado de política externa conduzida por uma burocracia e políticos minimamente racionais fará parte de um processo de cooperação e integração regional visando perder ou ser lesado econômica ou politicamente. Dito de outra forma, a cooperação e a integração regional, por definição, não foram pensados para induzir ou manter uma condição em que recursos socialmente valorizados são sistematicamente distribuídos de forma profundamente desigual entre os Estados que delas participam. Estas indagações motivam a pesquisa sobre as realidades da distribuição de poder nas regiões estudadas. Além de abarcarem as principais expressões do regionalismo em cada contexto estudado, o Mercosul e a SAARC, abrigam duas potências regionais ansiosas para alterar o seu status no sistema de Estados, motivadas a se favorecer à luz de uma possível ordem multipolar. Como afirmado ao longo do presente trabalho, para essa finalidade o regionalismo joga um papel fundamental. A seguir, expomos os principais eventos políticos que nos permitem avaliar o caráter estratégico do Mercosul e da SAARC. O período priorizado será o de 19982007, mas dinâmicas políticas anteriores e necessárias à compreensão serão trazidas ao longo do texto. A exposição desses eventos é fundamental para a compreensão da dinâmica de manutenção e acirramento da preponderância dos países em apreço em suas respectivas regiões, a ser explicada na seção 3.3 deste capítulo. 98

3.2. Dinâmicas Políticas e a Dimensão Estratégica do Mercosul e da SAARC

3.2.1. A Ênfase Estratégica no MERCOSUL (1998-2007)

O Mercosul tem sido, desde a sua fundação, um dos principais carros de batalha da política externa brasileira. Desde o período inicial da reaproximação entre Argentina e Brasil na segunda metade da década de 1980 a integração sub-regional era vista como atrelada a objetivos políticos, domésticos e internacionais da maior importância. O Mercosul foi guiado por uma lógica predominantemente comercialista desde de 1991 até meados de 1994-5 com o Protocolo de Ouro Preto até 1997-872 (CERVO, 2008). Não que o bloco não fosse importante para os objetivos da política externa brasileira, como foi a contribuição de Argentina e Brasil no seio do Mercosul para conter recuos autoritários no Paraguai e a mediação brasileira da Guerra de Cenepa, entre Equador e Peru. O fato é que o bloco era orientado pelo paradigma econômico dominante no período, o qual entendia a necessidade de liberalização comercial e crescimento econômico como fundamentos centrais do regionalismo no Cone Sul. Defendendo assim o modelo que ficou conhecido a partir de publicação de documento da Cepal como “Regionalismo Aberto” (CEPAL, 2000). Tal lógica começou a ser alterada, inicialmente, a partir do final do primeiro e início do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998-9. Nesse período, o Brasil foi acometido por uma seqüência de crises econômicas, como a Crise da Ásia em 1997, Crise da Rússia em 1998, que acarretaram na deterioração das condições econômicas internacionais, mas também nacionais. Como demonstra Medeiros (2000), a valorização do real em meados de 2000 gerou fortes impactos para a economia argentina, criando um contexto de animosidade entre os países, vindo a ameaçar o eixo de cooperação Brasília-Buenos Aires, espinha dorsal do Mercosul. Nesse sentido, a Crise Brasileira e a Crise Argentina em 2000 foram eventos culminantes da deterioração da economia internacional no período, trazendo sérios desafios para os processos de integração regional nas Américas. No plano hemisférico, avançavam as negociações a favor da ALCA, encabeçadas na região por países como Argentina e Chile, membros pleno e associado ao Mercosul. Em virtude de uma possível assimilação do mercado comum do sul à ALCA ou a dissolução de sua experiência sub-regional, o governo brasileiro a partir de 1998-1999 72

Segundo Cervo (2008) este paradigma é rompido a partir de 2003, com o advento do governo Lula da Silva. Soares de Lima e Hirst (2006) compartilham dessa avaliação.

99

passou a tomar medidas diplomáticas e de negociação mais arrojadas, de forma a que se prevalecesse a ALCA, o Mercosul não deixasse de existir (VIGEVANI e CEPALUNI, 2007). Não obstante uma postura pouco assertiva, a diplomacia brasileira no período, principalmente aquilo que se conhece como “diplomacia presidencial” realizou feitos importantes para a sobrevivência do bloco. Adotando uma postura mais assertiva, o presidente Fernando Henrique Cardoso se empenhou no relançamento do bloco no ano 2000, no qual convocou a primeira Cúpula de Chefes de Estado da América do Sul, em intenção de se fazer sentir a presença do bloco para toda a região (MELLO, 2002). Entre os principais frutos dessas iniciativas ocorridas entre o final do segundo mandato da gestão de Cardoso e os primeiros anos do governo do presidente Lula da Silva estão as negociações da criação de uma Área de Livre Comércio entre Mercosul e a Comunidade Andina de Nações e o lançamento da proposta da Comunidade SulAmericana de Nações. Também se destaca já ao longo do governo Lula, a ênfase retórica sobre a integração energética e em infra-estrutura na região, inaugurando novas áreas de integração e cooperação regional. Notabilizam-se nesse período iniciativas institucionais, como a CSN e a UNASUL, onde exibem uma convergência manifesta com o Mercosul, representando formas de expandir a integração sul-americana tendo como núcleo duro o bloco do Cone Sul73 (PEÑA, 2007). Outros elementos de reforço dessa tendência expansiva, mais do que de aprofundamento do bloco foi a admissão novos Estados associados ao Mercosul, o Peru em 2003 e Colômbia e Equador em 2004. Dessa forma, a integração regional, que antes se dava de forma predominante orientada para os países do Cone Sul, passa a se fazer presente nas demais sub-regiões da América do Sul, como a andina e amazônica. Esta última, contemplada com a entrada da Venezuela no Mercosul, marcando expressivo avanço na expansão do bloco ainda na primeira década do século XXI. Dito isso, cabe indagar qual a ênfase estratégica no Mercosul ao longo do período 2003-2007? Essa pergunta nos leva a um importante debate no interior da comunidade de relações internacionais do Brasil durante os primeiros anos do primeiro governo Lula da Silva. Duas posições distintas se confrontavam. A primeira, representada por Maria Regina Soares de Lima e Hirst74 (2009) entendia que a mudança predominava sobre a continuidade na política externa do governo Lula. Segundo as autoras, 73 74

Schmied (2007) apresenta uma avaliação mais cautelosa sobre esse assunto. O texto a que nos referimos é foi escrito originalmente em 2006.

100

“apesar de muitos comentadores terem enfatizado o alto grau de estabilidade da política externa brasileira ao longo dos anos, não há dúvida de que, desde a inauguração do governo Lula em janeiro de 2003, a mudança tem predominado sobre a continuidade.” (2009, p. 44). Uma segunda postura, expressa por Vigevani e Cepulani (2007) contestava essa avaliação. Afirmavam os autores que, “A política externa de Lula da Silva, em comparação com a de FHC, apresenta elementos de “mudança dentro da continuidade” (LAFER, 2001b, p. 108) ou simplesmente, como argumentamos, de ajustes e de mudanças de programa (HERMANN, 1990). A administração de Lula da Silva não se afastou do princípio historicamente assentado para a diplomacia de que a política externa é um instrumento para o desenvolvimento econômico e para a conseqüente preservação e ampliação da autonomia do país. Há mudanças de idéias e mesmo de estratégias para lidar com os problemas e objetivos que estão colocados pela história, pela posição e pelo destino, mas não essencialmente diferentes dos existentes há muito para o Brasil”(2007, p. 322). Para o estudo aqui realizado não nos cabe discutir qual das avaliações é a melhor. O que podemos concluir desse debate é que em ambos os governos, Fernando Henrique e Lula da Silva, o Mercosul jogava um papel expressivo, fosse nas negociações da ALCA ou na base de um novo projeto desenvolvimentista de inserção internacional. Não obstante essa afirmação, o caráter estratégico do Mercosul tem sido mais reforçado ao longo do governo Lula da Silva, através do apelo retórico e por ações. Embora Celso Lafer, na função de Ministro das Relações Exteriores do Brasil, afirmasse que a ALCA era uma opção, mas o Mercosul era destino (2004), foi a partir de 2003 o Mercado Comum do Sul passou a ser o núcleo fundamental do projeto de inserção internacional do Brasil, agora acompanhado de uma política externa Terceiro Mundista e da priorização das relações Sul-Sul (CERVO, 2008; VIZENTINI, 2008; MONIZ BANDEIRA, 2008;SOARES DE LIMA e HIRST, 2009). Na dimensão econômica o bloco tem desempenhado um importante papel para o país. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, “De 2002-2007, a corrente de comércio entre o Brasil e os países do Mercosul apresentou forte crescimento, passando de US$ 8,9 bilhões, em 2002, a US$ 28,9 bilhões, em 2007. Caso se inclua no cálculo o comércio Brasil-Venezuela, que em 2007 alcançou US$ 5,07 bilhões, os valores do comércio total do Brasil com o Mercosul alcançariam a cifra de US$ 33,97 101

bilhões, em 2007. Nesse período, o fluxo entre Brasil e Argentina aumentou quase 354%, passando de US$ 7 bilhões para US$ 24,8 bilhões. No que se refere ao intercâmbio com o Uruguai e o Paraguai, observa-se crescimento respectivo de 230% e 220% durante o mesmo período. Com o Uruguai, a corrente de comércio passou de US$ 897 milhões para US$ 2,07 bilhões; com o Paraguai, de US$ 942 milhões para 2,08 bilhões.” (MRE, 2009)75 Outro aspecto que atesta o caráter estratégico do bloco para a economia brasileira se refere a quanto ele corresponde na participação total das exportações do Brasil. Como é possível observar na citação abaixo, embora seja um valor relativamente baixo, se comparado ao comércio intra-bloco da União Européia (CHOI e CARPORASO, 2003), no contexto hemisférico passa a ser um dado relevante, principalmente quando se observa a importância do Mercosul para a busca de uma condição de autonomia do Brasil, não apenas na política, mas também econômica e comercialmente. O comércio intrazona tem participação significativa sobre o comércio total geral do Brasil: segundo dados de 2007, representa 10,8% das exportações e 9,64% das importações nacionais, excluído o comércio com a Venezuela. Para efeitos de comparação, como país individual, somente os Estados Unidos têm participação maior tanto nas exportações (15,6%) quanto nas importações (15,52%). A participação da China no comércio total do Brasil supera a do Mercosul apenas nas importações (10,4%). No comércio com os sócios fundadores do Mercosul, o Brasil tem obtido superávites crescentes. Em 2002, o intercâmbio comercial registrou déficit de US$ 2,2 bilhões para o Brasil. Em 2007, o saldo positivo brasileiro chegou a US$ 5,7 bilhões.76 A partir da exposição desses dados observamos que o período entre 1998 a 2007 marca um sério engajamento brasileiro na região, onde o Mercosul foi um recurso e fórum essencial. Entendemos que é apenas possível avaliar a estratégia da política externa para a região e para o Mercosul tendo como norte a opção estratégica do governo Lula da Silva quanto a inserção internacional do país. A garantia e manutenção da preponderância regional na América do Sul e o engajamento da diplomacia brasileira na solução de conflitos e crises regionais são indicativos expressos da vontade de 75

“Evolução Recente do Comércio Intrazona”, disponível em: http://www.mercosul.gov.br/principaistema-da-agenda-do-mercosul/dados-basicos-e-principais-indicadores-economicos-comerciais/evolucaorecente-do-comercio-intrazona/ 76 op.cit.

102

potência do país, no que tange ao status de grande potência. Para tal fim, o Mercosul e a preponderância na América do Sul são meios e condições indispensáveis para esses desígnios estratégicos.

3.3.2. A SAARC à luz das Mudanças Recentes no Regionalismo (1997-2007)

O fim da Guerra Fria trouxe importantes transformações internacionais para a Índia, mas também na política doméstica. A partir de 1991, com o governo do Primeiro Ministro P.V. Narsimha Rao o país passou por um expressivo processo de liberalização econômica, resultando na mudança de paradigma da economia política indiana e de sua estratégia de desenvolvimento econômico. Vale salientar que esse processo já estava sendo gestado desde o governo de Ravij Gandhi, nos anos 1980. Neste período já se cogitava um conjunto de medidas econômicas para soltar as amarras da economia do país, em referência à predominante política de substituição de importações, em vigência desde a independência (CHIBBER, 2003; KOHLI, 2005, COSTA LIMA 2008). No contexto de maior liberalização e busca por novos mercados, a SAARC ganhou nova importância na agenda política indiana, como se pode notar, o SAARC Preferential Trade Agreement foi assinado em 1993, vindo a possibilitar, em 2006, na criação de uma Área de Livre Comércio do bloco. Mas foi ao longo do período entre 1996 a 1998, de forte conturbação social na Índia, que o regionalismo foi re-enquadrado em sua política externa. Após um difícil processo eleitoral, em meados de 1996 o então ministro das relações exteriores da Índia, Inder Kumar Gujral, formulou um plano político que viria a ser dominante na orientação da política externa indiana em suas relações com os vizinhos imediatos do Sul da Ásia. A chamada “Doutrina Gujral” constituía um conjunto de princípios orientadores que emergiram para alterar o padrão de conflito e desconfiança nas relações entre os países da região. A doutrina é baseada em cinco pontos e os expomos através da citação do próprio formulador dessa política, “The ‘Gujral Doctrine’, if I may call it so, states that, first, with its neighbors like Bangladesh, Bhutan, Maldives, Nepal and Sri Lanka, India does not ask for reciprocity, but gives and accommodates what it can in good faith and trust. Second, we believe that no South Asian country should allow its territory to be used against the interests of another country of the region. Third, that none should interfere in the internal affairs of another. Fourth, all South Asian countries must respect each 103

other’s territorial integrity and sovereignty. And finally, they should settle all their disputes through peaceful bilateral negotiations. ” (GUJRAL, 1997). Ao estudar os elementos constitutivos dessa orientação internacional observa-se facilmente a inspiração de Nehru na formulação dessa política. Os cinco pontos que compõem essa doutrina se alinham ao “Panchsheel”, ou “os cinco princípios da coexistência pacífica” da política externa formulada pelo Primeiro Ministro Jawaharlal Nehru (DASH, 2008, p. 90). De fato, esses princípios estavam presentes na Cúpula da SAARC em Dhaka, 1985, onde em sua declaração a SAARC deveria estar baseada nos princípios de respeito à igualdade soberana, integridade territorial, independência política, não-interferência em assuntos domésticos de outros estados e busca pelo mútuo benefício (2008, p. 89-90). A doutrina Gujral foi formulada, com base no legado histórico nehuviano, pretendendo recolocar de forma positiva a Índia no contexto das relações asiáticas, não apenas sul-asiáticas. Em um momento em que a Ásia passava por um expressivo ressurgimento, agora como principal pólo de crescimento econômico e emergência de pólo de poder, a Índia deveria redefinir as suas relações internacionais na região de forma a ultrapassar o legado de desconfiança. O que pretendia Gujral pode ser lido a seguir, “I am fully convinced that the few simple ideas that I have outlined, of implemented seriously by all 7 nations of our region, can result in a fundamental recasting of South Asia’s regional relationship, and propel our region to a climate of greater confidence and close and mutually benign cooperation in our region, where the weight and size of India is seen positively”. (GUJRAL, 1997). [grifo nosso] Grifamos a última passagem em virtude de que o peso da Índia é profundamente desproporcional diante dos demais países da região, inclusive em relação ao Paquistão, seu rival histórico. Teremos a oportunidade de constatar essa dimensão de assimetria de poder na próxima seção com a análise e comparação de dados entre os países da SAARC. Como afirmado no segundo capítulo, alguns países da Ásia meridional consideram a condição de superioridade indiana como um dos principais elementos da agenda de segurança. O receio de hegemonismo indiano é uma constante e um complicador nos cálculos de poder nas relações sul-asiáticas, muitas vezes recorrente a países de fora da região para conter ou balancear o peso da Índia, como tem feito o Paquistão ao longo de mais de 50 anos. 104

Em função desses desenvolvimentos, a estratégia observada para supremacia no Sul da Ásia e ascensão da Índia como grande potência passou a visualizar a necessidade de expansão dos interesses indianos para além do subcontinente indiano. A política do partido BJP de “Look East” buscou tirar a Índia do seu relativo isolamento sul-asiático ao promover a tentativa do país de se projetar para além do subcontinente, essencialmente para o Oceano Índico e o Sudeste Asiático. As tentativas de aproximação da Índia com o ASEAN são representativas desse esforço políticodiplomático. Destaca-se, sobretudo, o aceite da Índia como Full Dialogue Partner do ASEAN, adentrando assim no ciclo diplomático desse estratégico bloco regional asiático ainda na primeira metade da década de 1990. Contudo, a situação de superioridade militar e econômica da Índia em sua região foi substancialmente reforçada em 1998. Nesse ano, durante o governo de Atal Bhari Vajpayee, do BJP, a Índia realizou dois testes nucleares (Pokhran II). Os experimentos foram avaliados de forma totalmente diferente dentro e fora do país. Na Índia, a versão oficial do governo era de que os testes nucleares representavam em definitivo a ascensão do poderio indiano, tendo a sua motivação associada diretamente à percepção da ameaça chinesa e de sua rápida ascensão (ROY, 2009). O fato é que a superioridade estratégica indiana foi parcialmente afetada pelos testes subseqüentes realizados pelo Paquistão. Com efeito, este país já vinha adquirindo capacidade nuclear em períodos anteriores com auxílio fundamental da China (THOMAS, 2004). Ademais, Pokhran II resultou em sanções e retaliações de vários países importantes, entre os quais os Estados Unidos (HARRISS, 2006). Durante o período vivido pela Índia como um Estado pária no sistema internacional em virtude dos testes nucleares, o país seguiu a política de engajamento regional no Sul e no Sudeste Asiático. Seguem alguns exemplos, alguns deles anteriores aos testes nucleares. Em 1993 a Índia tornou-se membro do ASEAN regional Fórum (ARF), em 2005 fez parte da inauguração da East Asia Summit e em 2006 conseguiu o status de membro observador da Organização para Cooperação de Xangai (SCO). Segundo Rahul K. Bhonsle, desde a década de 1990, quando a política “Look East” foi iniciada o comércio da Índia com os países da região subiu de 8,1 bilhões para 67,5 bilhões (em USD), a participação do comércio passou de 19,4% para 28,2% no mesmo período (2007). Já na região da SAARC, o comércio da Índia com estes países não ultrapassa os 3%. Contudo, essa baixa participação da região no comércio internacional da Índia não nos permite afirmar que a região não joga um papel 105

fundamental na política externa e de segurança deste país. Da perspectiva econômica, a Índia tem dispensado recursos e tempo para fazer a SAFTA dar certo, ao partir para política de concessões com vários países, entre eles o Paquistão (TEIXEIRA JR e COSTA LIMA, 2008; SIDDHARTHAN, 2008). Ao tornar-se operacional, o SAPTA em finais de 1995, e no início de 1996 foi colocado entre os países o compromisso de acelerar o processo da SAPTA, ao fixarem para 2006 o estabelecimento do SAFTA (SAARC Free Trade Agreement). (2008, p. 214-215). Em conjunto com essas iniciativas, a Índia também celebrou uma série de acordos bilaterais com os países vizinhos, de forma a acelerar o processo desejado de liberalização destes mercados. Segundo Siddharthan (2008) estes processos resultaram no aumento do comércio intrabloco (2008, p. 216). Só o fato da criação do SAFTA ter seguido o prazo esperado já demonstra um sucesso para o padrão de negociação e dificuldades no relacionamento dos países da Ásia meridional. Em essência, a expansão econômica pretendida pela Índia com a SAARC é orientada para retomar o espaço econômico perdido; este, mais ou menos unificado na era do domínio britânico. Os desenvolvimentos recentes apontam para a emergência na Ásia de um novo ambiente competitivo, os fóruns e organizações regionais de cooperação e integração. A principal dinâmica que aponta para o caráter estratégico da SAARC nesse sentido é a expansão do bloco para a Ásia central, com a entrada do Afeganistão em 2007, mas também a entrada de novos membros com status de observador no bloco. Esse segundo ponto merece alguma explicação. Na Cúpula de Dhaka, em 2005, foram concedidos status de observador para países como a China, Estados Unidos, Coréia do Sul, e Japão. Claramente, a divisão entre os países apoiadores das respectivas candidaturas expressaram fraturas intra-SAARC. Notabiliza-se a força motivadora dos anseios de conter o peso da Índia. É justo afirmar que houve na SAARC uma reprodução do sistema de balança de poder não apenas vigente na Ásia meridional, mas na Ásia. A dinâmica política e de segurança no subcontinente passa a ser cada vez mais complexa e caudatária dos jogos de poder do continente. Se re-assegura, assim, o destacado papel estratégico da SAARC para a política externa indiana na região. Expostos os desenvolvimentos recentes que demonstram o caráter estratégico adquirido pelo Mercosul e pela SAARC, na seção que segue demonstraremos que a condição já existente de preponderância na América do Sul como na Ásia meridional, além de se manter, foi acirrada.

106

3.3. O Regionalismo como Mecanismo de Distribuição de Capacidades e Poder Este sub-capítulo consiste na avaliação e mensuração da preponderância de Brasil e Índia, em seus respectivos contextos regionais. A preponderância é aqui avaliada como um fenômeno multidimensional. Queremos afirmar com isso que a preponderância pode estar relacionada a uma condição de superioridade econômica, política e militar. Para tal avaliação empreendemos comparações de dados quantitativos em três etapas. Em

um

primeiro

momento,

discutimos

um

conjunto

de

variáveis

tradicionalmente associadas ao Hard Power (Poder Duro), como População, PIB e Gastos Militares. A exposição desses dados se dá prioritariamente por gráficos, pois estes permitem visualizar a mudança no tempo das variáveis em apreço. A única variável que não dispusemos dessa forma foi a População, dado que esta tende a variar pouco em curtos períodos de tempo, como o é o corte histórico aqui priorizado77 (19982007). Optamos então por apresentar a distribuição populacional do Sul da Ásia e da América do sul com dados do ano de 2005. As variáveis de PIB e Gastos Militares exigiram um processo mais demorado de análise. Estas variáveis foram analisadas no contexto da SAARC e do Mercosul em pelo menos dois ou três momentos distintos. Na segunda e terceira etapa deste esforço comparativo optamos por utilizar variáveis agregadas. Na segunda etapa lançamos mão do Composite Index of National Capability (CINC) do projeto Correlates of War (COW). Na terceira pela aplicação do Modelo 2 de Chang (1999). O período coberto por nossa análise a partir dos dados do CINC foi de 1985 a 2001 para a SAARC e de 1991 a 2001 para o Mercosul. Como é possível notar, o marco inicial é o ano de fundação dos respectivos blocos regionais. A aplicação e análise desse índice terminam em 2001 devido à falta de dados para o período posterior a 2002. Este impedimento inicial à criação de uma série histórica mais longa acabou por trazer efeitos positivos. O primeiro deles se refere à natureza das variáveis e do propósito do CINC. Na função de índice de capacidades nacionais, o CINC se presta a mensurar capacidades tradicionalmente associadas ao poder e capacidade militar. Isto é possível de ser conferido pela lista de variáveis que a versão mais recente trabalha (versão 3.02).

77

Ao comparar os scores do COW adotamos um marco temporal mais longo, anterior ao período delimitado acima.

107

O CINC nos permite observar a variação das capacidades de poder nacional dos países em questão ao longo do período estudado. Como observado acima, o grande problema é a ausência de dados a partir de 2002 em diante. Porém, surge outro problema. As variáveis trabalhadas pelo projeto COW não abarcam características como Massa Crítica, representadas em outros modelos, como o de Cline (MELLO, 1996; CHANG, 1999; TREVERTON e JONES; 2005). Em relação a essa deficiência o Modelo 2 de Chang apresenta uma solução, pois além de incluir variáveis ligadas a Massa Crítica, permite uma avaliação de poder mais ampla, incorporando fortemente a dimensão econômica. A terceira etapa da comparação de dados consiste na aplicação daquilo que Chang (1999) chama de uma medida de poder nacional. Ao realizar uma ampla revisão da literatura sobre o tema, Chang propõe um modelo simplificado de quantificação do poder nacional. O Modelo de Chang tem três etapas e consiste, na verdade em três equações pelas quais o pesquisador pretende chegar a uma aproximação das capacidades de poder nacional. A sua proposta de ferramenta analítica está reproduzida abaixo. Figura 8 Três Equações de Poder de Chang

Fonte: Chang (1999, p. 7-8).

O autor argumenta que das três equações acima apresentadas, a que ele chama de Modelo 2 (Model 2) tem mais relevância teórica. Embora não componha em si um 108

índice de capacidade, proporciona um meio válido de mensurar o poder. Por esta razão, decidimos aplicar o Modelo 2 aos países da Ásia meridional e da América do Sul. Quanto aos dados necessários para a sua aplicação, aproveitamos sugestão de data sets do autor (1999, p. 8). Buscamos bancos de dados que oferecessem informações sobre População, PNB e Gastos Militares e Área. Para tal recorremos a bancos de dados ligadas as seguintes instituições: Para dados sobre População, PNB e Gastos Militares utilizamos o World Military Expendidures and Arms Transfers (WMEAT), ligado a U.S Arms Control and Disermament Agency; e para a variável de Área utilizamos os dados do The World Factbook (WF) da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA). Sabemos de início que os números e a quantificação da realidade, especialmente em assuntos políticos, são tarefas difíceis na qual a imprecisão é uma constante. Com a discussão subseqüente não pretendemos dizer, por analogia, que aquilo visto em um mapa é igual ao terreno que por ele representado. Porém, a análise qualitativa dos dados qualitativos nos permite avaliar de forma aproximada o estado da preponderância e da distribuição regional de poder, além de fornecer uma sólida base para comparação. A partir da explicação feita sobre a origem dos dados e os procedimentos de análise, seguimos para a comparação de dados propriamente dita.

3.2.1. Análise de dados – Variáveis Desagregadas Selecionadas

Nessa seção, lançamos mão de variáveis de População, PIB e Gastos Militares. É importante observar que elas, em conjunto ou separadas, fazem parte da composição do CINC e da segunda equação de poder de Chang, o Modelo 2. Estas variáveis podem parecer primárias em primeira vista, mas elas fazem parte do que Chang (1999) chama de Critical Mass (Massa Crítica). Sem dúvida, os dados extraídos e comparados têm importante valor para a análise da preponderância. Assim sendo, a primeira figura que segue é uma representação da distribuição da população dos Estados do Mercosul.

109

Gráfico 178 Distribuição da População dos Estados do Mercosul (dados de 2005)

10%

15%

1% 2%

Argentina Brasil Paraguai Uruguai Venezuela

72%

O que o gráfico nos mostra, claramente, é que o Brasil, além de ter a maior população do bloco, mais de 70%, tem uma larga superioridade em relação aos demais. O Brasil é seguido pela Argentina e Venezuela, em segundo e terceiro lugar. Estes dois países, mesmo com as suas populações somadas representam menos de um quarto da população brasileira. Mesmo em conjunto, Argentina e Venezuela, cotadas como contraponto ao peso do Brasil na região (RIOS e MADURO, 2007; SOSA, 2008), não chegam à metade da sua população. Essa distribuição pouco se altera em consideração à população dos Estados associados do Mercosul.

78

Os gráficos foram elaborados a partir de dados do Banco de dados do WMEAT.

110

Gráfico 1.1 População dos Estados do Mercosul e Associados (dados de 2005)

Argentina 11%

4%

11%

Brasil Paraguai

8%

Uruguai Venezuela Bolívia Chile

4%

Peru

2%

Colômbia

7%

50% 1%

Equador

2%

Mesmo se somarmos os cinco membros associados, a saber: a Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e Equador a população da Argentina e Venezuela, o Brasil permanece com cerca de 50% da população da região, excetuando-se nos cálculos as Guianas e o Suriname. Observada a clara superioridade do Brasil quanto a distribuição populacional entre os países do Mercosul, membros plenos e associados, vejamos, a seguir, como se expressa esse dado no contexto da Ásia meridional. É importante observar que excluímos o Afeganistão ao longo das analises comparativas entre os países da SAARC. Procedemos desse modo em razão da recente entrada do país da Ásia Central no bloco, em 2007, ano final do nosso recorte histórico. Nos gráficos que seguem excluímos as Maldivas devido a problemas encontrados nos dados fornecidos pelo banco de dados do WMEAT79. Mesmo tendo que efetuar essas adaptações, os resultados alcançados nos permitem afirmar que a Índia acompanha a tendência do Brasil no que tange a ter uma distribuição populacional maior, no contexto regional, como é possível atestar na figura a seguir.

79

. Pensamos que a exclusão das Maldivas não afetou fortemente a nossa analise. Visto que a população não tende a variar de forma muito expressiva em curtos períodos, a população de Maldivas é estimada em 396, 334 mil para 200979, não devendo ter variado muito para baixo ou para cima nos anos anteriores. O fato determinante é que o tamanho de sua população não afeta o efeito geral exercido pela superioridade numérica indiana na região.

111

Gráfico 2 População dos Estados SAARC em 2005

76%

Bangladesh Butão Índia Nepal Paquistão Sri Lanka

0% 10%

2% 1%

11%

Além de Índia e Brasil ocuparem a maior parte da massa territorial do Sul da Ásia e da América do Sul, os países são responsáveis por apresentar as maiores populações no total regional, contanto assim com um forte peso em fatores de massa crítica diante dos demais países. Vale destacar que a população não apenas é um dado importante para a economia, em relação a mercado de trabalho, população economicamente ativa, mas também diz respeito à dimensão político-militar, como contingente militar/População total, coeficiente de mobilização, entre outros. Outro fator de capacidade nacional amplamente utilizado é o Produto Interno Bruto. Embora o Modelo 2 de Chang utilize, originalmente o Produto Nacional Bruto (PNB, ou GNP na língua inglesa), lançamos mão aqui do PIB (ou GDP, em inglês), que funciona como uma variável próxima à original. Embora a utilização do PNB seja mais precisa, lançamos mão da longa série de dados sobre PIB fornecida pelo banco de dados do WMEAT. A necessidade de recorrer a uma opção sub-ótima quanto ao tipo de dados é suavizada pela vantagem na disponibilidade de dados para os países analisados, além de terem sido coletados a partir da mesma metodologia. A seguir apresentamos séries históricas sobre a evolução do PIB nos Estados do Mercosul e na SAARC. Como é possível notar na figura abaixo, entre o período de 1998 e 2006, quando a política externa brasileira passou a ser gradualmente mais enfática ao privilegiar mais a integração regional, o PIB do Brasil manteve uma tendência crescente no espaço de cerca de quase dez anos.

112

Gráfico 3 Evolução do PIB nos Estados do Mercosul

PIB em Milhões (USD 2005)

1.000.000 900.000

Argentina

800.000 700.000

Brasil

600.000

Paraguai

500.000 400.000

Uruguai

300.000

Venezuela

200.000 100.000 0 1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Anos

Não queremos afirmar com isso que a mudança no enfoque da política externa brasileira foi o principal vetor de influência para o aumento do PIB brasileiro. Inclusive, o aumento exponencial das commodities no início do século XXI é apontado como um dos fatores do crescimento econômico brasileiro e de outros países da região (CEPAL, 2008). Não obstante, a diversificação comercial, a opção pelas relações Sul-Sul são apontados como fatores que contribuíram para a volta de um crescimento econômico no período. Dessa forma, não nos interessa tanto destrinchar qual a direção da causalidade acerca do crescimento econômico brasileiro, mas sim observar a distribuição de poder econômico através do PIB na região e o seu crescimento como fator subsidiário na analise.

PIB em Milhões (USD 2005)

Gráfico 3.1 Evolução do PIB nos Estados do Mercosul (Sem o Brasil)

200.000 180.000 160.000 140.000 120.000 100.000 80.000 60.000 40.000 20.000 0 1996

Argentina Paraguai Uruguai Venezuela

1998

2000

2002

2004

2006

Anos

113

Com efeito, os dados expostos nas tabelas anteriores nos dizem mais do que a simples tendência de crescimento do PIB do Brasil no período estudado. Revelam-nos que dois dos mais importantes países do bloco, Argentina e Venezuela, passaram de uma trajetória descendente para ascendente a partir de 2002. O Uruguai tomou uma trajetória positiva, mas pequena, e o Paraguai mostrou-se quase imóvel. Além disso, os dados revelam a expressiva distância no PIB dos países do bloco, usada aqui como uma variável próxima de PNB, a qual compõe o que Chang chama de força econômica (1999). É interessante notar que no âmbito dos países membros do Mercosul, pode-se hierarquizar três camadas de poder econômico. A primeira ocupada pelo Brasil, a segunda por Argentina e Venezuela, e a última por Uruguai e Paraguai. Essa observação reforça a tendência de assimetrias profundas, não apenas entre o Brasil e os demais, mais entre Argentina, e agora a Venezuela, diante dos membros menores do bloco. Mas como se dá a clivagem de poder econômico entre os Estados associados ao Mercosul? É sobre isso que nos falam as próximas duas tabelas.

Gráfico 3.2 Evolução do PIB nos Estados Associados ao Mercosul

PIB em Milhões (USD 2005)

140.000 120.000 Bolívia 100.000 Chile 80.000

Peru

60.000

Colômbia

40.000

Equador

20.000 0 1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Anos

É necessário observar que a partir de 1990-2000 os países associados viram períodos de PIB ascendentes (Peru, Colômbia e Equador apenas viriam a ser associados depois do ano 2000). No entanto, essa figura expressa uma clara assimetria de Colômbia e Chile com os demais países. Essa fratura quanto à dimensão do PIB pode ser observada na tabela que segue. Gráfico 3.3

114

Evolução do PIB nos Estados do Mercosul e Associados sem o Brasil Argentina PIB em Milhões (USD 2005)

200.000

Paraguai

180.000 160.000

Uruguai Venezuela

140.000 120.000 100.000 80.000

Bolívia Chile Peru

60.000

Colômbia

40.000 20.000 0 1997

Equador 1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Anos

Vê-se aqui que o antigo rival histórico do Brasil na região é o segundo poder econômico na América do Sul, seguida agora de dois parceiros amazônicos, a Venezuela e a Colômbia. Se voltarmos à primeira tabela sobre evolução do PIB, na qual consta o Brasil, veremos que existe um fosso no que tange a poder e superioridade econômica deste país face aos demais. Realizamos os mesmos tipos de comparação de dados com os países da SAARC, onde excluimos Afeganistão e Maldivas. A exemplo do que foi feito no capítulo 2, devemos destacar que as diferenças dos processos históricos, políticos e econômicos na América do Sul e no Sul da Ásia são profundamente diferentes, divergindo, inclusive, no tipo e dinâmica dos respectivos empreendimentos regionalistas em ambas as regiões. No entanto, os achados da pesquisa reforçam a utilização do modelo Most Different System Design (MDSD), em que casos diferentes apresentam resultados semelhantes. Vejamos por que.

115

Gráfico 4 Evolução do PIB dos Estados da SAARC

PIB em Milhões (USD 2005)

900.000 800.000 700.000

Banladesh

600.000

Butão

500.000

Nepal

400.000

Paquistão Sri Lanka

300.000

Índia

200.000 100.000 0 1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Anos

Semelhante ao encontrado no caso do Mercosul e a sua versão expandida (membros associados), a distribuição de força econômica entre os países da SAARC, representada aqui pelo PIB é extremamente desigual. De fato, existe um fosso, como acontece no Mercosul, mas nesse caso entre a Índia e o restante das nações da associação sul-asiática de cooperação regional. Como acontece no caso sul-americano, a potência preponderante em força econômica é seguida de seu principal rival, histórico ou atual. Como visto na tabela anterior, o Paquistão é o país que mais se aproxima do poder econômico da Índia. A condição de força econômica a que o Paquistão está submetido pode ser visualizada quando se atenta sobre o seu status de poder em relação aos demais membros da SAARC, sem contar com a Índia.

116

Gráfico 4.1 Evolução do PIB dos Estados da SAARC (Sem a Índia)

PIB em Milhões (USD 2005)

120.000 100.000 Banladesh 80.000

Butão Nepal

60.000

Paquistão 40.000

Sri Lanka

20.000 0 1996

1998

2000

2002

2004

2006

Anos

Embora o Paquistão goze claramente de uma superioridade em força econômica com o restante dos países da SAARC, inclusive se observa também uma trajetória de crescimento econômico superior aos demais, este país sul-asiático está muito atrás da capacidade econômica da Índia, sendo possível inferir visualmente que esta última, inclusive, goza de maior e sustentando crescimento econômico do que o Paquistão. Realizamos uma estratégia de comparação de dados semelhante, mas no caso, para auferir aquilo que Chang (1999) chama de força militar. No Modelo 2 de Chang, o poder militar é auferido por uma equação onde o componente principal são os gastos militares. Aqui, prefere-se analisar os gastos militares totais, em vez da medida tradicional de gastos militares/PIB. Como as comparações aqui realizadas são facilmente delimitadas pela geografia das regiões em apreço, é possível esboçar uma comparação a partir de valores totais. Primeiramente, iremos analisar como se dá a distribuição de gastos militares nos Estados do Mercosul.

117

Gastos Militares em Milhões (USD 2005)

Gráfico 5 Evolução dos Gastos Militares nos Estados do Mercosul

18.000 16.000 14.000

Argentina

12.000

Paraguai

10.000

Uruguai

8.000

Venezuela

6.000

Brasil

4.000 2.000 0 1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Anos

Lembrando que para Chang (1999) a variável Gastos Militares é uma aproximação de força militar, as informações contidas na figura acima são bastante elucidativas. No contexto do Mercosul o Brasil não é apenas a principal potência militar (em termos de recursos e gastos no setor) mas está substancialmente se distanciado dos demais países. Tanto a Argentina como a Venezuela se encontram em patente desvantagem em relação a essa medida de poder quando comparados ao Brasil. O próximo gráfico nos permite entender o nível do distanciamento progressivo.

Gastos Militares em Milhões (USD 2005)

Gráfico 5.1 Evolução dos Gastos Militares nos Estados do Mercosul sem o Brasil 3.000 2.500 Argentina

2.000

Paraguai 1.500 Uruguai 1.000

Venezuela

500 0 1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Anos

118

Quando inseridos na comparação sem o Brasil, Argentina e Venezuela gozam de boa posição quando comparadas com o Uruguai e Paraguai. A força que dispõem segundo os indicativos de poder militar no gráfico reforça a nossa compreensão de uma hierarquia, também no campo militar, onde o Brasil é claramente predominante, seguido por duas potências sub-regionais, Argentina e Venezuela. Mas como fica a condição de força militar do Brasil no contexto da América do Sul, excluindo-se as Guianas e o Suriname? Para responder a essa indagação, executamos o mesmo procedimento de análise, mas agora para dez países da América do Sul.

Gastos Militares em Milhões (USD 2005)

Gráfico 5.2 Evolução dos Gastos Militares nos Estados do Mercosul e Associados 18.000

Argentina Paraguai

16.000

Uruguai

14.000

Venezuela Bolívia

12.000

Chile

10.000

Peru Colômbia

8.000

Equador

6.000

Brasil

4.000 2.000 0 1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Anos

Acompanhando a tendência de força econômica, no Mercosul (mais associados) o Brasil segue sendo a potência preponderante, especialmente em relação a superioridade de recursos de poder (econômico e militar). Mas dessa vez, o segundo lugar não é ocupado pela Argentina, mas sim pela Colômbia. Observando a figura acima nota-se a grande distância entre o Brasil e os outros países, mas também uma distância crescente entre a Colômbia e os demais, principalmente em relação à Venezuela, com a qual a rivalidade tem se acentuado (CEPIK, 2005). Os dados permitem inferir que a guerra contra o narcotráfico em especial o Plano Colômbia tem incidido fortemente no aumento de gastos militares deste país, mas pelo que observamos, sem capacidade de interferir com a tendência a concentração de poder militar do Brasil.

119

Gastos Militares em Milhões (USD 2005)

Gráfico 5.3 Evolução dos Gastos Militares nos Estados do Mercosul e Associados sem o Brasil

5.000 4.500

Argentina

4.000

Paraguai

3.500

Uruguai Venezuela

3.000

Bolívia

2.500

Chile

2.000

Peru

1.500

Colômbia

1.000

Equador

500 0 1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Anos

Como observado nas análises anteriores, a preponderância brasileira na região é clara, e aparentemente inconteste em termos materiais de poder. Outro ponto interessante é que a Argentina, quando inserida no contexto dos Estados Associados não consegue fazer acompanhar a sua segunda posição em PIB no campo dos gastos militares, sendo superada pela Colômbia, Chile e Venezuela. Notabiliza-se que os gastos militares dos dois primeiros países tendem a ser crescentes, enquanto que o da Venezuela demonstra certa irregularidade, como acontece com o Brasil. Este último apresenta um recuo em seus gastos militares entre os anos de 2003 a 2005, sem, contudo vir a afetar a sua força militar, em flagrante assimetria com a dos demais países da região. Fenômeno semelhante foi encontrado no caso indiano.

120

Gastos Militares em Milhões (USD 2005)

Gráfico 6 Evolução dos Gastos Militares dos Estados SAARC

20.000 18.000 16.000 14.000 12.000

Bangladesh Butão Nepal

10.000 8.000 6.000 4.000 2.000 0 1997

Paquistão Sri Lanka Índia 1998

1999

2000

2001 2002

2003

2004

2005

2006

Anos

Novamente, a distância significativa entre a Índia e os outros países do Sul da Ásia é mantida, inclusive com caráter ascendente no que tange ao poder militar, tal como se mostrava em termos de poder econômico. Mas aqui, o Paquistão não parece conseguir acompanhar o ritmo de crescimento do poder militar indiano, da forma que se aproxima em seu crescimento econômico. Essa análise é evidenciada pela figura que segue.

Gastos Militares em Milhões (USD 2005)

Gráfico 6.1 Evolução dos Gastos Militares dos Estados SAARC sem a Índia

4.500

Bangladesh

4.000 3.500

Butão

3.000 2.500

Nepal

2.000

Paquistão

1.500 1.000

Sri Lanka

500 0 1996

1998

2000

2002

2004

2006

Anos

Além de estar bem abaixo da Índia quanto aos gastos militares, o Paquistão demonstra uma trajetória irregular neste tipo de atividade estatal. É interessante notar 121

uma curva ascendente entre 2000-2001 até 2003, correspondente aos primeiros anos da invasão norte-americana ao Afeganistão. Caso essa interpretação esteja correta, demonstrando que o aumento do gasto militar neste país é influenciado, como demonstrado no capítulo 2, por atores e recursos externos, é provável que no período mais recente, entre 2007-2009 esses gastos tenham aumentado em virtude da ajuda externa, principalmente em termos de aquisição de material bélico e auxílio financeiro para o combate contra o terrorismo islâmico dos talibãs em suas fronteiras ocidentais. De forma geral, o que a comparação de dados realizada com algumas variáveis selecionadas demonstra que a partir dos critérios de população, PIB e gastos militares, tanto o Brasil como a Índia estão em condição de preponderância regional. Não apenas isso, mas essa situação tendeu a se aprofundar desde o período inicial do regionalismo nas regiões em apreço. Como colocamos anteriormente, massa territorial e população compõem o fator de massa crítica (CHANG, 1999), auxiliadas por dados sobre gastos militares, variável próxima de força militar, demonstramos que na perspectiva estratégica os países em apreço demonstram uma preponderância crescente.

3.3.2. Análise de dados COW – CINC

A análise de dados comparados a partir das três variáveis trabalhadas acima não nos permite afirmar em definitivo o caráter da preponderância desses países. Cientes dessa limitação fomos levados a analisar os países a partir de uma série histórica anterior a exposta na seção anterior. Aqui, o período em análise será de 1991 a 2001 para os países do Mercosul e de 1985 a 2001 para os membros da SAARC. A base de dados para comparação usada é do projeto do Correlate of War (COW). Usamos para comparação os dados referentes ao Composite Index of National Capabilities, o CINC. O índice é construído a partir das seguintes variáveis: população total, população urbana, produção de ferro e aço, consumo de energia, efetivo militar e gastos militares. Ao utilizarmos o índice se torna possível inserir mais variáveis, sofisticando a avaliação da preponderância regional de Brasil e Índia. Ademais, como realizamos nessa seção a comparação de um período anterior ao priorizado na pesquisa (19982007) podemos assim averiguar se os países já gozavam antes de uma condição de preponderância. Sobretudo poderemos apreender o estado atual e a variação da

122

distribuição de poder no nível regional. Para este fim, inserimos, para os principais países, uma linha de tendência80. Gráfico 781 CINC para os Estados do Mercosul e Associados Argentina 0,03

Paraguai Uruguai

0,025 Venezuela

CINC

0,02

Bolívia Chile

0,015

Peru 0,01

Equador Brasil

0,005

0 1990

Linear (Brasil) 1992

1994

1996

1998

2000

2002

Anos

O primeiro gráfico originado da comparação dos índices CINC para os Estados do Mercosul confirma a tendência das comparações anteriores. Em especial reforça os achados anteriores sobre a distância nas capacidades materiais de poder entre o Brasil e os países do bloco, tanto os membros plenos como os associados. Essa constatação robustece os procedimentos de comparação, pois como afirmamos em outro momento, as variáveis usadas para compor o CINC são diferentes daquelas a que usamos para a comparação de dados desagregados, com exceção dos gastos militares. A escala do CINC para os países do Mercosul vai de 0 à 0,03. O Brasil, em meados dos anos 2000 estava em cerca de 0,025, o país mais próximo, a Argentina constava com um valor aproximado de 0,005. Este achado expressa, numericamente, a proporção da assimetria de poder entre os países analisados. Ou seja, desde o inicio do processo de integração regional no Cone Sul, a situação de assimetria se alterou, favoravelmente ao Brasil. Destaca-se o caráter crescente da desigualdade de poder entre esses Estados. Para melhor ilustrar esse aspecto inserimos nessa tabela uma linha de tendência, apresentada no gráfico como Linear (Brasil). Destaca-se nesse processo que a linha é crescente, mesmo quando notamos um recuo entre os anos de 1998 a 2000-1, onde o Brasil foi acometido por graves crises financeiras e econômicas, além da breve 80

No caso do Mercosul, a comparação de dados é feita sem a inclusão da Colômbia, para a SAARC estão ausentes Bangladesh e Maldivas. 81 Para a comparação dos scores do CINC utilizamos o banco de dados do COW, na versão 3.02.

123

desorganização da economia e do comércio internacional no período. Podemos confirmar esse problema ao analisarmos a próxima figura, apreende-se que a Argentina sofreu semelhante inflexão. Parecido com o que aconteceu com o Brasil, o país portenho apresentou uma tendência crescente no CINC. Mas não é essa a única semelhança que a Argentina apresenta em relação ao Brasil.

Gráfico 7.1 CINC para os Estados do Mercosul e Associados (Sem o Brasil) Argentina Paraguai

0,007

Uruguai

0,006

Venezuela

CINC

0,005

Bolívia

0,004

Chile

0,003

Peru 0,002 Equador 0,001 0 1990

1992

1994

1996 Anos

1998

2000

2002

Linear (Argentina) Linear (Venezuela)

A Argentina ocupou, com relativa folga, o segundo lugar em capacidade de poder material na região. Estimamos que ao inserir a Colômbia na comparação, a posição da Argentina poderia estar relativamente alterada. No entanto, o dado que mais chama atenção é que além de o Brasil estar em patente superioridade em condições materiais em relação aos demais países estudados, tanto ele quanto a Argentina guardam uma imensa assimetria em relação aos demais membros plenos do Mercosul, Paraguai e Uruguai respectivamente. É possível constatar nas comparações de dados históricos anteriores, que esses dois países se situam muito abaixo da escala de poder, seja este medido pela força econômica (PIB), militar (Gastos Militares) ou população. Ademais, isso nos leva a inferir que o Mercosul, principal experimento regionalista na região, não os permitiu lograr uma melhor condição em capacidades materiais de poder. Não obstante, parece ter contribuído para o aumento da potência no caso brasileiro. Utilizamos a mesma estratégia de comparação de dados para os países da Associação Sul-Asiática para Cooperação Regional e o que descobrimos se assemelha com que constatamos no caso mercosulino. Como é sabido, a SAARC existe a mais 124

tempo do que o Mercosul, e neste caso o regionalismo não tem funcionado a favor de uma divisão mais equitativa das capacidades poder material.

Gráfico 8 CINC para os Países da SAARC 0,08

Butão

0,07

Nepal

0,06

Paquistão

CINC

0,05

Sri Lanka

0,04 Índia 0,03 Linear (Índia)

0,02

Linear (Paquistão)

0,01 0 1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

Anos

A evolução do nível do CINC apresentado para os países da Ásia Meridional é ainda mais desigual do que a encontrada no Mercosul. Numa escala de CINC de 0 à 0,08, a Índia em meados de 2000 constava cerca de 0,07 e o país que a seguia mais proximamente era o Paquistão. O país muçulmano apresentava apenas cerca de 0,01 de capacidade de poder material. Porém, embora a distância entre a Índia e o Paquistão seja enorme, a partir dos critérios avaliados no CINC, a preponderância do país hindu é avaliada com mais robustez quando colocada em comparação com o nível do CINC atingido pelos demais países.

125

Gráfico 8.1 CINC para os Países da SAARC (Sem a Índia) 0,018 0,016 0,014

Butão

0,012

CINC

Nepal 0,01 Paquistão 0,008 Sri Lanka

0,006

Linear (Paquistão)

0,004 0,002 0 1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

Anos

Agora, podemos entender melhor por que Buzan e Wæver (2003) consideram que a padrão de distribuição de poder é bipolar no Sul da Ásia. Se excluíssemos a Índia da região, o Paquistão seria a principal potência na região. Mas mais importante, tende em mente a distância entre a Índia e o Paquistão, a assimetria entre a Índia e países como Sri Lanka, Nepal e Butão muito mais expressiva, semelhante ao que acontece no Mercosul, mas com uma maior desigualdade. As séries históricas expostas e a sua interpretação nessa subseção confirmam de forma bastante contundente o caráter da preponderância da Índia e do Brasil em suas regiões ao longo das primeiras décadas dos respectivos processos de interação regional. Também expressam que a distribuição de capacidades materiais dos países além de ser extremamente desigual, tendeu a se acirrar com o tempo. Um achado notável deste estudo é que países pequenos, como Uruguai e Paraguai, mas também Sri Lanka, Nepal e Butão, tendem a ter a sua quota de capacidade material quase inalterada ao longo dos períodos estudos, enquanto as potências preponderantes, e em alguns casos outras potências regionais de menor poder relativo como Argentina e Paquistão, exibem um perfil de crescimento. Contudo, as séries históricas aqui discutidas cessam após o ano de 2001, excetuando-se os casos em se acrescentaram linhas de tendência, onde um período um pouco maior foi analisado. A pergunta que fazemos é indaga sobre qual foi o perfil da distribuição de poder nos casos estudados ao longo do período de 1998 a 2007? Para tal intuito lançamos mão do Modelo 2 de Chang (1999) para promover uma perspectiva 126

mais recente, mas também mais abrangente do poder nacional, ao contar com variáveis econômicas expressivas e fatores associados a massa crítica.

3.3.3. Análise de dados do Modelo 2 de Chang

O Modelo 2 de Chang constitui em um conjunto de equações simples onde variáveis como Produto Nacional Bruto, Área, População e Gastos Militares são agrupadas de forma a possibilitar uma mensuração aproximada do poder nacional de países sob estudo. No nosso caso, as equações de Chang correspondem ao que chamamos de terceira etapa da análise e comparação de dados de países selecionados da América do Sul e da Ásia meridional. Confirmando a nossa hipótese, ao longo do período de 1998 a 2007 a preponderância brasileira foi mantida, e diferente do que alega uma parcela da academia e da análise política nacional (MAGNOLI, 2007; BARBOSA, 2008), em termos materiais, o Brasil não teve a sua condição de potência regional preponderante ameaçada. Essa constatação apóia-se nos achados exibidos no gráfico abaixo.

Gráfico 9 Variação da Capacidade de Poder no Mercosul

Poder (modelo 2)

Argentina 4,5

Paraguai

4 3,5

Venezuela

3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 1996

Uruguai Brasil Linear (Brasil) Linear (Argentina) Linear (Venezuela) 1998

2000

2002

2004

2006

2008

Anos

A manutenção das capacidades de poder no Brasil e a expressiva distância de países como Argentina e Venezuela é relevante para a condição de poder do Brasil por que embora as idéias e o plano discursivo sejam importantes atributos do poder, dificilmente o poder suave e a força das idéias sozinhas se sustentam como elementos de força na reordenação do sistema internacional, global ou regional (HURRELL, 127

2009). Assim, ao lado da dimensão ideacional do poder, capacidades de poder material permitem tornar realidade aquilo que se expressa na vontade de potência deste país. Como fizemos para os dados do CINC é importante expor através de números a dimensão da distância entre o Brasil e os demais países do bloco. Aplicado o Modelo 2 de Chang chegamos a uma escala que vai de 0 a 4,5 daquilo que o autor chama de poder, e entendemos como potência ou força, no sentido aroniano (2002). No gráfico acima, o Brasil se situa, em dados de 2005, próximo a 4. A Argentina estava no mesmo período perto do ponto 1 e a Venezuela entre 0,5 e 1,0. Como observado nas comparações anteriores, a distância entre o Brasil e países grandes da região, Argentina e Venezuela, é bastante expressiva. Contudo, esta análise trouxe um dado não esperado. Encontrou-se que a curva de tendência para o Brasil no período é decrescente. Tendência esta acompanhada pelos demais países, em especial a Venezuela e a Argentina. Este fenômeno pode ser visualizado observado no gráfico a seguir.

Gráfico 9.1 Variação da Capacidade de Poder no Mercosul sem o Brasil

Argentina

1 0,9

Paraguai

Poder (modelo 2)

0,8 0,7

Venezuela

0,6 Uruguai

0,5 0,4

Linear (Argentina)

0,3 0,2

Linear (Venezuela)

0,1 0 1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

Anos

Argentina e Venezuela exibem tendências de declínio de poder muito mais acentuadas do que a que sofre o Brasil. Como já tínhamos observado em momento anterior se sustenta a interpretação de que existem três camadas de distribuição de poder na região. A primeira é ocupada pelo Brasil, a segunda por Argentina e Venezuela e a terceira pelo Paraguai e Uruguai. Porém, uma análise apenas pela linha de tendência pode nos induzir ao erro. Se observarmos a evolução dos dados de Argentina e Venezuela entre o período de 2002-3 a 2005, os dois países passam a vivenciar uma 128

trajetória ascendente. Isto pode ser entendido por desenvolvimentos recentes na região como a retomada do crescimento econômico na Argentina e a expressiva compra de armamentos pela Venezuela, contabilizada pelos gastos militares. Caso tivéssemos dados mais recentes para comparação, poderíamos estimar que a tendência atual para o Brasil seria crescente também, em virtudes de seu recente rearmamento (LUCENA SILVA e TEIXEIRA JR, 2009).

Gráfico 9.2 Variação da Capacidade de Poder nos Estados Associados ao Mercosul

Poder (modelo 2)

0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 1996

Bolivia Chile Peru Colômbia Equador Linear (Colômbia) Linear (Chile) Linear (Peru)

1998

2000

2002

2004

2006

2008

Anos

No contexto dos países associados ao Mercosul, a tendência de superioridade da Colômbia e do Chile foi mantida. Note-se, porém, que nenhum país dessa amostra chegou ao valor 1, expressando assim o grau de distanciamento quanto as capacidades de poder com o Brasil. Dito isso, nos indagamos sobre os resultados desse tipo de comparativo no contexto da SAARC. Ao usarmos o Modelo 2 para os países do Sul da Ásia, a variação de poder acontece entre os valores de 0 a 9. A Índia, em 2007 constava com cerca de 8 pontos no indicador de poder de Chang (1999). Estado mais próximo, o Paquistão, no mesmo período não chegava a 2. Podemos interpretar que além da preponderância indiana ser indiscutível, ela chega ser maior do que a preponderância brasileira no contexto do Mercosul (Estados partes e Associados). Os achados dessas comparações nos fazem reavaliar a compreensão de Buzan e Wæver sobre a polaridade regional no subcontinente indiano como sendo bipolar. No caso mercosulino, a avaliação dos 129

autores de que a distribuição de poder na região é multipolar também merece ser reavaliada. Embora exista um cluster de potências que também se distanciam expressivamente dos demais países da região, como Argentina, Venezuela, Colômbia Chile e Peru, o distanciamento observado em relação ao Brasil é crescente. Não apenas isso, mas a distribuição de poder é de tal forma desigual, que sendo a polaridade definida pela distribuição de poder torna-se difícil manter a avaliação de Buzan e Wæver sobre a polaridade nessas regiões. O mesmo é possível de ser afirmado para a Ásia meridional.

Gráfico 10 Variação da Distribuição de Poder nos Estados SAARC Bangladesh

9

Butão

8

Índia

Poder (modelo 2)

7

Nepal

6

Paquistão

5

Sri Lanka

4

Linear (Índia) Linear (Bangladesh)

3

Linear (Paquistão)

2

Linear (Butão)

1

Linear (Sri Lanka)

0 1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

Anos

Gráfico 10.1 Variação da Distribuição de Poder nos Estados SAARC (Sem a Índia) Bangladesh

1,4

Butão

Poder (modelo 2)

1,2

Nepal

1

Paquistão

0,8

Sri Lanka

0,6

Linear (Paquistão)

0,4

Linear (Bangladesh) Linear (Sri Lanka)

0,2

Linear (Nepal)

0 1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

Linear (Butão)

Anos

130

Sabemos que no âmbito da Ásia do Sul, a paridade nuclear entre Paquistão e Índia reduz a dimensão de superioridade entre ambos os países (THOMAS, 2004; MOHAN, 2006). No entanto, o contexto de segurança asiático, onde atores de maior poder relativo em relação a Índia como os Estados Unidos, Rússia e China tem forte influencia sobre as dinâmicas de segurança e são fortemente contrários a emergência de um conflito nuclear na região. Sendo assim a utilização de armas estratégicas vista como fortemente negativa82. Assim, o emprego real de armamento nuclear enfrentando sérios constrangimentos pelas grandes potências, a Índia ainda guarda expressiva superioridade militar e estratégica diante do Paquistão e mais expressivamente em relação aos demais países da SAARC. No ambiente mercosulino, as patentes assimetrias entre o Brasil e outros países da região é mediada pela fraqueza das condições sócio-econômicas da população brasileira (ALMEIDA, 1998; SOARES DE LIMA e HIRST, 2009). O alto nível de concentração de renda, concentração espacial de riqueza no Sul e Sudeste do país, além de problemas e carências na educação e saúde tornam-se fatores que abalam uma dimensão ideacional fundamental do poder nacional: a moral e a vontade de seus cidadãos. A importância da população e de sua moral já era um aspecto privilegiado por analistas políticos e militares desde Clausewitz (RAPOPORT, 1983; STRACHAN, 2008). Esses fatores de fraqueza na ordem doméstica também repercutem no caso indiano, onde as novas ameaças, muitas delas intra-estatais, ganham força e importância no panorama de segurança do país. Outro ponto importante a ser indagado em momento futuro, é se não seria o aproveitamento do regionalismo em ambos os casos uma opção de reforçar esse tripé pouco cuidado do poder nacional que? Sumarizando, ao se voltar para questões além do poder material, como para a melhoria de indicadores sócioeconômicos e de desenvolvimento econômico e humano, a preponderância não seria mais reforçada, como indica a tese do poder nacional abrangente? Mesmo à luz dessas incertezas, os achados desta pesquisa apresentam de forma inconteste que de acordo com as variáveis elencadas para pesquisa, o Brasil e a Índia são as potências preponderantes em suas regiões. Ademais, o regionalismo não parece ter influído na redistribuição mais equitativa de capacidades de poder nacional, vindo, inclusive, durante a o seu período de vigência a acirrar as assimetrias de poder entre os países estudados. Dessa forma, entendemos que o regionalismo funciona como um dos

82

Uma boa discussão sobre esse ponto pode ser vista em Roy (2009).

131

mecanismos de distribuição de poder regional favorável as potências regionais que lideram os processos de integração e cooperação regional.

132

CONSIDERAÇÕES FINAIS Após um período aproximado de quase dois anos de pesquisa a escrita da conclusão de um trabalho dissertativo exige um pouco de auto-reflexão e seleção daquilo que foi encontrado. Além do aprendizado de realizar um trabalho como este, se espera um produto, este, expresso em resultados que possam vir a contribuir para a área de conhecimento a que o pesquisador se filia. Agora, ao estarmos escrevendo estas páginas conclusivas pensamos ter chegado a importantes conclusões as quais nos impelem a mais perguntas e a uma agenda de pesquisa futura mais refinada. Como é facilmente possível entender ao ler o presente trabalho, o nosso grande objetivo foi demonstrar de que formas o regionalismo modifica as dinâmicas geopolíticas regionais de Brasil e Índia. Essa indagação está inserida no contexto do estudo das potências emergentes, tema em ascensão nas Relações Internacionais, especialmente com o advento do espantoso crescimento chinês, o ressurgimento russo após o governo de Vladmir Putin, e a criação discursiva e mais recentemente no plano político da idéia de um conjunto de emergentes capazes de alterar a polaridade global em um futuro próximo, os BRICs. Deste conjunto de países, escolhemos estudar de forma comparada o Brasil e a Índia. Nosso objeto analítico foram os Estados nacionais e as suas interações com unidade semelhantes. A região foi escolhida como nível de análise, sem descurar de demonstrar as mais importantes relações entre as dimensões regionais e globais. Como afirmado pela Teoria dos Complexos Regionais e as demais abordagens regionalistas apresentadas no primeiro capítulo, o nível regional possibilita uma maior riqueza descritiva e analítica, possibilitando a apreensão de importantes dinâmicas políticas, econômicas e de segurança, às vezes com pouca relação com os determinantes conjunturais da política mundial. Mais importante, a região é o lócus primeiro da ação de política externa de potências emergentes como o Brasil e Índia. Naturalmente, a preponderância regional reforça a escolha analítica confirmando a sua viabilidade para a análise proposta. Estes aspectos metodológicos são facilmente compreendidos quanto no primeiro capítulo revisamos autores selecionados da literatura sobre polaridade e as mudanças profundas advindas com o fim do conflito bipolar e a dissolução da União Soviética. As transformações na agenda das Relações Internacionais quanto à polaridade foi o nosso primeiro aspecto teórico desenvolvido e apresentou o caminho teórico a ser perseguido. A relação entre mudanças no fim da Guerra Fria e polaridade não se deu por acaso. De 133

acordo com o nosso prisma analítico, uma das principais transformações desse período foi o advento da condição de unipolaridade dos Estados Unidos. Essa situação inaugurou um modelo de distribuição de poder nunca antes experimentado na história, talvez tendo como paralelo o império romano após a destruição de Cartago. Este dado estrutural nos levou a nos filiarmos à posição analítica de autores como Buzan e Wæver (2003) sobre como essa distribuição de poder e redução expressiva da competição por áreas de influência retirou o peso da intervenção e presença constante da única superpotência restante em várias regiões do mundo. Segundo os autores supracitados, essa mudança permitiu a explosão de um conjunto de dinâmicas políticas, étnicas e religiosas antes reprimidas. O primeiro capítulo também demonstrou a viabilidade de reunir estratégias e conceitos analíticos tradicionais da Ciência Política e das Relações Internacionais, como institucionalismo histórico, path dependence, polaridade, regionalismo e segurança regional, amplamente empregues no segundo e terceiro capítulo. Pensamos que a mistura desses ferramentais analíticos e conceituais permitiram construir uma sólida base explicativa do fenômeno em apreço. Este, por conseguinte, volta-se a tradição clássica da Ciência Política contemporânea, que busca descrever, analisar, mas acima de tudo, explicar. Como dissemos na introdução, não realizamos aqui um trabalho dissertativo para perguntar e responder se o regionalismo afeta essas dinâmicas, mas como. A nossa estratégia para explorar o como seguiu contribuições fundamentais da Teoria dos Complexos Regionais de Segurança. Buzan e Wæver (2003) entendem que a integração regional, mas também a cooperação pode afetar profundamente as dinâmicas regionais de segurança de pelo menos três formas: mudando o princípio de anarquia, alteração da polaridade ou mudança na polaridade regional. O período de leitura, reflexão e análise empreendido antes da escrita da dissertação nos indicou que nas regiões estudadas ainda impera o princípio da anarquia, embora possamos afirmar que este princípio é interpretado de formas diferentes na América do Sul e na Ásia meridional83. No segundo capítulo buscamos demonstrar como o regionalismo influiu na mudança dos padrões de conflito / cooperação nas regiões sob estudo. O prisma conceitual aqui empregue foi o de amizade / inimizade de Buzan e Wæver (op.cit.). Para demonstrar esses aspectos tivemos que recorrer a descrição dos cenários e dinâmicas

83

Este entendimento em Buzan e Wæver (2003) é claramente inspirado no construtivismo de Wendt.

134

regionais de ambas os contextos estudados. Para tal a utilização da RSCT como modelo descritivo foi bastante útil. Em primeiro momento, o estudo demonstrou que as dinâmicas de segurança sul-americana e do Sul da Ásia mudaram ao longo do período estudado. Mas é preciso qualificar os graus de mudança. Entendendo amizade / inimizade como um “continuum”, observamos que os países em questão se situam em posições distintas, porém favoráveis a dinâmicas mais cooperativas. O Brasil em seu contexto regional viu os padrões de conflito se tornarem mais cooperativos ao longo do tempo. Baseados na literatura revisada informamos no texto que essa dinâmica começou a ser arquitetada ainda durante o período autoritário com o lançamento de propostas de cooperação em áreas sensíveis como a energia nuclear. Contudo, ao estudar a literatura em apreço e ao analisar os fatos históricos observamos que embora o Mercosul não tenha sido o fator que mudou a trajetória histórica de rivalidade, foi um expressivo catalizador dessa mudança, vindo, em tempos recentes, a reforçar os custos de dinâmicas de conflito contribuindo favoravelmente para a cooperação e integração não apenas sub-regional, mas sul-americana. Podemos tomar a liberdade de concluir que o regionalismo no Cone Sul, mais recentemente na América do Sul é um forte fator na mudança da polaridade regional, favoravel a cooperação e integração. No caso da Índia o resultado da influência do regionalismo na polaridade foi semelhante, mas não no mesmo nível ou com tanto sucesso. Como expusemos no segundo capítulo a partir da década de 1940, com os processos de independência no Sul da Ásia, o desenvolvimento econômico tornou-se o assunto prioritário da agenda dessas nações de recente soberania. Soluções compartilhadas a favor da cooperação e integração asiáticas em prol do desenvolvimento se tornaram cada vez mais um objetivo político menos possível de sustentar no contexto da escalada da Guerra Fria na região e o processo de engajamento dos países em cada um dos blocos do conflito bipolar. O evento culminante que enterra os sonhos nehruvianos de integração asiática foi a guerra sino-indiana em 1962. Desse evento em diante a da segurança foi a perspectiva que imperou nos cálculos políticos dos países da Ásia meridional. Além de criar óbices à cooperação, as dinâmicas de segurança na região foram duradouras o suficiente para criar uma trajetória histórica informalmente institucionalizada de desconfiança, conflito e rivalidade. Dada a profundidade desse processo demonstramos como a criação da SAARC, em plena Guerra Fria, foi um feito inédito na história da região, possibilitando a conjunção de fatores para uma nova conjuntura crítica e mudança histórica. Mesmo não tendo tanto 135

sucesso ou gozando totalmente do mérito causal na mudança histórica, argumentamos que esse bloco de cooperação regional tem funcionado um mecanismo de mudança da polarização regional, porém pequena. Mesmo não conseguindo fazer encerrar o ciclo de violência interestatal na região, a SAARC tem amenizado os problemas de segurança entre a Índia e os países menores da região. Argumentamos que as reuniões e conversas informais que acontecem durante as cúpulas da SAARC funcionam como um foro necessário para evitar situações que desemboquem em conflito violento, optando por soluções negociadas e pela cooperação regional. Essa lógica política não apenas favorável para a Índia, mas também para países como o Sri Lanka, Nepal, Butão, Maldivas entre outros. A associação regional funciona como um mecanismo de balanceamento ou freio as pretensões indianas na região, fortemente motivadas pela assimetria de poder vigente. Por fim, concluímos como a inauguração de medidas como o SAPTA, SAFTA e vários acordos bilaterais de livre-comércio que precederam o SAFTA apresentam uma mudança no posicionamento anti-Índia na Ásia meridional. Talvez de forma menos favorável à Índia, a SAARC absorveu os padrões de aliança e balança de poder asiático, ganhando recentemente, importância no contexto do gerenciamento das relações inter-estatais na região. Mesmo assim, afirmamos e mantemos a posição de que essa associação regional está alterando a polaridade regional favoravelmente a dinâmicas cooperativas, mas em menor grau em relação ao detectado na região do Mercosul. Vale salientar que esse fenômeno de mudança de rivalidade para cooperação não é unicausal, existindo outros fatores em jogo, como o advento da globalização e regionalização econômica na Ásia, a liberalização econômica indiana nos anos 1990, os custos crescentes da rivalidade entre Índia e Paquistão e o declínio do poder relativo deste último em relação a Índia. Não obstante a relevância desse achado, a influência do regionalismo na política regional não para por ai. No terceiro capítulo discutimos o ponto que pensamos ser o mais polêmico desta dissertação. Afirmamos isso, pois a literatura estudada já considera a possibilidade do regionalismo em influir na mudança de relações de rivalidade a favor da cooperação. No entanto, não encontramos nos estudos em apreço um cuidado teórico e explicativo sobre o regionalismo funcionando como um mecanismo na distribuição de poder regional, ou polaridade. Em uma das citações de Hurrell (2009) expusemos que existe algo de lógico na importância da preponderância regional como condição para buscar um status de grande potência. Mas como esta preponderância se dá na América do Sul e na Ásia meridional? Como ela varia no tempo e a favor de quais países? Qual a relação entre 136

dinâmicas políticas regionais e a mudança na distribuição de poder nas regiões em apreço? Essas são questões, são respondidas ao longo do terceiro capítulo, indo desde o caráter estratégico da preponderância à sua mensuração. Queremos deixar claro que nas análises realizadas nessa dissertação, em nenhum momento consideramos que as dinâmicas políticas de continuidade e de mudança são unicausais. Em estudos como esse, de forte influência histórica, consideramos difícil determinar a direção da causalidade, sendo uma tarefa de difícil execução estabelecer relações como A → B (LANDMAN, 2008). Partindo desse pressuposto analítico partimos para expor como preponderância se justifica enquanto o melhor conceito para definir a condição de potência de Brasil e Índia em suas regiões. Realizamos análises e comparações de dados em três etapas, a saber: estudo de variáveis selecionadas, comparação dos scores do CINC e aplicação do Modelo 2. Um dos achados mais surpreendentes dessa parte do estudo foi que nos três processos de comparação de dados, com variáveis diferentes e em períodos distintos a preponderância é uma constante quando falamos de Brasil e Índia e suas regiões. Ademais, os procedimentos de comparação de dados demonstraram que a condição de superioridade de poder desses países nos contextos regionais é ainda maior do que esperávamos. Outro achado importante é que a distribuição de poder tende a se aprofundar com o tempo entre os países em apreço e os seus vizinhos imediatos. Baseados nesses dados, concluímos que os dados analisados indicam que a polaridade regional na América do Sul e no Sul da Ásia está em transformação caminhando para uma maior concentração de poder. Assim, o RSC sul-americano pode deixar de ser multipolar para uma multipolaridade assimétrica mais acirrada. O RSC sul-asiático se tornaria bipolar para bipolar assimétrico, próximo de uma configuração unipolar. Dito isso, o leitor poderá se indagar por que não fomos mais longe, afirmando que os RSCs caminhariam para uma unipolaridade? Para não nos delongarmos mais, podemos dizer sobre essa indagação que no contexto em que se encontra a Índia, a sua expressiva superioridade demográfica, econômica e militar é suavizada pela relativa paridade estratégica-nuclear com o Paquistão. Segundo Harriss (2006) este foi um resultado não pretendido dos testes nucleares indianos sob o código Pokhran II. No contexto continental, a superioridade de recursos indiano é relativamente neutralizada pela quantidade e qualidade de potências que habitam e competem pelo predomínio no mesmo espaço regional. China, Rússia, Estados Unidos e mais recentemente a influência do Irã e de demais países árabes no 137

super-complexo de segurança asiático. O Brasil tem a sua condição de preponderância diminuída por fatores de duas ordens. Primeiro pela presença norte-americana no mesmo continente, em especial quando este país projeta sua influência na América do Sul. Segundo e talvez mais importante, a preponderância brasileira, expressa na sua condição de superioridade em recursos de poder tradicionais é reduzida pelo seu baixo perfil de poder militar em relação aos países da região e por suas deficiências sócioeconômicas, que são passives de serem securitizadas. Mais importante, a desigualdade social, a concentração de renda e a péssima distribuição regional da riqueza são fatores desagregadores do poder nacional. Inspirados em Clausewitz poderíamos afirmar que essas são fragilidades que atingem um dos fatores fundamentais do poder nacional: o seu povo. Semelhantes problemas domésticos, não abordados nesse trabalho por questão de delimitação, se constituem em fatores na dimensão nacional de fundamental importância na explicação de por que embora os países sob estudo estarem em condição de preponderância não conseguem tirar proveito dela para seus projetos mais ousados de inserção internacional. Assim nos indagamos se um caminho para tal fim não seria sustentar a busca por uma maior projeção de poder regional e global também na mudança social, na igualdade de condições e no desenvolvimento político, como demonstram os exemplos históricos de outras potências tardias, como a Alemanha e o Japão? A desigualdade de condições não acontece apenas nos planos domésticos. A seção três do último capítulo demonstrou com clareza que o poder é distribuído muito assimetricamente nos contextos estudados. Uma distribuição estrutural de poder como essa leva a conflitos e a tentativas de recuos nos empreendimentos cooperativos. São elementos que enfraquecem o potencial do empreendimento regionalista na América do Sul os conflitos políticos no Mercosul, como as várias ameaças de deserção do bloco feitas por Argentina e Uruguai, dificuldades na solução de controvérsias e tendência a assimetria de ganhos entre o Brasil e os demais países. Da mesma forma, na Ásia meridional, o medo da superioridade indiana, o constante estado de tensão entre Índia e Paquistão faz da SAARC um experimento muito aquém de seus objetivos. Concluímos que o regionalismo tem se apresentado como um importante fator de mudança não apenas na política mundial, como afirmava Hurrell (1995), mas também regional. Primeiro como um contributo e catalisador nas alterações de padrões de rivalidade para cooperação, ou inimizade / amizade. Em segundo lugar, descobrimos que o regionalismo tem atuado como um mecanismo de distribuição de poder regional. 138

Como é possível constatar com a comparação de dados na terceira seção do capítulo 3, esta mudança na polaridade regional tem se mostrado de forma favorável a potências regionais preponderantes, no caso o Brasil e a Índia. Não obstante essas conclusões, favoráveis aos interesses nacionais dos países estudados, observamos também que eles não tem conseguido mobilizar de forma efetiva os dividendos do regionalismo. A dinâmica de ganhos assimétricos, mesmo a luz de esforços de cooperação e integração regional como a SAARC e o Mercosul, são prejudiciais as perspectivas de ganhos mútuos e compartilhados, podendo vir a tornar irracional a manutenção da comparação no longo prazo. Ao chegarmos a essa conclusão, argumentamos que para um aproveitamento instrumental mais sustentado do regionalismo na mudança dos padrões de polarização e polaridade regional o Brasil e a Índia não precisam abdicar de suas condições de preponderância, mas sim promover ganhos mútuos e uma distribuição de ganhos mais equânime, tanto no âmbito internacional regional, como no plano doméstico.

139

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADB, Asian Development Outlook 2007 Update. Philippines, 2008. ALMEIDA, Paulo Roberto de. Mercosul: Fundamentos e Perspectivas, São Paulo, LTr, 1998. __________. Trajetória do Mercosul em sua primeira década (1991-2001):uma avaliação política a partir do Brasil. Revista Urutagua. Ano I - Nº 03 - Dezembro de 2001. ALSINA JR, João Paulo Soares. Política Externa e Poder Militar no Brasil: Universos Paralelos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. AGNEW, John. Geopolitics: re-visioning World Politics. 2. ed. New York: Routledge, 2003. ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. BALDWIN, David A.. Power and International Relations. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B. A.. Handbook of International Relations,. London: Sage Publication, 2003. p. 177-191. BARBOSA, Rubens Antônio. A Política Externa do Brasil para a América do Sul e o Ingresso da Venezuela no Mercosul. Revista Interesse Nacional, Abril/Junho. 2008. BAUMANN, Renato. Integration in Latin America: Trends and Challenges. Brasília: Cepal, 2007. BHONSIE, Rahul K.. India: Enhancing Regional Engagement. 3 de Março de 2007. Disponível em: . Acesso em: 28 jan. 2010. BRZEZINSKI, Z. EUA x URSS: o grande desafio. Rio de Janeiro: Nórdica, s.d. BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002. BUZAN, Barry; WÆVER, Ole. Regions and Powers: the structure of international security, Cambridge/New York, Cambridge University Press, 2003. CAIRO, Heriberto. A América Latina nos modelos geopolíticos modernos: da marginalização à preocupação com sua autonomia. Cadernos Crh, Salvador, v. 21, n. 53, p.221-237, 2008. CASON, Jeffrey. Presidencialization, Pluralization, and the Rollback of Itamaraty: Explaining Change in Brazilian Foreign Policy Making in the Cardoso-Lula Era. International Political Science Review, v. 30, n. 2, p.117-140, 2009.

140

CEPAL. Informe Estatístico da Economia Brasileira: 2008. Brasília: CEPAL, 2008. __________. O Regionalismo Aberto na América Latina e no Caribe: A Integração Econômica a Serviço da Transformação Produtiva com Equidade. In: BIELSCHOWSKY, Ricardo. Cinqüenta Anos de Pensamento na CEPAL. Conselho Federal de Economia - COFECON/Ed. Record. Rio de Janeiro. 2000. CEPIK, Marco. Segurança nacional e cooperação Sul-Sul: Índia, África do Sul e Brasil. In: LIMA, Maria Soares de; HIRST, Monica. Brasil, Índia e África do Sul: Desafios e oportunidades para novas parcerias. São Paulo: Paz e Terra, 2009. p. 63-118. __________. Segurança na América do Sul: Traços estruturais e dinâmica conjuntural. Análise de Conjuntura Opsa, Rio de Janeiro, n. 9, p.1-11, ago. 2005. CERVO, Amado Luiz. Inserção Internacional: formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008. CHANG, Chin-lung. A measure of national power. 2009. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2009. CHIBBER, Vivek. Locked in Place: State-Building and Late Industrialization in India. New Jersey: Princeton University Press, 2006. CHASE, Robert; HILL, Emily; KENNEDY, Paul. “Pivotal States and U.S. Strategy”. Foreign Affairs, Vol. 75, No. 1, January/February, 1996. Disponível em: http://www.foreignaffairs.com/articles/51621/robert-chase-emily-hill-paulkennedy/pivotal-states-and-us-strategy. Acessado em: 25/10/2009. CHOI, Young; CAPORASO, James. Comparative Regional Integration. In: CARLSNAES, W.; RISSE, T.; SIMMONS, B. A.. Handbook of International Relations. London: Sage Publication, 2003. p. 480-499. COSTA LIMA, Marcos. Índia: Avanços, Problema e Perspectivas. Textos Acadêmicos: Índia. Brasília, Fundação Alexandre Gusmão, p. 85-99. 2008. DASH, K. C.. Regionalism in South Asia: Negotiating cooperation, institutional structures. New York: Routledge, 2008. __________. The Political Economy of Regional Cooperation in South Asia. Pacific Affairs. v. 69, n. 2, p.185-209, 1996. FAWCETT, Louise. Regionalism from a historical perspective. In: FARRELL, Mary; HETTNE, Bjorn; LUK, Van Langen. Global Politics of Regionalism: theory and practice. London: Pluto Press, 2005. p. 21-37. FERRER, Aldo. Integração regional e desenvolvimento na América do Sul. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006

141

FOOT, Rosemary. “Estratégias chinesas em uma ordem global hegemônica: acomodação e hedging”. In: Os Brics e a Ordem Global, Andrew Hurrell et al. (Org.). Rio de Janeiro: Editora FGV. 2009. GANDULI, Sumit; PARDESI, Manjeet S.. Explaining Sixty Years of India’s Foreign Policy. India Review, ., v. 8, n. 1, January-March, 2009. p.4-19. GILPIN, Robert. A Economia Política das Relações Internacionais. Brasília: Editora UNB, 2002. __________. O Desafio do Capitalismo Global: a economia mundial no século XXI. São Paulo: Record, 2004. GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios brasileiros na era dos gigantes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. GUJRAL, I. K.. Aspects of India’s Foreign Policy: The "Gujral Doctrine". Discurso de I.K. Gurjra no Bandaranaike Center For International Studies, Colômbo, Sri Lanka. 20 de Janeiro de 1997. Disponível em: . Acesso em: 28 jan. 2010. HALL, Peter; TAYLOR, Rosemary. As três versões do neo-institucionalismo. Lua Nova, n. 58, p.193-224. Disponível em: . Acesso em: 31 jan. 2010. 2003. HARRISS, John. Índia: Os amargos frutos da ambição grandiosa. In: VIZENTINI, Paulo Fagundes; WIESEBRON, Marianne. Neohegemonia americana ou multipolaridade?: Pólos de poder e sistema internacional. Porto Alegre: Editora Ufrgs, 2006.p. 198-211. HERZ, Mônica; HOFFMAN, Andrea R. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2004. HUNTINGTON, Samuel P. “The lonely Superpower”. Foreign Affairs, Volume 78, Number 2, March/April, 1999. HURRELL, Andrew, et al. Os Brics e a Ordem Global. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. __________. Hegemonia, liberalismo e ordem global: qual é o espaço para potencias emergentes?. In: AL, Andrew Hurrell Et. Os Brics e a Ordem Global. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. p. 9-41. __________. The Regional Dimension in International Relations Theory. In: Global Politics of Regionalism: theory and practice. Farrell, Mary; Hettne, Bjorn and Van Langen Luck (Orgs.). London: Pluto Press, 2005. __________. Some Reflections on the Role of Intermediate Powers. In: LATIN AMERICAN PROGRAM WORKING PAPERS, Paths to Power: Foreign Policy Strategies of Intermediate States. 2000. v. 44, p. 1 - 10. 142

__________. Ressurgimento do Regionalismo na Política Mundial. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p.23-59, 1995. IKENBERRY, John G. “Institutions, Strategic Restraint, and the Persistence of American Postwar Order”. International Security, Vol. 23, No. 3, 43-78 (Wint '98'99). 1998. IMMERGUT, Ellen. The theoretical Core of the new institutionalism. Politics and Society. Politics And Society, v. 26, n. 5, p.5-34, 1998. JAGUARIBE, Hélio e VASCONCELOS, Álvaro. The European Union, Mercosur and the New Order. London: Routledge. 2005. KALE, Sunila S. Inside Out: India’s global reorientation. India Review, v. 8, n. 1, January-March, 2009. p.43-62. KAGAN, Robert. The return of history and the end of dreams. New York: Alfred A. Knopf, 2008. KAPLAN, R. D. Center Stage for the 21st Century: Power Plays in the Indian Ocean. Foreign Affairs,. p.1-7, March/April, 2009. Disponível em: . Acesso em: 31 jan. 2010. KAPUR, Aschok. India: From Regional to World Power. New York: Routledge, 2006. KEOHANE, Robert O. After Hegemony: cooperation and discord in the world political economy. New Jersey: Princeton University Press, 1984. KOHLI, Atul, State-Directed Development: Political Power and Industrialization in the Global Periphery. 2ª ed. New York: Cambridge University Press, 2005. KRAUTHAMMER, Charles. “The unipolar moment revisited”. The national interest, winter 2002/2003. pp. 05-17. Disponível em: http://belfercenter.ksg.harvard.edu/files/krauthammer.pdf. Acessado em: 25/10/2009. _____. “The unipolar moment”. Foreign Affairs, Vol. 70, No. 1, America and the World, 1990. LAFER, Celso, A Identidade Internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. LAMPREIA, Luiz Felipe. Os desafios do Brasil. Revista Política Externa. Vol 17, n 4. Mar/Abr/Mai 2009. LANDMAN, Todd. Issues and Methods in Comparative Politics: an introduction. 3º ed. New York: Routledge, 2008.

143

LIJPHART, Arendt. Comparative Politics and Comparative Method. The American Political Science Review, v. 65, n. 3, p.682-693, set. 2009 [1971]. LUCENA SILVA, Antonio H.; TEIXEIRA JR, Augusto W. M. Novo ciclo de rearmamento na América do Sul: Em busca de autonomia estratégica para a região? Artigo preparado para o Fórum Universitário do Mercosul (FoMerco), Foz do Iguaçu, entre os dias 09 a 12 de Setembro, 2009. MACKINDER, H. J.. The Geographical Pivot of History. Geographical Journal, v. 23, n. 4, p.421-437, abr. 1904. MAGNOLI, Demétrio. (2007), “ Mercosul + 1: O Chavismo Contra o Mercosul”. Cadernos Adenauer,7,1: 33-39. MARES, David R. Violent Peace: militarized interstate bargaining in Latin America. New York: Columbia University Press, 2001. MATTLI,Walter. The logic of regional integration: Europe and beyond. 2a ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. MATTOS, Carlos de Meira. Geopolítica e Modernidade: geopolítica brasileira. Rio de Janeiro: Editora Biblioteca do Exército, 2002. MADURO, Lucia; RIOS, Sandra. A adesão da Venezuela ao Mercosul. Cadernos Adenauer, n. 1, p.41-61, 2007. MEDEIROS, Marcelo de Almeida. A hegemonia brasileira no Mercosul: o efeito samba e as suas conseqüências no processo institucional de integração. In: LIMA, Marcos Costa; MEDEIROS, Marcelo de Almeida. O Mercosul no Limiar do Século XXI. São Paulo/ Buenos Aires: Cortez/ Clacso, 2000. p. 190-205. MELLO, Flávia de Campos. Política externa brasileira e os blocos internacionais. São Paulo em Perspectiva, Salvador, v. 16, n. 1, p.37-43, 2002. MELLO, Leonel Itaussu. Quem tem medo de geopolítica? São Paulo: Hucitec; Edusp, 1999. __________. Argentina e Brasil: A Balança de Poder no Cone Sul. São Paulo: Anna Blume, 1996. MILNER, Helen, International Theories of Cooperation among Nations: Strengths and Weakness. World Politics, 44, April 1992, p.466-96. MOHAN, C. Raja. India and the Balance of Power. Disponível em: . Acesso em: 31 jan. 2010. 2006a. __________. India’s New Foreign Policy Strategy. Draft Paper Presented at a Seminar in Beijing By China Reform Forum And The Carnegie Endowment For International Peace, Beijing. 2006b. 144

MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto.O Brasil como potência regional e a importância estratégica da América do Sul na sua política exterior. Revista Espaço Acadêmico. Disponível em:. Acesso em: 20 maio 2009. 2008. MRE. Estatísticas, Compilação, Ministério das Relações Exteriores; com a colaboração da Oficial de Chancelaria Tania Maria Melo de Assis Fonseca. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. __________. Textos, Comunicados e Documentos sobre o grupo Brasil, Alemanha, Índia e Japão com relação às Nações Unidas. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007. MUNI, Sukh Deo; RAJSHREE, Jetly. SAARC: Changing Dimensions. United Nations University. UNU-CRIS Working Papers, w-2008/8. 2008. NARLIKAR, Amrita. Patriotismo peculiar ou cálculo estratégio?: Explicando a estratégia de negociação da Índia em ascensão. In: AL, Andrew Hurrell Et. Os Brics e a Ordem Global. Rio de Janeiro: Editora Fgv, 2009. p. 101-124. NYE, JR. Joseph. O paradoxo do poder americano: Por que é que a única superpotência mundial não pode actuar isoladamente. Lisboa: Gradiva, 2005. OLIVEIRA, Amâncio J. N.; ONUKI, Janina; OLIVEIRA, Emmanuel. Coalizões SulSul e multilateralismo: países intermediários e o caso IBAS. In: Lima e Hirst (Org.), Brasil, Índia e África do Sul: desafios e oportunidades. São Paulo, Paz e Terra. 2009. PATRÍCIO, Raquel. As relações em eixo – novo paradigma da teoria das relações internacionais? Rev. Bras. Polít. Int. 49 (2): 5-24. 2006. PEÑA, Félix. “A Integração do Espaço Sul-Americano: A Unasul e o Mercosul podem se complementar?”. Nueva Sociedad. edição especial em português. 2008. PRECIADO, Jaime. América Latina no sistema-mundo: questionamentos e alianças centro-periferia. Caderno Crh, Salvador, v. 21, n. 53, p.253-268, Maio/Ago, 2008. RAPOPORT, Anatol. Sobre a Guerra. In: CARDOSO, Fernando Henrique; MARTINS, Carlos. Política e Sociedade. Vol. 2. São Paulo: Ed. Nacional, 1983. p. 254-268.. TREVERTON, Gregory F.; JONES, Seth G. Measuring National Power. Conference Proceedings. RAND National Security Research Division. Santa Monica/ Arlington/ Pittsburg: RAND CORPORATION, 2005. RICE, Condoleezza. “Rethinking the national interest: American realism for a new world”. Foreign Affairs. Vol. 87, No. 4, July/August, 2008. ROY, Nabarun. In Pursuit of Prestige: A Theoretical Insight into India’s Expansionist Foreign Policy. Draft Paper Prepared For International Studies Association (isa) Annual Convention, New York, February 15th-18th, 2009. 145

SCHMIED, Julie. Cenários da integração regional: os desafios da União de Nações Sulamericanas (UNASUL): o novo caminho da integração na América do Sul. Cadernos Adenauer, n. 1, 2007. SENNES, Ricardo U. Brasil, México e Índia na rodada Uruguai do GATT e no Conselho de Segurança da ONU: um estudo sobre os países intermediários. Tese de Doutoramento em Ciência Política, apresentada a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo. 2001. __________. Brazil, India and South Africa: convergences and divergences intermediate countries international strategies. In: Alcides Costa Vaz. et al. (Orgs.), Intermediate States, Regional Leadership and International Security. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006. SEITENFUS, Ricardo. Relações Internacionais. Barueri: Manole, 2004. SIDDHARTHAN, N. S.. SAARC e a Comunidade Econômica Asiática: problemas e perspectivas. In: WIESENBRON, Marianne; GRIFFITHS, Richard. Processos de Integração Regional e Cooperação Intercontinental desde 1989. Porto Alegre: Ed. Ufrgs, 2008. p. 213-225. SIRÖEN, Jean-Marc. La Régionalisation de l’économie Mondiale. Paris : La Découverte, 2000. SOARES de LIMA, Maria Regima; HIRST, Monica. Brasil como país intermediário e poder regional. In: AL, Andrew Hurrell Et. Os Brics e a Ordem Global. Rio de Janeiro: Fgv, 2009. p. 43-73. SOSA, Alberto J.. El Mercosur político: orígenes, evolución y perspectivas. 2008. Disponível em: . Acesso em: 05 nov. 2008. SPYKMAN, N. J. Estados Unidos frente ao mundo. México: Fundo de Cultura Económica, 1944. STRACHAN, Hew. Sobre a Guerra de Clausewitz: uma biografia. Tradução, Maria Luiza X. de Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008. TEIXEIRA JR, Augusto W. M.; COSTA LIMA, Marcos. Cooperação regional e desenvolvimento econômico: as estratégias do Brasil, Índia e Coréia do Sul comparadas. Trabalho apresentado no 32º Encontro da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Ciências Sociais, 2008, Caxambu. 32º Anpocs, 2008. THOMAS, Raju G. C.. The South Asian Security Balance in a Western Dominant World. In: PAUL, T.v.; WIRTZ, James J.; FORTMANN, Michel. Balance of power: theory and practice in the 21st century. Standford: Stanford University Press, 2004. p. 305-333. VAŸRYNEN, Raimo. Regionalism: Old and New. International Studies Review, New York, v. 5, n. , p.25-51, 2003. 146

VERMA, A. K.. Trajectory to regional and global Power: Risks, Obstacles and Strength’s. Paper no. 3276. Disponível em: . Acesso em: 31 jan. 2010. VIGEVANI, Tullo; CEPALUNI, Gabriel. A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p.273-335, julho/dezembro, 2007. VISACRO, Alessandro. Guerra Irregular: terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história. São Paulo: Editora Contexto. 2009. VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula. 3ª Ed. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2008. __________. As Relações Internacionais da Ásia e da África. Petrópolis: Editora Vozes, 2007. __________. O Brasil e a integração sul-americana: força e fragilidades de um gigante periférico. In: VIZENTINI, Paulo Fagundes; WIESEBRON, Marianne. Neohegemonia americana ou multipolaridade?: Pólos de poder e sistema internacional. Porto Alegre: Editora Ufrgs, 2006. p. 212-225. WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. London: Addison Wesley Publishing Company, 1979. WIESENBRON, Marianne; GRIFFITHS, Richard. Processos de Integração Regional e Cooperação Intercontinental desde 1989. Porto Alegre: Ed. Ufrgs, 2008. WILSON, D.; PURUSHOTHAMAN, R. Dreaming with BRICs: the path to 2050. Goldman Sachs Global Economics. Paper No 99. October, 2003. WOHLFORTH, William C. “The stability of a unipolar world”. International Security, Vol. 24, No. 1 (Summer 1999), pp.5-41. ZAKARIA, Fareed. O mundo pós-americano. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Sites: Correlates of War – http://correlatesofwar.org/ WMEAT- http://www.state.gov/t/vci/rls/rpt/wmeat/2005/index.htm WF - https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/

147

APÊNDICE DADOS WMEAT – Países do Mercosul e Associados

Ano 1998

País Argentina

1998

Brasil

1998

Paraguai

1998

Uruguai

1998

Venezuela

1998

Bolívia

1998

Chile

1998

Peru

1998

Colômbia

1998

Equador

1998

Total do Mundo

Ano 1999

País Argentina

1999

Brasil

1999

Paraguai

1999

Uruguai

1999

Venezuela

1999

Bolívia

1999

Chile

1999

Peru

1999

Colômbia

1999

Equador

1999

Total do Mundo

Ano 2000

País Argentina

2000

Brasil

2000

Paraguai

2000

Uruguai

2000

Venezuela

2000

Bolívia

2000

Chile

GDP -PIB (x1000 Dólares 2005)

POPU-população (x1000)

ÁREA (Km²)

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

173.000

36.500

2.780.400

2.110

736.000

171.000

8.514.877

12.900

6.780

5.300

406.752

86

16.600

3.300

176.215

270

132.000

22.800

912.050

1.880

7.970

7.900

1.098.581

194

92.800

14.800

756.102

3.170

62.300

25.300

1.285.216

1.000

106.000

38.500

1.138.914

3.360

27.300

12.100

283.561

750

36.200.000

5.920.000

510.072.000

887.000

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

POPU-população (x1000)

ÁREA (Km²)

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

167.000

36.900

2.780.400

2.450

739.000

174.000

8.514.877

12.200

6.680

5.400

406.752

77

16.100

3.300

176.215

283

124.000

23.100

912.050

1.930

8.000

8.000

1.098.581

175

92.100

15.000

756.102

3.390

62.800

25.700

1.285.216

999

101.000

39.100

1.138.914

3.590

19.300

12.300

283.561

553

37.400.000

6.000.000

510.072.000

903.000

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

POPU-população (x1000)

ÁREA (Km²)

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

166.000

37.300

2.780.400

2.060

770.000

176.000

8.514.877

12.700

6.450

5.600

406.752

73

15.900

3.300

176.215

239

128.000

23.500

912.050

1.660

8.200

8.200

1.098.581

172

96.200

15.200

756.102

3.560

148

2000

Peru

2000

Colômbia

2000

Equador

2000

Total do Mundo

Ano 2001

País Argentina

2001

Brasil

2001

Paraguai

2001

Uruguai

2001

Venezuela

2001

Bolívia

2001

Chile

2001

Peru

2001

Colômbia

2001

Equador

2001

Total do Mundo

Ano 2002

País Argentina

2002

Brasil

2002

Paraguai

2002

Uruguai

2002

Venezuela

2002

Bolívia

2002

Chile

2002

Peru

2002

Colômbia

2002

Equador

2002

Total do Mundo

Ano 2003

País Argentina

2003

Brasil

2003

Paraguai

2003

Uruguai

2003

Venezuela

64.700

26.100

1.285.216

1.120

104.000

39.800

1.138.914

3.540

18.000

12.400

283.561

381

39.000.000

6.070.000

510.072.000

939.000

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

POPU-população (x1000)

ÁREA (Km²)

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

159.000

37.700

2.780.400

1.950

781.000

179.000

8.514.877

12.000

6.590

5.700

406.752

67

15.300

3.300

176.215

272

133.000

23.800

912.050

2.270

8.340

8.400

1.098.581

200

99.500

15.300

756.102

3.690

64.800

26.500

1.285.216

1.090

106.000

40.500

1.138.914

4.050

23.500

12.600

283.561

403

39.700.000

6.150.000

510.072.000

953.000

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

POPU-população (x1000)

ÁREA (Km²)

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

141.000

38.000

2.780.400

1.660

801.000

181.000

8.514.877

14.100

6.580

5.900

406.752

66

13.600

3.400

176.215

226

121.000

24.200

912.050

1.570

8.550

8.500

1.098.581

200

102.000

15.500

756.102

3.870

68.100

26.900

1.285.216

1.020

108.000

41.100

1.138.914

3.920

27.000

12.800

283.561

605

40.500.000

6.230.000

510.072.000

1.010.000

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

POPU-população (x1000)

ÁREA (Km²)

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

154.000

38.300

2.780.400

1.790

811.000

184.000

8.514.877

15.300

6.840

6.000

406.752

56

13.900

3.400

176.215

219

112.000

24.500

912.050

1.380

149

2003

Bolívia

2003

Chile

2003

Peru

2003

Colômbia

2003

Equador

2003

Total do Mundo

Ano 2004

País Argentina

2004

Brasil

2004

Paraguai

2004

Uruguai

2004

Venezuela

2004

Bolívia

2004

Chile

2004

Peru

2004

Colômbia

2004

Equador

2004

Total do Mundo

Ano 2005

País Argentina

2005

Brasil

2005

Paraguai

2005

Uruguai

2005

Venezuela

2005

Bolívia

2005

Chile

2005

Peru

2005

Colômbia

2005

Equador

2005

Total do Mundo

8.780

8.700

1.098.581

205

106.000

15.700

756.102

3.600

70.800

27.300

1.285.216

1.030

112.000

41.800

1.138.914

4.320

30.500

13.100

283.561

690

41.600.000

6.300.000

510.072.000

1.080.000

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

POPU-população (x1000)

ÁREA (Km²)

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

168.000

38.700

2.780.400

1.770

857.000

186.000

8.514.877

14.300

7.120

6.200

406.752

62

15.600

3.400

176.215

216

132.000

24.900

912.050

1.590

9.140

8.900

1.098.581

192

112.000

15.800

756.102

4.260

74.400

27.700

1.285.216

1.060

117.000

42.500

1.138.914

4.460

34.000

13.400

283.561

676

43.300.000

6.380.000

510.072.000

1.130.000

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

POPU-população (x1000)

ÁREA (Km²)

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

183.000

39.200

2.780.400

1.830

882.000

189.000

8.514.877

13.300

7.330

6.400

406.752

56

16.600

3.400

176.215

233

146.000

25.300

912.050

1.890

9.550

9.100

1.098.581

216

118.000

16.000

756.102

4.360

79.500

28.100

1.285.216

1.160

123.000

43.100

1.138.914

4.560

36.200

13.700

283.561

1.100

44.900.000

6.460.000

510.072.000

1.160.000

150

DADOS WMEAT - SAARC GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

POPU-população (x1000)

País Bangladesh

39.800

132.000

143.998

566

1998

Butão

494

600

38.394

0

1998

Índia

519.000

969.000

3.287.263

12.200

1998

Maldivas

1998

Nepal

6.330

23.700

147.181

59

1998

Paquistão

79.200

139.000

796.095

4.140

1998

Sri Lanka

18.200

19.100

65.610

759

1998

Total do Mundo

36.200.000

5.920.000

510.072.000

887.000

Ano 1999

País Bangladesh

41.800

134.000

143.998

594

1999

Butão

533

600

38.394

5

1999

Índia

558.000

986.000

3.287.263

13.900

1999

Maldivas

1999

Nepal

1999

Paquistão

1999

Sri Lanka

1999

Total do Mundo

Ano 2000

País Bangladesh

2000

Butão

2000

Índia

2000

Maldivas

2000

Nepal

7.010

24.800

147.181

67

2000

Paquistão

85.600

146.000

796.095

3.440

2000

Sri Lanka

20.100

19.400

65.610

909

2000

Total do Mundo

39.000.000

6.070.000

510.072.000

939.000

Ano 2001

País Bangladesh

ND

AREA (Km²)

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

Ano 1998

ND

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

ND

298

POPU-população (x1000)

AREA (Km²)

ND

298

ND

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

ND

6.610

24.300

147.181

63

82.100

143.000

796.095

4.110

19.000

19.200

65.610

687

37.400.000

6.000.000

510.072.000

903.000

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

POPU-população (x1000)

AREA (Km²)

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

44.200

137.000

143.998

623

571

600

38.394

6

580.000

1.000.000

3.287.263

15.000

ND

ND

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005) 46.600

298

POPU-população (x1000) 139.000

AREA (Km²)

ND

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

143.998

625

151

2001

Butão

610

600

38.394

12

2001

Índia

610.000

1.020.000

3.287.263

15.300

2001

Maldivas

2001

Nepal

7.350

25.300

147.181

81

2001

Paquistão

87.300

150.000

796.095

3.520

2001

Sri Lanka

19.800

19.600

65.610

762

2001

Total do Mundo

39.700.000

6.150.000

510.072.000

953.000

Ano 2002

País Bangladesh

48.600

141.000

143.998

607

2002

Butão

677

600

38.394

12

2002

Índia

633.000

1.040.000

3.287.263

16.500

2002

Maldivas

2002

Nepal

7.360

25.800

147.181

106

2002

Paquistão

90.100

153.000

796.095

3.810

2002

Sri Lanka

20.600

19.900

65.610

618

2002

Total do Mundo

40.500.000

6.230.000

510.072.000

1.010.000

Ano 2003

País Bangladesh

51.200

144.000

143.998

616

2003

Butão

725

600

38.394

15

2003

Índia

686.000

1.060.000

3.287.263

16.300

2003

Maldivas

2003

Nepal

7.650

26.300

147.181

124

2003

Paquistão

94.500

156.000

796.095

4.030

2003

Sri Lanka

21.800

20.100

65.610

562

2003

Total do Mundo

41.600.000

6.300.000

510.072.000

1.080.000

Ano 2004

País Bangladesh

54.400

146.000

143.998

630

2004

Butão

775

600

38.394

15

2004

Índia

743.000

1.080.000

3.287.263

18.200

2004

Maldivas

2004

Nepal

2004

Paquistão

2004

Sri Lanka

2004

Total do Mundo

ND

ND

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

ND

298

POPU-população (x1000)

AREA (Km²)

ND

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

ND

298

POPU-população (x1000)

AREA (Km²)

ND

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

ND

298

POPU-população (x1000)

AREA (Km²)

ND

298

ND

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

ND

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

ND

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

ND

8.010

26.700

147.181

139

101.000

159.000

796.095

3.940

23.000

20.300

65.610

619

43.300.000

6.380.000

510.072.000

1.130.000

152

GDP- PIB (x1000 Dólares 2005)

POPU-população (x1000)

País Bangladesh

57.600

148.000

143.998

656

2005

Butão

830

600

38.394

9

2005

Índia

812.000

1.090.000

3.287.263

18.800

2005

Maldivas

2005

Nepal

2005

Paquistão

2005

Sri Lanka

2005

Total do Mundo

ND

AREA (Km²)

ME- Gastos Militares (x1000 Dólares 2005)

Ano 2005

ND

298

ND

8.260

27.100

147.181

147

109.000

162.000

796.095

3.700

24.400

20.500

65.610

612

44.900.000

6.460.000

510.072.000

1.160.000

153

DADOS COW – Scores do CINC de Mercosul e SAARC País Argentina

Sigla ARG

Brasil

BRA

Paraguai

PAR

Uruguai

URU

Venezuela

VEN

Bolívia

BOL

Chile

CHL

Peru

PER

Colômbia

COL

Equador

ECU

Bangladesh

BGD

Butão

BTN

Índia

IND

Maldivas

MDV

Nepal

NEP

Paquistão

PAK

Sri Lanka

SRI

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991 0,0057 4 0,0240 15 0,0003 53 0,0005 34 0,0052 5 0,0008 74 0,0027 24 0,0033 84 0,0046 68 0,0013 51

1992 0,0057 55 0,0251 15 0,0003 65 0,0005 35 0,0049 52 0,0008 98 0,0028 48 0,0033 8 0,0048 63 0,0016 66

1993 1994 0,00582 0,0060 97 0,02569 0,0260 1 14 0,00037 0,0003 4 83 0,00052 0,0005 25 0,00534 0,0056 5 4 0,00091 0,0009 2 11 0,00287 0,0030 3 35 0,00339 0,0034 3 5 0,00492 0,0049 8 99 0,00154 0,0015 8 28

1995 1996 1997 1998 0,0060 0,0062 0,0063 0,0064 61 88 05 97 0,0261 0,0269 0,0273 0,0276 05 23 02 82 0,0004 0,0004 0,0004 0,0004 12 09 21 0,0005 0,0005 0,0005 0,0005 46 36 46 59 0,0055 0,0056 0,0050 0,0048 83 9 28 36 0,0009 0,0009 0,0009 0,0009 43 99 57 97 0,0030 0,0031 0,0034 0,0034 6 61 45 7 0,0034 0,0035 0,0035 0,0035 76 37 8 72 0,0051 0,0053 0,0053 0,0055 89 99 55 97 0,0016 0,0017 0,0016 0,0017 34 2 79

1999 0,0063 76 0,0270 68 0,0004 28 0,0005 45 0,0047 54 0,0009 88 0,0033 21 0,0035 22 0,0055 36 0,0016 42

2000 0,0062 8 0,0264 79 0,0004 5 0,0005 51 0,0046 89 0,0009 81 0,0003 41 0,0035 51 0,0057 51 0,0016 59

2001 0,00610 19 0,02545 08 0,00044 54 0,00055 12 0,00499 98 0,00099 82 0,00334 34 0,00347 26 0,00579 84 0,00170 27

0,00009 0,0000 0,00009 0,00009 0,00009 0,0001 0,0001 0,0001 0,00010 0,0001 0,0001 0,0001 0,0001 0,0001 0,0001 0,0001 0,00007 46 94 33 98 33 02 06 08 9 1 12 4 39 25 26 11 69 0,05611 0,0568 0,05766 0,05856 0,05962 0,0595 0,0619 0,0631 0,06355 0,0641 0,0653 0,0668 0,0662 0,0677 0,0678 0,0683 0,06815 39 12 66 77 97 02 03 37 2 95 54 53 46 92 18 83 0,00084 0,0008 0,00089 0,00092 0,00093 0,0009 0,0009 0,0009 0,.0009 0,0010 0,0010 0,0010 0,0009 0,0009 0,0010 0,0011 0,00113 11 68 88 6 29 2 77 77 962 43 89 34 87 97 04 4 13 0,00991 0,0099 0,01001 0,01000 0,01044 0,0106 0,0114 0,0120 0,01233 0,0126 0,0127 0,0130 0,0135 0,0139 0,0139 0,0140 0,01432 83 36 07 66 85 57 13 51 8 06 87 53 6 97 44 11 92 0,00103 0,0010 0,00103 0,001 0,00101 0,0010 0,0016 0,0016 0,00168 0,0017 0,0017 0,0017 0,0017 0,0018 0,0017 0,0018 0,00182 19 89 17 1 2 11 64 3 04 34 94 93 23 25 48

154

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.