Uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade viviane v.
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Orientador: prof. Dr. Djalma Thürler Banca examinadora: prof. Dra. Jaqueline Gomes de Jesus prof. Dr. Leandro Colling Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e
Sociedade. Linha: Cultura e Identidade Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos Financiamento via Capes (desde jun/2014)
(1) fundamentar e caracterizar as categorias analíticas de
cisgeneridade e cisnormatividade
(2) análises autoetnográficas dos dispositivos de poder
institucionais e não institucionais cisnormativos => ciscolonialidades
(3) análises autoetnográficas sobre as possibilidades de
resistência e enfrentamento a estes cistemas de poder interseccionalmente constituídos => por diversidades corporais e de identidades de gênero
Autoetnografia Interseccionalidade
Referenciais teórico+políticos Transfeminismos Estudos queer Estudos pós-coloniais/decoloniais
Cisgeneridade e Cisnormatividade
Autoetnografia Agenciamento de perspectivas trans Assim, o exercício [...] desta autoetnografia trans em particular, intenciona
efetivar e catalisar recusas epistemológicas fundamentadas na ideia de que, para descolonizar o conhecimento, faz-se necessária “uma epistemologia que inclua o pessoal e o subjetivo, de forma a “apresentar uma possibilidade de produção de conhecimento emancipatória alternativa” [...], “estabelecendo novas fronteiras” [...] para o respeito e consideração das diversidades corporais e de identidades de gênero. (p. 25)
A necessidade de se implicar, de implicar o ‘lugar de fala’, como requisitos
epistêmicos
Autoetnografia O que nos valida enquanto pessoas humanas nos valida como pessoas
escritoras. [...] Devemos utilizar tudo que seja importante para nos fazer escrever. Nenhum assunto é trivial demais. (p. 185)
Interseccionalidade O conceito de interseccionalidade pode ser considerado [...] como
significando os efeitos complexos, irredutíveis, variados e variáveis que decorrem quando múltiplos eixos de diferenciação –econômica, política, cultural, psicológica, subjetiva e experiencial – se interseccionam em contextos historicamente específicos. O conceito enfatiza que as diferentes dimensões da vida social não podem ser separadas em vertentes discretas e puras. (p. 30)
Interseccionalidade [...] notar que as formas pelas quais minha identidade de gênero
inconforme se relaciona com atravessamentos de padrões corporais, de raça-etnia, classe social e outros é uma necessidade para que esta análise não incorra no erro generalizante de pensarmos (implícita ou explicitamente) em um grupo homogêneo de mulheres trans. (p. 31)
Desafios e limitações Complexificação metodológica (re+pensar de identidades e categorias) [...] pensar a interseccionalidade vai além de uma crítica ao conteúdo de
análises sociais ‘univetoriais’, colocando em pauta também o questionamento da economia política da produção de conhecimentos que implica nos silenciamentos, desinteresses e limitações deste conteúdo (p. 32)
Interseccionalidade Desafios e limitações: terras colonizadas e em re+colonização É preciso – dado que estamos todas nós, em diferentes graus, imersas nas
dominâncias de diversas perspectivas colonizatórias –, também, repensar e deslocar criticamente as epistemologias, metodologias e instituições a partir das quais elaboramos nossas análises, estando cientes de que elas podem carregar consigo os sangues nas mãos de colonizadores que erigiram muros, faróis, edifícios, universidades, compêndios médicos, etnografias e leis para a construção de seus mundos supremacistas. (p. 34)
“a consciência política interseccional oferece um potencial crítico para a
construção de coalizões políticas não opressivas entre diversos movimentos orientados à justiça social”. (p. 34)
Referenciais teórico+políticos Não são referenciais estanques, mas entrelaçados => este trabalho
como resultado afetivo e intelectual a partir destes saberes.
Transfeminismos os transfeminismos encontram “os seus fundamentos teóricos no
processo de consciência política e de resistência constituído pelo feminismo negro e outras linhas de pensamento feminista” (JESUS, 2014, 243). (p. 36)
Neste sentido, enquanto uma vertente dos feminismos, considero
importante relacionar as perspectivas transfeministas com dimensões históricas das lutas feministas, como uma forma de salientar continuidades históricas de luta. (p. 37)
Referenciais teórico+políticos Transfeminismos: 2 caminhos Ativismos autodeclarados transfeministas têm se apresentado, no
geral, como associados a perspectivas de feminismos interseccionais, e [...] têm procurado, particularmente, propor redefinições e complexificações dos escopos de lutas feministas [...], simultaneamente aos aprendizados e solidariedades feministas que contribuem para a transformação de pensamentos e práticas em [...] movimentos trans*, travestis, transexuais. (p. 37)
Referenciais teórico+políticos Estudos queer Questionar a produção do ‘normal’ e do ‘padrão’, em relação às corpas e
vivências tidas como abjetas, estranhas, transtornadas, inviáveis, e os processos socioculturais que produzem estas percepções. (p. 38-39)
Políticas da diferença ‘versus’ Políticas identitárias A vergonha e a culpa como fontes de conhecimento
A vergonha é um afeto importante em minha vida [...]. Sinto vergonha
de não ser heterossexual, de não ser o filho que meu pai teria querido, de minha feiúra, de não ter a neca grande [...] Mas o que fazer com esta vergonha? Trata-se de aspirar a suprimi-la? Ela pode ser suprimida? Esta vergonha não é, mais bem, constitutiva de quem ‘sou’? (p. 39-40)
Referenciais teórico+políticos Estudos queer Permite[m] que reflitamos, assim, sobre a cisgeneridade, que não é “em si
uma verdade, e sim uma matriz de normas e práticas repetidas” que “todas as pessoas são compelidas a performatizar para sobreviver” (Butler (1997, 20). (p. 40)
Uma cartografia queer? [...] uma “contra-história, uma contrassociologia e uma
contrapsicologia” de uma zorra travesti cuja tática seja, de alguma forma [...], “a simulação da revolução na ausência de todas suas condições e a provocação que consiste em expressar ininterruptamente uma verdade revolucionária que, nas condições dadas, é inaceitável.” (Preciado, Paul, 2008)
Referenciais teórico+políticos Estudos pós-coloniais/decoloniais Se, com efeito, minha vida tem o mesmo peso que a do colono, seu olhar
não me fulmina, não me imobiliza mais, sua voz já não me petrifica. Não me perturbo mais em sua presença. Na verdade eu o contrario.” (FANON, 1968, 34) (p. 41)
O colonialismo se refere ao processo e aos aparatos de domínio político
e militar que se exercem para garantir a exploração do trabalho e das riquezas das colônias em benefício do colonizador. [...] A colonialidade é um fenômeno histórico muito mais complexo que se estende até nosso presente, e que se refere a um padrão de poder que opera através da naturalização de hierarquias territoriais, raciais, culturais e epistêmicas. (Restrepo e Rojas, 2010, 15)
Referenciais teórico+políticos Estudos pós-coloniais/decoloniais Por que pensar de+colonialidades para estas diversidades? Com este conceito analítico, “pretende-se denunciar o caráter
colonizatório dos obstáculos institucionais e não institucionais a uma existência digna a essas pessoas”. (p. 42)
Contribuições dos estudos para complexificarem “as avaliações
históricas do colonialismo, quanto que se fundamentem em bases históricas as diversas expressões opressivas contemporâneas” (p. 42).
Colonialidades do saber, poder e ser articuladas pela cisnormatividade
Referenciais teórico+políticos Estudos pós-coloniais/decoloniais
A inflexão decolonial pode ser entendida [...] como o conjunto dos
pensamentos críticos a respeito do lado tenebroso da modernidade produzidos desde as pessoas ‘condenadas da terra’ (FANON, 1968) que buscam transformar não somente o conteúdo, como também os termos-condições nos quais se têm reproduzido o eurocentrismo e a colonialidade no [c]istema mundo, inferiorizando seres humanos (colonialidade do ser), marginalizando e invisibilizando [c]istemas de conhecimento (colonialidade do saber) e hierarquizando grupos humanos e lugares em um padrão de poder global para sua exploração em áreas da acumulação ampliada do capital (colonialidade do poder). (p. 76)
Colocações possíveis e provisórias A identidade de gênero daquelas pessoas cuja “experiência interna e
individual do gênero” corresponda ao “sexo atribuído no nascimento” a elas.
A construção analítica de cisgeneridade [...] é fundamentada sobre a
percepção de que conceitos sobre corpos e gêneros são constituídos [...] a partir de distintos contextos socioculturais.
Em outras palavras, trata-se de uma luta “contra os efeitos de poder de um
discurso considerado científico” (FOUCAULT, 1996, 19) [...], de uma subversão de identidades – no caso, uma identidade cisgênera universalizante idealizada através de conceitos como ’biológico’ e ’natural’ – para produzir uma leitura crítica sobre a construção normativa do gênero como algo a ser derivado [...] de um cistema ’sexo/gênero’. (p. 46)
Eixos definitórios da cisgeneridade Pré-discursividade caracterizada como o entendimento sociocultural [...] de que seja possível
definir sexos-gêneros de seres a partir de critérios objetivos e de certas características corporais.
Binariedade Permanência a premissa de que corpos ‘normais’, ‘ideais’ ou ‘padrão’ apresentam uma certa
coerência [...] em termos de seus pertencimentos a uma ou outra categoria de ‘sexo biológico’, e que tal coerência se manifeste nas expressões e identificações [...] de maneira consistente através da vida de uma pessoa.
Para além da transfobia: cisnormatividade, cissexismo Cisgeneridade como problematização dos diferentes graus
[hierárquicos] de autenticidade e inteligibilidade entre corpos e identidades de gênero.
Considerar a cisgeneridade e a cisnormatividade deve estar atrelado,
assim, a uma percepção crítica destes projetos coloniais como limitadores e desumanizadores de um amplo espectro de corpos, identificações e identidades de gênero não normativas, para muito além dos conceitos ocidentalizados de gênero.
Origem dos termos em ativismos trans
Heterossexualidade, branquitude, heteronormatividade
Cistemas acadêmicos Economia política da produção de conhecimentos Nome social e problemas com bolsa de pesquisa Des+interesses em relação à produção feita por pessoas trans Colonialidades do saber
Inferiorizações, exotificações, simplificações e condescendências Certa vez, fui apresentada a um professor universitário que trabalha
próximo a questões de sexualidade e gênero. “Esta é viviane, que está fazendo mestrado no Pós-cult”. O professor, então, considera que a primeira coisa relevante a me dizer ao conversar comigo é que, no último seminário acadêmico de que participou, ‘ficou com um homem trans’. Mas não transou não, segundo ele, com o tom de que lhe seria um desafio interagir sexualmente com este corpo. ‘Não consegui’. (p. 103)
Cistemas legais e de saúde Limitações e colonialidades no acesso a recursos de saúde
Relações de poder assimétricas nos diálogos institucionais (registros,
cistemas judiciário, ‘confiança’ somente no ‘especialista’) Dependências de cistemas que nos perseguem (seg. pública e travestis na ditadura) Dimensões existenciais Solidões, silêncios e suicídios Nomes e in+existências trans Invasividades, curiosidades, violências
Explorações econômicas das diversidades de gênero
Cistemas acadêmicos Valorização de conhecimentos produzidos por pessoas e comunidades trans => reconhecimento de sua vantagem epistêmica Disputa da academia cisnormativa Conhecimentos para além da academia, e em outras linguagens, também Cistemas legais e de saúde Tensionamento das limitações dos cistemas legais => afirmação de autonomias Questionamento das simplificações de diversidades que são legitimadas pelos cistemas de saúde => cannabis, cirurgia Apontamento à urgência do enfoque interseccional nestes cistemas, bem como a consideração das diversidades corporais e de id. de gênero
Dimensões existenciais Pelo fortalecimento das comunidades e afetos entre as
diversidades corporais e de identidades de gênero A difícil convivência com abismos existenciais => escrita, arte? É preciso cometer aquilo que o cistema verá como crimes e contravenções – traições à ordem – de gênero. Autoorganizações econômicas e políticas trans*, redes de proteção e cuidado independentes do cistema patologizante colonial, propostas e ações culturais e intelectuais decoloniais críticas. (p. 233) Fechações. Marchas. Legítimas defesas. Barracos. Artigos acadêmicos. Economias solidárias trans*. Artes. Amores. Rexistências. (p. 234)
Às rexistências, múltiplas e eternas (deleuzianamente), Daquelas pessoas entre nós que não sobreviveram. Daquelas que temos inscritas, em corpos e re+pensamentos, Tanto ódio, tanta desinformação, tanto pseudoconsentimento. Tantas CISheteronormatividades. Agradeço por tudo que Re+escrevemos. Re+contamos. Re+vivemos. Agradeço por tudo que Partilhamos. Defendemos. Amamos. Vejam só, ainda não conseguiram cumprir seus ódios. viviane v. (
[email protected])