Delação Premiada e Teoria dos Jogos

September 18, 2017 | Autor: Pedro Da Conceição | Categoria: Law, Criminal Law, Game Theory, Institutional Theory, White Collar Crime
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Delação premiada e teoria dos jogos1 Com a operação “lava-jato”, que domina o atual cenário policial-midiático, muito tem se falado sobre a “delação premiada”. Há vários motivos para isso. O primeiro é a relativa novidade do tema. Digo relativa porque há, desde a Lei 9.807 de 1999, a figura do “réu colaborador”. Foi, porém, apenas com a edição da Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013, sobre Organizações Criminosas, que a delação premiada recebeu maior sistematicidade enquanto instituto jurídico de negociação, sendo delimitados seus contornos sob título de “colaboração premiada”. A “colaboração” prevista para desmantelar Organizações Criminosas não é exatamente a mesma coisa que a “delação” prevista como um dos requisitos para firmar o “Acordo de Leniência” previsto na Lei do CADE, Lei 12.529, de 2011, aplicável a carteis, e agora presente também nos requisitos do “Acordo de Leniência” da Lei Anticorrupção, Lei 12.846 de 2013, que pune pessoas jurídicas por atos de corrupção em face da Administração Pública. Há diferenças significativas mesmo entre a delação que pode ser feita com base na Lei do CADE e aquela prevista na Lei Anticorrupção, sendo uma delas a vinculação do Ministério Público. Para fins de combate antitruste, a delação pode ter seus efeitos “estendidos” às pessoas físicas, que ficam “imunes” a responder criminalmente pelos mesmos fatos. Além de ser uma medida de justiça, que atende ao critério ao clássico mandamento do ‘ne bis in idem’ (não punir duas vezes pelo mesmo fato), trata-se de um incentivo “econômico”: ao ponderar o custo de se auto denunciar e denunciar os “parceiros”, o agente leva em consideração os benefícios da “imunidade” (pensando, sobretudo, nos casos em que membros do alto escalão empresarial estão envolvidos). Tal interdependência entre o acordo de leniência e a imunidade na esfera criminal não foi reproduzida na Lei Anticorrupção e será, certamente, uma desvantagem que pesará contra a utilização desse tipo de mecanismo por agentes corruptores. Isso porque a pessoa jurídica ao se auto denunciar poderá produzir provas contra seus administradores, acionistas, funcionários e credores e, certamente, dependendo de quem forem essas

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Publicado em: http://lecnews.com/novo/delacao-premiada-e-teoria-dos-jogos/

pessoas e qual sua influência no contexto corporativo, os interesses individuais poderão se sobrepor ao da empresa, inviabilizando qualquer acordo. Por decorrência, se o acordo não for firmado, outros corruptores não serão descobertos. Se, porém, for o acordo firmado, isso ocorrerá apenas com a primeira empresa, visto que a delação das demais é requisito para concluir o pacto de leniência. Especialmente sobre este ponto que chamo atenção, ou seja, sobre a necessidade de a empresa ser a primeira a se manifestar sobre o “conluio” corruptor, pois podemos dizer que há uma especial racionalidade econômica em pauta – presente tanto na Lei do Cade, quanto na Lei Anticorrupção e, de forma indireta, também na Lei das Organizações Criminosas (para pessoas físicas). A ideia de que somente a delatora inicial seja a única que possa firmar o acordo de leniência foi criticada como medida danosa, pois desestimularia as demais a colaborarem – mesmo que posteriormente. Há, porém, uma razão para conceder uma vantagem desproporcional à primeira delatora, e essa razão é a criação de uma instabilidade. Quando várias empresas atuam ilicitamente em conjunto (tanto em esquema de corrupção como de cartel), há uma tendência à manutenção da situação de ganho conjunto, se cada uma tem a expectativa de que os outros agentes permanecerão “calados”. Estamos próximos do que ficou conhecido na teoria dos jogos como “Equilíbrio de Nash”. Esse equilíbrio se dá em uma situação em que todos são concorrentes, mas nenhum ator individual consegue mudar sua estratégia de atuação por não conseguir alterar as estratégias dos demais concorrentes. Nesse caso, a postura de maior ganho se torna a manutenção da estratégia atual, levando a uma situação de equilíbrio. Em um primeiro momento isso parece não se aplicar para os casos de cartel e esquemas de corrupção, em que, aparentemente, as empresas “em conluio” não estão “competindo entre si”, mas verdadeiramente cooperando. Olhando “de dentro da relação”, esse é o caso, de fato. Mas se considerarmos que se trata de uma cooperação “ilícita” a qual, em qualquer momento, ao ser deflagrada, pode trazer prejuízos a todos, entendemos que há uma verdadeira situação de não-cooperação.

Aliás, para entender que cartel e corrupção não costumam ser situações de real colaboração, basta pensar que eles sempre trazem desvantagens gerais (externalidades negativas) para todos os que não estão no “esquema”, sendo que a maior razão para se juntar aos agentes atuando ilegalmente é se adequar à própria concorrência desleal por eles criada (em razão, justamente, de existir um grupo de empresas privilegiadas pelo cartel ou pela corrupção). Quando, porém, a Lei oferece à primeira empresa delatora a possibilidade de firmar um acordo, ela está, na verdade, oferecendo dois ganhos muito importantes: A) um benefício que faz valer à pena a mudança de estratégia, mesmo que não se possa alterar a estratégia dos demais agentes (corruptores/em situação de cartel); e B) a possibilidade de desmantelar essa situação de cartel/corrupção, a qual traz desvantagens gerais e torna a própria concorrência mais difícil. Em relação ao segundo benefício, B), também é preciso levar em consideração a diminuição da multa (ou outros benefícios decorrentes da negociação direta) e a diminuição do custo de oportunidade para retomar as atividades regulares no mercado (dessa vez, em um regime “honesto” de concorrência). Tais vantagens para que haja uma “delação inicial” são essenciais porque geram um fator de instabilidade no equilíbrio perene do cartel ou do esquema de corrupção – que costumam ser relações duradouras. Para sair do conluio existe um “custo”, mas o acordo de leniência é pensado, justamente, a fim de compensar esse custo. Essa vantagem do “primeiro delator”, porém, precisa ser apenas desproporcional, não exclusiva. Ocorre que, após a primeira delação, os demais agentes serão obrigatoriamente expostos e o esquema tende a ruir, mas isso não impede que haja uma alternativa à via punitiva tradicional. Os delatados também poderiam ser “sancionados” de maneira negocial, evitando os estigmas de um longo, lento e custoso processo punitivo. Para que a via “negocial” seja adotada, porém, é preciso que as demais empresas (a 2ª, 3ª...) tenham algo a oferecer ao Estado (a 1ª empresa tinha, justamente, a identidade das demais). Esse “algo” seria, sobretudo, a documentação probatória e a “inteligência” do esquema. Não podemos nos iludir: o que está ocorrendo com a Petrobrás não é um esquema simples de “dinheiro na cueca”. É um mega-esquema de corrupção, que traz consigo fraudes contábeis e lavagem de dinheiro, com remessas ao exterior e

envolvimento de várias pessoas. É um empreendimento ilícito de fato, uma joint venture criminal. Para que isso possa ocorrer, as Leis que trazem a hipótese do “acordo de leniência” precisariam ser alteradas. E faço a ressalva de que a Lei 12.850/13, sobre Organizações Criminosas, é mais delicada, pois envolve diretamente pessoa física em uma universalidade diversa; ela possui uma lógica político-criminal diferente da Lei do Cade e da Lei Anticorrupção em que, formalmente, não predominam aspectos de Direito Penal ou Processual Penal, mas de Direito Administrativo. Não que o Direito Administrativo, em sua face sancionadora, seja muito diverso do Direito Penal – trata-se, sim, de um modelo diferente, mas que se submete ao mesmo arcabouço jus-hermenêutico do ‘Jus Puniendi’, enquanto regras gerais que limitam o frenesi estatal para sancionar e punir. Existe, por fim, grande interesse por parte do Estado em compreender a “metodologia” adotada por todos os agentes em casos de cartel e corrupção, e a colaboração tende a ser uma via mais barata, inclusive, para o próprio ente público, mas não impede que haja a necessária e ética responsabilização dos agentes envolvidos, inclusive para fins preventivos – o verdadeiro fim que qualquer tipo de sanção deve ter em uma Democracia Constitucional.

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