Democracia e Ordem Política

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA – DEFI CURSO: LICENCIATURA PLENA EM FILOSOFIA DISCIPLINA: FILOSOFIA POLÍTICA

DEMOCRACIA E ORDEM POLÍTICA

TERESINA DEZ/2014

BRUNO THOMPIS ALVES SIQUEIRA BARBOSA

DEMOCRACIA E ORDEM POLÍTICA

Resumo  apresentado  como  requisito  de avaliação na disciplina Filosofia Política  do curso de Licenciatura Plena em Filosofia,  sob  a  orientação  do  Prof.  Dr.  José  Sérgio  Duarte da Fonseca.

TERESINA DEZ/2014

MACKENZIE,  Iain.  Democracia  e  ordem  política.  In:  Política:  conceitos­chave  em  filosofia.  Trad.:  Nestor  Luiz  João  Beck.  Porto  Alegre,  RS:  Artmed,  2011.  p.  111­131. Analisando  brevemente  a  história  da  democracia  até  sua  consolidação  em  tempos  recentes,  Mackenzie  define  a  democracia  como  uma  forma  de  governo  que,  durante  muito  tempo  foi  tida  como  insuficiente  e  incapaz  de  lidar  com  o  fato  de  que  alguns  homens  são  destituídos da capacidade de governar­se. No entanto, longe dessa análise, que a adjetivou por  séculos,  a  democracia,  hoje,  é  tida  como  uma  forma  de  governo  quase  inquestionável  justamente  por  dois  momentos  históricos  específicos  que  modificaram  completamente  o  entendimento  anterior  de  que  apenas  os  líderes  sábios  seriam  capazes  de  nortear  o  desenvolvimento  de  uma  nação.  Os  momentos  aos  quais  o  autor  se  refere  são  a  Segunda  Guerra Mundial e a Guerra Fria, que deixaram marcas eternas na forma como o povo vê, a  partir  dos  desdobramentos  destes  dois  marcos  históricos  a  direção  política  da  sociedade.  A  primeira, a Segunda Guerra Mundial, deixa terrível legado no que diz respeito à capacidade  de um líder ditar o dever­ser de uma sociedade, pois qualquer leve desvio de conduta pode  conduzir  essa  sociedade  novamente  para  as  garras  do  fascismo.  A  segunda,  no  entanto,  diz  respeito  às  alternativas  de  democracia  que  entraram  em  conflito  durante  a  guerra  fria:  a  democracia  da  burguesia  liberal  versus  a  democracia  comunista.  Esta  última,  que  pretendia  ser  uma  democracia  que  se  mostraria  nos  moldes  do  almejado  (“para  o  povo”  e  não  “do  povo”), acabou se mostrando deficiente e causando tumultos que modificaram o panorama da  disputa contra os liberais que acabaram por vencer a disputa. Com  a  queda  do  muro  de  Berlim  e  a  derrota  simbólica  do  comunismo,  o  autor  cita,  com  base  na  leitura  de  Fukuyama,  que  foi  praticamente  dada  como  certa  a  vitória  do  liberalismo burguês, a vitória da democracia sobre todas as outras formas de governo, e que  “a  humanidade  teria  alcançado  a  destinação  política  final:  a  democracia”  (MACKENZIE,  2011, p. 112). No  entanto,  cita  Mackenzie,  o  grande  modelo  oriundo  desse  processo,  a  democracia  liberal,  já  em  nossos  tempos  enfrenta  sérios  problemas  e  tem  demonstrado  uma  fragilidade  nunca antes vista. Aqui o autor enfatiza alguns dos principais problemas, como  “O tumulto interno das políticas multiculturais; revolta crescente em relação  à  corrupção  política;  a  apatia  dos  votantes  alcançando  índices  alarmantes;  forças globais que fazem esforços políticos domésticos parecer sem sentido;  grandes  divisões  econômicas  no  interior  das  sociedades  democráticas 

liberais; minorias alienadas; política local cada vez mais ineficaz” (2011, p.  112).

O  autor,  então,  encerra  sua  introdução  ao  que  será  discutido  nas  páginas  seguintes  dando  um  panorama  de  abertura  a  novas  formas  de  democracia  que  podem  vir  a  ser  consolidadas,  como  a  chinesa  que  está  em  processo  evolutivo,  a  dos  países  islâmicos  que  podem estar ressurgindo como possível nova forma de organização democrática. Para tanto,  Mackenzie  deixa  claro  que  o  objetivo  do  capítulo  que  se  segue  é  rever  alguns  dos  debates  centrais  existentes  na  democracia  e  tentar  entender  se,  realmente,  é  a  democracia  a  melhor  forma de governo enquanto mantenedora de uma política de ordem. Democracia e desordem Para Platão, diz Mackenzie, a democracia não pode ser a melhor forma de república  por três motivos que o autor define como principais, mas que juntos formam o motivo maior:  a democracia, enquanto sistema político dissolve­se inevitavelmente na desordem e no caos. Para  chegar  a  esse  denominador  comum,  Mackenzie  explicita  estes  três  pontos  fundamentais,  segundo  sua  leitura  de  Platão,  que  fazem  a  democracia  entrar  em  colapso.  O  primeiro pontua que a grande parte do povo não é um juiz suficientemente bom para decidir  o que é melhor para o Estado, pois sempre está inclinado a tomar decisões apoiado em uma  parcialidade,  sem  se  importar  com  o  que  seria  melhor  para  o  Estado;  O  segundo  diz  que  a  democracia produz maus líderes, pois tal sistema político encoraja a tomada de decisões que  não estão centradas no bem comum à sociedade e sim em slogans populistas. A consideração  da vontade da maioria como objetivo principal do governo democrático acaba tornando­se um  véu que encobre a necessidade de o governante tomar decisões em prol da promoção da vida  boa, do telos comunitário em si. E o terceiro frisa que a democracia, ao passo que maximiza  a liberdade do povo, também propicia uma espécie de tribalismo político e a composição de  facções,  além  da  intolerância.  Como  argumento,  Mackenzie  utiliza  a  segurança  como  exemplo.  Para  ele,  as  pessoas  preferem  ter  segurança  a  ter  liberdade.  A  democracia  e  a  liberdade estão intimamente ligadas, mas uma não basta à outra. A liberdade conseguida junto  à  democracia,  para  Platão,  nos  diz  Mackenzie,  gera  uma  livre  expressão  que,  por  vezes,  desemboca  em  licenciosidade.  Tal  liberdade,  que  remete  à  licenciosidade,  acaba  por  ter  caráter  ilusório,  pois  acentuam  a  fragmentação  social  desembocada  pelo  tribalismo  citado  anteriormente. Para o autor, essa fragmentação é vista por nós, em nosso tempo, como diversidade e  não  como  fragmentação.  No  entanto,  o  grego  argumenta  que  a  fragmentação  e  os  conflitos 

gerados por esse sistema político serão tão grandes que a cisão social gerada por ela só poderá  ser restaurada através de uma tirania. E, agravando ainda mais a situação, Platão defende que  a tirania terá que ser a do déspota e não a tirania bondosa do sábio.  Desta  forma,  finaliza  Mackenzie,  “a  democracia  não  pode  ser  a  melhor  forma  de  governo porque inevitavelmente conduz à tirania” (2011, p. 114). Democracia e o valor da participação política A análise de Platão acerca da democracia, sua crítica, suscita alguns graves problemas  que são expostos por John Stuart Mill, continuador do utilitarismo de Jeremy Bentham. Mill,  segundo Mackenzie, defendeu um governo representativo dizendo que “participar  do  governo  seria  maximizar  as  próprias  capacidades  morais  e  intelectuais e assim alcançar um sentimento de prazer que é qualitativamente  superior aos prazeres elementares, meramente transitórios, da vida” (2011, p.  115).

Para  Mill,  essa  alternativa  à  proposta  platônica  fundamenta­se  num  exercício  intelectual  simples  que  nos  deixa  frente­a­frente  com  uma  situação  em  que  poderíamos  escolher entre duas alternativas: 1) sermos governados por um déspota bondoso (e aqui Mill  supõe  um  déspota  livre  de  vícios,  que  é  sábio  e  que,  dentre  outras  características,  não  nos  desapontará com seu governo despótico) ou 2) nós mesmos tomarmos parte na vida política.  A  conclusão  à  qual  chega  Mill  é  que,  mesmo  com  as  pseudo­benesses  da  vida  apolítica  ofertada pela primeira alternativa, o homem continuaria anseando por mais no campo de sua  vida pública. Apesar do charme ofertado por essa alternativa, a vida pública acabaria por se  esvaziar  de  sentido,  uma  vez  que  a  atrofia  intelectual,  o  não  desenvolvimento  no  campo  da  moral  e  a  ausência  de  uma  religião  que  expressasse  a  liberdade  de  crença,  por  exemplo,  seriam  características  principais  desse  tipo  de  vida  política  sob  o  domínio  de  um  déspota,  mesmo que utopicamente bondoso como o de Mill. Desta  forma,  como  responderíamos  à  pergunta  “qual  a  melhor  forma  de  governo?”,  uma vez que o despotismo benévolo seria descartado. Mackenzie cita que Mill não oferece a  resposta  para  essa  pergunta,  mas  deixa  claro  que  o  autor  defende  veementemente  a  participação  do  cidadão  na  vida  pública,  honrando  assim  o  serviço  público  como  ápice  do  homem. Um dos pontos centrais dessa atribuição valorativa superior à participação do homem  na  vida  pública,  segundo  Mackenzie,  é  a  defesa  que  Mill  propõe  da  concepção  de  votação  pública. Para ele, grosso modo, a votação pública insere o homem na vida pública, pois suas  escolhas a afetam e, além do mais, é uma forma de justificar suas escolhas em nome de um 

interesse  público,  coletivo,  e  não  privado.  De  certo  modo,  todos  nós,  através  do  voto,  podemos exercer alguma função pública. Concebendo seu indivíduo, seu ser humano, diferente do de Platão, Mill enxerga um  homem  racional  que  possui  projetos  a  serem  cumpridos  em  longo  prazo.  Dessa  forma,  portanto,  a  vida  pública  tenderia  a  trazer  tais  benefícios  a  longo  prazo.  Sob  a  tutela  de  um  déspota,  mesmo  que  utopicamente  bondoso  como  o  sugerido  por  Mill,  fica  claro  que  esse  benefício em longo prazo estaria para sempre suprimido e à medida que o tempo passasse o  homem  entenderia  que  as  dimensões  intelectuais,  morais  e  religiosas  que  ele  pode  desenvolver estariam sendo bloqueadas pela presença desse déspota.  Assumindo o controle  da própria vida, cita Mackenzie:  “O benefício para a sociedade é que indivíduos livres vao perseguir projetos  intelectuais,  morais  e  espirituais  que  conduzirão  ao  progresso  de  todos  na  sociedade” (p. 117).

Segundo Mackenzie, Mill precisa responder que tipo de governo seria o ideal para a  incentivar  a  participação  na  vida  pública.  Passeando  pelas  altenativas,  Mill  sugere  o  comunismo num primeiro momento mas, depois, descarta essa possibilidade por conceber o  homem  como  incapaz  de  corresponder  aos  ideais  comunistas.  Assim,  sugere  que  a  melhor  forma de governo seria a do governo representativo. Nesta forma de governo, a participação  política  teria  lugar  central  no  que  diz  respeito  ao  aprimoramento  do  homem  enquanto  ser  social. É só a partir dela que poderemos desfrutar, em outro nível, de prazeres superiores que  nos são privados por uma vida regulada pelo individualismo. As críticas à concepção de Mill passam desde a necessidade última do governo (que  entra  em  confronto  direto  com  sua  concepção  de  liberdade:  –  como  não  intervenção  –  incrementar o cidadão, ou propiciar condições para que ele se incremente por si mesmo?), à  concepção apressada de que todo mundo deveria ser filósofo político. O embate nítido entre  duas concepções de liberdade (a proporcionada pela atividade política pública e a de liberdade  como espaço de não interferência) também se constitui dessa forma. O difícil nascimento da democracia liberal No  que  se  segue,  o  autor  contextualizará  historicamente  o  processo  de  construção  e  consolidação  da  democracia,  remontando  aos  tempos  de  transição  da  idade  média  à  idade  moderna  e  atribuindo  à  substituição  do  sistema  feudal  de  governo  pelo  sistema  liberal,  uma  das  principais  motivações  para  a  implantação  deste  último.  A  democracia,  para  Mackenzie,  nasce de uma necessidade política de renovação, de modernização e suas raízes principais são  as  transformações  sociais  e  econômicas  de  produção.  Para  tanto,  nos  diz  ele,  democracia  e 

capitalismo  estão  interligados  por  dois  outros  termos  que  parecem  traduzir  ou,  quem  sabe,  complementá­los: liberdade e igualdade. No que diz respeito à liberdade, os ideais atribuídos à democracia eram diferentes dos  ideais  vistos  na  sociedade  feudal,  pois  necessitariam  assegurar  a  liberdade  dos  indivíduos.  Para  isso,  há,  segundo  o  autor,  há  duas  ideias  a  serem  entendidas  acerca  da  liberdade.  A  primeira é que o governo deve proteger os interesses das pessoas de forma a assegurar que o  Estado  não  invada  nossas  vidas  pessoais.  Para  isso  são  criados  os  direitos  individuais  que  servem  como  arma  contra  o  estado  em  toda  a  sua  magnitude.  A  segunda  nos  diz  que  é  o  Estado  quem  é  livre,  por  isso  as  liberdades  pessoais  e  estatais  estariam  diretamente  correlacionadas.  Desta  forma,  a  função  do  estado  não  mais  seria  a  de  garantir  a  liberdade  individual,  mas  sim  a  de  proteger  todos  os  seus  membros  e  encorajá­los  a  serem  bons  cidadãos. A primeira é o que poderíamos chamar de perspectiva liberal clássica e a segunda  é  a  concepção  republicana  cívica  de  democracia.  Ambas  acabam  por  se  interseccionarem  entre  si,  terem  pontos  em  comum,  mas  há  diferenças  básicas  entre  as  mesmas  que  evocam  uma espécie de confusão no que diz respeito a qual seria o papel do estado no que diz respeito  ao tema liberdade: “proteger interesses privados ou fomentar responsabilidade pública? O que é  ‘o  povo’  do  Estado  democrático:  um  grupo  de  indivíduos  isolados  ou  uma  comunidade  vinculada  por  interesses  comum?  Devemos  conceber  o  bom  cidadão como quem simplesmente vive a vida sem infringir qualquer lei, ou  como alguém que ajuda a manter a própria polis democrática?” (p. 120)

Para  Mackenzie,  essas  perguntas  surgem  pelo  fato  de,  muitas  vezes,  os  próprios  democratas estarem confusos em relação ao que estão defendendo: a liberdade individual ou a  liberdade coletiva. No  que  tange  a  igualdade,  Mackenzie  faz  questão  de  frisar  que  diferentemente  da  estrutura política tida no feudalismo, o que o sistema democrático se esforça em estabelecer é  que  todos  somos  iguais  no  que  diz  respeito  à  capacidade  de  conduzir  o  governo.  A  contra­ argumentação a essa perspectiva é que a concepção de que somos todos iguais e igualmente  capazes  de  decidir  politicamente,  acaba  entrando  em  conflito  com  a  ideia  de  liberdade  anteriormente  citada  pois,  quase  necessariamente,  a  liberdade  irá  ser  suprimida  em  favor  de  uma  espécie  de  tirania  da  maioria.  Essa  tirania  ocorreria,  segundo  Mill,  quando  ocorresse  casos  de  má  gestão  governamental  no  que  diz  respeito  a  ter  resultados  de  curto  prazo,  por  exemplo, dentre outros casos.

Da democracia representativa à democracia deliberativa A democracia, desde seu nascimento, convive com críticas. Muitas delas pelos fatores  que  mostramos  no  tópico  anterior,  mas  Mackenzie  faz  questão  de  pontuar  alguns  outros  problemas  que  a  democracia  enfrenta,  algumas  críticas  internas  e  externas  acerca  da  forma  como o governo é conduzido pela mesma. O  próprio  ideal  de  representação,  membro  inseparável  das  ditas  democracias  representativas, para Mackenzie, surge agora como fonte de crítica do próprio sistema e nos  aparece problematizada em duas perguntas fundamentais: A representação, em si, é realmente  possível?  Quem  é  que  está  sendo  representado?  No  cerne  da  crítica  à  questão  de  representatividade está a condição de possibilidade dessa representatividade. A afirmação de  uma  parcela  de  críticos  determina  que  a  representação  é  impossível  de  ser  conseguida  plenamente  e  que  a  situação  se  agrava  ainda  mais  quando  o  objeto  a  ser  representado  é  tão  enorme  quanto  um  eleitorado.  Mackenzie  cita  Young  (2000)  para  nos  mostrar  que  há  uma  espécie de paradoxo que permeia o cerne da democracia liberal: Primeiro, consideramos que a representação é necessária. Depois, supomos que a tomada  de  decisões  democráticas  requer  a  participação  ativa  dos  cidadãos.  E,  por  último,  entendemos que uma representação só é legítima quando o representante for idêntico ao  representado. Para Young, neste caso a representação é impossível. Para ela, no entanto, há  uma  maneira  de  livrarmo­nos  de  tal  paradoxo  que  é  a  reconcepção  do  sentido  de  representação.  Ao  invés  de  entendermos  a  representação  como  uma  substituição  de  identidades, entenderíamos como uma relação processual de separação e na diferença. Assim,  representante  já  não  seria  uma  palavra  adequada  e  sim,  delegado.  Para  Mackenzie,  no  entanto,  a  ideia  do  delegado  tende  a  agravar  um  dos  problemas  da  democracia  moderna:  a  apatia  dos  eleitores  que  desembocará  inevitavelmente  em  afastamento  do  eleitor  da  vida  pública  que  se  verá  obrigado  a  aparecer  somente  quando  for  época  de  escolher  um  novo  delegado.  O  crescente  e  visível  afastamento  do  eleitorado  da  vida  política  pública  tem  forçado,  segundo  Mackenzie,  alguns  pensadores  a  procurar  alternativas  que  reinventem  a  democracia  sob  pena  de,  caso  não  o  façam,  a  distância  entre  o  povo  e  a  vida  pública  se  estabelecerá de maneira gradativa, com tendências sempre ao aumento. Uma das alternativas à democracia representativa até aqui estudada é a concepção de  democracia  deliberativa  que  sustenta  que  o  voto  não  é  e  não  pode  ser  o  suficiente  para  sustentar a democracia em si. Ao contrário, é necessário que haja a discussão, o debate, entre  o  povo  e  que  o  motor  desse  debate  seja  “alcançar  um  consenso  razoável  sobre  as  questões  políticas  controversas”  (2011,  p.  124).  O  papel  da  democracia,  portanto  é  a  resolução  de 

conflitos  através  do  diálogo  racional,  tendo  como  principal  interlocutor  o  filósofo  alemão  Jürgen  Habermas.  Habermas,  grosso  modo,  pretende  resgatar  o  ideal  democrático  do  iluminismo.  Propondo  o  debate  racional  para  decidir  politicamente,  Habermas  recorre  à  linguagem  do  cotidiano  para  fundamentar  sua  tentativa  neoiluminista.  Para  ele,  se  entendermos  os  pressupostos  da  comunicação  humana,  seremos  capazes  de  compreender  o  potencial  democrático  do  debate  e  da  discussão.  O  debate  que  busca  o  entendimento,  o  consenso, no esquema habermasiano, pode ser denominado ação comunicativa.  Ela se baseia  necessariamente  em  uma  responsabilidade  intrínseca  ao  discurso  racional.  Pressupõe­se,  portanto,  que  ao  debatermos  estejamos  inclinados  a  não  nos  utilizarmos  da  razão  de  forma  instrumental,  como  conseguir  vencer  um  debate  que  vise  a  fins  pessoais,  transformando  o  debate em uma grande queda­de­braço pelo melhor argumento. Ao analisarmos, então, a ação  comunicativa, percebemos que mesmo intuitivamente há nos agentes racionais a consideração  da possibilidade de um consenso racional, o que constitui para Habermas um dos pontos de  apoio de sua retomada iluminista. Para  Habermas,  no  entanto,  o  uso  da  linguagem  com  fins  racionais,  a  busca  por  um  consenso  racional,  deve  ser  sempre  priorizado  em  detrimento  do  uso  da  linguagem  como  estratégia. E Habermas defende esse ponto de três maneiras: primeiro não é possível utilizar  a  linguagem  em  proveito  próprio  sem  antes  utilizá­la  para  estabelecer  entendimento  com  o  outro.  Segundo,  a  linguagem  é  essencialmente  comunicativa  e  terceiro,  é  através  da  linguagem que reproduzimos o mundo da vida. Ou seja: não há como agir estrategicamente de  forma frequente, pois acabaríamos por separar nossos laços com o mundo exterior. Por isso, é  crucial  que  entendamos  o  que  seja  um  acordo  legítimo  (baseado  na  racionalidade)  e  um  acordo ilegítimo (baseado nos meios do dinheiro e do poder, por exemplo). À política, então,  estaria  interligada  a  ética  pois  pressuporíamos  agir  de  forma  responsável  ao  proferir  nossos  discursos  de  teor  político,  uma  vez  que  o  nosso  objetivo  será  o  do  consenso  racional,  propiciando o surgimento de cooperação social. Mas,  e  quanto  à  viabilidade  da  democracia  deliberativa?  Ela  é  viável  em  sociedades  tão  complexas  quanto  as  sociedades  modernas?  Para  alguns  críticos,  a  democracia  deliberativa constitui­se de uma utopia. Mas para outros críticos, há meios eficazes de sair­se  de tal empecilho. O primeiro deles é criando uma sociedade aberta ao debate coletivo através  da  revigoração  das  estruturas  políticas  existentes  na  atualidade.  Os  partidos  políticos,  neste  esquema,  estariam  passíveis  de  transformação  e  poderiam  funcionar  praticamente  como  o  âmbito de mudança imediata rumo a essa conscientização do debate racional, abandonando o  papel  de  máquina  burocrática  e  de  formador  de  alianças  partidárias  maleáveis.  Os  júris  de 

cidadãos  também  surgem  como  alternativa  para  o  modelo  de  democracia  deliberativa  onde,  simplificando,  um  grupo  pequeno  de  pessoas  chegariam  a  conclusões  que  possivelmente  a  população  como  um  todo  chegaria,  através  de  inferências.  Apesar  de  os  problemas  práticos  saltarem aos olhos, fica nítido que também há deficiência no resultado final da deliberação:  será  que  ela  realmente  conduzirá  a  melhores  decisões?  Será  que  o  consenso,  mesmo  após  a  deliberação, é possível? Agonismo e ordem política Contrastando  com  a  concepção  de  democracia  deliberativa,  a  concepção  radical  da  democracia  desenvolvida  por  Laclau  e  Mouffe  acusa  a  versão  deliberativa  democrática  de  desvirtuar  o  próprio  sistema  democrático  no  que  diz  respeito  à  necessidade  intrínseca  do  dissenso. A democracia, dizem os radicais, é impossível de ser pensada pelo consenso, pois  está  fundamentada  necessariamente  no  dissenso,  tem  na  discordância  sua  maior  expressão.  Qualquer  tentativa  de  excluir  a  discordância  do  processo  democrático  é  uma  afronta  ao  sistema. O ideal de comunidade democrática, por consequência, também é tão ilusório quanto  a  concepção  de  consenso  supracitada.  Há,  segundo  Ranciere,  uma  impossibilidade  de  atingirmos  uma  concepção  de  identidade  única  dentro  dos  moldes  pretendidos  pelas  democracias liberais e deliberativas. Para este autor, é inevitável que um governante agregue  uns e exclua outros no processo democrático. Para os radicais, porém, tendo em vista que apesar das discordâncias com as demais  concepções,  eles  ainda  defendem  a  democracia  como  forma  de  governo  ideal,  o  objetivo  é  manter  diversidade  e  pluralismo  em  boas  condições  de  expressão.  No  entanto,  Mackenzie  finaliza  o  capítulo  levantando  a  questão  primeira  citada  por  Platão.  Se,  segundo  o  grego,  a  democracia é um sistema de governo falho e que entrará em colapso, inevitavelmente, além  do fato de que só poderá ser resgatada da ruptura através da tirania, como devemos lidar com  a multiculturalidade e a impossibilidade de atender a todas as demandas dos indivíduos que  compõem a sociedade sem desembocarmos em um retorno à tirania? A fragmentação social  sob  as  máscaras  da  diversidade  e  da  multiculturalidade  como  marca  exclusiva  da  proposta  radical da democracia, apenas mascara e isenta o Estado democrático de algumas funções que  são exclusivas dele, proporcionando uma extensa e descontrolada fragmentação no que tange  a ordem política.

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