Democracia e Ordem Política
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA – DEFI CURSO: LICENCIATURA PLENA EM FILOSOFIA DISCIPLINA: FILOSOFIA POLÍTICA
DEMOCRACIA E ORDEM POLÍTICA
TERESINA DEZ/2014
BRUNO THOMPIS ALVES SIQUEIRA BARBOSA
DEMOCRACIA E ORDEM POLÍTICA
Resumo apresentado como requisito de avaliação na disciplina Filosofia Política do curso de Licenciatura Plena em Filosofia, sob a orientação do Prof. Dr. José Sérgio Duarte da Fonseca.
TERESINA DEZ/2014
MACKENZIE, Iain. Democracia e ordem política. In: Política: conceitoschave em filosofia. Trad.: Nestor Luiz João Beck. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011. p. 111131. Analisando brevemente a história da democracia até sua consolidação em tempos recentes, Mackenzie define a democracia como uma forma de governo que, durante muito tempo foi tida como insuficiente e incapaz de lidar com o fato de que alguns homens são destituídos da capacidade de governarse. No entanto, longe dessa análise, que a adjetivou por séculos, a democracia, hoje, é tida como uma forma de governo quase inquestionável justamente por dois momentos históricos específicos que modificaram completamente o entendimento anterior de que apenas os líderes sábios seriam capazes de nortear o desenvolvimento de uma nação. Os momentos aos quais o autor se refere são a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, que deixaram marcas eternas na forma como o povo vê, a partir dos desdobramentos destes dois marcos históricos a direção política da sociedade. A primeira, a Segunda Guerra Mundial, deixa terrível legado no que diz respeito à capacidade de um líder ditar o deverser de uma sociedade, pois qualquer leve desvio de conduta pode conduzir essa sociedade novamente para as garras do fascismo. A segunda, no entanto, diz respeito às alternativas de democracia que entraram em conflito durante a guerra fria: a democracia da burguesia liberal versus a democracia comunista. Esta última, que pretendia ser uma democracia que se mostraria nos moldes do almejado (“para o povo” e não “do povo”), acabou se mostrando deficiente e causando tumultos que modificaram o panorama da disputa contra os liberais que acabaram por vencer a disputa. Com a queda do muro de Berlim e a derrota simbólica do comunismo, o autor cita, com base na leitura de Fukuyama, que foi praticamente dada como certa a vitória do liberalismo burguês, a vitória da democracia sobre todas as outras formas de governo, e que “a humanidade teria alcançado a destinação política final: a democracia” (MACKENZIE, 2011, p. 112). No entanto, cita Mackenzie, o grande modelo oriundo desse processo, a democracia liberal, já em nossos tempos enfrenta sérios problemas e tem demonstrado uma fragilidade nunca antes vista. Aqui o autor enfatiza alguns dos principais problemas, como “O tumulto interno das políticas multiculturais; revolta crescente em relação à corrupção política; a apatia dos votantes alcançando índices alarmantes; forças globais que fazem esforços políticos domésticos parecer sem sentido; grandes divisões econômicas no interior das sociedades democráticas
liberais; minorias alienadas; política local cada vez mais ineficaz” (2011, p. 112).
O autor, então, encerra sua introdução ao que será discutido nas páginas seguintes dando um panorama de abertura a novas formas de democracia que podem vir a ser consolidadas, como a chinesa que está em processo evolutivo, a dos países islâmicos que podem estar ressurgindo como possível nova forma de organização democrática. Para tanto, Mackenzie deixa claro que o objetivo do capítulo que se segue é rever alguns dos debates centrais existentes na democracia e tentar entender se, realmente, é a democracia a melhor forma de governo enquanto mantenedora de uma política de ordem. Democracia e desordem Para Platão, diz Mackenzie, a democracia não pode ser a melhor forma de república por três motivos que o autor define como principais, mas que juntos formam o motivo maior: a democracia, enquanto sistema político dissolvese inevitavelmente na desordem e no caos. Para chegar a esse denominador comum, Mackenzie explicita estes três pontos fundamentais, segundo sua leitura de Platão, que fazem a democracia entrar em colapso. O primeiro pontua que a grande parte do povo não é um juiz suficientemente bom para decidir o que é melhor para o Estado, pois sempre está inclinado a tomar decisões apoiado em uma parcialidade, sem se importar com o que seria melhor para o Estado; O segundo diz que a democracia produz maus líderes, pois tal sistema político encoraja a tomada de decisões que não estão centradas no bem comum à sociedade e sim em slogans populistas. A consideração da vontade da maioria como objetivo principal do governo democrático acaba tornandose um véu que encobre a necessidade de o governante tomar decisões em prol da promoção da vida boa, do telos comunitário em si. E o terceiro frisa que a democracia, ao passo que maximiza a liberdade do povo, também propicia uma espécie de tribalismo político e a composição de facções, além da intolerância. Como argumento, Mackenzie utiliza a segurança como exemplo. Para ele, as pessoas preferem ter segurança a ter liberdade. A democracia e a liberdade estão intimamente ligadas, mas uma não basta à outra. A liberdade conseguida junto à democracia, para Platão, nos diz Mackenzie, gera uma livre expressão que, por vezes, desemboca em licenciosidade. Tal liberdade, que remete à licenciosidade, acaba por ter caráter ilusório, pois acentuam a fragmentação social desembocada pelo tribalismo citado anteriormente. Para o autor, essa fragmentação é vista por nós, em nosso tempo, como diversidade e não como fragmentação. No entanto, o grego argumenta que a fragmentação e os conflitos
gerados por esse sistema político serão tão grandes que a cisão social gerada por ela só poderá ser restaurada através de uma tirania. E, agravando ainda mais a situação, Platão defende que a tirania terá que ser a do déspota e não a tirania bondosa do sábio. Desta forma, finaliza Mackenzie, “a democracia não pode ser a melhor forma de governo porque inevitavelmente conduz à tirania” (2011, p. 114). Democracia e o valor da participação política A análise de Platão acerca da democracia, sua crítica, suscita alguns graves problemas que são expostos por John Stuart Mill, continuador do utilitarismo de Jeremy Bentham. Mill, segundo Mackenzie, defendeu um governo representativo dizendo que “participar do governo seria maximizar as próprias capacidades morais e intelectuais e assim alcançar um sentimento de prazer que é qualitativamente superior aos prazeres elementares, meramente transitórios, da vida” (2011, p. 115).
Para Mill, essa alternativa à proposta platônica fundamentase num exercício intelectual simples que nos deixa frenteafrente com uma situação em que poderíamos escolher entre duas alternativas: 1) sermos governados por um déspota bondoso (e aqui Mill supõe um déspota livre de vícios, que é sábio e que, dentre outras características, não nos desapontará com seu governo despótico) ou 2) nós mesmos tomarmos parte na vida política. A conclusão à qual chega Mill é que, mesmo com as pseudobenesses da vida apolítica ofertada pela primeira alternativa, o homem continuaria anseando por mais no campo de sua vida pública. Apesar do charme ofertado por essa alternativa, a vida pública acabaria por se esvaziar de sentido, uma vez que a atrofia intelectual, o não desenvolvimento no campo da moral e a ausência de uma religião que expressasse a liberdade de crença, por exemplo, seriam características principais desse tipo de vida política sob o domínio de um déspota, mesmo que utopicamente bondoso como o de Mill. Desta forma, como responderíamos à pergunta “qual a melhor forma de governo?”, uma vez que o despotismo benévolo seria descartado. Mackenzie cita que Mill não oferece a resposta para essa pergunta, mas deixa claro que o autor defende veementemente a participação do cidadão na vida pública, honrando assim o serviço público como ápice do homem. Um dos pontos centrais dessa atribuição valorativa superior à participação do homem na vida pública, segundo Mackenzie, é a defesa que Mill propõe da concepção de votação pública. Para ele, grosso modo, a votação pública insere o homem na vida pública, pois suas escolhas a afetam e, além do mais, é uma forma de justificar suas escolhas em nome de um
interesse público, coletivo, e não privado. De certo modo, todos nós, através do voto, podemos exercer alguma função pública. Concebendo seu indivíduo, seu ser humano, diferente do de Platão, Mill enxerga um homem racional que possui projetos a serem cumpridos em longo prazo. Dessa forma, portanto, a vida pública tenderia a trazer tais benefícios a longo prazo. Sob a tutela de um déspota, mesmo que utopicamente bondoso como o sugerido por Mill, fica claro que esse benefício em longo prazo estaria para sempre suprimido e à medida que o tempo passasse o homem entenderia que as dimensões intelectuais, morais e religiosas que ele pode desenvolver estariam sendo bloqueadas pela presença desse déspota. Assumindo o controle da própria vida, cita Mackenzie: “O benefício para a sociedade é que indivíduos livres vao perseguir projetos intelectuais, morais e espirituais que conduzirão ao progresso de todos na sociedade” (p. 117).
Segundo Mackenzie, Mill precisa responder que tipo de governo seria o ideal para a incentivar a participação na vida pública. Passeando pelas altenativas, Mill sugere o comunismo num primeiro momento mas, depois, descarta essa possibilidade por conceber o homem como incapaz de corresponder aos ideais comunistas. Assim, sugere que a melhor forma de governo seria a do governo representativo. Nesta forma de governo, a participação política teria lugar central no que diz respeito ao aprimoramento do homem enquanto ser social. É só a partir dela que poderemos desfrutar, em outro nível, de prazeres superiores que nos são privados por uma vida regulada pelo individualismo. As críticas à concepção de Mill passam desde a necessidade última do governo (que entra em confronto direto com sua concepção de liberdade: – como não intervenção – incrementar o cidadão, ou propiciar condições para que ele se incremente por si mesmo?), à concepção apressada de que todo mundo deveria ser filósofo político. O embate nítido entre duas concepções de liberdade (a proporcionada pela atividade política pública e a de liberdade como espaço de não interferência) também se constitui dessa forma. O difícil nascimento da democracia liberal No que se segue, o autor contextualizará historicamente o processo de construção e consolidação da democracia, remontando aos tempos de transição da idade média à idade moderna e atribuindo à substituição do sistema feudal de governo pelo sistema liberal, uma das principais motivações para a implantação deste último. A democracia, para Mackenzie, nasce de uma necessidade política de renovação, de modernização e suas raízes principais são as transformações sociais e econômicas de produção. Para tanto, nos diz ele, democracia e
capitalismo estão interligados por dois outros termos que parecem traduzir ou, quem sabe, complementálos: liberdade e igualdade. No que diz respeito à liberdade, os ideais atribuídos à democracia eram diferentes dos ideais vistos na sociedade feudal, pois necessitariam assegurar a liberdade dos indivíduos. Para isso, há, segundo o autor, há duas ideias a serem entendidas acerca da liberdade. A primeira é que o governo deve proteger os interesses das pessoas de forma a assegurar que o Estado não invada nossas vidas pessoais. Para isso são criados os direitos individuais que servem como arma contra o estado em toda a sua magnitude. A segunda nos diz que é o Estado quem é livre, por isso as liberdades pessoais e estatais estariam diretamente correlacionadas. Desta forma, a função do estado não mais seria a de garantir a liberdade individual, mas sim a de proteger todos os seus membros e encorajálos a serem bons cidadãos. A primeira é o que poderíamos chamar de perspectiva liberal clássica e a segunda é a concepção republicana cívica de democracia. Ambas acabam por se interseccionarem entre si, terem pontos em comum, mas há diferenças básicas entre as mesmas que evocam uma espécie de confusão no que diz respeito a qual seria o papel do estado no que diz respeito ao tema liberdade: “proteger interesses privados ou fomentar responsabilidade pública? O que é ‘o povo’ do Estado democrático: um grupo de indivíduos isolados ou uma comunidade vinculada por interesses comum? Devemos conceber o bom cidadão como quem simplesmente vive a vida sem infringir qualquer lei, ou como alguém que ajuda a manter a própria polis democrática?” (p. 120)
Para Mackenzie, essas perguntas surgem pelo fato de, muitas vezes, os próprios democratas estarem confusos em relação ao que estão defendendo: a liberdade individual ou a liberdade coletiva. No que tange a igualdade, Mackenzie faz questão de frisar que diferentemente da estrutura política tida no feudalismo, o que o sistema democrático se esforça em estabelecer é que todos somos iguais no que diz respeito à capacidade de conduzir o governo. A contra argumentação a essa perspectiva é que a concepção de que somos todos iguais e igualmente capazes de decidir politicamente, acaba entrando em conflito com a ideia de liberdade anteriormente citada pois, quase necessariamente, a liberdade irá ser suprimida em favor de uma espécie de tirania da maioria. Essa tirania ocorreria, segundo Mill, quando ocorresse casos de má gestão governamental no que diz respeito a ter resultados de curto prazo, por exemplo, dentre outros casos.
Da democracia representativa à democracia deliberativa A democracia, desde seu nascimento, convive com críticas. Muitas delas pelos fatores que mostramos no tópico anterior, mas Mackenzie faz questão de pontuar alguns outros problemas que a democracia enfrenta, algumas críticas internas e externas acerca da forma como o governo é conduzido pela mesma. O próprio ideal de representação, membro inseparável das ditas democracias representativas, para Mackenzie, surge agora como fonte de crítica do próprio sistema e nos aparece problematizada em duas perguntas fundamentais: A representação, em si, é realmente possível? Quem é que está sendo representado? No cerne da crítica à questão de representatividade está a condição de possibilidade dessa representatividade. A afirmação de uma parcela de críticos determina que a representação é impossível de ser conseguida plenamente e que a situação se agrava ainda mais quando o objeto a ser representado é tão enorme quanto um eleitorado. Mackenzie cita Young (2000) para nos mostrar que há uma espécie de paradoxo que permeia o cerne da democracia liberal: Primeiro, consideramos que a representação é necessária. Depois, supomos que a tomada de decisões democráticas requer a participação ativa dos cidadãos. E, por último, entendemos que uma representação só é legítima quando o representante for idêntico ao representado. Para Young, neste caso a representação é impossível. Para ela, no entanto, há uma maneira de livrarmonos de tal paradoxo que é a reconcepção do sentido de representação. Ao invés de entendermos a representação como uma substituição de identidades, entenderíamos como uma relação processual de separação e na diferença. Assim, representante já não seria uma palavra adequada e sim, delegado. Para Mackenzie, no entanto, a ideia do delegado tende a agravar um dos problemas da democracia moderna: a apatia dos eleitores que desembocará inevitavelmente em afastamento do eleitor da vida pública que se verá obrigado a aparecer somente quando for época de escolher um novo delegado. O crescente e visível afastamento do eleitorado da vida política pública tem forçado, segundo Mackenzie, alguns pensadores a procurar alternativas que reinventem a democracia sob pena de, caso não o façam, a distância entre o povo e a vida pública se estabelecerá de maneira gradativa, com tendências sempre ao aumento. Uma das alternativas à democracia representativa até aqui estudada é a concepção de democracia deliberativa que sustenta que o voto não é e não pode ser o suficiente para sustentar a democracia em si. Ao contrário, é necessário que haja a discussão, o debate, entre o povo e que o motor desse debate seja “alcançar um consenso razoável sobre as questões políticas controversas” (2011, p. 124). O papel da democracia, portanto é a resolução de
conflitos através do diálogo racional, tendo como principal interlocutor o filósofo alemão Jürgen Habermas. Habermas, grosso modo, pretende resgatar o ideal democrático do iluminismo. Propondo o debate racional para decidir politicamente, Habermas recorre à linguagem do cotidiano para fundamentar sua tentativa neoiluminista. Para ele, se entendermos os pressupostos da comunicação humana, seremos capazes de compreender o potencial democrático do debate e da discussão. O debate que busca o entendimento, o consenso, no esquema habermasiano, pode ser denominado ação comunicativa. Ela se baseia necessariamente em uma responsabilidade intrínseca ao discurso racional. Pressupõese, portanto, que ao debatermos estejamos inclinados a não nos utilizarmos da razão de forma instrumental, como conseguir vencer um debate que vise a fins pessoais, transformando o debate em uma grande quedadebraço pelo melhor argumento. Ao analisarmos, então, a ação comunicativa, percebemos que mesmo intuitivamente há nos agentes racionais a consideração da possibilidade de um consenso racional, o que constitui para Habermas um dos pontos de apoio de sua retomada iluminista. Para Habermas, no entanto, o uso da linguagem com fins racionais, a busca por um consenso racional, deve ser sempre priorizado em detrimento do uso da linguagem como estratégia. E Habermas defende esse ponto de três maneiras: primeiro não é possível utilizar a linguagem em proveito próprio sem antes utilizála para estabelecer entendimento com o outro. Segundo, a linguagem é essencialmente comunicativa e terceiro, é através da linguagem que reproduzimos o mundo da vida. Ou seja: não há como agir estrategicamente de forma frequente, pois acabaríamos por separar nossos laços com o mundo exterior. Por isso, é crucial que entendamos o que seja um acordo legítimo (baseado na racionalidade) e um acordo ilegítimo (baseado nos meios do dinheiro e do poder, por exemplo). À política, então, estaria interligada a ética pois pressuporíamos agir de forma responsável ao proferir nossos discursos de teor político, uma vez que o nosso objetivo será o do consenso racional, propiciando o surgimento de cooperação social. Mas, e quanto à viabilidade da democracia deliberativa? Ela é viável em sociedades tão complexas quanto as sociedades modernas? Para alguns críticos, a democracia deliberativa constituise de uma utopia. Mas para outros críticos, há meios eficazes de sairse de tal empecilho. O primeiro deles é criando uma sociedade aberta ao debate coletivo através da revigoração das estruturas políticas existentes na atualidade. Os partidos políticos, neste esquema, estariam passíveis de transformação e poderiam funcionar praticamente como o âmbito de mudança imediata rumo a essa conscientização do debate racional, abandonando o papel de máquina burocrática e de formador de alianças partidárias maleáveis. Os júris de
cidadãos também surgem como alternativa para o modelo de democracia deliberativa onde, simplificando, um grupo pequeno de pessoas chegariam a conclusões que possivelmente a população como um todo chegaria, através de inferências. Apesar de os problemas práticos saltarem aos olhos, fica nítido que também há deficiência no resultado final da deliberação: será que ela realmente conduzirá a melhores decisões? Será que o consenso, mesmo após a deliberação, é possível? Agonismo e ordem política Contrastando com a concepção de democracia deliberativa, a concepção radical da democracia desenvolvida por Laclau e Mouffe acusa a versão deliberativa democrática de desvirtuar o próprio sistema democrático no que diz respeito à necessidade intrínseca do dissenso. A democracia, dizem os radicais, é impossível de ser pensada pelo consenso, pois está fundamentada necessariamente no dissenso, tem na discordância sua maior expressão. Qualquer tentativa de excluir a discordância do processo democrático é uma afronta ao sistema. O ideal de comunidade democrática, por consequência, também é tão ilusório quanto a concepção de consenso supracitada. Há, segundo Ranciere, uma impossibilidade de atingirmos uma concepção de identidade única dentro dos moldes pretendidos pelas democracias liberais e deliberativas. Para este autor, é inevitável que um governante agregue uns e exclua outros no processo democrático. Para os radicais, porém, tendo em vista que apesar das discordâncias com as demais concepções, eles ainda defendem a democracia como forma de governo ideal, o objetivo é manter diversidade e pluralismo em boas condições de expressão. No entanto, Mackenzie finaliza o capítulo levantando a questão primeira citada por Platão. Se, segundo o grego, a democracia é um sistema de governo falho e que entrará em colapso, inevitavelmente, além do fato de que só poderá ser resgatada da ruptura através da tirania, como devemos lidar com a multiculturalidade e a impossibilidade de atender a todas as demandas dos indivíduos que compõem a sociedade sem desembocarmos em um retorno à tirania? A fragmentação social sob as máscaras da diversidade e da multiculturalidade como marca exclusiva da proposta radical da democracia, apenas mascara e isenta o Estado democrático de algumas funções que são exclusivas dele, proporcionando uma extensa e descontrolada fragmentação no que tange a ordem política.
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