DEMOCRATIZAR OU ENFRAQUECER O JUDICIÁRIO? UMA ANÁLISE DISCURSIVA DA PEC 33 DIANTE DAS DEMANDAS POLÍTICAS RECENTES NO BRASIL

October 3, 2017 | Autor: Isabela Costa | Categoria: Constitutional Law, Pierre Bourdieu, Democracy
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DEMOCRATIZAR OU ENFRAQUECER O JUDICIÁRIO? UMA ANÁLISE DISCURSIVA DA PEC 33 DIANTE DAS DEMANDAS POLÍTICAS RECENTES NO BRASIL Isabela Costa1 Manoel Uchôa2

Resumo: Este artigo pretende desenvolver uma análise sobre o conflito entre Judiciário e Legislativo em torno da PEC 33/2011. O dispositivo possuía objetivo de democratizar as decisões do Supremo Tribunal Federal, porém findou por ser uma tática para barganha do Legislativo. A questão, então, foi definida por compreender o caráter ambíguo do dispositivo. Ora uma abertura democrática ora um enfraquecimento. Contudo, não será mesmo uma aporia dentro da conjuntura política brasileira que, para ampliar a democracia, é preciso diminuir a jurisdição constitucional enquanto dimensão autocrática e aristocrática. É preciso sopesar os fatores frente a um movimento constitucionalista forte na metade do século XX e a construção de uma alternativa para o Estado de Direito.

Palavras-chave: Emenda; Democracia; Judiciário; Poder.

Introdução Este artigo tem como base a análise crítica do conteúdo da Proposta de Emenda Constitucional de número 33, lançada pelo Deputado Nazareno Fonteles, em função do problema da democratização do judiciário no Brasil. A PEC, proposta em 2011, tinha o objetivo da incorporação de mecanismos de controle do Poder Judiciário, visando a democratização do processo. Haveria a instituição de um mínimo de 3/5 dos votos nas decisões de inconstitucionalidade, além de conferir poder de revisão ao Congresso Nacional das decisões 1

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Isabela Maria Bezerra Costa. Graduanda em Direito pela Universidade católica de Pernambuco. E-mail: [email protected] Manoel Carlos Uchôa de Oliveira. Doutorando no PPGCJ-UFPB. Professor Assistente I na Unicap. Email: [email protected]

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sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição Federal, assim como a revisão e condicionamento do efeito vinculante das súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal. A proposta revela uma tensão entre os dois poderes e antes de investigar os efeitos hipotéticos dessa emenda, é preciso explicar os fatores que levaram a sua proposição. Mesmo rejeitada, a referida PEC expõe o problema político do paradoxo da jurisdição constitucional. Em uma República democrática, as decisões do judiciário, principalmente nos tribunais superiores, são em geral autocráticas. Por isso, impõe-se a questão de se os argumentos enunciados naquela proposta de emenda não poderiam significar alguns avanços na democratização dos processos judiciais. No artigo 60, § 4, III da Constituição Federal de 88 é estipulado como cláusula pétrea a separação dos Poderes, sendo qualquer medida conflitante uma ofensa às normas e à soberania da Lei Maior. O dever do STF, então, deve ser apenas de Legislador negativo, cabendo-lhe o dever de proteção da Constituição contra normas que a ameacem e prejudiquem. O dever do Supremo Tribunal Federal é de analisar casos de inconstitucionalidade das leis apenas quando provocado. Contudo, a postura observada do Supremo adquiriu extrema autoridade, englobando ações que ferem os próprios princípios constitucionais. Situações como o conflito de terras indígenas em Roraima, no caso Raposa Serra do Sol, o STF, a partir de um caso concreto e específico, estipulou 19 condicionantes que teriam repercussão nacional, passível de aplicação em todos os conflitos territoriais dessa natureza. No acórdão da Pet 3.388, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito declara a sua posição sobre a necessidade de que "os argumentos dedutivos pelas partes também são extensíveis e aplicáveis a outros conflitos que envolvam terras indígenas" e ainda afirma: "A decisão adotada neste caso, certamente vai consolidar o entendimento da Suprema Corte sobre o procedimento demarcatório com repercussão também para o futuro(Pet 3.388-AgR na RTJ 200/1111. Página 144). Situações de inobservância com os direitos dos indígenas, existem mesmo com a abrangência do texto constitucional, que reconhece, no artigo 129, V, como função do Ministério Público "defender judicialmente os direitos e deveres das populações indígenas", e no artigo 231, a "organização social, costumes, línguas, crenças e tradições", juntamente com as especificações da demarcação e formas de uso do território, direitos também garantidos pelo artigo 232, mas ainda há uma enorme lacuna entre a prática e o texto normativo.

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Os constantes problemas existentes entre fazendeiros e indígenas sobre as terras no Brasil certamente criaram a necessidade de uma nova regulamentação da divisão das terras, porém a crítica a ser feita é de como foi formulada. Resoluções de casos concretos não deveriam ser utilizadas para todos os problemas semelhantes sem antes passar por um claro debate nacional.3

1 Neoconstitucionalismo e judicialização ou "a fome e a vontade de comer" Com o clima pós segunda guerra, o movimento neoconstitucionalista surgiu em todo o mundo. O movimento surge como além de um fenômeno estritamente jurídico, mas como um marco histórico, filosófico e sociológico que buscou uma nova visão do direito e uma nova preocupação em garantir direitos sociais por muito tempo negligenciados. Tal avanço remete a novas perspectivas da dinâmica de todo ordenamento e da importância da garantia da humanidade do ser. A nova força normativa visa garantir maior força e importância ao texto constitucional, além da defesa da ordem social (OLIVEIRA, Luís Fernando. 2009). A posição construída tem como base a reorientação da Carta Magna para uma economia de poder em que o judiciário empreenderia a concretização da constituição estruturada a partir de seus próprios valores. Na contrapartida da visão lassaliana de, Constituição formal tornou-se um fator real de poder na medida em que os juízes transformam-se em seus agentes. A força normativa da Constituição, segundo Konrad Hesse, só faz sentido atrelada a Vontade de constituição que se sobrepunha a Vontade de poder. Na verdade, aquela vontade penetrou nessa a fim de produzir um projeto de poder para o judiciário, enunciado e registrado na Constituição: Mas, a força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente (individualle Beschaffenheit der Gegenwart). Embora a Constituição possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transfoma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral - particurlamente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional (grifo nosso) -, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). (HEESE, 1991, p. 19)

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Tema abordado no Congresso Internacional de Direito Constitucional. 25 anos da Constituição Brasileira, pelo Professor Cláudio Pereira de Souza Neto.

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Na Europa, a reformulação do poder e importância da Constituição buscava segurança aos direitos e, por isso, deixou de ser pretensamente uma carta política para ser a Lei Maior do ordenamento. A Alemanha, como grande precursora dessa nova organização estatal, iniciou seu movimento principalmente com a criação dos Tribunais Constitucionais, instalados em 1951, desembocando em um significativo aumento da produção teórica e jurisprudencial. Seguida também pela Itália, que instalou suas Cortes Constitucionais em 1956, e Portugal e Espanha, que saiam dos governos totalitários de Salazar e Franco, para entrar em uma nova estrutura de ordenamento. Esse processo, fomentou um significativo desenvolvimento do pensamento e debate sobre a estrutura do novo direito (BARROSO, 2009). Nesse sentido, a fórmula fundamental foi instituir o direito de dizer a constituição para tais tribunais. Por sua vez, construiriam um discurso técnico para garantir um dispositivo de segurança ao arbítrio estatal. Contudo, seria o arbítrio dos juízes a definir os parâmetros técnicos da concretização constitucional. Obviamente, onde havia vontade passa a funcionar regra, estruturalmente determinada pelas volições. No Brasil, após a ditadura militar, com as eleições de 1986 seguidas pela abertura da Assembléia Nacional Constituinte de 1987, a redemocratização surge e junto a ela o pensamento neoconstitucionalista. O anseio popular era pela materialização e fixação dos direitos do cidadão, e mais ainda pelos problemas fora de seu alcance. Por esse motivo, a nova Constituição abarcou normas além das tipicamente constitucionais, atendendo a pressão dos mais variados grupos sociais (FAUSTO, 2012. p. 446). "Em um país cujas leis valem pouco, os vários grupos trataram assim de fixar o máximo de regras no texto constitucional, como uma espécie de maior garantia de seu cumprimento". (FAUSTO, 2012. p. 446) O sentimento de medo de uma nova privação dos direitos jurídicos fez a população buscar a garantia deles em uma documento forte e supremo, que serviria de base material e formal à produção normativa brasileira, que trouxe avanços não só nos direitos sociais, mas aos individuais, tornando-se assim um marco do fim do regime autoritário no país. Contudo, criticas devem ser feitas à volta do regime democrático brasileiro. Boris Fausto coloca: O fato que tenha havido um aparente acordo geral pela democracia por parte de quase todos os atores políticos facilitou a comunidade de práticas contrárias a uma verdadeira democracia. Desse modo, o fim do autoritarismo levou o país mais a uma "situação democrática" do que a um regime democrático consolidado. (FAUSTO, 2012. p. 446)

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A constitucionalização por sua vez adquiriu um poder simbólico justamente na disputa pelo monopólio do Direito. Dizer o que é a Constituição passou a ser a chave para a conquista do espaço jurídico. Nesse ponto, Pierre Bourdieu é um facilitador para compreender este fenômeno na construção do campo jurídico: A constituição de uma competência propriamente jurídica, mestria técnica de um saber frequentemente antinômico das simples recomendações do senso comum, leva à desqualificação do sentido de equidade dos não especialistas e à revogação da sua construção espontânea dos factos, da sua "visão do caso". O desvio entre a visão vulgar daquele que se vai tornar "justificável", quer dizer, num cliente, a visão científica do perito, juiz, advogado, conselheiro jurídico, etc., nada tem de acidental; ele é constitutivo de uma relação de poder, que fundamenta dois sistemas diferentes de pressupostos, de intenções expressivas, numa palavra, duas visões de mundo. Este desvio, que é o fundamento de uma desapossamento, resulta de facto de, através da própria estrutura do campo e do sistema de princípios de visão e de divisão que sera inscrito na sua lei fundamental, na sua constituição, se impor um sistema de exigências cujo coração é a adopção de uma postura global, visível sobretudo em matéria de linguagem. (BOURDIEU, 1999, p. 226)

Ora a primeira cisão realizada pelos juristas em geral, é entre profissionais e profanos. O critério para tal distinção reside no saber e na formação bacharelesca, fomentados por seus agentes. O vulgo pode até ler as leis ou a Constituição. Contudo, não lhe é concedido a capacidade de interpretá-las. Mais uma vez, então, dobra-se o conflito, agora, no interior do campo jurídico. A duplicação que havia sido realizada anteriormente reelabora-se dentro do Direito. A disputa entre seus agentes se dá pelo monopólio do direito de dizer o direito. A retórica constitucionalista, por sinal, não é outra coisa que não um projeto para a conquista e manutenção desse monopólio. Os Tribunais Constitucionais edificam um discurso de conformidade à Constituição que, mesmo não escrita por eles, será interpretada (leia-se: reescrita) por eles.

2.1 A nova postura do Poder Judiciário Com a necessidade de garantia dos direitos individuais tomada como essencial, o Poder Legiferante, porém, por todo o histórico de lideranças autocráticas, já não demonstrava a segurança necessária para isso. A responsabilidade, então, foi passada para o Poder Judiciário, conferindo-lhe o papel de protetor da Constituição e dos direitos inalienáveis do cidadão, aumentando assim o seu poder de atuação. Contudo, tal Poder não possuía balizas menos autocráticas.

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O novo papel jurídico amparado por lei e a grande expansão do Poder Judicante, por consequência, trouxeram problemas contra a própria democracia. Dois desses problemas são o ativismo judicial e a judicialização da política. Em primeiro momento, é preciso explicitar como essas duas questões surgiram e quebraram com preceitos fundamentais do ordenamento. O ativismo é traduzido como um comportamento observado no Poder Judicante, em certo sentido, sendo um risco ao princípio democrático, mas, segundo o próprio Poder, focado na preservação da supremacia constitucional. O dilema consiste em perceber em que medida a democracia consiste em fundamento do Estado de direito, mas permanece sob julgo do poder constituído. A postura apresentada, porém, mostra uma preocupação não apenas com a integridade constitucional, mas com a centralização da interpretação do Poder Judiciário que mostra uma desmedida reivindicação de poder. A falta de mecanismos de controle resulta numa ação de extrema proteção da sua competência e exclusiva interpretação, formulando assim uma ofensa à democracia, à soberania popular e à separação dos Poderes. Tal postura é observada, sobretudo, no domínio da "última palavra" pelo STF nas questões de controle de inconstitucionalidade. As decisões do Supremo não são submetidas ao controle popular, mas a pessoas ligadas ao sistema judiciário apenas, criando o monopólio das decisões centrado em uma elite governamental. A aprovação da Emenda Constitucional 45, que adicionou o artigo 103-A, deu a capacidade ao Supremo de aprovar súmulas "que a partir da sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal" (PEC 33. P. 1-2). Com isso, as normas tornaram-se abertas ao intérprete, que indiretamente impõe os limites da separação dos Poderes. Como dizia Hoadly (1986), quem tem a autoridade para interpretar qualquer lei é o verdadeiro legislador, e não a pessoa que primeiro a criou. A livre construção do direito, concedida ao Supremo, causa uma liberdade interpretativa que é fomentada pela flexível e subjetiva interpretação judicial. Tais ações caracterizam o protagonismo adquirido pelo Poder Judiciário ao expandir suas competências, englobando, até, áreas que pertencem ao Legislativo. Por isso, o discurso da necessidade da comunicação entre os Poderes, defendida na Proposta de Emenda Constitucional, foi formado.

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A flexível decisão judicial tornou cinzento o limiar entre o Judiciário e Legislativo. A partir de uma perspectiva foucautiana, podemos fazer analisar as ações do Judiciário que reforça seu caráter governamental em contrapartida da sua imagem de instituição técnica e produz um efeito transversal na dinâmica desses conflitos, mas não meramente como um conflito de campo como Bourdieu o pensou, isto é, uma disputas no campo jurídico entre os agentes instituídos pelo monopólio do poder de dizer o Direito. Em contrapartida, não está em disputa o monopólio do dizer, mas a forma de conduzir as dinâmicas institucionais e populacionais. As estratégias do Judiciário não o conduzem a uma hegemonia, visto que não possui mecanismos legais para atuar plenamente na produção legal, nem mesmo na administração dos negócios públicos. A organização dos conflitos mesmo está em jogo. O poder instaura a produção de uma visão totalizante a partir de saberes dominantes que submetem outros saberes, acumulando-os e alocando-os, onde as práticas jurídicas articulam nesse conflito a produção da verdade socialmente construída. Então, o Poder Judicante passa a reproduzir a governamentalidade característica dos outros poderes, e o direito passa a ter um caráter econômico em que cada decisão partilha de uma estratégia política para reorganizar o espaço da verdade no Estado. De quem irá decidir qual será a verdade. A ampliação incontrolável da jurisdição do judiciário, que não sofre o controle democrático como os demais poderes, tem permitido ao órgão ter o poder de estabelecer regras sobre questões políticas e sociais que deveriam passar também pelo crivo popular. A possibilidade de cair em decisões embasadas em doutrinas e desejos vinculados a grupos dominantes e restritos de interesse deve ser alvo de atenção, pois faz surgir um paradoxo constitucional: O órgão que tem o dever de zelar pela integridade dos princípios constitucionais, de salvaguardar os direitos do cidadão e a soberania popular fere em sua atuação vários desses princípios. Como coloca Jeremy Waldron: Em tais circunstâncias o Poder Judiciário, sem legitimidade popular eletiva, recebe incentivo para se tornar casa legislativa revisora de leis e fonte normativa subsidiária na pressuposição de omissão legislativa, configurando direta afronta à democracia e a capacidade de participação política do povo. (WALDRON, 2004, p. 295)

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A intervenção do STF é tão ampla e presente, que praticamente todos os trâmites legais no país necessitam de sua intervenção. Segundo Oscar Vieira, essa postura mostra, além da grande fortaleza criada pela instituição, os sintomas de uma crise, para não dizer degradação, do sistema democrático, que hoje depende desse novo "Poder Moderador" para funcionar (VIEIRA, 2007). O casuísmo das decisões e o ativismo judicial claramente montam essa ideia de Poder Moderador citada, ao alargar sua atuação deliberadamente, atacando assim, a teoria da tripartição dos Poderes. A deficiência da atuação legislativa abre espaço para esse "desvirtuamento do Poder Judiciário" ( SILVA, 2010) e a transformação do Supremo Tribunal Federal em um "Superlegislativo" (CALAMANDREI, 1950). Essa crise no sistema normativo vem da grande ampliação da matéria constitucional, que acabou por reduzir o espaço legislativo. Como coloca Oscar Vieira: A equação é simples: se tudo é matéria constitucional, o campo de liberdade dado ao corpo político é muito pequeno. Assim, qualquer movimento mais brusco gera um incidente de inconstitucionalidade e, consequentemente, a judicialização de uma contenda política. (OSCAR, 2009)

O excesso de sentenças normativas para quase todos os impasses jurídicos, sem uma instância superior de restrição e regulamentação, conferem ao STF uma postura inédita de autonomia, e essa "justiça independente é um corpo estranho ao Estado democrático" (ZUCK, 1990), pois fere claramente a autonomia dos Poderes.

3 A PEC 33 para democratização do Judiciário Para extinguir essas questões, com a aprovação da PEC 33, o uso indisciplinado das súmulas vinculantes pelo STF, resultando nessa invasão do Poder Judiciário no Poder Legislativo, sofreria reformas. A revisão e aprovação da súmula passaria, então, pelo Congresso Nacional, para assim possuir efeito erga omnes. Com uma maior participação do Congresso, a PEC visa uma maior participação popular, em primeira instância pelos representantes do povo e em segunda, se necessário, por meio de plebiscitos.

A

Emenda

ainda

visa

uma

maior

homogeneidade

nas

decisões

de

inconstitucionalidade no Supremo Tribunal e no Congresso Nacional, aumentando o número mínimo de votos para aprovação ou veto.

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A redação do artigo 97 da CF define que somente pelo voto da maioria absoluta dos membros do respectivo órgão especial que poderá ser declarada a inconstitucionalidade de alguma lei ou ato normativo. A alteração proposta traria a necessidade de quatro quintos dos membros. Outra mudança, no artigo 103-A que trata do processo de aprovação de Súmula Vinculante, traria a mudança do número de votos, passando de dois terços para quatro quintos. A solução apresentada pela PEC seria, então, de submeter as decisões de inconstitucionalidade ao Congresso Nacional, ao mudar a redação dos artigos 102 e 103-A, para restringir o efeito vinculante das decisões apenas após aprovação do Congresso. O deputado Fonteles argumenta que a comunicação entre os Poderes, que seria instaurada, iria causar a democratização desejada no processo. E, como citado, tendo o plebiscito, regulado pela nova redação do artigo 102, como outro mecanismo a ser utilizado. Com isso, a força popular iria ser intensificada, direcionando também a atuação da representação popular. Outra consequência da aprovação da Emenda seria fatalmente a reconquista do espaço perdido pelo Legislativo. A alteração constitucional proposta também adicionaria 3 incisos no art. 103-A. Eles regulamentariam a atuação do Congresso, que teria 90 dias para decidir em sessão conjunta, com maioria absoluta, sobre o efeito de qualquer súmula e caso contrário, a não deliberação resultaria na sua aprovação tácita. Além diso, o ato administrativo ou decisão judicial que contráriasse o conteúdo de qualquer súmula formalmente aprovada caberia reclamação ao STF, que se julgada procedente, anularia tal ato ou decisão.

3.1 O Congresso Nacional Mas como reunir a necessidade de democratização nesses processos com a Proposta da Emenda na situação crítica que é constituída o cenário politico brasileiro? Se por um lado existe o super controle de um Poder, por outro temos esquemas de corrupção como uma característica de governo. Somado a isso, os vícios dos representantes políticos na produção legislativa causam uma visível fragilização normativa indispensável de fiscalização. A lacunas na lei são previstas no próprio ordenamento. Segundo o artigo 126 do Código de Processo Civil, "o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade na lei", e caso não haja normas legais, "recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito", e o artigo 5 da Constituição Federal concede mandados de injunção

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"sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício do direito e das liberdades constitucionais".Com as omissões previstas em lei, se perfaz necessária uma postura proativa do STF diante da inércia do Poder Legislativo (BARROSO, 2009). Questão emblemáticas como a falta de regulamentação do direito a greves e a união homoafetiva, claramente impedem o livre exercícios dos direitos constitucionais, e coube ao Supremo Tribunal a decisão sobre tais impasses. O direito a greve, concedido no artigo 37, VII, CF 88, levou o Supremo utilizar-se do Mandado de Injução para aplicar a Lei nº 7.783/89, tanto ao setor público quanto ao privado, com aplicação imediata, visando resolver a lacuna existente até a chegada de lei específica (ZACHARIAS, 2010). Gilmar Mendes ratifica: "O Tribunal adotou, portanto, uma moderada sentença de perfil aditivo, introduzindo modificação substancial na técnica de decisão da ação direta inconstitucionalidade por omissão" (Cf. MI 712, Rel. Min. Eros Grau, MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, e MI 670, Rel. P/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 25.10.2007, inf. 485/STF). Sobre a postura ativista necessária do Poder Judicante, Pedro Lenza (2012) afirma: Não se pode admitir que temas importantes como o direito de greve dos servidores públicos, por exemplo, possam ficar sem regulamentação por mais de 20 anos. O Judiciário, ao agir, realiza direitos fundamentais, e, nesse sentido, as técnicas de controle das omissões passam a ter efetividade.

Sobre a questão da união homoafetiva, a omissão legislativa na questão levou o julgamento pelo STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, e reconheceram a união entre casais do mesmo sexo, mudando o entendimento do artigo 1.723 do Código Civil, garantindo assim os direitos do cidadão arrolados no artigo 5 da CF. A omissão do legislador, a ineficácia dos partidos políticos, a ação dominadora de grupos de interesses traduzem-se na ausência de políticas públicas eficazes, lacunas no ordenamento por generalidades e leis em branco que fomentam uma crise, apresenta na medida em que é necessária a detenção de controles políticos na produção normativa, mas cai fatalmente em um arbitrário super-controle, porém ainda necessário. Por isso, a tentativa de submeter ao Congresso as decisões sobre a inconstitucionalidade das leis não traria, na prática, nenhuma democratização efetiva, podendo ser meramente um instrumento de manipulação e interferência para Congresso Nacional.

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A importância do Poder Legislativo, e dos próprios políticos e partidos, seria revigorada e traduzida, fatalmente, na continuação de ofensas ao princípio democrático por meio de aprovação de medidas tendenciosas visando um restrito grupo dominante. Portanto, é preciso dispor os mecanismos propostos na emenda em relação aos agentes que propõem sua utilização. Além disso, o discurso de democratização deve ser compreendido num caráter duplo: ora uma abertura das instituições, nesse caso o judiciário, para a participação popular e maior legitimidade; ora como tática de dissimulação dos interesses de grupos políticos.

Conclusão A disputa entre os dois Poderes revela a forma de produção da verdade em um estado de direito. As forças que interagem em cada uma das instituições trabalham para organizar o espaço do verdadeiro. Na medida em que o Judiciário invade o espaço do Legislativo, o conflito passa a gestar a produção de decisões que tem por escopo a governança e a centralização do poder. Na atual conjuntura brasileira, há uma demanda por afirmação do poder popular. O novo cenário de protestos contra os escândalos parlamentares e a negligência com as necessidades básicas da população, não incluem apenas um reajuste que nada trará de benefícios. Em síntese, é perceptível que a crise não concentra-se apenas em um órgão específico, mas em todos eles. O sistema político e punitivo brasileiro necessita de uma completa reconfiguração de suas bases, com a inserção social nas decisões governamentais, para só assim alcançar o desenvolvimento pleno, econômico e social, almejado. Por isso, é preciso analisar os mecanismos que afetaram ou afetarão todo esse processo democrático e constitucional. Mas para isso, é necessário refletir sobre os seguintes questionamentos: Os dispositivos emendados visariam uma reconfiguração entre os Poderes? Na atual conjuntura do Estado constitucional brasileiro, é possível uma democratização efetiva de suas instituições? E como ela se daria? São perguntas que devem ser avaliadas ainda que a PEC 33/2011 tenha sido abortada. A importância do Legislativo e do Judiciário, com o Supremo Tribunal Federal, são concretas, porém num Estado Democrático de Direito, a supremacia popular e o valor da representação política devem perpassar as instituições estatais e vontades individuais.

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