DEPOIS DA DITADURA BRASILEIRA (1964-1985): o filme BATISMO DE SANGUE como partida para reflexões sobre o direito à memória e verdade

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DEPOIS DA DITADURA BRASILEIRA (1964-1985): o filme BATISMO DE SANGUE como partida para reflexões sobre o direito à memória e verdade Inês Virgínia Prado Soares1 1. Justificativa: A história recente do retorno do Brasil à democracia (a partir de 1985) pode ser trabalhada em sala de aula e pelos operadores do direito sob diversos enfoques: constitucional, administrativo, penal, de patrimônio cultural (ambiental), filosofia do direito, sociologia do direito, dentre outros2. Batismo de Sangue traz a história de um frei dominicano que foi uma vítima fatal da ditadura militar brasileira (1964-1985). O filme escolhido permite que, a partir da história real de um religioso que foi barbaramente torturado, sejam apresentados conceitos e reflexões jurídicas que permeiam distintas áreas do direito: direitos humanos - conceito de justiça de transição e desdobramentos possíveis no caso brasileiro, e concepção do direito à memória e verdade como direito fundamental; direito administrativo - responsabilidade civil do Estado democrático e do agente público por atos de violência cometidos durante a ditadura; e direito ambiental/patrimônio cultural - a memória sobre a recente história do nosso país como bem cultural. A Justiça de Transição é um tema da ciência política (MEZAROBBA 2009, BICKFORD 2004 ELSTER) que começa a ser incorporado na agenda de direitos humanos brasileira, e precisa ser compreendido pelos operadores do direito3. Sob a ótica da necessidade de reparação das vítimas e atendimento de suas expectativas, a Justiça de Transição é identificada como instituto típico da passagem de um período de graves violações dos direitos humanos para outro, cuja expectativa é de garantia de direitos e de consolidação de valores democráticos. A Justiça de Transição tem como eixos a verdade, memória, justiça, reparação e reformulação das instituições. Além da discussão do conceito, é interessante apresentar, a partir da história de Frei Tito e dos outros presos políticos retratados no filme, a importância da efetividade dos direitos à memória, à verdade e à justiça. A responsabilidade do Estado democrático por atos praticados no regime anterior (autoritário) pode ser um dos pontos explorados na discussão dos desdobramentos da história apresentada no filme. Frei Tito, que se suicidou em 1974, foi considerado legalmente (Lei dos Mortos e 1

Mestre e Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pesquisadora de Pós Doutorado junto ao Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), Procuradora da República em São Paulo. Autora do livro Direito ao (do) Patrimônio Cultural Brasileiro, Editora Forum, 2009 2 Meus agradecimentos a Maurice Politi pela generosa revisão desse texto. Maurice Politi , do Núcleo de Preservação da Memória Política ( http://www.nucleomemoria.org.br/conheca/ ), conviveu com os Freis Dominicanos na prisão, e hoje é um militante na defesa dos direitos humanos, especialmente do Direito à Memória, à Verdade e à Justiça. 3 Para compreensão do que é justiça de transição ver: http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index.php?page=Justi %C3%A7a+de+transi%C3%A7%C3%A3o .

Desaparecidos Políticos) uma vítima fatal da ditadura, com o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, da responsabilidade por sua morte. Esse reconhecimento foi decorrente de lei. Ao mesmo tempo, os torturadores de Frei Tito nunca responderam por suas atrocidades no âmbito criminal ou cível, embora, neste último enfoque, fossem agentes públicos causadores de prejuízo à União (pelo pagamento de indenização à família do religioso). A terceira abordagem é a importância dos bens e manifestações culturais para os direitos humanos, tanto para compreensão do passado, como para a garantia de não repetição das atrocidades (consolidação dos valores democráticos). Os bens e as expressões culturais - arquivos públicos e privados, filmes, livros, músicas, manifestações de rua, etc. - tiveram e ainda têm um papel essencial para a revelação do passado de graves violações aos direitos humanos e para a prevenção de fatos semelhantes (Nunca Mais). Nesse sentido, o filme é um bem cultural merecedor de proteção por veicular a história do país e valorizar o direito à memória e à verdade. Ao abordar essa perspectiva, pode-se destacar, também, a importância do acesso às informações e documentos constantes em órgãos ou arquivos públicos para elaboração não apenas de documentários, mas também de obras de ficção.

2. Sobre o filme Batismo de Sangue: a crueldade da Hóstia sagrada Batismo de Sangue é um filme brasileiro lançado em 2006/2007, dirigido pelo cineasta Helvécio Ratton. Foi indicado para Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Maquiagem no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e ganhou os prêmios de Melhor Diretor Festival de Brasília; e de Melhor Fotografia no Festival de Brasília e de Cuiabá; e ainda de Melhor Trilha Sonora no Festival de Cuiabá. É um filme baseado no livro homônimo, escrito por Frei Betto, que foi vencedor do prêmio Jabuti em 1982. Tendo como eixo a história de Frei Tito, um dos jovens frades dominicanos que foi preso político durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), o filme é ambientado no final dos anos 60 e início dos anos 70, período em que o Brasil vivia a fase mais dura desse regime de exceção. A ditadura brasileira foi marcada não somente pela supressão de direitos e práticas estatais de graves violações de direitos humanos mas, principalmente, pela ampla repressão contra cidadãos vistos como opositores do regime militar, por meio de prisões, desaparecimentos forçados, torturas, exílios, homicídios, banimentos, estupros, dentre outras violências. A perseguição e prisão de Frei Tito fez parte da repressão a freis dominicanos que, com base na doutrina cristã, resistiam à ditadura. Esses religiosos estavam ligados à Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo guerrilheiro comandado por Carlos Marighella – ex-deputado federal e um

dos principais opositores do governo. Frei Tito foi preso em 1968, sob acusação de ter alugado um sítio onde se realizou o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna-SP. Em 1969, foi preso novamente, juntamente com outros frades dominicanos. O filme tem sua parte mais densa e violenta ao abordar essa segunda detenção, em 04/11/1969. Nessa ocasião, Frei Tito tinha 24 anos e foi capturado no próprio convento em que morava. Durante 42 dias, ficou detido no DOPS em São Paulo e, sob o comando do delegado Sérgio Paranhos Fleury, foi submetido a diversos tipos de torturas: pau-de-arara, choques elétricos, socos, pauladas, palmatórias, queimaduras de cigarro, entre outras. O desrespeito à sua integridade física se somava à tortura psicológica e humilhações, com explícita agressão à sua religiosidade. Após os dias no DOPS e cerca de 10 a 12 dias no Presídio Tiradentes, foi levado em 17 de dezembro de 1969 para a sede da OBAN, onde o conhecido torturador capitão Maurício Lopes Lima lhe disse: “Agora você vai conhecer a sucursal do inferno”. Nesse retorno às sessões de tortura, agora na OBAN, Frei Tito foi barbaramente machucado. Um dos episódios mais cruéis, foi na sessão na qual teve a boca queimada a ponto de não conseguir falar: os algozes obrigaram-no a abrir a boca para receber a “hóstia sagrada”. Foi após essa atrocidade que Frei Tito tentou o suicídio, cortando-se com gilete. Um documento redigido pelo próprio Frei relata essa atrocidade sofrida (Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, 2007:392): “Na quinta-feira, três policiais acordaram-me à mesma hora do dia anterior. De estômago vazio, fui para a sala de interrogatórios. Um capitão cercado por sua equipe voltou às mesmas perguntas. – Vai ter que falar senão só sai morto daqui – gritou. Logo depois vi que isto não era apenas uma ameaça, era quase uma certeza. Sentaram-me na Cadeira do Dragão (com chapas metálicas e fios), descarregaram choques nas mãos e um na orelha esquerda. A cada descarga, eu estremecia todo, como se o organismo fosse se decompor. Da sessão de choques, passaram-me ao pau de arara. Uma hora depois, com o corpo todo ferido e sangrando, desmaiei. Fui desamarrado e reanimado. Era impossível saber qual parte do corpo doía mais: tudo parecia massacrado. Mesmo que quisesse, não poderia responder às perguntas: o raciocínio não se ordenava mais, restava apenas o desejo de perder novamente os sentidos. Isso durou até às dez horas, quando chegou o capitão Albernaz. Nosso assunto agora é especial, disse o capitão Albernaz, e ligou os fios em meus membros. Quando venho para a OB – disse – deixo o coração em casa. Tenho verdadeiro pavor a padre e para matar terrorista nada me impede. A certa altura, o capitão Albernaz mandou que eu abrisse a boca para receber ‘a hóstia sagrada’. Introduziu um fio elétrico. Fiquei com a boca toda inchada, sem poder falar direito. (...)” .

No livro Direito à Memória e Verdade, sobre esse dias na OBAN, consta que: “Durante dois dias, Tito passou pelo 'pau-de-arara', recebeu choques elétricos na cabeça, nos órgãos genitais, nos pés, mãos e ouvidos. Levou socos, pauladas, 'telefones', palmatórias; enfrentou um 'corredor polonês', foi preso à 'cadeira do dragão' e queimado com cigarros.

Depois de uma noite inteira no pau-de-arara, tentou o suicídio com uma gilete, sendo conduzido às pressas para o Hospital Central do Exército, no Cambuci, onde ficou cerca de uma semana sob tratamento médico. No entanto, em nenhum momento os agentes pararam de torturá-lo psicologicamente. Banido do país em 13/01/1971, em troca do embaixador suíço no Brasil, viajou para o Chile, seguindo depois para a Itália e França. Após algum tempo, instalou-se na comunidade dominicana de Arbresle, onde lutou desesperadamente contra os crescentes tormentos de sua mente, abalada pela tortura. Já no exílio, recebeu condenação da 2ª Auditoria de São Paulo a um ano e meio de reclusão, em 23/02/1973”.

Como transcrito acima, Frei Tito partiu para o exílio, passando pelo Chile e pela Itália antes de se estabelecer definitivamente na França. Em 1973, ele e outros frades foram julgados pelo Superior Tribunal Militar e sentenciados a dois anos de reclusão em regime fechado. As feridas deixadas na alma do Frei Tito não cicatrizaram. Em 07/08/1974, atormentado pelas lembranças dos dias de prisão e tortura, o frade se enforcou em uma árvore nos arredores do convento de La Tourette, na França. O filme retrata este tormento de uma maneira profunda e emocional a ponto de não deixar margem à dúvida quanto à responsabilidade do Estado e dos perpetradores das violências contra ele cometido.

3. Legado de violência da ditadura militar brasileira: o sofrimento do Frei Tito não foi um fato isolado... No Brasil, passamos por uma ditadura militar entre 1964 e 1985. Esse período foi marcado por supressão de direitos e práticas estatais de graves violações de direitos humanos, com ampla repressão contra cidadãos vistos como opositores do regime militar, por meio de prisões, desaparecimentos forçados, torturas, exílios, homicídios, banimentos, estupros, dentre outras violências. No plano jurídico, a transição brasileira se inicia, formalmente, com a promulgação da Lei de Anistia em 19794 e se consolida com a Constituição de 1988. Desde o retorno à democracia, em 1985, o Estado está obrigado a lidar com o legado de violência do regime anterior. A fundamentação jurídica para as obrigações do Estado brasileiro vem sendo construída no plano internacional e interno, a partir de conceitos e ferramentas de direitos humanos. A ONU define a justiça de transição como o conjunto de abordagens, mecanismos (judiciais e extrajudiciais) e estratégias adotado por cada país para enfrentar o legado de violência em massa do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade e para fortalecer as instituições com valores democráticos (não repetição das violações de direitos 4

Lei nº 6.683/79

humanos)5. Ainda no âmbito internacional, sob a ótica da Verdade como direito, o Conjunto de princípios atualizados para a proteção e a promoção dos direitos humanos na luta contra a impunidade6 indica o dever do Estado de garantir todos os meios para que a verdade seja conhecida e, também, de recordar os acontecimentos revelados. Essa normativa considera o direito à verdade como direito inalienável dos povos, que somente se efetiva com o conhecimento da verdade a respeito dos crimes do passado, inclusive sobre as circunstâncias e motivos envolvendo os atos de violência.7 No plano interno, desde o retorno à democracia, há iniciativas do Estado e da sociedade para elucidar o passado e apresentar respostas às demandas para que o legado de violência da ditadura seja tratado de forma mais transparente, com atenção às vítimas e sob a ótica da necessidade de abertura das informações. Esses esforços oficiais e não-oficiais convivem, até hoje, com a impunidade dos perpetradores (por causa da Lei de Anistia de 1979) e com a falta de explicação acerca das circunstâncias e motivos das mortes dos presos políticos, bem como a ausência de informação sobre a localização dos restos mortais dos desaparecidos. Sob o viés documental, o direito à verdade trilhou um caminho que não passou pela formação de um acervo judicial relevante depois do retorno à democracia, principalmente por causa da Lei de Anistia (1979). Assim, não se tem o registro oficial da responsabilização criminal dos que praticaram as mais graves violações aos direitos humanos durante o regime autoritário. Por consequência, falta ao Estado Democrático brasileiro um conjunto documental sobre a apuração da responsabilidade dos agentes públicos nas torturas e outras agressões durante a ditadura. Se há essa lacuna na democracia brasileira, a pesquisa no acervo do Superior Tribunal Militar (STM), ainda durante a ditadura, proporcionou a revelação, pelo projeto Brasil: Nunca Mais (19791985), de acontecimentos nefastos, especialmente as torturas sofridas pelas vítimas. Em 1985, foi lançado o livro Brasil: Nunca Mais8, a partir do acervo integrante do projeto homônimo, capitaneado por D. Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo Jaime Wright. Este livro foi um best seller e foi fundamental ao revelar os acontecimentos mais nefastos ocorridos, como perseguições, assassinatos, desaparecimentos forçados e torturas, além de trazer a público os atos 5

UN Security Council, The rule of law and transitional justice in conflict and post-conflict societies. Report SecretaryGeneral , S/2004/616, 23 August 2004, Transitional Justice, parágrafo 8, p.4 6 UN Commission on Human Rights, Report of the independent expert to update the Set of Principles to combat impunity, 18 February 2005, E/CN.4/2005/102. Disponível em Acesso em 01/09/2009. Ainda de acordo com este documento, o conhecimento, por parte da sociedade, da história de determinado período de opressão constitui patrimônio público, cabendo ao Estado preservar a memória coletiva e evitar que surjam teses revisionistas ou de negação dos fatos. Além disso, o exercício pleno e efetivo do direito à verdade pro porcionaria salvaguarda fundamental contra a repetição de tais violências. 7 Juan Mendez destaca que o dever estatal de garantir o direito à verdade não é uma alternativa à obrigação de investigar, processar e punir, mas sim uma obrigação autônoma, que não comporta discricionariedade no seu cumprimento. Juan Méndez, Derecho a la verdad frente a las graves violaciones a los Derechos Humanos, disponível em http://www.aprodeh.org.pe/sem_verdad/documentos/ Acesso em 04.fev.10. 8 O livro foi reimpresso vinte vezes somente nos seus dois primeiros anos de vida, e em 2009 estava na sua 37ª edição (2009).

praticados nas delegacias, unidades militares e locais clandestinos mantidos pelo aparelho repressivo no Brasil. Esse projeto teve início na transição para a democracia, em 1979, logo após a aprovação da Lei de Anistia. Neste momento, foi possível que advogados de presos e exilados políticos tivessem acesso aos arquivos do STM, para preparar petições de anistia em nome de seus clientes. A oportunidade de acesso foi aproveitada pelos defensores para fotocopiar o maior número possível de processos e, assim, garantir um registro do terror praticado pelo Estado, a partir de uma fonte oficial, o STM. Em 2011 foi lançado o projeto Brasil Nunca Mais Digital9, com a finalidade de digitalizar o restante dos documentos do projeto original, bem como cerca de 4 mil documentos do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), relacionados com o financiamento do projeto e com o momento histórico em que o projeto se desenvolvera. A Lei de Acesso a Informações (Lei 12.527/11) trouxe mudanças positivas no acesso aos documentos e dados públicos, com dispositivos que prestigiam a gestão transparente de dados e documentos pelos órgãos e entidades do poder público (art. 6º) e o amplo acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais (art.21). Uma das principais novidades para defesa dos direitos humanos é a previsão de que não cabe qualquer restrição ao acesso a informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas (art.21 §1º); e também de que a restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância (art. 31 § 4°). A lei regulamenta o tratamento e classificação de informações sigilosas (artigos 24 e 35), com a previsão do prazo máximo de 25 anos para restrição no acesso a documentos públicos (art. 24 §1°), podendo se estender até 50 anos no caso das informações classificadas como ultrassecretas (art.35 §1° III); e de 100 anos para documentos sigilosos em razão da proteção da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas e (art. 31, §1°, I). A existência de histórias de vítimas do regime ditatorial ainda não reveladas e conhecidas, a necessidade de localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos e, ainda, os obstáculos na revelação do teor dos documentos do período (ainda sob sigilo) são exemplos que realçam a importância do acesso a todas as informações sobre o período, tanto as oficiais (constantes em arquivos públicos ainda não acessíveis) como as manifestações e bens culturais que veiculem

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Maiores informações em http://www.prr3.mpf.gov.br/bnmdigital/, acesso em 21.09.2011

informações e dados que permitam a construção da verdade, tais como arquivos, memoriais, bibliotecas, objetos de arte, produções literárias, teatrais e musicais dentre outros. É importante destacar iniciativas que projetem e promovam a gestão de monumentos e locais que lembrem as atrocidades do passado e as violações de direitos humanos 10. Estes locais, chamados de Lugares de Memória11, devem ser projetados e geridos de maneira que as lembranças da violência sirvam para a cultura de direitos humanos, atendendo à finalidade de educar a comunidade e de proporcionar reflexões que conduzam à não-repetição (reiterando a expressão "Nunca Mais")12. O Memorial da Resistência é uma experiência brasileira exitosa nesse sentido 13; é um bem cultural incorporado à cidade sendo o sexto museu mais visitado na cidade de São Paulo (5.000 visitantes/mês)e que atua na divulgação do que foi o período da ditadura e na defesa de valores e princípios democráticos. O Memorial é mencionado pelos pesquisadores como um local que conseguiu inverter o seu uso original, de repressão, para ceder lugar às memórias dos ex-presos, agora protagonistas. A partir dessas memórias, a resistência foi valorizada como elemento de ligação entre o trágico passado e a atual experiência democrática. Instalado no antigo edifício sede do DEOPS/SP e hoje integrado à Pinacoteca em São Paulo, capital, o Memorial da Resistência reflete um programa museológico estruturado em procedimentos de pesquisa, salvaguarda e comunicação relativas aos bens culturais, orientados em eixos temáticos que evidenciam as amplas ramificações da repressão e as estratégias de resistência, com as seguintes linhas de ação: Centro de Referência, Lugares da Memória, Coleta Regular de Testemunhos, Exposições, Ação Educativa e Ação Cultural14. Na Argentina, há muitos Lugares de Memória, mas o caso da Escuela de Mecánica de la Armada-ESMA é um dos mais emblemáticos. Este lugar é reconhecido como tal após propositura de declaração de inconstitucionalidade da demolição da Escuela de Mecánica de la Armada em 1998. A Justiça reconheceu a obrigação do Estado de resguardar qualquer documentação ou testemunho que pudesse integrar dados para a reconstrução da verdade e reconhecimento do caráter de patrimônio cultural destes locais. Esta decisão colaborou com a intenção de instalar, em âmbito público, a ideia de um museu sobre o terrorismo do Estado e, progressivamente, a de sua 10

No âmbito federal, o PNDH3, em sua Diretriz 24 - Preservação da memória histórica e a construção pública da verdade – estabelece como ação para cumprimento do objetivo estratégico de incentivar as iniciativas de preservação da memória histórica e de construção pública da verdade sobre períodos autoritários, a criação e manutenção de museus, memoriais e centros de documentação sobre a resistência à ditadura. 11

Para saber mais, ver: Inês Virginia Prado Soares e Renan Quinalha, Lugares de Memória: bens culturais?, in Olhar Multidisciplinar sobre a Efetividade da Proteção do Patrimônio Cultural, Sandra Cureau, Sandra Akemi Shimada Kishi, Inês Virgínia Prado Soares e Claudia Marcia Freire Lage (coodenadoras), Editora Forum, 2011. 12 Ver: http://memoryandjustice.org/article/never-again-memorials-and-prevention/ acesso em 05.02.10 13 Este Memorial é o único do país que participa da Rede Latinoamericana de Sítios de Consciência. Maiores informações, ver: http://www.sitesofconscience.org/recursos/networks/south-america/es/ 14 Cf informações constantes no site: http://www.pinacoteca.org.br/?pagid=memorial_da_resistencia, acesso em 05.02.10

localização no prédio da ESMA15, que hoje está aberta à visitação do público e é ocupada pelos diferentes organismos de direitos humanos. O filme Batismo de Sangue é um dos muitos filmes que nos ajudam a compreender o passado e a lidar com o legado de violência deixado pela ditadura. Outros filmes brasileiros que abordam o tema com beleza e qualidade são: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, 2006, dirigido por Cao Hamburger; O Que É Isso, Companheiro?, 1997, dirigido por Bruno Barreto, com roteiro parcialmente baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira, escrito em 1979; Pra Frente Brasil, 1983, dirigido por Cacá Diegues; Cabra Cega, 2005, dirigido por Toni Ventura; Ação Entre Amigos, 1998, dirigido por Beto Brant; Zuzu Angel, 2006, dirigido por Sérgio Rezende, Sônia Morta e Viva, 1985, dirigido por Sérgio Waisman; Vala Comum, 1994, documentário de João Godoy; Que bom te Ver Viva , 1989 e Uma Longa Viagem, 2011, ambos dirigidos por Lucia Murat. O filme Zuzu Angel foi baseado em uma história real. Há também um livro, de 1987, escrito por Virginía Valli, intitulado “Eu, Zuzu Angel, procuro meu filho – a verdadeira história de um assassinato político”, que também conta a busca desesperada da mãe pelo seu filho. Em 1977, Chico Buarque e Miltinho compuseram uma música em homenagem a Zuzu Angel. Na letra, há menção a uma das versões existentes para o desaparecimento do corpo do filho Stuart – jogado de helicóptero no Atlântico: Quem é essa mulher Que canta sempre esse estribilho Só queria embalar meu filho Que mora na escuridão do mar Quem é essa mulher Que canta sempre esse lamento Só queria lembrar o tormento Que fez o meu filho suspirar Quem é essa mulher Que canta sempre o mesmo arranjo Só queria agasalhar meu anjo E deixar seu corpo descansar Quem é essa mulher Que canta como dobra um sino Queria cantar por meu menino Que ele já não pode mais cantar As homenagens a Zuzu Angel ecoaram para além das iniciativas não-oficiais. Além do filho, Zuzu Angel, que morreu em 14/04/1976, em um acidente automobilístico, foi considerada vítima da ditadura pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (Processo n. 237/96). Em uma referência a outra música de Chico Buarque, James Green, no livro “Apesar de Vocês: oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985” (Companhia das Letras, 15

Ainda na Argentina, outro caso emblemático é o do Edificio de Virrey Cevallos, onde funcionava um centro clandestino de detenção subordinado à Força Área Argentina. O edifício foi declarado patrimônio histórico em outubro de 2004 (Lei 1.505 da Legislatura da Cidade de Buenos Aires).

2009), traz as peças-chaves sobre o movimento internacional de denúncia e repúdio à desumanidade desse regime brasileiro. No livro é mencionada a luta desesperada de Zuzu Angel para encontrar seu filho. 4. O reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileira pelo suicídio de Frei Tito Em 1995 e 2002 são editadas leis que reconhecem a responsabilidade do Estado brasileiro pelas atrocidades cometidas e traçam o programa brasileiro de reparação aos dois grupos de vítimas da ditadura militar: os familiares dos mortos e desaparecidos e os “anistiados políticos”. Certamente, um dos legados mais nefastos dessa época são as vítimas do regime, sejam as fatais, cerca de 500 mortos e desaparecidos, sejam as vítimas sobreviventes, mais de 56.000 perseguidos e ou políticos (dentre os quais muitos torturados). Esses números de vítimas são números oficiais, produzidos e divulgados pelas Comissões instituídas legalmente, que atuam no âmbito do Governo Federal: a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP (1995) e a Comissão de Anistia (2001). Os familiares de Frei Tito foram reparados com base na Lei de Mortos e Desaparecidos Políticos (Lei nº 9.140/95), a partir do trabalho da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos -CEMDP. Essa lei reconhece a responsabilidade do Estado pelas mortes e desaparecimentos forçados de vítimas da ditadura e prevê a criação e funcionamento de uma Comissão - a CEMDP - para analisar as denúncias de outros desaparecimentos ou mortes. A lei também prevê indenizações financeiras para os familiares e permite iniciativas de reparação simbólica das memórias das vítimas. A criação da CEMDP acontece dentro de contexto que representa um marco para a justiça de transição no Brasil. Além de instituir a Comissão, a Lei dos Desaparecidos

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reconhece, pela

primeira vez, a responsabilidade do Estado brasileiro em relação aos mortos e desaparecidos vítimas do regime autoritário, no período compreendido entre setembro de 1961 e agosto de 1979. Com as alterações legais de 200217 e 200418, houve ampliação do período de abrangência das situações de violações aos direitos humanos (até outubro de 1988) e dos beneficiários da indenização, que passaram a ser as pessoas que participaram (ou foram acusadas de participação) de atividades políticas ou que morreram em confronto com a polícia durante passeatas e manifestações públicas, somadas às vítimas de suicídios praticados em decorrência das sequelas psicológicas resultantes dos atos de tortura cometidos por agentes públicos. Esta é a situação de Frei Tito, que se suicidou, como mostrado no filme Batismo de Sangue. 16

Pela Lei nº 9.140/95 e alterações da Lei nº 10.536/02 Lei 10.536/02 18 Lei n. 10.875/2004 17

No mesmo ano em que a Lei dos Desaparecidos foi promulgada (1995), a ONU concedeu ao Brasil o prêmio por êxito no Índice de Desenvolvimento Humano 19. Certamente, a homenagem foi concedida pela política de direitos humanos adotada pelo país. Mas, ao oficializar a posição do Estado brasileiro sobre sua responsabilidade histórica e administrativa em relação à integridade dos presos políticos e ao destino dado a eles, o Brasil demonstrou também ter um compromisso com seu passado e com o legado deixado pela ditadura militar. Ao mesmo tempo, a comunidade internacional revelou-se atenta às práticas do Estado brasileiro relativas aos direitos humanos. Essa Comissão atuou na reparação dos familiares dos desaparecidos políticos e na valorização da memória dessas vítimas, além de produzir um acervo importante sobre vítimas e as atrocidades por elas sofridas. Os julgados da CEMDP serviram de base para a publicação do livro Direito à Memória e à Verdade, lançado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República

em

200720.

Esta

publicação

também

está

disponível

na

internet

em

http://www.sedh.gov.br/.arquivos/livrodireitomemoriaeverdadeid.pdf. O livro Direito à Memória e à Verdade integra o Projeto Direito à Memória e à Verdade, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Esse projeto Direito à Memoria e à Verdade tem 3 vertentes ou três linhas de atuação: a) projeto Editorial do qual fazem parte , alem do livro Direito à Memória e à Verdade, os livros: - Os afro-descendentes na luta contra a ditadura;Histórias de meninas e meninos marcados pela ditadura;- Luta, Substantivo Feminino; - Habeas Corpus- que se apresente o corpo;- Retrato da repressão política no campo – Brasil 1962-1985 (todos estes livros editados entre 2008 e 2010); b) Memoriais “ Pessoas Imprescindíveis” com a inauguração de 27 Memoriais, painéis, placas e/ou esculturas em varias cidades do país onde são homenageados combatentes resistentes, caídos na luta contra a ditadura, c) Exposição fotográfica “A Ditadura no Brasil 1964 – 1985”, que traz uma ambientação visual que conduz o público a uma espécie de “viagem no tempo”, desde os primeiros momentos do Golpe de Estado até os grandes comícios populares das “Diretas Já”. Frei Tito é uma das quase 500 vítimas que integram o grupo de mortos e desaparecidos, reconhecido como tal pela CEMDP, por meio de processo administrativo (Processo n.126/04). A apuração oficial dessas atrocidades foi publicada em 2007 no livro Direito à Memória e Verdade, elaborado pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, publicado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. O sofrimento de Frei Tito está estampado neste livro nas páginas 392 a 393. O reconhecimento de Frei Tito como vítima da ditadura foi baseado no disposto no art. 4º, I, “d”, da Lei nº 9.140/95 (Lei de Mortos e Desaparecidos Políticos) e a declaração dessa condição foi 19

MEZAROBBA, Glenda, Um acerto de contas com o futuro: a anistia e suas conseqüências:um estudo do caso brasileiro, São Paulo: Associação Humanitas; FAPESP, 2006, p.105-106 20 BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

feita na data de celebração de 30 anos de sua morte. No voto do processo de Frei Tito na Comissão de Mortos e Desaparecidos, a relatora Maria Eliane Menezes de Farias destacou o nexo de causalidade entre o suicídio e as torturas e perseguições por motivação política. A relatora afirmou que “a vasta documentação acostada aos autos confirma os fatos quanto à militância política de Tito de Alencar Lima, seu sofrimento e morte, por suicídio, em conseqüência das seqüelas resultantes de atos de tortura praticados por agentes do poder público. Provada a relação de causa e efeito entre a prisão, tortura e posterior desequilíbrio psíquico que levou Frei Tito ao suicido reconheço-o como vítima da ditadura militar”21. Os freis dominicanos presos juntamente com Frei Tito, que sobreviveram às torturas, integram o outro grupo de vítimas, o dos perseguidos políticos e torturados, que é bem maior: até o final de 2011, já eram mais de 56.000 pessoas reconhecidas como tal pela Comissão de Anistia 22. A Comissão de Anistia (CA), vinculada ao Ministério da Justiça, foi criada em 2000 e, em 2002, passa a ser prevista na Lei dos Anistiados Políticos 23. A lei de 2002, conhecida como Lei dos Anistiados Políticos24, decorre de dispositivo da Constituição 25 e se destina às reparações dos perseguidos políticos que sofreram prejuízos financeiros no período autoritário, especialmente em suas relações de trabalho, e dos que viram seu projeto de vida interrompido pelos desmandos cometidos por quem se achava no poder. O trabalho da Comissão de Anistia consiste em analisar o pedido dos perseguidos políticos, especialmente se as violências e perseguições relatadas se enquadram na previsão legal para o reconhecimento da situação de anistiado político26. A partir dessa análise, a Comissão faz o julgamento. Nos casos julgados procedentes, além da reparação financeira, há o reconhecimento oficial, pelo Ministro da Justiça, da situação de perseguição injusta pelo regime autoritário à vítima anistiada e o pedido público e oficial de perdão, feito pelo Estado brasileiro. No contexto de apreciação dos requerimentos, há alguns processos julgados durante a Caravana de Anistia, que é um projeto da Comissão de Anistia criado em 2008 e que realizou sua 55ª Caravana em São Paulo, capital, em março de 2012. A Caravana da Anistia é um projeto que 21

Livro Direito à Memória e à Verdade, Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, ob. Cit, p.393 22 http://portal.mj.gov.br/anistia/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55PTBRN N.htm e também: http://portal.mj.gov.br/anistia/data/Pages/MJ674805E8ITEMIDA3FE3C52CEEC401FA8A6B6D53D1F4C6DPTBRNN .htm 23 A Lei nº 10.559, de 2002. A referida Comissão desempenha importante papel na reparação daqueles que tiveram seus direitos violados por razões políticas. 24 Lei 10.559, de 13 de novembro de 2002 25 Art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). 26 A reparação econômica, segundo a referida Lei, poderá ser concedida em prestação única correspondente a 30 salários mínimos por ano de perseguição política até o limite de 100 mil reais, ou prestação mensal que corresponderá ao posto, cargo, graduação ou emprego que o anistiando ocuparia se na ativa estivesse, observado o limite do teto da remuneração do servidor público federal. Outras informações estão disponíveis em:http://portal.mj.gov.br/anistia/data/Pages/MJ20BF8FDBPTBRNN.htm

tem levado os julgamentos das anistias das vítimas à esfera pública, em cidades em todo o país e em lugares distintos, com sessões abertas ao público. A iniciativa, embora esteja dentro de um contexto de reparação financeira das vítimas, tem forte teor de reparação simbólica e pode também ser entendida como uma ação de garantia de não repetição, especialmente porque torna oficial a posição de repúdio do Estado Brasileiro em relação às atrocidades cometidas no período da ditadura. Um dos tantos exemplos de reparação simbólica às vítimas dentro desse projeto Caravana da Anistia aconteceu na edição da 55ª Caravana, 2012, em homenagem às mulheres. Nessa sessão, houve a pré-estréia do filme “Repare Bem”, da cineasta Maria de Medeiros. Este longa conta a história de três gerações de mulheres (avó, mãe e neta) que sofreram perseguição política a partir do relato de Denize Crispim (mãe) e das impressões de Eduarda Leite (neta), as duas anistiadas pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça27. A CEMDP e a Comissão de Anistia conseguiram, no âmbito da justiça administrativa, cumprir, com êxito, o dever estatal de reparação, inclusive na dimensão simbólica, de acordo com os projetos mencionados acima. Mas, apesar da relevância do trabalho dessas Comissões, estas não podem ser consideradas (ou confundidas) com uma Comissão de Verdade, já que não atendem os critérios formais e materiais que caracterizam uma CV: não tem previsão de mandato temporal fixo e não esclarece todos os detalhes sobre as mortes e desaparecimentos, não atribui responsabilidades aos agentes que praticaram os atos nefastos e nem tem a obrigação de apresentar um relatório final (para mencionar alguns aspectos). A confusão entre os trabalhos dessas Comissões e o da CV pode acontecer porque as expectativas em torno do reconhecimento oficial do sofrimento das vítimas foram, em certa medida, atendidas e levadas a um espaço público. Mas a verdade (circunstâncias e motivos da tortura e ou da morte, localização dos restos mortais, conduta e identificação de cada agente no evento tortura e ou morte, dentre outros) é, ainda, a partir dos trabalhos da CV brasileira. Para os pesquisadores de outras CVs instauradas no mundo, as Comissões de Verdade (CV) “limitam a possibilidade de negar ou trivializar as experiências das vítimas. Transformam o que se sabe acerca de fatos violentos passados, conhecimento geral em um reconhecimento oficial. O reconhecimento oficial é importante tanto por seu valor simbólico, como por seus efeitos práticos.”28 Há traços típicos para as Comissões de Verdade (CV) e, a brasileira, prevista pela Lei 12.528/11, seguiu o padrão das CV que já funcionaram pelo mundo: é um órgão temporário de investigação, composto por sete membros escolhidos pelo Presidente da República, cujo trabalho é 27

Sobre o filme, ver: http://catracalivre.folha.uol.com.br/2012/03/documentario-repare-bem-na-tela-da-cinematecabrasileira/ 28 BICKFORD, Louis, Proyectos de verdad no oficiales, in Verdad, memoria y reconstrucción:Estudios de caso y análisis comparado, Mauricio Romero-Editor, Centro Internacional para la Justicia Transicional-ICTJ, 2008, p. 81

o estabelecimento de uma outra versão igualmente oficial sobre os episódios de violência, repressão e outras situações que culminaram em violações de direitos humanos, inclusive a autoria de tortura, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres. A CV brasileira deve produzir um relatório final sobre suas investigações.

5. Roteiro para pesquisa e discussão após assistir o filme Batismo de Sangue 5.1. Sobre Justiça de Transição e direito à memória e verdade a) Quais as concepções e conceitos de justiça de transição que se adaptam à realidade brasileira? b) Quais os eixos da Justiça de Transição? Explique os que já foram totalmente ou parcialmente atendidos pelo Estado Brasileiro. Destaque qual o eixo você considera mais importante para a consolidação da democracia brasileira. c) Além da responsabilização criminal dos que torturaram e mataram, quais os outros instrumentos possíveis para lidar com o legado de violência da ditadura brasileira? d) Qual o teor jurídico do termo verdade, quando se fala de justiça de transição? e) Quais são as iniciativas de memória no tema da justiça de transição? Só as vítimas podem ser homenageadas? Há argumentos jurídicos para impedir homenagens (nomes de rua, praças etc, bustos, estabelecimento de placas e datas comemorativas etc) a torturadores? f) Você conhece o Memorial da Resistência em São Paulo? Sabe o que funcionava antes no prédio que hoje abriga esse Memorial? Pesquise (na internet) e apresente cinco pontos desse Memorial que merecem destaque. 5.2. Sobre a responsabilidade do Estado e dos agentes públicos em relação ao legado de violência da ditadura brasileira a) Relacione cinco iniciativas do Estado brasileiro para lidar com o legado de graves violações aos direitos humanos na ditadura militar; b) Qual a importância das iniciativas oficiais de reparação financeira das vítimas?; c) As indenizações às vítimas que se suicidaram são justas?; d) Quais as críticas feitas à Comissão da Anistia? Quais as discrepâncias nas indenizações entre os grupos de Mortos e Desaparecidos e de Anistiados políticos?; e) Qual foi o entendimento do STF sobre a Lei de Anistia (ADPF 153)? Como foi o entendimento das Cortes Constitucionais no Chile, Argentina e Uruguai?; f) A não responsabilização criminal dos torturadores é injusta? Há uma saída para processar criminalmente essas pessoas? g) O que você sabe sobre a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos

no caso conhecido como Guerilha do Araguaia? Quais os pontos dessa condenação que você entende mais relevantes? h) Na sua opinião, as iniciativas não oficiais que trazem à tona atos nefastos da ditadura são importantes? Qual a contribuição do Projeto Brasil Nunca Mais (1979-1985) para a Memória e Verdade? As torturas sofridas por Frei Tito estão relatadas no livro Brasil Nunca Mais? Escolha um caso do livro para apresentação oral ao grupo. i) A instalação e funcionamento da Comissão de Verdade no Brasil é uma forma do Estado assumir sua responsabilidade ou é uma forma de reparação às vítimas e à sociedade? Ficha técnica do filme BATISMO DE SANGUE Lançamento (Brasil): 2007 Gênero Drama. Distribuição: Downtown. Duração: 110min. Diretor: Helvécio Ratton. Roteiro: Dani Patarra e Helvécio Ratton. Música: Marco Antônio Guimarães. Fotografia: Lauro Escorel. Direção de arte: Adrian Cooper. Figurino: Marjorie Gueller e Joana Porto. Elenco: Caio Blat: Frei Tito; Daniel de Oliveira- Frei Betto; Cássio Gabus Mendes-Delegado Fleury; Ângelo Antônio- Frei Oswaldo;Léo Quintão-Frei Fernando; José Carlos Aragão- Médico preso; Odilon Esteves-Frei Ivo; Marcélia Cartaxo-Nildes; Marku Ribas-Carlos Marighella; Murilo Grossi-Policial Raul Careca; Renato Parara- Policial Pudim; Jorge Emil-Prior dos Dominicanos;Marco Amaral- Capitão torturador. Prêmios e/ou indicações a prêmios; Foi indicado para Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Maquiagem no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e ganhou os prêmios de Melhor Diretor Festival de Brasília; e de Melhor Fotografia no Festival de Brasília e de Cuiabá. Onde aplicar: O filme pode ser usado em aulas de Direitos Humanos (direito à memória e verdade como direito humano, justiça de transição como conceito de direitos humanos, responsabilidade do Estado em face a violações de direitos humanos); Direito Constitucional – tanto se abordar a democracia e desafios para sua consolidação; Direito Administrativo: Responsabilidade Civil do Estado e ações de regresso; Direito Ambiental – na perspectiva do Direito Cultural: direito á memória, direito ao acesso a informações constantes em arquivos públicos (arquivos como patrimônio cultural). Livros e/ou legislação: Lei de Anistia (Lei nº 6.683/79); Lei de Mortos e Desaparecidos Políticos (Lei nº 9.140/95) Lei de Anistiados Políticos (Lei nº 10.559, de 2002) Lei de Acesso a Informações (Lei 12.527/11) Lei da Comissão de Verdade (Lei 12.528/11) Sugestões de leituras Para saber mais sobre as torturas durante a ditadura ver: Brasil: Nunca Mais, Editora Vozes; Apesar de Vocês: Oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985 , James Green, Companhia das Letras, 2009; e Um acerto de contas com o futuro: a anistia e suas consequências, um estudo do caso brasileiro, Glenda Mezarobba, Editora Humanitas,2006. Brasil: Nunca Mais, Editora Vozes, 1985 -primeira edição. O livro e outras informações sobre o Brasil Nunca Mais digital estão disponíveis na internet em: http://www.dhnet.org.br/memoria/nuncamais/index.htm ou

Para compreensão do que é justiça de transição ver: http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tikiindex.php?page=Justi%C3%A7a+de+transi%C3%A7%C3%A3o . E ver também: MEZAROBBA, Glenda: De que se fala, quando se diz “Justiça de Transição”?, BIB, São Paulo, n° 67, 1° semestre de 2009, pp. 111-122 e BICKFORD, Louis, ‘Transitional Justice,’ in The Encyclopedia of Genocide and Crimes against Humanity, ed. Dinah Shelton, Detroit: Macmillan Reference USA, 2004, v.3, p. 1045-1047. ELSTER, Jon, Rendición de cuentas. La Justicia transicional em perspectiva histórica, trad. E. Zaidenwerg, Katz Editores, Buenos Aires, 2006. VILLA, Hernando Valencia, Introducción a la justicia transicional, publicado em Claves de razón práctica, No. 180, Madrid, marzo de 2008, páginas 76 a 82, disponível em http://escolapau.uab.cat/img/programas/derecho/justicia/seminariojt/tex03.pdf, acesso em 01.04.2010. Ver ainda: UN Security Council, The rule of law and transitional justice in conflict and post-conflict societies. Report Secretary-General , S/2004/616, 23 August 2004, Transitional Justice. E : UN Commission on Human Rights, Report of the independent expert to update the Set of Principles to combat impunity, 18 February 2005, E/CN.4/2005/102. Disponível em Para compreensão da responsabilidade do Estado pelos crimes da ditadura ver: o Livro Direito à Memória e à Verdade, Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, 2007; Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Inês Virginia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi (Coordenadoras), Editora Forum, 2009. O que resta da ditadura:a exceção brasileira,Edson Teles e Vladimir Safatle (orgs.), Ed. Boitempo, 2010; Anistia, Justiça e Impunidade: reflexões sobre a Justiça de Transição no Brasil, Kai Ambos, Marcos Zilli, Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Fabíola Girão Monteconrado, Editora Forum, 2010; Anistia - As Leis Internacionais e o Caso Brasileiro, Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Juruá Editora, 2009; Glenda Mezarobba. Entrevista com Juan Méndez. Sur Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, v. 7, 2007, p. 168-175. Para compreensão da Memória como direito, ver: Inês Virginia Prado Soares e Renan Quinalha, Lugares de Memória: bens culturais?, in Olhar Multidisciplinar sobre a Efetividade da Proteção do Patrimônio Cultural, Sandra Cureau, Sandra Akemi Shimada Kishi, Inês Virgínia Prado Soares e Claudia Marcia Freire Lage (coodenadoras), Editora Forum, 2011. E também: LORENZ, Federico. Los lugares de la memoria. Buenos Aires: Madreselva, 2009. BRAUER, Daniel. El arte como memoria. Reflexiones acerca de la dimensión histórica de la obra de arte. In LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (orgs.). Politicas de la memoria: tensiones en la palabra y la imagen. Buenos Aires: Gorla; Mexico: Universidad del Claustro de Sor Juana, 2007. AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz. São Paulo: Boitempo, 2007. NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, dezembro de 1993; CATELA, Ludmila da Silva. Situação-limite e memória: a reconstrução do mundo dos familiares de desaparecidos da Argentina. São Paulo: Hucitec/ Anpocs, 2001. Arquelogia da repressão e da resistência na América Latina na era das ditaduras (décadas de 1960-1980),Org. Pedro Paulo Funari, Andrés Zarankin e José Alberioni dos Reis., Annablume/Fapesp, 2008. Sobre Memória e Lugares de Memória ver: http://www.sitesofconscience.org/quienessomos/networks/es/. E também: http://espaciosdememoria.pe/index2.html ; http://www.memoriaabierta.org.ar/ http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/ Sugestões de outros filmes: O filme Batismo de Sangue é um dos muitos filmes que nos ajudam a compreender o passado e a lidar com o legado de violência deixado pela ditadura. Outros filmes brasileiros que abordam o tema com beleza e qualidade são: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, 2006, dirigido por Cao Hamburger; O Que É Isso, Companheiro?, 1997, dirigido por Bruno Barreto, com roteiro parcialmente baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira, escrito em 1979; Pra Frente Brasil, 1983, dirigido por Cacá Diegues; Cabra Cega, 2005, dirigido por Toni Ventura; Ação Entre Amigos, 1998, dirigido por Beto Brant; Zuzu Angel, 2006, dirigido por Sérgio Rezende, Sônia Morta e Viva, 1985, dirigido por Sérgio Waisman; Vala Comum, 1994,

documentário de João Godoy; Que bom te Ver Viva , 1989 e Uma Longa Viagem, 2011, ambos dirigidos por Lucia Murat. Referências Bibliográficas MEZAROBBA, Glenda: De que se fala, quando se diz “Justiça de Transição”?, BIB, São Paulo, n° 67, 1° semestre de 2009, pp. 111-122 BICKFORD, Louis, ‘Transitional Justice,’ in The Encyclopedia of Genocide and Crimes against Humanity, ed. Dinah Shelton, Detroit: Macmillan Reference USA, 2004, v.3, p. 1045-1047. ELSTER, Jon, Rendición de cuentas. La Justicia transicional em perspectiva histórica, trad. E. Zaidenwerg, Katz Editores, Buenos Aires, 2006. VILLA, Hernando Valencia, Introducción a la justicia transicional, publicado em Claves de razón práctica, No. 180, Madrid,

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2008,

páginas

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disponível

em

http://escolapau.uab.cat/img/programas/derecho/justicia/seminariojt/tex03.pdf, acesso em 01.04.2010. Livro Direito à Memória e à Verdade, Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, 2007, p.392

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