Depósito Legal de Fonogramas (Portugal)

September 3, 2017 | Autor: José Ferreira | Categoria: Archives, Legal Deposit, Produção Fonográfica, Fonografia, Derecho fonográfico
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Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Mestrado em Ciências da Documentação e Informação Disciplina de Conservação da Documentação e Informação Professor Luís Corujo

O DEPÓSITO LEGAL DE FONOGRAMAS "Cada ano que passa, é um ano que se perde"

José Daniel Marques Teixeira Soares Ferreira Aluno nº: 50963

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"Cada ano que passa, é um ano que se perde" – alerta de Salwa Castelo-Branco, reportagem jornal Público, 25 de Maio de 2011

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Introdução. Iniciado em França, em 1537, o Depósito Legal generalizou-se por todo o mundo, com o objectivo primeiro de preservar o material imprenso de uma comunidade e perpetuá-lo para as gerações vindouras. Com mais ou menos mudanças, com maior ou menor implementação, o Depósito Legal foi sendo promovido, acrescentado, actualizado. No entanto, o sistema de Depósito Legal, nomeadamente em Portugal, tem estado centrado mais no material impresso – livros, periódicos, atlas e mapas e muito mais, como veremos mais à frente –, deixando de fora uma riquíssima parte da nossa produção cultural: a edição discográfica ou, como refere a legislação, fonogramas. Este será o ponto central do trabalho: o de mostrar, de uma perspectiva estritamente pessoal, embora apoiado em documentos legais, porque considero ser uma falha gravíssima o incumprimento, como estratégia de conservação e preservação das obras nacionais, do Depósito Legal à edição fonográfica portuguesa, estipulada no ponto 2, do artigo 4º, do Decreto-lei nº 74/82 de 3 de Março1. Iniciarei este percurso com uma breve exposição histórica do Depósito Legal – a nível nacional e internacional -, para depois me debruçar sobre que nos diz a legislação estrangeira e portuguesa sobre a temática e, por fim, o projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista Português para a institucionalização de um Arquivo Sonoro Nacional.

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Consultado em: https://dre.pt/application/file/599842

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Depósito Legal – História. Implementado primeiramente por Francisco I de França, em 1537 - Ordenação de Montpellier -, o Depósito Legal tinha como propósito o desenvolvimento e preservação

de uma colecção nacional da produção impressa no país, proibindo a venda de qualquer livro sem que primeiro estivesse depositado na biblioteca um exemplar. (…) nous avons délibéré de faire retirer, mettre et assembler en notre librairie toutes les œuvres dignes d'être vues qui ont été et seront faites, compilées, amplifiées, corrigées et amendées de notredit temps, pour avoir recours à auxdits livres si de fortune ils étaient ci-après perdus de la mémoire des hommes, ou aucunement immués ou variés de leur vraie et première publication. A ces causes, avons très expressément défendu à tous imprimeurs et libraires des villes, universités, lieux et endroit de notre royaume et pays de notre obéissance, que nul d'entre eux ne soit si osé ni hardi de mettre ni exposer en vente en notredit royaume, soit en public ni en secret, ni envoyer ailleurs pour se faire, aucun livre nouvellement imprimé par deçà, soit en langue latine, grecque, hébraïque, arabique, chaldée, italienne, espagnole, française, allemande ou autre, soit de ancien ou de moderne auteur, de nouveau imprimé en quelque caractère que ce soit, illustrés de annotations, corrections ou autres choses profitables à voir, en grand ou petit volume, que premièrement ils n'aient baillé un desdits livres ou cahiers, de quelque science ou profession qu'il soit, ès-mains de notre amé et féal conseiller et aumônier ordinaire l'abbé Reclus Merlin de Saint-Gervais ayant la charge et la garde de notredite librairie étant en notre château de Blois, ou autre personnage que ci-après pourra avoir en son lieu ladite charge et garde, ou de son commis ou député qu'il aura pour cet effet en chacune des bonnes villes et universités de notredit royaume, dont et de la délivrance duquel livre ledit libraire ou imprimeur sera tenu de prendre certification dudit garde ou de son commis, pour justifier, quand au besoin sera ; le tout sur peine de confiscation de tous et chacun des livres et d'amende arbitraire à nous à appliquer.2

Claro que por detrás desta obrigatoriedade, para além do principio da construção de uma memória colectiva acessível às gerações posteriores se escondia, também, uma atitude censória e de controlo das publicações impressas no país. Facto, aliás, que se repetirá em Portugal.

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Texto na integra: http://apps.eui.eu/Personal/Researchers/ejls_beta_0/siteold/hist1.html

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Sobretudo a partir do século XVIII, o princípio do Depósito Legal generaliza-se a toda a Europa: - Suécia, 1661 - Dinamarca, 1697 - Finlândia, 1707 - Escócia, 1709 - Espanha, l716 - Inglaterra, 1757 - Milão, 1778 - Portugal, 1805 - Rússia, 1810 - Noruega, 1814

Se inicialmente o Depósito Legal era um privilégio real a favor da biblioteca do monarca, com as transformações sociais e políticas ocorridas por toda a Europa nos finais do séc. XVIII e inícios do séc. XIX, o Depósito Legal

deixa de ser um direito majestático para se tornar um direito do próprio estado.3

Em Portugal, a instauração de uma política de Depósito Legal teve três passos fundamentais, segundo a análise de Maria Luísa Santos4:

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Pereira, Joaquim Tomás Miguel – Depósito Legal. “Cadernos de Biblioteconomia e Arquivística”. 1963-64: Texto Digitalizado 4 Depósito Legal: que políticas?. Mesa Redonda realizada a 29 de Abril de 2009 na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro. Apresentação de Maria Luísa Santos: http://blx.cm-lisboa.pt/fotos/gca/1242382125apresentacao_bn.pdf

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- Alvará Régio de 30 de Junho de 1795, que estabelece a obrigatoriedade de depósito de um exemplar de todas as obras sujeitas a exame prévio da Mesa do Desembargo do Paço. (excerto)

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- Alvará Régio de 29 de Fevereiro de 1796, que aprova a criação da Real Biblioteca Pública da Corte. (excerto)

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Consultado em: http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/?menu=consulta&id_partes=110&id_normas=34560&accao=ver& pagina=1 6 Consultado em: http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/?menu=consulta&id_partes=110&id_normas=34560&accao=ver& pagina=1

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- Alvará Régio de 12 de Setembro de 1805 que alarga as disposições do primeiro alvará a todos os papéis, gazetas e quaisquer outras publicações bibliográficas impressas nas tipografias do reino. (excerto)

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Consultado em: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/11/24/p401

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Podemos afirmar, sem desprimor para os alvarás anteriores, que é com o diploma de 1805 que se estabelece definitivamente o Depósito Legal em Portugal, assegurando para as idades vindouras, a conservação, e perpetuidade de muitas obras e papéis impressos.

Ainda seguindo os apontamentos de Maria Luísa Santos8, é apenas no século XX que a legislação relativa ao Depósito Legal é modificada, sendo o decreto de 1931 e o de 1982 os mais significativos. Vejamos: - Decreto nº 19.952, de 27 de Junho de 1931 que remodela os serviços das Bibliotecas e Arquivos Nacionais, bem como da respectiva Inspecção, e estabelece, no seu capítulo XV, o Depósito Legal. (excerto)

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Depósito Legal: que políticas?. Mesa Redonda realizada a 29 de Abril de 2009 na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro. Apresentação de Maria Luísa Santos: http://blx.cm-lisboa.pt/fotos/gca/1242382125apresentacao_bn.pdf

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- Decreto-lei nº 74/82, de 03 de Março, que cria um novo regime de Depósito Legal que se mantem até aos dias de hoje. (excerto)

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Seguem-se depois, em 1986 e 2006, dois diplomas que conferem Depósito Legal obrigatório a teses de doutoramento e mestrado, primeiramente em formato papel e, no diploma de 2006, já com a obrigação de depósito de um exemplar em formato digital: - Decreto-lei nº 362/86, de 28 de Outubro, que determina a obrigação do depósito legal na Biblioteca Nacional de um exemplar das teses de doutoramento e mestrado, bem como das dissertações destinadas às provas de aptidão científica e 9

Consultado em: https://dre.pt/application/file/530916 Consultado em: https://dre.pt/application/file/599842

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pedagógica das carreiras docentes do ensino superior politécnico e do ensino Universitário.11 - Decreto-lei nº 74/2006, de 24 de Março, que aprova o regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior, em desenvolvimento do disposto nos artigos 13.º a 15.º da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), bem como o disposto no n.º 4 do artigo 16.º da Lei n.º 37/2003, de 22 de Agosto (estabelece as bases do financiamento do ensino superior). No Artigo 50º é estipulado o Depósito Legal para dissertações de mestrado e teses de doutoramento. (excerto)

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São estes, pois, os marcos fundamentais e estratégicos para a implementação de uma política de Depósito Legal em Portugal. Se, inicialmente, a ideia de depósito de um exemplar de uma obra impressa surgiu para um melhor controlo da Censura – Régia ou da Igreja –, é em 1805 que vimos a preocupação de construir para as gerações que haviam de vir uma memória, expressa no exemplar depositado, de tudo quanto se imprimiu no país ao mesmo tempo que se “alimentava” de espécimes a Real Biblioteca Pública da Corte, servindo os progressos da Literatura, das Ciências, e das Artes.13

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Consultado em: https://dre.pt/application/file/222287 Consultado em: https://dre.pt/application/file/671482 13 Legislação Régia em: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/11/24/p401 12

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Este Alvará, tal como as leis de 1931 e de 1982, actualizou as obras que seriam sujeitas ao Depósito Legal, adaptando-se aos tempos e às novas formas de divulgação de informação que, ontem como hoje, estão sempre em constante mutação. Parece-me pertinente acabar este capítulo com a listagem das Bibliotecas que são e foram beneficiárias de Depósito Legal, segundo as informações recolhidas por Maria Luísa Santos: Biblioteca (designação actual)

Data de início como beneficiária de Depósito Legal

Legislação

Biblioteca Nacional de Lisboa (Real Biblioteca Pública da Corte) Biblioteca Pública Municipal do Porto (Real Biblioteca Pública da Cidade do Porto)

1805

Alvará Régio de 12 de Setembro de 1805

1833

Decreto de 9 de Julho de 1833

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra Biblioteca Pública de Évora

1851

Decreto de 8 de Julho de 1851

1931

Biblioteca Pública de Braga

1931

Biblioteca Municipal de Lisboa

1931

Decreto nº 19.952, de 27 Julho de 1931 Decreto nº 19.952, de 27 Julho de 1931 Decreto nº 20.636, de 19 Dezembro de 1931 Decreto-lei nº 102/79, de 28 Abril

de de de

Região Autónoma dos Açores 1979 de (Biblioteca Pública e Arquivo Regional) Região Autónoma da Madeira 1982 Decreto-lei nº 74/82, de 3 de (Direcção Regional dos Março Assuntos Culturais) Biblioteca Municipal de 1982 Decreto-lei nº 74/82, de 3 de Coimbra Março Biblioteca do Real Gabinete 1982 Decreto-lei nº 74/82, de 3 de Português de Leitura do Rio de Março Janeiro Que deixaram de beneficiar de Depósito Legal por despacho ministerial, do Ministério da Cultura, de 30 de Abril de 2003 Biblioteca da Academia das 1931 Decreto nº 19.952, de 27 de Ciências de Lisboa Julho de 1931 Biblioteca Popular de Lisboa 1931 Decreto nº 19.952, de 27 de Julho de 1931 Biblioteca Nacional de Macau 1931 Decreto nº 19.952, de 27 de Julho de 1931

No ponto seguinte, irei debruçar-me sobre a lei em vigor, nomeadamente o Decreto-lei nº 74/82, de 03 de Março, quer na generalidade, quer especificamente, no tocante aos fonogramas.

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Depósito Legal – Caos Legislativo. Não se pode, ou não se deve, falar de legislação sem primeiro fazermos uma brevíssima referência à Constituição da República Portuguesa. A Constituição da República Portuguesa é perentória no seu artigo 9º - Tarefas fundamentais do Estado – alínea e), ao afirmar que cabe ao Estado Português proteger e valorizar o património cultural do povo português (…), assim como, no seu artigo 78º, de que todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural e promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum14. Não é errado afirmar que a lei do Depósito Legal enquadra-se perfeitamente nestes objectivos de proteger, preservar, salvaguardar mas num espectro ainda, apesar do que diz o Decreto-lei nº 74/82, muito reduzido. Continuamos a associar o Depósito Legal à produção bibliográfica, continuamos a associar o Depósito Legal a um dever da Biblioteca Nacional – embora outras bibliotecas sejam também elas espaços de depósito legal, como vimos anteriormente – como se só a produção impressa fosse cultura e apenas ela capaz de ser vivificador da identidade cultural comum.

O Decreto-lei nº 74/82, de 03 de Março veio substituir, alterando, complementando e actualizando, o antigo decreto nº 19.952, de 27 de Junho de 1931. São 9 capítulos onde se desenrolam inúmeros artigos que enquadram jurídica e legalmente o Depósito Legal. Logo no artigo 1º do capítulo I é-nos dada a seguinte definição de Depósito Legal: Entende-se por depósito legal o depósito obrigatório de um ou vários exemplares de toda e qualquer publicação feito numa instituição pública para tal designada.15

Ainda num sentido muito lato, a lei entende publicação como sendo toda a obra de reflexão, imaginação ou de criação, qualquer que seja o seu modo de reprodução, destinada à venda, empréstimo ou distribuição gratuita e posta à disposição do público 14 15

Consultado em: http://www.parlamento.pt/Legislacao/Documents/constpt2005.pdf Consultado em: https://dre.pt/application/file/599842

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em geral ou de um grupo em particular. Segundo esta definição, tudo é válido para Depósito Legal, desde que seja concebido pelo génio humano e colocado à disposição da população. O Depósito Legal tem assim, como explicitado no seu capítulo II, o objectivo de defesa e preservação dos valores da língua e cultura portuguesas e constituição e conservação de uma colecção nacional (todas as publicações editadas no País), assim como produção e divulgação da bibliografia nacional corrente, entre outras. Começamos aqui a ver um certo dirigismo e favoritismo do Depósito Legal para o objecto livro (ou, mais correctamente, o objecto em suporte de papel). Mas que publicações editadas no País, como referido anteriormente, são, ou deveriam ser, essas? Segundo o Capítulo III, ponto 1 do artigo 4º da mesma lei, são as obras impressas ou publicadas em qualquer ponto do País, seja qual for a sua natureza e o seu sistema de reprodução, isto é, todas as formas e tipos de publicações ou quaisquer outros documentos resultantes de oficinas, fábricas ou serviços de reprografia destinados a venda ou distribuição gratuita. Embora aqui ainda estejamos ao nível do “abstracto”, o ponto 2 do referido artigo e capítulo materializa-nos os objectos cujo depósito é obrigatório: livros, brochuras, revistas, jornais e outras publicações periódicas, separatas, atlas e cartas geográficas, mapas, quadros didácticos, gráficos estatísticos, plantas, planos, obras musicais impressas, programas de espectáculos, catálogo de exposições, bilhetes-postais ilustrados, selos, estampas, cartazes, gravuras, fonogramas e videogramas, obras cinematográficas, microformas e outras reproduções fotográficas. É bem explicita na lei a obrigatoriedade de depósito de obras fonográficas. E mais explicito é quando se refere, no ponto 2 do artigo 7º do Capitulo IV – Número de exemplares – que os fonogramas (tal como outras excepções), em vez dos 14 exemplares exigidos para grande parte das obras a depositar, basta apenas a entrega de uma cópia a depositar na Biblioteca Nacional, como refere o ponto 2 do artigo 8º do mesmo capítulo. É certo que a lista dos beneficiários do Depósito Legal pode ser alterada, quando se considera que essa alteração é justificada, principalmente por razões de condições de

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funcionamento das instituições. É o caso dos chamados videogramas e obras cinematográficas que viram a sua instituição de depósito ser transferida para a Cinemateca – Museu do Cinema, pelo Decreto-lei nº 350/9316, de 7 de Outubro e, mais tarde, reforçado pela publicação dos Estatutos da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema17. No entanto, o Decreto-lei nº 94/2007, de 29 de Março, conhecido como a Lei Orgânica da Cinemateca Portuguesa 18 é omissa em considerar esta instituição como local de Depósito Legal de “imagens em movimento”. Seja como for, “acreditando” nos Estatutos da Cinemateca, é ela quem detém esse papel, sendo esta é uma medida acertada, uma vez que a Cinemateca/ANIM é a instituição, por excelência, que reúne todas as condições – físicas, tecnológicas, humanas – necessárias para o arquivo, tratamento, conservação e preservação dos espécimes de “imagens em movimento”. É uma estrutura semelhante que urge construir para o património sonoro português. No entanto, é estranho ler no site da Cinemateca Portuguesa o seguinte: Na ausência de legislação consagrando o depósito legal das obras fílmicas e sendo missão da Cinemateca a salvaguarda do património fílmico português, em que incluímos tanto filmes portugueses como o cinema exibido em Portugal, o depósito destina-se a assegurar não só a conservação estrita dos suportes fílmicos, como também, no caso de filmes portugueses, a possibilidade de através de operações de preservação assegurar a sua sobrevivência a mais longo prazo. O depósito para conservação na Cinemateca é voluntário e é um serviço que a Cinemateca, pelas razões atrás apontadas, presta gratuitamente.19

Isto mostra bem o caos e a falta de orientação que existe nesta matéria, fruto das constantes mudanças legislativas, que muito contribuem para a delapidação, esquecimento e empobrecimento da cultura portuguesa. As próprias instituições não sabem qual o papel lhes cabe. Os discursos são, não raras vezes, contraditórios. Mas voltando ao Decreto-lei nº 74/82, de 3 de Março, só uma referência para o facto de ficar explicito, no ponto 1 e 2 do artigo 10º do Capítulo V que cabe aos proprietários, gerentes ou equivalentes de tipografias, oficinas ou fábricas, a entrega dos exemplares para Depósito Legal, sem o que essas obras não poderão ser divulgadas. Relativamente 16

Consultado em: http://www.ica-ip.pt/Admin/Files/Documents/contentdoc731.pdf Consultado em: http://www.cinemateca.pt/getattachment/a6d21185-a25c-4df7-84f6-3e472a89f1c6/Estatutos.aspx 18 Consultado em: http://www.cinemateca.pt/getattachment/df03d8c3-1884-4484-baa4-0107527e1fb3/Lei-Organica.aspx 19 Consultado em: http://www.cinemateca.pt/Colecoes/Filme-e-Video.aspx 17

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aos fonogramas e videogramas, cabe a obrigação ao editor, para as primeiras, e ao produtor, para as segundas. E é referido, no ponto 1 do artigo 11º do Capítulo VI, que o Serviço do Depósito Legal funciona na Biblioteca Nacional, salvo excepções que poderão passar a ser depositadas noutras instituições nacionais especializadas mais adequadas, tais como museus, quando tal resulte de lei ou de despacho ministerial. Uma característica é reconhecida na legislação portuguesa de Depósito Legal. Além de insuficiente, apresenta um certo conservadorismo, onde a preocupação é, sem dúvida, o objecto livro, relegando para segundo plano os materiais não impressos. Tal não devia acontecer. Como bem concluiu António Manuel Nunes O depósito legal é um meio eficiente de construir uma colecção nacional de materiais impressos e não impressos de modo a assegurar a preservação do património cultural nacional para a posteridade. É também um modo de garantir, num país, o cumprimento do artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que confere a qualquer pessoa o direito à liberdade de opinião e de expressão, incluindo o direito de procurar, receber e compartilhar informação e ideias através de qualquer meio, sem atenção a fronteiras.20

Mas afinal, o que podemos entender por património cultural? Mais uma vez socorro-me da legislação portuguesa, mais propriamente da Lei nº 107/200121, de 8 de Setembro, que estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural. Logo no artigo 2º, ponto 1º, definem património cultural como sendo todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização. E no ponto imediatamente a seguir veicula que a língua portuguesa, enquanto fundamento da soberania nacional, é um elemento essencial do património cultural português e que dos bens que integram o património cultural refletirá valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade, como nos adiante o ponto 3º.

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Nunes, Antonio Manuel. Arquivos Sonoros, Realidade Proto-Emergente em Portugal. CEIS20, Estudos do Século XX. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, nº 11, Dezembro de 2011. 21 Consultado em: http://www.portugal.gov.pt/media/168370/lei_bases_patrimonio.pdf

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Mas não são só os bens materiais que são património. Diz-nos o ponto 4 do referido artigo que integram, igualmente, o património cultural aqueles bens imateriais que constituem parcelas estruturantes da identidade e da memória colectiva portuguesas não esquecendo, também, a cultura popular. Esta extensa Lei de Bases do Património Cultural Português dedica, no seu artigo 89º do Capítulo VI, uma curta atenção ao património fonográfico – por sinal, dos capítulos menos extensos da lei – definindo o que se entende por património fonográfico e o que a ele está adstrito:

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Por último, e porque a música em particular se prende com ele, refiro o Decreto-lei nº 139/2009 23 , de 15 de Junho, que estabelece o regime jurídico de salvaguarda do 22

Consultado em: http://www.portugal.gov.pt/media/168370/lei_bases_patrimonio.pdf Consultado em: http://www.unesco.org/culture/natlaws/media/pdf/portugal/portugal_lei139_2009_pororof.pdf 23

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património cultural imaterial. Menciona logo no ponto 2º, do artigo 1º do Capitulo I, que o presente diploma abrange tradições e expressões orais, incluindo a língua como vector do património cultural imaterial e expressões artísticas e manifestações de carácter performativo. Perante o exposto, percebe-se que os caminhos da lei não são lineares, e que medidas de salvaguarda da produção fonográfica nacional carecem de ser alinhavadas com a máxima atenção por parte de governantes, legisladores, comunidade universitária, musicólogos, sociedade em geral. Se muito foi feito para precaver a produção bibliográfica impressa, se – com avanços e recuos – a produção cinematográfica foi objecto de alguma atenção especial, nomeadamente através da Cinemateca/ANIM, o mesmo não se pode dizer da produção fonográfica. O que é de estranhar. É urgente “arrumar a casa”, tanto em termos institucionais como legislativos. Não se pode permitir que o estado actual da preservação e salvaguarda do património fonográfico se mantenha inerte, inexistente. É fulcral fazer a cumprir a lei e iniciar, de uma vez por todas, o Depósito Legal de objectos fonográficos. Já se perdeu, talvez irremediavelmente, muito do que foi feito em termos sonoros no nosso país. Como nos alerta Salwa El-Shawan Castelo-Branco, uma referência na investigação musicológica em Portugal, no prefácio ao extraordinário livro Machinas Fallantes, a Música Gravada em Portugal no Início do Século XX24, de Leonor Losa: A falta de um arquivo sonoro nacional dificultou sobremaneira o acesso aos fonogramas editados ao longo do século passado, uma fonte indispensável para a construção de conhecimento sólido sobre a música em Portugal no século XX. Com efeito, os fonogramas encontram-se dispersos por colecções particulares e instituições públicas e privadas, carecendo das condições necessárias para a sua preservação e acesso. Era urgente colmatar as lacunas no conhecimento da música gravada e contribuir para a preservação e o acesso de uma parte importante do património sonoro português.25

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Editora Tinta da China: http://www.tintadachina.pt/book.php?code=23b4e825e6bae167f069c59b28193b21 25 Losa, Leonor: Machinas Fallantes – A Música Gravada em Portugal no Inicio do Século XX. Tinta da China. Lisboa: 2014

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Depósito Legal – O Que (Falta) Fazer? Portugal tem uma longa tradição oral e musical – lembremo-nos desde já da tradição medieval das Cantigas Trovadorescas até às recolhas sonoras de Michel Giacometti -, com um imaginário popular rico de lendas, fábulas e folclore, e advoga-se um país de poetas e declamadores. Musicalmente, Portugal é um país com especificidades próprias e que já possui dois reconhecimentos de Património Imaterial da Humanidade, pela UNESCO26: - Fado, desde 27 de Novembro de 2011 - Cante Alentejano, desde 27 de Novembro de 2014 Logo desde a primeira década do século XX que a produção discográfica existe em Portugal, não apenas para música – por exemplo também excertos de teatro de revista ou monólogos teatrais - como o atestam alguns exemplos presentes no CD que acompanha o livro de Leonor Losa atrás citado. Com o avanço da tecnologia de gravação e edição de discos, o leque foi sendo alargado chegando, na década de 40, edições de declamação de poesia, discursos políticos, histórias narradas, etc. Tão importante quanto as músicas ou os textos declamados gravados, são os seus autores. Pelas antigas gravações que ainda hoje subsistem – fora aquelas que se terão perdido para sempre - é ainda possível escutar vozes como a do actor Eduardo Brazão ou a actriz Maria Vitória, assim como da mítica fadista Júlia Mendes, entre outros. Se não fossem esses registos, apenas poderíamos supor o que seriam as suas vozes, os seus modos de cantar ou declamar, os trejeitos. A importância disto mesmo revela-se, no dizer de Salwa El-Shawan Castelo-Branco porque essa música, e muita da música que se lhe seguiu, popular e pop, fado à guitarra ou ao piano, criada em teatro de revista ou saltando continentes para se cruzar com o 26

Esta classificação, embora recebida maioritariamente com agrado, não deixou de ser alvo de críticas, como aquela escrita por Vasco Graça Moura, grande defensor da língua portuguesa, no livro Amália: Dos Poetas Populares aos Poetas Cultivados, onde declara: “Em minha opinião, a qualificação de um bem ou conjunto de bens culturais como “Património da Humanidade” é uma das várias invenções da UNESCO para justificar a perfeita inutilidade da sua própria existência enquanto organização internacional. Trata-se de uma forma de parasitismo, uma vez que a UNESCO não contribui com nada, a não ser umas opiniões doutoralmente emitidas do alto da sua insignificância, para a preservação e divulgação do bem ou bens assim classificados.”

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idioma local, se mantém por estudar e por contextualizar, por preservar e por ouvir. Sendo que a música é uma das emanações culturais mais democráticas, porque partilhada por todos, e reveladora, na "leitura" de um país, dos seus habitantes e história, deixando-a perder arriscamo-nos a perder um pouco de nós mesmos.27

Mas o mesmo podemos dizer de gravações mais recentes. A “juventude” de uma obra não significa a sua “imortalidade”. Muita da produção em disco vinil da década de 60 e 70, que foi extensíssima em género e número, encontra-se perdida e ausente nos arquivos. Chega até ao ponto de os próprios autores não as possuírem, como já pude constatar. E, apesar do entusiasmo, a máxima cada vez mais enraizada de que na internet está tudo, não podia ser mais errada. Se continuarmos sem proceder ao Depósito Legal da produção discográfica nacional, obras continuarão a perder-se. Tal como se perderão inúmeros contributos de escrita de autores portugueses. Alerta Salwa El-Shawan Castelo-Branco Tal como a Biblioteca Nacional tem livros desde o início da impressão, tal como o ANIM preserva filmes desde os tempos dos irmãos Lumière, tempos também de preservar o nosso património sonoro.28

Era usual nas contracapa dos discos em vinil a inclusão de textos de algumas personalidades da cultura portuguesa a falar da obra ou do autor. Também, actualmente, os chamados booklet dos CD’s são, por vezes, pequenos livros de bolso com um manancial de informação e beleza que insta preservar. Alguns são autênticos tratados temáticos, como aqueles que foram realizados por Rui Vieira Nery aquando da candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade ou os presentes na reedição da discografia completa do actor Mário Viegas enquanto diseur de poesia. Hoje em dia, o objecto CD não é apenas música. É também literatura em forma impressa e obra poética em modo sonoro. Isto porque, além dos citados booklet, actualmente temos grande parte dos poetas nacionais a escreverem músicas, em poemas que não raras vezes só conhecem edição em disco, sem nunca serem publicados em 27

Reportagem do jornal Público: No mundo da música (quase) perdida: http://www.publico.pt/temas/jornal/no-mundo-da-musica-quase-perdida-22128618 28 Reportagem do jornal Público: No mundo da música (quase) perdida: http://www.publico.pt/temas/jornal/no-mundo-da-musica-quase-perdida-22128618

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livro. Especialmente no Fado isso é muito notado. Ora a obra completa de um autor só é total se englobar tudo. Preservar esses discos é preservar, também, a obra poética/escrita de um escritor. Isto apenas para dar alguns – fracos – exemplos. Em 2010 chegou a ser noticiado a transferência do Museu da Música para o Mosteiro de São Bento de Cástris, em Évora, com a criação do Arquivo Fonográfico Nacional. Tal ainda não se deu. Houve, contudo, um esforço politico para a criação do Arquivo Sonoro Nacional, através do Projecto de Lei nº 414/XII/2ª 29 , apresentado pelo Partido Comunista Português, em 17 de Maio de 2013. Logo no texto de abertura referem que há uma dimensão do património cultural nacional que é ainda mais preterida na política de património do que as restantes: a musical e sonora, salientando e reforçando aquilo que venho tentando demonstrar que a perda de um tão denso, rico e vasto património revelaria um comportamento de desprezo pelo passado, pelo presente e pelo futuro, negando às gerações de hoje e de amanhã o acesso à riqueza sonora do seu próprio povo. O projecto apresentado pelo PCP cria o Arquivo Sonoro Nacional, sob a tutela do Ministério da Cultura – actualmente Secretaria de Estado – onde seria conservada toda a produção musical e registo fonográfico e radiofónico nacionais editados e difundidos em Portugal. Como principais objectivos deste Arquivo Sonoro Nacional, salientava a salvaguarda pelo menos de um exemplar de edições musicais, sob a forma de depósito legal, assim como a digitalização do registo sonoro disponível apenas em meios analógicos e recolher, acondicionar e inventariar o património sonoro identificado e arquivado, bem como proceder a recolhas sistemáticas de edições fonográficas dispersas dentro e fora do território nacional cujo registo seja ainda acessível ou sobre o qual exista informação. Este projecto de lei foi discutido na Assembleia mas foi inviabilizado pelo governo de coligação PSD/CDS-PP. 29

Consultado em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=37731

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No entanto, pelo Despacho nº 1164-A/201430, de 22 de Janeiro de 2014, foi criado pelo governo uma equipa de trabalho para estudar a fundo a implementação de um arquivo semelhante. Esta ideia, no entanto, vem já de 2006, com Isabel Pires de Lima, quando o governo adquiriu o espólio fonográfico do colecionador britânico Bruce Bastins. Entre os países que contam com Depósito Legal de fonogramas, contam-se o Brasil, a Alemanha, a Finlândia, a Itália, Reino Unido e a Suíça, entre os que consegui apurar. Embora não havendo uma entidade centralizadora nem o cumprimento da obrigatoriedade de Depósito Legal, existem vários arquivos sonoros em Portugal: - Arquivos Sonoros Portugueses: http://mmp.cm-cascais.pt/museumusica/mg/arquivos/ - Registo Fonográfico dos Açores: http://www.culturacores.azores.gov.pt/rfa/ - Arquivo da Rádio Difusão Portuguesa: http://www.rtp.pt/arquivo/index.php - Arquivo José Alberto Sardinha - Arquivo Sonoro do Museu Académico de Coimbra

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Consultado em: http://www.gmcs.pt/pt/despacho-n-1164-a2014-criacao-de-uma-equipa-de-preparacaodo-arquivo-sonoro-nacional

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Conclusão. Todos reconhecem a enorme importância de salvaguardar e preservar o património fonográfico, sonoro, de um povo e de um país. Toda a literatura e o interesse de académicos assim o comprovam. Há uma quase unanimidade em reconhecer a importância da construção de um Arquivo Sonoro/Fonográfico em Portugal. Todos reconhecem que muito já se perdeu mas outro tanto pode ainda ser salvo. Uma política bem redigida e focalizada de Depósito Legal para registos fonográficos podia ser a fundação sólida que tal projecto a concretizar necessita, o motor para fazer andar a “máquina”. É premente expurgar o acumular legislativo e redigir definitivamente o diploma que clarifique e explique de uma vez por todas, os deveres e obrigações, quer de instituições quer de editores/produtores, perante uma sólida lei de Depósito Legal. Já foram apresentados projectos, já se iniciaram estudos. Resta a vontade política e a pressão da comunidade no seu todo para a concretização definitiva de uma instituição que seja a casa, o espaço, onde a produção discográfica, fonográfica, sonora, de Portugal e dos portugueses finalmente estaria de portas abertas para o futuro através das sonoridades do passado. Conservar e preservar o objecto físico, divulgar e tornar acessível virtualmente – levando além fronteiras o nosso riquíssimo património fonográfico - é uma tarefa que não é impossível e que a todos beneficiaria. A união e cooperação entre empresas discográficas e distribuidoras, arquivos públicos, privados e particulares, produtores e Estado podia enriquecer e fortalecer a presença da cultura e da língua portuguesa no mundo.

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Bibliografia e Outras Fontes Consultadas.

Bibliografia Losa, Leonor. Machinas Fallantes. A Música Gravada em Portugal no Inicio do Século XX. Tinta da China. Lisboa: 2014 Moura, Vasco Graça. Amália: Dos Poetas Populares aos Poetas Cultivados. Tugaland. Lisboa: 2009 Nunes, Antonio Manuel. Arquivos Sonoros, Realidade Proto-Emergente em Portugal. CEIS20, Estudos do Século XX. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, nº 11, Dezembro de 2011. Pereira, Joaquim Tomás Miguel. Depósito Legal. “Cadernos de Biblioteconomia e Arquivística”. 1963-64 Reportagem de Mário Lopes no suplemento P2, do jornal Público, edição online de 25/05/2011 Santos, Maria Luísa [apresentação]. Depósito Legal: que políticas?. Mesa Redonda realizada a 29 de Abril de 2009, na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro.

Legislação Alvará Régio de 12 de Setembro de 1805 Alvará Régio de 29 de Fevereiro de 1796 Alvará Régio de 30 de Junho de 1795 Constituição da República Portuguesa Decreto nº 19.952, de 27 de Junho de 1931 Decreto-lei nº 139/2009, de 15 de Junho Decreto-lei nº 350/93, de 7 de Outubro Decreto-lei nº 362/86, de 28 de Outubro Decreto-lei nº 74/2006, de 24 de Março Decreto-lei nº 74/82, de 3 de Março Decreto-lei nº 94/2007, de 29 de Março

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Despacho nº 1164-A/2014, de 22 de Janeiro de 2014 Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro Ordonnance royale du 8 décembre 1537, publiée au Chatelet le 7 mars 1537 Projecto de Lei nº 414/XII/2ª

Sites Biblioteca Municipal de Lisboa Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema Diário da República Electrónico Editora Tinta da China Governo de Portugal Instituto de Ciências Sociais Instituto do Cinema e do Audiovisual Jornal Público Legislação Régia – Parlamento Museu da Musica – Câmara Municipal de Cascais Parlamento Partido Comunista Português UNESCO

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Índice

Introdução.

pág. 3

Depósito Legal – História.

Pág. 4

Depósito Legal – Caos Legislativo.

Pág. 12

Depósito Legal – O Que (Falta) Fazer?

Pág. 18

Conclusão.

Pág. 22

Bibliografia e Outras Fontes Consultadas.

Pág. 23

Índice.

Pág. 25

José Daniel Marques Teixeira Soares Ferreira

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