Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

May 28, 2017 | Autor: Luciano Vaz Ferreira | Categoria: Direito Ambiental, direito Internacional público, Medio Ambiente, Relações Internacionais
Share Embed


Descrição do Produto

DESAFIOS À EFETIVAÇÃO DAS NORMAS AMBIENTAIS INTERNACIONAIS1 Matheus Linck Bassani2 Luciano Vaz Ferreira3 RESUMO: O presente trabalho pretende avaliar os desafios para a implementação das normas ambientais, focando na efetividade e eficácia de acordos considerados como soft law. Avalia-se, na primeira parte, aspectos gerais das normas de direito internacional ambiental, demonstrando que a ausência de rigidez pode ser um facilitador para a assinatura de acordos, mas possui a desvantagem de não ser vinculante aos Estados. Internalizar as regras pode ser um meio de cumprimento da legislação ambiental, mediante enforcement. Por outro lado, a cooperação e o cumprimento voluntário, muitas vezes incentivados pela consciência e por aspectos morais, tendem a ser catalizadores das iniciativas, ainda que tímidas, em razão da urgência do tema. Conclui-se que permanece a necessidade dos governos serem mais efetivos na elaboração legislativa e de fiscalização do cumprimento de normas. PALAVRAS-CHAVE: Direito Internacional Ambiental; Efetividade; Eficácia; Cumprimento; Internalização de Regras.

ABSTRACT: This paper aims to evaluate the challenges for implementation of environmental rules, focusing the effectiveness and efficiency of soft law agreements. It is estimated in the first part general aspects of international environmental law, demonstrating that the absence of rigidity can be a facilitator for signing agreements, but has the disadvantage of not being binding on States. Internalizing the rules can lead to environmental legislation compliance by enforcement. On the other hand, cooperation and voluntary compliance, often encouraged by conscience and moral aspects, tend to be catalysts of positive initiatives, albeit timid, considering the urgency. We conclude that remains the necessity to be more effective in legislative drafting and enforcement of the rules by local governments.

1

Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto de pesquisa “Declaração de Nova York Sobre Florestas: Uma análise acerca do papel do Brasil no novo contexto ambiental e geopolítico mundial”, realizado pelo Centro de Direito Internacional – CEDIN com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Processo nº471502/2014-6). 2 Mestre e Doutorando em Direito pela UFRGS. Pesquisador visitante do Center for Energy, Petroleum and Mineral Law and Policy (CEPMLP), Universidade de Dundee, Escócia. 3 Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS), com período de pesquisa na American University (Washington, D.C., EUA). Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

KEYWORDS: International Environmental Law; Effectiveness; Efficiency; Compliance; Internalization Rules. 1 INTRODUÇÃO Naturalmente, todos os seres vivos, fauna e flora, e inclusive os seres humanos, dependem da qualidade do meio ambiente e dos recursos presentes na terra, no ar e no mar, que devem ser preservados para a presente e para as futuras gerações. Isso está hoje positivado no plano internacional e nos vários direitos domésticos dos países. O Brasil, por exemplo, adota expressamente a proteção do meio ambiente, com status constitucional, mediante artigo 225 e seguintes, da Constituição Federal. As normas ambientais tocam diversas áreas, as quais tendem a se conectar em determinado ponto. Isso se deve, logicamente, ao próprio objeto que se está analisando, que é o plural meio ambiente, composto por incontáveis interações sistêmicas e inserido em uma sociedade que experimenta constantes transformações. Não se pretende exaurir as inúmeras possibilidades de abordagem científica sobre a questão da implementação de normas ambientais, objeto de estudo de inúmeros autores, mas sim de procurar alertar sobre a necessidade de que se criem mecanismos mais incisivos a proteger o meio ambiente. Apesar de toda produção científica, não houve ainda uma conscientização pelos governantes e demais gestores públicos de que o tema necessita ser enfrentado urgentemente e de maneira mais efetiva, sob pena de acarretar a extinção de toda vida no planeta terra. O desafio é a efetivação das normas ambientais, e a presente pesquisa procura analisar de forma precisa as possibilidades de viabilizar a concretização das previsões normativas, com especial foco para o contexto brasileiro. A partir de um panorama do Direito Ambiental Internacional, abordado na primeira parte, questões específicas das normas ambientais e os desafios para sua implementação e efetivação no Brasil são analisados na segunda parte. Ao final, serão tecidas as considerações pertinentes.

2 ASPECTOS GERAIS DO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL: ATORES E FONTES De maneira simplificada, pode-se conceituar o Direito Ambiental Internacional como o conjunto de normas jurídicas internacionais que protegem o meio ambiente. Apesar de vários problemas contemporâneos não conhecerem as fronteiras territoriais, como resultado do processo globalizante, a degradação ambiental é o fenômeno no qual esta característica Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

77

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

apresenta-se de maneira mais acentuada. Como a humanidade vive em um mundo compartilhado, composto por ecossistemas mutuamente dependentes, a mínima perturbação em um meio ambiente pode causar efeitos devastadores em qualquer parte do planeta, em uma assustadora aplicação prática de um “efeito borboleta”4. Frente à “Era do Antropoceno”5, as preocupações atuais não se esgotam com a poluição transfronteiriça, sendo direcionadas para as condutas que possam conduzir, a longo prazo, à extinção da vida na terra, como o fenômeno do aquecimento global. Aqui, a fragilidade da soberania torna-se uma tragédia cotidiana: os esforços individualmente considerados, como a regulação nacional isolada, pouco importam, visto que as consequências do descaso de um Estado com o meio ambiente serão sentidas por todos, de maneira indiscriminada. A única saída pode ser encontrada na cooperação e na regulação internacional6, representadas pelo desenvolvimento de uma ordem jurídica internacional capaz de garantir que os diversos atores globais protegerão de maneira minimamente uniforme o meio ambiente. Diferentes atores participam ativamente na governança deste sistema internacional. Como não poderia ser diferente, enquanto únicos entes dotados de soberania, os Estados desempenham o importante papel de criar, adotar e implementar normas internacionais na área ambiental, constituir organizações internacionais e permitir a participação de outros atores não estatais7. As organizações internacionais (globais, regionais ou bilaterais) também possuem função de alta relevância na proteção do meio ambiente. Uma vez que se trata de um sistema descentralizado, todas as instituições internacionais podem tratar do assunto, no âmbito de seu mandato e atribuições.

4

O chamado “efeito borboleta” é um termo científico utilizado para ilustrar que uma pequena mudança no curso de um evento pode gerar resultados inesperados e de grande magnitude. Costuma-se citar de maneira ilustrativa que o bater de asas de uma borboleta pode ser capaz de gerar um furacão em outra parte do mundo. 5 Trata-se da proposta que a atual Era Geológica é marcada pelo grande impacto (muitas vezes catastrófico) da ação do homem no ecossistema da terra. STEFFEN, Will et. al. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature? AMBIO: A Journal of Human Environment, Suécia, v. 36, n. 08, p. 614-621, 2007. 6 Nas palavras de Timo Koivurova: “O sistema legal de cada país funciona dentro de certos limites geográficos. Cada governo pode criar e aplicar suas leis dentro seu território soberano – que se estende até o limite das águas territoriais. Eles também possuem jurisdição no espaço aéreo e no espaço sideral, mas apenas dentro dos limites do Direito Internacional. O parlamento de um país pode regular seus cidadãos ou suas companhias quando operam domesticamente ou no exterior. No entanto, quando o problema não é limitado a jurisdição de um único país, cooperação intergovernamental é necessária. Problemas ambientais não possuem respeito a fronteiras territoriais. Se águas limítrofes de dois países são contaminadas, estes países precisarão cooperar, uma vez que nenhum deles consegue administrar o problema sozinho [...] Se o problema ambiental é causado por vários países e afeta a todos, soluções globais devem ser procuradas”. KOIVUROVA, Timo. Introduction to International Environmental Law. Nova Iorque: Routledge, 2014, p. 09. 7 SANDS, Philippe. Principles of International Environmental Law. 2 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2003, p. 71. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

78

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

Na área ambiental, destaca-se a atuação da Organização das Nações Unidas (ONU), especialmente os esforços realizados no âmbito da Assembleia Geral, do Conselho Econômico e Social e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA (United Nations Environment Programme – UNEP), única estrutura dedicada inteiramente para o fomento do diálogo e da cooperação internacional na área ambiental. Criado em 1972, como resultado da Conferência de Estocolmo, é composto por cinquenta membros eleitos pela Assembleia Geral e que se reúnem duas vezes por ano em Nairóbi, no Quênia, sob o suporte de um secretariado e a coordenação de um Diretor Executivo. Desde o seu funcionamento, o PNUMA foi responsável pela elaboração de vários tratados internacionais de proteção ambiental8. Apesar de possuir uma missão de alta relevância para o sistema internacional, a entidade sofre com alguns problemas. Por se tratar de um mero programa, falta-lhe autonomia administrativa e financeira necessárias para o desempenho de suas atividades9. A sua localização em Nairóbi, distante dos grandes centros de poder também contribui para o seu enfraquecimento. Desde o início do séc. XXI, alguns países, liderados pela União Europeia, têm defendido o fortalecimento da instituição, de modo a transformá-la em uma agência da ONU (United Nations Environment Organization), nos moldes da Organização Mundial da Saúde10. Tal iniciativa, contudo, não avançou até o presente momento. Um aspecto que chama a atenção no Direito Ambiental Internacional é a forte participação de atores não estatais. Ao defenderem seus interesses, esses grupos exercem pressões que são sentidas na estrutura de governança da proteção ambiental internacional. Sua importância é mencionada tanto na “Declaração do Rio” quanto na “Agenda 21”. As ONGs internacionais tradicionalmente colaboram com a negociação e redação de normas na área ambiental, visto que esta é uma de suas principais funções enquanto grupo de interesse. Costumam também fiscalizar fortemente o cumprimento destes dispositivos e participar de reuniões em instâncias internacionais, como o PNUMA. Neste segmento destacam-se os trabalhos da International Union for Conservation of Nature and Natural Resources, World 8

PETSONK, Carol Annette. The Role of the United Nations Environment Programme (UNEP) in the Development of International Environmental Law. American University International Law Review, Washington, D.C., v. 5, n. 2, p. 351-391, 1990, p. 359-362. 9 IVANOVA, M aria. Assessing UNEP as Anchor Institution for the Global Environment: Lessons from the UNEO Debate. Working Paper n. 05/01 – Yale Center for Environmental Law and Policy. 2005. Disponível em:. Acesso em: 28/05/2016, p. 14-20. 10 MEYER-OHLENDORF, Nils; KNIGGE, Markus. A United Nations Environment Organization. In: SWART, Lydia; PERRY, Estelle. Global Environmental Governance: Perspectives on the Current Debate. Nova Iorque: Center for UN Reform Education, 2007, p. 125. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

79

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

Wildlife Fund, Greenpeace e Friends of the Earth. O setor empresarial costuma também influenciar esse processo de produção de normas, representado principalmente pela pressão exercida pelas empresas transnacionais, visto que as regulações ambientais impactam economicamente em suas atividades. Por fim, porém não menos importante, observa-se também uma grande contribuição da comunidade científica organizada, responsável por determinar a extensão dos danos ambientais, discutir estratégias de prevenção e demais aspectos técnicos que fogem do conhecimento dos juristas e policy-makers. As normas internacionais de proteção ambiental enquadram-se na classificação tradicionalmente encontrada nas pesquisas de Direito Internacional, que se baseiam no rol de fontes jurídicas dispostas no Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ)11, que divide em primárias (tratados internacionais, costume internacional, princípios gerais do direito) e secundárias (jurisprudência e doutrina). O costume internacional, considerado como a prática reiterada de atos aceitos como direito pelos Estados, foi a única fonte de Direito Internacional durante séculos, quando os sistemas jurídicos nacionais ainda eram predominantemente não escritos12. Com o tempo, a partir dos processos de codificação e positivação do direito, os Estados passaram a firmar acordos escritos estipulando normas jurídicas a serem observadas pelos signatários, na forma de tratados internacionais. Ainda que não exista hierarquia entre as duas fontes, não se pode negar que a clareza e estabilidade que é inerente a um documento escrito (um costume é sempre difícil de ser comprovado na prática) alçaram o tratado internacional à posição de principal recurso jurídico, vide o crescimento exponencial de número de acordos nos últimos dois séculos e o processo de codificação dos costumes internacionais. De acordo com Sands, o costume internacional não tem apresentado grande relevância para casos envolvendo o Direito Ambiental Internacional13.

11

Art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça: “A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d) sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem”. 12 MALANCZUK, Peter. Akehurst´s Modern Introduction to International Law. 7 ed. Nova Iorque: Routledge, 1997, p. 36. 13 SANDS. Op. Cit., p. 71. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

80

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

Apesar de existirem tratados mais antigos dispondo sobre o assunto14, foi a partir da década de 70, com a Conferência de Estocolmo, que houve uma verdadeira proliferação de tratados internacionais na área ambiental15. Estima-se que existam, atualmente, 1.100 tratados multilaterais e 1.500 bilaterais dispondo sobre proteção internacional do meio ambiente 16. Na área ambiental costuma-se utilizar o modelo de “convenções-quadro”. Esses documentos fixam obrigações gerais, arranjos institucionais básicos e procedimentos para adoção de obrigações detalhadas em um protocolo subsequente17. Tais tratados também contêm anexos com informações técnicas ou científicas sobre o assunto, bem como o rol de espécies, substâncias ou atividades reguladas18. Devido à complexidade e ao detalhamento das obrigações de proteção ambiental previstas nestes tratados, discutidas em extenuantes negociações, é comum que essas normas não abram espaço para reservas. Estabelecer um rol dos principais tratados multilaterais em matéria ambiental é uma tarefa difícil, devido ao número de instrumentos existentes. Contudo, é possível arriscar a elaboração de uma lista com alguns tratados levando em consideração a importância histórica destes documentos, a relevância das obrigações estabelecidas, o número de países abrangidos e sua aplicação contínua: a) “Convenção Internacional para a Regulamentação da Pesca de Baleia” (1946): estabeleceu proteção aos cetáceos do excesso da pesca. b) “Tratado sobre Proibição Parcial de Testes Nucleares” (1963): foi negociado entre EUA e URSS no auge da Guerra Fria, como fruto da crescente preocupação internacional com a liberação de substâncias tóxicas na atmosfera por conta de testes de armas nucleares19. c) “Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional”, também conhecida como “Convenção Ramsar”20 (1971): dispõe sobre proteção de ecossistemas em zonas úmidas e seu uso sustentável, incluindo lagos, rios, aquíferos subterrâneos, pântanos, manguezais e demais regiões costeiras. 14

Há registros de tratados internacionais dispondo sobre aspectos ambientais do direito da pesca e o transporte de substâncias poluentes em rios compartilhados ainda no século XIX. 15 NANDA, Ved P; PRING, George. International Environmental Law and Policy for the 21st Century. 2 ed. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2013, p. 13. 16 De acordo com o International Environmental Agreements Database Project, mantido pela University of Oregon, nos Estados Unidos, que visa catalogar, de maneira contínua, todos os tratados internacionais de meio ambiente assinados. UNIVERSITY OF OREGON. International Environmental Agreements Database Project. Disponível em: . Acesso em: 11/06/2016. 17 É o caso da “Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima” e o “Protocolo de Quioto”. 18 SANDS. Op. Cit., p. 128. 19 O tratado internacional proíbe os testes nucleares na atmosfera, no espaço exterior e sob as águas, o que significa que as operações realizadas no subterrâneo terrestre não estão abarcadas pelo instrumento internacional. Um novo tratado proibindo todos os tipos de testes (inclusive os subterrâneos) foi assinado em 1996, contudo, a ausência de ratificação de oito países com tecnologia nuclear (China, Egito, Irã, Israel, Estados Unidos, Índia, Coreia do Norte e Paquistão) impede que entre em vigor. 20 O nome deriva da cidade onde foi assinada a Convenção, em Ramsar, no Irã. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

81

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

d) “Convenção de Londres sobre a Prevenção de Poluição Marinha por Despejo de Dejetos e Outros Materiais” (1972): trata do despejo de resíduos no mar por navios e plataformas. e) “Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural” (1972): obrigação de valorizar e proteger locais de excepcional valor universal do ponto de vista estético e científico, de modo a permitir a sua transmissão para as gerações futuras. f) “Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição em Navios” (1973) e seu Protocolo (1978), também conhecida como MARPOL21: é mais ampla que a Convenção de Londres, pois trata de todos os tipos de poluições produzidas embarcações e suas cargas (como combustível, líquidos tóxicos, dejetos). g) “Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção” (1973), também conhecida como CITES22: seu objetivo é regular o comércio internacional de animais e plantas, de modo a não causar a extinção de espécies. h) “Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (1982), complementada pelo “Acordo sobre a Conservação e Manutenção de População de Peixes Transnacionais e População de Peixes Altamente Migratórios” (1995): além de dispor sobre aspectos gerais sobre Direito do Mar, dedica espaço para a regulação da exploração sustentável dos recursos pesqueiros. i) “Convenção de Viena para Proteção da Camada de Ozônio” (1985) e o “Protocolo de Montreal sobre as Substâncias que Empobrecem a Camada de Ozônio” (1987): possui o objetivo de proteger a camada de ozônio por meio da redução da emissão de gases capazes de danificá-la, como os cloroflurocarbonos (“CFCs”). j) “Convenção da Basiléia sobre o Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação” (1989): seu enfoque é na regulação de exportação de resíduos tóxicos para outros países, especialmente em situações envolvendo o envio de lixo de países desenvolvidos para países pobres. k) “Convenção sobre Diversidade Biológica” (1992): versa sobre a proteção e o uso econômico sustentável dos recursos biológicos, incluindo os recursos genéticos. l) “Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas” (1992), complementado pelo “Protocolo de Quioto” (1997) e o “Acordo de Paris” (2015), ainda não em vigor: seu objetivo é estabilizar a emissão na atmosfera de gases causadores do efeito estufa de modo a prevenir as alterações climáticas.

É importante fazer referência sobre a inserção destes tratados internacionais (incluindo os de matéria ambiental) nos ordenamentos jurídicos pátrios. Podem negociar tratados internacionais os Chefes de Estado, de Governo, Ministros das Relações Exteriores ou qualquer autoridade que possua autorização para exercer a função. Apesar de se considerar que a assinatura é um momento importante, pois representa a vontade de um Estado em cumprir determinadas obrigações internacionais, é somente após o procedimento da

21 22

Abreviação para marine pollution, traduzido em português para poluição marinha. Do original: Convention on International Trade in Endangered Species (CITES).

Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

82

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

ratificação que um país vincula-se formalmente a um instrumento jurídico internacional. A ratificação é o envio do tratado para a aprovação no âmbito interno do país, objetivando dar validade ao ato realizado externamente. Na contemporaneidade, este procedimento é comumente utilizado para conceder um caráter democrático à condução da política externa nacional, pois é comum a submissão da assinatura, realizada por representantes do poder executivo, à confirmação posterior do poder legislativo. O Brasil adota este modelo, ao estabelecer que “compete ao Presidente da República [e implicitamente ao Ministro das Relações Exteriores e autoridades designadas] celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional” (art. 84, VIII da Constituição Federal Brasileira). Uma vez ratificados, os tratados internacionais passam a fazer parte do direito nacional dos países. Tais instrumentos podem ser “auto-executáveis”, quando contenham todos os elementos para serem aplicados de plano, ou “não auto-executáveis”, quando precisem de legislação nacional detalhando a operacionalização das obrigações dispostas no tratado. Na área ambiental, é usual a segunda opção, tendo em vista as dificuldades enfrentadas para a produção de tratados internacionais complexos e detalhados entre vários Estados partes, repletos de interesses diversos. No Brasil, os tratados internacionais possuem a mesma hierarquia de lei ordinária, com a exceção dos tratados que versam sobre Direitos Humanos, que podem receber status equivalente ao de Emenda Constitucional, caso sejam aprovados pelo Congresso Nacional por 3/5 dos seus membros (art. 5, § 3º, da Constituição Federal). A dúvida que permanece é se a proteção do meio ambiente poderia ser enquadrada no rol de direitos de Direitos Humanos, o que abriria caminho para esta modalidade. Como em qualquer ramo do Direito Internacional, também se considera como fonte os “Princípios Gerais do Direito” no Direito Ambiental Internacional, o que inclui, por exemplo, adágios como o pacta sunt servanda (ou seja, o pressuposto de que os tratados internacionais devem ser cumpridos) e o dever de reparação em caso de descumprimento de uma obrigação estabelecida pelo Direito. Apesar de classificada como fonte auxiliar, a jurisprudência tem ganhado importância no Direito Ambiental Internacional, à medida que lides envolvendo questões ambientais são levadas aos tribunais internacionais. A CIJ já teve a oportunidade de julgar casos específicos em matéria ambiental, assim como o Tribunal de Justiça da União Europeia, a Corte Europeia de Direitos Humanos, Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio e o Tribunal

Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

83

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

Internacional do Direito do Mar23. A doutrina dos professores e pesquisadores de Direito Ambiental Internacional é um campo ainda a ser explorado, visto a relativa escassez de obras se comparado às outras áreas do Direito Internacional. A classificação tradicional das fontes jurídicas é um claro anacronismo se comparado com as manifestações contemporâneas do Direito e das Relações Internacionais. É possível encontrar, facilmente, fontes importantes de Direito Ambiental Internacional que não constam no rol do Estatuto da CIJ, como o soft law, as normas jurídicas produzidas por organizações internacionais e os princípios específicos de proteção ambiental internacional. Nas palavras de Nasser, o soft law (“direito suave” ou “flexível”) são normas de “linguagem vaga, ou de noções de conteúdo variável ou aberto, ou que apresentam caráter de generalidade ou principiológico que impossibilite a identificação de regras específicas e claras”24. Uma característica sua que contrasta com as outras normas (classificadas como hard law, “direito duro” ou “inflexível”) é o afastamento de métodos tradicionais de coerção para o seu cumprimento (como sanções), preferindo utilizar mecanismos mais brandos, que incluem a mediação e conciliação25. Por vezes, parecem não ter aplicação obrigatória, preocupando-se mais em “sugerir” ou “orientar” a melhor conduta a ser adotada pelo destinatário, capaz de produzir a menor lesão social possível, do que prever uma consequência clara para o descumprimento da norma. Shelton classifica como soft law qualquer instrumento internacional escrito que descreve condutas e princípios importantes a serem adotados pelos Estados, sem contudo, dispor sobre sanções diretas em caso de inobservância 26. Ao contrário dos tratados internacionais (de natureza de hard law), são normas não vinculativas, não podendo ser exigido juridicamente o seu cumprimento pelos demais membros da comunidade internacional. Tal atributo é particularmente interessante aos Estados, que podem aderir à norma sem o medo de descobrirem-se incapazes de cumprir seus dispositivos no futuro. Aqui, destaca-se a sua flexibilidade, que não exige procedimentos formais para criação e alteração, ao contrário dos tratados internacionais. Muitas normas internacionais de soft law são acompanhadas por mecanismos de monitoramento gerenciados pelos aderentes ao documento. Em um procedimento de “avaliação mútua entre pares” (peer review), os Estados registram as violações e avaliam o cumprimento do soft law pelos colegas, ao mesmo tempo em que são avaliados. Ao final, 23

SANDS. Op. Cit., p. 153. NASSER, Salem Hikmat. Fontes e Normas do Direito Internacional: um Estudo sobre a Soft Law. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 25. 25 Ibidem, loc. cit. 26 SHELTON, Dinah. International Law and 'Relative Normativity'. In: EVANS, Malcolm (Org.). International Law. 2 ed. Oxford: Oxford University Press, 2006, p. 180. 24

Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

84

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

discutem os desafios a serem enfrentados e as possíveis medidas a serem tomadas para o aperfeiçoamento das condutas. Isso demonstra o caráter educativo do soft law; ao invés de concentrar-se na punição dos infratores, busca meios alternativos de sanção27. Na manutenção de um canal de diálogo e negociação, a sanção torna-se indireta, na forma de pressão e constrangimento exercido pelos demais pactuantes cumpridores da norma. É comum a edição prévia de normas de soft law como teste de aceitação de regras e princípios para depois elaborar um tratado internacional sobre o assunto. As normas de soft law também podem ser utilizadas como prova de existência de um costume internacional ou influenciar a jurisprudência de tribunais internacionais. As conferências internacionais ambientais realizadas nas últimas décadas resultaram em uma série de declarações conjuntas dos países participantes do encontro, estabelecendo princípios a serem observados na proteção ambiental global. A “Declaração de Estocolmo” (1972), a “Declaração do Rio” (1991) e a “Agenda 21” (1991) materializaram-se como importantes normas de soft law na área. A recente “Declaração de Nova Iorque sobre Florestas” também pode ser definida como soft law. As normas jurídicas produzidas por organizações internacionais também devem ser consideradas como fontes de Direito Ambiental Internacional. Seu enquadramento como hard ou soft law dependerá dos seus objetivos e grau de integração de suas estruturas, por exemplo, uma norma de proteção ambiental produzida no âmbito do direito comunitário da União Europeia é, indubitavelmente, uma norma de hard law, enquanto as declarações meramente recomendatórias da Assembleia Geral da ONU possuem natureza de soft law. É importante ressaltar que os tratados internacionais na área ambiental são capazes de criar suas próprias estruturas internacionais, na forma de conferência de Estados partes, comissões intergovernamentais e demais órgãos executivos. Apesar de serem instituições menos complexas que as organizações internacionais tradicionais, essas redes de cooperação são capazes de criar suas próprias normas, de hard e de soft law. Por fim, os princípios específicos do Direito Ambiental Internacional devem ter seu lugar reservado como fonte jurídica. O “Princípio da Soberania Estatal sobre os Recursos Naturais” garante a proibição de intervenção estrangeira na administração de recursos naturais inseridos em uma jurisdição nacional. O “Princípio da Prevenção” estabelece que os Estados devem reservar todos os esforços para evitar danos ambientais em sua jurisdição, assim como

27

CHINKIN, C. M. The Challenge of Soft Law: Development and Change in International Law. International and Comparative Law Quarterly, Cambridge, v. 38, p. 850-866, 1989. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

85

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

absterem-se de praticar danos ao meio ambiente de outros Estados. O “Princípio da Cooperação” determina o dever que os integrantes da comunidade internacional possuem em cooperarem entre si para promover a proteção ambiental. O “Princípio do Desenvolvimento Sustentável” diz respeito ao uso sustentável dos recursos naturais de modo a garantir a sua distribuição equitativa e disponibilidade para gerações futuras. O “Princípio da Precaução” estabelece a necessidade de proteção do meio ambiente ainda que haja incerteza científica em relação à existência de um possível dano ambiental. O “Princípio do Poluidor-Pagador” determina que os custos da poluição devem ser suportados por aquele que praticou o dano. Por fim, o “Princípio da Responsabilidade Comum, Porém Diferenciada” garante o tratamento diferenciado para os países em desenvolvimento na proteção ambiental, uma vez que muitos ainda não estão em condições de suportar os custos econômicos de tais práticas28. Apresentadas as bases gerais, a questão que emerge é como são aplicadas as normas ambientais, salientando aspectos como implementação, eficácia e, de forma mais ampla, iniciativas domésticas e outras financiadas por agentes internacionais, como se passa a analisar na segunda parte.

3 A EFETIVIDADE

E

EFICÁCIA NO

CUMPRIMENTO

DAS

NORMAS

AMBIENTAIS INTERNACIONAIS No intuito de regulamentar e limitar condutas, normas são criadas, mas as mesmas necessitam ser efetivadas, sob pena de serem ineficazes. Na perspectiva mais ampla, a efetividade na hipótese de casos complexos, como o meio ambiente, pode ser verificada por meio da habilidade dos regimes internacionais29 em resolver problemas que justificam o seu estabelecimento (nas palavras de Andersen e Hey30) ou pelo desempenho das instituições criadas para resolver o problema, mas desconsiderando se o mesmo foi solucionado (nas palavras de Young31). Outra perspectiva é que a efetividade institucional não é suficiente para avaliar determinado regime internacional por desconsiderar o resultado ambiental decorrente do 28

SANDS. Op.Cit., p. 231-288. De acordo com Krasner, regimes internacionais são “princípios, normas e regras implícitos ou explícitos e procedimentos de tomadas de decisões de determinada área das relações internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores”. KRASNER, Stephen D. Causas Estruturais e Consequencias dos Regimes Internacionais: Regimes Como Variáveis Intervenientes. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 20, n. 42, p. 93-110, jun. 2012, p. 94. 30 ANDERSEN, Steinar; HEY, Ellen. The Effectiveness and Legitimacy of International Environment Institutions. International Environmental Agreements: Politics, Law and Economics, Nova Iorque, v. 5, p. 211-226, 2005, p. 212. 31 YOUNG, Oran R. The Effectiveness of International Environmental Regimes: Causal Connections and Behavioral Mechanisms. Cambridge: MIT Press, 1999, p. 11. 29

Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

86

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

desempenho institucional. Além da efetividade, deve-se contemplar o grau atingido de redução ou solução do problema que deu origem ao regime internacional e às instituições que deste participam, acrescido de quatro requisitos: (i) a ciência, (ii) tempo (que reflete a urgência e o risco da irreversibilidade dos danos ambientais), (iii) estrutura regulatória e (iv) econômica. A última “dita a forma e a dinâmica de uma sociedade em geral, em termos de poder e produção de bens e serviços, bem como indica o modo como o meio ambiente é percebido32”. Numa perspectiva mais local, ou seja, na análise da efetivação de normas no âmbito interno, Ricardo Luis Lorenzetti ressalta que as políticas legislativas em matéria ambiental têm seguido o modelo tradicional, mediante aprovação de uma lei e, em caso de descumprimento, a aplicação de sanção da conduta infratora, considerando o clássico instituto da responsabilidade civil e penal33. No entanto, a aplicação clássica do “Princípio da Responsabilidade” não está formatada para os bens coletivos, inserido nesse rol a matéria ambiental, o que leva à necessidade de uma complementação. Isso é agravado pelo fato de que esses bens ambientais, em regra, não são renováveis, como o clima, fauna e flora em extinção e águas contaminadas (a reabilitação, quando possível, traz elevados custos econômicos e sociais) 34. Nesse sentido, a política legislativa deve ser aprimorada, mediante articulação integrada de um cumprimento voluntário (compliance), forçado (enforcement) e dissuasório (deterrence). A modalidade voluntária parte da premissa que “quanto maior separação houver entre a lei, por um lado, e os incentivos econômicos e culturais, por outro, mais distância haverá entre o declarado pelo direito e a prática social”35. Havendo coerência entre os incentivos e a legislação, o indivíduo consciente desse novo paradigma ambiental tende a cumprir a norma de forma espontânea36. O cumprimento forçado parte do momento que a conduta está em desconformidade com a norma, necessitando de sanção administrativa e/ou judicial, civil e/ou penal, às pessoas físicas ou jurídicas para cumprimento. No entanto, os altos custos para manutenção de um sistema de enforcement e o caráter irreversível do dano ambiental levam à impossibilidade de adotar somente essa prática para o cumprimento legislativo; no entanto, é necessário para se 32

KUTTING, Gabriela. Environment, Society and International Relations: Towards More Effective International Environmental Agreements. Londres: Routledge, 2000. 33 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria Geral do Direito Ambiental. Tradução por Fábio Costa Morosini e Fernanda Nunes Barbosa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 101. 34 Ibidem, loc. cit. 35 Ibidem, p. 102. 36 LORENZETTI. Op. Cit., p. 102. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

87

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

efetivar a proteção ao meio ambiente. Já o modelo dissuasório procura evitar a violação das normas por condutas futuras a partir da aplicação efetiva do cumprimento forçado mediante utilização das sanções à conduta típica, servindo de exemplo para condutas ulteriores37. A ineficácia das normas ambientais é uma questão tormentosa quando se trata de aplicação da norma ao caso concreto. Lorenzetti cita duas razões: (i) a primeira está vinculada à legislação declarativa que, de forma resumida, dispõe que o Direito Ambiental, em regra, se dirige à moral, mas não às condutas, ou seja, as normas expõem o conflito, mas não o resolvem e não impactam nas decisões dos indivíduos. A legislação ambiental demanda uma recepção pelo direito interno, alterando e reestruturando a hierarquia de ordens de bens jurídicos. Ao aplicar os “Princípios da Precaução” e “Prevenção” à proteção do meio ambiente, por meio de uma tutela inibitória, é possível paralisar toda uma atividade econômica (como o fechamento de empresas, suspensão da produção e do transporte), o que pode gerar um intenso conflito social38. A recepção das normas ambientais pode ser geradora de custos de transação ao setor produtivo, o que pode levar os Estados mais frágeis a abdicar das normas ambientais no intuito de se tornar atrativos ao investimento estrangeiro39, tornando-se “paraísos para os poluidores” (pollution haven). Há a possibilidade de ser estabelecida uma “corrida para o fundo” (race to the bottom)

40

regulatória, resultando um sistema de jurisdições nacionais

ineficientes no plano ambiental, causando uma distorção na alocação de recursos41. Padrões ambientais mínimos necessitam ser estabelecidos de forma uniforme nas legislações ambientais domésticas sob pena de, primeiro, desproteger o meio ambiente e, segundo, fomentar uma ideia de que os recursos naturais podem ser extraídos sem qualquer custo ambiental. Nesse sentido, Lorenzetti enumera os fatores que impedem a adoção dos mecanismos de implementação das leis: a) A demora na aprovação de leis que adaptam ou incorporam um direito em virtude de uma obrigação contraída ao firmar um tratado;

37

LORENZETTI. Op. Cit., p. 103-104. Ibidem, p. 104. 39 Sobre arbitragem de investimentos e meio ambiente, ver: MONEBHURRUN, Nitish.. Is Investment Arbitration the Appropriate Venue for Environmental Issues?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, p. 195-206, 2013. 40 NEUMAYER, Eric. Pollution Havens: An Analysis of Policy Options for Dealing With an Elusive Phenomenon. Journal of Environment and Development, Thousand Oaks, v. 10, n. 2, p. 147-177, 2001, p. 148. 41 PORTER, Gareth. Trade Competition and Pollution Standards: “Race to the Bottom” or “Stuck at the Bottom”? Journal of Environment and Development, Thousand Oaks, v. 8, n. 2, p. 133–151, 1999, p. 136. 38

Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

88

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

b) A sanção de leis declarativas que só aparentemente desenvolvem o direito reconhecido em um tratado ou em uma norma constitucional, porque têm declarações de objetivos, mas não instrumentos efetivos para lograr que sejam uma realidade prática; c) A demora na elaboração de regulamentos que permitem a aplicação de uma lei, o que acontece muitas vezes. Um bom exemplo disso é o seguro ambiental, ou a definição de pressupostos mínimos; d) A debilidade dos órgãos de implementação e controle, seja porque não têm orçamento, seja porque são excessivamente controlados por uma autoridade central e submetidos a políticas gerais. e) A enunciação de programas sobre proteção ambiental em todos os campos, mas sem contar com sistemas que meçam os resultados; f) A fragmentação de normas que obscurece a interpretação; g) A sobreposição de organismos de controle que geram problemas de competência; h) Falta de consenso prévio e de discussão profunda sobre os custos e opções reais que se tem à disposição42.

Uma das razões da ineficácia das normas é a natureza jurídica dos bens ambientais, que é coletiva43. A medida deixa de ser uma ação individual para se direcionar a uma ação coletiva, cuja “escala é absolutamente diferente, e o que é apropriado para os indivíduos não costuma dar os mesmos resultados para os grupos”44. Outra questão é que não é possível monetarizar os bens, dificultando a valoração do dano, muitas vezes irreversível, como o recente acidente no Rio Doce, cuja extensão foi do centro do Brasil - do município de Mariana, Minas Gerais - até o oceano Atlântico, no estado do Espírito Santo. Numa outra perspectiva, Marcelo Dias Varella ressalta que o caráter de soft law do Direito Internacional do Meio Ambiente consegue atingir certa efetividade (compliance e enforcement) mediante utilização de mecanismos de controle que foram evoluindo ao longo do tempo. Na década de 1970, o “controle por relatórios” era desenvolvido por Estados, organizações internacionais ou não-governamentais; no entanto, não havia qualquer uniformidade ou verificação da idoneidade das informações. Posteriormente, com a “Convenção sobre Poluição Atmosférica de Grande Distância” (1979), a “Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha a Partir de Fontes de Poluição Terrestre de Paris” (1974), o

42

LORENZETTI. Op. Cit., p. 105. Para aprofundamento sobre matéria relativa aos bens ambientais, vide: BENATTI, José Heder. O Meio Ambiente e os Bens Ambientais. In: RIOS, Aurélio Virgílio Veiga; IRIGARAY, Carlos Teodoro Hugueney (Orgs.). O Direito e o Desenvolvimento Sustentável: Curso de Direito Ambiental. São Paulo: Peirópolis, 2005, p. 205-243. 44 LORENZETTI. Op. Cit., p. 106. 43

Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

89

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

CITES e o “Protocolo de Quioto” houve uma evolução substantiva desse tipo de controle, com maior padronização e possibilidade de comparação dos dados com outros Estados45. Um exemplo recente desse tipo de controle é o “Acordo de Paris”, sob auspício da “Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas”, assinada por 175 países46, em 22/04/2016, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, sendo mais uma tentativa de concretizar ações para mitigar as mudanças climáticas contendo o aquecimento global. Nessa recente Convenção, o primeiro desafio é que os países assinantes de fato ratifiquem o acordo (no mínimo 55 países desde que estejam cobertas 55% das emissões globais – art. 21) para que possa vigorar. O segundo desafio é verificar se os aderentes estão realmente criando iniciativas no intuito de reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa, ou seja, implementando medidas positivas. Essa tarefa é mais árdua e morosa, pois envolve constante monitoramento. Além do fato que interesses múltiplos tendem a aumentar o conflito no âmbito doméstico, como por exemplo, no embate entre a preservação florestal e o agronegócio. O “Acordo de Paris” parte do reconhecimento do cenário de desigualdade das partes aderentes (“Princípio da Responsabilidade Comum, Porém Diferenciada), com o intuito de promover uma equalização nos esforços para redução dos efeitos da mudança climática. O tratado prevê vários setores em que podem ser efetivadas ações cooperativas, como na ocorrência de eventos danosos, preparação para emergências, entre outros. Há ainda a previsão de cooperação no desenvolvimento e transferência de tecnologia e no aprimoramento de capacidades. O que se pode extrair é que o Acordo possui regras objetivando sempre a redução do aquecimento global e a mitigação das mudanças climáticas, sem, contudo, coagir as partes na hipótese de descumprimento, fomentando a cooperação como meio de solucionar os impasses. Sandrine Maljean-Dubois defende que a implementação e cumprimento dos tratados ambientais seja “por meios cooperativos em detrimento de meios repressivos de execução, de modo que evite a instauração de antagonismos e confrontos políticos entre Estados, causando o que se denomina de efeito disruptor (disruption effect)”47. Deveres periódicos como a 45

VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 81-82. 46 UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE. List of Signing Countries. Disponível em: Acesso em 26/04/2016. 47 “Essa abundância da soft law é o sintoma patológico, por excelência, de uma matéria ainda recente e muito longe de ser consensual na escala mundial, percorrida, principalmente, pelas fraturas norte-sul ou euroatlânticas. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

90

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

elaboração de relatório quinquenal, prevista no “Acordo de Paris”, demonstram o caráter assistencial e de cooperação, possibilitando o monitoramento do cumprimento do Acordo. Nesse caso, os relatórios são enviados à ONU que, em última análise, forma a opinião pública48. Na perspectiva do Brasil na aplicação das normas internacionais ambientais, o país possui uma posição de destaque na preservação do meio ambiente, muitas vezes indo além das expectativas ou recomendações, como a geração por fontes renováveis de mais de 70% de sua energia consumida; outras pouco louváveis, como o desmatamento na mata atlântica e na floresta amazônica, apesar de ter sido elogiado pela própria ONU por ter reduzido em 2013 76% da média anual comparado com o período de 1996 a 200549. Paulo Affonso Leme Machado afirma que a “Declaração de Estocolmo” de 1972 foi o embrião para a posterior “Declaração do Rio” de 1992, influenciando as legislações ambientais da maioria dos países, incluindo o Brasil. Um exemplo é o Princípio 1750 da “Declaração de Estocolmo”, que confia às instituições domésticas, independentemente dos sistemas econômicos adotados, a função de proteger, fiscalizar as condutas e controlar a utilização de recursos ambientais. A Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) foi criada após a Conferência de Estocolmo com a função de sugerir normas contra a poluição, mas olvidando o tema da conservação da natureza. Entretanto, por engajamento pessoal do secretário do meio ambiente, houve a criação de unidades de conservação denominadas de estações ecológicas51.

Mas, mesmo se esta soft law for teoricamente colocada nos instrumentos não-vinculantes, ela pode ter um determinado valor jurídico na prática: os cuidados colocados para negociar o conteúdo de tais atos, como o fato que os Estados aceitam, às vezes, a instauração de mecanismos de monitoramento e de controle de sua aplicação, fornecem exemplos bastante claros disso. Na realidade, os graus de normatividade e de efetividade desses instrumentos são variáveis. A summa divisio entre o hard e o soft, entre o obrigatório e o não-obrigatório, em todo caso, não resiste a uma análise aprofundada”. MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. A Implantação do Direito Internacional do Meio Ambiente. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flavia (Orgs.). Proteção Internacional do Meio Ambiente. Brasília: Unitar, UniCEUB e UnB, 2009, p. 88-121. 48 ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 701-703. 49 UNITED NATIONS. Climate Summit 2014. Action Statements and Action Plans. The New York Declaration on Forests. Disponível em: . Acesso em: 29/06/2016. 50 DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO. Princípio 17: Deve-se confiar às instituições nacionais competentes a tarefa de planejar, administrar ou controlar a utilização dos recursos ambientais dos Estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/MeioAmbiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html. Acesso em: 29/06/2016. 51 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Princípios Gerais de Direito Ambiental Internacional e a Política Ambiental Brasileira. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 30, n. 118, p. 207-218, abr-jun/1993, 208. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

91

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) foi criado somente em 1984, como órgão deliberativo e consultivo da política ambiental, com a função de integrar os agentes políticos (União, Estados) e organizações não-governamentais (ONGs). Salienta-se que o estudo de impacto ambiental (EIA) foi implementado no Brasil mediante Resolução CONAMA nº 001, de 23 de janeiro de 1986, a partir de um desastre na construção da hidroelétrica de Balbina/Amazonas52, corroborado pela posterior “Declaração do Rio” de 1992, disposto no Princípio 1753, mediante aplicação dos “Princípios da Precaução”54 e da “Prevenção”. Outras iniciativas como o direito à informação ambiental, a notificação de eventos, a educação ambiental e a participação em audiências públicas foram implementadas após metade da década de 1980, e com maior evolução após a ECO-92.55 Ana Flávia Barros-Platiau analisa a relevância do Brasil na governança das grandes questões ambientais contemporâneas, afirmando que o país pode ser considerado um ator relevante no contexto regulatório internacional, porém disposto a cooperar mais em alguns temas que outros. Em relação à mudança climática, o Brasil possui papel crescente; o oposto ao desempenhado em relação ao acesso a recursos genéticos e seus benefícios e nos regimes de águas. É possível identificar uma clara evolução do Brasil em sua política externa relacionada às questões ambientais, passando de um “Estado-veto” (bloqueando todas negociações) para um “Estado-promotor” (promovendo negociações) em alguns regimes ambientais. Há também a mudança do discurso “desenvolvimentista” para a defesa de políticas de “desenvolvimento sustentável” 56. Claramente influenciado pelas normas internacionais, o Direito Ambiental Brasileiro positivou princípios consagrados nestes instrumentos, inclusive em seu documento mais importante, a Constituição Federal (CF). O “Princípio da Prevenção” encontra-se presente uma vez que cabe ao poder público brasileiro e à coletividade “o dever de defendê-lo e 52

FEARNSIDE, Philip M. A Hidrelétrica de Balbina: o Faraonismo Irreversível Versus o Meio Ambiente na Amazônia. In: FEARNSIDE, Philip M. (Org.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras. Manaus: INPA, 2015, p. 97-125. 53 DECLARAÇÃO RIO 1992. Princípio 17: A avaliação de impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser empreendida para as atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de autoridade nacional competente. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-sobre-meio-ambiente-edesenvolvimento.html. Acesso em: 29/06/2016. 54 DECLARAÇÃO RIO 1992. Princípio 15: De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza cientifica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-sobre-meio-ambiente-edesenvolvimento.html. Acesso em: 29/06/2016. 55 MACHADO. Op. Cit., p. 209-214. 56 BARROS-PLATIAU, Ana Flávia. O Brasil na Governança das Grandes Questões Ambientais Contemporâneas. Brasília: CEPAL/IPEA, 2011, p. 8-9. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

92

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225, caput). O “Princípio da Precaução” está implícito na exigência constitucional de realização de estudos prévios de impacto ambiental (art. 225, IV) e o controle de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, para a qualidade de vida e para o meio ambiente (art. 225, V). A Lei dos Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9.605/98) imputa o crime àqueles que deixem de adotar medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível (art. 54, § 3º), uma clara referência ao “Princípio da Precaução”. A Lei de Biossegurança (Lei Federal nº 11.105/2005), por sua vez, estabelece que o controle de organismos geneticamente modificados deve observar o “Princípio da Precaução” (art. 1º). A Constituição brasileira também prevê o “Princípio do Desenvolvimento Sustentável”, ao dispor como um dos adágios da ordem econômica a defesa do meio ambiente (art. 170, VI). Por fim, o “Princípio do Poluidor-Pagador” (art. 225, § 3º da CF) também se encontra previsto na obrigação do meio empresarial em manter um sistema de logística reversa para dar destinação adequada a produtos potencialmente perigosos ao meio ambiente após seu uso pelo consumidor (art. 33 da Lei Federal nº 12.305/2010)57. O Brasil tem tentado não apenas ratificar os tratados internacionais, mas implementar seus dispositivos, o que inclui adaptar o ordenamento jurídico às suas cláusulas, especialmente pela ausência de auto-executoriedade de vários desses instrumentos. Contudo, os resultados têm sido regulares. No que diz respeito à “Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural”, o Brasil indicou uma série de locais para gozarem de proteção internacional como patrimônio natural da humanidade58. Em nível local, a sua proteção está garantida pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei Federal nº 9.985/2000, regulamentado pelo Decreto Federal nº 4.340/2002) e pelo Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (Decreto Federal nº 5.758/2006). Além da proteção geral constitucional sobre a fauna e a flora brasileira (art. 225, VII da CF), o país possui uma legislação própria para regulamentação do CITES (Decreto Federal n º 3.607/2000), que estabelece o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) como sendo responsável para emitir licenças para o comércio 57

De acordo com a legislação (art. 33, da Lei Federal nº 12.305/2010), agrotóxicos, seus resíduos e embalagens; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; produtos eletroeletrônicos e seus componentes. 58 Parque Nacional de Iguaçu (Foz do Iguaçu); Mata Atlântica (Reservas do Sudeste, São Paulo e Paraná); Costa do Descobrimento (Reservas da Mata Atlântica, Bahia e Espírito Santo); Complexo de Áreas Protegidas da Amazônia Central; Complexo de Áreas Protegidas do Pantanal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; Áreas protegidas do Cerrado (Chapada dos Veadeiros e Parque Nacional das Emas, Goiás); Ilhas Atlânticas Brasileiras (Reservas de Fernando de Noronha e Atol das Rocas). Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

93

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

internacional de espécies da flora e fauna selvagem brasileira. Há a previsão de penas administrativas e criminais para aqueles que comercializem indevidamente tais espécimes (Lei Federal nº 9.605/98). No entanto, o número de condenações com base nesta legislação não está condizente com a dimensão desse comércio ilícito no país, além das penas previstas serem baixas e quase sempre passíveis de substituição por penas alternativas. Em relação à “Convenção sobre Diversidade Biológica”, a proteção constitucional (art. 225, II) encontra-se reforçada pela Política Nacional de Biodiversidade (Decreto nº 4.339/2002) e uma legislação especial sobe o tema (Lei Federal nº 13.123/2015). Sua preocupação concentra-se especialmente na exploração econômica do patrimônio genético. O Brasil possui sua própria Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei Federal nº 12.187/2009, regulamentada pelo Decreto Federal nº 7.390/2009), o que coloca o país adaptado à Convenção-Quadro da ONU sobre o tema. Por meio do tratado internacional e da legislação própria, o Brasil comprometeu-se voluntariamente com uma série políticas de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa59, que serão revistas por conta do novo acordo internacional na área. Por meio do “Acordo de Paris”, o Brasil estabeleceu a ambiciosa meta de reduzir 37% dos índices de emissões de 2005 em 2025 e 43% em 2030, alem de promover a restauração e o reflorestamento de 12 milhões de hectares de floresta. No que diz respeito à “Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional” (“Convenção Ramsar”), o Brasil mantém, atualmente, proteção especial nos termos do tratado internacional em 12 locais60, o que concede acesso à assessoria técnica e a recursos financeiros de natureza internacional. Apesar de existirem referências a esses locais no Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas e no Código Florestal (Lei Federal n º 12.651/2012), não há um regime jurídico específico voltado às zonas úmidas no Direito Ambiental Brasileiro. A proteção às florestas é um caso a parte, uma vez que inexiste um regime de proteção internacional dedicado à matéria61. Cada país possui a sua legislação nacional própria, com pouca coordenação internacional. A exceção fica por conta das experiências do “Acordo Internacional sobre Madeira Tropical” (1996) e do “Fórum das Nações Unidas sobre 59

A meta original estipulada pelo Brasil é de reduzir de 36,1% até 38,9% as emissões de gases de efeito estufa previstos para 2020. 60 Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses; Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense; Parque Estadual Marinho do Parcel de Manuel Luiz; Parque Nacional do Araguaia - Ilha do Bananal; Parque Nacional da Lagoa do Peixe; Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense; Reserva de desenvolvimento Sustentável Mamirauá; Reserva Particular do Patrimônio Natural SESC Pantanal; Reserva Particular do Patrimônio Natural Fazenda Rio Negro; Parque Nacional Marinho dos Abrolhos; Parque Estadual do Rio Doce; Parque Estadual do Rio Doce. 61 BARROS-PLATIAU. Op. Cit., p. 21-22. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

94

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

Florestas” (2000), além de referências indiretas em outros tratados internacionais62, experiências ainda de alcance limitado na área. No caso específico da Amazônia, que se trata de uma floresta compartilhada por alguns países63, instituições regionais como a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica não cumprem o seu papel de proteção ambiental. A dependência de (e o interesse por) recursos naturais pelos países detentores de áreas florestais, e também pelos países consumidores de recursos florestais, muitas vezes, impede a ratificação de um acordo multilateral sobre o tema. Tentativas foram criadas, como na ECO92, mas o Brasil não aceitou tratar somente de florestas tropicais, desejando incluir todos os tipos de florestas, o que levou a um impasse. Eventuais políticas nacionalistas e imediatistas de uso predatório dos recursos florestais para cobrir déficits econômicos e financiar investimentos ou aventuras bélicas formam obstáculos para a negociação de um acordo. Sendo assim, é possível dizer que inexiste governança (regional e internacional) sobre o tema, pelo fato de as divergências políticas não terem sido vencidas64. No caso brasileiro, questões fundiárias e práticas de uso da terra, como queimadas para o cultivo e para a pecuária, foram objeto de normatização, porém, a sua fiscalização ainda é tímida. No entanto, verificou-se redução da taxa de desmatamento entre 2008 e 2009, de 45% na Amazônia. O combate do extrativismo ilegal é outro aspecto a ser enfrentado. Outras medidas importantes lideradas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) objetivam o desenvolvimento local mediante alternativas econômicas sustentáveis para as populações de baixa renda. Um ponto importante diz respeito à recusa do governo brasileiro em vincular-se à “Declaração de Nova Iorque” e sua necessária intersecção com o regime jurídico internacional de mitigação das mudanças climáticas. Observa-se que entre os 130 países que participaram do encontro internacional que deu origem ao documento, 102 não assinaram a declaração florestal. O Brasil defende a ideia de um acordo verdadeiramente global, obrigatório, com metas objetivas de redução de emissões de gás de efeito estufa e compromisso de proteção das florestas, nos moldes do que já está sendo feito internamente por meio da Política Nacional sobre Mudanças do Clima e os recentes compromissos 62

Referências podem ser encontradas na “Convenção sobre Diversidade Biológica”, “Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas”, “Convenção de Luta contra a Desertificação” (1996), “Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional”, “Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção”, “Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais” (1991), “Acordos da Organização Mundial do Comércio”, “Convenção sobre Conservação das Espécies Migratórias Selvagens (1983) e “Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural”. 63 Compartilham a Amazônia Brasil, Peru, Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia, Guiana, França (Guiana Francesa) e Suriname. 64 BARROS-PLATIAU. Op. Cit., p. 09. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

95

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

firmados a partir do “Acordo de Paris”, que inclui um intenso programa de reflorestamento. O governo também criticou a inexistência de mecanismos de financiamento para redução de desmatamento e uma política de cooperação internacional na área65. Nesse contexto, a recente Estratégia Nacional para Redução das Emissões Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal (ENREDD+), elaborada no âmbito do Ministério do Meio Ambiente e publicada em abril de 2016, é muito mais ambiciosa que as iniciativas internacionais, podendo se tornar um incentivo positivo à preservação florestal, e também à mitigação das mudanças climáticas66.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a análise exposta nesse estudo, é possível concluir que há muito para evoluir na efetividade e eficácia de normas ambientais. Os interesses são múltiplos, e nem sempre a proteção ambiental é prioridade dos governos, que possui, concomitantemente, agendas políticas, econômicas e sociais, que não justificam a omissão legislativa ao incentivo positivo. A fiscalização do cumprimento das regras parece não ser objeto de preocupação dos agentes políticos, caracterizada pela ausência de investimentos pessoais e institucionais para fomentar esse objetivo. Regimes internacionais são importantes para fixar padrões de proteção, porém, medidas domésticas devem ser consideradas essenciais ao possibilitarem o enforcement das regras localmente, por meio da internalização efetiva dos dispositivos decorrentes dos compromissos internacionais assumidos, visto que muitos destes instrumentos são incapazes de serem aplicados automaticamente ou possuem natureza de soft law. O meio ambiente clama por urgência, e aqueles que vivem e dependem dele devem ser mais incisivos ao tomar medidas efetivas, sob pena de prejudicar a presente e as futuras gerações. A liderança do Brasil na área parece estar consolidada, não somente pelo fato de ser um país dotado de uma grande reserva de recursos naturais, mas pela postura que o país tem assumido externamente nos fóruns internacionais em defesa das normas de proteção ambiental. Contudo, esses esforços não podem se limitar ao mero discurso ou à assinatura e 65

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Declaração de Florestas: Conheça a Posição do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 25/06/2016. 66 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Estratégia Nacional para Redução das Emissões Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal (ENREDD+). Disponível em: . Acesso em: 26/06/2016. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

96

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

ratificação de tratados internacionais. Ações concretas, que impliquem a adaptação do ordenamento jurídico brasileiro e a elaboração de políticas públicas inspiradas em ações internacionais, são fundamentais. Nesse sentido, apesar de ser cada vez mais presente nas negociações internacionais na área ambiental, o Brasil precisa coordenar as suas ações domésticas com maior cuidado, como, por exemplo, nas deficiências encontradas na aplicação interna do CITES e da “Convenção Ramsar”. No que diz respeito ao controle da diminuição dos gases causadores do efeito estufa, o saldo tem sido positivo, visto a regulação nacional sobre o tema, que provavelmente será adaptada, em breve, aos novos compromissos assumidos com o “Acordo de Paris”. Por fim, a elaboração de uma política nacional efetiva de redução do desmatamento, com metas objetivas e concretas, é a melhor resposta que o Brasil pode dar para os críticos de sua postura em relação à “Declaração de Nova Iorque”, provando ser capaz de oferecer uma resposta muito superior à articulada pelos demais países, na ocasião do encontro.

REFERÊNCIAS ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. ANDERSEN, Steinar; HEY, Ellen. The Effectiveness and Legitimacy of International Environment Institutions. International Environmental Agreements: Politics, Law and Economics, Nova Iorque, v. 5, p. 211-226, 2005. BARROS-PLATIAU, Ana Flávia. O Brasil na Governança das Grandes Questões Ambientais Contemporâneas. Brasília: CEPAL/IPEA, 2011. BENATTI, José Heder. O Meio Ambiente e os Bens Ambientais. In: RIOS, Aurélio Virgílio Veiga; IRIGARAY, Carlos Teodoro Hugueney (Orgs.). O Direito e o Desenvolvimento Sustentável: Curso de Direito Ambiental. São Paulo: Peirópolis, 2005, p. 205-243. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Declaração de Florestas: Conheça a Posição do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 25/06/2016. ______. Estratégia Nacional para Redução das Emissões Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal (ENREDD+). Disponível em: . Acesso em: 26/06/2016.

Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

97

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

CHINKIN, C. M. The Challenge of Soft Law: Development and Change in International Law. International and Comparative Law Quarterly, Cambridge, v. 38, p. 850-866, 1989. DECLARAÇÃO RIO 1992 Disponível http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-sobre-meioambiente-e-desenvolvimento.html. Acesso em: 29/06/2016.

em:

DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO 1972. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmosobre-o-ambiente-humano.html. Acesso em: 29/06/2016. FEARNSIDE, Philip M. A Hidrelétrica de Balbina: o Faraonismo Irreversível Versus o Meio Ambiente na Amazônia. In: FEARNSIDE, Philip M. (Org.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras. Manaus: INPA, 2015, p. 97-125. IVANOVA, Maria. Assessing UNEP as Anchor Institution for the Global Environment: Lessons from the UNEO Debate. Working Paper n. 05/01 – Yale Center for Environmental Law and Policy. 2005. Disponível em: . Acesso em: 28/05/2016. KOIVUROVA, Timo. Introduction to International Environmental Law. Nova Iorque: Routledge, 2014. KRASNER, Stephen D. Causas Estruturais e Consequencias dos Regimes Internacionais: Regimes Como Variáveis Intervenientes. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 20, n. 42, p. 93-110, jun. 2012. KUTTING, Gabriela. Environment, Society and International Relations: Towards More Effective International Environmental Agreements. Londres: Routledge, 2000. LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria Geral do Direito Ambiental. Tradução por Fábio Costa Morosini e Fernanda Nunes Barbosa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Princípios Gerais de Direito Ambiental Internacional e a Política Ambiental Brasileira. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 30, n. 118, p. 207-218, abr-jun/1993. MALANCZUK, Peter. Akehurst´s Modern Introduction to International Law. 7 ed. Nova Iorque: Routledge, 1997. MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. A Implantação do Direito Internacional do Meio Ambiente. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flavia (Orgs.). Proteção Internacional do Meio Ambiente. Brasília: Unitar, UniCEUB e UnB, 2009, p. 88-121. MEYER-OHLENDORF, Nils; KNIGGE, Markus. A United Nations Environment Organization. In: SWART, Lydia; PERRY, Estelle. Global Environmental Governance: Perspectives on the Current Debate. Nova Iorque: Center for UN Reform Education, 2007, p. 124-141. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

98

Matheus Linck Bassani e Luciano Vaz Ferreira

MONEBHURRUN, Nitish.. Is Investment Arbitration the Appropriate Venue for Environmental Issues?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, p. 195-206, 2013. NANDA, Ved P; PRING, George. International Environmental Law and Policy for the 21st Century. 2 ed. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2013. NASSER, Salem Hikmat. Fontes e Normas do Direito Internacional: um Estudo sobre a Soft Law. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. NEUMAYER, Eric. Pollution Havens: An Analysis of Policy Options for Dealing With an Elusive Phenomenon. Journal of Environment and Development, Thousand Oaks, v. 10, n. 2, p. 147-177, 2001. PETSONK, Carol Annette. The Role of the United Nations Environment Programme (UNEP) in the Development of International Environmental Law. American University International Law Review, Washington, D.C., v. 5, n. 2, p. 351-391, 1990. PORTER, Gareth. Trade Competition and Pollution Standards: “Race to the Bottom” or “Stuck at the Bottom”? Journal of Environment and Development, Thousand Oaks, v. 8, n. 2, p. 133–151, 1999. SANDS, Philippe. Principles of International Environmental Law. 2 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. SHELTON, Dinah. International Law and 'Relative Normativity'. In: EVANS, Malcolm (Org.). International Law. 2 ed. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 159-184. STEFFEN, Will et. al. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature? AMBIO: A Journal of Human Environment, Suécia, v. 36, n. 08, p. 614-621, 2007. VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. UNITED NATIONS. Climate Summit 2014. Action Statements and Action Plans. The New York Declaration on Forests. Disponível em: . Acesso em: 29/06/2016. UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE. List of Signing Countries. Disponível em: Acesso em 26/04/2016. UNIVERSITY OF OREGON. International Environmental Agreements Database Project. Disponível em: . Acesso em: 11/06/2016. YOUNG, Oran R. The Effectiveness of International Environmental Regimes: Causal Connections and Behavioral Mechanisms. Cambridge: MIT Press, 1999. Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99.

99

Desafios à Efetivação das Normas Ambientais Internacionais

***

Rev. Eletrônica de Direito Internacional, Ed. Esp. Meio Ambiente, ISSN 1981-9439, vol.18, 2016, p.76-99. 100

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.