DESAPARECIDOS DO ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITO: POLÍTICAS PÚBLICAS E SUBJETIVIDADE

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Descrição do Produto

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

ANELISE BUZZI SERPI

Desaparecidos do Estado Democrático de Direito: Políticas Públicas e Subjetividade

Mestrado em Psicologia Social

SÃO PAULO 2014

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

ANELISE BUZZI SERPI

Desaparecidos do Estado Democrático de Direito: Políticas Públicas e Subjetividade

Mestrado em Psicologia Social

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Social sob orientação do Prof. Dr. Odair Furtado.

SÃO PAULO 2014

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Banca Examinadora

A todas as famílias que lutam diariamente por um reencontro!

A vocês, minha gratidão... Obrigada mãe e pai por insistirem durante minha educação que um mundo melhor pode ser alcançado. Vocês conseguiram! Sim, eu acredito! Obrigada Aneli e Julio pela irmandade que vai muito além dos laços de sangue. Obrigada Ricardo e Lorenzo, minha dupla inseparável e companheiros fiéis: meus grandes amores! Obrigada Miriam e Jeferson, pelo apoio de sempre e de todas as horas. Obrigada também ao meu querido amigo e sogro Mirio Serpi (in memoriam), que pacientemente aos sábados após o almoço exclamava: “no computador outra vez?! Você ainda não terminou?! Puxa, quanta coisa!” A vocês, meu amor e agradecimento eterno! Obrigada a cada um que fez parte dessa trajetória, principalmente aos amigos da Fundação Criança de São Bernardo do Campo, em especial, à equipe do Programa Reencontro, ao André Felix e também Angela Leticia dos Santos, que me apontou o caminho da pesquisa acadêmica. À todos os amigos do Núcleo de Pesquisa em Trabalho e Ação Social – NUTAS: Graça, Jean, Luciano, Fabiana, Vinicius, Renata Leatriz, Sonia, Mercedes, Adriana, Alexandre, Vinicius, Sergio e Elisa. Os cafés, os almoços e as discussões teóricas na companhia de vocês foram sempre uma grande inspiração... Obrigada também aos amigos dos demais núcleos de pesquisa do Departamento de Psicologia Social, em especial à Angela Cruz Santos e Rosana Caputti. Nunca mais comerei um yakissoba em tão boa companhia! Aos professores: Antonio Ciampa, Salvador Sandoval, Mary Jane Spink, Bader Sawaia e Maria Cristina Vicentin. Ao querido orientador desta dissertação Dr. Odair Furtado, pelo apoio, pela riqueza nas discussões, pela fraternal maneira de ensinar e conduzir os questionamentos e principalmente por acreditar na minha potencialidade. Obrigada aos Profs. Drs. Marcelo Neumann, Dijaci Oliveira e Profª. Dra. Maria da Graça M. Gonçalves, pelas generosas e valiosas contribuições na banca de qualificação. A Sandra Moreno, Vera Lucia Ranu, Ivanise Esperidião e Zulmira Gonzaga – pelo exemplo, pela força e pela fé. A todos os familiares de pessoas desaparecidas que direta ou indiretamente contribuíram para a realização da pesquisa. As instituições governamentais e não governamentais que também auxiliaram. Aos companheiros (a) de resistência na luta pelo reconhecimento do desaparecimento de pessoas como problema social, em especial à Vania Brito Caires, Taciana Boueri, Marcus Claudino, Katia Dantas, Amanda Iab, Gerson Rumayor, Wal Ferrão, Wanderlei Redondo, Eduardo Martinelli e Ana Oliveira. Força sempre! À CAPES e ao CNPq pela bolsa que viabilizou financeiramente a realização dessa pesquisa e experiência ímpar.

RESUMO

SERPI, Anelise Buzzi. Desaparecidos do Estado Democrático de Direito: Políticas Públicas e Subjetividade. São Paulo, 2014. 172p. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social). Pontifícia Universidade Católica.

Esta pesquisa, baseada nos pressupostos da Psicologia Sócio-histórica, traz para o debate da Psicologia Social o campo da consolidação e implementação de práticas de localização e identificação de pessoas desaparecidas. Buscou-se compreender as subjetividades impressas nessa constituição e sua relação no enfrentamento do desaparecimento de pessoas dentro de diferentes políticas públicas envolvidas no Brasil. Como instrumento de pesquisa, utilizamos entrevistas com familiares e profissionais, visitas institucionais, inserção da pesquisadora em debates, encontros, reuniões e mobilizações públicas. O método de análise inspirado na Psicologia Sócio-histórica buscou apreender sentidos e significados no discurso dos familiares e profissionais que são reflexos e refletidos nas práticas institucionais.

O

estudo

discute a importância da subjetividade nas políticas públicas, mais precisamente, sentidos e significados do desaparecimento nas práticas de enfrentamento ao desaparecimento de pessoas. Como resultado e discussão, obtivemos que as subjetividades impressas nas práticas profissionais interferem no atendimento integral

à

queixa

do

desaparecimento,

assim

como

na

consolidação

e

implementação de práticas profissionais, sendo responsabilidade da Psicologia intervir nessas subjetividades com vistas ao respeito à integralidade dos Direitos Humanos.

Palavras-chave: Desaparecimento de Pessoas. Políticas Públicas. Subjetividade.

ABSTRACT

This research, founded in Social-Historical Psychology assumptions brings to debate of Social Psychology the site of consolidation and implementation of the practices of location and identification of missing people. It was pursued the understanding of the subjectivities printed on the constitution and their relation when facing the disappearance of people involved with the public policies in Brazil. As a research tool, it was used interviews with relatives and professionals, institution visits, input of the researcher on debates, meetings, reunions and public mobilizations. The analisys method inspired in Social-Historical Psychology has sought to learn senses and meanings within the discourse of relatives and professionals which are reflection and reflected on the institution practices. The study discuss the importance of subjectivity in the public policies, more accurately, senses and meanings of the disappearance within the consolidation and implementation of the practices of facing the disappearance of people. As result and discussion, it was achieved that the subjectivities printed on the professional practices interfere in the full treatment to the complaint of the disappearance, as for the consolidation and implementation of professional practices, being that responsability of Psychology to intermeddle these subjectivities as seen according to integrality of Human Rights. Keywords: People Disappearance. Public Policies. Subjectivity.

LISTA DE SIGLAS B.O

Boletim de Ocorrência

CPI

Comissão Parlamentar de Inquérito

CRAS

Centro de Referência em Assistência Social

CREAS

Centro de Referência Especializado em Assistência Social

CRIDESPAR

Movimento Nacional em Defesa da Criança Desaparecida

DHPP

Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa

DISEFI

Diretoria de Serviços Especializados em Famílias e Indivíduos do Distrito Federal – DF

ECA

Estatuto da Criança e do Adolescente

ICMEC

Centro Internacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (International Centre for Missing & Exploited Children)

IML

Instituto Médico Legal

MNDH

Movimento Nacional de Direitos Humanos

NUTAS

Núcleo Trabalho e Ação Social

OIT

Organização Internacional do Trabalho

ONG

Organização Não Governamental

PIV

Programa de Identificação de Vítimas

PLID

Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos

PNAS

Política Nacional de Assistência Social

PNCFC

Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária

REDESAP

Rede Nacional de Localização e Identificação de Crianças e Adolescentes Desaparecidos

SEDEST

Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do Distrito Federal – DF

SGD

Sistema de Garantia de Direitos

SICRIDE

Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas

UNODC

Nações Unidas sobre Drogas e Crimes

TABELAS

Tabela 1

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

45

Estado de São Paulo – SP Tabela 2

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

45

Estado de Santa Catarina – SC Tabela 3

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

46

Estado de Minas Gerais – MG Tabela 4

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

46

Estado do Paraná – PR Tabela 5

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

47

Estado do Rio Grande do Sul - RS Tabela 6

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

47

Estado do Rio de Janeiro – RJ Tabela 7

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

47

Estado do Amazonas – AM Tabela 8

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

48

Estado do Pará – PA Tabela 9

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

48

Estado do Mato Grosso – MT Tabela 10

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

48

Estado do Mato Grosso do Sul – MS Tabela 11

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

49

Estado de Goiás – GO Tabela 12

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

49

Estado do Tocantins – TO Tabela 13

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

49

Estado de Rondonia – RO Tabela 14

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado de Roraima – RR

50

Tabela 15

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

50

Estado do Rio Grande do Norte – RN Tabela 16

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

50

Estado do Piauí – PI Tabela 17

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

51

Estado do Espírito Santo – ES Tabela 18

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

51

Estado da Bahia – BA Tabela 19

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

51

Estado de Pernanbuco – PE Tabela 20

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

52

Estado da Paraíba – PB Tabela 21

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

52

Estado de Alagoas – AL Tabela 22

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

53

Estado do Amapá – AP Tabela 23

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

53

Estado do Maranhão – MA Tabela 24

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

53

Estado do Acre – AC Tabela 25

Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do

54

Estado do Distrito Federal – DF Tabela 26

Total dos entrevistados segundo gênero e faixa etária pelo 58 Projeto Caminho de Volta

QUADROS

Quadro 1

Registro de Desaparecimento conforme Estado Brasileiro

56

FIGURAS

FIGURA 1

Índice de Desaparecimento conforme Estado Brasileiro

57

FIGURA 2

Encadeamento de Núcleos de Sentidos

110

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1.

ESTADO,

14

POLÍTICA

PÚBLICA,

DESAPARECIMENTO

E

SUBJETIVIDADE: INTRODUZINDO A PESQUISA

17

1.1

Metodologia e Procedimentos

20

2.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA QUE EMBASAM A PESQUISA

24

3.

CARACTERIZANDO O CENÁRIO DE INSERÇÃO DA PESQUISA

33

3.1

O Conceito de Desaparecimento de Pessoas

33

3.2

Indicadores

41

3.3

O Campo Jurídico-legal

59

3.4

O Desaparecimento de Crianças e Adolescentes: Serviço

de

Localização e Identificação de Pais, Crianças e Adolescentes Desaparecidos proposto pelo ECA

65

3.5

Desaparecimento de Adultos

72

4.

O ATENDIMENTO À QUEIXA DE DESAPARECIMENTO: RECORTES

4.1

DO CONCRETO VIVIDO

74

A imersão no campo de pesquisa

75

4.1.1 Entre muitos casos, o caso Helena

81

4.1.2 Reconhecendo as práticas institucionais

85

4.1.3 As práticas especializadas

91

5.

DO

CONCRETO

VIVIDO

AO

SENTIDO

PRÁTICAS, QUEIXA E SUBJETIVIDADE

DA

EXPERIÊNCIA: 109

6.

UM CAMINHO PARA O DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO AO DESAPARECIMENTO DE PESSOAS NO BRASIL

128

CONSIDERAÇÕES FINAIS

136

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

139

ANEXOS

144

14

INTRODUÇÃO

Catarina, 35 anos, é mãe de seis filhos e vive o drama do desaparecimento. A filha mais nova desapareceu no dia 23 de outubro de 2009, quando tinha quatro anos. A menina brincava na rua de sua casa com o irmão gêmeo e outras três crianças. A mãe conta que no momento passava um carro de som anunciando a chegada de um circo à cidade e que as crianças ganharam convite para assistir ao espetáculo. Empolgados, o irmão e as três crianças entraram na casa e mostraram os convites. Beatriz foi a única que não entrou. Catarina conta que naquele momento foi para a porta da casa para buscar a filha, mas encontrou apenas a bicicleta que ela brincava. “Quando vi aquela bicicleta jogada embaixo de uma árvore, senti que minha filha estava em apuros”. A mãe conta que no dia pediu ajuda para toda a vizinhança e cerca de 80 pessoas procuraram a menina por toda a cidade. Depois disso, Catarina e o marido receberam denúncias de várias partes do país de onde estaria a criança, mas ela nunca foi 1

encontrada .

Casos de desaparecimento como da filha de Catarina repetem-se muitas vezes no Brasil. Ora o caso acontece com as crianças, ora com os adultos, o que nos faz afirmar que tanto crianças quanto adultos desaparecem pelas mais diversas circunstâncias. Se esta por si só, é uma afirmação incontestável, a de que o desaparecimento de pessoas acontece, nos causa grande desalento não encontrar em nossa sociedade

organizada,

mecanismos

jurídicos

e

políticos

institucionais

de

enfrentamento a essa questão. Há pouco tempo, a sociedade brasileira vem reparando os “erros” do período da Ditadura Militar que foi palco de uma série de desaparecimento de pessoas, os 1

Os nomes próprios que envolvem estes e outros depoimentos foram alterados com base em cuidados éticos. Foram mantidos os nomes próprios somente nos casos historicamente divulgados e explorados pela mídia nacional.

15

reconhecidos Desaparecidos Políticos do Brasil. Ainda não finalizamos essa tarefa, mas urge com a mesma intensidade de reparo, voltarmos nossa atenção para os desaparecidos do Estado Democrático de Direito. As razões para os desaparecimentos são muitas e por vezes, sequer reconhecidas. Há uma imensa possibilidade de causas para o desaparecer que, atravessam o cotidiano das pessoas e nos fazem refletir sobre a vida como ela é. De todas as possibilidades, o que causou maior estranheza e introduziu os questionamentos dessa pesquisa, foi o “descaso” com a vida. Como admitir um projeto de sociedade do qual o desaparecimento de uma pessoa (criança ou não) não seja um problema de Estado ou da comunidade? Ou ainda, a recusa em admitir que a vida privada só é possível no contexto da vida pública, sendo, portanto, responsabilidade de toda a sociedade os desígnios dos seus? A inserção no campo de pesquisa revigorou a percepção inicial de que nossa sociedade ainda não desenvolveu aparatos institucionais suficientes para lidar com o tema Desaparecimento de Pessoas, desde o campo legal, jurídico, às práticas propriamente ditas. Ainda tateamos na construção e compreensão do fenômeno do desaparecimento de pessoas. Apesar de termos uma lei que institui uma Política de Localização e Identificação de Pais, Responsáveis, Crianças e Adolescentes Desaparecidos (ECA), esta ainda é bastante restrita em ação, pouco divulgada e pouco conhecida. Somado a estes problemas, a Lei e o direcionamento da política restringe-se especificamente a crianças e adolescentes, deixando uma grande lacuna na discussão sobre o desaparecimento de adultos. O entendimento sobre o assunto se embola nas referências sobre desaparecimento político, crimes, sobre “vontades” individuais, sobre as causas do desaparecer. Difícil, porém, parece ser encontrar as razões ou entendimentos para querer/precisar e

desenvolver estruturas para

encontrar as pessoas

que

desaparecem. O que nos faz pensar no pequeno valor que as pessoas representam.

16

A discussão que se pretende, com essa dissertação de mestrado é desvendar, justamente, o campo subjetivo das estratégias de localização e identificação de pessoas. Apresentar este modelo como uma possibilidade para análise e discussão do desenvolvimento de uma política pública nesse setor, rompendo com visões naturalizadas e padronizadas sobre os indivíduos. Compreenderemos a subjetividade como um complexo plurideterminado, afetado pelo próprio curso da sociedade e dos indivíduos que a constituem. Em parte, a curiosidade acadêmica para estudar este tema, partiu de experiências profissionais somadas à proximidade com familiares de pessoas desaparecidas e seus relatos, assim como dos estudos de pesquisas no tema desenvolvido principalmente por Oliveira (2007), Neumann (2010) e Gattas (2010). A leitura e discussão desses autores propiciaram a percepção de que ações do Estado para o enfrentamento do fenômeno do desaparecimento de pessoas pode estar ligado muito mais ao entendimento e importância dada ao fenômeno por profissionais e sociedade, do que exclusivamente, na sua obrigação ou desobrigação legal de investigação dos casos e apoio aos familiares. A contribuição que se pretende discutindo o tema a partir da concepção das políticas públicas e subjetividade é apoiar estratégias, do ponto de vista da psicologia social, que garantam uma ação mais adequada no atendimento à queixa de desaparecimento de pessoas. E assim, também avançar no plano da construção de uma psicologia comprometida com as questões fundamentais da sociedade brasileira e sua transformação. Para essa tarefa, empreendemos estudo e pesquisa em Psicologia Sóciohistórica, com o contorno epistemológico do materialismo histórico-dialético. O modo de exposição da pesquisa permitirá identificar todo o campo de pesquisa, através do retrato do cenário propriamente dito, dos discursos provenientes do cenário investigado, com consequente análise e considerações da psicologia social para o desenvolvimento de estratégias para uma política pública de localização e identificação de pessoas desaparecidas.

17

1. ESTADO, POLÍTICA PÚBLICA, DESAPARECIMENTO E SUBJETIVIDADE: INTRODUZINDO A PESQUISA.

Esta pesquisa tem a intenção de dar sequencia a um importante debate iniciado nos anos 90 – o problema social do desaparecimento de pessoas. A despeito de sua inserção pública, tal debate ainda não se introduziu plenamente nas discussões e agenda política para o desenvolvimento de estratégias para o seu enfrentamento. Tudo o que se tem, são iniciativas isoladas que vão norteando algumas práticas de atendimento e camadas da sociedade civil reivindicando espaço de discussão e atenção do Estado para o problema.

A noção de Desaparecidos do Estado Democrático de Direito que dá título a esta dissertação de mestrado tem uma dupla intenção. A primeira é diferenciar de maneira imediata os Desaparecidos que são tratados neste trabalho com os desaparecidos que caíram vítimas da repressão política do Estado ditatorial (os reconhecidos desaparecidos políticos). Uma segunda é introduzir questionamentos a respeito de quais valores e direitos estão sendo garantidos através do estabelecimento da proteção jurídica trazida pelo conceito de Estado Democrático de Direito a partir da discussão do desaparecimento de pessoas e assim identificar quais os valores ligados à vida e à dignidade humana estão sendo contemplados na sociedade contemporânea.

Reconhecemos o Estado Democrático de Direito como um conceito que designa os Estados que aplicam a garantia e o respeito das liberdades civis, ou seja, em última análise, o respeito aos direitos humanos. Neste campo, a Lei é a expressão da vontade popular, exercida por meio de seus representantes eleitos ou de forma direta, sendo imprescindível a compreensão dos conceitos de democracia e representação política. A Lei, portanto, aprovada por força democrática e representativa, apresenta a vontade dos cidadãos e a maneira como estes desejam organizar a sociedade.

18

Reconhecemos que apesar de estarmos vinculados juridicamente a um Estado Democrático de Direito, estamos ainda distantes no que refere ao respeito às liberdades civis e aos direitos humanos. Isso pretende ser demonstrado pelos diversos desaparecimentos que trata esta pesquisa e a ausência de enfrentamento consolidado,

razão

pela

qual

continuamos

buscando

mecanismos

de

aperfeiçoamento para se atingir o equilíbrio entre a tão almejada liberdade e a igualdade dos seres humanos. Deseja-se com isso, superar a proteção exclusiva dos bens e da propriedade privada e avançar para a preocupação com a “dignidade humana”. Para esse empreendimento – o de preocupar-se com a dignidade humana - , o Estado é convocado à formular políticas públicas e promover a concretização dos direitos individuais e sociais que não interessam ao mercado, cuja face deve ser a busca pelos valores humanitários.

Tema complexo e discutido em diversas áreas do conhecimento, a política pública é um importante instrumento de controle de promoção da atuação do Estado e fundamental na discussão que se pretende. Aith (2006) define política pública como atividade estatal de elaboração, planejamento, execução e financiamento de ações, comprometida com a consolidação do Estado Democrático de Direito e com a promoção e proteção dos direitos humanos, materializadas pela via normativa (leis e atos normativos decretos, portarias, resoluções, instruções), pressupondo como sujeito ativo principal sempre o Estado, quer pela administração direta, quer pela indireta. Como conceito de política pública, temos a intencionalidade e a resposta a um problema público, ou seja, “a razão para o estabelecimento de uma política pública é o tratamento ou a resolução de um problema entendido como coletivamente relevante”. (SECCHI, 2010, p. 2). Bucci (2002), também conceitua as políticas públicas como programas de ação governamental cujo objetivo é coordenar atividades estatais e de ordem

19

privada, voltadas ao atendimento das necessidades socialmente relevantes e politicamente determinadas.

Assim, compreendemos que o Estado é o responsável por promover políticas públicas universais, nas diversas áreas que efetivem direitos, tanto na área da educação, como na da saúde, assistência social e segurança pública. Todas elas cumprindo a promoção de equidade social.

Posto o conceito, observamos que o desenvolvimento dessas políticas e também sua implementação estão diretamente ligadas ao campo subjetivo, ou seja, a consideração de valores, crenças, ideias e significados sobre os sujeitos que acessam ou a que se destinam tais políticas públicas. Ou seja, evidenciamos que na produção de políticas públicas, há a presença de determinada compreensão sobre os sujeitos e sua subjetividade. Isto quer dizer que a formulação de políticas pressupôe determinados sujeitos e subjetividades a seres por elas contemplados. (GONÇALVES,2010).

Nessa visão, nos questionamos sobre a subjetividade que permeia a elaboração e implementação de políticas públicas voltada ao desaparecimento de pessoas. Interessa-nos compreender, a partir da formulação da psicologia sociohistórica, a identificação de valores, ideais, sentidos e significados que interferem na compreensão da realidade e no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento ao desaparecimento de pessoas.

Desejamos com isso incitar a construção de uma política pública na consideração do desaparecimento de pessoas a partir do Estado Democrático de Direito que seja verdadeiramente democrática, garantindo direitos sociais básicos, promovendo cidadania e emancipando individuos e sociedade. Em outras palavras: auxiliar na criação de um projeto coletivo que insere o projeto de felicidade individual na felicidade coletiva, resgatando o homem de seus medos e tendo condições de participar da transformação da realidade que o oprime, explicitando contradições e articulando coletivos que compartilhem desse mesmo interesse. (GONÇALVES, 2010).

20

O fenômeno a ser analisado, portanto, são os sentidos e significados implicados

no

desenvolvimento

de

estratégias

para

o

enfrentamento

ao

desaparecimento de pessoas e na consolidação de políticas públicas nesse setor. O contexto que se insere é o do Estado Democrático de Direito.

Defenderemos a participação da Psicologia e a noção de subjetividade no campo das políticas públicas como fundamental na contribuição para uma sociedade igualitária, justa e solidária. Nosso objetivo será investigar as práticas institucionais de atendimento à queixa do desaparecimento de pessoas oferecidas à sociedade brasileira. Especificamente, pretendemos:

1. Descrever sobre o fenômeno do desaparecimento, na interface das práticas de atendimento e das implicações psicossociais dos indivíduos diretamente afetados.

2. Realizar levantamento nacional acerca dos números oficiais sobre desaparecimento e práticas institucionais de localização e identificação de pessoas. 3. Reconhecer as principais práticas de enfrentamento consolidadas e empreender investigação, descrevendo o modo de operar em cada instituição. 4. Apresentar os dados coletados, descrevendo de que forma a queixa do desaparecimento de pessoas vem sendo atendida e compreendida, assinalando possíveis contribuições do estudo na consolidação de uma política pública.

1.1. Metodologia e Procedimentos

Essa pesquisa, baseada na psicologia sócio-histórica e fundamentada na abordagem

teórico-metodológica

do

materialismo

histórico-dialético,

leva

a

concepção e o esforço de apreender a complexidade do real, assumindo, todas as limitações deste empreendimento. A noção de historicidade é a referência

21

fundamental na compreensão dos processos da realidade, identificando o fenômeno na sua relação com a produção humana histórica e na relação com diferentes grupos sociais. (KAHHALE E ROSA, 2009). Tal abordagem teórico-metodológica enfoca o produto da relação indivíduosociedade privilegiando a produção do discurso a partir da gênese histórica da atividade social do indivíduo que se apropriou de significados sociais produzidos historicamente. Considera o “processo por meio do qual, a partir da atividade, tendo como mediações a linguagem e as relações sociais, a subjetividade é constituída.” (GONÇALVES, 2005). Desta forma, esta análise teórico-metodológica implica em reconhecer uma leitura crítica em psicologia e sobre os fenômenos estudados, revisitando a ordenação social e as categorias que justifiquem formas de exclusão e de naturalização dos processos humanos. (GONÇALVES, 2005) Compreenderemos que a subjetividade está associada a uma história e a um contexto diferenciado, não sendo algo que apareça diretamente nas respostas das pessoas, mas disperso na produção total de cada um (seu discurso, sua prática, o significado dado as suas ações). Estudar a subjetividade deste ponto de vista revela as complexas e ocultas inter-relações das diferentes instituições e processos subjetivos da sociedade, por de trás das quais estão as relações de poder, as formas de organizações socioeconômicas, as diferenças sociais, os códigos jurídicos, etc. (GONZALEZ REY, 2003). Para entender o processo da subjetividade é preciso ter clareza que a condição de sujeito se define dentro do tecido social que ele vive, devendo ser compreendidos como uma dimensão processual permanente. Assim, a subjetividade não aparece somente no nível individual, mas se integra na cultura. Segundo Gonzalez Rey (1997) citado por Palassi e Paes de Paula (2014, p. 162) essa proposta deve considerar: • o caráter essencialmente interpretativo e construtivo do conhecimento sobre a subjetividade, pois esse conhecimento não é obtido diretamente por meio da organização dos resultados de um instrumento ou do conjunto deles, mas a partir da construção suprainstrumental produzida pelo pesquisador; a legitimação de todas

22

as fontes de informação que convergem, em um momento histórico da produção do conhecimento, em todas as atividades realizadas pelo pesquisador, cujos resultados sejam suscetíveis de representação por meio de indicadores que tenham um sentido para o processo; a existência de um processo permanente de construção de indicadores diversos, entre os quais estão resultados quantitativos a serem considerados como indicadores do processo geral de interpretação. O quantitativo e o qualitativo não se constituem em elementos excludentes no plano metodológico, mas sim no plano epistemológico, por ser qualitativo o processo de construção do conhecimento; o uso de uma metodologia que não é desenhada pela definição dos instrumentos escolhidos para a investigação, mas pelo esboço das situações interativas nas quais esses instrumentos adquirem sentido para os sujeitos estudados, viabilizando a relação pesquisador-sujeitos da pesquisa. A comunicação tem um valor metodológico essencial nesse processo, conduzindo todo o estudo por meio de uma complexa rede de vínculos diferentes com os sujeitos estudados, tornando-se uma via permanente de produção de informação [...] a não consideração do conhecimento como um processo imediato e linear de apreensão da realidade em categorias, mas como um processo mediato de construção, no qual os momentos de encontro entre ele e a realidade são produzidos de diversas formas, garantindo a congruência e a continuidade das próprias teorias; a representatividade do indivíduo como uma unidade complexa da qual surgem os elementos constitutivos da subjetividade tanto individual quanto social dentro da diversidade de sua constituição única.

Com este fim, esta investigação empírica de base quantiqualitativa se baseou em algumas estratégias diferenciadas de procedimentos/coleta de dados, entre elas: a. Pesquisa bibliográfica;

b. Pesquisa documental e estatística: reconhecimento da análise estatística dos Estados brasileiros; Estudo de documentos e publicações, entre elas: Carta Brasília, Carta Rio, Carta Roraima, CPI de crianças e adolescentes desaparecidos, Carta Manifesto do Movimento Social pela Pessoa Desaparecida, cartilhas de orientação e Leis Federais que tratam do tema.

c. Observação in loco e transcrição dos métodos e estratégias de trabalho das principais instituições (nacionalmente reconhecidas) que operam o fenômeno, a saber: O SICRIDE (Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas)

em

Curitiba

-

PR;

A

SEDEST

(Secretaria

de

Desenvolvimento Social e Transferencia de Renda) em Brasilia – DF; O Programa Reencontro da Fundação Criança de São Bernardo do Campo,

23

em São Bernardo do Campo - SP e o PLID (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos) no Rio de Janeiro – RJ.

d. Entrevista com gestores, técnicos das instituições selecionadas e familiares de pessoas desaparecidas; e. Observação e participação em encontros temáticos, Audiências públicas, campanhas de prevenção, manifestações e/ou passeata a favor de uma política nacional de enfrentamento ao desaparecimento de pessoas e defesa do projeto de iniciativa popular pela pessoa desaparecida;

Tal metodologia e procedimento compreendem a política como um campo próprio da legitimação ideológica da realidade econômica que vivemos (capitalismo) e as leis, as práticas cotidianas, como resultado da atividade material concreta. Dessa forma, teremos como método de interpretação o uso dos procedimentos (instrumentos) como comportamento e a linguagem dos indivíduos como a expressão do pensamento.

O campo da subjetividade que envolve o desenvolvimento de políticas públicas para a causa do desaparecimento de pessoas será analisado a partir de toda a exterioridade material (práxis) e sua representação simbólica (linguagem).

Nesta apreensão perceberemos como o Desaparecimento foi sendo compreendido e introduzido em diferentes políticas públicas. Faremos isso, a partir da constatação de que algumas ideologias estão diretamente relacionadas com o tema desaparecimento de pessoas, tanto do ponto de vista do discurso, da linguagem, como das práticas de atendimento. A exposição da análise será propiciada por núcleos de sentido, inspirados em Aguiar e Ozella (2006), cuja formação se dá tanto por meio do diálogo (entrevistas etc.) como por outros instrumentos utilizados na pesquisa (observação etc.) constituindo hipóteses que organizam o modelo de produção teórica e o conhecimento sobre a configuração subjetiva do fenômeno.

24

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA QUE EMBASAM A PESQUISA

Temos a intenção de analisar o problema social do atendimento a queixa do desaparecimento de pessoas a partir do recorte dos diversos sentidos e significados dado ao fenômeno e sua direta relação na implementação

das práticas

institucionais e desenvolvimento de políticas públicas. Para isso, analisaremos o cotidiano dos profissionais nos seus diferentes espaços laborais, assim como daqueles que sofrem ou reclamam o desaparecimento.

Reconhecer o campo subjetivo na consolidação ou estruturação de uma política de atendimento de Localização e Identificação de Pessoas é reconhecer que o campo da política pública se configura historicamente, na dinâmica de relações entre o Estado, a sociedade, a economia e os indivíduos. (GONÇALVES, 2010). Essa dinâmica de relações envolve aspectos tanto objetivos quanto subjetivos, na qual, a psicologia tem condições de contribuir identificando esses sujeitos e essas subjetividades.

Essa concepção de subjetividade está fundamentada epistemologicamente no materialismo histórico dialético.

O materialismo histórico dialético tem como pressuposto que todos os fenômenos humanos e sociais se constituem a partir de um processo histórico e em uma base concreta, estando tudo em constante movimento de transformação. A categoria “trabalho” nessa concepção é fundamental na compreensão da constituição dos sujeitos, sendo a protoforma de toda a ação concreta humana. É através dele que o homem transforma a natureza para sua sobrevivência e neste processo constitui a sociedade em que vive, sendo o indivíduo concomitantemente constituído por este processo.

25

Assim o movimento das realidades se desdobra e dá origem a outras realidades. Considerando aí o processo dialético inerente ao movimento da história e vida de qualquer sociedade. Dessa forma, tudo está sempre em transformação e captar essa transformação dependerá de uma concepção metodológica que permita entender não só o passado (história), mas também o presente. A proposta da pesquisa em psicologia sócio-histórica é identificar o fenômeno delimitando campos de investigação nos quais se busca compreender o movimento, o seu processo de constituição.

Assim, a intenção não é descrever o que é, mas

sim como se constitui, privilegiando o processo, ou seja, o movimento e a historicidade do objeto. Identificar o fenômeno social enquanto produção das múltiplas determinações a partir da materialidade de suas manifestações e das mediações que o constituem (instituições, valores). Desta forma, superando a dicotomia objetividade-subjetividade, numa afirmação contraditória de unidades, o método materialista histórico dialético, fornece o instrumental para desvendar a essência contraditória do fenômeno. Representa uma alternativa que permite compreender os fenômenos sociais apontando para a transformação da sociedade e, portanto, se situa como um método científico importante na interpretação e compreensão da vida cotidiana. Essa abordagem pode nos auxiliar na compreensão dos processos de implementação de determinada política pública, na mesma medida em que permite captar a complexidade da realidade contrapondo às dicotomias “subjetividadeobjetividade, sujeito-objeto, indivíduo-sociedade”. Aplica-se, a identificação de que as “subjetividades” não estão dadas nem para o indivíduo, nem como estruturas universais da humanidade, mas é algo que se constitui nas relações sociais e históricas.

(BOCK & GONÇALVES, 2009). A

subjetividade mesmo que individual é constituída socialmente. Portanto, o nosso modo de vida, nossas instituições e seus padrões de conduta, nossas regras comportamentais e de convivência, dirão sobre a dimensão subjetiva da realidade.

Entende-se dimensão subjetiva da realidade como construções da subjetividade que também são constitutivas dos fenômenos. São construções individuais e coletivas, que se imbricam, em um processo

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de constituição mútua e que resultam em determinados produtos que podem ser reconhecidos como subjetivos. (BOCK & GONÇALVES, 2009, p. 143).

Assim, para caracterizar a subjetividade de um fenômeno social é necessário identificar sua produção social a partir da materialidade de suas manifestações – identificando de quais lugares concretos surge, qual sua posição na organização social da produção, na relação com diferentes grupos sociais, passando por vários níveis e por meio dos quais vai tomando corpo – através das instituições, valores, rituais, hábitos, costumes, leis e regras. Esses são os produtos coletivos dos quais percebemos a participação dos sujeitos em sua constituição e a presença de subjetividades. (BOCK & GONÇALVES, 2009).

González Rey (2003, p. 78) afirma:

[...] trata-se de compreender que a subjetividade não é algo que aparece somente no nível individual, mas que a própria cultura dentro da qual se constitui o sujeito individual, e da qual é também constituinte, representa um sistema subjetivo, gerador de subjetividade. [...] O conceito de subjetividade social nos permite compreender a dimensão subjetiva dos diferentes processos e instituições sociais, assim como o da rede complexa do social nos diferentes contextos em que ela se organiza através da história.

Dessa forma, avançamos na compreensão da realidade social. E ao compreendê-la, identificamos que a moral, a política, e todas as formas institucionalizadas de consciência social são derivadas da condição objetiva de determinados grupos da sociedade, sendo que esses grupos são aqueles que detêm o poder. Com isso, as ideologias acabam se objetivando – através de regras, condutas e procedimentos – se naturalizam e acabam regulando determinado comportamento social.

Deste ponto de vista, o materialismo dialético constata que o processo histórico leva à percepção de que as sociedades humanas são totalidades concretas em constante movimento dialético e que a apreensão da realidade social requer a cada momento de sua história, que se volte à atenção para as relações que os homens estabelecem com a natureza e com os outros homens, na tarefa de produção da vida (PATTO, 1984).

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Parafraseando Marx, “não é consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência” e desta forma, deve-se partir do mundo material rumo à compreensão do universo mental e cultural e assim questionar-se sobre as determinações dos acontecimentos sociais.

A tarefa então é compreender o movimento de constituição do psiquismo humano através das relações com o mundo material, pois apesar de manejá-lo, nem sempre o homem é capaz de compreendê-lo. O “todo” não é imediatamente cognoscível ao homem, embora lhe seja dado imediatamente em forma sensível, isto é, na opinião e na experiência. (KOSIK, 2002)

Assim, o fenômeno social deve ser analisado como momento de um determinado “todo” desempenhando função dupla: definir a si mesmo e ao todo, ser produto e produtor, ser revelador e determinado.

Dentro dessa concepção, compreendemos o homem e seu psiquismo como um complexo dinâmico, cuja mediação com a natureza ocorre através de aspectos ontológicos, ou seja, de aspectos cuja natureza, existência e realidade do homem se coadunam determinando as relações do ser enquanto ser. O homem, portanto, é entendido como um ser social, concreto, histórico e dialeticamente constituído na vida. Vive e se objetiva na vida cotidiana e numa sociedade material, tal como é hoje, nossa sociedade capitalista, dividida em relações de classes.

Assim, o homem produz e reproduz a vida social. Constrói formas diferentes e mais complexas para atender suas necessidades individuais e grupais. Reproduz materialmente complexos sociais que alteram as condições de sociabilidade e o modo de produção constitutivo para a vida social. Destaca-se pela capacidade de transformação pelo trabalho e de sua capacidade de projetar finalidade para sua ação (teleologia).

O trabalho, como resultado da capacidade teleológica do homem em seu caráter universal e sócio-histórico produz formas de interação humana como os

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símbolos, a linguagem, as representações, os costumes, e outros componentes da cultura. É esse conjunto das relações humanas que elabora e produz, simbólica e materialmente, as condições, modo e formas da vida em sociedade. (BARROCO, 2005)

O desenvolvimento histórico da sociedade é, pois, o desenvolvimento dos homens, cabendo-lhes exclusivamente a construção e transmissão de estruturas sociais. Assim, humanos e sociedade se complexificam. Destes complexos, surgem o Estado, a política, o direito e o conjunto de relações sociais que se distinguem pela função social.

A história do ser social é caracterizada pela concepção de novos complexos de organização social. A categoria totalidade, portanto, é esse conjunto das relações e complexos sociais, com influências ideológicas, culturais, políticas, sociais e econômicas, cujo trabalho é seu principal mediador. (BARROCO, 2005)

Desta forma, é preciso compreender como se dá a apropriação subjetiva a partir das bases materiais concretas (totalidade concreta) e desta com a reprodução do cotidiano.

No campo próprio da psicologia, Vigotski nos ensina a impossibilidade de pensar a constituição do humano desvinculado das questões materiais. O objeto da psicologia, portanto, não é o indivíduo em si e nem a sociedade, mas aquilo que acontece na interface indivíduo-sociedade.

Portanto, convencidos que as funções psíquicas constituem-se socialmente, nossa reflexão metodológica estará pautada numa visão que tem no empírico seu ponto de partida, mas há a clareza de que é necessário ir além das aparências, não nos contentando com a descrição dos fatos propriamente ditos, mas buscando a explicação do processo de constituição do objeto investigado. (AGUIAR E OZELLA, 2006)

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Dessa forma, chamaremos a atenção para um modo de conceber a subjetividade como um processo invisível de transmissão de valores e afetos condicionados a questões objetivas como, por exemplo, a realidade econômica.

Nesta tarefa, categorias como totalidade, contradição, mediação, são tomadas a fim de que a realidade seja considerada totalidade concreta, compreendendo que captar a realidade em sua totalidade, não é necessariamente apreender todos os fatos, mas sim captar a totalidade de totalidades. Nesse sentido, a categoria mediação é fundamental para estabelecer as conexões entre os diferentes aspectos que compõe essa realidade. Desvendar o real também supõe desvendar as contradições que movimentam as relações sociais, compreendendo esta como motor interno do movimento da realidade. Negá-la seria amordaçar o movimento do real. (CURY, 1989)

A categoria contradição é muito importante para compreender a noção de totalidade, implicando necessariamente uma articulação dialética em que parte e todo, singular e plural são imbrincados. Apesar de não se confundirem, não existem isoladamente. Para compreender a formação dos processos humanos nos reportamos a Vigotski em Pensamento e Linguagem (2008), onde afirma que a centralidade do signo põe em evidência o forte papel da palavra. Assim, a noção de sentido é fundamental para a compreensão da dinâmica dos significados.

O autor também menciona o debate sobre o princípio da vida e das atividades humanas, identificando e trazendo à tona a discussão sobre a frase bíblica “no princípio era o verbo”. Vigotski nos incentiva a pensar que antes da linguagem, antes da palavra, há a ação. A palavra, portanto, é o final do desenvolvimento da ação. É o conceito, é o significado dado à ação.

Dessa maneira, toda atividade humana é significada e o que internalizamos não é ação como materialidade, mas sua significação, que tem o poder de transformar o natural em cultural. Os significados são, portanto, produções históricas e sociais. (AGUIAR E OZELLA, 2006)

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Ao atribuir esse lugar conceitual à palavra, Vigotski toma o significado como foco de consideração. Um dos esforços teóricos centrais, ao longo do livro, está na discussão do significado da palavra, caracterizado como “unidade de análise” da relação entre pensamento e linguagem. O significado pertence às esferas tanto do pensamento quanto da linguagem, pois se o pensamento se vincula à palavra e nela se encarna, a palavra só existe se sustentada pelo pensamento. O autor define o significado da palavra como uma generalização, que reflete a realidade num processo diferente daquele que envolve o sensorial e o perceptual, que prenderiam o homem às condições situacionais imediatas. Por isso, a generalização é concebida como o fundamento e a essência da palavra. (GOES E CRUZ, 2006, p.33)

Já o sentido, [...] refere-se a necessidades que, muitas vezes, ainda não se realizaram, mas que mobilizam o sujeito, constituem o seu ser, geram formas de colocá-lo na atividade. O sentido deve ser entendido, pois, como um ato do homem mediado socialmente. (AGUIAR E OZELLA, 2006, p. 227)

Furtado e Svartman (2009, p. 78), complementam:

[...] o sentido apresenta caráter aberto e suscita a capacidade do sujeito de reconstruir significados. Ao mesmo tempo, ele responde à condição imanente da base material da produção da consciência. Ele é dinâmico, mas responde as condições materiais da produção social e nunca estará deslocado dessa condição. Por isso ele é histórico e social.

A categoria sentido destaca a singularidade do indivíduo que foi construída historicamente. O sentido é atravessado pelo significado e ambos não podem ser compreendidos separadamente, sendo fundamental para essa análise a apreensão de tais categorias.

De tudo o que for apresentado teremos a intenção de resgatar a síntese dos significados expressos na linguagem, nas atividades e no modo como se apresenta o assunto “desaparecimento de pessoas” na sociedade (mediações).

Na concepção histórico-social, cuja matriz é a obra marxiana, a atuação do psicólogo

fundamenta-se

necessariamente

na

compreensão

de

como

a

singularidade se constrói na universalidade e, ao mesmo tempo e do mesmo modo,

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como a universalidade se concretiza na singularidade, tendo a particularidade como mediação. (OLIVEIRA, 2005) Por esta razão, o homem singular é concebido como um ser social, “uma síntese de múltiplas determinações” (MARX, 1983). É no “vir a ser social” que a relação dialética singular-particular-universal é fundamental e indispensável para que se possa compreender a complexidade da universalidade que se concretiza na singularidade na dinâmica da particularidade (mediações sociais). (OLIVEIRA, 2005)

São os indivíduos reais, suas ações e suas condições materiais de vida o ponto de partida para compreender a ontologia do ser social, do qual, o primeiro ato fundamental, é o trabalho, isto é, a transformação da natureza. Assim,

O ato do trabalho, como o próprio Marx afirma em O Capital, é uma síntese de subjetividade e objetividade. Isso significa que a subjetividade não é de modo algum mera emanação fenomênica da realidade objetiva, mas que esses dois elementos têm, no plano do ser, o mesmo estatuto. Desse modo, a realidade social, em qualquer forma que se apresente, só pode ser compreendida de maneira adequada se for entendida como resultado do concreto processo social de articulação entre subjetividade e objetividade. (TONET, 2013, p. 80)

Diante disto, o nosso objeto de análise serão as mediações sociais, a particularidade inscrita nas dinâmicas das práticas de atendimento de localização e identificação de pessoas desaparecidas.

A cuidadosa identificação e caracterização da particularidade é condição sine qua non para compreender-se como se dá essa concretização da universalidade no vir-a-ser singular. Somente dessa forma é possível a aproximação do pensamento ao ser concreto da realidade em movimento, ao movimento processual da tensão entre a universalidade e a singularidade, mediada pela particularidade. Quanto mais o pensamento se aproxima dos meandros desses nexos causais da realidade que determinam o movimento de complementaridade entre os contrários, tanto mais poderá captar o processo no qual a universalidade se concretiza na singularidade, através dos traços irrepetíveis desta, através da sua unicidade. (OLIVEIRA, 2005, p. 46)

Portanto, será na particularidade das práticas de atendimento que veremos a síntese do pensamento dos indivíduos em determinado contexto universal, e,

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portanto, faremos um esforço para captá-los em sua complexidade e movimento contínuo.

Compreenderemos que a implementação de políticas públicas no campo da totalidade dependerá de aspectos históricos, ideológicos, condição de classe, e outras determinações que estão diretamente conectados com a subjetividade dos indivíduos.

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3. CARACTERIZANDO O CENÁRIO DE INSERÇÃO DA PESQUISA

A saga dos familiares de pessoas desaparecidas se traduz frequentemente numa luta feroz pelo reconhecimento do desaparecimento enquanto um problema social. Frequentemente, suas queixas, seu sofrimento, são vistos como reflexo de um problema individual ou exclusivamente familiar, encontrando dificuldades para que sua queixa seja atendida. Alguns familiares e membros de movimentos sociais criticam a posição da mídia que muito contribui para isso quando na exploração do drama particular não permite a percepção da responsabilidade de toda a sociedade sobre determinado acontecimento ou problema.

As famílias também reclamam lutar em meio à solidão. Exemplo disso pode ser demonstrado pela experiência do grupo Mães da Sé, com mais de 18 anos de enfrentamento e apoio aos familiares de pessoas desaparecidas, assim como de instituições como o CRIDESPAR (Movimento Nacional em Defesa da Criança Desaparecida), Mães em Luta, Mães do Brasil e outras importantes iniciativas espalhadas por todo o país.

A razão de tanta solidão na busca pelo familiar desaparecido é uma das questões que buscaremos responder durante a exposição da pesquisa. Mas para isso, será necessário recorrermos primeiramente a uma digressão em torno do conceito do desaparecimento de pessoas e sua institucionalização para que possamos categorizar as principais questões apresentadas.

3.1 O conceito de Desaparecimento de Pessoas

Ao pesquisar o tema desaparecimento de pessoas, a primeira dificuldade encontrada é deparar-se com restritas produções acadêmicas sobre o tema. A segunda é definir o conceito de Desaparecimento diante de inúmeras circunstâncias

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da vida em que ele se apresenta sem reduzi-lo a um caráter meramente enigmático e sem descontextualiza-lo do modo de vida dos indivíduos acometidos por ele.

Pesquisar sobre o desaparecimento de pessoas é perceber-se envolto com a invisibilidade do fenômeno e sua frequente descaracterização, como se o desaparecimento só pudesse ser legítimo quando o que imperar for a incerteza sobre a sua motivação, atrelando aqui seu caráter inequívoco de enigma.

Diante disso, o que vemos é uma complexa teia de significados construída sobre a pessoa do desaparecido e sobre o fenômeno do desaparecimento em si, denotando a completa falta de orientação conceitual e jurídica que dê suporte as instituições que recebem a queixa do desaparecimento. Assim, não se traduz numa tarefa fácil, caracterizar o fenômeno do desaparecimento.

Existe uma dificuldade consensual entre os principais autores que pesquisam o tema em estabelecer o conceito do desaparecimento de pessoas (OLIVEIRA e GERALDES, 1999; OLIVEIRA, 2007; GATTAS, 2007; FIGARO-GARCIA, 2010, NEUMANN, 2010, FERREIRA, 2011).

O desaparecimento de pessoas é um fenômeno multicausal e seu conceito deve apropriar-se dessa complexidade. A dificuldade conceitual se dá, justamente pela diferença nos significados do fenômeno em cada camada da população onde ele ocorre, ou seja, o significado do desaparecimento para a polícia, para a justiça, para a família do desaparecido, e para o próprio desaparecido depois de encontrado. (OLIVEIRA, 2007) Também as causas do desaparecimento parecem interferir no significado do fenômeno ora descaracterizando-o de responsabilidade pública, implicando unicamente o indivíduo desaparecido como responsável pelo desaparecimento ora, apontando para a responsabilidade social desse tipo de ocorrência.

Apesar de todas essas questões colocadas como preâmbulo para discutir a dificuldade de conceituar o desaparecimento, optamos por apresentar algumas definições segundo seus autores.

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Para Oliveira (2012, p.11) o desaparecido civil, mais conhecido como pessoa desaparecida:

[...] é caraterizado como aquela pessoa que saiu de um ambiente de convivência familiar, ou de algum grupo de referência emocionalafetiva – como uma roda de amigos - para realizar qualquer atividade cotidiana, não anunciou a sua intenção de partir daquele lugar e jamais retornou. Sem motivo aparente, sumiu sem deixar vestígios. Nesse caso colocam-se pelo menos três problemas imediatos: “saber o que aconteceu”, “saber o que fazer”, “saber a quem procurar”.

Segundo Oliveira (2007) as definições que ajudariam a construir esse conceito seriam: a figura do desaparecimento político ou forçado; o desaparecimento envolvendo acidentes ou catástrofes; as fugas para escapar do sistema punitivo; as definições do sistema jurídico brasileiro e os registros de desaparecimento de pessoas em delegacias que abrangem uma série de outras causas que vão desde a fuga do lar a um possível homicídio com ocultação de cadáver.

Figaro-Garcia (2010, p. 21), num estudo dedicado ao desaparecimento de crianças e adolescentes delimita a conceituação do desaparecimento, entendendo este como:

[...] os casos nos quais uma criança ou um adolescente, de uma hora para outra, deixou de conviver com sua família, seja por vontade própria (fugas de casa), por ação criminosa ou política (subtrações), e também devido a acidentes (catástrofes naturais, acidentes com meios de transporte ou por perdas). E, principalmente, que a família tenha feito um B.O. sobre o fato, ou seja, recorreu à polícia para pedir ajuda.” (FIGARO-GARCIA, 2010, p.21).

Autores

norte-americanos

(SEDLAK,

FINKELHOR,

HAMMER

AND

SCHULTZ, 2002), também realizaram um estudo referente ao desaparecimento de crianças e adolescentes denominado National Incidence Studies of Missing, Abducted, Runaway, and Thrownaway Children (NISMART). Neste estudo, os autores também afirmaram que o conceito de desaparecimento é inexato e pode ser empregado de forma errônea, tendo em vista que as distintas categorias de desaparecimento representam problemas psicológicos e sociais diferentes, possuem causas distintas e necessitam ser encaminhados e tratados de forma diferenciada.

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Já Neumann (2010), caracteriza o fenômeno a partir de suas distintas causas, sociais, naturais e psicológicas, apontando para a predominância de determinações sociais: econômica, política, religiosa, cultural, jurídica e ideológica. Neumann (2010) parte da noção de que o desaparecimento é uma categoria social, que nasce na sociedade: pela relação entre as pessoas; vive na sociedade: pelo fato e sua perpetuação e morre na sociedade: seja na lembrança ou no esquecimento das pessoas. Assim, para ele o desaparecimento é compreendido como iminentemente social. Também entre os diferentes países, como aponta o relatório “Crianças Desaparecidas na América Latina: Pesquisa sobre Práticas e legislação para a prevenção e recuperação”, do ICMEC (2011) não há um consenso universal semelhante que defina o que é o desaparecimento de crianças e adolescentes, inexistindo dessa forma uma definição comum e a padronização de ações de prevenção e intervenção entre os diversos países.

Os diferentes conceitos do desaparecimento parecem ser apropriados pelos indivíduos e instituições de acordo com suas causas que são múltiplas e das múltiplas vozes que intervêm nesse campo. Assim, as causas do desaparecimento tornam-se tão importantes quanto o seu conceito, e por vezes, figura a confusão entre o conceito de pessoa desaparecida e a causa de seu desaparecimento. Essa dificuldade consensual também se expressa nas diferentes instituições e com diferentes indivíduos que trabalham com o tema do desaparecimento de pessoas. É comum na construção do conceito por instituições, identificarmos o desaparecimento sendo tratado como um problema social, e dentro desta questão, ser discutido ora como um problema familiar, ora como um problema de policia. (FERREIRA, 2011).

Destacamos assim, o conceito de desaparecimento de pessoas como um problema mal resolvido, cuja apropriação impõe dificuldades no delineamento e execução de uma política pública.

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Cientes, portanto, desta imprecisão conceitual e de seus efeitos na definição de estratégias de enfrentamento, defenderemos e trabalharemos com o conceito de desaparecimento de pessoas enquanto categoria social, cujo caminho para o seu reconhecimento no Estado é a realização de um boletim de ocorrência e a incapacidade imediata e/ou temporária de saber sobre suas motivações e causas, induzindo necessariamente para o papel da investigação. Analisaremos a importância da escuta e de encaminhamentos à queixa (notificação) do desaparecimento de pessoas, sem a qual, sua categorização torna-se fragilizada.2 Reconhecemos que a definição comum do conceito “pessoas desaparecidas” é importante para a cooperação nos esforços de diferentes políticas públicas e atendimento integral a queixa, embora também reconheçamos que procedimentos investigativos posteriores à queixa (notificação) do desaparecimento poderão variar conforme as circunstâncias.

Apoiados, portanto, no conceito anteriormente descrito, não negligenciaremos a discussão sobre as distintas causas que ocasionam o desaparecimento, pois entendemos que tal categorização é fundamental para o delineamento de uma política pública eficaz de enfrentamento ao desaparecimento. Mas defenderemos que tal categorização só é possível de ser estabelecida a partir do atendimento à queixa, avançando então para sua compreensão e no desenvolvimento de estratégias de prevenção e superação do tema.

Aproximando-se dessa discussão, o Ministério da Justiça, ao tratar do desaparecimento de crianças e adolescentes tipificou algumas causas de desaparecimento. Tal categorização foi divulgada no sítio governamental e escolhemos trazê-la a título de exemplificação e reconhecimento da amplitude de fatores que envolvem a discussão sobre desaparecimento de pessoas. Entre eles, estão:

2

Tal análise será retomada a partir da apresentação dos dados estatísticos fornecidos pelos Estados brasileiros, cuja notificação de desaparecimento e sua relação com as causas não foi possível de ser estabelecida, evidenciando que o atendimento à queixa de desaparecimento não é devidamente atendida e seus encaminhamentos desconhecidos.

38 1) Fuga do lar – conflitos familiares: Compreende as situações em que a criança ou adolescente sai de casa para escapar aos problemas de convivência que não consegue superar. Incluem situações de violência doméstica (abuso físico, psicológico, sexual), drogadição, conflitos de autoridade, excessiva rigidez na criação dos filhos tendendo à hostilidade, inadaptações à presença de padrasto-madrasta, sentimentos de rejeição, ameaça, medo, expulsões do lar pelos responsáveis, dentre outras características, que acontecem isolada ou cumulativamente. 2) Conflitos de guarda – subtração de incapaz: Compreende o desacordo entre pai e mãe sobre a guarda da criança ou adolescente na hipótese de separação do casal, levando o (a) responsável que não detém a guarda a tomar a criança sem o consentimento do outro responsável e levá-la para local desconhecido, inclusive para o exterior. 3) Perda por descuido, negligência, desorientação: Nesses casos a criança ou adolescente encontra-se “perdida” devido ao descuido momentâneo das pessoas que dela cuidavam, ou por algum incidente num passeio, viagem, excursão etc. Esse tipo também inclui os casos de crianças e adolescentes com problemas mentais que se perdem ao se distanciar da residência ou de seus cuidadores habituais. 4) Situação de abandono – situações de rua: Mais do que uma situação de negligência ou descuido momentâneo, neste tipo de caso a criança ou adolescente apresenta-se continuamente negligenciado, por conta de situações socioeconômicas precárias e muitas vezes, já aderiu a grupos de outras crianças e adolescentes que perambulam pelas ruas. Pode haver um maior ou menor distanciamento afetivo da família e maior ou menor convivência. Nesses casos os “responsáveis” reclamam a localização e o retorno ao lar de um (a) filho (a) sobre o qual perderam o contato e a autoridade.

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5) Vítima de acidente, intempérie, calamidade: Como o próprio nome indica, são crianças e adolescentes desaparecidas em tempestades, enchentes, desabamentos, acidentes de trânsito etc.

6) Tráfico para fins de exploração sexual: Trata-se de adolescentes que abandonam suas famílias, geralmente mudando de cidade e até de país, atraídas por falsas propostas de trabalho e ganhos financeiros, mas que acabam sexualmente exploradas, às vezes, submetidas a cárcere privado e sob intensa ameaça para não denunciar ou abandonar o explorador.

7) Sequestro: Compreende desde a forma mais comum, para a prática de extorsão, até o sequestro com fins religiosos (sacrifícios), por vingança, para chantagem de terceiros e sequestro de recém-nascidos em hospitais (como no caso Pedrinho3). 8) Transferência irregular de guarda com perda de contato: São crianças “dadas” ou “vendidas” irregularmente pelos responsáveis, para a guarda e/ou criação por terceiros, com os quais se perde o contato. Mais tarde, devido ao arrependimento dos responsáveis ou interesse de outros familiares, tenta-se reaver a criança ou encontrar a pessoa já adulta.

9) Fuga de instituição: Trata-se de crianças ou adolescentes institucionalizados que fugiram da instituição e estão com paradeiro ignorado.

10) Suspeita de homicídio e extermínio: Na descrição das circunstâncias do desaparecimento há fortes indícios de crime contra a vida, ameaça de rivais, conflitos entre gangues e traficantes de drogas, apreensões irregulares por policiais, motivos sérios de vingança etc.

11) Outros tipos: Quaisquer outras situações identificadas que não se enquadrem nas categorias anteriores. 3

O caso do menino Pedrinho ficou conhecido em todo o Brasil em 2002, quando Vilma Martins foi reconhecida como a sequestradora de um bebê em uma maternidade de Brasília (DF) no ano de 1986.

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12) Não identificado: Não há pistas sobre o desaparecimento, nem uma hipótese plausível levantada pelos responsáveis. . Afora as causas do desaparecimento trazidas pelo Ministério da Justiça para discutir o desaparecimento de crianças e adolescentes, há também de serem considerados os desaparecimentos forçados no campo da democracia, onde grupos de extermínio, entre eles, algumas vezes policiais, executam e ocultam os cadáveres, figurando estes como desaparecidos. Um exemplo recente desse tipo de desaparecimento foi protagonizado por Amarildo, ajudante de pedreiro que ficou nacionalmente conhecido por conta de seu desaparecimento no dia 14 de julho de 2013, após ter sido detido por policiais militares e conduzido da porta de sua casa, na Favela da Rocinha, em direção à sede da Unidade de Policia Pacificadora do bairro. Seu desaparecimento tornou-se símbolo de casos de abuso de autoridade e violência policial.

Outra causa que perpetua sofrimento em decorrência do desaparecimento são as inúmeras adoções ilegais, reconhecidas como adoções à brasileira, comum no nosso país: criança que foram retiradas de seus pais ou entregues aos cuidados de terceiros sem a intenção propriamente dita de rompimento de vínculos. Somado a todas essas possibilidades ainda há o enterro de pessoas sem identificação e/ou não reclamadas por seus familiares e conhecidos antes do período de 72 h, cujo enterro acontece em vala comum sem qualquer comunicação ou procura de seus familiares. Fato como este, foi amplamente divulgado pela mídia em abril de 2012, após denúncia do Ministério Público de São Paulo de que durante 15 anos, mais de 3000 mortos identificados foram sepultados como indigentes, suspeitando inclusive de venda de órgãos e tecidos humanos desses corpos. Crime este perpetrado pelo próprio Estado que é quem também recebe a denúncia do desaparecimento dessas pessoas. Temos aqui nesta breve exposição, a importância da identificação das causas do desaparecimento, reconhecendo que para se chegar até elas o desaparecimento precisará ser investigado e compreendido.

41

Na necessidade de trazermos mais elementos para discussão e exploração do tema, escolhemos discutir nesse capítulo também algumas variáveis importantes que delimitam o campo de pesquisa. São elas: os indicadores; o campo jurídicolegal , a concepção de um Serviço de Localização e Identificação de Pais, Crianças e

Adolescentes

Desaparecidos

proposto

pelo

ECA

e

a

discussão

do

desaparecimento de adultos.

3.2. Indicadores

O fenômeno do desaparecimento de pessoas carece de dados concretos e oficiais sobre sua incidência. Tudo o que existe são algumas projeções.

Para Oliveira (2007) esse cenário aponta a ausência de sistematização dos dados policiais, sendo essa ausência em decorrência da falta de reconhecimento da importância do problema; interferência dos conflitos políticos que inviabilizam um adequado diálogo entre os estados e o governo federal, refletindo na falta de produção de estatísticas fidedignas, assim como a falta de publicidade dos dados levantados.

O problema em relação às estatísticas sobre o fenômeno é grave, sendo impossível no cenário atual sabermos exatamente o número de desaparecidos de nosso país, sejam eles crianças ou adultos. As razões disso passam por algumas discussões específicas.

A primeira delas se refere ao fenômeno das subnotificações, ou seja, a ausência de notificação da ocorrência do desaparecimento, que ocorre tanto por desconhecimento das famílias da possibilidade do registro de ocorrência e apoio policial como pela cultura policial de solicitar para o familiar aguardar 24/48 horas para registrar o boletim de ocorrência, ou até, ignorar o pedido. A segunda é referente “a baixa” do boletim de ocorrência depois de encontrado o desaparecido. Isso significa que o familiar, depois de encontrar o desaparecido deve retornar ao distrito policial para “dar baixa à queixa de

42 desaparecimento”, tirando-o das estatísticas. O discurso dos policiais é que grande parte não comparece e ao fazer isso, as estatísticas continuam “engordando”.

Um terceiro problema é a ausência de relatórios ou publicações oficiais de desaparecimento de pessoas no âmbito das secretarias de segurança pública e sua difícil sistematização, uma vez que alguns Estados não possuem sistemas integrados de informação. Algumas delegacias em específico, sequer contam com o equipamento de computador, inviabilizando conduta idêntica no agrupamento de informações. Essa completa desarticulação do sistema de segurança pública dentro dos próprios Estados torna extremamente complexo o empreendimento de coleta de dados.

Um quarto problema é a indefinição do que está sendo tabulado pelas delegacias e Estados, já que os próprios policiais e responsáveis pelas estatísticas solicitam cautela na sua divulgação, trazendo à tona dificuldades conceituais do que é considerado desaparecimento, se referindo especificamente aos casos onde há o registro imediato da ocorrência e onde o policial solicita para aguardar 24 ou 48 horas.

Consideramos, portanto, que o anúncio desse tipo de estatística na verdade é denúncia. Denúncia da forma com que o tema vem sendo tratado na esfera pública, impedindo inclusive o delineamento de políticas públicas para o setor.

Estimativas produzidas pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), no ano de 1999 por ocasião do livro “Cadê Você” de autoria de Oliveira e Geraldes, nos informa que mais de 200 mil pessoas desaparecem todos os anos no Brasil. Destes, 40 mil seriam crianças e adolescentes. Esta análise continua sendo a única referência para os casos de desaparecimento de pessoas, sendo constantemente divulgada por órgãos da sociedade civil e por instituições governamentais, a exemplo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

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Oliveira e Geraldes (1999), citam a incidência do desaparecimento de pessoas em todos as capitais dos Estados Brasileiros. O Estudo, mais que projeções sobre o número de desaparecimentos deflagrou a inconsistência com que o tema é tratado e a impossibilidade de se conhecer a real situação brasileira sobre esse fato, diante de tratamento tão diferente por cada Estado brasileiro.

Passados 15 anos (1999-2014) da pesquisa realizada por Oliveira e Geraldes, a curiosidade era saber se a situação estatística do fenômeno se mostrava diferente e se alguma luz fora acesa para o problema apontado.

Assim, em pesquisa realizada no segundo semestre de 2013 e primeiro semestre de 2014, o que se verificou foi que o segue:

Sobre a incidência de desaparecimento nos estados brasileiros, poucos são os que disponibilizam esses dados. O anuário de segurança pública não possui a informação desse tipo de ocorrência e a solicitação da informação diretamente nas secretarias de segurança pública dos Estados nem sempre é fácil de ser atendida. As dificuldades são tanto em relação à indisponibilidade dos números, devido à falta de sistematização ou de sistemas integrados nos Estados, quanto à dificuldade de conceituação do que é o desaparecimento.

Os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, são os únicos que possuem delegacias especializadas em desaparecimento de pessoas (de todas as idades), sendo que desses Estados, Santa Catarina é o mais recente, tendo inaugurado o estabelecimento em agosto de 2013. O contato com essas delegacias é mais amistoso, justamente por sua especialidade e a disponibilidade para a sistematização das ocorrências.

No entanto, ao informar os dados estatísticos, todas as delegacias, inclusive as especializadas, tiveram o cuidado de relatar que os dados são os mais próximos da realidade possível, mas que ainda assim, tais dados não são reflexos da realidade. Argumentam sobre a subnotificação, tanto da entrada de ocorrências quanto de baixa e da “cultura” policial de não acompanhar os casos. Quando

44

questionados sobre o motivo de não acompanhar os casos, respondiam com referência a pouca estrutura disponibilizada pelos Estados assim como a cobrança de atuação sobre “aquilo que mais incomoda”, como roubo, homicídio e furto. E que o desaparecimento é encarado muito mais como uma questão social, ficando essa ocorrência para segundo plano.

Importante relatar que apesar das dificuldades apresentadas conseguimos a informação da maioria dos Estados brasileiros, com exceção de Ceará e Sergipe. O Estado do Ceará encaminhou informação oficial através da ouvidoria comunicando que os dados solicitados não poderiam ser fornecidos considerando o processo de reestruturação operacional dos órgãos da Secretaria de Segurança Pública daquele Estado para atuar nas Áreas Integradas de Segurança – AIS. Já o Estado do Sergipe, por meio da assessoria de imprensa, comunicou o extravio dos dados referente ao ano de 2012, como consequência de um problema de tecnologia de informação. Rondônia e Amapá foram os Estados que disponibilizaram somente dados de sua capital, tendo em vista a falta de integração do sistema e que algumas delegacias ainda não contavam com recurso de equipamentos de computadores, dificultando a centralidade de informações.

Assim, obtivemos das respectivas Delegacias Especializadas a seguinte resposta em referência ao número de registros de desaparecimento de pessoas no ano de 2012.

45

TABELA 1 : Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado de São Paulo. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DE SÃO PAULO (SP)

População Total 43 663 669 hab. (IBGE, 2013)

0 a 7 anos

217

8 a 12 anos

946

13 a 18 anos

6499

Acima de 18 anos

11364

Total crianças e

7662

adolescentes Total adultos

11364

TOTAL

19026

Índice por 100.000 hab.

43,57

Fonte: Assessoria de Imprensa DHPP – São Paulo

TABELA 2 : Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado de Santa Catarina. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DE SANTA CATARINA (SC)

População Total 6 634 254 hab. (IBGE, 2013)

0 a 7 anos

32

8 a 12 anos

182

13 a 17 anos

1191

18 a 60

1776

60 ou mais

114

Sem identificação completa

179

Total crianças e adolescentes

1405

Total adultos

1890

TOTAL Índice por 100.000 hab.

3474 52,36

Fonte: Delegacia Especializada de Pessoa Desaparecida de SC

46

TABELA 3 :Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado de Minas Gerais

REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DE MINAS GERAIS (MG) 0 a 18 anos

5495

População

19 a 64

6463

20 593 366

Acima de 65

446

(IBGE, 2013)

TOTAL

12404

Índice por 100.000 hab.

60,23

Fonte: Diretora de Estatística e Análise - DEA - Centro Integrado de Informações de Defesa Social – CINDS (MG)

Outros Estados também disponibilizaram os números de ocorrências sem burocracias ou questionamentos, no entanto as informações sofrem a ausência de padrão, já que alguns Estados não parecem disponibilizar a incidência de registros conforme idade. Mesmo assim, optamos por manter as informações conforme disponibilizadas. Foram eles:

TABELA 4 - Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado do Paraná. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DO PARANÁ (PR) Menores de 12 anos

65

12 a 17 anos

2587

18 a 24 anos

1070

25 a 29 anos

806

População Total:

30 a 34 anos

1187

10 997 462 hab.

35 a 45 anos

2542

(IBGE, 2013)

46 a 60 anos

1878

Acima de 60 anos

639

Total crianças e adolescentes

2652

Total adultos

8122

TOTAL

10774

Índice por 100.000 hab.

97,96

Fonte: Delegacia de Auto de Verificação e Procedência de Infração – Paraná

47

TABELA 5: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado do Rio Grande do Sul. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS) População Total 11 164 050 hab.

TOTAL

9708

Índice por 100.000 hab.

86,95

(IBGE, 2013)

Fonte: Frente Parlamentar pela Pessoa Desaparecida do RS

TABELA 6: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado

de Rio de Janeiro. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ) População Total 15 993 583 hab.

TOTAL

5934

Índice por 100.000 hab.

37,10

(IBGE, 2013)

Fonte: www.isp.rj.gov.br/resumoaisp.asp

TABELA 7: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado

do Amazonas. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DO AMAZONAS (AM)

População Total 3 807 923 hab.

TOTAL

365

Índice por 100.000 hab.

9,58

(IBGE, 2013)

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Amazonas

48

TABELA 8 - Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado do Pará. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DO PARÁ (PA)

População Total

TOTAL

2974

Índice por 100.000 hab.

37,31

7 969 655 hab. (IBGE, 2013)

Fonte: Secretaria de Segurança Pública – Policia Civil do Estado do Pará – Diretoria de Estatística.

TABELA 9 :Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado de Mato Grosso. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DO MATO GROSSO (MT)

População Total 3 115 336 hab. (IBGE, 2013)

0 a 17 anos

341

18 a 64 anos

400

Acima de 65

24

Idade Ignorada

20

Total crianças e adolescentes

341

Total adultos

424

TOTAL

785

Índice por 100.000 hab.

25,19

Fonte: Assessoria de Comunicação Social da Policia Civil do Mato Grosso

TABELA 10: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado

de Mato Grosso do Sul. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS) População Total 2 505 088 hab.

TOTAL

1527

Índice por 100.000 hab.

60,95

(IBGE, 2013)

Fonte: Coordenadoria de Relações Públicas - Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul

49

TABELA 11: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado

de Goias. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DE GOIÁS (GO)

1226

Crianças e Adolescentes

População Total

Adultos

1751

TOTAL

2977

Índice por 100.000 hab.

46,26

6 434 052 hab (IBGE, 2013)

Fonte: Ouvidoria-Geral da Secretaria de Segurança Pública de Goiás.

TABELA 12 : Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado

de Tocantins. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DO TOCANTINS (TO)

População Total 1 427 827 hab. (IBGE, 2013)

0 a 17 anos

187

18 a 64 anos

151

Acima de 65 anos

9

Idade Ignorada

21

Total crianças e adolescentes

187

Total adultos

160

TOTAL

368

Índice por 100.000 hab.

25,77

Fonte: Secretaria de Segurança Pública de Tocantins/Diretoria de Estatísticas

TABELA 13: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado de Rondonia – Porto Velho (somente capital). REGISTROS DE ESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DE RONDONIA (RO) – CAPITAL

População Total 484 992 (IBGE, 2013)

0 a 17 anos

110

18 a 64 anos

435

Acima de 65 anos

16

Idade Ignorada

87

Total

crianças

e

110

adolescentes Total adultos

538

TOTAL

648

Índice por 100.000 hab.

133,61

Fonte: Departamento de Estatística da Policia Civil de Rondônia

50

TABELA 14 : Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado de Roraima. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DE RORAIMA (RR) 0 a 17 anos

79

18 a 64 anos

124

488 072 hab.

Acima de 65 anos

8

(IBGE, 2013)

Idade Ignorada

16

Total crianças e adolescentes

79

Total adultos

132

TOTAL

227

Índice por 100.000 hab.

46,50

População Total

Fonte: Setor de Estatísticas e Análise Criminal (SEAC) da Secretaria de Segurança Pública de Roraima.

TABELA 15: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado de Rio Grande do Norte. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 RIO GRANDE DO NORTE População Total 3 373 960 hab.

TOTAL

80

Índice por 100.000 hab.

2,37

(IBGE, 2013)

Fonte: Polinter de Rio Grande do Norte

TABELA 16: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado do Piauí. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 PIAUÍ (PI)

População Total 3 140 213 hab

TOTAL

371

Índice por 100.000 hab.

11,81

(IBGE, 2013)

Fonte: Presidência da Comissão de Modernização da Polícia Civil do Estado do Piauí.

51

TABELA 17: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado de Espirito Santo. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESPIRITO SANTO (ES) População Total 3 512 672 hab.

TOTAL

996

Índice por 100.000 hab.

28,35

(IBGE, 2013)

Fonte: Assessoria de Comunicação da Policia Civil do Espírito Santo

TABELA 18: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado da Bahia.

REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 BAHIA (BA)

População Total 15 044 127 hab

TOTAL

2702

Índice por 100.000 hab.

17,96

(IBGE, 2013)

Fonte: Coordenação de documentação e estatística da Policia civil da Bahia .

TABELA 19: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado de Pernambuco. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DO PERNAMBUCO (PE)

População Total 9 208 551 hab. (IBGE, 2013)

0 A 11 meses

1

1 a 12 anos

154

13 a 17 anos

522

18 a 30

382

31 a 65

377

Acima de 65 anos

58

Não informado

294

Total crianças e adolescentes

677

Total adultos

817

TOTAL

1788

Índice por 100.000 hab.

19,41

Fonte: Gerencia de análise Criminal e Estatística do Governo do Estado de Pernambuco

52

TABELA 20: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado

de Paraíba. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DO PARAIBA (PB)

População Total 3 914 418 hab. (IBGE, 2013)

0 A 3 anos

16

3 a 17 anos

32

18 a 65

15

Acima 65

6

Idade não informada

29

Total crianças e adolescentes

48

Total adultos

50

TOTAL

98

Índice por 100.000 hab.

2,50

Fonte: Secretaria Estadual de Defesa Social de Paraíba

TABELA 21: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado de Alagoas.

REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ESTADO DO ALAGOAS (AL)

População Total 3 120 922 hab. (IBGE, 2013)

0 A 11 anos

30

12 a 17 anos

152

18 a 24

70

25 A 29

58

30 A 34

39

35 A 64

142

65 anos acima

15

Idade não informada

16

TOTAL

522

Índice por 100.000 hab.

16,72

Fonte: Diretoria de Estatística e informática – Gerência de Estatística e Analise Criminal do Estado de Alagoas.

53

TABELA 22: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado do Amapá – somente capital. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 CAPITAL DO ESTADO DO AMAPÁ (AP) – MACAPÁ 0 A 12 anos

4

13 a 17 anos

42

18 a 24

13

25 A 31

10

População Total

32 A 38

7

437 255 hab

39 A 45

2

(IBGE, 2013)

46 A 51

3

52 A 58

2

59 A 65

1

Idade não informada

370

TOTAL

454

Índice por 100.000 hab.

103,82

Fonte: Núcleo setorial de planejamento da policia civil do Estado do Amapá – Estatística disponibilizada somente para a capital Macapá.

TABELA 23: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado do Maranhão – disponível somente: São Luiz, Santa Quitéria, Codó, Tailandia, Imperatriz, Balsa, Caxias e Timon. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 MARANHAO (MA) População Total 6 794 298 hab (IBGE, 2013)

TOTAL

753

Índice por 100.000 hab

11,08

Fonte: Setor de Estatística da Policia Civil do Maranhão

TABELA 24: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Estado do Acre – AC. REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 ACRE (AC)

População Total 776 463 hab

TOTAL

353

Índice por 100.000 hab

45,46

(IBGE, 2013)

Fonte: Divisão de Inteligência da Policia Civil do ACRE

54

TABELA 25: Estatística de Registro de Desaparecimento de Pessoas do Distrito Federal – Brasília REGISTROS DE DESAPARECIMENTOS ANO 2012 BRASILIA – DISTRITO FEDERAL (DF)

População Total TOTAL

943

Índice por 100.000 hab

33,80

2 789 761 hab. (IBGE, 2013)

Fonte: Seção de Informática/Estatística DPCA

Os números apresentados esclarecem de forma pouco satisfatória a pergunta sobre o número de ocorrências de desaparecimento nos Estados brasileiros. Tal análise também é realizada por Oliveira e Geraldes (1999) no primeiro estudo dedicado ao tema. Assim, mais uma vez, reproduzimos e apontamos a inconsistência dos indicadores após 15 anos.

Apesar desta redundante constatação, a apresentação dos dados dessa pesquisa fornece maior proximidade sobre a relação dos Estados Brasileiros e a ocorrência do desaparecimento de pessoas, demonstrando os registros oficiais e sua incidência por 100 mil habitantes.

Com base nessa leitura, conseguimos visualizar, por exemplo, que Estados do sul e sudeste concentram maior número de desaparecimento por 100 mil habitantes, com especial atenção para o Estado do Paraná (97,96) e Rio Grande do Sul (86,95), seguidos de Minas Gerais (60,23), Santa Catarina (52,36) e São Paulo (43,57).

Na região Norte e Nordeste, destaca-se o Estado de Rondônia (133,61), Amapá (103,82) e Roraima (46,50). Já no Centro-Oeste, o Estado do Mato Grosso do Sul (60,95) e Goiás (46,26).

55

Não é fácil estabelecer alguma relação causal sobre essa incidência, principalmente em razão das informações inconsistentes já relatadas. No entanto, alguns questionamentos podem ser formulados. Um deles é a possibilidade de Estados fronteiriços a outras nações terem necessariamente um índice de desaparecimento maior que os outros Estados, como demonstram as estatísticas do Estado de Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Amapá, Rondônia e Roraima. Outro questionamento a ser formulado se refere à constatação de que Estados cuja discussão sobre desaparecimento de pessoas parece ser mais intenso, a partir principalmente do trabalho da sociedade civil, formulação de leis, aquisição de equipamentos

públicos

para

tratar

do

tema

(como

são

as

delegacias

especializadas), o número de subnotificação pode ser menor, como podemos supor analisando os indicadores dos estados do Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais4.

Também poderíamos questionar o que faria Estados como Paraíba, Rio Grande do Norte e Amazonas terem índices tão baixos? Um sistema de segurança melhor? Característica cultural diferenciada destes Estados? Ou ausência de tabulação de dados?

Estes são aspectos cuja ausência de orientação conceitual e de protocolos de atuação ocasionam ao discutirmos o tema de forma mais circunscrita.

Nossas inquietações levam-nos a e discutir a influência da falta de orientação conceitual como resultados das distorções nas tabulações e de ausências de protocolos específicos para atendimento à queixa de desaparecimento.

Com expectativa de facilitar a visualização dos dados coletados, qualificando a análise e seus resultados, escolhemos introduzir um quadro remissivo do índice de desaparecimento dos Estados e um gráfico comparativo entre os mesmos.

4

Estes Estados são reconhecidos tanto pela existência de delegacias especializadas no âmbito de pessoas desaparecidas quanto de movimentos da sociedade civil organizada na luta pelo reconhecimento do problema social do desaparecimento. Como exemplo temos o CRIDESPAR (PR), Mães da Sé e Mães em Luta (SP), Portal da Esperança e Desaparecidos do Brasil (SC).

56 QUADRO 1 – Registro de Desaparecimento de Pessoas conforme Estado Brasileiro.

Estado

Desaparecidos 2012

Taxa por 100 mil hab.

Rio Grande do Sul

9708

86,95

Santa Catarina

3474

52,36

Paraná

10774

97,96

São Paulo

19026

43,57

Minas Gerais

12404

60,23

Rio de Janeiro

5934

37,10

Espirito Santo

996

28,35

Goiás

2977

46,26

Distrito Federal

943

33,80

Mato Grosso do Sul

1527

60,95

Mato Grosso

785

25,19

Rondônia

648

133,61

Acre

353

45,46

Amazonas

365

9,58

Roraima

227

46,50

Pará

2974

37,31

Amapá (Capital)

454

103,82

Tocantins

368

25,77

Maranhão (capital)

753

11,08

Piauí

371

11,81

Ceará

___

___

Rio Grande do Norte

80

2,37

Paraíba

98

2,50

Pernambuco

1788

19,41

Alagoas

522

16,72

Sergipe

___

___

Bahia

2702

17,96

BRASIL

80947

40,12

Região

Desaparecidos 2012

Sul

23 956

Sudeste

38360

Centro-oeste

6232

Norte

5389

Nordeste

6314

80251

57

FIGURA 1: Índice de Desaparecimento conforme Estado Brasileiro.

ÍNDICE DE DESAPARECIMENTO NOS ESTADOS BRASILEIROS POR 100.000 HAB NO ANO DE 2012 160 140 120 100 80 60 40 20 RS SC PR SP MG RJ ES GO DF MS MG RO AC AM RR PA AP TO MA PI CE RN PB PE AL SE BA

0

Série1

É certo também que as dificuldades estatísticas não finalizam por aqui. Somado as dificuldades de tabulação em relação à queixa de desaparecimento nos distritos policias e seus Estados, há também a dificuldade de reconhecimento das motivações dos desaparecimentos. Nenhum dos Estados consultados disponibilizou ou reconheceu esse dado, o que pode ser facilmente justificado, quando a própria ocorrência é negligenciada.

Sobre as motivações dos desaparecimentos no Brasil, as únicas estatísticas que encontramos se referem ao estudo elaborado pelo Projeto Caminho de Volta de autoria de Gattas (2007) e um estudo desenvolvido pela Fundação Criança de São Bernardo do Campo, de autoria de Serpi e Silva (2011), ambos de referência ao campo da infância e adolescência. O relatório do Projeto Caminho de Volta (2007), traz a análise de entrevistas realizadas com 302 famílias de crianças e adolescentes desaparecidos no período de setembro de 2004 a maio de 2006. Dos resultados, 177 crianças e adolescentes

58 eram do sexo feminino e 125 do sexo masculino, concentrando-se um maior número de desaparecidos entre a idade de 8 a 15 anos (tabela 1).

Tabela 26: Total dos entrevistados segundo gênero e faixa etária pelo projeto Caminho de Volta Sexo Feminino Masculino Total

0 a 7 anos 9 7% 11 6% 20 7%

8 a 12 anos 44 35% 26 15% 70 23%

13 a 15 anos 45 36% 87 49% 132 44%

16 a 18 anos 27 22% 53 30% 80 26%

Total 125 177 302

Fonte: GATTAS, 2007, p. 61

O conteúdo da CPI (2010) aponta que os dados do Projeto Caminho de Volta indicam que dos desaparecimentos pesquisados as fugas de casa referem-se a 76% dos casos. Dentre as razões: Maus tratos (35%), alcoolismo (24%), violência doméstica (21%), drogas (15%), abuso sexual / incesto (9%) e negligência (7%). Destes, 54% desapareceram pela primeira vez e 46% tratava-se de reincidência.

Essa mesma pesquisa evidenciou que sobre o comportamento das crianças e adolescentes que desapareceram 9% possuíam envolvimento com álcool, 9% envolvimento com drogas, e 2% eram infratores. Sendo que 11% possuíam mais de um envolvimento, associando nesse caso, álcool, drogas e algum tipo de infração. Os desaparecidos com deficiência física e/ou intelectual somaram-se 14%. A pesquisa do Projeto Caminho de Volta, portanto, apontou que aumenta o risco de desaparecimento de crianças em famílias em que ocorrem maus tratos, violência doméstica, negligência e tráfico de drogas, e sendo assim, mais de 70% das crianças que desaparecem na realidade fogem da violência doméstica e ao fugir, há grande possibilidade de vivenciar novos riscos. O relatório da Fundação Criança de São Bernardo do Campo, referente ao projeto de Avaliação e Sistematização de Práticas que promovam a localização e identificação de crianças e adolescentes desaparecidos no ano de 2011, aponta que das 597 ocorrências de desaparecimento de crianças e adolescentes do município de São Bernardo do Campo avaliadas nos anos de 2007 a 2010 se referem a 55% de crianças que fogem de seus lares, 16% de crianças/adolescentes que são

59 cooptados para práticas delituosas como o tráfico de drogas e 11% que fogem de casas de acolhimento institucional. A maioria da incidência dos desaparecimentos aconteceu nos bairros mais pobres do município e a incidência entre as meninas também apareceu como maior, acentuando a ocorrência entre as idades de 13 a 17 anos. De forma conclusiva, a incidência de desaparecimento de pessoas nos Estados é reflexo da fragilidade e inconsistência com que o tema continua sendo tratado no Brasil.

3.3

O Campo Jurídico-legal

Art. 22: Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador. (Código Civil Brasileiro)

A definição jurídica do desaparecido conforme o Código Civil Brasileiro trata especificamente da curadoria dos bens materiais. O status do desaparecido ou ausente assemelha-se ao indivíduo cuja morte é considerada certa. Não há nenhuma definição no Código Civil Brasileiro sobre a condição do desaparecido. Assim, nega-se a possibilidade da construção de um conceito amparado por estas definições.

Apesar disso, outras definições jurídicas, principalmente criminais, descritas no Código Penal Brasileiro, são usadas para compreender as motivações do desaparecimento. No entanto, o desaparecimento em si, não é considerado crime, o que em parte problematiza a atuação da polícia quando o que existe é somente uma solicitação de paradeiro.

Entre as motivações criminais para o desaparecimento encontramos várias descrições. Em meio a estas, as mais citadas são: o crime de subtração, compreendendo este como a privação de liberdade mediante sequestro ou cárcere privado; o sequestro com fim de obter vantagem para si ou para outrem, como

60

condição ou preço do resgate; Induzir menor de 18 anos, ou interdito, a fugir do lugar em que se acha por determinação de quem sobre ele exerce autoridade, em virtude de lei ou ordem judicial; abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda vigilância ou autoridade e por qualquer motivo, incapaz de defender-se; negligência; maus-tratos e aliciamento para o fim de emigração.

No caso de desaparecimento de crianças e adolescentes, cuja suspeita seja de subtração praticada por familiares, tanto a Convenção de Haia (1980), quanto a Lei 12318/10, conhecida como a lei da Alienação Parental, subsidiam as autoridades. A Convenção da Haia de 25 de outubro de 1980 intervém diretamente sobre os aspectos civis da subtração internacional de crianças e adolescentes e combate o sequestro parental de crianças. Vigente em 78 países, a convenção já contribuiu para a resolução de milhares de casos de subtração ou retenção indevida de crianças. Além de seu caráter curativo, possui também caráter preventivo, ao servir como desestímulo à conduta da subtração de crianças do seu seio familiar. A Lei 12318/10, compreende desta forma o ato de alienação parental: Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

61

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Para a CPI de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (2010), a lei assegura o direito de recorrer ao judiciário para assegurar seu direito de exercer o poder familiar, cabendo, nestes casos, o ajuizamento de ação judicial para definição da guarda legal da prole, com o estabelecimento das regras de convivência adequada a cada caso. Outra situação de desaparecimento, tipificada como crime se refere ao tráfico de pessoas.

O tráfico de pessoas, segundo a UNODC (Nações Unidas sobre Drogas e Crime) é uma das atividades criminosas mais lucrativas do mundo, fazendo cerca de 2,5 milhões de vítimas e movimentando aproximadamente, 32 bilhões de dólares, por ano. No entanto, é um crime ainda invisível e de difícil diagnóstico e que por vezes, pode estar mascarado numa queixa de desaparecimento.

Esse crime está relacionado a outras práticas criminosas e de violações de direitos humanos, servindo, não apenas à exploração de mão de obra escrava, mas também às redes internacionais de exploração sexual comercial, muitas vezes, ligadas ao turismo sexual e a quadrilhas transnacionais especializadas na remoção de órgãos. A definição do Protocolo de Palermo (2000) - Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, para o tráfico de pessoas é: o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.

62 Também define a exploração como sendo, “a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho, serviços forçados, escravatura, práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos”. Para a UNODC, a exploração sexual é a forma de tráfico de pessoas com maior

frequência

(79%),

seguida

do

trabalho

forçado

(18%),

atingindo,

especialmente, crianças, adolescentes e mulheres. O fato é que o tráfico de pessoas não é um problema só dos países de origem das vítimas, mas também dos de trânsito e de destino, que devem coibir, principalmente, o consumo de produtos deste crime. Isto supõe que os países também necessitam de políticas migratórias claras. A Organização Internacional do Trabalho, (OIT) refere que outros crimes estão associados ao tráfico de seres humanos, principalmente casos de: Homicídio; Estupro; Atentado violento ao pudor; Lenocínio; Tortura (psicológica e física); Sequestro; Sequestro com cárcere privado; Corrupção (passiva, concussão, corrupção ativa); Formação de quadrilha; Lavagem de dinheiro; Falsificação, furto ou roubo de documentos; Sonegação fiscal; Estelionato; Frustração de direitos trabalhistas; Trabalho escravo ou forçado; Redução à condição análoga à de escravo. Lesões corporais e maus-tratos.

As principais causas para o tráfico de pessoas, segundo a OIT são: ausência de oportunidades do trabalho, acarretando a falta de meios de garantir a subsistência a curto e médio prazo; discriminação de gênero, com a percepção da mulher como objeto sexual e não como sujeito com direito à liberdade; a instabilidade política, econômica e civil em regiões de conflito; violência doméstica, gerando um ambiente insuportável e impelindo a pessoa para a rua ou para moradias precárias e emigração indocumentada, meio pelo qual as pessoas saem de seu país e tentam entrar sem observância dos procedimentos legais em outro país; turismo sexual; corrupção de funcionários públicos e leis deficientes. Todas essas situações facilitam com que a pessoa se entregue, ou seja seduzida pelos traficantes.

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Há indícios de que o tráfico interno de pessoas também é praticado no nosso país com a mesma intensidade que o tráfico internacional, porém, muitos desses casos acabam camuflados sob outras violações da lei, como sequestro, lenocínio, ou simplesmente, desaparecimento. Outro crime a ser discutido são as crianças e adolescentes que são seduzidas pelo tráfico de drogas. Em pesquisa encomendada pela OIT foi revelado que o ingresso de adolescentes no tráfico de drogas é cada vez mais precoce, a partir dos 13 anos. Essa mesma pesquisa indicou que em sua maioria, os adolescentes são oriundos de famílias pobres, com escolaridade abaixo da média brasileira, casam-se mais cedo que os jovens de sua idade e moram com cônjuge ou amigos. Dentre os motivos que os levam a ingressar no tráfico estão à busca por dinheiro, prestígio e poder. As razões para a permanência são as amizades construídas dentro do tráfico e o fato de estarem visados por grupos rivais e pela Polícia. O

Estatuto

da

Criança

e

do

Adolescente

(ECA)

prevê

medidas

socioeducativas para os adolescentes que iniciam a vida no crime. As medidas previstas são: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em ambiente educacional, além de outras medidas de proteção. Quanto aos adultos que facilitam e impelem o adolescente para a vida criminosa, há o comprometimento legal com o crime de corrupção de menores, assim descrito no ECA, Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: Pena reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

No entanto, grande parte dessas ocorrências criminais são subnotificadas e forjadas pela ocorrência do desaparecimento de pessoas. Isso não significa que todo desaparecimento seja acarretado por um crime e que defenderemos sua criminalização, mas certamente a ausência de investigação para saber “o que aconteceu”, poderá ocultar um possível crime. Também podemos discutir as lacunas do sistema penal e sua impossibilidade de abarcar todas as situações que propiciem

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queixa de desaparecimento, mas reforçamos, que só uma investigação por parte das autoridades poderá responder essa questão. Ainda no campo legal, vamos encontrar Legislação específica sobre desaparecimento, somente para o caso de crianças e adolescentes. Apesar disso, também nestes casos estarão presentes as indefinições do conceito discutido anteriormente. A partir da constituição federal de 1988 e posteriormente com o Estatuto da Criança e Adolescente (1990), o papel da família e o pertencimento de seus membros ganha destaque, propiciando prioritariamente no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990), um Serviço de Localização e Identificação de Pais, Crianças e Adolescentes desaparecidos. Tal artigo é citado como diretriz de política de atendimento voltada à crianças e adolescentes: Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento: I - políticas sociais básicas; II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem; III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos;

Um destaque que veio em seguida foi a Lei 11259/05 que altera o ECA e determina que:

A investigação do desaparecimento de crianças ou adolescentes será realizada imediatamente após notificação aos órgãos competentes, que deverão comunicar o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e companhias de transporte interestaduais e internacionais, fornecendo-lhes todos os dados necessários à identificação do desaparecido. (art. 208, parágrafo 2 - Incluído pela Lei nº 11.259, de 2005)

Outro importante marco legal veio em 2009 com a aprovação do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (Lei nº 12.127/2009) e em 2011 com a Lei que institui a Semana de Mobilização, Busca e Defesa da Criança

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Desaparecida (Lei nº 12.393/2011), a acontecer anualmente nos dias 25 a 31 de março. Sabe-se também, que alguns Estados dispõem independente da normativa nacional, alguns dispositivos legais no reconhecimento e na busca de pessoa desaparecida ou ainda, na luta pela implantação de leis que auxiliem no encontro, a exemplo do Estado de São Paulo, que recentemente aprovou a Lei nº 15.292/20145 cujo texto delimita uma Política Estadual de Busca a Pessoa Desaparecida e cria o banco de pessoas desaparecidas no Estado. Mas, ainda que alguns Estados possuam tais diretrizes, o que se observa a nível nacional é uma total carência de leis e diretrizes, configurando a necessidade atual e legítima de se pensar em uma diretriz jurídico-legal de definição e enfrentamento ao desaparecimento de pessoas.

3.4 O Desaparecimento de Crianças e Adolescentes: Serviço de Localização e Identificação de Pais, Crianças e Adolescentes Desaparecidos proposto pelo ECA.

Apesar dos poucos aparatos institucionais para atendimento à queixa do desaparecimento de pessoas e seus desdobramentos, o tema vagarosamente parece ser incluído nas discussões públicas, pelo menos, no campo da infância e adolescência

como podemos observar

pela

aprovação

das recentes

leis

apresentadas anteriormente, apesar de seu marco principal ser o Art. 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente vigente há 24 anos.

Mas, ainda que tenhamos em letra de Lei a diretriz para um serviço de identificação e localização de pais, responsáveis, crianças e adolescentes desaparecidos, sua descrição genérica no ECA possibilita alguns questionamentos. O primeiro deles é o reconhecimento de qual serviço é esse e como se configura. Um segundo, o de quem executa esse serviço.

5

A Lei encontra-se em anexo (Anexo E) para maior conhecimento. Certamente, esta lei amplia as discussões no Estado de São Paulo sobre o atendimento à queixa de desaparecimento de pessoas e propicia que esta mesma discussão se aproxime de outros Estados brasileiros.

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Essas questões não são respondidas pela Lei, que somada à dificuldade conceitual já discutida, justifica algumas lacunas no atendimento da queixa.

Assim, não temos exatamente uma mostra coordenada do que seja o serviço de localização e identificação de pais, responsáveis, crianças e adolescentes desaparecidos estabelecido pelo ECA. O que temos são maiores ou menores esforços de diferentes políticas públicas que compõe o sistema de garantia de direitos (SGD) na execução da tarefa.

Encontramos esses esforços dentro do sistema de segurança pública a partir da notificação ou realização do boletim de ocorrência (BO), atuação específica de algumas polícias especializadas no atendimento às crianças e adolescentes vítimas; no sistema de assistência social, com práticas de atendimento as famílias de crianças desaparecidas e apoio na divulgação de imagens; na justiça, com pesquisa e encontro de familiares de crianças acolhidas institucionalmente e a execução específica de algumas Organizações Não Governamentais (ONGs)

Algumas práticas merecem destaque e serão trazidas para discussão nos próximos capítulos. No entanto, parte das práticas do serviço de identificação e localização de crianças e adolescentes está em fase de definição, fazendo com que as discussões sobre esse campo e sua descrição sejam tão importantes quanto o reconhecimento do que é executado.

Para esse reconhecimento, construiremos um breve relato de como o tema foi se consolidando na área da infância e adolescência.

O desaparecimento de crianças e adolescentes foi se delineando como problema social a partir do próprio drama dos familiares. Segundo Gattas (2010) ele foi reconhecido principalmente a partir da divulgação de casos de desaparecimento na mídia brasileira. Um deles foi o caso do menino Carlos Ramires da Costa, o Carlinhos, ocorrido no Rio de Janeiro de 1973, que foi levado de dentro de sua casa por um homem armado cujo enigma perdura até hoje e o caso do menino Pedrinho

67

de 1986, que foi raptado por uma falsa enfermeira e encontrado 16 anos depois. Ambos os casos amplamente repercutidos.

Em 1991, foi o caso do menino Guilherme Caramês, de Curitiba, filho de Arlete Caramês. Guilherme desapareceu andando de bicicleta em frente à sua casa e sua mãe, apoiada por outros familiares de pessoas desaparecidas criou o CRIDESPAR – Movimento Nacional em Defesa da Criança e Adolescente Desaparecidos do Paraná.

Outro fato importante de mobilização nacional aconteceu em 1996, com a estreia da novela Explode Coração, da Rede Globo. A novela divulgava fotos de crianças e adolescentes desaparecidos e apresentou o drama dessas famílias a partir de seus personagens. Curiosamente, a novela abriu uma campanha nacional que localizou 113 pessoas desaparecidas entre crianças, adolescentes e adultos. A estreia dessa novela foi importante principalmente porque foi a partir dela que a Organização Não Governamental nacionalmente conhecida, a ABCD, ou também chamada de Mães da Sé, teve início.

O drama de duas mães que residiam em São Paulo e tinham suas filhas desaparecidas e que lutavam pelo seu reencontro foi reunido pela produção da emissora de televisão, tendo em vista, que as mesmas foram convidadas a dar seu depoimento e divulgar a foto de suas filhas na novela. Fundou-se a partir dessa iniciativa e desse encontro, a ONG ABCD – Mães da Sé, que regularmente passou a reunir familiares em frente à Praça da Sé (como fizeram as Mães da Plaza de Maio da Argentina), trazendo cartazes de seus desaparecidos e reivindicando justiça.

Desta forma, identificamos que a luta dos movimentos sociais articulados à dor dos familiares de pessoas desaparecidas dentro de determinado campo histórico e o auxílio da mídia brasileira dos anos 90 trouxe para destaque um tema a ser pautado nacionalmente pela agenda pública.

Assim, o tema foi se introduzindo na agenda da infância e adolescência, com especial destaque para a criação da REDESAP em 2002, criada no âmbito do

68

ministério da justiça e regulamentada em 2011 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O objetivo da REDESAP desde 2002 é articular as instituições que trabalham com o tema e desenvolver diretrizes para uma política pública. A rede é composta por 47 membros, entre órgãos governamentais, delegacias de polícia e sociedade civil organizada. Foi ela a responsável pela Lei 12127/09

que

instituiu

o

cadastro

nacional

de

crianças

e

adolescentes

desaparecidos e outros avanços e discussões do tema na esfera federal.

A REDESAP tem como tarefa principal sensibilizar e mobilizar toda a sociedade para o tema desaparecimento. Até o momento foi responsável pela realização de três encontros nacionais para discutir o tema, sendo que o primeiro aconteceu em Brasília (DF) no ano de 2005, o segundo no Rio de Janeiro (RJ) no ano de 2008 e o último em Boa Vista (RR) no ano de 2010. Nesses encontros foram elaborados documentos com proposições sobre ações a serem realizadas pelo Governo Federal.

Dentre as ações apresentadas nestas proposições (Carta Rio, Carta de Brasília e Carta de Roraima6) destacam-se: 1. Definição conceitual e jurídica dos desaparecidos civis; 2. Promoção e capacitação continuada em todos os níveis, dos profissionais do Sistema de Garantia de Direitos, em particular conselheiros tutelares e de direitos, visando à sensibilização, mobilização

e

instrumentalização

para

a

problemática

do

desaparecimento e utilização do Cadastro Nacional; 3. Consolidação de linhas de financiamento para criação, estruturação e fortalecimento de Delegacias de Pessoas Desaparecidas e quando inexistir, criar e fortalecer serviços especializados; 4. Criação de mecanismo de alerta instantâneo envolvendo órgãos de segurança pública e defesa social dos três níveis de governo envolvendo os veículos de comunicação de massa, empresas de telecomunicação, bem como as demais instituições e entidades públicas e privadas; 6

As cartas encontram-se em anexo (Anexo B, C e D).

69

5. Aprovação de normativa federal que discipline o Alerta Instantâneo garantindo um procedimento de busca e mobilização social imediato; 6. Aprovação de normativa federal e implementação de programa de incentivo e orientação visando à coleta e preservação de material biológico de crianças, adequado a análise de DNA. O tema também foi introduzido no Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária – PNCFC mantendo em seu plano de ação a “consolidação de uma rede nacional de identificação e localização de crianças e adolescentes desaparecidos e de pais e responsáveis” (2006, p.110). O texto prevê o estímulo à criação e a integração de serviços especializados de busca nas cidades, considerando o porte dos municípios e as especificidades locais. Também prevê a incorporação e disseminação de novas tecnologias na busca de pessoas desaparecidas, assim como a criação, manutenção e divulgação de um cadastro nacional de crianças e adolescentes desaparecidos. Visa à produção e divulgação de materiais preventivos e de orientação às famílias, regularização de crianças e adolescentes que vivem em famílias com quem não possuem vínculo legalizado e busca ativa de responsáveis por crianças e adolescentes em acolhimento institucional e em situação de rua.

Destas diretrizes, poucas ações concretas foram colocadas em prática. Entre elas encontramos o cadastro nacional de crianças e adolescentes desaparecidas, que apesar de ter sido instituído por lei em 2009, ainda hoje não traduz nenhum tipo de avanço ou funcionalidade. É um sistema de banco de dados do qual ninguém se habilita a alimentar: nem governo, nem sociedade civil.

É no mínimo inquietante deparar-se com projeções estatísticas desde 1999 que apontam para aproximadamente 40.000 crianças e adolescentes desaparecidas anualmente e o cadastro estar alimentado somente com 3447 notificações de desaparecimento em todo o país.

Mesmo com tais ações e diretrizes não encontramos descrição de atuação e papeis a serem desempenhados pelas diferentes políticas públicas. Fica subtendido 7

Dado disponibilizado no site www.desaparecidos.gov.br em 16 de julho de 2014.

70

no texto do ECA ações diversas tanto no campo da garantia de direitos como no campo da segurança pública, saúde e assistência social, porém, as competências não estão delimitadas.

As proposições da carta Brasília, Rio e Roraima também incitam a cooperação entre diferentes órgãos públicos, desde o sistema de segurança pública, a assistência social e outros órgãos do sistema de garantia de direitos, como conselhos tutelares, tanto para o atendimento da queixa como para o atendimento e suporte aos familiares de crianças e adolescentes desaparecidos. Apesar disso, não encontramos em nenhuma legislação ou protocolo de ações de enfrentamento, especificações de atuação.

O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (2010), que teve o interesse de investigar as razões do desaparecimento de crianças e adolescentes também apontou e problematizou algumas questões.

Em sua justificativa a CPI apresentou a inexistência de estatísticas sobre o número de crianças e adolescentes e que os especialistas ainda discutem se os desaparecimentos são casos de polícia ou devem ser tratados como uma questão social.

Apesar de os órgãos públicos fornecerem números inconsistentes, a CPI observou através de inúmeros depoimentos que existem famílias em situação de completo abandono na luta pelo encontro de seu ente desaparecido.

Observou

também que as iniciativas do Poder Executivo, em todas as esferas de governo, revelam-se,

até

o

momento,

tímidas,

desorganizadas,

desestruturadas,

desintegradas e, muitas vezes, desativadas por falta de recursos e interesse das autoridades.

Nas

suas

conclusões,

assinalou

a

invisibilidade

do

fenômeno

do

desaparecimento; demonstrou que as políticas públicas para o seu enfrentamento estão pulverizadas e não existe integração dos diversos agentes para a solução do

71

problema; analisou que as famílias se organizam em organizações não governamentais – ONGs – porque o Estado as desampara e que a desintegração familiar é causa de desaparecimentos, razão pela qual, solicita a intervenção de órgãos de assistencia social e do sistema de garantia de direitos. Apesar disso, compreende que “na hora em que as autoridades são chamadas a agir não pode haver distinção entre o desaparecimento por problemas familiares e o enigmático, porque ninguém sabe a priori o que aconteceu” (CPI, p.170).

Devido a esta conclusão, propôe, que a estrutura das delegacias especializadas que a CPI preconiza, incluam equipes multidisciplinares integradas com policiais, assistentes sociais, psicólogos, médicos, advogados, educadores e todos os outros técnicos necessários para prestar assistência e prevenir as causas ou minorar os efeitos dos desaparecimentos.

A CPI também alerta que diversas formas de violência contra crianças e adolescentes se confundem com os casos de desaparecimento e que combater outros crimes ilicitos ajudará a prevenir e diminuir casos de desaparecimento. Dá prioridade para a capacitação de profissionais para lidar com a questão, sendo necessário que a sociedade se mobilize imediatamente após o desaparecimento, estabelecendo assim uma articulação entre o poder público e a mídia.

As conclusões da CPI também sinalizam que existem recursos científicos que poderiam

ser

empregados

na

solução

dos

chamados

desaparecimentos

enigmáticos, mas os órgãos publicos não os utilizam, sendo necessário aparelhar os órgãos públicos com todo o instrumental técnico e científico que exista.

Outro ponto levantado é a identificação civil precoce da criança e do adolescente erradicando com o fenômeno do sub-registro de nascimentos e auxiliando nas buscas, sendo imprescindível destinar recursos orçamentários da união para a solução do desaparecimento de crianças e adolescentes.

O relatório apresenta a necessidade de mudança urgente da estrutura governamental, com a destinação de recursos orçamentários específicos para o

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enfrentamento dos desaparecimentos, em todas as suas dimensões de prevenção, investigação, repressão e amparo social às famílias.

O cenário caracterizado até aqui com base nas legislações, proposições da sociedade civil e CPI nos dá indicativos da circulação de diversos problemas e indefinições do que constitui o Serviço de Localização e Identificação de Pais, Crianças e Adolescentes desaparecidos definido pelo ECA. Essa descrição problemática, além de requerer o reconhecimento das práticas propriamente ditas (que será objeto do próximo capítulo) também nos faz desejar reconhecer o tratamento dado ao desaparecimento de adultos.

3.5 Desaparecimento de Adultos

Ao encontrarmos dificuldades para apresentar o campo de atuação da política de atendimento que define um serviço de identificação e localização de crianças e adolescentes desaparecidos, o que dizer então sobre o campo de atuação de localização e identificação de adultos?

Não possuímos nenhuma legislação federal que dê conta do problema dos desaparecidos adultos. Nem mesmo, daqueles considerados em condição de maior vulnerabilidade, como são os deficientes, pessoas em sofrimento psíquico grave e idosos.

É também a sociedade civil, através de ONGs, movimentos sociais e voluntários que trazem o tema para discussão e lutam por uma definição. A “Carta Manifesto8”, do Movimento Social pela Pessoa Desaparecida enviada em 2013 para a presidência da república e assinada por diversas instituições, solicita que o tema seja tratado com a mesma gravidade do caso de crianças e adolescentes, reconhecendo a prioridade necessária dada a estes últimos. Aponta o problema e a negligência com referencia aos idosos, oferecendo algumas alternativas para lidar com o tema. 8

O conteúdo completo da carta encontra-se no anexo A.

73

Outro destaque na discussão do desaparecimento incluindo adultos também por parte exclusiva da sociedade civil é o projeto de iniciativa popular pela pessoa desaparecida. O projeto, que foi idealizado por uma familiar de pessoa desaparecida prevê a criação de delegacias especializadas, criação de um sistema integrado em todo o território nacional sobre pessoas desaparecidas; integração de Boletim de Ocorrência entre estados brasileiros; obrigatoriedade de informações de diferentes órgãos sobre pacientes e/ou usuários não identificados; proposição de que o Boletim de Ocorrência tenha validade jurídica para requerimento de quebra de sigilo telefônico; divisão de responsabilidades sociais entre os entes federados para o atendimento à família do desaparecido com base na vulnerabilidade temporária; responsabilidade civil e criminal na omissão ou falsas informações sobre pessoas desaparecidas de órgãos públicos ou por civil; divulgação de pessoas desaparecidas na mídia; banco de DNA como forma de identificação de familiares de desaparecidos; RG (Registro Geral) a partir da primeira infância e Alerta Amber como forma ativa e reativa no caso de desaparecimento de crianças.

Além das discussões trazidas pela sociedade civil e apesar da ausência de legislação e diretriz para esse campo, há também importantes práticas sendo introduzidas, como é o caso do PLID – Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos, do Ministério Público. Destaca-se também a recente aprovação da Lei nº 15.292/2014 do Estado de São Paulo, que define diretrizes para a Política Estadual de Busca de Pessoas Desaparecidas, que certamente, incitará novos posicionamentos e práticas institucionais voltados não só à população infantil e adolescente, mas também para a população adulta e idosa.

Diante disso, partiremos para a descrição de algumas práticas institucionais no campo de atendimento à queixa do desaparecimento.

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4. O ATENDIMENTO À QUEIXA DE DESAPARECIMENTO: RECORTES DO CONCRETO VIVIDO

O jovem Cesar, 27 anos, figurou por quatro anos entre as 20.000 pessoas que desaparecem todos os anos no Estado de São Paulo. Deficiente mental, saiu de casa em uma tarde para ir até uma conhecida doceria no bairro que residia. Foi e

não voltou mais. Foram três anos de procura, idas às

delegacias e instituições de apoio, até que um ex-funcionário de um o Hospital Psiquiátrico reconheceu a imagem do jovem num programa de televisão, onde sua fotografia como desaparecido foi exposta. Naquele dia, a angústia da mãe de Cesar teve fim, mas os três anos de sofrimento trouxeram consequências danosas para toda sua família, em particular, ao próprio Cesar.

Para adentrarmos na discussão da implementação de práticas de atendimento e consolidação de uma política pública para o enfrentamento do desaparecimento de pessoas, escolhemos como estratégia metodológica narrar a vivência de campo da pesquisadora em seus diferentes espaços. Pretendemos demonstrar como as práticas de atendimento à queixa de desaparecimento vêm sendo conduzidas, retratando o movimento da realidade nesses espaços a partir da exposição do concreto vivido. A intenção será trazer o movimento, as impressões, os valores, as ideias expressas nos discursos e nas práticas de atendimento. Lembramos que tal narrativa foi construída por meio do reconhecimento de casos

específicos

de

desaparecimento

e

encontros

públicos

(passeatas,

concentrações, seminários, audiências públicas), assim como entrevistas com familiares, profissionais e visitas as instituições de atendimento. A tentativa é de retratar o drama do desaparecimento sob a ótica dos valores e crenças de todas as personagens que engendram o fenômeno estudado.

75

Enquanto tema de pesquisa, o desaparecimento de pessoas se delineou a partir da experiência profissional da pesquisadora enquanto psicóloga na execução de um projeto de avaliação e sistematização de práticas de localização e identificação de crianças e adolescentes desaparecidas pela Fundação Criança de São Bernardo do Campo em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Esse campo profissional propiciou o reconhecimento de uma gama de

convicções e dúvidas entre os executores do trabalho avaliado que se transmutaram na questão apresentada nesta pesquisa. Associado a esta experiência veio o contato com os familiares, com as Organizações Não Governamentais (ONGs), com o Movimento Social pela Pessoa Desaparecida. O desafio que se sublinhava era o de reconhecer nos discursos e nas práticas institucionalizadas as subjetividades impressas.

4.1 A imersão no campo de pesquisa

A partir do delineamento do projeto de pesquisa para a seleção no programa de mestrado e o desejo de reconhecer novos caminhos de prática profissional, o tema foi se tornando cada vez mais vívido na experiência da pesquisadora. Levando em conta que significações sobre o fenômeno do desaparecimento já faziam parte de seus ensaios em razão do contato prévio com o elemento principal da análise – as práticas de atendimento de localização e identificação de pessoas desaparecidas – a pesquisa foi se tornando um desafio pessoal e um compromisso não só com a psicologia na tarefa da transformação social, mas também com os familiares de desaparecidos que passaram a fazer parte do cotidiano da pesquisadora. Foi assim que de profissional passou a pesquisadora e de pesquisadora à militante. Tal imersão possibilitou a construção de um corpus de pesquisa heterogêneo, composto de informações advindas do discurso de familiares, profissionais, apresentação institucionais.

de

casos,

participação

em

reuniões,

campanhas

e

visitas

76

Na medida em que o projeto de pesquisa e as questões éticas estavam delimitados, inevitável foi essa imersão. O facebook foi um dos instrumentos que mais auxiliaram nessa tarefa. Ainda que não tivesse sido citado no projeto de pesquisa inicial, ele esteve presente de início ao fim da pesquisa, auxiliando não só na comunicação como no direcionamento de questões importantes a serem investigadas. Foi através dele que os primeiros contatos com familiares durante o período de pesquisa foram realizados. O fato de ter trabalhado com o tema anteriormente fazia da pesquisadora uma pessoa reconhecida entre familiares e organizações da sociedade civil, para quem o tema do desaparecimento era de interesse e dispensando em determinados momentos, explicações, apresentações ou justificativas. Assim, quase que de maneira imediata fora convidada e incluída nas discussões propiciadas pela rede social através de grupos específicos sobre desaparecimento de pessoas. Nas discussões propiciadas pela rede social, o que se pretendia era encontrar alternativas para mostrar a sociedade brasileira o drama o desaparecimento de pessoas e pautar o tema na agenda pública. E isso poderia ser feito de diversas maneiras. Algumas estratégias foram desenvolvidas pelo grupo: passeatas e tentativas de diálogo com o governo federal. As principais questões apresentadas por alguns familiares era a exaustão na tentativa de ter sua queixa atendida. Reclamações pautavam-se no fato de que grande parte das queixas de desaparecimento não eram absorvidas e sequer formalizadas. Pautavam-se no discurso policial solicitando que o familiar aguardasse 24 ou 48 horas para o registro de ocorrência e depois disso, uma ausência quase que

absoluta

de

intervenção.

A

queixa

de

desaparecimento

levada

às autoridades transformava-se em papel morto em prateleiras de burocracias das delegacias de policia. Relatos de trauma, de medo e por vezes até de desesperança acompanhavam o conteúdo do diálogo de alguns familiares. Ao mesmo tempo, apegavam-se a esperança de um reencontro: a centelha que lhes mantinham vivos e firmes no proposito do debate.

77

Outro dado significativo durante a pesquisa foram os contatos telefônicos. A tarefa inicial de buscar informações quantitativas dos Estados em relação ao número de desaparecidos no ano de 2012 caracterizou-se uma tarefa de forte expressão sobre o fenômeno que se desejava estudar. A dificuldade já esperada de conseguir os dados para a pesquisa transmutou-se numa tarefa de muitos significados. Poucos os Estados já disponibilizavam desses dados. A maioria deles apresentava dificuldades para conceituar o que a pesquisadora solicitava. Ainda que, o pedido fosse sobre o “número de ocorrências registradas como desaparecimento de pessoas no ano de 2012”, alguns questionamentos seguiram como a exemplo deste: “mas você quer só desaparecidos?”, você sabe que a maioria é menino que foge de casa, não sabe não? A gente até registra, mas desaparecido, desaparecido, a gente não tem não.” (Profissional 8) Ou, Desaparecido? Não, nós não temos desaparecidos aqui não. São adolescentes que fogem de casa e voltam sozinhos, envolve problema social sabe? A gente registra porque tem que registrar, mas eles voltam pra casa e não é a polícia que resolve esses casos. Eles voltam pra casa sozinhos. É isso mesmo que você quer? (profissional 9) Questionado sobre se essas ocorrências também foram registradas como desaparecimento, o profissional confirmava, e assim a pesquisadora solicitava que fossem contabilizadas todas as ocorrências notificadas como desaparecimento. Ficava subentendido a noção de que essas estatísticas não seriam fiéis à realidade do que o profissional considerava como desaparecido, e que as fugas de casa, não deveriam representa-la. Portanto, fez questão de atentar a pesquisadora para este fato.

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Não demorou muito para esta experiência extrapolar o telefone e as conversas virtuais e se tornar ato. O encontro pessoal com os familiares e profissionais foram se estreitando e possibilitando outras experiências. Da experiência com a rede social e sua facilidade de mobilização de pessoas prosseguiram no ano de 2013 dois encontros em vias públicas, nos quais a pesquisadora esteve presente – um durante a semana de Busca e Defesa da Criança Desaparecida (comemorada na semana de 25 a 30 de março) e outro no dia internacional da criança desaparecida (25 de maio). Um terceiro encontro aconteceu junto a representantes do governo federal num diálogo com a sociedade civil e um quarto no Fórum Mundial de Direitos Humanos. Nestes encontros, onde se carregavam faixas, cartazes e fotografias de pessoas desaparecidas, os familiares se encontravam para reivindicar: - “Queremos nossos filhos! (entoação iniciada por voluntários e familiares no vão do MASP)

As entoações tiveram início por alguns voluntários e foram sequenciadas pelos familiares que depois de poucos minutos tinham as frases misturadas ao choro. Aos poucos, como que por respeito a dor daquele que sente a ausência, o silêncio passou a tomar conta da reivindicação. Não mais aconteceram entoações. Os braços se erguiam mostrando os cartazes com as fotos das pessoas desaparecidas num silêncio tão representativo quanto às entoações conseguiram ser. O momento mais esperado por alguns familiares era aquele onde a mídia se fazia presente nesses encontros públicos. A chance de mostrar o seu sofrimento, era a chance de divulgar a foto de seu familiar e ter o rosto desse familiar reconhecido na multidão. A mídia televisiva era aguardada com muita esperança. A chance de ter a fotografia do familiar desaparecido divulgada em rede nacional era vista como possibilidade única. Era para ela (a mídia) que as histórias eram repetidas inúmeras vezes, que o sofrimento era relembrado e as “emoções trituradas na expectativa de se ter pelo menos uma chance de divulgação do rosto do filho desaparecido e seu reconhecimento”. (sic). “Minha filha saiu de casa com destino a escola, porém nunca chegou lá e também não voltou para casa. Eu a busquei por todos os lugares. Fiz tudo o que podia fazer para

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encontra-la nos primeiros momentos de seu desaparecimento, mas logo percebi a ineficácia do Estado e do Poder Público para falar, reagir e dar assistência para as famílias nos casos de desaparecimento” (Familiar de Desaparecido 1). “Meu filho está desaparecido há 13 anos. Desapareceu com 17. Desde então, fiz tudo o era possível, porém, até agora não tenho notícias. Ele tem 30 anos. Eu acredito que esteja vivo. Ele saiu para ir a uma festa e me pediu uma camiseta nova. Eu comprei a camiseta, uma calça e uma bota que ele queria. Antes de sair me pediu dinheiro e eu dei. Pegou sua bicicleta, foi para a festa e nunca mais voltou.” (Familiar de Desaparecido 2). “Meus netos desapareceram quando tinham 4 e 5 anos. Agora estão com 15. São 10 longos anos que não os vejo. Penso neles todos os dias: será que estão comendo? Estão dormindo? Estão estudando? Procuro na internet. É uma sensação horrorosa e dolorosa.” (Familiar de desaparecido 3)

Ademais o contato com a mídia e a exposição desejada, a entoação silenciada pela dor continuava na esperança do reconhecimento desse problema social. “A Secretaria de direitos humanos fala de 200 mil desaparecidos, sendo 40 mil crianças e adolescentes por ano. Isso é um dado ilusório, porque muitas famílias não têm acesso a informação e não registram seus desaparecidos. Também não temos nossos familiares desaparecidos divulgados pelo governo. Não temos nada.” (familiar de desaparecido 1) “As famílias recorrem as organizações sociais para tentar ajuda, não só na divulgação da imagem como também no tratamento psicológico e no acompanhamento jurídico. Isso para que essas famílias consigam sobreviver, porque viver já não é mais possível. (familiar de desaparecido 1) “Pelo descaso que a gente vem sofrendo, pela falta de políticas públicas, pelo desaparecimento não ser crime e a polícia não investigar, hoje colhemos assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular, onde a gente está tentando colher um milhão e meio de assinaturas para leva-las ao congresso. Queremos com essa lei criar distritos especializados, que se possa interferir no sigilo telefônico, que se tenha um cadastro unificado de pessoas desaparecidas que funcione, que a queixa apresentada tenha valor de um documento oficial. Hoje essas pessoas vivem no maior abandono, há uma grande falta de preocupação pelo governo quando o assunto são as pessoas desaparecidas. É um assunto que não interessa a ninguém. É um assunto no qual o poder público não tem interesse.” (Familiar de desaparecido 4)

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Com o intuito do reconhecimento do desaparecimento enquanto problema social, os familiares e voluntários distribuíram panfletos divulgando o projeto de iniciativa popular pela pessoa desaparecida e colhendo as assinaturas. O desafio que viam à frente era o diálogo com o governo federal. O que não tardou em acontecer ao dar continuidade às discussões e definições de estratégias de enfrentamento, onde organizações da sociedade civil de alguns estados, familiares e voluntários se uniram em prol à causa. Foi assim que em outubro de 2013, o governo federal em nome da Secretaria Geral da Presidência Pública convocou o movimento para um diálogo. Entre os presentes, estavam as autoridades do Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos,

Secretaria

Nacional

de

Segurança

Pública,

Ministério

do

Desenvolvimento Social, Secretaria de Políticas de Promoção a Igualdade Racial e também familiares, voluntários e representantes de organizações da sociedade civil. Entre os diálogos ouviu-se: “Queremos apoio aos familiares. Matam nossos filhos, desaparecem com eles e ficamos desamparados. Tem mãe caindo para o suicídio. O País precisa dar colo a elas”. (familiar de desaparecido 5) “Essa é uma das principais questões de direitos humanos para o Brasil. Num país que tem superado a miséria, que vai melhorando todos os indicadores econômicos e sociais, resta um grave problema que precisa ser superado...” (Secretaria de Direitos humanos da presidência da república) “As respostas para esse problema envolvem um número diversificado de instituições públicas, sob pena de não chegar na raiz dos problema...” (Secretaria de Políticas de Promoção a Igualdade Racial) “Reconhecemos nossas fragilidades, sabemos que nem todos os Estados divulgam os números de desaparecidos e temos dificuldade para obriga-los, pois os Estados são independentes...” (Secretaria Nacional de Segurança Pública).

Entre as queixas e histórias pessoais relatadas às autoridades, também ouviu-se a saga dos familiares para o registro da queixa de desaparecimento. O descaso policial com essa queixa em específico fora a questão mais atacada, assim como a

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ausência de dados e estatísticas divulgadas pelos governos Estaduais. Outro ponto, fora a ausência de suporte e acompanhamento aos familiares de desaparecidos. Ouviram-se

propostas da

sociedade

civil

e

poucas justificativas

e/ou

apresentação de propostas já consolidadas do governo. Na mesma data, fora entregue uma carta manifesto cujo conteúdo seria melhor avaliado pelas secretarias e ministérios presentes, fundamentando um diálogo posterior e direcionado. A experiência de contato com esses familiares retratou bem o sentimento de solidão vivenciado pelas famílias e suas necessidades de memória e respeito preservado. Também retratou a incapacidade do governo de articular respostas para as questões apresentadas tendo em vista a afirmação de tamanha complexidade e ausência de projetos para o enfrentamento do problema. Todas essas questões também podem ser apresentadas pela descrição dos inúmeros casos de familiares de desaparecidos que foram relatados no encontro com as autoridades, como se pretende demonstrar com a descrição do caso de Helena.

4.1.1 Entre muitos casos, o Caso de Helena

O relato do desaparecimento de Helena foi coletado em mais de um encontro e sempre de maneira informal. A intenção desses encontros nunca fora especificamente motivada pela pesquisa. A ideia dessa exposição, solicitação e autorização, aconteceu depois de muito tempo, quando a pesquisadora percebeu que o movimento da análise dessa pesquisa não seria possível sem a expressão da vivência propriamente dos familiares que buscam suas pessoas queridas. Os relatos foram coletados em encontros de trabalho pelo Movimento Social pela Pessoa Desaparecida ou para estratégias de coleta de assinaturas pelo projeto de iniciativa popular pela pessoa desaparecida. Durante um pouco mais de um ano de convivência e de trabalho em prol da causa, entre uma passeata e outra, entre um evento de coleta de assinaturas e outro, entre reuniões sistemáticas, telefonemas e discussões de estratégias de inserção do tema na agenda pública, a mãe de Helena pode relatar os momentos de tensão e luta de um familiar que busca alguém desaparecido, que agora, pretendo resumidamente trazê-lo à tela.

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Era 03 de outubro de 2009. Helena, com 23 anos, saiu de casa na região metropolitana de São Paulo às 5h30 para ir trabalhar, cumprindo uma rotina que já fazia há quase dois anos. Helena entrava no trabalho às 6h da manhã em uma empresa na mesma região de sua residência. Sua mãe estava acostumada com sua rotina. Diariamente recebia o cumprimento da filha pela manhã se despedindo e dizendo um até logo, já que se encontravam novamente na troca de turnos da empresa. Naquele dia, não foi diferente. Helena se despediu da mãe dizendo um “até logo”. Às 13h30, quando a mãe de Helena chegou à empresa fora informada que a filha não havia chegado ao trabalho. As amigas de Helena, preocupadas com sua ausência, perguntavam o que havia acontecido e se ela estava bem. Helena não tinha aparecido no trabalho naquele dia. Na mesma hora sua mãe ligou para o celular da filha que deu caixa postal. Estranhando o acontecimento e temendo sobre o que poderia ter acontecido, rapidamente acionou os demais familiares e amigos de sua filha, mas nenhum deles tinha qualquer ideia de seu paradeiro. Na mesma tarde, os familiares se uniram e passaram a investigar o que poderia ter acontecido. Foram até a empresa que realiza o transporte público da cidade e conseguiram um relatório com o setor de tráfegos, conferindo que o cartão de transporte de Helena não tinha sido utilizado naquele dia. Em seguida, partiram para as empresas de monitoramento da cidade. Tiveram acesso a todas as imagens ficando claro aos familiares que Helena também não havia passado na região monitorada. Às 18h do mesmo dia, a família já estava dentro da delegacia registrando o B.O. (Boletim de Ocorrência) de desaparecimento. No dia seguinte foram ao D.H.P.P. (Delegacia de Homicídios e de Proteção à Pessoa) em São Paulo - Capital, levar a foto de Helena para ser colocada no site da polícia civil, como orientação da própria delegacia. Dos policiais das delegacias por onde passou até aquele momento (Distrito policial da cidade metropolitana e Delegacia da Pessoa Desaparecida de São Paulo), a mãe de Helena ouviu que já tinha levado 90% do trabalho pronto para a polícia. E até aonde entendeu, restavam outros 10% para a polícia ou o Estado realizar.

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No terceiro dia, retornou a delegacia. Desta vez, em outro distrito policial, mais próximo de sua residência. Reforça que o boletim de ocorrência fora lavrado em outro distrito, pois na percepção do desaparecimento de Helena, era aquela delegacia a mais próxima. No entanto, a ida à outra delegacia abriu-lhe a percepção de que sua filha não estava sendo “procurada”. De que o delegado tampouco

sabiam

sobre

o

desaparecimento

de

Helena,

de

e policiais que

se

o

desaparecimento é registrado em determinada delegacia, não haveria comunicação imediata entre as demais delegacias e que o registro de desaparecimento estaria tão desaparecido quanto a própria Helena. A familiar relata a percepção de que naquele momento soube que ninguém lhe ajudaria a procurar sua filha. Da polícia teve o B.O, o descaso e uma discussão. A família solicitava uma investigação, e o delegado solicitava provas para iniciar uma investigação. O delegado sugeriu que Helena fizesse uso de drogas, que a relação familiar fosse conturbada, que quisesse talvez se distanciar da família, da mãe, dos irmãos. Justificava a não-ação por não haver indícios de um crime e de que Helena era adulta suficiente para realizar escolhas diferentes daquelas orientadas pela família. O discurso do delegado também sugeriu que Helena por fazer artes plásticas e ser uma artista, provavelmente estava desfrutando de um dos seus momentos de loucura e desapego, já que no seu modo de ver “todo artista é louco”. O percurso dos familiares não finalizou no delegado do município ou na dependência das autoridades que sugeriam sempre: “Quando tiver alguma notícia sobre sua filha, a Sra., por favor, volte e nos traga as informações”. Eles esperavam justamente o contrário. Que era a polícia quem os ajudaria com informações. Empreenderam então uma busca solitária. Auxiliada por alguns amigos, a família adentrou matas, percorreu lugares de exploração sexual, de tráfico e de uso abusivo de drogas. Foi buscar indícios em IMLs, em hospitais, em locais conhecidos como “desovas” de corpos. Permaneceram dias entre moradores de rua na região da “cracolândia” em São Paulo e outros municípios vizinhos. Após vinte dias do desaparecimento de Helena, recebeu a notícia de que a filha seria demitida por abandono de emprego. Levaram o boletim de ocorrência até a empresa, justificaram a ausência, mas nada pôde ser feito, pois o boletim de

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ocorrência não era (e não é) documento oficial e suficiente para impedir o processo de abandono de emprego. Começava aí uma luta jurídica também. Procuraram apoio na câmara de vereadores de seu município, mas lá, também ninguém sabia como e o que fazer para lhes ajudar. Procuraram a Secretaria de Promoção Social da Cidade, que também não sabia ao certo o que fazer com o problema apresentado. Pensaram numa visita domiciliar, mas a renda da família não se enquadrava no perfil de atendimento. Depois disso, procuraram outros delegados, promotores e até mesmo o prefeito da cidade. Na sequencia vieram o governador do Estado e o Ministério da Justiça. Na ausência de providência do Estado e pela morosidade da justiça, contrataram um hacker. Mais tarde ainda, associada aos outros familiares e sociedade civil organizada, a mãe chegou a dialogar com a Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria nacional de Segurança pública e Secretaria Geral da Presidência da República, encaminhando uma carta manifesto a estas autoridades. Das autoridades, do prefeito ao ministério da justiça, a mãe ouviu que nada poderia ser feito e que o caso em questão não era de sua competência. Nas reuniões com as secretarias de governo, ouviu o discurso sobre a complexidade dos casos de desaparecimento, da necessidade do envolvimento de muitos órgãos, da difícil execução de uma política integrada, da ausência de discussão sobre o desaparecimento de adultos, a dificuldade conceitual e jurídica do direito de ir e vir e suas implicações no cerceamento da liberdade individual, as dificuldades jurídicas enfrentadas na solicitação de quebra de sigilo telefônico, a autonomia dos Estados em relação aos seus procedimentos internos de segurança pública, da falta de articulação, de rede de serviços e de sistemas tecnológicos integrados. Vieram muitas promessas. A mãe de Helena relata um processo de humilhação e solidão. O que estava em jogo era o desaparecimento de Helena e também a competência enquanto mãe. Era a dimensão da relação familiar envolvida em julgamentos prévios das autoridades, a busca desmedida por um indício de um crime que justificasse a ação policial pela busca de Helena, um lugar a ser descoberto para percorrer que lhe pudesse oferecer amparo social, jurídico e de saúde.

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Estes últimos devido a perda do emprego, o uso de recursos financeiros para o pagamento de investigadores particulares, hackers e honorários de advogados, assim como a saúde mental devastada pela perda, pela dúvida, pela ausência de luto. Nenhum desses lugares foi encontrado. Helena também não. A mãe lamenta: “bastava eu ter a minha dor, eu não precisava passar por tudo isso para ter direito de querer saber o que aconteceu com a minha filha”.

4.1.2 Reconhecendo as práticas institucionais

O exercício de visita e reconhecimento das experiências profissionais também aconteceu no primeiro semestre do ano de 2013. Motivada por uma percepção inicial de que muitos equipamentos do Estado, entre eles, da assistência social, segurança pública e órgãos de defesa

esbarravam com a questão do

desaparecimento, mas poucos possuíam protocolos ou definições de como proceder com a queixa do desaparecimento de pessoas, a pesquisadora se empenhou em qualificar as práticas consideradas mais exitosas e reconhecidas tanto pelo governo federal como pelas famílias e organizações da sociedade civil. Junto a esta definição também pode descrever o atendimento comum à queixa de desaparecimento, relatado por familiares e profissionais nos encontros públicos. A maior parte do atendimento a queixa do desaparecimento, ocorre no distrito policial mais próximo do denunciante. Isso se dá justamente pelo fato de que o desaparecimento de alguém pressupõe um ato de investigação. O que se quer saber é o que aconteceu com esta pessoa. Apesar da maioria dos municípios se beneficiarem da estrutura policial, o registro de ocorrência de desaparecimento não é tão fácil e óbvio. Ainda perdura em muitos distritos policiais a ideia equivocada de aguardar 24 ou 48 horas para o registro de um boletim de ocorrência de desaparecimento, como apontado por algumas pesquisas (GATTAS, 2010; NEUMANN, 2010; OLIVEIRA, 2012) e os relatos de familiares de pessoas desaparecidas.

86

Entre os registros das falas de familiares de desaparecidos sobre esse aspecto encontramos: “[...] a família fica só! O que eu não admito é que além de lidar com a minha dor (a dor de ter um familiar desaparecido) eu tenha que brigar com os setores públicos por atendimento... eu acho que eu não precisava passar por isso...” (Familiar de desaparecido 4) “[...] eu voltei três vezes na delegacia para tentar registrar a ocorrência. Na terceira registraram por pena... me diziam que tinha que aguardar 48 horas...” (Familiar de desaparecido 1)

O que pode ser confirmado pela fala dos profissionais: “A gente sabe mais ou menos os casos que merecem atenção...a gente logo verifica que o desaparecimento – vou falar na real – envolve certas situações que a gente percebe que vai dar problema, vai dar repercussão – daí a gente fuça tudo, a gente vai lá e busca o pai, vai lá e aciona o conselho tutelar [...] ocorre que a maioria, a maioria é conflito familiar, é envolvimento com drogadicção, com tráfico de drogas, problemas de família. Então a gente sabe os casos que merecem atenção. (Delegado 1) “Vou te falar uma coisa, eu não registro imediatamente a queixa. A policia tem mais o que fazer do que ir atrás de moleque que foge de casa... Eu mando a família ir para o hospital, IML, procurar na casa dos amigos, dos namoradinhos. Se não encontrar daí a gente vai ver...Eu não sou mau, mas problema social não se resolve na delegacia. (Profissional 8)

Quando há o registro de ocorrência, o que se segue em termos de procedimento policial não está definido dentro de nenhuma norma. Tudo dependerá do entendimento que o escrivão, investigador e delegado terá do caso. De maneira geral, os casos de desaparecimento levados à investigação são os que aparentemente

trazem

indícios

de

envolvimento

com

crime.

O

fato

do

desaparecimento de pessoas não ser considerado crime, não impele os investigadores a dar prioridade para esse tipo de ocorrência, relegando às vezes, à segundo ou terceiro caso ou os denominando como problemas familiares e não casos de polícia, como discute Oliveira (2007).

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Como exemplo disto, temos aqui, o registro do depoimento de alguns familiares e delegados nos encontros públicos: “Os delegados dizem que desaparecimento não é crime e por não considerarem crime, não há investigação”. (Familiar de desaparecido 5) “[...] o delegado me perguntou: sua filha não está com algum namoradinho? E eu lhe perguntei: Por acaso se eu fosse mãe de deixar minha filha andar com namoradinho a essa hora da madrugada o Senhor acha que eu estaria aqui registrando essa ocorrência?”. (Familiar de desaparecido 5) “O problema do número de desaparecidos é que a maioria que retorna, não volta na delegacia para dar baixa no boletim. E nem a gente vai atrás pra saber se voltou”. (Delegado de polícia 1) “[...] a maior parte é aqueles desaparecimentos temporários... são jovens geralmente com problemas familiares, seja violência domestica, sejam abusos sexuais, enfim, e também dentro disso o jovem com problema de drogadição. Isso é bastante comum aqui e compromete nosso trabalho.” (Delegado de polícia 1) “[...] o grande problema do desaparecido não é o desaparecido em si, mas a família desestruturada.” ( Delegado de polícia 2)

Na maioria dos casos o que há é um procedimento burocrático: registro de ocorrência. Não há um protocolo a seguir, não há um treinamento de oficiais para esse fim, não há determinação sobre como tratar essas ocorrências. Essas afirmações também são discutidas por CLAUDINO (2011), que aponta e sugere em sua pesquisa monográfica para o curso de Especialização em Segurança Pública da Universidade do Sul, que esse padrão de atendimento inexiste no Brasil e traz experiências europeias e norte-americanas de sucesso que poderiam subsidiar os trabalhos brasileiros. No Brasil, cada Estado, cada delegacia determinará e terá uma atuação específica dentro de várias limitações que o Sistema de Segurança Pública lhes impõe. Desde a falta de integração entre os sistemas dos Estados (se alguém desaparecer no Estado de São Paulo e for encontrado em Minas Gerais, por exemplo, Minas Gerais não terá acesso à informação de que essa pessoa estava

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desaparecida e vice-versa), até a falta de um cadastro único ou sistema de notificação, entre outras carências já bastante conhecidas e discutidas. Nos Estados em que há uma delegacia especializada, há sem dúvida, maior propriedade desses casos, sendo a notificação realizada no distrito policial,

e

posteriormente encaminhada para a Delegacia especializada que aguardará evidências policiais que deverão ser encaminhados do distrito onde foi realizada a notificação, dando suporte técnico à investigação. Das delegacias especializadas em pessoas desaparecidas no Brasil, à saber: São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, todas elas são responsáveis por todo o Estado. Portanto, as delegacias dos três estados são órgãos reguladores das ocorrências e dão suporte técnico aos distritos policiais, concentrando informações de encontro de cadáveres, pessoas encontradas sem identificação e outras características de cruzamento de dados. No entanto, essas delegacias tem capacidade técnica reduzida, servindo sempre como suporte nas investigações, pois respaldam todo o seu Estado. Diferente destas delegacias é o SICRIDE (Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas) do Estado do Paraná, que atende crianças até 12 anos de idade e a equipe atende integralmente os casos ocorridos no Estado. Há também as Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente que em alguns Estados assumem a responsabilidade de regulação das ocorrências de desaparecimento de crianças e adolescentes. De igual sorte, se responsabilizam pelos casos de desaparecimento de crianças e adolescentes do seu Estado ou da região que atendem. Desta forma, não temos, dentro do sistema de segurança pública nenhum padrão de conduta entre os estados e dentro destes. É comum nos encontros promovidos para debater o tema, a conversa paralela se referir em falta de articulação, ausência de rede, informação não compartilhada, enfim, como já dito, um discurso de inúmeras ausências. No intuito de exemplificar essa questão, novamente trazemos falas tanto de familiares como de outros profissionais que trabalham com o tema:

89 “[...] A gente precisa articular vários setores da sociedade...”(Profissional 1) “[...] A questão da rede é difícil... O desafio que eu vejo é justamente articular os segmentos. É muito difícil! Uma criança que desaparece no Rio, não necessariamente esteja ainda no Rio, pode estar numa região do sul do país, em qualquer lugar, então, a gente precisa disparar isso, esse sistema de alerta, é uma coisa que a gente precisa ter dentro do Brasil”. (Profissional 1) Quem vai se responsabilizar pelos desaparecidos? De quem devemos cobrar responsabilidade?(Familiar 1) “[...] a causa (dos desaparecidos) é órfã de pai e de mãe”. (Familiar 1) “[...] não há como enfrentar o desaparecimento se não dermos a mão com outras áreas de conhecimento”.(Profissional 2)

De todas as ausências, quem mais padece, é o próprio familiar que busca. Absorvido pela interrogação e algumas vezes, até mesmo pela culpa, encontra muita dificuldade em ser ouvido e atendido. Mandar retornar em 24 horas “é o mais leve”, diriam alguns familiares. Acusações, julgamentos prévios da vida familiar e da vida do desaparecido são os mais frequentes.

Pouco crédito é dado ao discurso e queixa do familiar. O que impera não é somente a dúvida sobre o que poderia ter acontecido, mas um julgamento indevido e preliminar que incapacita outras nuances da realidade, sua investigação e encaminhamentos. O

mesmo acontece quando o

protagonista do

desaparecimento

é

adolescente. Apesar da Lei da Busca Imediata, a caracterização desse tipo de ocorrência é frequentemente negligenciada. Há uma compreensão generalizada que estes desaparecimentos se solucionam por si só e que o que está em jogo é um relacionamento familiar conturbado, uso de drogas, ou a busca simples de aventura. A banalização desse tipo de ocorrência e a ausência de encaminhamentos na imediata solução do desaparecimento facilitam a reincidência da ocorrência e situação de risco.

90

Apesar disso tudo, se a polícia é quem mais recebe as críticas dos familiares, ela é também um dos poucos órgãos públicos que recebe a queixa do desaparecimento. Essa foi uma afirmação ouvida mais de uma vez nos encontros públicos quando as queixas dos familiares se voltavam ao atendimento da polícia. E de fato, algumas famílias confirmam que se em algumas delegacias o familiar é convidado a retornar 24 horas depois, em outros órgãos públicos tão importantes para o familiar do desaparecido como a polícia, ele sequer tem sua demanda absorvida, como em alguns equipamentos da Assistência Social, Saúde e órgãos de justiça. Certamente, todos eles têm responsabilidades latentes sobre o tema, mas ainda pouco problematizadas e reconhecidas. Diante de tantas necessidades e ausência do poder público, iniciativas de voluntários também vão compondo a cena. Não são poucos os voluntários que trabalham principalmente nas redes sociais, auxiliando as famílias, promovendo a divulgação e por vezes, até mesmo, investigando e dando início aos trâmites de procura. De maneira mais ou menos profissionalizada, eles têm colaborado muito para a divulgação do problema social. Alguns relatam que ajudaram muitas famílias a encontrar seus entes queridos através de sistemas de crédito (como os do Serviço de Proteção ao Crédito - SPC) e se assombram ao perceber que sua forma de investigação demonstra ser mais eficiente que o próprio sistema policial em muitas das situações. O comprometimento destes voluntários também é surpreendente. Alguns desenvolvem

suas próprias metodologias e

tornam-se

tão importantes e

reconhecidos como os próprios órgãos públicos, como é o caso de diversos perfis do facebook.

Em pesquisa simples nas redes sociais, encontrarão diversos perfis,

alguns trabalhando regionalmente, outros de maneira mais ampliada, mas todos, reconhecidamente preocupados com a divulgação e o encontro dessas pessoas.

91

4.1.3 As Práticas Especializadas

A partir dos relatos de atendimento à queixa do desaparecimento e apresentação do caso de Helena ficam evidentes as falhas, as ausências e a inadequação das políticas públicas para tratar o tema. Há dúvida sobre o papel da segurança pública, há dúvida sobre o papel da assistência social, da saúde, dos órgãos de defesa de direitos. No entanto, observamos que algumas práticas isoladas e ainda pouco articuladas vão se delineando no enfrentamento da questão no Brasil. Trazem consigo inúmeros desafios, anseios e inseguranças, mas ultrapassam, ainda que experimentalmente algumas das dificuldades relatadas anteriormente. Foi a partir dessa observação, que a pesquisadora empreendeu visita à essas instituições para auxiliar e apoiar a reflexão dessa pesquisa. Para a apresentação foram selecionamos quatro instituições localizadas em quatro diferentes Estados brasileiros que vem dentro de políticas públicas diferenciadas expondo suas estratégias de atuação. São elas: 

O SICRIDE (Serviço de Investigação de crianças Desaparecidas), da Policia Civil, localizado na cidade de Curitiba com cobertura para o Estado do Paraná, que é uma delegacia especializada para crianças (0 a 12 anos);



A SEDEST, secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do Distrito Federal com cobertura para o Distrito Federal e entorno.



O PLID (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos), do Ministério Público do Rio de Janeiro, localizada na cidade do Rio de Janeiro, com cobertura nacional;

92 

O Programa Reencontro da Fundação Criança de São Bernardo do Campo, com cobertura aos munícipes de São Bernardo do Campo, com atendimento de crianças e adolescentes (o a 18 anos);

Essas instituições foram selecionadas não só pela repercussão nacional como iniciativas inovadoras para a questão do desaparecimento, mas também pelas diferenças absolutas de abordagem. Os dados referentes a proposta de trabalho e o conceito do trabalho desenvolvido foram coletados através de documentos institucionais, visita institucional e entrevistas com profissionais no primeiro semestre de 2013.

A intenção é mostrar os procedimentos, a inserção do tema nas diferentes políticas públicas e também as considerações e relatos dos trabalhadores sobre a difícil conceituação do problema social do desaparecimento de pessoas e as intervenções necessárias. SICRIDE – Serviço de investigação de Crianças Desaparecidas

A visita ao Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas, localizado em Curitiba, Paraná, aconteceu em abril de 2013. O encontro com a equipe seguiu naturalmente e todos pareciam já bastante acostumados a receber pesquisadores, jornalistas e pessoas interessadas na prática diferenciada.

As entrevistas se seguiram com a delegada responsável, uma psicóloga e dois investigadores.

O Serviço foi criado em 1995 e como órgão da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná (SESP) tem a incumbência de centralizar o registro de ocorrência envolvendo crianças desaparecidas no âmbito do território do Paraná, promovendo a apuração dos fatos, mediante o processamento respectivo, inclusive prosseguindo na instrução de inquéritos policiais já instaurados. A partir de sua existência, que historicamente surgiu defronte a demanda da sociedade civil do Estado do Paraná, em particular, a ação da ONG CRIDESPAR -

93

Associação Nacional de Crianças Desaparecidas - o SICRIDE passou a se preocupar com a prevenção e repressão de determinados delitos contra a criança. Seu objetivo principal é evitar sequestros e desaparecimentos. Foi com a criação do SICRIDE que uma quadrilha que intermediava adoções ilegais (tráfico de pessoas) no Estado do Paraná foi responsabilizada. A partir de suas

técnicas

de

investigação,

passou

ao

reconhecimento

internacional,

desenvolvendo vários métodos, entre eles, o trabalho tecnológico de progressão de idade (envelhecimento digital), reproduzindo a aparência física atual de crianças desaparecidas, mesmo passados vários anos do desaparecimento. Como delegacia especializada responsável pelo atendimento de crianças de 0 a 12 anos de todo o Estado do Paraná, os profissionais acreditam que para trabalhar com o desaparecimento a especialidade é fundamental. Justificam a necessidade de tempo de dedicação para a investigação e que a demanda de proteção à pessoa, ou à crianças, é fundamental no exercício de sua profissão. Assim, todo caso de desaparecimento de criança menor de 12 anos de idade é encaminhado para o SICRIDE e este acaba com a responsabilidade legal sobre o caso, deslocando, se necessário, toda sua equipe para o local do fato, o que, segundo os profissionais é muito importante, pois a experiência e know how de lidar com o desaparecido lhe confere iniciativas e insight diferenciados sobre os casos.

Quando a gente só trabalha com desaparecidos, é engraçado, às vezes quando a pessoa senta pra contar a historia pra gente você já sabe que tipo de desaparecimento é. (Profissional 3) “[...] A especialização é necessária para trabalhar com isso e sempre falar que não existe o fato de esperar as 24 h, que tem qualquer prazo para comunicar a policia pra iniciar a investigação, porque infelizmente, às vezes na própria delegacia ou no contato com a polícia militar a pessoa é orientada a esperar. A grande maioria dos casos, ainda bem, é caso de saída voluntária do lar, a criança está na casa de um amiguinho, esqueceu de avisar a mãe, e daí no dia seguinte ela está de volta, então, por isso que muitas vezes a pessoa é orientada a aguardar, mas nos casos de subtração mesmo, se esperar, será bem difícil de localizar a criança e a criança com saúde”. (Profissional 3)

94

O SICRIDE funciona 24 horas e desde o primeiro contato telefônico suas responsabilidades já se iniciam, às vezes, antes mesmo da confecção do Boletim de Ocorrência. Em alguns casos, por telefone mesmo o policial dá inicio as primeiras fases dos procedimentos de investigação: conversa com família sobre conduta da criança e da família, características físicas, solicita fotografia recente, pede para o familiar se deslocar até a delegacia, ou a própria delegacia vai até o familiar. Dependendo das circunstâncias emite o alerta para os rádios de viaturas e outras delegacias, policia rodoviária federal e outros postos rodoviários. Assim que a família traz a foto, também é confeccionado um cartaz e distribuído para os familiares e outros locais do Estado. No caso de encontro, é dado a baixa no boletim de ocorrência e é feito o encaminhamento do familiar e da criança (quando encontrada com vida) para avaliação psicológica. Não havendo indício de maus-tratos o procedimento é arquivado. Nos casos onde o desaparecimento perdura, há um projeto de acolhimento psicológico com os familiares e procedimentos sistemáticos de retorno da equipe de investigadores para conversa com os familiares e coleta de novas informações, procedimento conhecido como projeto “Braços abertos”. Para os profissionais do SICRIDE, o acolhimento psicológico dos familiares é muito importante, principalmente para os casos mais antigos e sem solução. “[...] em caso (dos anos) de 80, o crime com 30 anos não existe mais, só que se essa é uma delegacia de busca de crianças e adolescentes a gente tem que buscar até achar. Então, é importante para a família saber que alguém se preocupa, mesmo que seja de muitos anos atrás, e sempre que vai, tem alguma informação nova, porque as vezes, logico, a pessoa fica muito sem graça, ah, eu vou lá, vou falar isso, talvez não seja importante, então, eu acho, muito, muito importante o fato de poderem ir essas equipes e conversar com as famílias... (Profissional 3)

Outro ponto importante é o apoio da comunidade para solucionar os casos. E para isso apostam na divulgação dos casos, em cartazes, progressão de idade, entre outros e na cidadania das pessoas.

95 “[...]a gente vê que a cada caso que divulga, aumenta as chances. A progressão de idade é extremamente importante e sempre que a gente divulga, aumenta o número de notícia e a gente vive disso né, a gente vive de informações. Quando eu posso dar entrevista, eu digo: gente, vocês não precisam provar nada, esse é papel nosso, mas se você tem alguma informação, qualquer, forneça, avise que nós vamos checar... Mas isso só é possível porque trabalhamos exclusivamente [...]” (Profissional 4)

Assim, um trabalho especializado e exclusivo para esses casos também sobrevive da cidadania de indivíduos, sendo que muitas vezes, a policia é cobrada para elucidação de casos, mas é muito difícil conseguir a informação de pessoas que se sentem ameaçadas simplesmente por deterem uma informação importante para a solução de um caso. “[...] Um cara de determinada comunidade foi passear na mata, tropeçou num crânio, e avisou a policia. Muitas pessoas da comunidade não concordaram com ele. Disseram: onde você vai se meter? tá louco? Nem o pai dele concordou! Mas ele achou que devia avisar a polícia e encontramos o corpo. Depois de 20 anos! (Profissional 3)

É dessa forma, que o SICRIDE, um órgão de segurança pública do Estado do Paraná atua: especialização, divulgação e apoio da comunidade, tanto nas ações preventivas quanto na solução dos casos.

Desta forma, o SICRIDE rompe com a estrutura linear de política de Segurança Pública que em sua maioria é relativo ao descumprimento da lei, com intervenções prescritas no código penal. Também salienta a importância da recomendação de não aguardar 24h para o registro da ocorrência, sendo o tempo de notificação preponderante na solução do caso.

Escapa, portanto, da crítica de Oliveira (2007), que concebe uma cultura policial da qual se culpabiliza jovens e suas famílias dentro do sistema de segurança pública.

96 SEDEST – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda – DF O encontro com a SEDEST e os profissionais entrevistados aconteceu em junho de 2013. Na ocasião foram entrevistadas uma psicóloga e uma assistente social que relataram aspectos do seu cotidiano do trabalho.

Inicialmente explicam que a política pública de Assistência Social leva em conta três vertentes de proteção social: as pessoas, as suas circunstâncias e dentre elas seu núcleo de apoio primeiro, isto é, a família e que a SEDEST, como local do desenvolvimento desta política no Distrito Federal se configurou importante na ação de enfrentamento ao desaparecimento de crianças e adolescentes.

Esta, também foi a razão de ter selecionado a SEDEST para a pesquisa. Interessava-nos compreender essa prática dentro da Política Nacional de Assistência Social.

Tendo em vista que o panorama atual da politica de assistência social permite afirmar que a família em situação de desamparo que tem como sintoma o desaparecimento de pessoas teria um espaço resguardado de escuta, diálogo e intervenção, não verificamos essa atuação e compreensão em todos os locais onde a mesma é desenvolvida, assim como não encontramos essa demanda absorvida pela Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (Resolução n º 109/2009) Para a PNAS (Política Nacional de Assistência Social - 2004) “a proteção social exige a capacidade de maior aproximação possível do cotidiano da vida das pessoas, pois é nele que riscos e vulnerabilidades se constituem”. Essa política inaugurou uma nova perspectiva de análise, tendo em vista sua ação nas capilaridades dos territórios, tornando visíveis alguns setores da sociedade brasileira tradicionalmente tidos como invisíveis como é a população de rua, adolescentes em conflito com a lei, pessoas com deficiência etc. A concepção de assistência social brasileira passou a transitar no campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal. A proteção social nessa perspectiva deveria garantir

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as seguintes seguranças: segurança de sobrevivência, de autonomia e convívio ou vivência familiar.

No que se refere à convivência familiar, assim cita a PNAS (2004, p.28):

A segurança da vivência familiar ou a segurança do convívio é uma das necessidades a ser preenchida pela política de assistência social. Isto supõe a não aceitação de situações de reclusão, de situações de perda das relações. É próprio da natureza humana o comportamento gregário. É na relação que o ser cria sua identidade e reconhece a sua subjetividade. A dimensão societária da vida desenvolve potencialidades, subjetividades coletivas, construções culturais, políticas e, sobretudo, os processos civilizatórios. As barreiras relacionais criadas por questões individuais, grupais, sociais por discriminação ou múltiplas intolerâncias estão no campo do convívio humano. A dimensão multicultural, intergeracional, interterritoriais, intersubjetivas, entre outras, devem ser ressaltadas na perspectiva do direito ao convívio.

As proteções sociais definidas pela PNAS (2004) versam por dois pontos específicos: proteção social básica e proteção social especial.

A proteção social básica tem como objetivo prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidade e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Prevê o desenvolvimento de serviços, programas e projetos locais de acolhimento, convivência e socialização de família e indivíduos, conforme identificação da vulnerabilidade apresentada.

Os serviços de proteção básica segundo a PNAS (2004) serão executados de forma direta nos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS e em outras unidades básicas e públicas de assistência social, bem como de forma indireta nas entidades e organizações de assistência social da área de abrangência do CRAS.

A proteção Social Especial é destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimentos de medida socioeducativa, situação de rua, situação de trabalho

98

infantil, entre outras. São serviços que requerem acompanhamento individual e maior

flexibilidade

nas

soluções

protetivas.

Comportam

encaminhamentos

monitorados, apoios e processos que assegurem qualidade na efetividade da reinserção almejada. Esses serviços têm interface com o sistema de garantia de direitos exigindo uma gestão complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público e outros órgãos do Executivo. É subdividida em Proteção especial de média complexidade e proteção especial de alta complexidade.

Como observado, apesar do avanço dessa política para a visibilidade de alguns fenômenos sociais, o desaparecimento de pessoas ainda é invisível. Ainda que ela dê visibilidade para algumas das causas do desaparecimento, o fenômeno em si lhe inflige desafios.

Apesar disso, a Secretaria de desenvolvimento Social e Transferência de Renda do Distrito Federal (SEDEST) desde 1999 desenvolve um serviço de prevenção e atenção ao desaparecimento de crianças e adolescentes. Atualmente, o serviço está configurado dentro desta Secretaria por meio da Proteção Social Especial de Média Complexidade do Sistema único de Assistência Social, oferecendo atendimento às famílias e indivíduos cujos direitos foram ou encontram-se violados e que, dentre esses atendimentos, pode-se destacar o serviço de divulgação e acompanhamento dos casos de pessoas desaparecidas no Distrito Federal, a confecção de cartazes e o repasse das informações sistemáticas para os serviços oferecidos no entorno do DF. O trabalho, conforme a instrução operacional desta Secretaria, está fundamentada na Lei 11259/2005, a conhecida Lei da Busca Imediata, que altera o ECA, o Decreto Nº 27083 que define no âmbito do DF a busca e divulgação de criança, adolescente, idoso e pessoa portadora de deficiência física, mental e sensorial desaparecida, e também a Lei nº 4335/2009 que institui o dia Distrital da Criança Desaparecida. Seus procedimentos operacionais de divulgação e acompanhamento dos casos acontecem da seguinte forma: mensalmente, a Diretoria de Serviços Especializadas

99

ás Famílias e Indivíduos (DISEFI), recebe da policia civil do DF as ocorrências de crianças e adolescentes desaparecidos. Essas ocorrências são redistribuídas pela DISEFI aos CREAS, respeitando suas áreas de abrangência. O CREAS será o responsável por estabelecer contato com essa família e realizar o acompanhamento do caso. A DISEFI também articula a Rede para a divulgação e localização de pessoas desaparecidas, com especial atenção para o entorno do DF. Após a realização da primeira visita e constatação do desaparecimento, o CREAS solicitará a confecção do cartaz à DISEFI que também manterão atualizados os murais das unidades desta secretaria e de todos os parceiros. Nos casos de procura espontânea de familiar pelo CREAS sem o registro de ocorrência de desaparecimento, a família é encaminhada para o registro e logo se inicia o trabalho de acompanhamento. O acompanhamento poderá acontecer de forma individual, em grupo e visita domiciliar. “[...]Não acontece nada no CREAS antes de registrar o boletim de ocorrência. O primeiro atendimento a família em relação a tudo é com o boletim de ocorrência. Então é encaminhar a delegacia e fazer o boletim de ocorrência”. (Profissional 4)

Nos casos em que for constatada violação de direitos, a família também será incluída em outros programas e os casos de reincidência serão acompanhados através de ações preventivas. “[...]e esse é outro desafio né, descobrir até que ponto você vai respeitar o direito da família quando o que está em jogo é o direito de uma criança ou de um adolescente, ou de uma pessoa. Porque tem famílias que os CREAS relatam que verbalizam que não querem mais, nem impressão dos cartazes, entendeu? E ai assim, a gente avalia enquanto política de assistência social que talvez sejam essas famílias que mais precisem de uma intervenção. Tem histórico em termos de lógica de CREAS, história de ruptura de vínculos, é a família que não vai procurar e eu acho que a política tem que dar garantia dessa busca. Se a família não vai fazer, quem é que vai fazer?” (profissional 5)

100

Diante de demandas de progressão de idade, o CREAS também poderá solicitar junto ao Instituto de identificação da Policia Civil do DF o trabalho de progressão de idade, sendo que outros cartazes serão divulgados. Coleta de material genético também está disponível na polícia civil, sendo que o CREAS poderá orientar os genitores a comparecer na sede da polícia civil para coleta de material genético de genitores e irmãos biológicos de desaparecidos, porém, este, após 30 dias do desaparecimento. Assim, o serviço oferecido pela Secretaria de Desenvolvimento Social do Distrito Federal, também executa um trabalho diferenciado no que se refere ao desaparecimento de crianças e adolescentes de dentro do campo da política de Assistência Social. Porém, questiona-se sobre sua ação quando se trata de um adulto: Como saber o que fazer? Tem o direito de ir e vir e toda essa coisa. No caso de criança e adolescentes, estamos amparados pela Lei, mas e no caso dos adultos? Idosos? É um desafio. Às vezes, até fazemos cartazes, mas não é algo sistemático. (profissional 5).

PLID – Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos - Rio de Janeiro – RJ A visita no Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos – PLID – aconteceu em maio de 2013. Programa executado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e recentemente inaugurado também no Estado de São Paulo é conforme descrição e release do próprio programa, “uma proposta de execução sistêmica dos sistemas de garantias que se consubstanciam em uma diversidade de entidades públicas e privadas atualmente em ação no Brasil”. É um programa que executa múltiplas diligências em organizações diversas sem a necessidade de um prévio plano de ação e disponibilizando um sistema gestor de bancos de dados e base transacional.

101

A entrevista aconteceu com dois profissionais, entre eles, o coordenador e idealizador do programa. “[...] o nosso foco é a conectividade. Dentro das ferramentas que o PLID tem, a gente faz, mas se não tivermos, sabemos quem tem, então, a gente não se limita ao ferramental que a gente tem, justamente porque o problema é multiinstitucional, não posso centralizar numa instituição só, uma ação que é plural.” (Profissional 6)

De acordo com a apresentação do programa em sua página oficial, “ o PLID (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos) tem como objetivo a localização e identificação de pessoas desaparecidas, vítimas de crimes ou não. O sistema foi concebido a partir do Programa de Identificação de Vítimas (PIV) que funcionava no ministério público por meio de um banco de dados inteligente, que cruzava informações provenientes de diversos órgãos para os processos de localização de desaparecidos, identificação de óbitos e verificação de fenômenos correlatos”.

O trabalho é realizado a partir da recepção da demanda pelo sistema de atendimento. Tal sistema pode ser acessado por qualquer usuário do país através do desígnio http://plid.mprj.mp.br, sendo que um formulário on-line é preenchido com informações e características físicas do desaparecido. Os dados são organizados e transformados em um documento eletrônico, que é encaminhado para uma equipe de operadores. Diligências específicas conectam as diversas bases de dados e motivam as ações de modo que se permita esgotar os meios ou identificar o vínculo desfeito. “[...] Mediante a demanda fazemos a parceria que se faz necessária. É mais fácil e menos contundente de se propor uma parceria ampla e geral. Na verdade uma das propostas sempre foi essa, conseguir produzir multidiligencias em várias instituições sem ter que ter um prévio plano de ação, 700 mil convênios, muitos convênios existem, mas não é isso que faz a diferença, o que faz a diferença é a cooperação técnica informal, que daí você não precisa de um instrumento legal, você já tá legalmente autorizado a fazer, e mais, é teu dever legal. Então, os deveres legais estão claros. Só precisa ter um start, né? Cada um tem sua obrigação legal de fazer. Vamos fazer? Vamos fazer! Mas é um fluxo que alguém tem que estar organizando tudo, porque são multifatores”. (Profissional 6)

102

Dentre os casos investigados pelo PLID figuram todos os casos em aberto do Programa SOS crianças Desaparecidas do Rio de Janeiro,

que foi o banco de

dados inicial das atividades do PLID. O SOS Crianças Desaparecidas é um Programa da Fundação para a Infância e Adolescência — FIA, órgão vinculado à secretaria de estado de assistência Social e

Direitos

Humanos.

Implantado

em

1996,

o

Programa

SOS

Crianças

Desaparecidas desenvolve ações voltadas à identificação e localização de crianças e adolescentes desaparecidos e sua reintegração à família, resguardando-lhes direitos fundamentais de proteção, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente e desenvolve suas atividades dentro do Estado do Rio de Janeiro e demais Estados da Federação. A divulgação e o apoio psicossocial são pedras fundamentais no trabalho do programa SOS Desaparecidos. Sendo assim, o trabalho executado pelo PLID poderia subsidiar ainda mais as ações do programa. A iniciativa do Ministério Público conta com a adesão de 18 unidades do Ministério Público no Brasil e se consolida como instrumento de aproximação entre a instituição e a sociedade. O PLID trabalha ainda em parceria com o Departamento de Trânsito do Rio de Janeiro (Detran-RJ), o Disque-Denúncia, o Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF), o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ISP-RJ), o Ministério da Justiça e as polícias Civil e Militar do Rio, entre outros órgãos “[...] O Plid quer ser rede nacional, capitaneada pelo ministério publico. Por quê? Por que é uma ação legal. Ele é defensor dos valores individuais, defensor dos valores democráticos, defensor de todos os direitos disponíveis das pessoas, então a gente tem obrigação legal constitucional de atuar nessa situação. Só que a gente estava atuando de maneira difusa. A ideia foi instrumentalizar e especializar de forma concentrada. É uma estrutura capilar o ministério publico, assim como as delegacias a gente tá em todas as comarcas, a gente tem capilaridade nacional.” (Profissional 6).

O PLID é um programa considerado capacitado para abarcar dados que instruam as ações práticas e as políticas públicas na temática do desaparecimento

103

de crianças, adolescentes e adultos, bem como no que refere ao tema Tráfico de Pessoas. “Nos casos de desaparecimento de adolescentes que saem três, quatro vezes, a gente acaba mais registrando do que resolvendo, porque nesse tipo de desaparecimento tende a solucionar por si só, mas não é por isso que a gente descarta, por exemplo, a policia tem a visão, de que como esses desaparecimentos se solucionam sozinhos, não vale a pena investir em diligenciamento. E eles estão de certa forma corretos, porque não é um problema policial é um problema social, mas têm fenômenos subjacentes, a gente quer saber para onde essas crianças estão indo, e muitas vezes acabam integrando a população de rua, é, corre o risco de se envolver com a drogadição, o crack, então você conecta com uma questão de saúde publica, se tem outras ações sociais acontecendo, então o fenômeno do desaparecimento que era um dado descartado, era um dado que não tinha nenhum valor estratégico, a gente identifica um grande valor estratégico. Ele por si não é um indicador humanitário, mas ele indiretamente se conecta com diversos outros fenômenos e é um número muito ligado, o desaparecimento de adolescentes a drogadição, enquanto que o desaparecimento de adultos primordialmente está muito ligado à questão de cadáveres sem identificação.” (Profissional 6)

Desta forma, O PLID pretende de forma simples e com baixo custo, proporcionar maior efetividade nas linhas de ação pública através do trabalho de uma rede ampliada. “[...] O fenômeno em si é muito maior. Não é falta de vontade, todo mundo quer resolver esses problemas, mas você passa por varias esferas, da legislação, orçamento, despesas, então, é mais um processo de cultura da sociedade de dar importância a isso e estruturar e cobrar, tem que estar mais vivo na sociedade, agora a gente tá mais perto. Há cinco anos era muito mais remoto, em cinco anos o ministério avançou bastante...”. “[...] Em minha opinião o ministério publico deve ser um grande formulador de politica publica, não só porque é um grande edificador da lei, mas como deve ser um grande banco de dados, porque é o destinatário natural da informação, se a gente passa a reter essa informação, processar e devolver para a sociedade em forma de conhecimento, conteúdo e politica pública, aí o convênio começa a surgir com mais propriedade. O Plid é muito simples, é o obvio e às vezes fazer o obvio é muito difícil, a gente está tentando e a perspectiva é das melhores... (Profissional 6)

104 PROGRAMA REENCONTRO – Fundação Criança de São Bernardo do Campo SP

Dentro do campo da infância e adolescência, experiências como da Fundação Criança de São Bernardo do Campo, fundamentam ações dentro do sistema de garantia de direitos no que se refere ao enfrentamento ao desaparecimento de crianças e adolescentes. Essa foi uma das razões de trazer ao debate essa experiência e retomar sua prática em visita institucional em julho em 2013.

De acordo com a resolução 113/Conanda/2006:

Art.1º: O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal.

Este sistema é composto pelo eixo de Defesa, Promoção e Controle de Direitos. As instituições que o sustentam são respectivamente:

1. No campo da defesa: os órgãos públicos judiciais; ministério público, advocacia geral da união e as procuradorias gerais dos estados; polícias; conselhos tutelares; ouvidorias e entidades de defesa de direitos humanos incumbidas de prestar proteção jurídico-social.

2. No campo da Promoção: serviços e programas das políticas públicas, especialmente das políticas sociais, afetos aos fins da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes; serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitos humanos e; serviços e programas de execução de medidas socioeducativas e assemelhadas.

105

3. No campo do Controle: conselhos dos direitos de crianças e adolescentes; conselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e os órgãos e os poderes de controle interno e externo definidos na Constituição Federal. Além disso, de forma geral, o controle social é exercido

soberanamente

pela

sociedade

civil,

através

das

suas

organizações e articulações representativas.

Ainda segundo a Resolução, esse Sistema deverá articular-se com todos os sistemas nacionais de operacionalização de políticas públicas, especialmente nas áreas da saúde, educação, assistência social, trabalho, segurança pública, planejamento, orçamentária, relações exteriores e promoção da igualdade e valorização da diversidade.

Tal compreensão inseriu o tema do desaparecimento, no campo de atuação da instituição Fundação Criança, que buscou na articulação de parceiros, propor uma forma de atendimento à queixa de desaparecimento de crianças e adolescentes no município de São Bernardo do Campo.

A Fundação Criança de São Bernardo do Campo mantém programas, projetos e serviços organizados em quatro eixos de atuação: Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes, Serviços de Acolhimento Institucional, Promoção e Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes e Articulação e Formação. A iniciativa quanto ao atendimento das famílias com crianças e adolescentes em situação de desaparecimento foi uma das ações da Fundação Criança de São Bernardo do Campo desde o ano de 2005.

De lá para cá, sofreu muitas modificações, mas mantem vínculo com a questão.

Primeiramente, essa iniciativa se deu de forma tímida e amparada principalmente pelo PROJETO CAMINHO DE VOLTA do Departamento de Medicina Legal, Ética e Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da

106

Universidade de São Paulo (FMUSP). E desta forma, reproduziu as orientações do projeto junto aos registros de boletim de ocorrência do município de São Bernardo do Campo, que se daria na coleta do material genético dos familiares que registraram boletim de ocorrência e na entrevista psicológica que acontece em três ou quatro encontros.

O projeto Caminho de volta da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo foi desenvolvido ano de 2004 através de uma parceira com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Seus objetivos são compostos por três frentes de trabalho específicas. São elas, a tecnologia, o apoio psicológico e a Capacitação.

Tecnologia: Criação e manutenção de um banco de dados de DNA dos familiares de crianças desaparecidas e análise do material genético desses familiares através de uma gota de sangue ou um pouco de saliva. O material deve ser cruzado com o material biológico de toda criança, cujo reconhecimento visual seja difícil ou impossível e também no encontro de cadáveres, possibilitando reconhecimento e vínculos de parentesco.

Apoio psicológico: Profissionais que auxiliam as famílias a compreender as causas do desaparecimento e a enfrentar a espera de seu retorno.

Capacitação: treinamento para o desenvolvimento da metodologia do projeto em todo o Estado de São Paulo. O vínculo com o Caminho de Volta auxiliou a Fundação Criança de São Bernardo do Campo a consolidar sua prática e desenvolver outros procedimentos de acordo com as necessidades apontadas pela população atendida. Uma delas foi a realização de cartazes de divulgação de crianças e adolescentes desaparecidos com o consentimento da família, a progressão de idade através de parceria com o SICRIDE e parcerias com Seccional de São Bernardo do Campo. Somado a isso, passou a realizar atendimento psicossocial à familiares de desaparecidos e encontrados, assim como atendimento jurídico especializado e práticas de prevenção, com palestras e orientações à comunidade infantil.

107

Dentro das especificidades do programa estão o recebimento da Delegacia Seccional de São Bernardo todos os registros de desaparecimentos do município. Tais registros são encaminhados quinzenalmente à instituição, que os recebe e entra em contato telefônico com as famílias, convidando-os para um atendimento. Dá-se inicio então, ao atendimento psicossocial, que terá variáveis em número de atendimento e poderão ou não receber outros tipos de encaminhamentos, a confecção de cartazes de crianças desaparecidas para divulgação da família e a divulgação da imagem em outros canais de comunicação, além do sítio governamental da instituição.

Apesar do reconhecimento do êxito dessa prática, a instituição encara muitos desafios na compreensão de sua tarefa e na complementaridade de sua atuação. Por vezes, a instituição teme por equívocos metodológicos. Reconhece sua prática como importante, mas receia pela desresponsabilização de outros órgãos, principalmente, os de segurança pública, uma vez que a ausência de diretrizes nacionais ocasiona desentendimentos.

Precisamos definir o que é desaparecimento, entender quanto tempo uma criança será considerada desaparecida e o que podemos fazer para ajudar. Estou cheias de dúvidas (Profissional 7)

É tarefa da policia encontrar. Se é a saúde, se é a assistência, aí a gente vai ver quem é depois, mas investigar, poder de policia ou conselho tutelar nós não temos. Nós somos referencia no ABC e nem dá para deixar de ser. A única coisa é rever os fluxos. (Profissional 7)

Com a descrição dessas práticas profissionais consideradas exitosas, vemos a consolidação de políticas de enfrentamento ao desaparecimento de pessoas de dentro do campo de diferentes políticas públicas, algumas voltadas somente ao campo da infância, outros da infância e adolescência, outras ainda, voltadas à pessoa desaparecida independente de seu estágio de vida. O desenvolvimento de tais práticas possibilita a identificação do problema como de atuação multiinstitucional, como defendido pelo profissional do PLID e plural em suas determinações, como discutido por outros pesquisadores já citados.

108

No entanto, as denúncias de descaso se repetem e o desalento dos familiares parece não ter fim. Poucos foram os relatos de reencontro que deram fôlego as pessoas envolvidas, mas mesmo assim, qualquer nova iniciativa era muito bemvinda, caracterizando uma nova forma de esperançar.

Após as visitas institucionais, a pesquisadora deu continuidade à experiência de imersão, participando de outros encontros públicos, percebendo que “Problemas de família e problemas de polícia”, continuavam sendo a tônica das discussões e de necessidade de esclarecimento, ocasionando ausência de atendimento da queixa tanto por parte da polícia como de outros equipamentos de políticas públicas.

109

5. DO CONCRETO VIVIDO AO SENTIDO DA EXPERIÊNCIA: PRÁTICAS, QUEIXA E SUBJETIVIDADE

Defendemos

que

sentidos

e

significados

dados

ao

fenômeno

do

desaparecimento estão diretamente relacionados ao tipo de prática executada ou política a ser desenvolvida. Também defendemos que tais sentidos e significações são produtos da história e da interação entre os seres humanos na sua experiência de vida concreta e material, ou seja, o modo de produção.

O objetivo da coleta de dados foi apreender vários elementos presentes em determinadas situações interativas. Para isso, assumiu-se primeiramente uma postura de imersão no campo pesquisado, propiciando uma visão panorâmica sobre o fenômeno como exemplificado nos capítulos 3 e 4. Depois disso, a construção de uma sistematização (narrativa) que permitisse por meio de uma postura flexível mudar o foco em uma alternância entre o fluxo de eventos apresentados e os discursos provenientes do tempo histórico.

Tal metodologia possibilitou centrarmos nossa análise na caracterização de núcleos de sentido que se inter-relacionam nos discursos e se objetivam nas práticas.

Os núcleos de sentido, propostos pela teoria de Aguiar e Ozella (2006; 2013) foram formulados a partir de repetidas expressões utilizadas pelos informantes e a caracterização de suas práticas - identificadas pela observação, pela crítica de quem delas necessita e pelas discussões nos encontros públicos - de modo que a categorização dos principais conteúdos de análise considerou hipóteses que organizam o contexto das políticas públicas. Assim categorizamos algumas expressões que de forma encadeada organizam sentidos e significados sobre o desaparecimento.

110

A análise leva em conta tal encadeamento, sem dissociar os núcleos e a discussão que segue. Assim, para demonstração didática, optamos por trazer uma demonstração ilustrativa do encadeamento dos núcleos de sentido identificados, partindo posteriormente para a análise e discussão.

Problemas de família

Problema de polícia

Problema social

Desaparecimento X

autonomia

crime

Investigação

Figura 2: Encadeamento de núcleos de sentido. A apropriação do discurso de que o desaparecimento de pessoas é um

problema de família, que não configura crime, geralmente relacionado com a vida autônoma dos indivíduos e, portanto, um problema social, ou ainda, um problema exclusivamente de polícia, que envolve investigação e contexto de algum crime tem estreita relação com o tipo de atendimento ofertado à queixa de desaparecimento de pessoas.

As contradições destes núcleos de sentido e sua relação com o desaparecimento de pessoas talvez sejam suficientes para justificar a ausência de intervenção do Estado na delimitação de um plano efetivo de enfrentamento condizente com as realidades e as dificuldades encontradas no atendimento da queixa – vislumbrada tanto por profissionais quanto pelas próprias famílias.

111 Problemas de família – Problema Social:

Pré- Indicadores

Indicadores

Se a família não vai fazer [buscar], quem é que vai fazer? O discurso sobre as relações familiares conflituosas; [...] porque as famílias não colocavam a situação real... Direitos e deveres da família; [...] das famílias que tem filhos A incidência do Estado no contexto das desaparecidos são conflitos familiares e relações familiares; desses que são localizados e fazem feedback, eles falam mesmo: minha mãe me espancava, me batia, me agredia e esse acabava fugindo. E começamos a observar que não era só a questão de fazer o registro de ocorrência policial. O problema do desaparecimento não é o desaparecido em si, mas sua família.

O problema do desaparecimento de pessoas inevitavelmente se confrontará com o tema que envolve questões familiares, seja por ser a família quem primeiro irá perceber a ausência do indivíduo, seja porque ela, em muitas ocasiões é também reconhecidamente uma produtora desse problema. “[...] o problema do desaparecimento não é o desaparecido em si, mas sim sua família.”

Considerar o desaparecimento um problema de família, traz inúmeras consequências tanto no ato da investigação quanto no desdobramento dela, refletindo na práxis de grande parte dos equipamentos públicos e no atendimento a queixa de desaparecimento. Em todos os equipamentos pesquisados, inclusive nas práticas especializadas, o que pudemos observar, foi uma interface direta entre as motivações do desaparecimento e sua relação com a convivência familiar. Isso foi tanto demonstrado pelo estudo de caso de Helena como no relato dos profissionais, demonstrando as vezes, incoerências dos próprios reclamantes ou simplesmente preconceito.

112

No estudo de caso apresentado, vimos que em parte a necessidade de investigação foi posta em dúvida pelo direito de escolha de Helena querer desaparecer, trazendo à tela, uma discussão sobre desejos, motivações e escolhas individuais. Nas inferências dos profissionais, Helena poderia querer afastar-se de relações familiares conturbadas, ser usuária de drogas, ter discutido com a mãe ou simplesmente estar enfrentando outras dificuldades individuais e/ou familiares – como o fato de ser artista e todo artista ser louco.

Concluir que o problema do desaparecimento é um problema familiar, ou encarar a ocorrência do desaparecimento com menor prioridade porque há a possibilidade de um conflito familiar ter motivado o desaparecimento, traz inúmeras consequências. Se o que se busca é o paradeiro de uma pessoa, por que deslegitimar a ocorrência ou fato na medida em que há apontamentos ou suspeitas de conflitos familiares envolvidos?

A resposta a esta questão remete-nos mais uma vez a uma explicação ou compreensão subjetiva. O sentido dado pelos operadores do sistema acaba caracterizando o desaparecimento como uma queixa de menor importância justamente por alguns casos serem motivados por questões familiares e a família receber um status de inviolável, como cerne da vida privada. Ao mesmo tempo, identificando o desaparecimento como “um problema de família”, também não há o encaminhamento ou atendimento desse problema em outros equipamentos do Estado, como exemplo, o sistema de assistência social ou sistema de garantia de direitos. Fica implícita a necessidade de a família ter de responder a sua própria demanda. Identificamos que apesar da família ser central em muitas políticas – como é, por exemplo, na assistência social – essas mesmas políticas são inoperantes quando elas buscam apoio no caso dos desaparecimentos.

Por esta razão e por impossibilidade da família responder a própria demanda os profissionais desqualificam a queixa – como reclamam os familiares de pessoas desaparecidas.

113

Tal

construção

ideológica

nos

equipamentos

das

políticas

públicas

desconsidera que a instituição familiar, assim como qualquer outra instituição é regida por leis e costumes que definem direitos e deveres dos seus membros, e desta forma, reproduz a ideologia dos modos de produção, transformando-se de instituição de socialização primária para lugar de disputas e confrontos que também necessitam de intervenção. Tais impressões não sustentam as afirmações de Sarti (2004, p.17), de que “a família, seja como for composta, vivida e organizada, é filtro através do qual se começa a ver e a significar o mundo. Esse processo que se inicia ao nascer estende-se ao longo de toda a vida, a partir dos diferentes lugares que se ocupa na família”. Desconsidera-se, portanto, que as condições sociais e materiais advindas da inserção da família como classe social, também é determinante para inúmeras rupturas de seus membros e que o desaparecimento pode ser uma de suas faces.

Diante disso, o que vemos é a culpabilização das famílias reclamantes ou do próprio indivíduo desaparecido. Predomina a lógica da responsabilidade das escolhas individuais, como se o destino dos indivíduos fosse de responsabilidade unicamente destes.

Desconsidera contextos familiares no qual, como lembra Yazbek (1999, p.14)

Empurradas precocemente pela pobreza crescente em direção ao mercado de trabalho, quando não para a vida na rua, crianças e adolescentes paradoxalmente não melhoram muito os baixos níveis de vida de suas famílias. Sem possibilidades de escolarização e profissionalização, ocupam posições ocupacionais desqualificadas e com baixos salários, situação que muitas obedientemente tendem a reproduzir na vida adulta.

A partir dessa discussão é possível confrontar-se com a exploração sexual, a cooptação para tráfico de entorpecentes, a vida em acolhimento institucional, induzindo a fuga dessas instituições, a vivência de rua e a negligência. Fatos que colaboram para uma representação negativa da família, considerada como “família desestruturada” e exclusivamente culpabilizada, desconsiderando todas as tensões presentes nos diversos planos das relações dessas famílias.

114

Vê-se a violência doméstica como um dos aspectos que podem facilitar a ocorrência de desaparecimentos, principalmente no caso de crianças e adolescentes como demonstrado por pesquisas. Há também, como indica Figaro-Garcia (2010), situações de desaparecimento que ocorrem na família e que não se enquadram nas categorias destacadas, como aqueles que se perderam ou não conseguiram voltar para casa, por ter-se machucado ou acidentado e não ter sido localizado, mas apesar dessa diferenciação, também este fato está ligado à vida material e as diversas formas da família se relacionar com o mundo em que habita. Muitos desses casos são compreendidos como desaparecimento por descuido e, portanto, considerados um problema social.

Para estes casos, uma polícia preparada para a repressão terá poucas alternativas de atuação e encontrará dificuldade de definir suas competências.

Em muitos casos, mesmo a família sendo a reclamante pelo desaparecimento ela acaba sendo culpabilizada pelo desaparecimento. E assim, justifica-se a ausência de ação do Estado.

A família então passa a ser bombardeada de responsabilidades, como se fosse à única responsável pelo indivíduo. Tanto pela queixa, como pela motivação do desaparecimento. Contraditoriamente, num Estado que tanto valoriza o cuidado com a família, como expressam muitas das políticas sociais, no campo do desaparecimento e seus desdobramentos, a família é deixada a própria sorte.

A dimensão da responsabilidade do Estado e da comunidade no caso do desaparecimento torna-se ausente. Ausência muito bem representada na dificuldade de registro de boletim de ocorrência e nas dificuldades de atendimento psicossocial aos familiares que buscam seus entes desaparecidos. A família verdadeiramente “fica só”, sendo difícil, inclusive a percepção de que em muitos casos é exatamente o desaparecimento e a ausência do reconhecimento desse fenômeno que facilita a “desestruturação” dessa família, que bombardeada por necessidades de busca e dúvida, se decompõe.

115

As mediações

presentes que

traduzem

sentidos e

significados do

desaparecimento, como queixa familiar, são quase que indiscriminadamente voltadas a responsabilização da própria família e do indivíduo seguindo a lógica neoliberal de socialização.

Autonomia dos indivíduos:

Pré-Indicadores

Indicadores

[...] as vezes a pessoa não quer ser localizada e como a gente vai saber, diferenciar isso, né? E esse é outro desafio né, descobrir até que ponto você vai respeitar o direito da família quando o que está em jogo é o direito de uma criança ou de um adolescente ou de uma pessoa. Por que tem famílias que relatam que não querem mais nem impressão dos cartazes, entendeu?

Atuações de localização e identificação limitadas ao respeito da máxima individuação;

O discurso em defesa de valores individuais e autonomia dos indivíduos e familiares.

As vezes acontece isso [...] que é a família resistente para orientar e acompanhar. Talvez é ela que precisa de mais acompanhamento e confecção do novo cartaz e atualização de nossos murais. [...]tem o direito de ir e vir e toda essa conversa...

Dentro desse campo, vemos que valores envolvidos na identificação de “problemas de família e problemas sociais” são traduzidas por alguns trabalhadores como expressões de liberdade e direito a individualidade – como por exemplo, as fugas

adolescentes,

ou

o

desejo

de

ausentar-se

de

algumas

pessoas,

principalmente adultos – como pudemos observar no estudo de caso de Helena, cujo delegado sugeriu que o seu desaparecimento fosse motivado por desejos pessoais.

Se compreendermos que se preocupar com o paradeiro das pessoas que amamos faz parte de nossas rotinas, é interessante perceber como descrito pela

116

experiência da pesquisadora de como a declaração do desaparecimento de alguém ao Estado torna-se um desafio. Todos os documentos de referência para o tema, principalmente aqueles construídos pela sociedade civil ou REDESAP atestam este fato. A dificuldade da maioria dos familiares se inicia nas primeiras 24 horas entre a percepção do desaparecimento e a busca de auxílio. Demonstração

empírica

e

clara

deste

relato

é

a

estatística

de

desaparecimento apresentado pelos Estados brasileiros e sua completa falta de padronização, ausência e/ou inconsistência dos dados. Depois que o registro ocorre e quando ele ocorre, as dificuldades tomam outras dimensões. Não dificilmente tomam dimensões degradantes, de exclusão social e solidão. Ao analisar as estatísticas sobre desaparecimento de pessoas, é bastante interessante perceber que em parte das ocorrências a idade da suposta vítima é ignorada. Se o registro de desaparecimento serve para buscar alguém identificando o que aconteceu, como iniciar as buscas sem saber se, se trata de uma criança, adulto ou idoso? Pode-se questionar qual o tipo de importância dada ao registro de ocorrência de desaparecimento e de fato qual função ele cumpre. Essa é uma das razões para estudarmos a subjetividade na implementação das políticas de atendimento à queixa do desaparecimento. A lógica da investigação parece estar alinhada na perspectiva de encontrar um crime, uma contravenção, quase nunca, no encontro de uma pessoa. Nestes casos, parece que solucionar o problema não é encontrar a pessoa, é descobrir as motivações para seu desaparecimento, assim, culpabiliza-se os familiares ou os próprios desaparecidos. Há a apropriação de conceitos como de autonomia individual no caso dos adultos para justificar sua ausência temporária, sendo um desafio o reconhecimento do que é autonomia ou risco pessoal. É certo que as múltiplas motivações para o desaparecimento trarão concepções

ideológicas

diferentes

e

acreditamos

que

esse

é

foco

da

desresponsabilização, no entanto, privilegia-se a defesa dos direitos individuais,

117

autonomia e gestão da vida privada, o que nos faz refletir sobre os principais valores, crenças e ideais que se sobrepõe aos executores de práticas de localização e identificação de pessoas. Compreendemos

que

situações

sociais

de

exclusão,

desfiliação

e

precariedade da vida, não são naturais. Dessa forma, também não compreendemos o ato do desaparecimento e seus desdobramentos como natural, mas sim construído nas relações com outras pessoas e fatos. Defendemos que essa dimensão social não pode ser abandonada. Se a maneira de nos relacionarmos com o mundo é construída como produto da sociedade, o desaparecimento também deve ser compreendido em suas mais diversas facetas, assim como o seu enfrentamento. Assim,

as

construções

de

sentidos

e

significados

para

conceituar

desaparecimento como problema individual, de família e problema policial merece atenção. O percurso dos familiares de Helena na tentativa de localiza-la e também buscar amparo a sua dor foi truncada pela compreensão primeiramente dos operadores do sistema de segurança pública e mais tarde, por outros operadores, se traduzindo na dificuldade generalizada das políticas de atendimento à queixa de desaparecimento, principalmente de adultos. Mais do que o desaparecimento de Helena o que entrou em jogo foram as suas possíveis motivações para este ato e sua capacidade de escolha. Tal concepção também é traduzida no discurso dos profissionais sob as vestes da noção de individualidade e o direito de ir e vir – a autonomia dos sujeitos. Assim, o registro de desaparecimento não tem status de gravidade. Pede-se inclusive para aguardar 24 ou 48 horas para ter certeza de que esse alguém realmente desapareceu. Fica evidente, uma ação institucional envolta na contradição do cuidado e do direito individual. No entanto, essa noção tão importante e cara ao gênero humano se transmuta em descaso se a queixa e seus encaminhamentos forem ignorados.

118

Afinal, qual defesa da individualidade e autonomia dos indivíduos está-se resguardando? Parte dos trabalhadores coloca em dúvida a queixa e se agarram nas possíveis motivações do sujeito. Mas, se o sujeito está ausente para nos informar suas motivações, como saber que motivações poderiam ser estas? E como assegurar seu direito? No caso de Helena fora levantado várias hipóteses, uma delas foi o fato de ser artista plástica e todo artista ser louco. No caso de adolescentes, mesmo amparados pela Lei da Busca Imediata, é sua rebeldia, seu comportamento opositor. O fato é que ideologias presentes sobre o ato de desaparecer interferem na resposta à queixa do desaparecimento e também na implementação de novas práticas. Ao retrocedermos um pouco na história para buscarmos os sentidos da individualidade e sua reprodução na sociedade contemporânea, vemos que ela passou por um processo de evolução de quase inexistência – devido a extrema dependência em relação ao coletivo – para uma autonomia resultante da apropriação pelo indivíduo das forças humanas socialmente criadas.

O homem não é, na origem da história, um ser que carregue em sua singularidade as capacidades produtivas que lhe permitam produzir as condições de sua existência de forma isolada, um ser independente que depois entra em contato com outros homens. Ao contrário, o homem é desde o início, um ser social, no sentido de uma imediata e total dependência em relação ao conjunto a que pertence e no sentido de quase total indiferenciação entre os integrantes desse conjunto. (DUARTE, 1993, p. 157).

Essa discussão permite-nos observar a forma como o homem tornou-se autônomo através de um grande desenvolvimento de relações sociais, da realidade humana objetivada e com plena socialização do indivíduo. Individualizou-se na medida em que a complexidade do desenvolvimento das relações sociais permitiu que ele se libertasse da dependência imediata e total de um conjunto de seres humanos ao qual pertencia.

119

o indivíduo livre é resultado de uma época histórica, a da sociedade burguesa, na qual surgem os pressupostos objetivos e sociais da individualidade livre, mas através da forma alienada de indivíduos que só veem nas diversas formas de conjuntos sociais um simples meio de realizar seus fins privativos. (DUARTE, 1993, P. 157)

Assim, a sociedade em que vivemos criou os pressupostos objetivos e subjetivos do desenvolvimento da livre individualidade. Nossa forma de existência individual está, portanto, determinada, circunscrita, também ao âmbito da existência enquanto membro de determinada comunidade. Ainda que de forma individual, estará sempre inserida numa comunidade. A comunidade por sua vez, tem como base de sua existência uma determinada forma de propriedade das condições objetivas de trabalho, de produção da existência. (DUARTE, 1993) Assim, apesar de aparentarmos estarmos inteiramente preocupados e ocupados com o sujeito individual, isto, visto de forma mais atenta, nos soa falso, pois o indivíduo é dissolvido na racionalidade das escolhas econômicas. Torna-se um mero cumpridor de papeis sociais e todo o seu desempenho é definido conforme conveniências para o mercado. O indivíduo torna-se “descartável”, não está preso a nada e não faz falta à sociedade. Acaba se submetendo ao papel da mercadoria onde seu tempo e suas ocupações fazem parte do “modo de vida” social.

Isso sem dúvida é uma identificação que nos leva a pensar e aponta para uma dimensão subjetiva do fenômeno do desaparecimento e suas implicações na implementação de políticas de localização e identificação de pessoas. Onde então, está o valor do indivíduo para a sociedade e como temos traduzido esse valor nas práticas de localização e identificação de pessoas dentro das políticas públicas já formatadas? O sujeito permanece ocultado – algumas das vezes sob as causas que promovem o desaparecimento – como o trabalho escravo, o tráfico de pessoas, a exploração sexual – que também são invisíveis a sociedade. O “quem” permanece oculto, envolto no seu consumo ou sendo consumido, mascarado diversas vezes pelo discurso ideológico da autonomia e escolhas individuais, que nada tem a ver com a emancipação destes mesmos sujeitos.

120

Desta forma, vê-se o homem pela ótica ilusória de autodeterminação e do livre-arbítrio, presente na concepção individualizante, elitista e burguesa que considera os direitos individuais como naturais e não direitos conquistados historicamente pela luta de classes. Ao reconhecer que os direitos humanos hoje proclamados, emergiram em um contexto histórico e fático envolvendo modos de ser e pensar vinculados às condições materiais de existência determinadas pelo capitalismo, é preciso desmistificar uma suposta relação impossível entre capitalismo e direitos humanos, como considera Toyoda (2010), pois a concepção de direitos individuais do homem (ou de sujeitos de direitos), expresso na declaração dos direitos humanos não é uma declaração do homem genérico e universal, mas daquele inserido na sociedade burguesa (MARX, 2007). Essa discussão, também destaca a segurança como um conceito em que a sociedade burguesa apoia-se para fortalecer e preservar o egoísmo entre as pessoas. Assim, os direitos humanos não ultrapassam o egoísmo do homem, pelo contrário, eles constituem o alicerce de uma relação do homem como membro da sociedade burguesa, onde o indivíduo voltado para si mesmo, quer garantir seu interesse particular e sua arbitrariedade privada de forma dissociada da comunidade. Nesse sentido, a emancipação humana só estará plenamente realizada quando o homem individual real tiver recuperado para si o cidadão abstrato e se tornado ente genérico na qualidade de homem individual na sua vida empírica, no seu trabalho individual, nas suas relações individuais, quando o homem tiver reconhecido e organizado suas forças próprias como forças sociais e, em consequência, não mais separar de si mesmo a força social na forma de força política. (MARX, 2010, p. 54)

Assim, com a desvalorização da ação política, raramente o indivíduo consegue responder quem ele é, somente o quê. Pois a sociedade transforma-se em sociedade de padrões de conduta – engenheiros, médicos, trabalhadores sem trabalho etc., mas a verdadeira identidade permanece ignorada e silenciada. Justifica-se desta forma os profissionais de segurança pública encontrando obstáculos na performance de buscar “alguém”, quando tudo o que se sabe e a

121 lógica de informação que impera é sobre o que a pessoa “tem”. E assim, o discurso ideológico e a práxis dos equipamentos públicos no trato dos desaparecimentos vincula-se com frequência a justificativas de autonomia e escolha individual. Fica aqui a exposição e o alerta da apropriação subjetiva dos operadores das práticas de atendimento ao desaparecimento de pessoas sobre a noção de individualidade e autonomia das pessoas que desaparecem, sua compreensão de problemas familiares e problema social, negando em parte, a responsabilidade da política de segurança pública. Fica também exposto a fragilidade dos equipamentos públicos e de nossa sociedade para trabalharmos e discutirmos conceitos tão tênues como o direito a liberdade e de cuidado ao cidadão. Crime – Problema de Polícia - Investigação:

Pré-Indicadores

Indicadores

A gente já tinha dificuldade dessa cultura de esperar 24h, 48h que é uma cultura O discurso e o contexto dos crimes; que ainda se vê, a gente observava que o próprio familiar que fazia o registro, tinha dificuldade de colocar a real situação Desaparecer não é crime; (para saber se tem um crime envolvido ou não) [...] poucos os casos (registrados) posso considerar como situação de desaparecimento. Desaparecer não é crime É tarefa da policia encontrar. Se é a saúde, se é a assistência, aí a gente vai ver quem é depois, mas investigar, poder de policia ou conselho tutelar nós não temos

Outro sentido se expressa com a afirmação amparada em notas jurídicas de que desaparecimento não é crime e seus desdobramentos. Se não há indícios de crime, não há investigação e consequentemente não haverá inquérito.

122

Os profissionais diferenciam amplamente o significado do desaparecimento e o significado do crime. Sem nenhum tipo de crítica a esta concepção, o que se pretende desvendar é a descaracterização de importância da ocorrência de desaparecimento por não ser crime, por vincula-la à autonomia dos indivíduos ou mesmo aos problemas familiares como discutido anteriormente. A dificuldade conceitual do desaparecimento e suas múltiplas causas inibe o atendimento a esse tipo de queixa. É preciso reconhecer que em nome da liberdade e do respeito à individualidade, assim como da vida familiar privada, o Estado não vem cumprindo com seu papel. É preciso identificar de que respeito à individualidade e liberdade estamos defendendo e promovendo e o que o fenômeno do desaparecimento desmascara dentro das políticas públicas já formatadas. Percebemos, por exemplo, que a defesa da liberdade e respeito a individualidade não são respeitadas pelo sistema de crédito, como os voluntários nos explicam muito bem, pois é através dele e não dos sistemas de identificação policial que os voluntários tem desenvolvido seu papel nas redes sociais. É preciso discutir, como afirma Matsumoto (2013), o paradigma da segurança. Uma segurança pública voltada para a defesa do Estado e do Patrimônio (Estado e Capital), portanto, uma segurança burguesa, cuja proteção ao indivíduo é sonegada. No caso de Helena, o delegado buscava uma motivação para iniciar as buscas: o indício de um crime. Atrelou a necessidade de investigação a uma prova circunstancial de que algo errado e punível do ponto de vista do código penal aconteceu, e na sua ausência, não agiu, nem se sentiu impelido a uma resposta. A queixa dos familiares sobre seu desaparecimento e a alegação de que esse comportamento não era esperado, se configurando como estranho pouco significou para este delegado. Sua justificativa se baseou nas relações familiares conturbadas: problemas de família não são problemas que a polícia deve ou tem competência para intervir.

123

Assim, a dificuldade encontrada pelos familiares de pessoas desaparecidas na identificação de quem lhe fornecerá auxílio é bastante evidente. Se a polícia não tem competência, a assistência social ou equipamentos de defesa de direitos também acreditam que não. Foi assim no caso de Helena. Ao procurar auxílio na Secretaria de Assistência Social, os profissionais não tiveram ideia do que fazer e como fazer. Apesar de a polícia ser a primeira a ser contatada, reconhece-se que o problema do desaparecimento não é apenas um problema de polícia, como a própria polícia delimita. Essa questão, também aparece quando na solução dos casos, identifica-se uma enorme teia de sentidos para o ato – desde o desejo, o descuido e as ações criminosas. Quando a polícia não encontra indício de um crime, ou de que “o desaparecimento trará problemas” (sic), conforme relato de um de nossos pesquisados, tal ocorrência, principalmente no caso de adolescentes e adultos são relegados ao segundo ou terceiro plano. Em contrapartida, diante do impasse, outras políticas também não se sentem habilitadas para a atuação - principalmente em relação à queixa inicial – que é a de encontro da pessoa desaparecida. Assim, nada se faz, sem que antes se tenha um boletim de ocorrência – essa é a premissa do trabalho com o desaparecimento, citada pelos pesquisados na política de assistência social.

Então afinal, o desaparecimento é um problema de quem? Qual política pública deverá intervir no atendimento da queixa?

Destacamos que através da valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. Assim, busca-se saber qual o crime que envolve o desaparecimento e qual patrimônio foi violado, desconsiderando o encontro e a defesa da vida.

124

A dúvida sobre a sua atuação é apontada por todos os profissionais que tem trabalhado com o tema, enfrentando a dificuldade conceitual já demonstrada em seus empreendimentos. Mesmo nas práticas especializadas, os multifatores da causa do desaparecimento são um desafio constante. Nas práticas não especializadas, essa dificuldade conceitual produz ausências. A segurança pública aponta casos de difícil resolução, ou dificuldade de manejo justamente por encontrar problemas familiares com os quais não estão preparados para lidar, a assistência social ou órgãos relativos a garantia de direitos, exemplificam as dificuldades relativas a investigação, ao encontro propriamente dito. De

certa

forma,

todos

eles

apontam

suas

limitações

e

avistam

uma

complementaridade de ação em outro órgão de atuação, ficando evidente, a falta de articulação e de fluxos de atendimento. Essa manifestação ou compreensão da ocorrência do desaparecimento pode ser admitida quando rebaixamos a condição de homem genérico à condição de homem burguês. Essa discussão também é trazida por Marx (2010). No mesmo momento em que, p.ex., a segurança é declarada como um direito humano põe-se a violação do sigilo da correspondência publicamente na ordem do dia. No mesmo momento em que a “liberte indefinie de la presse” [liberdade irrestrita de imprensa] é garantida como consequência do direito humano à liberdade individual, a liberdade de imprensa é totalmente anulada, pois la liberte de la presse ne doit pas etre permise lorsquélle compromet la liberte publique” (Robespierre jeune, “Históire parlementaire de la Revolution Française”, Buchez et Roux, v.28, p. 159), isto quer dizer, portanto, que o direito humano á liberdade deixa de ser um direito assim que entra em conflito com a vida política, ao passo que pela teoria a vida política é tão somente a garantia dos direitos humanos, dos direitos do homem individual e, portanto, deve ser abandonada assim que começa a entrar em contradição com os seus fins, com esses direitos humanos. (MARX, 2010, p. 51).

Assim, ao observar a subjetividade nas ações de enfrentamento ao desaparecimento através da pesquisa e do método em psicologia sócio-histórica, pretende-se avançar na compreensão das mediações que interferem nas respostas desse setor, apontando a indiferença quase generalizada para o caso do desaparecimento de pessoas e a consequente anestesia de determinadas

125

instituições e sociedade defronte ao tema para então articular projetos coletivos para o seu enfrentamento condizente com o panorama objetivo e subjetivo e assim, romper com ditames históricos de repressão ao crime e à violência para avançar na compreensão e na intervenção dos problemas causadores das desigualdades sociais, políticas, econômicas que acabam por influenciar nas subjetividades dos indivíduos e dos grupos a que pertencemos. (CIARALLO e NASCIMENTO, 2009).

O conceito de desaparecimento, como discutido, exige mais e melhores definições. Não temos leis que o definam ou que orientem. Não há consenso legal ou político. Nossa sociedade nega a importância que ela mesma atribui à individualidade, quando nos surpreende com a indefinição e a falta de clareza sobre o que fazer quando se busca uma pessoa. Sem pretender criminalizar o ato de desaparecer, deveremos compreender seu tratamento dentro das instituições de atendimento. Demonstrar que a posse (propriedade) do homem tem valor infinitamente maior que o próprio homem. E que esta concepção emerge não só nos discursos como nas práticas de localização e identificação de pessoas.

Os multifatores para as causas do desaparecer e as ações necessárias de intervenção em mais de uma instituição dificultam a execução de estratégias de prevenção, intervenção e superação do problema. Já foi demonstrado por outros autores (OLIVEIRA, NEUMANN, GATTAS, FERREIRA) que o desaparecimento é um problema multicausal, o que, portanto, invalida o direcionamento para uma única política pública, seja ela a segurança pública ou a assistência social. A necessidade de articulação para esse combate é inevitável. Encontramos como chave para a articulação de políticas públicas dois elementos fundamentais: compartilhamento de informação e sincronização de ações. No entanto, o que observamos é negligência de atuação, culpabilização de outros setores (políticos ou não) e incapacidade de interlocução.

126

O caso de Helena nos dá indicativos dessa dificuldade. A mãe de Helena bateu em muitas portas e como ela mesma afirma: “todas elas estavam fechadas”. Da polícia teve o boletim de ocorrência. Da assistência social uma possibilidade de visita domiciliar frustrada pelo valor da renda familiar. A causa em questão, não pertencia a ninguém, nem ao prefeito, nem ao ministro da justiça. O problema do desaparecimento de sua filha era exclusivamente seu. A ideia e percepção de que o desaparecimento de pessoas envolve questões que ultrapassam a competência de alguns equipamentos, como da segurança e assistência social inibem a execução de protocolos simples de atuação dentro dos sistemas. Diante da falta de possibilidade de resposta adequada, a demanda é suprimida. Precisamos reconhecer que a polícia não coordena seus esforços junto a política de assistência social ou mesmo de saúde, a assistência social e a saúde por sua vez, não coordenam esforços junto aos departamentos policiais. A visão de homem e mundo diferenciadas que cada setor possui não tem permitido que o mesmo homem seja visto em sua integralidade e necessidades. Permanece “despessoado”, ora um corpo sem identificação – um desconhecido, um indigente, ora um nome sem corpo - um desaparecido. Ao introduzirmos discussões acerca da intersetorialidade com base no fortalecimento de laços sociais e na garantia de direitos fundamentais é que teremos uma vida humana mais segura e mais plena.

É preciso compreender que a lógica de segurança pública não deveria ser apenas combater a criminalidade e aumentar o número de policias, mas sim debruçar-se sobre os fenômenos, observando que estes não podem ser explicados por si e tampouco localizados apenas nos indivíduos “desviantes”. (CIARALLO e NASCIMENTO, 2009) O fenômeno do desaparecimento envolve uma série de causas e possibilidades e todas essas questões nos informam algo muito peculiar da vida dos indivíduos. Todas elas ligadas essencialmente à universalidade da vida humana, à forma de organização de uma sociedade.

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Visto a intensa teia de significados dado ao desaparecimento é preciso olhar para estes como algo que tem afetado os indivíduos e a coletividade produzindo sofrimento. Apesar do desaparecimento de pessoas despertar clamor na sociedade, medo e insegurança, não conseguimos do ponto de vista da execução de políticas públicas, formatar respostas condizentes com este panorama. As discussões mais acaloradas nos encontros públicos continuam esbarrando nas indefinições de atuação. Portanto, o sentido dado ao problema do desaparecimento será um desafio constante para os gestores das políticas públicas cujo Estado ainda funciona na versão de gestão individualizada do mundo.

128

6. UM CAMINHO PARA O DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO AO DESAPARECIMENTO DE PESSOAS

Toda investigação ou pesquisa leva o legado do interesse do investigador. Sabemos que nenhuma pesquisa é neutra no seu sentido mais stricto do termo. Terá na melhor das hipóteses o objetivo de se constituir em práxis revolucionária de transformação da realidade na direção da emancipação humana. É a partir dessa perspectiva que acreditamos que poderemos contribuir a partir dessa análise com novos formatos de discussão na implementação de políticas de atendimento para o desaparecimento de pessoas.

Assim, se concebemos o ser social um ser histórico e com capacidade teleológica, esta possibilidade também caracteriza a solução revolucionária para nossos problemas ideológicos, ou seja, a construção de outras formas de sociabilidade e possibilidades de intervenção, pois, segundo Mészáros,

os complexos superestruturais - do direito e da política à arte e moralidade - somente se originam (...) nas determinações materiais básicas da vida social, mas nem sempre permanecem diretamente dependentes delas; daí a possibilidade de sua relativa autonomia e, em grande medida, desenvolvimento independente com respeito às determinações materiais originais (2011a, p. 50).

Em outras palavras: Cada época constrói seus problemas, mas também suas soluções. Uns e outros não são eternos, mas emergem na complexidade de fatores – desejantes, políticos, econômicos, científicos, tecnológicos, familiares, culturais, midiáticos, dentre outros - e de enfrentamentos que se apresentem em cada conjuntura. (MANCEBO, 2009, p. 90)

Assim, com base na discussão dos núcleos de sentido, acreditamos que este estudo poderá subsidiar as discussões para implementações de práticas para uma política nacional de busca e localização de pessoas desaparecidas no Brasil.

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A partir da leitura e estudo das contribuições de Gonçalves (2010), conseguimos perceber e analisar que a ideologia liberal, o individualismo, a defesa da liberdade, a noção de público como espaço de convivência democrática das individualidades, são elementos que ao longo do desenvolvimento do capitalismo sustentam e interferem na constituição da dimensão subjetiva das políticas de atendimento. Estes aspectos nos orientam a investigar os fenômenos sociais num enfoque que considera os indivíduos em diversas situações sociais, exercitando experiências subjetivas também diversas e que favoreçam a emancipação. Assim, compreendemos a importância de intervenção não somente nas práticas objetivas da implementação das políticas de atendimento, mas também, nas experiências subjetivas que favorecem a transformação da realidade objetivada. “Para defender determinado interesse, é preciso ter consciência desse interesse” (PLEKHANOV, 2011, p. 88). Assim, mais uma vez, partimos do pressuposto de que não é consciência dos homens que cria os interesses defendidos pelo direito e pelas políticas sociais e sim o estado da consciência social, essa forma de pensar uma psicologia social aqui entendida como dimensão subjetiva da realidade de uma época, que determina a forma que toma no cérebro dos homens o reflexo de seus interesses. (PLEKHANOV, 2011). As

ações

simbólicas

somente

se

fazem

compreensíveis

quando

compreendemos o sentido e a origem das relações que elas simbolizam. E estas relações naturalmente não são encontradas nas ações simbólicas, mas sim na história concreta, aquela explicada pelo desenvolvimento econômico e nas formas de subsistência. Toda forma de luta de interesse social parece também incorporar uma luta contra os velhos costumes. Assim, avaliamos que práticas inovadoras como as descritas nesse trabalho, a exemplo do SICRIDE, SEDEST, PLID e Programa Reencontro da Fundação Criança são manifestações objetivas dessa luta. Sem a pretensão de realizar a avaliação destas políticas de atendimento, percebemos que tais práticas concretizam o interesse em superar problemas também concretos, cuja Lei, fundamentos teóricos e técnicos ainda se encontram indefinidos ou em construção. Poderíamos descrever suas práticas como algo audacioso, que vai se

130

impondo como necessidade dentro das várias políticas públicas, seja na Assistência Social, no exemplo da SEDEST, seja na Segurança Pública, no exemplo do SICRIDE, seja no Sistema de Garantia de Direitos, no exemplo da Fundação Criança, seja no Ministério Público, no exemplo do PLID. A

ainda

ausente

sistematização

dos

registros

de

ocorrência

de

desaparecimento e a fragilidade estatística sobre o número de pessoas desaparecidas no Brasil apontada nesse estudo, mesmo depois das discussões trazida por Oliveira e Geraldes em 1999 e também dos anos de discussão da REDESAP nos seus respectivos encontros e reuniões sistemáticas, traduzem um contexto no qual há a necessidade de pensarmos e intervirmos na produção e reprodução dessa prática, nas dificuldades de implementações de políticas de atendimento e na sua constituição subjetiva. Ao retomarmos a discussão dos núcleos de sentido junto às proposições da sociedade civil e da REDESAP através da Carta Brasília, Carta Rio e Carta Roraima, assim como da Carta Manifesto do Movimento Social pela Pessoa Desaparecida, vemos que

tais solicitações e

proposições esbarram em convenções e

compreensões sobre autonomia, relações familiares, crime, investigação e problemas de polícia. É preciso encarar tais significados como constituintes do ordenamento de determinadas práticas e consequentemente do formato de implementação de políticas públicas para esse setor. Assim, se o significado dado ao desaparecimento for problemas familiares ou problemas de polícia, terá

necessariamente

desdobramento diferenciado nas práticas de atendimento. O mesmo se aplica, se a compreensão for delimitada a autonomia dos sujeitos, ao crime ou exclusivamente a necessidade de investigação. O significado de desaparecimento ligado essencialmente a prática da investigação e crime, visto essencialmente como um problema de polícia, deixa de considerar aspectos importantes, como o da necessidade de amparo familiar, orientação ao desaparecido depois de encontrado e outras motivações que possuem legitimidade para o indivíduo e sua família.

131

Nesse quesito, a Psicologia Social pode compreender a subjetividade impressa na dinâmica dessa constituição e intervir propositivamente nos modelos apresentados,

identificando

os sentidos e

significados que

interferem no

atendimento integral da queixa do desaparecimento. Defendemos que práticas de identificação e localização de pessoas devem estar vinculadas a instauração de um novo modelo de sociabilidade, superando as condições impostas pela ideologia do capitalismo com vista aos valores de máxima individuação. Analisamos que os núcleos de significado identificados estão diretamente vinculados a esta ideologia, sendo condição para a consolidação e implementação de uma política pública condizente com a necessidade imposta por aqueles que sofrem com o desaparecimento, um modelo diferenciado de cuidado ao ser humano. Para se pensar numa política de localização e identificação de indivíduos é preciso pensar no aspecto coletivo, na vida em comunidade e não na vida individual. Superar os direitos do homem que o reduzem ao egoísmo e garantem apenas os direitos de cunho particular. Pensar numa política a favor da vida apontando para o convívio comunitário como uma estratégia na construção da noção de segurança pessoal. Esforçar-se na tentativa de pensar as relações e o cuidado dispensado à comunidade como um todo, para depois ou como consequência, pensar na segurança da vida individual. Assim, o desenvolvimento de uma política pública para o enfrentamento do desaparecimento de pessoas deve integrar, mas também superar significações que compreendam o fenômeno exclusivamente como resultado de uma escolha individual de vida, circunscrito a problemas familiares, crime, necessidade única de investigação ou um problema da polícia, considerando todas as tensões presentes nestes campos. Compreende-se que o estabelecimento de uma política de enfrentamento ao desaparecimento de pessoas eficaz, dependerá de práticas que superem o individualismo cotidiano das nossas relações e de nossas instituições.

132

É preciso, portanto, superar a condição de homem individual e coletivamente determinar-se como ser genérico, criando aí uma nova consciência política e social, ou pelo menos, o despertar do homem de seu papel na sociedade burguesa e a instauração da busca pela mudança social. Desejar a superação do modelo social que oprime as características do homem como ser genérico. Isso não significa que para a existência de uma política de enfrentamento ao desaparecimento de pessoas tenhamos que primeiro mudar o sistema estrutural dos modos de produção, o que nos faria aguardar a revolução contra o capital, mas acreditamos que ao formular políticas sociais e públicas ao alcance e discussão de pessoas genéricas, construiremos novas formas de sociabilidade e de cuidado, cuja forma poderá demarcar a valorização dos homens. Assim, compreendemos que o homem não deve ser tornar servo do objeto, das coisas e do consumismo, mas estar à frente deles, reconhecendo a si e o outro como entes genéricos. Nesse interim, a emancipação humana surge como o princípio de superação dessa dificuldade e também é através dela que surge a possibilidade de um novo ordenamento social, que prime pelo homem como autor de suas ações e também consciente de seu papel na sociedade através da instauração de uma nova forma de pensar e agir em sociedade. (CANIELLES e OLIVEIRA, 2011). Seguindo essa lógica, talvez, pudesse ser possível pensarmos num cadastro de pessoas desaparecidas tão eficiente, ou quiçá, melhor, do que o atual cadastro de carros roubados, amplamente repercutido e habilidoso. Os equipamentos de segurança pública também teriam possibilidades de pesquisa e informações compartilhadas para o encontro de pessoas muito mais úteis que os atuais e eficientes sistemas de crédito, que servem para localizar indivíduos devedores. O que sustentamos é a indicação de possibilidade de superação da condição humana de aprisionamento às forças produtivas e os sentidos e significados que delas derivam. A percepção de que a vida humana deve transcender a dimensão do capital, ou do objeto, pois é o espaço das individualidades que se sobrepõe.

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Um projeto de sociedade baseada no valor da máxima individuação produz, sem dúvidas, um projeto civilizatório de insegurança, porque a segurança efetivamente está dada na relação, no vínculo, no laço social. A produção de segurança pressupõe exatamente essa dimensão civil, da civilidade. A perspectiva de um ideal de mundo que traga segurança aos indivíduos está diretamente associada a um mundo organizado por meio da noção de vizinhança, da pólis-comunidade, da restauração das possibilidades da vida comunitária. Portanto, temos de fazer a crítica ao projeto de sociedade que ao ter a individuação como máximo bem, efetivamente, coloca problemas insolúveis à produção do sentimento de proteção, impedindo também o desenvolvimento de estratégias em políticas públicas que possibilitem esse mesmo cuidado.

Quanto mais somos indivíduos, mais desprotegidos estamos, porque, efetivamente, o que pode promover a proteção é a possibilidade de que resgatemos a dimensão vincular, essa dimensão coparticipativa na vida da polis, na dimensão da civilidade como regulação da convivência. Colocamos em jogo o projeto do capitalismo/individualismo, da vigência do “homem burguês” na condição de limitante para o desenvolvimento de uma humanidade na condição de bem-estar e de proteção. O que o capitalismo oferece não é uma mercadoria típica, a mercadoria da proteção. É preciso politizar que tipo de sociedade nós construímos. Ela é derivada de certo conjunto de valores sustentados. (OLIVEIRA, 2009, p.42)

E desta forma entramos na discussão do resgate da possibilidade de convivência no espaço público e consequentemente de sua ausência. O que as atuais políticas de atendimento têm feito no caso do desaparecimento de pessoas, são intervenções do ponto de vista da relação dos indivíduos com aquilo que possuem. Dificilmente do ponto de vista de quem são. A dimensão do vínculo do indivíduo com a sociedade não pode ser superado, pois para sermos indivíduos dependemos exclusivamente dessa sociedade, razão pela qual, a verdadeira emancipação deve ser um processo coletivo e social, sendo necessária uma mudança na forma de pensar e agir em sociedade superando todas as formas de alienação através de uma formação omnilateral do homem (CANIELLES E OLIVEIRA, 2011). Acreditamos que tal postura possa ser introduzida

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nos conceitos de uma política pública integrada e especificamente na localização e identificação de indivíduos desaparecidos. Por essa dependência absoluta do indivíduo com a sociedade é que entendemos que uma política de localização e identificação de pessoas ou uma política de enfrentamento ao desaparecimento de pessoas precisa ser estabelecida. Ao defendermos o indivíduo livre, não podemos esquecer que sua liberdade só é possível na dialética de sua dependência do constructo social. Só somos livres e autônomos na medida em que nossa dependência da sociedade nos disponibiliza o anonimato e certa independência. No entanto, defendemos uma política baseada no respeito a condição desse indivíduo livre e porventura anônimo baseado em princípios de solidariedade e respeito a essa condição, lhe garantindo a segurança pessoal e também a livre escolha. Mas, uma livre escolha fundamentada na emancipação humana e não na liberdade de escolhas a partir da lógica do consumo. Apostamos numa política de atendimento cuja lógica de atuação, seja a lógica dos vínculos de solidariedade entre os seres humanos e de respeito a condição de indivíduo livre e dialeticamente dependente da vida social em comunidade. A partir destas considerações, acreditamos que podemos do ponto de vista da Psicologia Social trazer linhas de reflexão para uma prática voltada à realidade concreta dos indivíduos e à necessidade de implantação e implementação de políticas de atendimento voltada ao desaparecimento de pessoas. Como proposição, refletimos que o desenvolvimento de novas práticas deverá levar em consideração a discussão da noção dos vínculos dos indivíduos com a sociedade e a responsabilidade das políticas públicas nesse fazer. A compreensão subjetiva do fenômeno deve ser provocada nos treinamentos de oficiais da segurança pública, assim como dos trabalhadores da assistência social, saúde e sistema de garantia de direitos, introduzindo o tema no campo de atuação desses diferentes sistemas desmistificando sentidos e significados dados ao desaparecimento

e

às

práticas

de

localização

em

diferentes

políticas.

Responsabilizar família, comunidade e Estado pela queixa do desaparecimento e também pelo encontro.

135

Acreditamos também ser de fundamental importância a inserção do tema em protocolos de atendimento desses mesmos sistemas, construindo fluxos de comunicação intersetorial entre políticas de atendimento diversas e a comunidade, com vistas à divulgação dos casos e responsabilização dos órgãos competentes e sociedade. Enfim, provocar ações de reflexão sobre proposições já construídas e divulgadas por outros estudiosos e profissionais dedicados ao tema (OLIVEIRA, NEUMANN, GATTAS, FIGARO-GARCIA, FERREIRA, entre outros), assim como da sociedade civil, levando em consideração os sentidos e significados em relação principalmente a autonomia dos indivíduos com vistas aos problemas familiares e sociais, a concepção do que é crime, investigação, problema de policia e também sobre onde repousa a responsabilidade e encaminhamentos da queixa. Dimensões estas que tem tolhido o desenvolvimento de novas formas de sociabilidade e cuidado com o outro dentro do campo das políticas públicas na formatação do atendimento à queixa do desaparecimento de pessoas no contexto do Estado Democrático de Direito.

136

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desaparecimento de pessoas é realidade brasileira. Ausência de sistematização desse tipo de ocorrência, protocolos de atuação, indefinição do conceito e de política pública para o seu enfrentamento também.

Diante do compromisso da Psicologia com a sociedade e com as questões que afetam os brasileiros, principalmente aquelas relacionadas à dignidade humana e, portanto, aos direitos humanos, a discussão da consolidação e implementação de práticas de localização e identificação de pessoas desaparecidas se traduz tarefa importante. Reconhecer os aspectos subjetivos impressos no atendimento à queixa do desaparecimento de pessoas, identificando as ideologias presentes manifestadas nas expressões ora de problema familiar, ora problema de polícia com estreita relação com os conceitos de autonomia, crime e investigação amplia a percepção das intervenções necessárias – do ponto de vista da Psicologia Social - nas políticas públicas. É preciso não apenas compreender a inércia e/ou dificuldade das diferentes políticas públicas no atendimento à queixa do desaparecimento e manifestar a crítica, mas também estabelecer os nexos pelo qual a prática de ausência de registro, de sistematização e de protocolos encontram definições e esclarecimentos ideológicos. E diante disto, sobrepor essas ideologias às necessidades humanas de cuidado e de convivência comunitária. Reconhecemos a necessidade de construir a relevância de casos de desaparecimento de pessoas dentro das políticas públicas e desconstruir concepções de responsabilização individualizantes para este tema, que centraliza na família ou no próprio indivíduo a culpa pelos seus desígnios, dificultando ou impedindo práticas de localização e identificação de pessoas de dentro da lógica

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comunitária, na qual, as políticas públicas do Estado Democrático de Direito deveriam sobrepujar. Também reconhecemos a necessidade de construção e inserção mais incisiva do problema social do desaparecimento de pessoas na agenda pública, trazendo o tema para um amplo debate, problematizando o papel das diferentes políticas públicas e estratégias do Estado para seu enfrentamento. Nesse interim, a Psicologia Social tem uma importante contribuição: compreender as subjetividades presentes no cotidiano do enfrentamento ao desaparecimento de pessoas, dando visibilidade à construção de fenômenos coletivos que impedem o desenvolvimento da saudável sociabilidade humana e apontar estratégias de cuidados subjacentes sob essa condição. Como conclusão, identificamos que as ideologias que responsabilizam unicamente o indivíduo pela sua sorte estão diretamente implicadas nas atuações dos profissionais das diferentes políticas públicas que tem encontrado o desaparecimento de pessoas como objeto de trabalho. Nessa configuração, conseguimos relacionar as categorias de crime, investigação, problemas familiares, problema social, problemas de polícias e autonomia a uma dimensão que desqualifica a importância da vida comunitária numa completa reificação do indivíduo. Indivíduo este que ao desaparecer, ao se tornar ausente no mundo e para o mundo, perde inclusive o status de coisa. Certos da limitação desta pesquisa e da importância de avançar nessa discussão reconhecemos que essa análise apenas introduz a discussão sobre a implementação de políticas públicas de enfrentamento ao desaparecimento de pessoas no Brasil. Apesar disso, apontamos com entusiasmo para uma direção ética de intervenção da Psicologia - a importância do desenvolvimento de um valor ético ao gênero humano que é o de responsabilizar-se pela integridade de cada indivíduo inserido na sociedade. A pesquisa também aposta que tal construção possa ter início por meio de políticas públicas integradas cujo interesse seja o respeito pela vida, onde a Psicologia Social pode contribuir na identificação das subjetividades que lhe

138

qualificam e também fornecer subsídios para intervir sobre estratégias de cuidado ao ser humano numa avaliação crítica de sua inserção no contexto social.

139

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144

ANEXO A Brasil, outubro de 2013 À Excelentíssima Sra. DILMA ROUSSEF Presidenta da República Federativa do Brasil Assunto:

Reivindicação

em

prol

da

implementação

de

ações

governamentais para a busca e localização de pessoas desaparecidas no Brasil

Excelentíssima Sra. Presidenta, O Movimento Social pelas Pessoas Desaparecidas vem por meio desta apresentar suas reivindicações e solicitar sua atenção urgente.

Continuamos a testemunhar o desaparecimento de cerca de 200 mil brasileiros, dentre estes 40 mil crianças, que desaparecem todos os anos no Brasil. E, como é de vosso conhecimento, apesar do empenho deste movimento e de seus participantes, milhares de familiares continuam a enfrentar o descaso e a falta de atenção das autoridades públicas deste país.

Desde a criação da Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (REDESAP) em 2002, o que vemos

145 são promessas esbarradas em uma burocracia sem fim, resumindo-se a meras letras em um papel branco.

Nosso promovidas

movimento pela

testemunhou

Secretaria

de

encontros

Direitos

e

Humanos

reuniões e

outros

diversas órgãos

governamentais, colaborando na criação das três cartas que compõe a nossa pauta de reivindicações básicas desde 2005. As cartas estão em anexo para sua maior informação. No entanto, como demonstrado pela Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a Investigar as Causas, Consequências e Responsáveis pelo Desaparecimento de Crianças e Adolescentes no Brasil (CPI dos Desaparecidos, 2005 a 2007), poucas foram as ações concretamente realizadas. O relatório final da CPI, por exemplo, nota que a aplicação dos recursos federais e os esforços em prol de ações de prevenção e enfrentamento ao desaparecimento têm sido insuficientes para mitigar o problema. Vemos ainda, que as discussões realizadas e decisões tomadas no âmbito da REDESAP não estão suficientemente descentralizadas e articuladas para atingir os profissionais na ponta da execução. Essa falha é expressa na inadequação dos procedimentos de diversos órgãos que se deparam com o desaparecimento de crianças e adolescentes, desde os agentes de segurança pública aos atores do sistema de garantia de direitos como um todo.

A situação torna-se ainda pior quando se trata do desaparecimento de adultos e idosos. Nestes casos sequer contamos com normativas legais que norteiam o tema, como as poucas dispostas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Difícil até falar em falhas, quando o que se presencia é a total ausência de políticas e procedimentos que resguardem a localização e identificação dessas pessoas.

146 Assim sendo, apresentamos em anexo a esta carta um resumo das ações cuja implementação consideramos ser de mais urgente caráter. Contamos sinceramente que este governo não esqueça as 200 mil pessoas desaparecidas e suas respectivas famílias que sofrem com a dor da ausência no completo desamparo do Estado. Os familiares de desaparecidos políticos vítimas da repressão começaram a ser ouvidos. Nós, familiares e amigos de desaparecidos do Estado Democrático de Direito, também exigimos escuta.

Cordialmente, Movimento Social pelas Pessoas Desaparecidas9

Este

movimento

agrega

inúmeros

familiares

e

amigos

de

pessoas

desaparecidas, assim como, profissionais, voluntários e instituições nacionais e internacionais, entre elas: Associação ABCD – Mães da Sé Associação Nacional de Busca e Prevenção de Pessoas Desaparecidas – Mães em Luta Desaparecidos do Brasil International Centre for Missing & Exploited Children (ICMEC) Projeto Ajuda Amiga – PAA Portal da Esperança Portal Kids – Projeto Mães do Brasil Projeto + de um milhão de Assinaturas pela Pessoa Desaparecida SOS Desaparecidos

147 PROPOSTAS:

Criação de uma Política Nacional de Enfrentamento e Prevenção ao Desaparecimento de Pessoas contendo Fluxos de Atendimento a Familiares de Desaparecidos e Protocolos Internos de Investigação de Casos de Desaparecimento. O engajamento de diferentes atores sociais contribui com a coordenação da resposta à situação de desaparecimento, e o apoio de outras agências permite que as agências policiais reajam de forma mais eficaz, aumentando assim a probabilidade de uma recuperação rápida e bem sucedida. Para tanto, é crucial que a política nacional identifique e descreva os principais parceiros tais como diferentes agências policiais, diferentes agências do serviço social, saúde e de atenção à criança e à família, agências de imigração e controle de fronteiras, entre outros, além de estabelecer o papel de cada agência na prevenção, busca, identificação e localização de pessoas desaparecidas e no apoio às suas famílias. Temos necessidade de uma política pública que oriente as ações dos distintos atores de todas as esferas do governo no tocante ao desaparecimento de pessoas, que pode, muitas vezes, estar ligado a uma séria de delitos. É fundamental, ainda, que tal política seja integrada, articulando ações necessárias no âmbito da Segurança Pública, Assistência Social, Saúde, Educação e inúmeros programas e projetos.

Importante que sejam desenhados fluxos operacionais para delimitar a articulação da polícia com os demais operadores de direito, profissionais do Sistema de Garantia de Direitos e outros parceiros no processo de prevenção, busca e localização de pessoas desaparecidas. É fundamental, através deste fluxo, articular e integrar políticas e órgãos públicos do Sistema

148 de Garantia de Direitos (segurança pública, assistência social, saúde, educação, Conselhos Tutelares, dentre outros) para atenção integral aos casos

de

desaparecimento,

apoio

psicossocial

às

famílias

e

acompanhamento da reintegração familiar de crianças e adolescentes desaparecidos.

Nesse processo, é igualmente importante frisar a necessidade de ações preventivas, especialmente às nossas crianças, cuja prioridade é absoluta, integrando a prevenção ao desaparecimento nos currículos e projetos escolares, além da elaboração de manuais de prevenção que incluam, sem restringir-se à: cartilhas informativas sobre o desaparecimento para jovens e crianças (considerando que uma parte significativa dos desaparecimentos de crianças e jovens é resultado de fuga do lar); dicas de segurança para pais e mestres; uso seguro das tecnologias da informação (TICS) e de redes sociais; conscientização acerca do bullying; dicas de prevenção ao tráfico de pessoas; entre outros.

Outro ponto é a articulação dos IML’s para criação de banco de imagens, registro papiloscópico e material genético de cadáveres não identificados para consulta dos órgãos participantes do Sistema Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, assim como a obrigatoriedade das instituições hospitalares e outras unidades de internação notificar a existência de pessoas sem identificação, intensificando cuidados preventivos no caso de crianças, idosos e pacientes psiquiátricos.

Clamamos urgentemente ainda pela criação de um protocolo de investigação contendo padrões mínimos de resposta ao fenômeno do

149 desaparecimento, assim como a inserção deste protocolo e temas correlatos nas pautas de treinamento das Academias de Polícia do Brasil.

Desaparecimentos devem ser vistos e investigados como crimes, e sua ação deve ser imediata principalmente em casos de desaparecimento de crianças, já que estes estão em situação de vulnerabilidade. Muitas vezes o desaparecimento de uma pessoa está intimamente ligado a um crime e a atuação imediata na localização de uma criança desaparecida pode servir ainda como um fator de prevenção de delinquência juvenil, tráfico de pessoas, exploração sexual, tráfico de drogas, cooptação para o crime, entre outros.

Igualmente, países cuja resposta ao desaparecimento de

pessoas é atuante, possuem também uma resposta mais eficiente ao tráfico de pessoas. Infelizmente, isto não ocorre em nosso país, salvo, restritas experiências.

Tal protocolo deverá conter:



Definição conceitual e jurídica dos desaparecidos civis;



Definição e adoção de Sistemas e Boletins de Ocorrência padronizados para registro do desaparecimento de pessoas;



Procedimentos de registro e informação de outras agências – onde registrar e como, a quem mais informar e como dar prosseguimento ao caso, etc.;



Procedimentos de tomada de depoimento da família, de amigos e possíveis testemunhas – que perguntas fazer, como estabelecer rapport, como confortar a família sem prejudicar a investigação, etc.;



Estabelecimento dos recursos a serem usados na busca da criança desaparecida – que efetivo, quais recursos financeiros e físicos, etc.;

150



Detalhamento da resposta à cada tipo de desaparecimento, incluindo descrição dos requisitos e critérios para a emissão de alertas ao público, disseminação de fotos, alertas à outras agências, entre outros;



Incorporação e disseminação de novas tecnologias úteis à identificação e localização de desaparecidos, tais como: 1) envelhecimento digital de fotos e reconstrução facial, com criação de banco de imagens de suporte a esse trabalho, constituído de fotos de crianças, adolescentes e adultos brasileiros, abrangendo as diversas características etnográficas do nosso povo; 2) Análise de DNA, com constituição de banco nacional de referência e banco questionável, para confronto de material genético de familiares de desaparecidos com o de crianças e adolescentes sem identificação e filiação definidas;



Relação entre possíveis especializadas e outras delegacias - em estados onde já existam delegacias especializadas, estas deverão oferecer apoio à outras circunscricionais além de facilitar a centralização de informação referente a desaparecimentos;



Ações integradas de investigação entre as distintas polícias do país e internacionais;



Procedimentos de contato com a imprensa a fim de facilitar o controle das informações que chegam ao público (evitando assim prejudicar as investigações), e de colaborar na busca e identificação.

Realização de um estudo nacional de incidência de desaparecimentos e localizados

O primeiro passo para a implementação de uma política nacional adequada ao desaparecimento passa pela compreensão adequada do fenômeno. A utilização de estatísticas e outras evidências na formulação de

151 políticas públicas não somente assegura a alocação adequada de recursos públicos, mas asseguram também que as causas reais do problema sejam efetivamente trabalhadas, garantindo assim maior efetividade à políticas e programas. Igualmente, estudos nacionais de incidência permitem a compreensão do fenômeno do desaparecimento de crianças, buscando compreender, em particular, que casos são mais frequentes, que faixas etárias e grupos são mais atingidos, as causas e consequências do desaparecimento, entre outros.

Assim, é fundamental e urgente que a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) aprimore a coleta de informações estatísticas de desaparecimentos e elabore, a partir de dados fornecidos pelas polícias civis dos Estados e do Distrito Federal, sinopses estatísticas anuais sobre o desaparecimento de pessoas no Brasil a fim de retroalimentar melhores políticas de prevenção e enfrentamento.

Linhas Diretas e Mecanismos de Comunicação com o Público

A participação da sociedade no processo de proteção aos direitos da criança é um dos principais componentes do sucesso de diversas organizações nacionais e internacionais. Além de contribuir seu tempo e talento na proteção de crianças das mais diversas formas, a sociedade é um parceiro fundamental do processo, seja através de denúncias de maltrato, seja por meio de informações sobre possível localização de crianças desaparecidas.

Seguindo a linha do Disque 100, é de fundamental importância que a política nacional para pessoas desaparecidas contenha uma linha direta

152 que funcione como mecanismo de comunicação com o público. Essa linha direta teria a função de receber chamadas de pessoas que avistaram uma pessoa desaparecida, pessoas solicitando informações de segurança sobre como melhor proteger os seus filhos, denúncias de exploração e abuso sexual, profissionais buscando recursos para ajudá-los em seus casos de crianças desaparecidas e/ou exploradas, de pais que precisam de assistência para a reunificação de suas famílias quando a criança desaparecida é encontrada em outro local, entre outros.

Universalização do registro civil e unificação de identificação civil

Hoje um policial enfrenta a realidade de que uma mesma pessoa pode possuir até 27 carteiras de identidade. A descentralização de dados e a ausência de um registro e identificação civis únicos dificulta imensamente o trabalho de localização de desaparecidos, tornando as investigações altamente burocráticas.

Realização de campanhas de sensibilização e mobilização da sociedade

Para complementar a resposta à situação de desaparecimento é importante incluir mensagens e campanhas de sensibilização e prevenção, principalmente no que se refere à crianças e adolescentes.

Estas

campanhas devem incluir dicas de segurança e proteção, além de conscientização e divulgação das leis existentes e dos direitos garantidos. Devem incluir ainda um componente de sensibilização dos operadores de

153 direito do país, sensibilizados os atores do Sistema de Garantia de Direitos sobre os procedimentos e as nuances do desaparecimento de pessoas.

Criação de um Sistema Nacional de Registro, Notificação, Alerta, Acompanhamento e Estatística de Incidentes com Pessoas Desaparecidas.

A criação de um Sistema Nacional de Registro, Notificação, Alerta e Acompanhamento de Incidentes com Pessoas Desaparecidas envolve a construção de uma plataforma tecnológica para a estruturação sistêmica de um fluxo distribuído de informações sobre o tema, visando principalmente aumentar a efetividade e reduzir o tempo de localização das pessoas desaparecidas, através da articulação de uma rede de responsabilidades para a inserção dos registros.

Esta plataforma deverá contemplar módulos para atendimento aos diversos

passos

e

etapas

para

a

prevenção,

resposta

inicial

e

acompanhamento continuado aos incidentes, dando suporte específico às ações de localização de forma integrada em todo o território nacional.



Registro: Módulo que permita o registro nacional único de pessoas desaparecidas, facilitando o acesso e qualificando a coleta de informações, bem como otimizando o desencadeamento de fluxos adequados de resposta inicial.

154



Notificação: Um módulo que permita notificar autoridades e parceiros de forma rápida e efetiva, reduzindo o tempo de resposta para o envolvimento dos múltiplos atores sociais envolvidos nas ações iniciais de localização e redução de consequências.



Alerta: Um módulo que automatize os mecanismos de alerta desenvolvidos de maneira automatizada e imediata, tais como a inserção em bancos de dados dos cadastros de saúde, assistência social, cadastro eleitoral e segurança pública, inclusão em sites e blogs apoiadores e inclusão em mecanismos locais de apoio como a divulgação em locais de espetáculo e meios de comunicação.



Acompanhamento: Um módulo que permita o acompanhamento das ações desenvolvidas na busca de pessoas desaparecidas, integrando este acompanhamento a outros bancos de dados de pessoas como o INFOSEG, DataSUS, Cadastro Único, entre outros. Ex: dados de pessoas registradas como desaparecidas poderiam ser inseridos pelos órgãos de Segurança Pública de forma automática no banco de dados do Sistema Lojista (Banco de dados da Federação de diretores lojistas, SERASA e outros), assim como informações de movimentações nestes bancos seriam imediatamente informados de maneira automática ao Observatório Nacional de Incidentes e Práticas de Atendimento a Pessoas Desaparecidas, que informaria o órgão policial que gerou o registro desaparecimento. Da mesma forma poderia ser firmadas parcerias com TSE, SUS, DETRAN, etc.



Estatística: Um módulo estatístico que permita produzir conhecimento epidemiológico

sobre

esta

natureza

de

evento,

permitindo

o

cruzamento de variáveis, produção de mapas e construção de perfis.

Ampliação dos serviços de Progressão de Idade e Outras Tecnologias para auxiliar a Busca e Localização de Desaparecidos

155 Casos de crianças que desapareceram há muito tempo (”cold cases”) são de difícil solução, pois muitas vezes é complicado encontrar novas evidências e as feições de uma criança que desapareceu há muito tempo são passíveis de grande mudança. Por esta razão, a tecnologia é uma importante aliada na solução destes casos. Embora não seja considerado um

elemento

essencial

de

uma

política

efetiva

para

crianças

desaparecidas, recorrer ao uso da tecnologia, tais como testes de DNA ou bancos de dados contendo DNA oferecem uma nova luz a casos em que ossadas de pessoas são recuperadas, ou mesmo em casos em que uma criança foi encontrada e a identidade de seus pais precisa ser confirmada. Esta tecnologia oferece nestes casos um conforto aos familiares, que destruídos pela incerteza, podem vivenciar o luto ou ter a reunificação familiar.

Igualmente importantes são as progressões de idade. Misturando ciência e arte, a progressão da idade – também conhecida como envelhecimento digital – é o processo de modificação de uma fotografia de uma pessoa para representar o efeito do envelhecimento em sua aparência. O processamento de imagem digital é a técnica mais comum hoje em dia, embora às vezes desenhos de artistas são usados para suavizar o efeito do software. Usados amplamente em casos de desaparecimentos de longa duração, em especial quando o desaparecido é uma criança, o envelhecimento digital é uma ferramenta forense muito útil para mostrar o provável aparecimento de corrente de uma pessoa desaparecida a partir de uma fotografia de muitos anos de idade.

Assim, clamamos pela urgente ampliação dos serviços tanto de DNA – hoje oferecidos esporadicamente por algumas instituições – quanto do envelhecimento digital, hoje já realizado por alguns estados da federação,

156 mas com pouquíssimos profissionais disponíveis o que gera uma espera muito grande. Temos a necessidade de equipes especializadas e equipamentos apropriados

tecnologicamente

e

em

quantidade

suficiente

para

atendimento da demanda.

Realização de Encontros periódicos, regionais e nacionais, para debater e aprofundar experiências e dificuldades relativas ao tema, assim como Criação de Comitês e Observatórios para discussão e avaliação de políticas e procedimentos

Incentivo a criação de espaços institucionais de discussão e proposição relacionada ao tema do desaparecimento de pessoas, articulados nos três níveis de governo, com representações do Estado e da Sociedade Civil. É fundamental, ainda, que as decisões e ações tomadas nestes espaços sejam revertidas em políticas públicas e/ou diretrizes nacionais para aprimorar a resposta ao desaparecimento tanto no âmbito nacional como nos diversos estados, cidades e municípios.

Estímulo e suporte à criação e manutenção de Serviços Especializados de Localização de Pessoas Desaparecidas nas Polícias Federais, Estaduais, Ministério Público e Guardas Municipais.

Estimular por meio de financiamento, treinamento, equipamentos e suporte técnico, a criação de serviços especializados de localização de pessoas desaparecidas.

157

Consolidação de mecanismos de divulgação de informações sobre pessoas desaparecidas.

Consolidação

de

mecanismos

legais

de

estímulo,

facilitação,

compensação e obrigatoriedade de divulgação de informações sobre pessoas desaparecidas em espaços públicos diversos, tais como: canais televisivos, jornais, revistas, transporte público, sítios governamentais e não governamentais, entre outros.

Criação de um Sistema de Alerta para Desaparecimento de Crianças Brasileiro (Alerta AMBER)

Nos EUA, o Programa de Alerta AMBER – assim chamado em homenagem à Amber Hagerman, uma menina de nove (9) anos de idade que foi sequestrada e assassinada – funciona como uma parceria voluntária entre agências policiais, a imprensa e veículos de mídia, agências de transporte, e outros para a ativação de boletins urgentes de casos mais graves de subtração de crianças. O objetivo de um alerta AMBER é instantaneamente galvanizar toda uma comunidade para ajudar na busca e recuperação segura da criança desaparecida, fornecendo informações detalhadas sobre a criança,

suspeitos, os veículos utilizados, entre outras

informações.

Estes alertas são emitidos em apenas 1% dos casos de crianças desaparecidas nos EUA, segundo critérios rígidos de aplicação. Um dos critérios, por exemplo, dita que a polícia deve ter motivos para acreditar a

158 criança tenha sido raptada ou está em perigo iminente de lesão corporal grave ou morte, além de contar com descrição suficiente da criança ou do suspeito de forma a facilitar seu reconhecimento pelo público.

Sistemas de Alerta ao público podem ser ferramentas muito úteis para complementar uma resposta efetiva ao desaparecimento e sequestro. Porém, é importante ressaltar que sem um sistema de respostas adequado, com os elementos sugeridos acima, o alerta é insuficiente para resolver o problema. Assim, antes de considerar a criação de um sistema de alerta rápido em um país ou região, é fundamental que uma resposta abrangente seja considerada.

No Brasil, já existem alguns projetos de lei tramitando no congresso para exigir a criação de um alerta similar. No entanto, estes projetos se encontram emperrados e não conseguem entrar na agenda de apreciação no Congresso.

Delimitação de Espaço Institucional no governo que articule e coordene questões relativas ao Desaparecimento de Pessoas.

Sugerimos a criação e/ou delimitação de espaço institucional constituído que possa responder diretamente sobre as questões que envolvem o desaparecimento de pessoas no Brasil. Atualmente contamos com a Secretaria de Direitos Humanos para os casos de desaparecimento de crianças e adolescentes, mas não contamos com nenhuma referência para o caso de desaparecimento de adultos não vítimas da repressão política no período da Ditadura Militar.

159 Somado a estas propostas, também anexamos documentos que fundamentam

nossas

reivindicações

enquanto

movimento

social

e

demonstram a inconsistência com que o tema vem sendo tratado há longa data pelas diferentes esferas do governo.

Anexo 1: CPI Anexo 2: Carta Brasília Anexo3: Carta Rio Anexo 4: Carta de Roraima

160

ANEXO B

CARTA DE BRASÍLIA

(texto-base para discussão e deliberação da plenária)

Representantes de instituições acadêmicas, organizações da sociedade civil e órgãos públicos de todo o Brasil, dedicados ao trabalho de identificação e localização de crianças e adolescentes desaparecidos, de sua reintegração sócio-familiar, de apoio psicossocial às famílias que vivenciam tal drama, de produção de conhecimento sobre o tema e de prevenção do fenômeno do desaparecimento, reunidos na cidade de BrasíliaDF, nos dias 23 a 26 de novembro de 2005, durante o I Encontro da Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, firmam a presente Carta de Brasília, dirigida ao Poderes Públicos das esferas federal, estadual e municipal, e à sociedade brasileira, de forma geral, onde apresentam e defendem um conjunto de diretrizes para a estruturação da política de atendimento nesta área, conforme estabelecido no Art. 87 da Lei 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente: 1) Definição conceitual e jurídica dos desaparecidos civis; 2) Definição e adoção, pelas polícias civis dos Estados e do Distrito Federal, de Boletim de Ocorrência padronizado para registro do desaparecimento de crianças e adolescentes; 3) Elaboração, pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), a partir de dados fornecidos pelas polícias civis dos Estados e do Distrito Federal, de sinopses estatísticas anuais sobre o desaparecimento de crianças e adolescentes no Brasil; 4) Obrigatoriedade de registro de ocorrência policial a qualquer tempo, bem como do empreendimento de buscas imediatas por parte das autoridades públicas, visando à localização das crianças e adolescentes desaparecidos; 5) Criação de sistemas locais, regionais e nacionais de alerta instantâneo, envolvendo o Departamento de Polícia Federal, o Departamento de Polícia Rodoviária Federal, órgãos públicos e os veículos de comunicação de massa;

161

6) Criação e estruturação material e humana de Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente, em municípios com mais de 100.000 habitantes, dotadas de serviços especializados de identificação e localização de crianças e adolescentes desaparecidos; 7) Centralização das ocorrências não solucionadas de desaparecimento, em cada Estado e no Distrito Federal, num órgão da polícia civil (DPCA ou outro), especializado neste tema e encarregado da manutenção do Cadastro Estadual ou Distrital e da investigação permanente de todos casos; 8) Consolidação do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (www.desaparecidos.mj.gov.br) , alimentado com dados dos Cadastros Estaduais e do Distrito Federal; 9) Definição em lei de um Sistema Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, sob coordenação do Poder Público Federal, responsável pelo Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, constando, dentre suas atribuições, a articulação em rede dos serviços especializados estaduais e do Distrito Federal; 10) Capacitação, em todos os níveis, dos profissionais que atuam na área, seja em técnicas de investigação, seja nas técnicas de abordagem e acolhimento das famílias de crianças e adolescentes desaparecidos, seja em outras habilidades e competências necessárias à execução desse trabalho; 11) Inamovilidade dos Delegados de Polícia de Proteção à Criança e ao Adolescente, possibilitando sua permanente especialização e a continuidade das ações desenvolvidas pelas Unidades que dirigem; 12) Incorporação e disseminação de novas tecnologias úteis à identificação e localização de desaparecidos, tais como: 12.1) Envelhecimento digital de fotos e reconstrução facial, com criação de banco de imagens de suporte a esse trabalho, constituído de fotos de crianças, adolescentes e adultos brasileiros, abrangendo as diversas características etnográficas do nosso povo;

162

12.2) Análise de DNA, com constituição de banco nacional de referência e banco questionável, para confronto de material genético de familiares de desaparecidos com o de crianças e adolescentes sem identificação e filiação definidas; 13) Articulação dos IML’s para criação de banco de imagens, registro papiloscópico e material genético de cadáveres não-identificados, para consulta dos órgãos participantes do Sistema Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos; 14) Abertura dos grandes cadastros nacionais de pessoas físicas (CPF, Cadastros Eleitorais, CADSUS, Cadastro da Previdência Social, Cadastro Único da Assistência Social, etc.) à consulta dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Identificação e Localização, quanto aos dados cadastrais que não sejam expressamente protegidos por sigilo; 15) Universalização do registro civil e da identificação civil, bem como incentivo e orientação e fornecimento de meios às famílias, para coleta e preservação de material biológico de crianças, adequado à análise de DNA; 16) Articulação e integração operacional de políticas e órgãos públicos do Sistema de Garantia de Direitos (segurança pública, assistência social, saúde, educação, Conselhos Tutelares, dentre outros) para atenção integral aos casos de desaparecimento, apoio psicossocial às famílias e acompanhamento da reintegração familiar de crianças e adolescentes desaparecidos; 17) Realização de campanhas de sensibilização e mobilização da sociedade quanto ao tema das crianças e adolescentes desaparecidos; 18) Realização de campanhas de prevenção do desaparecimento, dirigidas às crianças, aos pais e aos profissionais de estabelecimentos que atendem crianças; 19) Manutenção de um sistema nacional de divulgação de fotos. Cientes da gravidade com que o fenômeno do desaparecimento de crianças e adolescentes se apresenta no Brasil e da necessidade de se avançar na estruturação de políticas consistentes, eficientes e eficazes de abordagem do problema, os signatários dessa Carta assumem o compromisso público de

163

empenharem-se na implantação dessas diretrizes, no que esperam contar com o irrestrito apoio da sociedade e dos governantes.

Brasília, DF, 26 de novembro de 2005.

164

ANEXO C

Tais considerações puderam ser amadurecidas durante o II Encontro Nacional da Redesap, realizado no Rio de Janeiro, de 02 a 05 de dezembro de 2008, que teve como objetivo acelerar a consolidação das ações para o enfrentamento do desaparecimento.

Considerações finais

1. Ratificar e consolidar a REDESAP tendo como referencia a carta de Brasília; 2. Incluir um espaço para o DNA - Condicionando a DNA ao teste do pezinho - e envelhecimento de imagens no Cadastro Nacional de Desaparecidos; 3. Garantir recursos do SENASP através dos kits para as delegacias, priorizando o serviço de desaparecimento; 4. Reforçar

os

serviços

de

desaparecimento

dentro

das

delegacias

especializadas de Proteção a Crianças e adolescentes; 5. Planejamento dos recursos; 6. Mobilização da comunidade e sociedade como um todo – Campanhas e formação de lideranças; Ratificar o dia 25 de maio como dia Nacional do Desaparecido; 7. Rediscutir do 1º registro civil; 8. Recursos para o recambiamento para suas cidades de origem; 9. Comprometer a mídia para divulgação; 10. .Inclusão da disciplina obrigatória na grade curricular de formação de policiais; 11. Controle de embarque de desempaque em portos, rodoviárias, aeroportos, de adolescentes; 12. Que a Justiça facilite a quebre de Sigilo de telefone nos casos de desaparecimento; 13. Identificação (fotos) de crianças e adolescente abrigadas, e comunicação entre as instituições que atuam na rede de desaparecidos;

165

14. Formar uma comissão interestadual para a sistematização de metodologias para investigação e identificação de desaparecidos, com as representações: policiais, mães, universidade, órgãos governamentais e não governamentais, garantindo a regionalidade; 15. Coordenação da REDESAP realizar reunião com gestores das Secretarias de segurança e demais órgãos federais envolvidos com a temática para discussão de cooperação e competências no enfrentamento da questão do desaparecimento.

166

ANEXO D CARTA DE RORAIMA Nós, profissionais do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, conselheiros tutelares e de direitos, profissionais da área de segurança pública, organizações da sociedade civil, fóruns e frentes de defesa, técnicos, gestores, militantes, reunidos entre os dias 03 e 06 de novembro de 2010, por ocasião do III Encontro Nacional da Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos – REDESAP, considerando:

1.

O sofrimento de homens e mulheres, bem como a insuficiência de

políticas públicas coordenadas que façam o efetivo e eficaz enfrentamento do fenômeno do desaparecimento de crianças e adolescentes; 2.

Que o art. 227 da Constituição Federal estabelece que “É dever da

família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”; 3.

A necessidade de uma coordenada e articulada execução do Plano

Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes

à

Convivência

Familiar

e

Comunitária,

documento

de

referência elaborado pelo CONANDA e CNAS, o qual no seu eixo de atendimento enfatiza a necessidade de consolidação de uma rede nacional de identificação e localização de crianças e adolescentes desaparecidos e, ainda,

afirma a necessidade de i) criação e integração de serviços

especializados

de

busca,

ii)

incorporação

e

disseminação

de

novas

tecnologias na identificação e localização de pessoas desaparecidas, iii) criação, manutenção e divulgação de um Cadastro Nacional articulado e, ainda, a necessidade de iv) produção e divulgação de materiais de caráter preventivo;

167 4.

Que o Programa Nacional de Direitos Humanos III demarca a

necessidade de criar serviços e aprimorar metodologias para identificação e localização de crianças e adolescentes desaparecidos, recomendando para tanto, que os Estados, o Distrito Federal, os municípios brasileiros e os Conselhos de Direitos implantem serviços de identificação de crianças e adolescentes desaparecidos em Delegacias de Policia; 5.

A

necessidade

identificação

e

de

localização

consolidação de

crianças

de e

uma

política

adolescentes

pública

de

desaparecidos

organizada nos marcos do pacto federativo, coordenada e sustentável; 6.

A urgência e premência na adoção de medidas efetivas que

assegurem o direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária e à proteção integral, elementos centrais afirmados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente 7.

A necessidade de coordenação e articulação entre instituições e

organizações,

públicas

e

privadas,

no

enfrentamento

qualificado

do

fenômeno do desaparecimento de Crianças e Adolescentes; Consensuamos um documento de referência, balizador das ações e esforços a serem empreendidos pelo poder público, em estreita interação e sintonia com a Sociedade Civil e suas organizações representativas, o qual ora apresentamos à sociedade brasileira, subscrevendo-o os cerca de 200 profissionais/instituições e militantes oriundos de cada uma das 27 unidades da federação. O

presente

documento

de

referência

é

acompanhado

por

um

conjunto

de

ações/diretrizes, metas/produtos e potenciais articuladores/responsável por cada medida que deverá nortear as ações neste campo e, ainda, uma proposta da Sociedade Civil às Autoridades.

Boa Vista - Roraima, 06 de novembro de 2010.

168

ANEXO E

LEI Nº 15.292, DE 8 DE JANEIRO DE 2014 (Projeto de lei nº 463/11, do Deputado Hamilton Pereira - PT) Define diretrizes para a Política Estadual de Busca de Pessoas Desaparecidas, cria o Banco de Dados de Pessoas Desaparecidas e dá outras providências O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO: Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo, nos termos do artigo 28, § 7º, da Constituição do Estado, a seguinte lei: Artigo 1º - Fica instituída, no Estado, a Política Estadual de Busca de Pessoas Desaparecidas, que se regerá por esta lei. Artigo 2º - A Política Estadual de Busca de Pessoas Desaparecidas tem como objetivo a procura e a localização de todas as pessoas que, por qualquer circunstância anormal, tenham seu paradeiro considerado desconhecido, encontrando-se em lugar incerto e não sabido, e consiste nas seguintes diretrizes: I - desenvolvimento de programas e ações de inteligência e articulação entre órgãos públicos e unidades policiais na investigação das circunstâncias do desaparecimento, até a definitiva solução; II - apoio e empenho do Poder Público à pesquisa e ao desenvolvimento científico e tecnológico voltados às análises que auxiliem e contribuam para a elucidação de todos os fatos do desaparecimento, até a localização da pessoa; III - participação dos órgãos públicos, assim como da sociedade civil, na formulação, definição e controle das ações da política de que trata esta lei, em especial: a) membros do Poder Legislativo Estadual; b) os de direitos humanos; c) os de defesa da cidadania;

169

d) os de proteção à pessoa; e) os institutos de identificação, de medicina social e de criminologia; f) o Ministério Público; g) a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); h) a Defensoria Pública; i) os Conselhos Tutelares; IV - desenvolvimento de sistema de informações, transferência de dados e comunicação em rede entre os diversos órgãos envolvidos, principalmente os policiais, de modo a agilizar a divulgação dos desaparecimentos e contribuir com as investigações, busca e localização das pessoas; V - disponibilização e divulgação de informações contendo dados básicos das pessoas desaparecidas na rede mundial de computadores, nos diversos meios de comunicação e outros; VI - Vetado. Artigo 3º - Fica criado o Banco de Dados de Pessoas Desaparecidas, com o objetivo de implementar e dar suporte à política de que trata esta lei, que será composto por: I - um banco de informações públicas, de livre acesso por meio da rede mundial de computadores, que conterá informações acerca das características físicas das pessoas desaparecidas, como cor dos olhos e da pele, tamanho, peso e outras; II - um banco de informações não públicas, de caráter sigiloso e interno, destinado aos órgãos de perícia, que conterá informações genéticas e não genéticas das pessoas desaparecidas e/ou não identificadas e de seus familiares, visando à investigação, análise e identificação por meio das informações do código genético contidas no DNA (ácido desoxirribonucleico). Parágrafo único - O banco de dados referido no “caput” deste artigo será integrado à Rede INFOSEG, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), do Ministério da Justiça. Artigo 4º - Para a consecução dos objetivos de implementação da política a que se refere esta lei, o Estado poderá firmar convênios ou parcerias com a União, outras unidades da Federação, universidades e laboratórios públicos e privados. Artigo 5º - A autoridade pública responsável pelo órgão local de segurança pública, ao ser informada ou notificada do desaparecimento de uma pessoa, adotará de

170

imediato todas as providências visando à comunicação dos fatos às demais autoridades competentes, assim como fará a inclusão das informações no banco de dados referido no artigo 3º. § 1º - Nos casos de desaparecimento de crianças e adolescentes, além das providências referidas no “caput” deste artigo, a investigação e a busca serão realizadas imediatamente após notificação da autoridade, nos termos da Lei federal nº 11.259, de 30 de dezembro de 2005, devendo-se proceder da mesma forma nos casos de pessoas com deficiência física, mental e/ou sensorial, qualquer que seja sua idade. § 2º - Uma vez iniciada a investigação e busca da pessoa desaparecida, em nenhuma hipótese as mesmas serão interrompidas, o que somente ocorrerá após seu encontro, devendo o Poder Público envidar todos os esforços até a solução dos fatos, podendo inclusive responsabilizar autoridades e agentes em caso de omissão ou desídia. § 3º - Em nenhuma hipótese corpos ou restos mortais encontrados serão sepultados como indigentes sem antes a adoção das cautelas de cruzamento de dados e de coleta e inserção de informações acerca de suas características físicas, inclusive do código genético, contidas no DNA, no banco de dados referido no inciso II do artigo 3º. Artigo 6º - Para efeito da disponibilização e divulgação do desaparecimento de pessoas a que se refere o inciso V do artigo 2º, a autoridade pública responsável fará imediata comunicação, por meio de nota, aos órgãos de imprensa locais e regionais. Artigo 7º - Todos os hospitais, clínicas e albergues, públicos ou privados, entidades religiosas, comunidades alternativas e demais sociedades que admitam pessoas sob qualquer pretexto são obrigados a informar às autoridades públicas, principalmente as policiais, sob pena de responsabilização criminal de seus dirigentes, o ingresso e/ou cadastro de pessoas sem a devida identificação em suas dependências. Artigo 8º - Ocorrendo o encontro e a devida identificação da pessoa tida como desaparecida, serão adotadas providências no sentido de divulgação dessas informações em todos os meios de comunicação, inclusive no Banco de Dados de Pessoas Desaparecidas, referido no artigo 3º, encerrando-se as buscas. § 1º - As investigações acerca do desaparecimento de pessoas somente serão

171

encerradas após seu encontro em quaisquer circunstâncias, no caso de não estarem relacionadas com qualquer tipificação de crime. § 2º - Na hipótese do retorno ou encontro da pessoa tida como desaparecida, sem a intervenção dos órgãos públicos, os parentes e familiares, principalmente os responsáveis pela informação ou notificação do desaparecimento, ficam obrigados a comunicar o fato às autoridades responsáveis pela busca. Artigo 9º - Os órgãos e empresas de telefonia com atuação no Estado, para efeito das investigações e busca de pessoas desaparecidas, disponibilizarão de forma ágil e imediata às autoridades as informações acerca do uso do sistema de telefonia fixa e/ou móvel que levem a seu paradeiro e a sua consequente localização. Artigo 10 - Vetado. Artigo 11 - As despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias. Artigo 12 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Palácio dos Bandeirantes, 8 de janeiro de 2014. GERALDO ALCKMIN Eloisa de Sousa Arruda Secretária da Justiça e da Defesa da Cidadania Fernando Grella Vieira Secretário da Segurança Pública Edson Aparecido dos Santos Secretário-Chefe da Casa Civil Publicada na Assessoria Técnico-Legislativa, aos 8 de janeiro de 2014.

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