Desdobramentos do Medo: 15 Anos dos Atentados Terroristas de 11 de Setembro

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Desdobramentos do Medo: 15 Anos dos Atentados Terroristas de 11 de Setembro Carlos Frederico Pereira da Silva Gama1

Publicado por SRZD em 12 de Setembro de 2016 – http://www.sidneyrezende.com/noticia/267689

Dos quarto cantos do mundo, nós fluimos. À medida que chegamos, desarrumados sob as circunstâncias de tantas influências, instantâneas comunidades de destinação estão mal preparadas para lidar com o terrorismo. Com incertezas rotineiras já não mais toleráveis, subitamente nós ansiamos por uma vida desprovida de incerteza. A vigilância incessante promete o fim da ambiguidade. Estamos prestes a declarar não-hostilidade prévia – um padrão demasiado rigoroso para relações interconectadas. Ao fingir o não-conflito, impedimos a coexistência apontada por Zygmunt Bauman no nascedouro. Numa versão tenebrosa do mundo povoado de estranhos de Anthony Giddens, cercas e arame farpado separam expectativas, não animosidade real. As planícies imagéticas de Arjun Appadurai se tornam esboços de Francis Bacon. Diante do bicho-papão barato de terras distantes nossas negociações cessam nas zonas de fronteira. O que o terrorismo move é o dia-a-dia de cabeça para baixo. Isso é muito mais assustador do que as bombas atômicas da Coréia do Norte ou a dupla paródia de um “estado islâmico”. Ondas de possibilidades entrelaçadas espiando por trás do espelho: aferição de risco num loop sem fim. Trens tem que chegar no horário. Voos tem que seguir o plano. Caminhões tem que se manter em fila. Temos saudade de redes de proteção. As violências do terror não desafiam a imagem idealizada de uma comunidade política santificada – isso já sabemos, a partir do brutal repertório das ações estatais. Elas vão desde grampear as comunicações dos cidadão até prisões ilegais, passando por tratamentos análogos à tortura para pretensos suspeitos e contenção de populações de refugiados. Os estados respondem à violência do terror com um arranjo de outras violências. A soberania é reinstaurada como obediência compulsória via proteção. Os estados e a soma variada de seus esforços mapeiam o globo terrestre como espaço de proteção compulsória. As linhas desse mapa borram muitos traços de exclusão e preconceito sociais. 15 anos depois, o ciclo de ansiedade-vigilância parece a última moda da cidade. Desequilíbrios nas inseguranças humanas trouxeram uma volátil combustão às tarefas do governo. Desarranjos na vida cotidiana autorizam intervenções na sociedade. Ao manter abertas as feridas soberanas, tais perturbações deixam uma imagem residual no corpo político – miragens que políticos como Donald Trump mobilizam, seduzindo os olhares para erguer muros. Figuras de proa intocáveis acenam com certeza à primeira vista. À medida que os muros tocam o chão, não nos importamos que estranhos

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Professor de Relações Internacionais e Diretor de Assuntos Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT)

sejam mandados embora. Estamos em silêncio e caminhando para a armadilha, sem notar o próximo passo: sociedades recolonizadas. A proteção compulsiva é uma técnica adequada para estados soberanos. Ela reitera parâmetros modernos, em prejuízo de novos medievalismos e velhas aspirações cosmopolitas. Ao violar a lei para restaurar segurança, estados transformam crimes em governança de espaços internacionais. Nas palmas dessas mãos, o que de outra maneira permaneceria um quebra-cabeças de níveis de atividades sociais se torna um círculo concêntrico. À medida que a razão prática permanece nas portas de instalações soberanas, tanto Carl Schmitt quanto Charles Tilly são vingados. Esse desejo por segurança – a ausência manifesta de algo mais – transborda de excesso simbólico. Movimentos de segurança se afastam dos scripts soberanos e ao mesmo tempo tornam possíveis novas inscrições, trazendo o obsceno à cena. Um rol de discriminações, desigualdade e dominação se torna tolerável o suficiente a ponto de nós o desejarmos (na esperança de que ele venha apenas em último caso). À medida que essas assimetrias se tornam desejo, práticas humanas são esquecidas nas sombras e novas mitologias ocupam seus lugares. Desejos por segurança proliferam muros e arames farpados. Eventos improváveis de violência extraordinária passam a legitimar o medo cotidiano e fornecem um espantalho de coerência para nossos desejos por segurança. Esse é o efeito alienante do terrorismo. A supranacionalidade desaparece de vista, porém movimentos soberanos parecem adequados, filtrados por essas aspirações. A óptica de uma sociedade anárquica se cristaliza nos olhares de novos intocáveis – ou, de por outro lado, de novos convidados indesejáveis. Na competição entre os estados e outros para fornecer segurança, as pessoas se tornam perdas e ganhos. A contagem dos corpos e os corpos que contam andam lado a lado. No caleidoscópio de vidro da economia pós2008, a simpatia pelas vítimas e o medo dos perpetradores convergem para as mesmas estatísticas. Enquanto a Al Qaeda mergulha na nostalgia sem remorsos, a rotina de crises revela tanto Trump quanto Hillary – subindo muros ou caindo no Marco Zero – como representantes da mesma espécie de políticos. Os lembretes de Peter Sloterdijk permanecem expostos na entrada dos novos zoológicos humanos. Aqueles prestes a serem temidos poderiam muito bem ser acolhidos. No meio dos flashbacks de 11 de Setembro de 2001, na fumaça da “guerra ao terror”, nós perdemos a noção das nossas limitações contemporâneas. Ainda que Osama Bin Laden e George W.Bush possam ser inequivocamente chamados de responsáveis por essa situação, sem as mitologias que crescemos em nossos corações e mentes, sem a servidão voluntária descrita há séculos por Étienne de la Boétie, esses 15 anos já teriam se encerrado. Os silêncios são protocolos violentos.

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