Desemprego de colarinho-branco (book review)

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Desemprego de colarinho-branco Bárbara Ehrenreich Editora Record 250 páginas R$ 39,90 (publicado no Valor Econômico, em 2006) A procura de emprego – ou recolocação – para aqueles profissionais de níveis médios e altos das corporações sempre recebeu pouca atenção de estudiosos e acadêmicos. Uma visão preconceituosa faz crer que por estarem supostamente protegidos por um diploma universitário ou pela experiência de bons cargos em grandes empresas, os trabalhadores de classe média sofrem menos com o desemprego. A jornalista americana Bárbara Ehrenreich, com uma carreira dedicada ao estudo da pobreza, autora do best-seller “Miséria à americana”, reconhece no prefácio de seu novo livro que sempre pensou assim. Uma leitora foi quem lhe informou que, sim, há drama no andar de cima. Ehrenreich decidiu conferir e seguiu a mesma fórmula que usou para desenhar o perfil dos empregados americanos que almoçam no quartinho das vassouras: assumiu o papel de uma relações-públicas com passagem por algumas empresas à procura de emprego ou, no jargão corporativo, “em transição”. O resultado foi o livro “Desemprego de colarinhobranco – a inútil busca do sucesso profissional”, cujo subtítulo peca por ignorar que muitos fazem sucesso. Há méritos no trabalho de Ehrenreich, mas há muitos outros pecados. O livro consegue ganhar importância diante da parca bibliografia sobre o tema, se descontado o nicho da auto-ajuda. Seu relato é sarcástico e sempre bem-humorado o que ajuda o leitor a atravessar com algum prazer suas 250 páginas. Outro

ponto positivo é que a autora desmascara um mercado de recolocação de executivos à americana – bastante semelhante ao grande caça níqueis formado por aqui -, com sua generosa dose de catequese, nenhuma de bom senso e alguma de picaretagem pura. Quem estiver na fase de “transição” ou ”recolocação” e saiu espalhando currículos pela internet ou pensa em contratar um coach, deve ler – quem acha que pode chegar nesta fase também. É preciso, todavia, uma certa dose de relatividade. Primeiro a autora qualifica seu livro de jornalismo investigativo. No entanto, o fato de criar uma personagem fictícia, dar-lhe documentos falsos e embrenhar-se pelo promissor e maravilhoso mundo dos headhunters-pastores e ouvir deles o que todo o mundo corporativo já sabe que eles falam é pouco para honrar o título de investigação jornalística. Da mesma forma que não há consenso sobre a imagem de determinados executivos, chefes ou economistas, pode igualmente ser o caso de coachs ou headhunters. Seus personagens, embora estejam longe de ser exceção, ficam no campo do anedotário. Há testes e críticas do desempenho de sites de empresas de caça currículos, mas nenhum grande headhunter foi desmoronado. A autora escolhe aqueles treinadores que sobram para os colarinhos nem tão brancos assim. Alguns deles estão coachs, pois são também desempregados de colarinho-branco, o que compromete a amostra da pesquisa. Da mesma forma, faltam provas a justificar a desqualificação promovida, quase sempre, apenas à luz da opinião da autora. Sua empreitada jornalística também é discutível porque a personagem criada pela repórter carece de veracidade para chegar a termo. Nenhum profissional de nível médio ou executivo, no momento da demissão, deixa de herdar um grau de relacionamentos e conhecimentos de mercado – como a relaçõespúblicas protagonista – para avançar sobre outras vagas. Há

sempre uma herança profissional aí que foi ignorada pela autora e faz toda a diferença na procura de um novo emprego. Sua personagem ficou crua demais. Mas o trabalho de Ehrenreich só alcança sua plenitude aos olhos do leitor que concorde com suas teses tão pré-estabelecidas quanto a falta de sofrimento que acreditava pairar sobre a classe média no terreno do trabalho. A jornalista é aquele tipo de americano muito mais afeito à pobreza do que à riqueza, mas o máximo de posição ideológica de esquerda que consegue suportar é votar no Partido Democrata. Sua militância resume-se a fortalecer o capitalismo. Seu trabalho parte do pressuposto que a dificuldade de recolocação da mão-de-obra é fruto de uma política corporativa conservadora que só pensa em cortar custos e estabelece critérios subjetivos para contratação de pessoal – quem passa na peneira são os mais adestrados à filosofia empresarial. Ehrenreich defende que, na nova configuração do mundo corporativo, “impiedosos” atribuem o desemprego dos colarinhos-brancos a suas “más escolhas” e absolvem as empresas. A jornalista parte do princípio que ter um diploma ou ter assumido uma ou duas – ou três – vezes na vida um cargo de chefia é atributo que banha no Rio Jordão profissionais que – ela nunca levanta esta hipótese – podem ter-se mostrado incompetentes e mal preparados para o mercado de trabalho. E ainda: qual o papel do sistema educacional nisso tudo? É claro que Ehrenreich, com dedo em riste, cobra do “sonho americano” o aumento dessas chances de recolocação. Embora prometendo um livro sobre o desemprego de colarinho-branco, a autora fez apenas um bom relato sobre o mercado de coachs e headhunters, com histórias pitorescas – um deles faz analogia do comportamento do empregado com os bonecos de O mágico de Oz. Não há dados numéricos para sustentar sua tese de que pessoas qualificadas estão sem emprego.

Não há uma análise sobre o preparo dos executivos dos quais um país espera que tenham capacidade para descobrir seus papéis dentro do desafio de desenvolvimento econômico mundial. E, conseqüentemente, ter consciência de que depende deles – os que têm o poder de decisão - o desempenho das empresas e, deste o desenvolvimento, a criação de novas vagas e a diminuição da pobreza. Se os trabalhadores de níveis médio e alto se deparam em dificuldades para arrumar um novo emprego, se precisam de espertos que os façam maquiar currículos, culpar sua maneira de ser, repetir mantras de elevador antes da entrevista, fazer exercícios diante de espelho e trocar de roupas, algo de errado pode estar acontecendo no mundo corporativo. Mas também não se pode eximir de culpa – como faz a autora - os profissionais que, hoje, são os maiores consumidores de livros de auto-ajuda no mundo! Talvez a autora pudesse levantar a hipótese de que quando estão nas empresas, os trabalhadores de nível privilegiado acreditam piamente que por conhecerem teses frouxas como, por exemplo, a do líder servidor, garantiram sua segurança no mercado de trabalho. Só vão descobrir que falta alguma coisa em suas bibliotecas, quando estão à frente de um coach. Enquanto esse tipo de literatura _ que faz a cabeça das empresas e dos empregados ávidos em busca de um atalho ou de uma fórmula para suprir uma deficiência de formação _, impregnar o mundo corporativo, a sobrevivência dos personagens de Ehrenreich estará garantida no mercado de recolocação dos colarinhosbrancos.

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