Desenho hidráulico de uma antiga abadia de matriz beneditina. Notas preliminares acerca do Mosteiro de Refojos de Basto
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I SEMINÁRIO INTERNACIONAL “A ORDEM BENEDITINA, O PAPEL DOS MOSTEIROS E O PATRIMÓNIO DA UNESCO”
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ATAS
ATAS
CABECEIRAS DE BASTO
CABECEIRAS DE BASTO 9 | ABRIL | 2016
Desenho hidráulico de uma an ga abadia de matriz benedi na. Notas preliminares acerca do Mosteiro de Refojos de Basto
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de água potável até à descarga final dos efluentes domésticos e pluviais, são os abaixo descritos em síntese. Não pudemos confirmar a sua exatidão, pelos motivos supracitados e devido à ausência de sondagens arqueológicas, que aqui se solicitam172.
FIG. 1 - MOSTEIRO DE S. MIGUEL DE REFOJOS - VISTA DE POENTE
Captação e transporte de águas Não sabemos como foi, de início, o aprovisionamento hídrico à abadia cabeceirense, em condições que garantissem a sua sustentabilidade. Nem a toponímia antiga ou a tradição local, nem as pessoas mais idosas da zona, confirmam memórias ou referências a esse propósito. Julgamos que a primitiva disponibilização de água para consumo desta comunidade religiosa de vida estável tenha sido através de um poço ou nascente localizados na cerca abacial. Eles foram utilizados até que o aumento demográfico do mosteiro obrigou à realização de obras e infraestruturas hidráulicas adequadas e de valia técnica mais complexa e vultuosa para o abastecimento e distribuição canalizados, em qualidade e quantidade. Segundo as informações constantes no “Estado” de 1728, o Mosteiro de Refojos de Basto foi abastecido com água subterrânea corrente, explorada em dois aquíferos autónomos: – um, localizado na “cerca da recochina”, do qual “se pode levar [água] para a sacristia” e “para regar as hortas”. Para o transporte desta água, fez-se, no triénio de 1728-1731, um paredão na horta “capaz de trazer por
172 Os trabalhos de prospecção decorreram nos dias 2 e 3 de Junho de 2015 e tiveram o apoio técnico da ARQª INÊS GONÇALVES e do DR. ADELINO MAGALHÃES. Foram também de muita utilidade as informações orais prestadas por JOÃO MARTINS e DRA. FÁTIMA OLIVEIRA. A Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto garantiu os meios para esta pesquisa e a cedência de material cartográfico e fotográfico. Bem hajam, todos, pela empenhada ajuda, reflexão coletiva e generosa partilha de saberes!
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ele à cozinha e sacristia a água”. Apesar das várias diligências efetuadas, não conseguimos esclarecer nem situar a designada “cerca da recochina”, quer como microtopónimo quer como antropónimo; julgamos que ficava do lado oriental do mosteiro. – outro, na “cerca da eira”, que abastecia o “chafariz do claustro” e o “tanque do terreiro” (atual Praça da República), destinado aos transeuntes. Este olho estava à “altura de trinta palmos” do edifício conventual, pelo que o transporte da água se fazia por “aquedutos de pedra”, assentes num muro e ligados por poços de queda (o texto emprega o termo “pias”), distanciados “dez palmos” entre si, a fim de vencer o desnível do terreno. Os poços funcionavam também como caixas de decantação, onde se acumulavam os sedimentos da escorrência, devidos à erosão, além de permitirem a dissipação de energia da corrente. A água fresca proveniente da “cerca da eira” alcançava o mosteiro pela portaria e dirigia-se para o claustro, de onde era repartida pelos principais pontos de consumo quotidiano na área residencial. Acerca do sítio exato desta antiga captação, há referências algo explícitas, que estão ainda em curso de pesquisa, e que apontam para uma zona a ocidente do complexo abacial, na Ribeira. Para as outras atividades e necessidades comunitárias de água de menor padrão de potabilidade, mas que exigiam um potencial hídrico maior – irrigação da horta, acionamento de noras e moinhos, saneamento das latrinas, etc. –, os monges utilizavam o caudal de um regato, localmente conhecido pela ribeira de Penoutas, já existente ou escavado para o efeito. A ‘água levada’ circula ao ar livre, num canal que bordeja o cenóbio pelos lados sul e oriente, satisfazendo vários misteres de suporte à vida e à economia conventuais.
Distribuição de água potável No interior do mosteiro, os circuitos de abastecimento e distribuição canalizada de água límpida estão insuficientemente esclarecidos, por falta de informação arqueológica que dissipe em absoluto as dúvidas. Como se sabe, além das mudanças efetuadas nas canalizações primitivas, devido à reforma e à ampliação seiscentista do complexo monástico medieval, nomeadamente na área da cozinha, do refeitório e do dormitório, o claustro foi também muito revolvido com as obras de adaptação da abadia a diversas repartições administrativas e sociais, ao longo do último século. Com tais limitações, o nosso discernimento e proposta de reconstituição dos itinerários da água potável no espaço habitacional ficaram muito comprometidos. Baseámo-nos, unicamente, nos poucos testemunhos materiais ainda visíveis in situ, na leitura dos referidos “Estados” trienais para o Capítulo Geral e nos conhecimentos que dispomos acerca de outros modos eficientes de gestão hídrica domiciliária, segundo o programa habitual dos mosteiros de tradição beneditina medieva e moderna (Fig. 2).
FIG. 2 - PLANTA COM ANTIGA REDE HIDRÁULICA (RECONSTITUIÇÃO ESQUEMÁTICA)
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De acordo com o “Estado” de 1728, a água da “cerca da eira” que chegava ao claustro era repartida “para o chafariz” (hoje, desaparecido), e “do claustro vai dar ao esguiche do refeitório e daqui vai para a cozinha” nova. Perante esta descrição, o lavabo do refeitório dos monges173 e a cozinha eram abastecidos diretamente e sob pressão pelo chafariz do claustro ou, mais provavelmente, a partir de um tanque de distribuição da água fresca, instalado no interior de uma parede do claustro, com um ramal para o chafariz e outro para o refeitório e cozinha, igualmente em regime de pressão (Fig. 3).
FIG. 3 - MOSTEIRO DE S. MIGUEL DE REFOJOS - LAVABO DO REFEITÓRIO
Como se sabe, o escoamento sob pressão gravítica assegurava as condições hidrotécnicas entre os referidos chafariz do claustro ou a caixa distribuidora de água e os vários ramais de alimentação de água doce. Nestes termos, fica-nos a dúvida se a “cozinha nova” era ou poderia ser alimentada pelos dois aquíferos acima nomeados – o da “cerca da recochina” e o da “cerca da eira” –, porquanto as notícias dos “Estados” de 1728 e de 1731, ao referirem-se à captação da “cerca da recochina”, utilizam as palavras “se pode levar” e “capaz de trazer” água, respetivamente. Através do “Estado” de 1786, sabemos que houve alterações na rede de fornecimento hídrico ao mosteiro. A água passou a vir da “fonte do terreiro” para a cozinha dos monges e também para a cozinha da botica. Estas canalizações eram efetuadas em tubos de chumbo, conforme esclarece aquele relatório. Segundo referem alguns “Estados” trienais, o volume diário de água potável, fornecido à comunidade religiosa, era de “tanta abundância” que dispensou a existência de cisternas ou reservatórios para o seu armazenamento de emergência.
173 O atual lavabo do refeitório, que se destinava ao ritual de limpeza das mãos antes das refeições colectivas, já é referido no “Estado” de 1629. Este costume higiénico (lavatio manuum) manteve-se até ao Concílio Vaticano II, que o suprimiu.
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Evacuação de esgotos pluviais, domésticos e fecais As dificuldades de análise e interpretação retrospetiva do sistema excretor medieval decorrem das informações lacunares acerca do desenho primitivo do cenóbio cabeceirense. À falta de averiguações arqueológicas, que nos dêem uma resposta mais ampla e definitiva, como acima lembrámos, acreditamos que a rede de esgoto dos resíduos domésticos (chafariz do claustro, cozinha, lavabos do refeitório e da sacristia, etc. – Fig. 4) e pluviais afluía para o regato que contorna o edifício monástico, a sul e a nascente, e atravessava inferiormente o bloco das “secretas antigas”, outrora localizadas no sítio da “cozinha nova”, aumentando o seu volume e fluxo de descarga (Fig. 5).
FIG. 4 - MOSTEIRO DE S. MIGUEL DE REFOJOS - LAVABO DA SACRISTIA
FIG. 5 - MOSTEIRO DE S. MIGUEL DE REFOJOS - VISTA DE SUDESTE COM O RIBEIRO EM 1º PLANO
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Por este motivo, a nova cozinha, mais espaçosa, com forno e uma chaminé alta, está “fundada sobre um arco de pedraria”, fora do alinhamento geral da construção, o que era muito vantajoso, sobretudo, devido à ocorrência frequente de incêndios174. As primitivas latrinas, concebidas segundo as melhores regras higiossanitárias de então, localizavam-se na contiguidade do “dormitório velho”, e tinham acesso direto pelos respetivos corredores do sobrado da clausura. Os dejetos (fezes e urina) caíam no citado ribeiro, cujo fluxo de montante promovia a sua dissolução175. Importa referir, igualmente, que devido às condições hídricas do solo, sobretudo na área fronteira ao alçado nascente do mosteiro, houve necessidade de executar obras de drenagem, a fim de diminuir a progressiva humidade das paredes por ascensão capilar, bem como impedir eventuais processos de subsidência. Para o efeito, foram executadas obras de regularização e de afastamento do ribeiro, tanto quanto foi possível, como mostra a sua forma e traçado atual, e abertas diversas valas e canos de enxugo, para desviar as águas de precipitação acumuladas no amplo espaço claustral, que atravessam o refeitório dos monges, a sacristia e a antessacristia176.
Considerações finais Este trabalho preliminar, referente ao antigo abastecimento de água ao Mosteiro de São Miguel de Refojos, em Cabeceiras de Basto, não tem a pretensão de oferecer conclusões definitivas, embora tenha sido elaborado com o máximo rigor. Com efeito, ele foi muito dificultado e condicionado pela inexistência ou indigência de memórias documentais e de dados arqueológicos, sobretudo, quanto à identificação das primitivas infraestruturas hídricas que garantiam a salubridade do mosteiro. Elas auxiliavam, não só o entendimento genérico das obras hidráulicas desta secular instituição beneditina, mas também o da sua própria fábrica e espacialidade arquitetónica medieval, na qual se integravam ou articulavam e eram coetâneas. O saber hidrotécnico adquirido, misturado com alguma experiência de campo, permitiu-nos tecer breves considerações e sustentar alguns juízos e hipóteses, abertos para aplicação ou questionamento futuros que os validem ou corrijam, por demonstração factual segura. Tal circunstância reclama o prosseguimento mais aturado e interdisciplinar das nossas pesquisas acerca da sua conceção e verdade hidráulicas, objetivando a merecida visibilidade, reconhecimento e salvaguarda exemplar deste património histórico-cultural comum.
174 Com a construção do dormitório novo e da respetiva “necessaria”, edificados entre 1638 e 1662, mercê da ampliação do mosteiro para o lado norte, demoliram-se as antigas sentinas inodoras. Ver os “Estados” de 1638 e 1662. 175 Consulte-se, por exemplo, JOSÉ MANUEL DE MASCARENHAS, MARIA HELENA ABECASIS e VIRGOLINO FERREIRA JORGE (edits.), Hidráulica Monástica Medieval e Moderna, Fundação Oriente, Lisboa, 1996. 176 A este propósito, vejam-se os “Estados” referentes aos triénios de 1764, 1780, 1783, 1789, 1801 e 1807.
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