Desenho hidráulico de uma antiga abadia de matriz beneditina. Notas preliminares acerca do Mosteiro de Refojos de Basto

June 4, 2017 | Autor: Virgolino Jorge | Categoria: Hydraulics, Water resources, Agricultural Water Management, Water Resources Management, Irrigation water use efficiency, Hydraulic systems and structures, Hydraulic and Hydrology, Integrated Water Resources Management, Irrigation water Management, History of Medieval Technology, Water Management, Benedictine History, Water Supply, Recursos Hidricos, Aqueducts, Water use efficiency, Water and Sanitation, Water, Sanitation, and Hygiene, Irrigation and Drainage, Benedictines, Arqueología Hidráulica, Hidraulica, Architecture of Medieval Monasteries, HIDRÁULICA, HIDRÁULICA DE CANALES, Hydrology and water resources, Irrigation and Drainage Engineering, Water Use, Sanitation, Construcciones Hidraulicas, Agricultural Water Use, Hydraulique, Arquitectura Hidráulica, Abastecimento De água, Gestion De L'Eau, Watermill, Medieval Hydraulics, Hydraulic, Water Supply and Sanitation, Benedictine architecture, Ingeniería hidraulica, Hydrauliques, Water Sanitation and Hygiene, Ancient hydraulics systems, Medieval Hydraulics and Irrigation System, Traditional Uses of Water, Medieval Hydraulics, Medieval Benedictines, Benedictine Studies, Wasserversorgung, Hidraulika, Aménagements Hydrauliques, Sistemas Hidraulicos, Gestão das águas, Cabeceiras de Basto, Ordem Beneditina em Portugal, Mosteiro de Refojos de Basto, Hidráulica Monástica, Hydraulics Infrastructures, Hydraulic systems and structures, Hydraulic and Hydrology, Integrated Water Resources Management, Irrigation water Management, History of Medieval Technology, Water Management, Benedictine History, Water Supply, Recursos Hidricos, Aqueducts, Water use efficiency, Water and Sanitation, Water, Sanitation, and Hygiene, Irrigation and Drainage, Benedictines, Arqueología Hidráulica, Hidraulica, Architecture of Medieval Monasteries, HIDRÁULICA, HIDRÁULICA DE CANALES, Hydrology and water resources, Irrigation and Drainage Engineering, Water Use, Sanitation, Construcciones Hidraulicas, Agricultural Water Use, Hydraulique, Arquitectura Hidráulica, Abastecimento De água, Gestion De L'Eau, Watermill, Medieval Hydraulics, Hydraulic, Water Supply and Sanitation, Benedictine architecture, Ingeniería hidraulica, Hydrauliques, Water Sanitation and Hygiene, Ancient hydraulics systems, Medieval Hydraulics and Irrigation System, Traditional Uses of Water, Medieval Hydraulics, Medieval Benedictines, Benedictine Studies, Wasserversorgung, Hidraulika, Aménagements Hydrauliques, Sistemas Hidraulicos, Gestão das águas, Cabeceiras de Basto, Ordem Beneditina em Portugal, Mosteiro de Refojos de Basto, Hidráulica Monástica, Hydraulics Infrastructures
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I SEMINÁRIO INTERNACIONAL “A ORDEM BENEDITINA, O PAPEL DOS MOSTEIROS E O PATRIMÓNIO DA UNESCO”

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CABECEIRAS DE BASTO

CABECEIRAS DE BASTO 9 | ABRIL | 2016

Desenho hidráulico de uma an ga abadia de matriz benedi na. Notas preliminares acerca do Mosteiro de Refojos de Basto

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de água potável até à descarga final dos efluentes domésticos e pluviais, são os abaixo descritos em síntese. Não pudemos confirmar a sua exatidão, pelos motivos supracitados e devido à ausência de sondagens arqueológicas, que aqui se solicitam172.

FIG. 1 - MOSTEIRO DE S. MIGUEL DE REFOJOS - VISTA DE POENTE

Captação e transporte de águas Não sabemos como foi, de início, o aprovisionamento hídrico à abadia cabeceirense, em condições que garantissem a sua sustentabilidade. Nem a toponímia antiga ou a tradição local, nem as pessoas mais idosas da zona, confirmam memórias ou referências a esse propósito. Julgamos que a primitiva disponibilização de água para consumo desta comunidade religiosa de vida estável tenha sido através de um poço ou nascente localizados na cerca abacial. Eles foram utilizados até que o aumento demográfico do mosteiro obrigou à realização de obras e infraestruturas hidráulicas adequadas e de valia técnica mais complexa e vultuosa para o abastecimento e distribuição canalizados, em qualidade e quantidade. Segundo as informações constantes no “Estado” de 1728, o Mosteiro de Refojos de Basto foi abastecido com água subterrânea corrente, explorada em dois aquíferos autónomos: – um, localizado na “cerca da recochina”, do qual “se pode levar [água] para a sacristia” e “para regar as hortas”. Para o transporte desta água, fez-se, no triénio de 1728-1731, um paredão na horta “capaz de trazer por

172 Os trabalhos de prospecção decorreram nos dias 2 e 3 de Junho de 2015 e tiveram o apoio técnico da ARQª INÊS GONÇALVES e do DR. ADELINO MAGALHÃES. Foram também de muita utilidade as informações orais prestadas por JOÃO MARTINS e DRA. FÁTIMA OLIVEIRA. A Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto garantiu os meios para esta pesquisa e a cedência de material cartográfico e fotográfico. Bem hajam, todos, pela empenhada ajuda, reflexão coletiva e generosa partilha de saberes!

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ele à cozinha e sacristia a água”. Apesar das várias diligências efetuadas, não conseguimos esclarecer nem situar a designada “cerca da recochina”, quer como microtopónimo quer como antropónimo; julgamos que ficava do lado oriental do mosteiro. – outro, na “cerca da eira”, que abastecia o “chafariz do claustro” e o “tanque do terreiro” (atual Praça da República), destinado aos transeuntes. Este olho estava à “altura de trinta palmos” do edifício conventual, pelo que o transporte da água se fazia por “aquedutos de pedra”, assentes num muro e ligados por poços de queda (o texto emprega o termo “pias”), distanciados “dez palmos” entre si, a fim de vencer o desnível do terreno. Os poços funcionavam também como caixas de decantação, onde se acumulavam os sedimentos da escorrência, devidos à erosão, além de permitirem a dissipação de energia da corrente. A água fresca proveniente da “cerca da eira” alcançava o mosteiro pela portaria e dirigia-se para o claustro, de onde era repartida pelos principais pontos de consumo quotidiano na área residencial. Acerca do sítio exato desta antiga captação, há referências algo explícitas, que estão ainda em curso de pesquisa, e que apontam para uma zona a ocidente do complexo abacial, na Ribeira. Para as outras atividades e necessidades comunitárias de água de menor padrão de potabilidade, mas que exigiam um potencial hídrico maior – irrigação da horta, acionamento de noras e moinhos, saneamento das latrinas, etc. –, os monges utilizavam o caudal de um regato, localmente conhecido pela ribeira de Penoutas, já existente ou escavado para o efeito. A ‘água levada’ circula ao ar livre, num canal que bordeja o cenóbio pelos lados sul e oriente, satisfazendo vários misteres de suporte à vida e à economia conventuais.

Distribuição de água potável No interior do mosteiro, os circuitos de abastecimento e distribuição canalizada de água límpida estão insuficientemente esclarecidos, por falta de informação arqueológica que dissipe em absoluto as dúvidas. Como se sabe, além das mudanças efetuadas nas canalizações primitivas, devido à reforma e à ampliação seiscentista do complexo monástico medieval, nomeadamente na área da cozinha, do refeitório e do dormitório, o claustro foi também muito revolvido com as obras de adaptação da abadia a diversas repartições administrativas e sociais, ao longo do último século. Com tais limitações, o nosso discernimento e proposta de reconstituição dos itinerários da água potável no espaço habitacional ficaram muito comprometidos. Baseámo-nos, unicamente, nos poucos testemunhos materiais ainda visíveis in situ, na leitura dos referidos “Estados” trienais para o Capítulo Geral e nos conhecimentos que dispomos acerca de outros modos eficientes de gestão hídrica domiciliária, segundo o programa habitual dos mosteiros de tradição beneditina medieva e moderna (Fig. 2).

FIG. 2 - PLANTA COM ANTIGA REDE HIDRÁULICA (RECONSTITUIÇÃO ESQUEMÁTICA)

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De acordo com o “Estado” de 1728, a água da “cerca da eira” que chegava ao claustro era repartida “para o chafariz” (hoje, desaparecido), e “do claustro vai dar ao esguiche do refeitório e daqui vai para a cozinha” nova. Perante esta descrição, o lavabo do refeitório dos monges173 e a cozinha eram abastecidos diretamente e sob pressão pelo chafariz do claustro ou, mais provavelmente, a partir de um tanque de distribuição da água fresca, instalado no interior de uma parede do claustro, com um ramal para o chafariz e outro para o refeitório e cozinha, igualmente em regime de pressão (Fig. 3).

FIG. 3 - MOSTEIRO DE S. MIGUEL DE REFOJOS - LAVABO DO REFEITÓRIO

Como se sabe, o escoamento sob pressão gravítica assegurava as condições hidrotécnicas entre os referidos chafariz do claustro ou a caixa distribuidora de água e os vários ramais de alimentação de água doce. Nestes termos, fica-nos a dúvida se a “cozinha nova” era ou poderia ser alimentada pelos dois aquíferos acima nomeados – o da “cerca da recochina” e o da “cerca da eira” –, porquanto as notícias dos “Estados” de 1728 e de 1731, ao referirem-se à captação da “cerca da recochina”, utilizam as palavras “se pode levar” e “capaz de trazer” água, respetivamente. Através do “Estado” de 1786, sabemos que houve alterações na rede de fornecimento hídrico ao mosteiro. A água passou a vir da “fonte do terreiro” para a cozinha dos monges e também para a cozinha da botica. Estas canalizações eram efetuadas em tubos de chumbo, conforme esclarece aquele relatório. Segundo referem alguns “Estados” trienais, o volume diário de água potável, fornecido à comunidade religiosa, era de “tanta abundância” que dispensou a existência de cisternas ou reservatórios para o seu armazenamento de emergência.

173 O atual lavabo do refeitório, que se destinava ao ritual de limpeza das mãos antes das refeições colectivas, já é referido no “Estado” de 1629. Este costume higiénico (lavatio manuum) manteve-se até ao Concílio Vaticano II, que o suprimiu.

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Evacuação de esgotos pluviais, domésticos e fecais As dificuldades de análise e interpretação retrospetiva do sistema excretor medieval decorrem das informações lacunares acerca do desenho primitivo do cenóbio cabeceirense. À falta de averiguações arqueológicas, que nos dêem uma resposta mais ampla e definitiva, como acima lembrámos, acreditamos que a rede de esgoto dos resíduos domésticos (chafariz do claustro, cozinha, lavabos do refeitório e da sacristia, etc. – Fig. 4) e pluviais afluía para o regato que contorna o edifício monástico, a sul e a nascente, e atravessava inferiormente o bloco das “secretas antigas”, outrora localizadas no sítio da “cozinha nova”, aumentando o seu volume e fluxo de descarga (Fig. 5).

FIG. 4 - MOSTEIRO DE S. MIGUEL DE REFOJOS - LAVABO DA SACRISTIA

FIG. 5 - MOSTEIRO DE S. MIGUEL DE REFOJOS - VISTA DE SUDESTE COM O RIBEIRO EM 1º PLANO

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Por este motivo, a nova cozinha, mais espaçosa, com forno e uma chaminé alta, está “fundada sobre um arco de pedraria”, fora do alinhamento geral da construção, o que era muito vantajoso, sobretudo, devido à ocorrência frequente de incêndios174. As primitivas latrinas, concebidas segundo as melhores regras higiossanitárias de então, localizavam-se na contiguidade do “dormitório velho”, e tinham acesso direto pelos respetivos corredores do sobrado da clausura. Os dejetos (fezes e urina) caíam no citado ribeiro, cujo fluxo de montante promovia a sua dissolução175. Importa referir, igualmente, que devido às condições hídricas do solo, sobretudo na área fronteira ao alçado nascente do mosteiro, houve necessidade de executar obras de drenagem, a fim de diminuir a progressiva humidade das paredes por ascensão capilar, bem como impedir eventuais processos de subsidência. Para o efeito, foram executadas obras de regularização e de afastamento do ribeiro, tanto quanto foi possível, como mostra a sua forma e traçado atual, e abertas diversas valas e canos de enxugo, para desviar as águas de precipitação acumuladas no amplo espaço claustral, que atravessam o refeitório dos monges, a sacristia e a antessacristia176.

Considerações finais Este trabalho preliminar, referente ao antigo abastecimento de água ao Mosteiro de São Miguel de Refojos, em Cabeceiras de Basto, não tem a pretensão de oferecer conclusões definitivas, embora tenha sido elaborado com o máximo rigor. Com efeito, ele foi muito dificultado e condicionado pela inexistência ou indigência de memórias documentais e de  dados arqueológicos, sobretudo, quanto à identificação das primitivas infraestruturas hídricas que garantiam a salubridade do mosteiro. Elas auxiliavam, não só o entendimento genérico das obras hidráulicas desta secular instituição beneditina, mas também o da sua própria fábrica e espacialidade arquitetónica medieval, na qual se integravam ou articulavam e eram coetâneas. O saber hidrotécnico adquirido, misturado com alguma experiência de campo, permitiu-nos tecer breves considerações e sustentar alguns juízos e hipóteses, abertos para aplicação ou questionamento futuros que os validem ou corrijam, por demonstração factual segura. Tal circunstância reclama o prosseguimento mais aturado e interdisciplinar das nossas pesquisas acerca da sua conceção e verdade hidráulicas, objetivando a merecida visibilidade, reconhecimento e salvaguarda exemplar deste património histórico-cultural comum.

174 Com a construção do dormitório novo e da respetiva “necessaria”, edificados entre 1638 e 1662, mercê da ampliação do mosteiro para o lado norte, demoliram-se as antigas sentinas inodoras. Ver os “Estados” de 1638 e 1662. 175 Consulte-se, por exemplo, JOSÉ MANUEL DE MASCARENHAS, MARIA HELENA ABECASIS e VIRGOLINO FERREIRA JORGE (edits.), Hidráulica Monástica Medieval e Moderna, Fundação Oriente, Lisboa, 1996. 176 A este propósito, vejam-se os “Estados” referentes aos triénios de 1764, 1780, 1783, 1789, 1801 e 1807.

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