Desenvolvendo (com) novas parcerias: Banco Mundial, Brasil e entidades privadas

May 28, 2017 | Autor: A. Magalhães Barata | Categoria: Desenvolvimento sustentavel, Banco Mundial
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3º Seminário de Relações Internacionais da ABRI Repensando interesses e desafios para a inserção internacional do Brasil no século XXI

Florianópolis, dias 29 e 30 de setembro

Instituições e Regimes Internacionais

DESENVOLVENDO (COM) NOVAS PARCERIAS: BANCO MUNDIAL, BRASIL E ENTIDADES PRIVADAS

Ana Laura Magalhães Barata Mestranda em Relações Internacionais na Universidade Federal de Uberlândia

Maria Bragaglia Mestranda em Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

DESENVOLVENDO (COM) NOVAS PARCERIAS: BANCO MUNDIAL, BRASIL E ENTIDADES PRIVADAS

Resumo

Desde 1949, o Grupo Banco Mundial financiou 520 projetos para o desenvolvimento brasileiro nos setores de agricultura, saúde, infraestrutura, entre outros. A partir de uma análise histórica desses projetos, em que 60 são ativos, 40 finalizados, 28 abandonados e outros dois em andamento, já considerando que os demais estão fechados, pode-se observar que a atuação de uma organização internacional como o Banco Mundial em um país como o Brasil não só é dinâmica e transformadora, como sofreu mudanças de escopo com o passar dos anos – os projetos que eram majoritariamente voltados para áreas de infraestrutura se tornaram mais enfáticos na promoção do desenvolvimento sustentável, por exemplo. Mais que isso, essas mudanças refletiram, simultaneamente, cada momento presidencial do país, especialmente no que concerne às diretrizes de política econômica, e cada alteração dos propósitos da própria instituição, cujos objetivos centrais foram gradualmente modificados de acordo com as carências dos países que precisavam de financiamento. Os anos 1970, em que a organização se encontrava sob a presidência de McNamara, marcaram uma nova fase de atuação da instituição a partir de uma ampliação do conceito de desenvolvimento que a norteava. Desde então, é notória a participação crescente de atores governamentais subnacionais, públicos e privados, na requisição, estruturação e efetivação desses projetos, que agora contam com abordagens visivelmente multisetoriais e com plenajamentos de maior valor agregado. Com o intuito de compreender como tais projetos mais complexos são viabilizados no Brasil, far-se-á um estudo de caso do projeto denominado “Green Pig Iron Project”, voltado para a venda de crédito de carbono por meio de uma empresa sediada em Belo Horizonte. Pretende-se entender os termos em que se dá o relacionamento entre a organização e o Brasil enquanto dois autores autônomos, como também entre a organização e um ator privado doméstico de forma a agir em coalização com os objetivos de ambos.

Palavras-chave: Banco Mundial; projetos para desenvolvimento; desenvolvimento brasileiro

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Introdução

Analisar a atuação de uma organização internacional em qualquer país implica necessariamente em compreender como tal relação é dinâmica e transformadora, seja devido à cada momento político e econômico vivido pelo Estado ou às mudanças de objetivos centrais da própria organização em questão. A relação entre o Grupo Banco Mundial e o Brasil não é diferente. Desde a sua criação em 1945 na Conferência de Bretton Woods, o Banco Mundial, então denominado BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) e que tinha por objetivo a reconstrução dos países europeus no pós-Segunda Guerra Mundial, sofreu algumas mudanças de expertise (Guimarães, 2010). Nas décadas que se seguiram, seu propósito foi sendo adaptado de acordo com as carências dos demais países que precisavam financiar seu desenvolvimento, propiciando o surgimento de organizações posteriores ao BIRD, como a AID (Associação Internacional do Desenvolvimento), a SFI (Sociedade Financeira Internacional), a AMGI (Agência Multilateral de Garantia de Investimentos) e o CIADI (Centro Internacional para Arbitragem

de Disputas)1.

Nesse meio tempo,

a estratégia de

desenvolvimento brasileiro também passou por modificações, já que o país vivenciou um período de transformação da República Federativa, por uma ditadura militar, e por um processo de redemocratização2. Uma das formas de se apreender como tais mudanças se consolidaram na relação estabelecida entre os dois atores internacionais é por meio da análise do escopo dos projetos de desenvolvimento por eles realizados. Desde o primeiro projeto na área de energia e telefonia em 1949, o que hoje chamamos de Grupo Banco Mundial financiou 520 projetos para o Brasil em setores como agricultura, saúde, infraestrutura, entre outros. É interessante perceber que ao longo da trajetória na mudança de enfoque tanto nos objetivos domésticos brasileiros quanto na ideologia da organização internacional, os projetos que eram majoritariamente voltados para áreas de infraestrutura se tornaram mais enfáticos no desenvolvimento sustentável através de políticas em favor do clima, redução do efeito estufa e vendas de crédito de carbono. O Banco 1

Essas agências, em conjunto, formam o que hoje é denominado Grupo Banco Mundial. A Proclamação da República do Brasil aconteceu no dia 15 de novembro de 1930. O período que se estende desde 1946 até 1964 com o Golpe Militar é chamado de Quarta República. Sem focar diretamente nas eras presidenciais destes períodos, mas ainda fazendo uma analogia necessária para se entender melhor a pesquisa, é interessante destacar que cada um destes processos políticos possui características distintas, não somente pela ideologia política que representaram, mas por criarem estratégias de desenvolvimento interno independentes entre si. 2

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que antes direcionava recursos para projetos separados setorialmente, começou a se preocupar com planejamentos de maior valor agregado e abordagem multisetorial (Costa et al. 2014), tornando mais inclusiva a participação tanto de municípios e estados federativos no financiamento de projetos, quanto de empresas privadas na sua execução. É nesse ponto que há uma complexificação do relacionamento entre o Brasil, país em desenvolvimento, e o Banco Mundial, agente financiador internacional. O envolvimento de outras instâncias subnacionais, públicas e privadas, na requisição, estruturação e efetivação desses projetos acaba por influenciá-los diretamente, uma vez tais instâncias são dotadas de capacidades decisórias. Partindo do pressuposto de que o Banco Mundial é um vocalizador da ideologia de desenvolvimento internacional vigente, acredita-se que a atuação desses agentes subnacionais acaba por representar um mecanismo adicional na promoção de uma convergência de interesses não só entre entre o setor público e privado nacionais, como também entre o discurso desenvolvimentista nacional e a internacional. A expectativa é que esses interesses, quando de natureza contrastantes, venham a se acomodar de forma que nenhuma das partes saia desproporcionalmente ignorada ou prejudicada, principalmente no que concerne à meta desenvolvimentista delineada pelo Estado enquanto política nacional unificada. Contudo, o que se observa a partir dos anos 90 é uma convergência de interesses dotada de caráter de obrigatoriedade – já que a aprovação do financiamento de projetos pelo Banco Mundial está atrelada a essa prévia concordância –, na qual a crescente participação de atores subnacionais privados tem atuado em favor das exigências da organização internacional e de seus fundos de investimento, contribuindo para a concessão de benefícios por parte do Estado. Sendo assim, o objetivo desse artigo é entender, a partir do estudo de caso do projeto denominado “Green Pig Iron Project”, os termos em que se dá o relacionamento entre o Banco Mundial e o Brasil enquanto dois autores autônomos, como também entre a organização e um ator privado doméstico que aparentemente busca agir em coalização com os objetivos de ambos. Para tanto, este trabalho se dividirá em outras quatro seções. A primeira se destinará a fazer um breve relato histórico acerca do relacionamento entre Brasil e Banco Mundial, tendo por base uma análise dos projetos desenvolvidos entre eles. O intuito é de melhor assimilar as principais mudanças que tal relação sofreu ao longo das décadas sem perder de vista qualquer alteração concomitante na postura desenvolvimentista dos dois atores. A segunda seção trará o estudo de caso, explicando esse projeto em específico enquanto um representante da problemática geral aqui trazida. A seção seguinte tratará de possíveis abordagens teóricas sob as quais analisar esse estudo de caso, deixando visível o caráter de work in progress desta 4

pesquisa, que ainda está em andamento. Por fim, a última seção abarca as considerações finais até então obtidas, deixando em aberto alguns questionamentos para debate. O relacionamento entre Brasil e Banco Mundial: projetos desenvolvidos

A base de dados elaborada pelo próprio Banco Mundial permite realizar um mapeamento dos projetos desenvolvidos pela organização internacional no país tendo por base os setores da economia por eles beneficiados. Uma vez priorizadas as informações setoriais como variáveis de referência, faz sentido analisar tais projetos em blocos, seguindo a temporalidade da política brasileira e os ditames de política econômica característico de cada momento histórico. Nesse sentido, a primeira leva de projetos a serem considerados são aqueles aprovados entre os anos de 1949 e 1964, marcado pelo golpe militar. Nesse período, apenas 12 projetos foram financiados pelo Banco Mundial, sendo que todos eles se dedicam ao setor de infraestrutura – nove deles à infraestrutura de geração elétrica, como mostra a tabela a seguir. Tabela 1 – Projetos financiados pelo Banco Mundial (1949-1964)

Fonte: http://www.worldbank.org/en/country/brazil/projects/all (Elaboração própria)

Essa ênfase setorial condiz com as prioridades das políticas de desenvolvimento nacional, já que durante a Quarta República (1946-1964) o Brasil passava por um processo de estruturação interna, com presidentes como Juscelino Kubitscheck, cuja política interna tinha dentre outros objetivos desenvolver a planta produtiva nacional através de planos de metas enraizados do processo de substituição de importação (BORIS, 2009). Já a relativa escassez

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de projetos financiados pelo Banco Mundial3 no país pode ser explicada pelo próprio foco da organização: recém-criada, tinha por objetivo majoritário auxiliar na reconstrução dos países europeus, de forma que no Brasil e em outros países do Terceiro Mundo sua atuação ainda era incipiente (MELLO, 2008). É no começo da década de 1960 que o Banco Mundial começa a direcionar com mais intensidade seu discurso de desenvolvimento para os países considerados de Terceiro Mundo, denotando o desprendimento da organização para com sua função inaugural. Nessa nova fase, o Banco Mundial ampliou fortemente o financiamento a grandes projetos de infraestrutura, pois este era considerado o pilar do desenvolvimento nos discursos da organização. Com foco estritamente econômico, a maioria dos empréstimos realizados nesta época foram destinados ao setor de infraestrutura em transporte e energia (MELLO, 2008). Assim, a preferência pelo financiamento de projetos no setor, já perceptível nos anos 1950, se ampliou ao longo da década seguinte. Esse impulso ao setor de infraestrutura concedido pelo Banco Mundial mais uma vez coincidiu com as diretrizes de política econômica brasileira, agora sob o comando do governo dos militares. O Golpe de 1964 no Brasil que deu início a uma era de Ditadura Militar cujas características econômicas de estabilização em conjunto com transformações institucionais deram início ao “milagre econômico”. Entre 1968 e 1973 o Brasil crescia em torno de 10% ao ano, consequência da sinergia entre o PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo) e sua estratégia de abertura comercial com a alta liquidez internacional e o crescimento do comércio mundial (GIAMBIAGI ET AL., 2011). Essa onda de crescimento brasileiro da década de 1970 aparentemente havia encontrado mais apoio em um Banco Mundial sob a administração de McNamara. De 1968 em diante, a organização internacional começou a diversificar sua influência e estratégia de financiamento, deslocando o foco de setores estritamente ligados ao desenvolvimento de infraestrutura e direcionando recursos para projetos voltados à melhoria da agricultura, da saúde e da educação. Com a redefinição do conceito de desenvolvimento defendido pela organização, que passava a significar algo além de simples crescimento econômico, a pobreza passa a figurar como principal preocupação no discurso organizacional após duras críticas dirigidas ao BIRD como uma organização multilateral promotora de um padrão de desenvolvimento econômico concentrador e excludente (PEDREIRA, 2006).

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Os empréstimos então eram concedidos para projetos específicos através do BIRD (MELLO, 2008)

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Os dados estatísticos disponibilizados pelo Banco Mundial demonstram que de 1965 a 1979 foram realizados 92 projetos em parceria com o Brasil. A priori, eles podem ser separados entre projetos de cunho social, educacional, de desenvolvimento agrícola, de crédito e de infraestrutura. Entretanto, a proposta de alguns deles acaba por abarcar mais de uma divisão setorial, levando à contabilização de um mesmo projeto por mais de uma vez na base de dados da organização. Tendo isso em mente, a proporção setorial aproximada dos projetos do período em questão podem ser visualizadas no gráfico a seguir. Gráfico 1 – Setores abarcados pelos projetos (1965-1979)

Setores abarcados pelos projetos (1965-1979) - % 11,5

20,7

Agronegócio Crédito

3,45 2,3

Educação Infraestrutura

62

Social

Fonte: http://www.worldbank.org/en/country/brazil/projects/all (Elaboração própria)

Como se pode perceber, têm-se pela primeira vez na história de relacionamento entre os dois atores projetos de cunho social e educacional. Contudo, a maioria deles ainda se concentra em infraestrutura, o que demonstra que, pelo menos no caso do Brasil, a mudança de postura do Banco Mundial foi mais discursiva do que prática. Os anos 1980 não reverteram essa tendência. O “milagre econômico” acabou se convertendo em “década perdida” com a crise de endividamento externo brasileiro e uma má gestão econômica que favoreceu o surgimento de altíssimos processos inflacionários. Nesse contexto, a estratégia do Banco Mundial majoritariamente vinculada ao desenvolvimento como resultado de melhoria no segmento de infraestrutura é substituída por um novo viés. Foram aprovados novos projetos voltados para a melhoria do balanço de pagamentos para o Brasil e para demais países que estivessem em situação semelhante. A ideologia que pairava o mercado era baseada no liberalismo econômico e no Estado mínimo, de forma que os projetos que predominaram nesta época foram aqueles voltados ao ajuste estrutural visando fomentar o grau de investimento direto externo no país. Mais uma vez, dentre os 99 projetos realizados, o setor de infraestrutura é predominante e o aumento de projetos do setor educacional e de 7

crédito permanece marginal; porém, o setor social apresenta expressivo aumento, como mostra o gráfico abaixo. Gráfico 2 - Setores abarcados pelos projetos (1980-1990)

Setores abarcados pelos projetos (1980-1990) - % 6,06 4,04

Infraestrutura Social

17,2 43,5

Agronegócio Crédito Educação

29,3 Fonte: http://www.worldbank.org/en/country/brazil/projects/all (Elaboração própria)

O início dos anos 1990 foi marcado pelo processo de redemocratização em meio a um cenário de hiperinflação e instabilidade monetária. O governo brasileiro se dedicou em criar uma nova moeda e fomentar o desenvolvimento econômico nacional. Surgiram novos investimentos no setor industrial e o Estado passou a buscar eficiência em melhores alocações de recursos. Durante esta década, o Brasil se transformava em uma economia mais aberta, com maior integração com o resto do mundo (PINHEIRO ET AL., 1999) e seguia a ideologia neoliberal propagada pelo sistema internacional. Neste interim, o Banco Mundial alterou outra vez sua estratégia de atuação. A política de empréstimos se transformou em política de ajustes estruturais, fazendo com que os investimentos fossem direcionados para projetos de mudanças institucionais por meio da Estratégia de Assistência ao País (EAP). Com ela vieram os incentivos ao setor privado e a coordenação do Banco Mundial em criar parcerias técnicas com outras organizações internacionais. Na década de 90, os 81 projetos do Banco Mundial no Brasil podem ser divididos da seguinte forma:

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Gráfico 3 – Setores abarcados pelos projetos (1990-1999):

Setores abarcados pelos 6 projetos (1990-1999) - % 19

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Agronegócio 1

Educação Crédito Infraestrutura

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Meio Ambiente Social 35

Fonte: http://www.worldbank.org/en/country/brazil/projects/all (Elaboração própria)

De acordo com estes dados, ainda que o setor de infraestrutura tenha sido o de maior enfoque dos projetos, a distribuição setorial dentre eles foi mais equânime. O setor de educação ganhou destaque devido aos projetos voltados para os estados da região norte e nordeste, o social permaneceu como setor de relevância e pela primeira vez houve um volume suficiente de projetos relacionados ao meio ambiente para que este se destacasse enquanto categoria setorial de mesmo montante da educação. Os anos 2000 se consolidaram enquanto uma continuidade dos planos econômicos bem sucedidos dos anos 1990. O tripé macroeconômico4 posto como meta para estabilidade da moeda Real era mantido pelo novo governo e dava espaço para estratégias de desenvolvimento aquém da estruturação econômica. Este período absorveu as características do partido que entrava em vigor através do governo Lula, quando mudanças substanciais aconteceram nos eixos fundamentais da política. Durante dois mandatos, o desenvolvimento doméstico passou a ser pautado na diminuição da pobreza e melhoria na distribuição de renda por meio de programas sociais (CURADO, 2011). No que concerne à coordenação de interesses do Brasil com agências internacionais a exemplo do Banco Mundial, a elaboração de Planos Plurianuais (PPA)5, iniciados no mesmo período, facilitou o entendimento das

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O tripé macroeconômico é formado pelas metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário . São características da formação do Plano Real 5 Planos Plurianuais são planos de médio prazo que estabelecem metas a serem seguidas pelo Governo Federal, Estadual ou Municipal ao longo do período de quatro anos previstos no artigo 165 da Constituição Federal e regulamentada pelo Decreto 2.829 de 29 de outubro de 1998. O primeiro Plano Plurianual começou no ano 2000, e os planos podem ser visitados em http: / / www12.senado.leg.br/ orçamento/ppa

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necessidades do país, visto que o objetivo de um PPA é a promoção da erradicação de problemas específicos (COSTA ET AL., 2014). Paralelamente, nesse período o Banco Mundial modificou mais uma vez a sua forma de atuação nos países em desenvolvimento. Os empréstimos passaram a ser direcionados para reformas políticas sociais, principalmente no setor financeiro e na administração do setor público. Tal mudança buscou promover uma maior autonomia dos países na condução dos próprios projetos (COSTA, 1998), ainda que essa autonomia não refletisse na mesma medida em relação à estruturação desses mesmos projetos. Foram desenvolvidos e finalizados 129 projetos no período de 2000 a 2009, dado que reflete o maior engajamento do país em relação às organizações internacionais, um fator característico da administração governamental em questão. Quanto à distribuição setorial desses projetos, pode-se perceber traços de continuidade com o período anterior, se mantendo notória a expansão de projetos voltados ao meio ambiente. Gráfico 4 – Setores abarcados pelos projetos (2000-2009) - %

Setores abarcados pelos projetos (2000-2009) - % 44 59

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Infraestrutura Educação Crédito Meio Ambiente Social

6

Fonte: http://www.worldbank.org/en/country/brazil/projects/all (Elaboração própria)

Por fim, restam os projetos que se iniciaram nos anos 2000 e na década seguinte e ainda não foram finalizados. Um desses projetos é o “Plantar Green Pig Iron Project”, aprovado em 04/09/2002 e que constitui o estudo de caso deste trabalho. São ao todo 60 projetos, cuja distribuição por setores abarcados se dá conforme relata o gráfico seguinte. Nele, projetos em meio ambiente, infraestrutura e questões sociais praticamente se equiparam, enquanto a área da educação aparece defasada em relação ao período anterior.

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Gráfico 5 – Setores abarcados pelos projetos (2002-2016) - %

Setores abarcados pelos projetos (2002-2016) - % 1 18

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Educação Meio Ambiente Social Infraestrutura

20 Fonte: http://www.worldbank.org/en/country/brazil/projects/all (Elaboração própria)

Estudo de Caso: Plantar Green Pig Iron Project

Pode-se perceber que o discurso em torno do desenvolvimento sustentável se tornou cada vez mais encorpado ao longo da trajetória dos projetos financiados pelo Banco Mundial. Tal processo culminou com o surgimento do primeiro fundo internacional criado para direcionar recursos para projetos especificamente voltados à redução de emissão de gases do efeito estufa em abril de 2000. O denominado Prototype Carbon Fund (PCF) surgiu com o intuito de favorecer os países engajados em projetos voltados para o desenvolvimento sustentável. Pretendia-se que com a ajuda adicional do Banco Mundial esses países teriam tanto a oportunidade de ter cotas de financiamento para projetos na área, quanto de aprender a desenvolver estruturas para este feitio através do mecanismo learn by doing6 com parcerias entre o setor público e privado. Assim, o fundo tem a função de direcionar investimentos de organismos privados e estatais exclusivamente para projetos que estejam de acordo com o Protocolo de Kyoto, com o Joint Implementation7 e com os Mecanismos do Desenvolvimento Limpo, características derivadas da Convenção das Nações Unidas sobre mudanças no clima (em inglês, United Nations Framework Convention on Climate Change).

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Expressão em inglês que significa “aprender fazendo”. Termo definido a partir do Artigo 6 do Protocolo de Kyoto, que permite que um país industrializado adquira créditos de carbono ao pagar por projetos que reduzem a emissão do gás em outro país também industrializado 7

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Já em 2004, o Banco Mundial ampliou a iniciativa e criou o Bio Carbon Fund (BioCF) para atuar na alocação de recursos para projetos que prezavam pela melhoria do uso da terra, ou seja, para priorizar financiamentos a agricultores menores que atuam na transformação de determinadas áreas a partir de parcerias com o setor público e privado. O objetivo deste fundo, então, é mobilizar recursos e financiar a infraestrutura necessária para o plantio de pequenas áreas rurais em que exista um cuidado com o ciclo do carbono, desde seu sequestro até a sua venda. A empresa Plantar S.A., localizada na cidade de Belo Horizonte, teve a inciativa de alinhar seu objetivo de plantação com a ideologia de Desenvolvimento Sustentável aclamada no discurso do Banco Mundial. Enquanto agente privado, ela participa da condução do Plantar Green Pig Iron Project, que por sua vez cujo objetivo é reduzir a emissão dos gases que geram o efeito estufa, sendo um exemplo a ser seguido pelos projetos predecessores do mesmo nicho. O Banco Mundial utiliza do Fundo Bio Carbon Fund como instrumento para emprestar os recursos necessários para o desenvolvimento deste projeto, que engloba aspectos do setor florestal e energia renovável. O Grupo Plantar é uma empresa brasileira, fundada em 1967 com foco no negócio de silvicultura, sendo hoje uma referência de empresa do setor florestal brasileiro. Foi responsável pela emissão dos primeiros Créditos de Carbono Florestais (tCERs) do mundo, emitidos com base no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

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Especificamente no Green Pig Iron Project, o projeto foca em plantar 23.000 hectares de Eucalyptus urograndis em três municípios de Minas Gerais, incluindo o plantio de árvores clones, na ideia de alcançar melhor produtividade no menor espaço de terra possível, e o plantio é estruturado para otimizar o uso de água e dizimar os impactos do solo.9 A tradução literal de Pig Iron é Ferro gussa, um mineral produzido através da redução de minério de ferro com a queima do carvão e calcário, utilizado para obter ligas entre ferro e aço.

Abordagens teóricas em perspectiva: o estudo de caso em análise O estudo de caso demonstra não só o surgimento de novos organismos relevantes no cenário internacional, representados pelos fundos de investimento e por empresas privadas não necessariamente multinacionais, mas também a importância crescente da atuação desses 8

Todas as informações sobre o Grupo Plantar podem ser encontradas através do site da empresa http://www.plantar.com.br/institucional/nossa-historia/ 9 As informações sobre o projeto são públicas e podem ser encontradas na base de dados do site do Banco Mundial através do link: http://documents.worldbank.org/curated/pt/340351468015009711/pdf/577780ISDS0P12174B0LCR1ISDS1P12063 7.pdf

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atores em novas arenas de política internacional, ampliando agendas como a do desenvolvimento sustentável. Percebe-se, portanto, uma necessidade de inclusão e participação ativa e legítima dos atores não estatais no processo de regulação internacional do meio ambiente, promovendo, inclusive, a efetividade da Governança Ambiental Global (ANDRADE, 2009) a partir da efetivação de projetos que contam com a cooperação não só interestatal, mas entre o setor público e privado. Nesse sentido, qualquer perspectiva teórica que venha a dar conta do objeto de estudo deve conter pressupostos que: (a) admitam a relevância dessa pluralidade de atores no cenário internacional, ainda que o Estado possa ser visto como o principal deles, e reconheça os vários meios pelos quais eles possam se relacionar; (b) encare os temas da agenda internacional como múltiplos, na qual a sustentabilidade ambiental é encarada com seriedade e a força militar nem sempre como o instrumento mais efetivo; (c) veja a cooperação em diferentes níveis como resultante desejada e até mesmo provável em um contexto de interdependência. Dentro do arcabouço teórico das Relações Internacionais, o institucionalismo neoliberal de Keohane e Nye (1977) é automaticamente referenciado para lidar de assuntos como o aqui tratado justamente por partilhar desses pressupostos e por muitas vezes ter constituído a base teórica de obras posteriores que vieram a aprofundar os estudos acerca dos regimes e organizações internacionais. Sendo assim, qualquer análise deste estudo de caso não pode negligenciar essa corrente teórica e suas contribuições ao tema. Contudo, compreender a hipótese da qual parte o trabalho implica em deter uma visão mais crítica das relações internacionais e das contribuções teóricas que compõem seu mainstream. É nesse ponto que as perspectivas teóricas críticas da área de Economia Política Internacional, bem delineadas por Gilpin (1987), aparecem como meio eficaz para se apreender como essa ideologia econômica neoliberal internacional foi histórica e estrategicamente concebida a partir dos anos 1970, qual o papel que as instituições de Bretton Woods receberam nessa nova ordem, como se deu a estruturação das relações produtivo-econômicas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, e as demais consequências geradas por um mundo em que os ditames de um processo internacional de financeirização econômica reinam como imperativo entre os agentes que dele participam.

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Considerações Finais

Espera-se que esse estudo de caso seja capaz de ilustrar como o relacionamento entre órgãos internacionais e Estados têm se complexificado com o passar dos anos no que concerne à realização de projetos que visam o desenvolvimento. Isso se deve principalmente à três fatores: à evolução das áreas de enfoque de projetos a partir da amplificação do conceito de desenvolvimento – incluindo o sustentável –; à multiplicação de agentes financiadores; e ao envolvimento crescente de organismos públicos e privados nacionais sem os quais tais projetos não se concretizam. Em conjunto, esses fatores implicam em uma maior variedade de interesses envolvidos nesses projetos, pois cada um dos atores envolvidos em cada um dos oito níveis de implementação pelos quais esses projetos passam quando se trata da cooperação entre Brasil e Banco Mundial são dotados de algum nível de independência e de voz no processo. A questão está em saber se essas vozes acabam por definir um discurso institucional de política econômica unificado, ainda que ele seja passível de sofrer episódios de interesses particulares contrastantes. Mais do que isso, procura-se verificar se esse discurso unificado, caso exista, está em consonância com a postura ideológica internacional propagada e representada pelas grandes instituições internacionais e, assim sendo, se essa consonância emana de uma verdadeira política de Estado em suas várias instâncias representativas ou se ela é fruto de uma participação crescente de órgãos da iniciativa privada que acabam por exercer influência e pressão em favor da ideologia econômica liberal internacional que os beneficia. Acredita-se que o envolvimento de organizações privadas nacionais na implementação de projetos do Banco Mundial se justifique perante vantagens práticas que elas oferecem: sua orientação voltada às diretrizes de mercado pode signficar uma maior habilidade em gerenciar fundos financeiros sem sofrer grandes influências dos trâmites da política nacional, diminuindo custos de transação especialmente com burocracia e sendo, portanto, mais eficientes que demais organizações públicas nacionais. Como consequência direta, essas organizações privadas se tornam fortalecidas no cenário político e econômico nacional, aumentando seu poder de barganha e ganhando maior proeminência em relação às empresas estatais. Constitui-se, assim, uma relação na qual essas empresas privadas reproduzem e reforçam a ideologia econômica internacional, que cada vez mais robustecida acaba por privilegiar esses agentes no cenário nacional de forma com que eles possam moldar ou transpor políticas econômicas contrárias à sua atuação e à de organizações internacionais semelhantes. 14

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