Desenvolvimento de um Sistema de Informação para a Aplicação do Processo de Enfermagem

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Desenvolvimento de um Sistema de Informação para a Aplicação do Processo de Enfermagem Sergio M. Freire1, Patrícia S.C. Fuly2, Rosimary T. Almeida2 1

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Disciplina de Informática Médica/FCM/UERJ, Rio de Janeiro, Brasil Programa de Engenharia Biomédica/COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil

Resumo - Este trabalho visa a desenvolver um protótipo de um sistema de informação para a aplicação do processo de enfermagem, que é um método para organização e prestação de assistência ao paciente. As enfermeiras-chefes de 27 centros de tratamento intensivo do estado do Rio de Janeiro foram entrevistadas para se conhecer a utilização do processo de enfermagem e obter requisitos para o modelo. A Linguagem de Modelagem Unificada (do inglês Unified Modeling Language – UML) foi usada na construção do modelo. Este modelo utilizou a representação Entidade-Atributo-Valor (EAV) para a fase histórico do processo de enfermagem, e a Classificação Internacional da Prática de Enfermagem (CIPE) para as fases diagnóstico, planejamento, implementação e evolução. As entrevistas revelaram a ausência do processo de enfermagem nas unidades. O modelo tem como principais características: flexibilidade, permitindo a sua utilização em diferentes cenários, e a aplicação de um vocabulário padronizado para descrever o processo de enfermagem. A implementação final do sistema e a sua implantação em uma unidade tornará possível o uso do processo de enfermagem não somente na assistência ao paciente como também na avaliação da qualidade dessa assistência. Palavras-Chave: sistema de informação, processo de enfermagem, linguagem de modelagem unificada. Abstract - This work aims at developing a prototype of an information system for the utilization of the nursing process, which is an approach to organize and deliver patient care. The head nurse of 27 Intensive Care Units (ICU) at the state of Rio de Janeiro were interviewed in order to know the utilization of the nursing process and to obtain model requirements. The Unified Modeling Language (UML) was used to build the model. This model used the Entity-Attribute-Value (EAV) representation for the assessment phase of the nursing process and the International Classification of the Nursing Practice for the diagnoses, planning, implementation and evolution phases. The interviews revealed the absence of the nursing process in the ICUs. The main characteristics of the system are: flexibility, which allows it to be used in different scenarios, and utilization of a standard vocabulary to describe the nursing process. The further implementation of the system and its deployment in a nursing unit will make it possible to use the nursing process not only for patient care but also for service quality assessment. Key-words: information system, nursing process, unified modeling language.

Introdução Os sistemas de informação (SI) vêm sendo utilizados tanto para a gestão dos serviços de saúde quanto para o apoio à atenção aos pacientes. Em relação à enfermagem, o que se observa, especialmente no Brasil, é que, em geral, os SI hospitalares têm o seu foco nos aspectos administrativos e não na assistência. Além disto, o registro dos dados, quando efetuado, não atende a toda a complexidade que a assistência de enfermagem engloba, pois não está baseado em protocolos que permitam o diagnóstico e a prescrição de enfermagem [1].

O processo de enfermagem é um método para a organização e prestação de assistência ao paciente, composto por cinco etapas: histórico, diagnóstico, planejamento, implementação e evolução [2]. Este trabalho visa a desenvolver um protótipo de um sistema de informação para a aplicação do processo de enfermagem. Materiais e Métodos As chefias de enfermagem de 27 centros de terapia intensiva na região metropolitana do Rio de Janeiro, no período de janeiro a julho de 2003, foram entrevistadas com o objetivo de se conhecer a

aplicação do processo de enfermagem e os padrões utilizados nos formulários de planos de cuidados. A opção por realizar o estudo em Centros de Terapia Intensiva se deu pelo fato de que essas unidades exigem um controle maior das condições do paciente e documentação das atividades [3]. A entrevista foi semi-estruturada abordando questões quanto à utilização do processo de enfermagem e do diagnóstico de enfermagem, existência de formulários para a prescrição de um plano de cuidados de enfermagem e existência de um sistema de informação para o registro do plano de cuidados. As entrevistas foram realizadas após o consentimento das instituições e dos entrevistados. A modelagem do processo de enfermagem foi realizada por meio da Linguagem de Modelagem Unificada – UML, que é uma linguagem visual (incluindo diagramas de classes, casos de uso, etc.) utilizada para modelar sistemas computacionais orientados a objetos [4]. No modelo proposto, o processo de enfermagem é composto de ciclos, onde em cada ciclo, as cinco etapas do processo são realizadas. Assim uma internação de um paciente gera um processo de enfermagem que terá tantos ciclos quantas avaliações do paciente o enfermeiro realizar à beira do leito até a alta ou óbito do paciente. O diagrama de classes para as etapas diagnóstico, planejamento, implementação e evolução foi construído, utilizando-se a Classificação Internacional da Prática de Enfermagem (CIPE) [5]. Neste diagrama, os atributos de cada classe estão definidos pelos eixos de classificação da CIPE para a etapa correspondente e os relacionamentos entre as classes permitem a vinculação de todas as etapas entre si e ao respectivo processo de enfermagem. A CIPE oferece à enfermagem maior liberdade na especificação de diagnósticos, prescrições e evolução, pois permite combinar itens de diferentes listas que constituem os diversos eixos da CIPE para cada uma das etapas do processo. Para a etapa de histórico do paciente, não foi possível o emprego de uma terminologia padrão, pois a enfermagem usa frequentemente sinais e sintomas descritos na prática médica. A enfermagem atualmente não possui sistemas de classificação para representar todos os elementos da sua prática nos diversos setores na qual é exercida [6]. Buscando modelar esta etapa de forma a adequá-la à realidade de cada unidade, utilizou-se a representação EAV (Entidade, Atributo, Valor). Simplificadamente, o EAV consiste de uma tabela de fatos (qualquer característica) do paciente, sendo cada fato descrito por três colunas: entidade, atributo e valor do atributo [7]. Assim, por exemplo, o paciente X do sexo masculino e 33 anos de idade poderia ser representado em dois registros:

X X

sexo idade

masculino 33

Num banco de dados relacional tradicional, a tabela de paciente conteria um campo para cada atributo do paciente. Desta forma, o modelo ganha em flexibilidade, pois não fica restrito a um número fixo de atributos. As especificações dos atributos são definidas em classes auxiliares (metadados). A partir do modelo, foi desenvolvido um protótipo de um sistema de informação para todas as etapas do processo de enfermagem. Este protótipo foi desenvolvido em Delphi 4.0, utilizando o Paradox como banco de dados. Resultados Os entrevistados dos 27 centros investigados afirmaram que não utilizavam o processo de enfermagem na íntegra. Desses centros, 13 possuíam formulários para a prescrição de cuidados, sendo que 11 cederam seus formulários para a pesquisa e os demais alegaram que os formulários estavam em fase de reformulação. Na análise dos formulários obtidos, observouse que nenhum tipo de taxonomia foi utilizada para a descrição dos cuidados e que o conteúdo dos formulários variavam de acordo com o centro de terapia intensiva [8]. A utilização de um sistema de informação para a atenção ao paciente foi observada em 4 unidades (3 privadas e 1 pública). O processo de enfermagem não estava incorporado em nenhum SI das unidades privadas; esses sistemas se limitavam a dados administrativos e à prescrição médica. A unidade pública utiliza um sistema no qual o enfermeiro realiza o levantamento de problemas e prescreve os cuidados pertinentes. Esse sistema tem por base o modelo das necessidades humanas [9], que não inclui a etapa de diagnóstico de enfermagem. Uma vez que as unidades não ofereceram um modelo de referência para o processo de enfermagem, a modelagem do sistema foi realizada por meio dos requisitos disponíveis na literatura científica pertinente. A Figura 1 representa o diagrama de casos de uso e demonstra como os atores (enfermeiro, técnico de enfermagem e paciente) interagem com os casos de uso. Esses casos de uso são as ações realizadas ou que afetam cada um dos atores. Inicialmente, os atributos e classes que compõem o histórico do paciente devem ser cadastrados no sistema, sendo que o ator que exerce este papel pode ser a chefia de enfermagem, a comissão de prontuários, ou outro responsável pelas

. Figura 1 - Diagrama de casos de uso para o modelo do processo de enfermagem. informações. A seleção do paciente a ser submetido ao processo, o histórico, o diagnóstico de enfermagem, o planejamento de enfermagem, e a evolução são ações executadas pelo enfermeiro junto ao paciente. Ao técnico de enfermagem cabe, juntamente com o enfermeiro, a implementação dos cuidados. O diagrama de classes do modelo de negócios do sistema foi separado em dois e é apresentado nas Figuras 2 e 3. Este diagrama exibe as classes e as suas associações, que irão gerar as informações relativas a cada processo de enfermagem para cada paciente. A Figura 2 apresenta o diagrama de classes relativo ao histórico do paciente. Objetos da classe Historico conterão os dados obtidos a partir de cada avaliação do paciente no respectivo processo de enfermagem. Os objetos da classe EAV armazenam os fatos relativos ao histórico do paciente de acordo com o tipo do atributo: booleano, inteiro, real, data, memo e string. Esses objetos contêm sinais, sintomas e dados do paciente que irão embasar a etapa de diagnóstico. A classe Atributo define as características dos atributos. Os objetos da ClasseAtributos definem os grupos aos quais os atributos pertencem. A classe Hierarquia define o relacionamento entre os grupos. Um exemplo seria a definição do atributo RitmoRespiracao que pertence ao grupo pulmao que, por sua vez, está subordinado ao grupo SistemaRespiratorio. As classes ConjuntoSelecao e ValorSelecao definem listas de opções, a partir das quais os valores dos atributos podem ser extraídos. A Figura 3 apresenta o diagrama de classes para as etapas posteriores do processo de enfermagem. Cada atributo da classe

ItemDiagnosticoEnfermagem representa cada um dos eixos propostos pela CIPE para a especificação de um diagnóstico de enfermagem. Todos os diagnósticos associados, via EAV, ao histórico, são agrupados na classe DiagnosticoEnfermagem. Os atributos da classe PlanoEnfermagem são compostos pelos eixos definidos pela CIPE para as ações a serem planejadas e por itens que especificam o modo como essas ações serão implementadas. Cada ação prescrita está associada a pelo menos um diagnóstico e é implementada uma ou mais vezes. As classes relativas à implementação permitem verificar se os cuidados planejados foram realmente executados e, caso seja necessário, é possível anotar observações referentes a esses cuidados e eventuais intercorrências. A última etapa consiste na evolução do paciente, que é composta de itens de evolução, os quais se relacionam a um respectivo item de diagnóstico. Cada eixo da CIPE é representado por um atributo cuja classe é uma enumeração (lista de termos). A título de ilustração no diagrama, apenas duas enumerações, Efoco e Edescricao, são apresentadas na Figura 3. A Figura 4 apresenta a fase de planejamento, na qual quatro ações de enfermagem estão sendo elaboradas. O usuário pode vincular cada ação com os diagnósticos que a motivaram, os quais são apresentados logo abaixo das ações propostas. O usuário também visualiza o planejamento anterior e, se necessário, poderá repetí-lo, alterando os itens que julgar pertinentes. Discussão O estudo realizado em centros de tratamento intensivo revelou a não utilização do processo de enfermagem na íntegra em todas as unidades, e a não utilização de padrões nos registros. Dada a natureza das unidades de tratamento intensivo, é de se prever que esses resultados se apliquem aos demais tipos de enfermarias. A representação EAV para a etapa de avaliação inicial oferece flexibilidade ao sistema e facilita a sua manutenção. Em relação às consultas ao banco de dados, a busca de dados relativos a um paciente específico é agilizada. Por outro lado, a programação da interface com o usuário e as verificações de integridade são mais complexas do que em bancos de dados tradicionais. Além disso, uma consulta para se determinar todos os pacientes com alguma característica específica é mais onerosa.

Figura 2 - Diagrama de classes para o histórico do paciente, usando a representação EAV.

Figura 3 - Diagrama de classes para o processo de enfermagem, envolvendo as etapas diagnóstico, planejamento, implementação e evolução, utilizando a CIPE.

Figura 4 – Tela da etapa de planejamento do processo de enfermagem. O protótipo do sistema mostrado neste trabalho utiliza um banco de dados local. Obviamente, a integração do processo de enfermagem a um SI hospitalar exigirá que o sistema seja desenvolvido para um banco de dados corporativo com todas as garantias de segurança, autenticação e confidencialidade que um controle de acesso deve proporcionar. A utilização da CIPE para modelar as demais etapas do processo de enfermagem alia a flexibilidade no estabelecimento de diagnósticos, planos de cuidados e evolução, proporcionada por este sistema de classificação, às vantagens de um padrão para representação e intercâmbio de dados. A representação EAV é compatível com a utilização de um vocabulário controlado para o histórico do paciente, que venha eventualmente a ser padronizado. Para isto, basta cadastrar os atributos no sistema. Eventualmente, deverão ser acrescentados outros membros à classe Atributos para especificar qual a terminologia utilizada, o código do atributo na respectiva terminologia, e outros dados que sejam necessários.

O modelo proposto possibilita estudos epidemiológicos e a elaboração de indicadores de qualidade da assistência, pois trabalha com uma terminologia padronizada e permite o registro de sinais, sintomas e outros dados, necessários à obtenção dos indicadores, utilizando a representação EAV. Finalmente, o modelo possibilita a vinculação de todas as etapas do processo de enfermagem, o que permite a organização do prontuário do paciente sob a forma orientada ao problema, ou seja, para cada problema apresentado pelo paciente, o sistema pode mostrar todas as ações e evoluções relacionadas ao problema [10]. Conclusão O modelo proposto é flexível e utiliza um sistema internacional de classificação da prática de enfermagem. A incorporação do modelo a um sistema de prontuário eletrônico do paciente possibilida a utilização do processo de enfermagem

tanto para os cuidados clínicos, como para a avaliação da qualidade da assistência. Agradecimentos À Disciplina de Informática Médica da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, ao Programa de Engenharia Biomédica da COPPE-UFRJ e ao CNPq.

paciente na assistência, informação e conhecimento médico, Eduardo Massad, Heimar de Fátima Marin, Raymundo Soares de Azevedo (Eds.), São Paulo: Heimar de Fátima Marin, 2003, p.73-83. [7] Nadkarni, PM, Marenco, L., Chien, R, Skoufos, E, Shepherd, G, Miller, P. Organization of Heterogeneous Scientific Data Using the EAV/CR Representation. J. Am. Med. Informatics Assoc., 6(6): 478-493, 1999.

Referências: [1] Santos, SR, Paula, AFA, Lima, JP. O enfermeiro e sua percepção sobre o sistema manual de registro no prontuário. Revista Latino-americana de Enfermagem, 11(1):80-87, 2003. [2] Potter, PA; Perry, AG Grande tratado de enfermagem prática. 3 ed. São Paulo: Santos Livraria Editora, 1998. [3] Kimura, M, Miyadahira, AMK, Cruz, DALM, Takahahi, EIU, Padilha, KG, Sousa, RMC. O exame físico e o enfermeiro de UTI. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 28(2): 156-70, 1994. [4] Booch, G, Rumbaugh, J, Jacobson, I. UML – Guia do usuário. Rio de Janeiro: Campus, 2000. [5] Conselho Internacional de Enfermagem. Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem Beta 2, Tradução Heimar de Fátima Marin, São Paulo: Conselho Internacional de Enfermagem, 2003. [6] Marin, HF. Componentes do prontuário eletrônico do paciente. In: O prontuário eletrônico do

[8] Fuly, PSC, Freire, SM, Almeida, RT. The nursing process and its application in intensive care at Rio de Janeiro as a support to the development of an electronic patient record. Online Brazilian Journal of Nursing. v.2, n.3, Dezembro 2003 [Online]. Página na internet acessada em 22/05/2004: www.uff.br/nepae/objn203fulyfreirealmeida.htm,. [9] Horta, WA Processo de enfermagem. São Paulo: EPU/ EDUSP, 1979. [10] VAN BEMMEL, J. H.; MUSEN, M.A. Handbook of medical informatics. Heidelberg: Springer-Verlag, 1997. Contato Sergio Miranda Freire Prof. Adjunto – Disciplina de Informática Médica – Faculdade de Ciências Médicas - UERJ Rua Prof. Manoel de Abreu, 444/2o andar Vila Isabel – Rio de Janeiro Fone: (21) 2587-6478 e-mail: [email protected]

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