design gráfico como linguagem (2008)

May 25, 2017 | Autor: Ariane Souza Stolfi | Categoria: Semiotics, Graphic Design, Typography, Semiotica, Design gráfico
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O design gráfico como linguagem Ariane de Souza Stolfi, agosto de 2008

O senso comum pode definir design gráfico como aquilo que define ‘os atributos visuais da escrita’, principalmente da linguagem impressa. Robert Waller, em sua tese ‘The typographic contribution to language’ começa a fazer uma analogia entre o papel do gesto e da ênfase na linguagem verbal com o papel da tipografia na linguagem escrita: “Although at a certain level of analysis a spoken sentence may be said to be the same as its written equivalent, it is never exactly the same in substance or effect. It has been diminished in some respect, but it has also been enhanced: writing has only a crude and unreliable version of vocal pitch, gesture and tone, but spatial organization and graphic emphasis. Through the technology used to write, whether a biro or a computer display, written own particular clues about its origin. It is typography that has both diminished and enhanced the subtlety of the message.”1 Podemos afirmar, então, que o design gráfico está para a linguagem escrita assim como o gesto está para a fala. Essa primeira definição de design gráfico dá à disciplina uma função equivalente à que Lotman define como paralinguística, que inclui os sistemas intermediários que não seriam proprimanete linguagem, ‘mímicas, gestos, etc.’ 2 Vamos desenvolver essa analogia entre a comunicação impressa e a comunicação verbal. Imaginemos, por exemplo, um determinado texto cultural, um monólogo de teatro. Ele possui um texto (roteiro), e um ator (vamos considerar que o ator é o diretor da peça). Esse ator utiliza um código específico (a linguagem do teatro) para comunicar ao público uma mensagem que estaria no roteiro escrito; mas além de transmitir o texto propiamente dito, ele acrescenta uma série de sensações e significados a partir do modo como usa a entonação da voz, dos seus gestos, das ex-

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Waller, Robert; The typographic contribution to language p. 5

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Lotman, Iuri; A estrutura do texto artístico p. 36

2 pressões faciais, do ritmo, da luz, etc. Ele pode dar uma conotação irônica e inverter totalmente o significado do texto, pode tar uma conotação dramática e estimular emoções latentes nos observadores, intensificar a experiência sensorial, ele pode entediar a platéia e fazer com que a mensagem não seja captada, e pode até causar sensações contraditórias em cada um dos espectadores. De uma maneira simplificada, podemos dizer que um designer está para um texto impresso assim como um ator está para o roteiro de sua peça. Através de seus código específicos, ele pode ironizar um texto, pode enfatizar passagens, pode cansar os leitores com o uso de tipografia inadequada, pode facilitar ou dificultar o processo de leitura e pode estimular ou não um leitor a se interessar pelo conteúdo de um objeto específico, seja ele um livro, um pôster, um site ou jornal. Vimos, no estudo da semiótica da cultura, a idéia de que as linguagens são construídas a partir de sistemas modelizantes, que “podem ser entendidos como sistemas de signos, como conjunto de regras (códigos, instruções, programas) para a produção e textos no sentido semiótico amplo e como totalidade de textos e suas funções correlatas”3 Enquanto o ator utiliza o ritmo, os gestos e a entonação, por exemplo, como sistemas modelizantes, o designer têm seus próprios sistemas modelizantes como estruturadores da sua linguagem. Essa linguagem inclui, de início: - uma vasta possibilidade de escolha de famílias de tipos, tanto para o corpo de texto como para os títulos. - uma variação de tamanhos possíveis de letras e da distância entre as linhas do texto (o que inclui um sistema de medição próprio), - a determinação do tipo de alinhamento das linhas, - a escolha do formato e do meio, - a determinação dos espaços em branco (margens e vazios)

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Machado, Irene; Semiosphera

3 - as eventuais quebras de página entre os blocos de texto - a microgramática (inserção de caracteres especiais, como travessões largos, aspas duplas, etc) - a escolha das ilustrações e/ou fotografias e suas respectivas linguagens gráficas - a inserção de eventuais elementos auxiliares de destaque, agrupamento e separação de conteúdo (como réguas, quadros, barras, etc) - a cor (tanto dos elementos como do fundo, - o tipo de impressão e acabamento, - a relação entre títulos, subtítulos e citações e o posicionamento dos elementos na página Essas variáveis tipográficas, formais e de diagramação, se não têm necessariamente um significado intrínseco, todavia são, muitas vezes, índices de alguma coisa. Assim como Bahktin elabora o conceito de gênero literário, alguns autores, como Robert Waller, por exemplo, buscaram definir também um conceito de gêneros tipográficos, que equivalem na linguagem corriqueira a categorias como panfletos, artigos, revistas, manuais, bulas e assim por diante.4 É muito comum, por exemplo, que certos gêneros, ou tipos de texto da cultura, tenham um conjunto de atributos tipográficos padrão, por exemplo: artigos científicos, são publicados sempre com fonte serifada, margens amplas e entrelinhamento duplo em página A4; livros em geral utilizam também fonte serifada e numa gama de tamanho relativamente reduzida, em formato menor; bulas de remédio são diagramadas em letras bastante reduzidas e com fontes sem-serifa. O design, nesses caso, serve primeiramente como índice do gênero ou tipo de texto. Nesse sentido ele tem um papel semelhante ao dos gestos na manifestação de significação, ajudando a ‘interpretação culturalmente codificada’5. A determinação desses modelos têm uma determinação histórica, de um lado pela relação funcional dos

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Waller, Robert; The typographic contribution to language p. 3

5 “Os gestos são manifestações de significação. tanto expressam quanto articulam significados suscetíveis de leitura. Neste caso, os gestos promovem a interpretação culturalmente codificada”. Macha� do, Irene; Especulações dialógicas sobre a leitura como gesto semiótico.

4 elementos gráficos com seu uso corriqueiro, de outro pelas limitaçoes e desenvolvimentos tecnológicos alcançados em cada momento histórico. Em toda história da tipografia, percebemos que o desenho das letras e as possibilidades de composição estão e estiveram sempre diretamente ligadas às técnicas de escrita e impressão disponíveis no momentos. Assim, as penas de junco utilizadas pelos primeiros escribas, ajudaram a dar a conformação arredondada e a diferença de espessura do traço nas letras; as técnicas de punção no cobre foram relacionadas às serifas modernas, que eram uma forma de dar acabamento às letras e às gravuras feitas com ponta seca, que iustravam os livros antigos; a litogravura trouxe a possibilidade de policromia e os meios tons às artes gráficas; o computador como compositor digital trouxe uma grande liberdade para o formato das letras, e para sua relação com as imagens e hoje, as linguagens de marcação para diagramação na internet trazem novamente novas restrições para a composição — como uma obrigatória ortogonalidade, uma gama novamente reduzida de famílias de fonte e condições precarizadas de leitura6. Vimos nos textos estudados, que um texto sempre é resultado de pelo menos duas codificações. Se a descoberta do alfabeto é uma primeira codificação e a composição de palavras e frases é uma segunda codificação da informação, em um texto da cultura; sua organização formal e espacial é uma terceira codificação, que como dissemos, está relacionada com códigos definidos historicamente. Não existem textos puros, escreveu Baktin, e ele também cita, mesmo que brevemente, que “em cada texto existe uma série de elementos que podem ser chamados de técnicos (aspecto técnico do gráfico, da obra, etc)”7. Podemos entender a diagramação — uma das atribuições dessa disciplina, que é o design gráfico — como aquilo que determina esses aspectos técnicos de um texto.

6 Para maiores informações sobre a relação entre o desenvolvimento da tecnologia da escrita e suas implicações estéticas, consultar o capítulo “Breve história da tecnica da escrita” em Legibilidade e Evolução das Mídias, da autora desse artigo em http://fintetanks.com/referencia 7

Bakhtin, Mikail; Estética da criação verbal, p. 309

5 Esse aspecto gráfico, que é determinado principalmente pela variação dos elementos acima citados, não serve somente para a adequação e enquadramento dos textos aos seus respectivos gêneros, mas de fato influencia na eficiência da leitura, interferindo diretamente no processo de comunicação das mensagens. Ao longo da história, muitos pesquisadores se dedicaram a estudar e determinar o quanto e como cada uma dessas variáveis enumeradas acima pode influir no que se chama de legibilidade. Entre os pioneiros desse tipo de estudo, certamente os mais significativos foram Miles Thinker, que através de uma metodologia de velocidade de leitura, pesquisaram e testaram em laboratórios várias variações possíveis, chegando a zonas ótimas de formatação (tamanho de letra, comprimento de linha, família de tipo, cor, etc), compiladas no livro ‘Legibility of Print’8. Muitos outros pesquisadores buscaram desenvolver outras metodologias de pesquisa, como estudo dos movimentos do olho, caça a palavras, mas foi o jornalista Colin Wheildon que de fato conseguiu estabelecer uma metodologia científica para determinar quanto cada variável tipográfica influenciaria na compreensão de mensagens textuais. Partindo de acadêmicos ingleses como Herbert Spencer, que disse que “a verdadeira economia da impressão deve ser medida pelo quanto é lido e compreendido, e não pelo quanto é produzido”9, ele desenvolveu uma metodologia que consistia em dar a dois grupos de 112 pessoas vários artigos para ler, mas para cada grupo os artigos eram apresentados em formas diferentes, com uma variação tipografica. Depois de lerem os artigos, de interesse geral ou específico, como informativos, eram feitas perguntas para se determinar a compreensão do texto, separando em nível bom, razoável e pobre. Não nos cabe agora entrar em mais detalhes sobre a metodologia de pesquisa, mas o que nos interessa é que os resultados foram surpreendentes. Apesar de confirmar

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Tinker, Miles A.; Legibility of print.

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Spencer, Herbert em Wheildon, Colin; communication or just making pretty shapes

6 velhas descobertas de Miles Tinker, como o fato de letras serifadas serem mais legíveis10 a pesquisa revelou que simples mudanças tipográficas como: utilizar letra sem-serifa, colocar um fundo cinza, desobedecer os princípios de organização de gravidade de leitura11, não justificar o texto, utilizar letra em negrito, utilizar letras maiúsculas, usar letras coloridas, entre outros, causavam uma imensa diferença no nível de boa compreensão do texto, reduzindo drásticamente a ‘possibilidade de uma mensagem’ atingir seus objetivos. Com isso, nós conseguimos definir dois aspectos da linguagem do design gráfico: o primeiro é da caracterização do gênero tipográfico, o segundo é o auxílio da eficiência da leitura. Um terceiro é aquilo que podemos chamar de ‘etiqueta tipográfica’. Além desses fatores objetivos, que podem contribuir ou prejudicar a transmissão de um conteúdo determinado, existem uma série de ‘normas’ em diversos ‘manuais de tipografia’12, que não têm necessariamente nenhuma função prática, com relação ao texto, e normalmente cofiguram se como declarações imperativas como: - Não use muitas fontes em uma mesma peça! - Não deixe rios (espaços em branco desiguais dentro de uma linha)! - Não deixe órfãos e viúvas (linhas sozinhas no começo ou final de uma página)! - Deixe amplas margens, ou, use os espaço em branco como elemento de comosição! Apesar de várias dessas ‘normas’ terem sido desmascaradas cientificamente como fatores de legibilidade, elas podem soar, principalmente para outros designers, como colocar os cotovelos na mesa num jantar formal. É um código, como um código de etiqueta, que gera significados como “esse designer não entende nada de tipografia”.

10 ������������������������������������������������������������������������������������������� Letras serifadas são aquelas, como a Times new roman, aonde as letras têm pequenas termina� ções salientes, chamadas de serifas. Weildon encontrou valores de 67% de boa compreensão de um texto serifado, contra 12% de boa compreensão de um texto sem serifa. 11 O diagrama de Gutemberg define que o sentido preferencial de leitura é do topo esquerdo em direção ao canto direito inferior da página. Para mais informações sobre a legibilidade de textos e como as variáveis tipográficas influenciam na legibilidade, consultar a pesquisa da autora desse artigo “Legibilida� de e evolução das mídias” em http://finetanks.com/referencia 12 ��������������������������������������������������������������������������������������������� Só para citar alguns desses manuais: The new guide to graphic design, de Bobo Cotton; Elemen� tos do estilo tipográfico, de Robert Bringhurst; The Tames and Hudson Manual of typography, de Ruari Mc Lean e Top ten rules of good typesetting, da font-o-rama.

7 E vai gerar tanto mais significado quanto mais o interpretante também compartilhar desse código de etiqueta tipográfica. Mas até esse ponto, nós estamos focados nesses aspectos técnicos a que, como disse Bakhtin, vão além de investigação humanística. O design gráfico como linguaguem tem funções que vão além dessa relação com a linguagem verbal. Além de contribuir e colaborar com uma otimização do código (escrita) conferindo uma maior possibilidade de comunicação de uma mensagem ou texto, o design também tem um importante papel de transcodificar textos em linguagem visual. São aqueles atributos da linguagem visual que não têm equivalente na linguagem falada. Waller cita por exemplo uma tabela, que contém inúmeras interações potenciais entre colunas e linhas. Nesses casos, como no desenho de gráficos, diagramas e grafos essa analogia simples entre a linguagem verbal e a linguagem escrita (a de que o design está para a escrita assim como o gesto está para a fala) começa a ficar enfraquecida, e essa linguagem, a do design gráfico começa a ganhar atributos próprios que vão além das funções acima citadas. O desenho de um mapa, por expemplo, possui a modelização do espaço, como linguagem modelizante. O desenho do mapa das linhas de metrô de Londres por exemplo, vai ainda além da modelização espacial, além de uma simples representação geográfica, ao omitir a escala de distância entre as estações, trabalhando apentas com as relações topológicas entre os pontos que são as estações. O desenho de um logotipo, também um trabalho corriqueiro para muitos designer e agências, é um trabalho de transcodificação de valores e significados em uma linguagem visual, sendo através da construção do chamado ‘signo de comando’, uma marca que representa uma determina empresa ou organização, e é ultizado em inúmeras aplicações, como produtos, uniformes, fachadas, veículos, documentos etc.

8 O processo de desenho de logotipos também é configurado historicamente, e além disso, vai depender aí daquilo que chamamos de linguagem visual do artista gráfico, que inclui o seu repertório semântico de elementos gráficos e da sua capacidade de abstração e síntese. O design gráfico sempre teve uma relação bastante próxima com a escrita e com a tecnologia da impressão, mas não só com ela. Muito dele vém de uma tradição de desenho, pintura e artesanato. Na Idade Média e no Renascimento, os pintores eram contratados pela igreja para realizar painéis que ilustrassem para a população, em geral analfabeta, as maravilhas da divindade, e as passagens bíblicas. Era um meio de dar forma às narrativas transmitidas apenas oralmente através das missas e sermões. No final do século XIX, os pôsteres ‘eram uma expressão da vida econômica, social e cultural, competindo entre si para atrair compradores para os produtos e público para os entretenimentos’ como escreveu o historiador de design Richard Hollis13. Os revolucionários russos, que também se dirigiam a uma população em grande parte analfabeta, também fizeram grande uso de informações pictóricas em seu material de propaganda, e fizeram do pôster um de seus principais instrumentos de agitação. Observando esses pôsters, conseguimos notar que os significados transmitidos pela linguagem visual podem ser compreendidos independentemente da linguagem verbal, até independente da língua. É muito comum a apreciação, a observação e a decodificação de materiais impressos em línguas desconhecidas e até de contextos históricos desconhecido por observadores interessadoa apenas na linguagem gráfica dos objetos. Alguns teóricos como Donis Dondis em seu livro “A sintaxe da linguagem visual” buscaram identificar e separar quais são os elementos dessa linguagem visual. Ela não é como a linguagem verbal, aonde uma certa palavra, num certo contexto, gera um significado mais ou menos determinado. Dondis procura em seu livro, reunir os fundamentos dessa ‘sintaxe visual’ que são as “linhas gerais para a criação de

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Rollis, Richard; design gráfico, uma história concisa. p. 5

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fig.1: Imagem do mapa metrô de Londres

composição”14, os elementos básicos, como ponto, linha, forma, direção, tom, cor, textura, escala, dimensão, e movimento, que podem ser combinados de acordo com técnicas manipulativas para a criação de mensagens visuais claras. A composição, que pode ser entendida vulgarmente como a organização sintagmática dos elementos do tema15 no design gráfico conta principalmente com a contribuição de conceitos estudados pela psicologia da Gestalt, que realizou valiosos experimentos buscando reconhecer padrões de percepção visual, de agrupamento, diferenciação, contraste, reconhecimento das formas, entre outros. A teoria da forma, como a psicologia da gestalt é conhecida, formalizou conhecimentos que já tinham sido desenvolvidos anteriormente — como tensão entre elementos e cores, equilíbrio e simetria, simplicidade — bastante úteis no sistema compositivo da linguagem visual. Dondis reconhece três níveis de expressão e recepção de linguagens visuais: o representacional, que é aquele que é identificado com base no meio ambiente e na experincia; o abstrato, que é “a qualidade cinestésica de um fato visual reduzido a seus componentes visuais básicos e elementares”16 e o simbólico, que inclui o universo

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Dondis, Donis A. ; A sintaxe da linguagem visual p. 18

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Lotman, Iuri; a estrutura do texto artístico, p. 347

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Dondis, Donis A - A sintaxe da linguagem visual, p 85

10 de síbolos codificados determinado históricamente e arbitrariamente, aos quais são atribuídos certos significados. A mensagem visual é composta para ele, por relações entre esses três níveis. Como linguagens dentro dessa linguagem visual, ele identifica uma série de técnicas possíveis, em oposições dialógicas, que podem ser utilizadas na composição de peças gráficas, listadas abaixo: Equilíbrio | Instabilidade Simetria | Assimetria Regularidade | Irregularidade Simplicidade | Complexidade Unidade | Fragmentação Economia | Profusão Minimazação | Exagero Previsibilidade | Espontaneidade Atividade | Estase Sutileza | Ousadia Neutralidade | Ênfase Transparência | Opacidade Estabilidade | Variação Exatidão | Distorção Planura | Profundidade Singularidade | Justaposição Seqüencialidade | Acaso Agudeza | Difusão Repetição | Episodicidade E por fim, ele define o estilo visual, como uma “síntese de elementos, técnicas, sintaxe, inspiração e finalidade básica”, “ uma categoria ou classe de expressão modelada pela plenitude de um ambiente cultural. Cada estilo, é a combinação de opções entre essas oposicões. assim, por exemplo o Classicismo utiliza como técnicas: harmonia, simplicidade, exatidão, simetria, agudeza, monocromatismo, profundidade, estabi-

11 lidade, estase e unidade; enquanto o estilo ornamental utiliza: complexidade, profusão, exagero, rotundidade, ousadia, fragmentação, colorismo, atividade e brilho. Ora, se essa determinação de estilística é uma definicão de um conjunto determinado de unidades significativas e de regras para sua combinação, podemos considerar que isto que ele denonimna estilo poderia ser considerado, pela semiótica da cultura como uma linguagem artística específica, até individual, segundo a determinação de “linguagem da arte de Lotman17. No caso da linguagem da arte, ainda segundo Lotman, os elementos sintáticos ganham significado semântico e vice versa. No design gráfico, freqüentemente o espaço entre as letras tem mais importância do que o próprio signo (palavra). A forma de cada letra pode ter mais importância do que todo um livro. A escolha da sua linguagem gráfica reflete o modelo de mundo do autor. dentre todas. Como disse Bakhtin, no processo de ciração do do objeto, também “criamse o próprio poeta, sua visão de mundo, os meios de expressão.” (Bakhtin, Mikail; Estética da Criação Verbal, p. 326) Mas nem todos textos do design gráficos são sempre criadores, são sempre artísticos. Pelo contrário, muitas vezes o trabalho do designer é somente de aplicar modelos, clichés, buscando suprir certas necessidades do cliente, utilizando métodos persuasivos para transmitir informações falsas e explicações forjadas para agradar ao cliente. Como Bakhtin escreveu: “ Todo texto verdadeiramente criador é sempre, em certa medida, uma revelação do indivíduo livre, e não predeterminada pela necessidade empírica. Por isso ele (em seu núcleo livre) não adminte nem a explicação casual nem a previsão científica. Mas isso, evidentemente, não exclui a necessidade interior, a lógica interior do núcleo livre do texto (sem isso ele não seria compreendido, reconhecido e eficaz).”18

17 �������������������������������������������������������������������������������������������������� “ ‘Possuir a sua linguagem’ significa ter um determinado conjunto fechado de unidades significati� vase de regras para sua combinação, que permitem tranmitir certas informações.” Lotman, Iuri, op. cit. p. 53 18

Bakhtin, Mikail; Estética da criação verbal, p. 311-312

12 O indivíduo verdadeiramente livre não é aquele que não sofre das determinações do código ou transgride suas normas e regras, mas sim aquele que dominas suas amplas possibilidades e implicações semânticas. O texto artístico pode ser a transgressão e a superação do código, mas também pode ser a realização deste. Costumeiramente a relação entre design e texto é colocada como uma relação entre forma e conteúdo, que inclusive se reflete em uma complexa divisão de trabalho na sociedade presente. O escritor não tem o domínio do código da diagramação; o designer não pode interferir no conteúdo que lhe foi dado. Mas o que pode acontecer quando os limites entre os códigos e linguagens são extrapolados? Grandes poetas como Mallarmé, Maiakovsky, e os concretistas Décio Pignattari, Haroldo e Augusto de Campos, entre outros, conseguiram dar uma nova dimensão à poesia, atravéz da exploração da organização das palavras no papel, e da formação de novas relações de significação pela relação entre as palavras num plano que foge do sentido tradicional de frase, sentença, parágrafo.

fig 2. Dois poemas de Augusto de Campos, do Viva a Vaia. O primeiro, ‘memos’ utiliza fontes decorativas e o segundo, ‘tudo está dito’, alinhamentos e espaçamentos nãousuais, ambos criam novas relações de significação a partir da exploração do código da linguagem visual.

13 Através de um processo de composição visual, que levava em conta o campo (espaço da folha papel), eles transformaram sua poesia em objetos verbo-visuais, criando muitas possibilidades de associação e leitura. Augusto e Haroldo de Campos também se utilizaram de outras técincas da linguagem gráfica, como colagens, fontes pictóricas e estrapolação das regras de combinação tipográficas usuais para levar a poesia a um novo plano.

O próprio Maiakovsky trabalhou durante muito tempo na Rosta, a agência telegráfica Russa aonde o poeta redigia e muitas vezes executava diversos cartazes de propaganda. Esse domínio técnico da linguagem visual certamente influenciou e expandiu sua capacidade de expressão artística. El Lissistky também criou poemas aonde a relação entre palavra (signo) ia além das regras de combinação semântica dalinguagem verbal, criando figuras com as letras, e criando sentenças com objetos geométricos. Seus desenhos para cartilhas infantis, com bonequinhos tipográficos, seu conto imagético ‘Dois quadrados’, e seu grande trabalho ‘Esmagando os brancos com a cunha vermelha’ são grandes exemplos de resultados possíveis desse homem livre, com grande domínio dos códigos.

fig 3. Ilustraçõespoemas para livro didático de Lissitzky

fig 4 e 5. Dois quadrados: um conto gráfico de Lissitzy

14 fig 6. Provavelmente um dos exemplos históricos mais significativos do concretismo Russo: El Lissitzk: Golpeie os brancos com a cunha vermelha, 1920

A relação entre a linguagem verbal (escrita) e sua forma, como a relação forma-conteúdo, é uma relação intrínseca, e pode ser uma parte essencial na capacidade de transmissão da mensagem19. Se o indivíduo livre é aquele que tem o maior domínio do código, poderíamos dizer que sim, o domínio do código da diagramação e da linguagem visual pode ser uma parte importante até no desevolvimento pleno da capaciadade expressiva através da própria linguagem verbal.

Referências Bibliográficas Bakhtin, Mikail. Estética da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes, 2003 Campos, Augusto. Viva a Vaia, poesia 1949-1979. Cotia, Ateliê editoria, 2001 Dondis, Donis A.. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo, Martins Fontes, 2007 Hollis, Richard. Design Gráfico, uma história concisa. São Paulo, Martins Fontes, 2005 Lotman, Iuri. A estrutura do texto artístico, Lisboa, Editorial Estampa, 1978 Machado, Irene. Especulações dialógicas sobre a leitura como gesto semiótico. XXX Congresso Brasileiro de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Universidade de São Paulo, 2007 Stolfi, Ariane. Legibilidade e evolução das mídias. In finetanks.com/referencia. São Paulo, cnpq, 2001 Tinker, Miles A.. Legibility of print. Iowa University, 1969

Não é à toa que em certos campos, aonde a eficiência da mensagem é absolutamente necessária, como a produção de teses, dissertações e artigos científicos, sejam totalmente nor� matizadas, para evitar qualquer suposta interferência negativa de uma suposta má diagramação 19

15 Waller, Robert. The typographic contribution to language, towards a model of typograhic genres and their underlying structures. University of Reading, Reading, 1988 Wheildon, Colin — Communicationor just making pretty shapes.http://www. ianmc.com.au/articles/cojmps.pdf Sites: Semiosphera — Espaços semióticos compartilhados. http://www.usp.br/semiosphera/ Fontes de referência das imagens: Mapa do metrô de Londres : http://uk.geocities.com/lhsoicher/images/1933a.jpg Imagens de el Lissitzky : http://plaintext.cc:70/00-recent/designs_flicker/pics http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:El_Lissitzky_003.jpg

O design gráfico como Linguagem Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Programa de mestrado — área de concentração Design e Arquitetura Ariane de Souza Stolfi Orientador Carlos Zíbel Costa Trabalho Programado 5

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