Design sustentável ou social? Como os designers que fazem projetos para inclusão social e desenvolvimento sustentável caracterizam seu trabalho

September 12, 2017 | Autor: Mônica Carvalho | Categoria: Design Research, Traditional Crafts, Sustainable Design, Social Design
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Mônica Maranha Paes de Carvalho

Design sustentável ou social? Como os designers que fazem projetos para inclusão social e desenvolvimento sustentável caracterizam seu trabalho

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de PósGraduação em Design do Departamento de Artes & Design da PUC-Rio.

Orientador: Prof. Alfredo Jefferson de Oliveira

Rio de Janeiro Abril de 2012

Mônica Maranha Paes de Carvalho

Design sustentável ou social? Como os designers que fazem projetos para inclusão social e desenvolvimento sustentável caracterizam seu trabalho

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Design da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Design. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Alfredo Jefferson de Oliveira Orientador Departamento de Artes & Design - PUC-Rio

Profa. Rita Maria de Souza Couto Departamento de Artes & Design - PUC-Rio

Profa. Carla Martins Cipolla Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Profa. Denise Berruezo Portinari Coordenadora Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas - PUC-Rio

Rio de Janeiro, 02 de Abril de 2012

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Mônica Maranha Paes de Carvalho Graduou-se em Desenho Industrial com habilitação em Programação Visual pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2008. Especializou-se em Sustentabilidade no Projeto de Design, Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 2010. Desde 2012 atua como docente no curso de graduação em Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Ficha Catalográfica

Carvalho, Mônica Maranha Paes de Design sustentável ou social? Como os designers que fazem projetos para inclusão social e desenvolvimento sustentável caracterizam seu trabalho / Mônica Maranha Paes de Carvalho; orientador: Alfredo Jefferson de Oliveira. – 2012. 153 f. ; 30 cm Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Artes e Design, 2012. Inclui bibliografia 1. Artes e design – Teses. 2. Design. 3. Desenvolvimento sustentável. 4. Inclusão social. I. Oliveira, Alfredo Jefferson de. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Artes & Design. III. Título.

CDD: 700

Para meus pais.

Agradecimentos

A meu orientador, pelas indicações, acompanhamento e por acreditar em mim. A PUC-Rio, a CAPES e ao programa Bolsa Nota 10 da FAPERJ pelas bolsas concedidas. A meu pai, Flávio, e a minha mãe, Dulce, por tudo. Aos professores da pós-graduação e da especialização, especialmente a Renata Mattos e a Rita Couto, pela generosa ajuda que me deram quando pedi. A Ana Maria Nicolaci-da-Costa, pelas aulas que mudaram a pesquisa de forma significativa. Aos entrevistados, por aceitarem o convite, por compartilharem um pouco de suas experiências e por terem respondido pacientemente às minhas muitas perguntas. Aos colegas que se dispuseram a participar das entrevistas-piloto. A minha irmã, Camila, por ser minha maior amiga. A meus avós, Sima e Cid, pelo carinho e torcida. A meu namorado, Pedro Celso, por me incentivar sempre e por todo o carinho. A Aida, pela escuta divertida e sensível. A meus colegas de turma e de orientação, em especial Chiara, Aline e Jucélia, por todos os diálogos, pelas ajudas mútuas e pela amizade. A tantos outros amigos, por acompanharem a trajetória e pelos momentos de descontração. A Gilmara e a Digiart, pelas transcrições das entrevistas. Aos funcionários do Departamento de Artes e Design. E às professoras que gentilmente aceitaram participar da comissão examinadora.

Resumo

Carvalho, Mônica Maranha Paes de; Oliveira, Alfredo Jefferson de (orientador). Design sustentável ou social? Como os designers que fazem projetos para inclusão social e desenvolvimento sustentável caracterizam seu trabalho. Rio de Janeiro, 2012. 153p. Dissertação de Mestrado - Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Este estudo tem como foco principal investigar as relações entre a prática profissional do design e o tema da sustentabilidade. Foi feita uma pesquisa qualitativa com designers que realizam projetos com pequenos grupos produtivos visando sua inclusão social. Uma vez que muitos desses projetos têm sido associados à promoção do desenvolvimento sustentável, buscou-se compreender como os próprios designers que estão envolvidos caracterizam sua área de atuação. Os entrevistados discorreram sobre suas metodologias de trabalho, o relacionamento com as pessoas dos grupos produtivos, dificuldades e facilidades dos projetos e os impactos sociais percebidos. Os depoimentos dos participantes revelaram que a maior parte deles trabalha com grupos de artesãos, mas também foram mencionados outros tipos de grupos, como costureiras, marceneiros, tecelãs etc. A análise das respostas indica que eles utilizam diversas expressões para designar sua área de atuação, como design social, design para sustentabilidade, entre outras. Porém, observou-se que nem todos fazem associação direta entre seu trabalho e a sustentabilidade, apesar de tratarem de questões que são comumente relacionadas ao tema do desenvolvimento sustentável: uso de matérias-primas locais, aproveitamento de refugos industriais, geração de renda, valorização de identidades culturais, melhoria da qualidade de vida e desenvolvimento local.

Palavras-chave Design; desenvolvimento sustentável; inclusão social.

Abstract

Carvalho, Mônica Maranha Paes de Oliveira; Alfredo Jefferson de (Advisor). Sustainable or social design? How the designers who carry out projects of social inclusion and sustainable development characterize their work. Rio de Janeiro, 2012. 153p. Dissertation Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. The main purpose of the present study is to investigate the correlations between the professional practice of design and the issue of sustainability. We conducted a qualitative research with designers who carry out projects with small productive groups aimed at social inclusion. Since many of these projects have been related to the promotion of sustainable development, we sought to comprehend how the designers themselves characterize their field. The interviewees talked about their methodologies, their relationship with the people in the productive groups, the difficulties and the facilities of the projects, and the perceived social impacts. Their statements revealed that most of them work with artisans, although they have mentioned other kinds of groups, as seamstresses, carpenters, weavers etc. The analysis of their discourse indicates that they use different expressions to describe their area of expertise, such as social design, design for sustainability, among others. Nevertheless we observed that not all of them do direct association between their work and sustainability, despite dealing with matters that are commonly related to the issue of sustainable development: the use of local raw materials, income generation, recovery of cultural identity, improving the quality of life and local development.

Keywords Design; sustainable development; social inclusion.

Sumário

1 Introdução

15

2 Conceituação de desenvolvimento sustentável

19

2.1. A construção do conceito de desenvolvimento sustentável

20

2.2. A noção de desenvolvimento

23

2.2.1. Mudanças conceituais

24

2.2.2. Antropologia do desenvolvimento

28

2.3. Contradições e semelhanças dos discursos de sustentabilidade

30

3 Influências e implicações da sustentabilidade para o campo do design

35

3.1. A abrangência do problema: a relação do design com os modos de produção insustentáveis

36

3.2. Como os designers acompanharam a expansão do movimento ambiental

38

3.3. Algumas outras tentativas de aliar design com meio ambiente e desenvolvimento

41

3.4. Comentário sobre as diferenciações entre ecodesign e design sustentável

44

3.5. Apresentação de diferentes definições de design sustentável ou design para sustentabilidade

45

3.6. Pesquisas em design para sustentabilidade com foco em questões sociais

50

3.7. Designers sociais e ecodesigners no Brasil

53

3.8. Algumas discussões sobre design social

54

3.9. Projetos de designers com preocupações sociais e ambientais nos quais são feitas referências à sustentabilidade

59

4 Pesquisa de campo: objetivo e opções metodológicas

63

4.1. Objetivo

63

4.2. Sujeitos

63

4.2.1. Critérios de seleção dos entrevistados e dos projetos

64

4.2.2. Considerações sobre o anonimato dos participantes

65

4.2.3. Como cheguei aos entrevistados

66

4.3. Entrevistas piloto e construção do roteiro

67

4.4. Escolha do ambiente: entrevistas face-a-face presenciais e pela internet

69

4.4.1. Considerações sobre as entrevistas pela internet com transmissão de voz e imagem

70

4.5. Coleta de dados

71

4.5.1. Marcação, registro e transcrição das entrevistas

72

4.6. Análise do material

72

5 Apresentação dos resultados da pesquisa de campo

74

5.1. Breve perfil dos entrevistados e algumas características dos projetos relatados

74

5.1.1. Mais detalhes sobre os entrevistados

76

5.2. Eixo temático 1: características dos grupos com os quais os entrevistados exerceram suas atividades

78

5.2.1. Tipos de organização

79

5.2.2. Gênero e faixa etária

81

5.2.3. Pré-requisitos

82

5.2.4. Perfil ideal

83

5.2.5. Tipos de produção

84

5.2.5.1. Produtos, materiais e técnicas mencionados

85

5.3. Eixo temático 2: metodologia de trabalho dos entrevistados

86

5.3.1. Participação

87

5.3.2. Autoria

89

5.3.3. Pouco tempo

90

5.3.4. Cinco metodologias descritas

91

5.3.4.1. Eixos base e identidade coletiva

91

5.3.4.2. Sete etapas bem definidas

92

5.3.4.3. Visão ampla dos processos

94

5.3.4.4. Observação atenta

94

5.3.4.5. Criação de novos produtos para o catálogo

95

5.4. Eixo temático 3: relacionamento dos entrevistados com os grupos 97 5.4.1. Boa receptividade, trabalho prazeroso

98

5.4.2. Proximidade versus distância

99

5.4.3. Dificuldades na relação do designer com os grupos

99

5.4.4. Dificuldades de relacionamento dentro dos grupos

104

5.4.5. Linguagem

105

5.4.6. Imposição

107

5.4.7. Tempo

108

5.4.8. Gênero

110

5.5. Eixo temático 4: opinião dos entrevistados sobre algumas expressões

111

5.5.1. Design sustentável: uma expressão controversa

112

5.5.2. Design para sustentabilidade: termo correto e abrangente

113

5.5.2.1. Todo design deveria ser sustentável

114

5.5.2.2. Ecodesign versus design para sustentabilidade

115

5.5.2.3. Em busca de outros caminhos

116

5.5.2.4. Comunidades, identidade, território, desenvolvimento local

118

5.5.2.5. Precisa do lado ambiental

119

5.5.3. Design Social

120

5.5.4. Outras expressões

122

5.5.4.1. Socioambiental: uma coisa leva à outra

122

5.5.4.2. Foco no ser humano: melhoria de forma mais ampla

123

5.5.4.3. Responsável e consciente: entender onde o ciclo está aberto 123 5.5.4.4. Ecodesign: pouco citado

124

5.5.4.5. Simplesmente “design” (ou artesanato)

125

5.6. Eixo temático 5: motivação dos entrevistados

125

5.6.1. Por que se envolveram

125

5.6.1.1. Influência das universidades e cursos de design

127

5.6.1.2. Interesse por questões ambientais e socais e por artesanato 128

5.6.2. Por que continuam envolvidos

129

5.6.3. O que os desmotiva

130

6 Discussão e considerações finais

132

6.1. Como os designers entrevistados caracterizaram seu trabalho?

132

6.1.1. O que os entrevistados falaram sobre a sustentabilidade: aproximações entre suas falas e os discursos de sustentabilidade

133

6.1.2. O que os entrevistados falaram sobre como deveria ser o design voltado para o tema da sustentabilidade

137

6.1.3. Design sustentável ou design para sustentabilidade?

138

6.1.4. Que tipo de design social é esse?

139

6.1.5. Responsabilidade e consciência: um ponto em comum

143

6.1.6. Produtos que contam histórias

144

6.2. Considerações finais

146

6.2.1. Arena, atores, interações, interesses

146

6.2.2. Possíveis desdobramentos da pesquisa

147

6.2.3. Em direção a fins mais justos e éticos

148

Referências bibliográficas

149

Lista de tabelas

Tabela 1 – Roteiro das entrevistas

68

Tabela 2 – Produtos citados

85

Tabela 3 – Materiais citados

86

Tabela 4 – Técnicas citadas

86

Lista de figuras

Figura 1 – Localização das instituições e projetos

76

Lista de nomes fictícios usados para identificar os entrevistados

Ana Clara Bárbara Carolina Daniela Érica Flávia Gabriela Hugo Ivone João Luana

1 Introdução

A sustentabilidade é um conceito que se tornou a expressão dominante das querelas sobre meio ambiente e desenvolvimento econômico e social. Ao trazer o debate sobre esta temática para o campo do design, surge uma série de questões que desestabilizam algumas de suas bases. Isto porque se critica, entre outros aspectos, os modos de produção e consumo vigentes, as desigualdades geradas pelos processos de globalização e o funcionamento do mercado, os quais estão intrinsecamente ligados à dinâmica do campo do design. Desde meados dos anos 1990, o conceito design sustentável – ou design para sustentabilidade, como tem sido chamado recentemente – é usado para designar projetos que tenham a intenção de incorporar questões sobre sustentabilidade. As práticas geralmente relacionadas a este conceito são, por exemplo, substituir os materiais dos produtos, usar tecnologias e processos não poluentes e aumentar sua eficiência energética. Também se costuma fazer análises dos ciclos de vida dos produtos e projeção de cenários futuros. Outras estratégias usadas estão ligadas às ideias de desmaterialização, ou seja, redução em termos de matéria ou aniquilação do suporte físico de um produto, e transformação de produtos em serviços, sob o pretexto de aumentar sua eficiência ecológica. Estas práticas estão voltadas para a dimensão ambiental da sustentabilidade, pois são tentativas de reduzir os impactos causados ao meio ambiente. No entanto, esta temática trata também das desigualdades existentes entre e dentro dos países, de problemas das cidades como transporte, energia e lixo, de respeito às diferenças culturais, do envolvimento das pessoas nos processos de tomada de decisão, da cidadania, da promoção da saúde, da proteção de populações vulneráveis e outras questões de cunho social (CARVALHO, 2010). Assim, muitos autores têm buscado sistematizar os aspectos relacionados à dimensão social da sustentabilidade a fim de aplicá-los nos projetos de design. Porém, parece não haver ainda um consenso sobre quais deveriam ser os aspectos priorizados ou como se deve fazê-lo.

16

Por outro lado, muitos desses problemas já foram discutidos por designers há mais tempo. Desde pelo menos a década de 1970, o campo está marcado por uma grande quantidade de movimentos que tiveram como característica a ênfase em questões ambientais e sociais, influenciados por autores como Victor Papanek e Gui Bonsiepe. Eram movimentos que debatiam a função social dos designers e estavam voltados, por exemplo, para temas como o uso de tecnologia adequada ao contexto, atendimento às populações carentes, inclusão social, desenvolvimento etc. Assim, comecei a me perguntar até que ponto esses movimentos estariam influenciando o design sustentável, especialmente aqueles designers preocupados com o lado social da sustentabilidade. De fato, encontrei alguns projetos realizados por designers no país que são voltados para inclusão social e que têm sido designados como design sustentável, ou seja, podem ter sido assim descritos no material de divulgação, ganhado prêmios nesta categoria, citados em artigos como exemplos de promoção de sustentabilidade etc. São projetos feitos com os mais variados grupos – artesãos, catadores, populações indígenas, pessoas de comunidades de baixa renda etc. – e muitos deles envolvem metodologias participativas. Diante desta observação, surgiram muitas perguntas: há uma aproximação mais estreita entre preocupações ambientais e sociais por parte dos designers? Será que a participação é vista como um dos aspectos importantes dessa dimensão social da sustentabilidade, quando aplicada ao design? Por que esses designers associam seu trabalho à temática da sustentabilidade? Essa associação de ideias é feita pela maioria dos designers que atuam em projetos semelhantes, ou ainda não se trata de um consenso? Como são as metodologias que eles usam? Como é o relacionamento com os grupos atendidos? A partir desses questionamentos, decidi investigar a fundo esse tipo de atuação. Porém, já que eu não conseguiria chegar a tantas respostas na presente dissertação, restringi meu objetivo à seguinte pergunta: Como esses designers caracterizam seu próprio trabalho? Resolvi realizar, além de um levantamento bibliográfico, uma pesquisa qualitativa que permitisse compreender o ponto de vista de designers que fizessem projetos como os acima descritos. Fiz entrevistas com onze designers e apliquei o Método de Explicitação do Discurso Subjacente – MEDS (NICOLACI-DACOSTA, 2007) para analisar os depoimentos coletados. A dissertação é composta

17

por seis capítulos, sendo o primeiro referente a esta introdução. A seguir, apresentarei brevemente os capítulos seguintes. O Capítulo 2, intitulado “Conceituação de desenvolvimento sustentável”, inicia-se com uma seção sobre a construção do conceito, na qual procuro mostrar que, a partir da segunda metade do século passado, houve um movimento mundial no sentido de cunhar um termo que desse conta das problemáticas que envolvem o meio ambiente e o desenvolvimento. Em seguida, detenho-me à noção de desenvolvimento, a qual sofreu gradualmente mudanças conceituais e deixou de ser vista apenas como sinônimo de crescimento econômico. Ainda apresento a antropologia do desenvolvimento como uma abordagem útil para se estudar o tema do desenvolvimento sustentável. Por fim, apresento duas classificações que identificam diferentes tipos de discursos sobre sustentabilidade, a fim de mostrar que este conceito pode ter diversos entendimentos, dependendo do grupo social que o usa. No terceiro capítulo, “Influências e implicações da sustentabilidade para o campo do design”, deixo de tratar sobre a sustentabilidade de forma ampla e concentro o debate nas implicações que este tema adquire para os profissionais de design. Discorro sobre alguns termos que surgiram – design verde, ecodesign e design sustentável – e mostro diversos autores que trataram de questões que envolvem meio ambiente e desenvolvimento, além de algumas discussões sobre um design social. Finalmente, discorro brevemente sobre o tipo de projeto que se tornou objeto desta pesquisa: projetos que promovem inclusão social e desenvolvimento sustentável. No Capítulo 4, “Pesquisa de campo: objetivo e opções metodológicas”, descrevo o objetivo da pesquisa qualitativa feita com onze designers, assim como cada uma das etapas da metodologia utilizada: desde a seleção dos sujeitos, as entrevistas-piloto, a construção do roteiro, a coleta de dados até a análise do material. No quinto capítulo, “Apresentação dos resultados da pesquisa de campo”, exibo um breve perfil dos participantes da pesquisa e os principais resultados obtidos após a análise das entrevistas, divididos em cinco eixos temáticos. No Capítulo 6, “Discussão e considerações finais”, discuto brevemente os resultados da pesquisa e os correlaciono a alguns aspectos teóricos vistos na revisão bibliográfica, apresentada nos Capítulos 2 e 3, para tentar responder à

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principal pergunta deste estudo. Finalizando a dissertação, faço as considerações finais e sugiro possíveis desdobramentos para futuras pesquisas.

2 Conceituação de desenvolvimento sustentável

Nos dias de hoje, a sustentabilidade é um tema comum dentro dos debates sobre meio ambiente e desenvolvimento. Segundo José Eli da Veiga, ela é um dos mais generosos ideais que surgiram no século XX e compõe, junto da ideia de “justiça social”, a visão de futuro sobre a qual nossa civilização precisa firmar suas esperanças. Nas palavras do autor:

Ambos são valores fundamentais de nossa época por exprimirem desejos coletivos enunciados pela humanidade, ao lado da paz, da democracia, da liberdade e da igualdade (VEIGA, 2010, p. 14).

Contudo, Veiga alerta que nada garante que o desenvolvimento sustentável ou a justiça social possam ser realizáveis ou, até mesmo, possíveis, apesar de serem partes imprescindíveis de nossa utopia. Outra advertência é que já houve muitas tentativas de definir um conceito de desenvolvimento sustentável. Porém, ainda se trata de um “enigma à espera de seu Édipo” (VEIGA, 2010, p. 13). Mesmo tendo em vista tais alertas, no presente capítulo discorrerei sobre este conceito. Tomei como base a definição de Ignacy Sachs, segundo o qual o desenvolvimento sustentável deve ser entendido como aquele “socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado no tempo” (SACHS, 2010, p. 10). Outra ideia fundamental neste estudo é que a sustentabilidade está indissociavelmente ligada à equidade1, como foi colocado no Relatório do Desenvolvimento Humano de 2011, lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Isso porque estão em risco os avanços que foram alcançados nos últimos anos, em termos de qualidade de vida das pessoas nos países mais pobres do mundo, caso não se consiga reduzir as crescentes desigualdades sociais e os graves riscos ambientais (UNDP, 2011, p. iv). 1

A equidade é entendida no relatório como justiça e maior acesso a uma melhor qualidade

de vida (UNDP, 2011, p. iv).

20

Neste capítulo, falarei sobre a construção do conceito de desenvolvimento sustentável, a partir dos textos de Sachs (2009), Muniz e Sant´ana Júnior (2009) e Lima (2003). Em seguida, abordarei a noção de desenvolvimento com base em Esteva (2000), mostrando como ela mudou com o passar do tempo. Farei críticas ao posicionamento de Esteva, a partir de dois autores da antropologia do desenvolvimento – Olivier de Sardan (2001, 2005) e Baré (1997). Destes, indicarei uma abordagem que parece útil para se pesquisar ações de desenvolvimento. Por fim, discorrerei sobre duas classificações que diferenciam alguns tipos de discursos sobre sustentabilidade, feitas por Lima (2003) e Struminski (2006). Antes de dar início à próxima seção, cabe ressaltar que a sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável serão tomados como termos equivalentes neste trabalho.

2.1. A construção do conceito de desenvolvimento sustentável Desde a década de 1960 cresce a percepção de que existe uma crise ambiental e que ela está vinculada à revolução industrial, devido à excessiva demanda por matéria-prima e territórios e pelas chamadas externalidades dos processos produtivos, as quais podem ser traduzidas por poluição das águas, do ar e da terra, efeito estufa e consequentes alterações climáticas, buraco da camada de ozônio, problemas de saúde, destruição de florestas, comprometimento da biodiversidade etc. (MUNIZ; SANT’ANA JÚNIOR, 2009, p. 256). Com o passar das décadas, cresceu a preocupação acerca de questões ambientais e sociais, percebidas como decorrentes do modelo de desenvolvimento em vigor. Uma série de conferências internacionais2 e de pesquisas científicas foram realizadas sobre o assunto. Nesse contexto, a proposta do desenvolvimento sustentável foi apresentada, no final da década de 1980 e início de 1990, como solução alternativa para a crise ecológica. Pode-se dizer que esta proposta fez parte dos movimentos de

2

Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo (1972);

Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro (1992); Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo (2002).

21

contestação e resistência ao modelo econômico centrado no desenvolvimento, dos quais falam Lenir Muniz e Horácio Sant´ana Júnior (2009, p. 258). Tais movimentos dizem respeito à mobilização de alguns grupos sociais na tentativa de construírem modelos alternativos de desenvolvimento ou, até mesmo, alternativas ao desenvolvimento. A definição clássica de desenvolvimento sustentável foi formulada no relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento3, a qual havia sido convocada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1983. O relatório o define como “aquele que responde às necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991). Esta definição enfatiza o duplo imperativo ético mencionado por Ignacy Sachs (2009, p. 67): a solidariedade sincrônica com as gerações presentes e a solidariedade diacrônica com as gerações futuras4. A ênfase neste aspecto pode ser interpretada como uma estratégia para mobilizar os mais diferentes atores envolvidos em prol de um objetivo comum: a sobrevivência de nossa espécie, garantindo condições de vida melhores para as próximas gerações. Contudo, o desenvolvimento sustentável envolve muitos outros aspectos. Sachs (2009), por exemplo, o usa para defender uma nova forma de civilização, fundamentada no uso sustentável de recursos e preocupada com o direito dos povos. Já Muniz e Sant´ana Júnior afirmam que:

O conceito de desenvolvimento sustentável tenta estabelecer meio ambiente e desenvolvimento como um binômio indissociável, em que questões sociais, econômicas, políticas, culturais, tecnológicas e ambientais encontram-se sobrepostas. Essa proposta assume um significado político-diplomático na medida em que estabelece os princípios gerais que norteariam um compromisso político em escala mundial com vistas a proporcionar o crescimento econômico sem a destruição dos recursos naturais (MUNIZ; SANT´ANA JÚNIOR, 2009, p. 258).

3

A comissão trabalhou de 1983 a 1989, tendo ficado conhecida como Comissão de

Brundtland, devido ao fato de ter sido presidida por Gro Harlem Brundtland, Primeira Ministra da Noruega naquele período. 4

Sachs ainda acrescenta que alguns defendem um terceiro tipo que seria o respeito para

com o futuro de todas as espécies vivas (2009, p. 49).

22

Por ocasião da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável5, realizada em 2002 na cidade de Joanesburgo, na África do Sul, a noção de desenvolvimento sustentável foi apresentada como sendo constituída por três pilares: desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental. Assim, foi disseminada a ideia de tripé da sustentabilidade. Segundo Muniz e Sant´ana Júnior, almejava-se o reconhecimento da complexidade e do inter-relacionamento de “questões críticas como pobreza, desperdício, degradação ambiental, crescimento populacional, igualdade de gêneros, saúde, educação, conflito e violência aos direitos humanos” (2009, p. 264). Além da Declaração de Joanesburgo para o desenvolvimento sustentável, a cúpula gerou o Plano de Implementação. Este documento, por sua vez, apresentou quatro elementos do desenvolvimento sustentável: sociedade, ambiente, economia e cultura – equiparando o elemento cultural aos demais a fim de responder às críticas que eram feitas ao conceito de desenvolvimento sustentável por desconsiderar fatores como valores, diversidade cultural, conhecimento, línguas e visões de mundo. Apesar da constante tentativa de manter um discurso conciliador e ampliar o escopo de atuação, o conceito permanece sofrendo várias críticas. Muniz e Sant´ana Júnior defendem que seja impossível conciliar preservação do meio ambiente com crescimento econômico e que a proposta de desenvolvimento sustentável (segundo os paradigmas determinados pela ONU) não deu certo na lógica do sistema capitalista vigente – pautado na industrialização, no consumo intensivo de bens e na demanda crescente por recursos naturais (2009, p. 274). De acordo com os autores, o conceito corre o risco de se tornar apenas uma maquiagem, sem resolver os problemas sociais e ambientais do planeta (2009, p. 273). Sachs também alerta para a incompatibilidade de se promover o desenvolvimento sustentável dentro dos marcos atuais do mercado: “O desenvolvimento sustentável é, evidentemente, incompatível com o jogo sem restrições do mercado” (2009, p. 55). O autor defende um desenvolvimento para

5

A cúpula também ficou conhecida pelo nome de “Rio + 10”, já que foi realizada 10 anos

depois da Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento, que, por sua vez, ficou conhecida pelos nomes de “Rio 92” ou “Eco 92”.

23

além do crescimento econômico, para além do mercado, para além da separação Norte-Sul e para além da economia ecológica. Ele é favorável a uma combinação viável entre economia, ecologia e ciências sociais, afirmando que as ciências naturais podem descrever o que é preciso para um mundo sustentável, mas que compete às ciências sociais a articulação das estratégias de transição rumo a este caminho. Outra crítica é feita por Lima (2003, p. 106-107), o qual afirma que os setores da sociedade interessados em um projeto de mudanças de maior amplitude – no caso, um projeto que não sugerisse o predomínio da esfera do mercado na condução da sustentabilidade em detrimento da sociedade civil – têm denunciado a falácia do discurso da sustentabilidade. Suas principais críticas são que a chamada “sustentabilidade de mercado” não atende plenamente aos objetivos de preservação ambiental, não responde à crise social, não consegue conciliar crescimento econômico e participação social e, por fim, não consegue responder à atual crise ético-cultural. Retomarei o debate a respeito dos discursos de sustentabilidade mais adiante. Antes, porém, abordarei a noção de desenvolvimento, que é importante para

melhor

compreendermos

a

própria

construção

do

conceito

de

desenvolvimento sustentável.

2.2. A noção de desenvolvimento Alguns dos autores já mencionados fizeram considerações a respeito da noção de desenvolvimento. Para Muniz e Sant´ana Júnior (2009, p. 258-259), por exemplo, ela é geralmente associada a crescimento econômico e também a progresso técnico, modernização e industrialização. Já Sachs fala sobre a possibilidade de junção do desenvolvimento e dos direitos humanos, com o intuito de reconceitualizar o desenvolvimento como “apropriação efetiva de todos os direitos humanos, políticos, sociais, econômicos e culturais, incluindo-se aí o direito coletivo ao meio ambiente” (SACHS, 2009, p. 60). Contudo, é com base em um dos autores referenciados por Muniz e Sant’ana Júnior que discorrerei sobre as mudanças conceituais que ocorreram com a noção

24

de desenvolvimento, especialmente com relação à gradual incorporação de aspectos sociais.

2.2.1. Mudanças conceituais Gustavo Esteva, em seu capítulo “Desenvolvimento” da obra Dicionário do desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder, organizada por Wolfgang Sachs, descreve as mudanças conceituais do termo desenvolvimento, enfatizando a gradual tentativa de integração entre seus aspectos econômicos e sociais. O autor diz que houve uma dissolução do significado de desenvolvimento e que, hoje, seu significado depende do contexto em que é usado. Muitas vezes, o termo é associado a crescimento, evolução e maturação e tem a conotação de mudança favorável e de progresso. No entanto, Esteva procura mostrar que sua construção conceitual esteve associada a um plano político e à dominação colonial. O termo desenvolvimento é usado metaforicamente na biologia para explicar o crescimento natural das plantas e dos animais. Foi no final do século XVIII que ocorreu a transferência da metáfora biológica para a esfera social (ESTEVA, 2000, p. 62), tendo aparecido como processo gradual de mudança social. Posteriormente, Marx revelou o desenvolvimento “como um processo histórico que se desdobra com o mesmo caráter necessário das leis naturais” (Esteva, 2000, p. 63). A metáfora absorveu um poder colonizante e converteu a história em um programa, sendo que o modo de produção industrial, que na verdade é apenas uma forma de vida social, tornou-se o objetivo e estágio final da evolução social. A história foi assim reformulada em termos do ocidente. As muitas metáforas usadas no século XVIII foram incorporadas à linguagem popular no século XIX, fazendo com que o termo desenvolvimento adquirisse grande variedade de conotações6, o que contribuiu para a dissolução da precisão de seu significado. 6

Um dos novo usos foi a expressão “desenvolvimento urbano”, generalizada no início do

século XX.

25

Na década de 1930, a associação entre desenvolvimento e colonialismo, a qual havia sido estabelecida no século XVIII, ganhou novo significado. Os britânicos, ao tentarem conferir sentido positivo à filosofia do protetorado colonial, difundiram o duplo mandato do colonizador, o qual deveria desenvolver economicamente a região conquistada e se responsabilizar pelo cuidado do bemestar dos nativos, assegurando níveis mínimos de nutrição, saúde e educação. No final da década de 1940, o desenvolvimento foi reduzido a crescimento econômico, ou seja, crescimento da renda per capita nas áreas economicamente subdesenvolvidas. Porém, houve uma inflação conceitual do termo entre as décadas de 1950 e 1990, que foi descrita por Esteva (2000, p. 65-73). Na década de 1950 reinava o otimismo e as estatísticas e os relatórios oficiais indicavam melhora da situação social e dos programas sociais, o que era visto como consequência natural do crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB). Havia uma obsessão com a industrialização e o crescimento do PNB. Esta obsessão obscurecia algumas iniciativas voltadas para o alívio da pobreza e para o desenvolvimento de serviços sociais básicos nos países subdesenvolvidos – iniciativas que encontraram inspiração no 1º Relatório da situação social mundial de 1952, elaborado pelas Nações Unidas. A expressão “desenvolvimento social” foi introduzida pouco a pouco nos Relatórios da situação mundial, tendo aparecido sem qualquer definição e como substituta para “situação social”. Considerava-se “social” e “econômico” como duas realidades distintas. Aos poucos se difundiu a ideia de tentar estabelecer um equilíbrio entre ambos. Na década de 1960, que foi a Primeira Década de Desenvolvimento da ONU, o desenvolvimento permaneceu como um trajeto para o crescimento econômico, composto por vários estágios. Desejava-se promover uma integração dos aspectos social e econômico, mas eles ainda eram considerados separadamente. Nesta época, o desenvolvimento social era visto tanto como precondição quanto como justificativa moral para o crescimento econômico. No final da década de 1960, o otimismo quanto ao crescimento começou a diminuir e tornou-se evidente que junto ao rápido crescimento vinham desigualdades também crescentes. Em geral, os aspectos sociais começaram a ser encarados pelos economistas como “obstáculos sociais”. Houve uma revolta contra a restrição do conceito de desenvolvimento a metas e indicadores

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quantitativos de certo modo irrelevantes. Pretendia-se efetuar a “destronização” do Produto Nacional Bruto – PNB, porém, não foi possível chegar a uma alternativa que tivesse consenso internacionalmente ou na academia. Na Segunda Década de Desenvolvimento (década de 1970), pretendia-se fundir os aspectos sociais e econômicos, no lugar de considerá-los separadamente como antes, e formular o paradigma da integração, já que se reconheceu a interação entre recursos físicos, processos técnicos, aspectos econômicos e mudança social. Começou a procura por uma abordagem unificada, que combinasse integração setorial, espacial e regional com um desenvolvimento participativo. Contudo, o empreendimento encontrou resistências, não conseguiu propor soluções fáceis e universais e durou pouco. Ainda assim, renovou o debate sobre desenvolvimento para anos seguintes. A Segunda Década, apesar de ter se iniciado com a promessa de unificação, evoluiu para a dispersão. Segundo Esteva (2000, p. 69), as chamadas ‘questões importantes’ – o meio ambiente, o crescimento demográfico, a fome, a opressão das mulheres, o problema habitacional e o desemprego – tiveram sucessivamente seu momento de proeminência, seguindo carreiras independentes e concorrendo entre si. Apenas posteriormente, ficaram evidentes as relações complexas que as interligavam e começou de fato o exercício de unificá-las. Essa unificação se daria de forma a manter uma daquelas questões como central. Começou uma disputa por qual delas deveria ser prioritária. Ainda nesta época, foram discutidas diferentes abordagens, como o desenvolvimento humano, o desenvolvimento integrado, a ideia de satisfação das necessidades básicas e o desenvolvimento endógeno. Na década de 1980 imperou o pessimismo e ela foi chamada de “década perdida” em relação ao desenvolvimento. Muito do que os países haviam conquistado anteriormente foi abandonado devido ao “processo de ajuste”. Na metade da década já se podia enxergar uma era pós-desenvolvimento que viria a diante. A década de 1990 trouxe um novo ethos desenvolvimentista, com duas vertentes: os países do Norte queriam um re-desenvolvimento para refazer aquilo que foi mal desenvolvido devido à rapidez com que as mudanças ocorreram; os países do Sul, além disso, queriam também derrubar aquilo que havia sobrado do “processo de ajuste” (lixo dos países do Norte, maquiadoras etc.). Para Esteva,

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Em termos conceituais e políticos, o re-desenvolvimento adota hoje a forma desenvolvimento sustentado, para “nosso futuro comum”, segundo o relatório da Comissão de Brundtland. Ou então, é ativamente encorajado como um redesenvolvimento verde e democrático, para aqueles que acreditam que a luta contra o comunismo, o leitmotiv do discurso de Truman, acabou. Mas, na interpretação oficial, o desenvolvimento sustentado foi elaborado explicitamente como uma estratégia para sustentar o “desenvolvimento”, não para dar apoio ao florescimento ou a manutenção de uma vida natural e social infinitamente variada. (2000, p. 72).

O 1º Relatório do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, lançado em 1990, apresentou o “desenvolvimento humano” em termos de um nível de privação que poderia ser internacionalmente comparado, conseguindo assim vencer alguns desafios tradicionais de quantificação e comparação entre países. A mais ambiciosa meta do relatório era elaborar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que sintetizaria o nível de desenvolvimento humano em 130 países. O método consistia na combinação de carências relativas a índices de expectativa de vida, alfabetização de adultos e PNB real per capita. Também fazia previsões e estabeleceu “metais sociais viáveis” que deveriam ser alcançadas até o ano 2000. Apesar de descrever a mudança conceitual do termo, Esteva defende que o desenvolvimento não corresponde a um fenômeno real. Ele procura mostrar que o subdesenvolvimento foi construído como uma estratégia de dominação mundial pelos Estados Unidos, lançada por ocasião do discurso de posse do presidente norte-americano Truman, em 1949. Para dois terços da população mundial, o termo subdesenvolvimento seria um lembrete daquilo que eles não são e a única forma de saírem desta situação seria submeter-se a “experiências e sonhos alheios” (ESTEVA, 2000, p. 65).

A metáfora do desenvolvimento deu hegemonia global a uma genealogia da história puramente ocidental, roubando de povos com culturas diferentes a oportunidade de definir as formas de sua vida social (ESTEVA, 2000, p. 63).

É possível fazer duas críticas ao posicionamento de Esteva com base em autores ligados à antropologia do desenvolvimento, Jean Pierre Olivier de Sardan (2001, 2005) e Jean François Baré (1997). A primeira crítica é que ele desconsidera o poder que as populações “colonizadas” possuem para resistir ou

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modificar as imposições que lhes são submetidas por meio dos projetos de desenvolvimento – inclusive o poder das minorias de tirar proveito de sua própria fraqueza e ganhar atenção de grupos externos. Como afirma Olivier de Sardan “as manobras, intrigas, lutas, influências, retóricas e manipulações vêm dos dois lados” (2001, p. 736, tradução nossa). A segunda crítica é que Esteva mostra uma posição que se enquadra à abordagem de desconstrução do discurso do desenvolvimento, a qual, segundo Olivier de Sardan, tende a unificar o discurso em um só “modelo hegemônico e maléfico”. Darei a seguir uma breve explicação sobre de que se trata a antropologia do desenvolvimento,

mostrarei

como

esses

dois

autores

conceituam

o

desenvolvimento e discorrerei sobre alguns aspectos interessantes dessa abordagem que podem ser incorporados a este estudo.

2.2.2. Antropologia do desenvolvimento Olivier de Sardan (2001) afirma que há três tipos de abordagem da antropologia

do

desenvolvimento.

A

primeira

é

a

desconstrutivista

supramencionada. Para o autor, este tipo de abordagem desconsidera as inconsistências e contradições das instituições de desenvolvimento e as constantes transformações das políticas de desenvolvimento. Assim, tende-se a unificar um discurso sem levar em conta as nuances e eventuais exceções. A segunda é a abordagem populista, que pode ser ideológica, quando exalta e idealiza os saberes e práticas populares, e/ou metodológica, quando explora os recursos cognitivos e pragmáticos das populações. Tanto a abordagem desconstrutivista quanto a populista ideológica devem ser superadas, na opinião de Olivier de Sardan, de forma a privilegiar a terceira abordagem, a qual se interessa “pelo emaranhado de lógicas sociais e pela heterogeneidade de atores que se confrontam em torno das operações de desenvolvimento” (Oliver de Sardan, 2001, p. 729, tradução nossa). A própria noção de desenvolvimento possui uma definição diferente para os teóricos ligados à antropologia do desenvolvimento. Olivier de Sardan (2001, p. 731) afirma que o desenvolvimento é um conjunto de ações que se

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autodenominam de desenvolvimento. De forma semelhante, Baré (1997) diz que o mundo do desenvolvimento é um universo conceitual ou categorial específico e que as políticas do desenvolvimento se definem por aquilo que dizem as pessoas que as fazem. São conjuntos de interações complexas entre lugares de reflexão ou de decisão macroeconômica, de burocracias e de administrações, de grupos ou de atores sociais. Ainda segundo Baré, os projetos de desenvolvimento não têm um início, um meio e um fim bem delimitados, nem possuem uma coerência muito definida. São conjuntos de interações entre atores com objetivos e competências heterogêneas. Assim, o papel da antropologia no estudo de tais projetos se restringe em descrever as interações e sua relação com o que se pode apreender dos resultados. A arena é outro conceito da antropologia do desenvolvimento que pode ser útil para esta pesquisa, a fim de perceber os designers como atores ou agentes que estão inseridos nesta arena e que dialogam ou interagem com outros atores que possuem interesses diferentes. Olivier de Sardan vê o desenvolvimento local como uma arena política. O autor define a arena como o espaço social em que ocorrem confrontos e competições entre atores sociais7 que estão face a face, agrupados em torno de líderes e em facções (2005, p. 189).

Em uma arena, grupos estratégicos heterogêneos se confrontam, movidos por interesses mais ou menos compatíveis (materiais ou simbólicos), sendo que os atores possuem maior ou menor nível de influência e poder. Mas também são encontrados centros de poder local instituído: um emir, um chefe distrital, um sous-préfet, um imam, o chefe da fraternidade, todos têm poderes específicos ligados a suas funções e assim reconhecidos. Intervenções externas são portanto confrontadas com esses dois tipos de poder, o poder que todos têm e o poder que só alguns têm, e essa combinação intrincada resulta no que podemos nos referir como arena local (OLIVIER DE SARDAN, 2005, p. 186, tradução nossa).

A abordagem que trata do emaranhado de lógicas sociais e o conceito de arena parecem adequados para tratar do tema de desenvolvimento sustentável, 7

Olivier de Sardan lista alguns exemplos de atores sociais envolvidos nas políticas de

desenvolvimento implantadas no continente africano: camponeses de vários status, jovens desempregados, mulheres, pessoas importantes no meio rural, agentes de desenvolvimento locais, representantes da administração local, membros de ONG´s, especialistas visitantes, assistentes técnicos europeus etc.

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principalmente para se discutir sobre os diferentes significados que as noções de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável podem adquirir para os diferentes atores envolvidos, inclusive os designers. Feitas estas considerações, podemos retornar ao assunto dos discursos de sustentabilidade. A seguir, apresentarei dois tipos de classificação. A primeira separa dois discursos principais, enquanto a segunda procura diferenciar os argumentos de determinados grupos.

2.3. Contradições e semelhanças dos discursos de sustentabilidade De acordo com Lima, o debate acerca da sustentabilidade vem sendo “apropriado por diferentes forças sociais que passam a lhe imprimir o significado que melhor expressa seus valores e interesses particulares” (LIMA, 2003, p. 107). Contudo, pode-se dizer que o autor pertence ao grupo de teóricos que fazem uma abordagem desconstrutivista, pois ele divide os discursos de sustentabilidade em duas correntes principais, ou duas grandes matrizes interpretativas: a primeira corresponde ao discurso oficial da sustentabilidade e a segunda, ao contradiscurso à versão oficial. O discurso oficial é apresentado por Lima como o desdobramento da proposta feita pela Comissão de Brundtland e pelas conferências da ONU e foi assimilada pelos empresários e pelas organizações não-governamentais. Trata-se de um discurso pragmático, com ênfase econômica e tecnológica, que defende a desaceleração do crescimento populacional e o uso de tecnologias limpas e processos de produção e consumo ecologicamente orientados. Os defensores desta primeira matriz acreditam que, além de ser possível conciliar ecologia e economia, devido ao dinamismo do sistema capitalista, podese usar o esforço de preservação ambiental para estimular a competitividade produtiva, aproximando-se do discurso da modernização ecológica. Há uma tendência desta matriz a desvalorizar argumentos éticos e políticos relacionados a valores biocêntricos, de participação política e de justiça social, em favor dos argumentos técnico-científicos e econômicos. A segunda matriz interpretativa é uma concepção multidimensional de sustentabilidade, que inclui princípios da democracia participativa e coloca a

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sociedade civil organizada em um papel de destaque na transição para a sustentabilidade social. As ideias de autonomia política dos países e de singularidade cultural são enfatizadas. Por tal motivo, e também para evitar uma visão economicista ou universalista, dá-se preferência à expressão “sociedade sustentável” no lugar de desenvolvimento sustentável. Seus defensores não creem que o mercado consiga gerenciar a alocação de recursos de forma sustentável e são contrários ao reducionismo tecnológico. Consideram indispensável incorporar valores éticos de respeito à vida e às diferenças culturais e resolver os problemas de desigualdade social. Dentro desta segunda matriz, há grupos que defendem e outros que desconfiam da intervenção do Estado. Da mesma forma, existe uma grande diversidade de posições quanto à dimensão ecológica, incluindo principalmente grupos antropocêntricos, mas também outros biocêntricos. Apesar destas divergências internas, tal matriz se caracteriza em geral pela crítica à civilização capitalista, por exemplo, no que se relaciona ao mito do progresso, à idolatria cientificista, à importância que é dada ao consumo ou à falta de prioridade concedida ao homem e à vida em comparação com o capital. Por outro lado, há autores que procuram analisar a sustentabilidade como um discurso, sem, contudo, dicotomizá-lo em duas vertentes. Struminski (2006, p. 47-48)8, por exemplo, diferencia cinco tipos de discurso sobre sustentabilidade – dos ecologistas profundos, dos verdes, dos ambientalistas moderados, dos cornucopianos9 e dos marxistas – que se assemelham e se distanciam quanto a alguns pressupostos e argumentos.

8

Para diferenciar os tipos de discurso, Struminski (2006) se baseia em FOLADORI, G. Una

tipologia del pensamiento ambientalista. In: Sustentabilidad? Desacuerdos sobre el desarrollo sustentable. 1. ed. Montevideo: Trabajo y Capital, 2001. p. 81-128. 9

Os cornucopianos são os ambientalistas que acreditam que seja possível superar

problemas ambientais por meio de soluções técnicas. “Os ‘cornucopianos’ [...] acreditam na capacidade da tecnologia superar todos os problemas e tornar a produção de bens infinita” (ACSELRAD, 2004, p. 9). Sachs menciona que o grupo dos cornucopianos, durante a preparação da Conferência de Estocolmo de 1972, consideravam as preocupações com o meio ambiente descabidas, priorizavam o crescimento econômico e diziam que as externalidades que fossem produzidas poderiam ser neutralizadas quando os países atingissem a renda per capita dos países desenvolvidos (SACHS, 2009, p. 50-51).

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Os ecologistas profundos são biocentristas e veem como causas da crise ambiental

a

ética

antropocêntrica,

o

crescimento

populacional

e

o

desenvolvimento industrial. Eles defendem uma relação mais estreita com a natureza, a volta ao passado e às comunidades autossuficientes. Seus pressupostos de sustentabilidade são o igualitarismo biosférico, a contenção do crescimento populacional e o desenvolvimento de tecnologias de pequena escala. Os verdes, também biocêntricos, acusam a produção sem limites voltada para bens supérfluos, o crescimento populacional e o uso de recursos não renováveis. Eles pregam o uso da ecologia para explicar as relações entre natureza e sociedade. Seus pressupostos são a contenção do crescimento da população, o desenvolvimento de tecnologias limpas, a orientação energética para recursos renováveis, a condenação dos bens supérfluos e as mudanças de valores individuais. Os

ambientalistas

moderados

(positivistas)

são

antropocentristas

tecnocentristas e acreditam que a crise ambiental se deve a políticas errôneas, desconhecimento e falta de participação estatal.

As políticas ambientais de

governos geralmente se inserem nesta corrente. Relacionam a sustentabilidade à maior regulação estatal, com políticas econômicas e instrumentos para corrigir o mercado e adoção de tecnologias limpas ou verdes. O cornucopianos (liberais), também antropocentristas tecnocetristas, negam a crise ambiental e afirmam que eventuais problemas podem ser corrigidos pelo livre mercado sem participação estatal e que não deve haver restrições às tecnologias e ao uso da natureza. Os marxistas, que são antropocentristas, apenas se interessam pela natureza como esfera de atuação dos seres humanos. Para eles, as causas da crise são as relações sociais capitalistas e defendem uma mudança das relações de produção, o controle dos meios de produção pelos trabalhadores e a cidadania participativa. As duas classificações apresentadas servem para mostrar que o conceito de sustentabilidade – da mesma forma como o de desenvolvimento sustentável – pode adquirir múltiplos significados, dependendo que quem o enuncia, apesar das constantes tentativas de cunhar definições oficiais, algumas das quais foram apresentadas na seção 2.1 deste capítulo. Assim, vemos que, ao estudar ações feitas em nome da sustentabilidade, é interessante tentar compreender quais são os interesses e os pressupostos dos

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atores envolvidos, pois essa palavra pode ser usada para designar diferentes objetivos. Uma ação poderia ser proclamada como “sustentável”, por exemplo, por dar prioridade ao desenvolvimento de tecnologia de ponta, partindo da hipótese de que a crise ambiental será resolvida com a difusão de tecnologias limpas. Outra, em contrapartida, poderia igualmente fazê-lo por se dedicar ao desenvolvimento econômico e social de uma região, a partir do pressuposto de que o desenvolvimento sustentável só será possível quando se conseguir reduzir as desigualdades. No entanto, ambos os casos poderiam ser criticados. O primeiro, por exemplo, devido aos altos gastos envolvidos que inviabilizariam sua aplicação em países menos desenvolvidos, enquanto o segundo poderia ser acusado de não atender plenamente às legislações ambientais. Ao trazer esse problema para o contexto do design, podemos nos perguntar de que tipo de sustentabilidade estão falando os designers, no momento em que denominam seus projetos de sustentáveis, e de que maneiras eles pretendem atingir seus objetivos. Como dificilmente se pode esperar que houvesse consensos, podemos partir da hipótese de que existem diversas definições de design sustentável porque os designers têm diferentes concepções de sustentabilidade. Naturalmente, estes não são o problema e a hipótese deste estudo, pois seria uma meta muito ambiciosa para apenas uma dissertação. No entanto, foi a partir desse tipo de questionamento que comecei a pesquisa. Como será explicado de forma mais clara no Capítulo 4, restringi meu objetivo a compreender como os designers que entrevistei caracterizam seu trabalho, para saber se eles fazem alguma associação à sustentabilidade e qual. Para fazer esse tipo de investigação, usei um método de análise do discurso oriundo da psicologia – o qual também será descrito no quarto capítulo – mas tomei emprestados alguns elementos da antropologia do desenvolvimento que já foram descritos: a arena, os atores, os interesses. Da mesma forma como Baré e Oliver de Sardan falam sobre maneiras dos antropólogos estudarem as ações de desenvolvimento, acredito que se possa fazer no caso das ações realizadas por designers em nome do desenvolvimento sustentável. Ou seja, procurei estudar os projetos realizados pelos designers, buscando compreender as interações entre os diferentes atores e seus interesses.

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Agora que já discorri sobre a construção do conceito de desenvolvimento sustentável, as mudanças ocorridas com a noção de desenvolvimento e os diferentes discursos de sustentabilidade, introduzirei o debate no campo do design.

3 Influências e implicações da sustentabilidade para o campo do design

Se pensarmos nas questões que vêm à tona junto da discussão sobre sustentabilidade, podemos encontrar muitos pontos que afetam a prática do design. Ou seja, quando se pretende analisar ou, quem sabe, tentar resolver problemas ligados, por exemplo, aos modos de produção que afetam o ambiente natural, à poluição, ao gasto de energia, ao esgotamento de alguns recursos naturais, à obsolescência dos produtos e ao lixo urbano, torna-se necessário repensar a atuação dos designers, que são profissionais envolvidos nos processos de produção de bens de consumo. Além destas, há também outras implicações da sustentabilidade para estes profissionais, pois eles podem se engajar ou reconsiderar seu trabalho tendo em vista questões ligadas ao desenvolvimento econômico e social das populações, redução das desigualdades, inclusão social de grupos marginalizados, respeito aos direitos humanos, valorização de culturas, entre outras. De fato, o movimento ambiental e as discussões sobre sustentabilidade influenciaram algumas gerações de designers em diferentes épocas. Assim, neste capítulo discorrerei sobre as implicações e influências que eles tiveram no campo do design. Procurarei mostrar a relação do design com os modos de produção insustentáveis, a maneira como os designers acompanharam a expansão do movimento ambiental e algumas tentativas de aliar design com meio ambiente e desenvolvimento. Discorrei sobre alguns conceitos que surgiram, como design verde, ecodesign e design sustentável. Em especial, abordarei este último, o qual tem sido denominado também de design para sustentabilidade, apresentando diferentes definições usadas por diversos autores e algumas pesquisas recentes direcionadas a questões sociais. Mostrarei que, no Brasil, há uma aproximação do trabalho dos ecodesigners e designers sociais, e apresentarei algumas discussões sobre design social. Finalmente, falarei sobre o tipo de projeto que foi tomado como objeto de pesquisa desta dissertação – projetos que promovem a inclusão

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social e o desenvolvimento sustentável – e o motivo de tal escolha. Para melhor ilustrá-los, apresentarei dois projetos semelhantes aos que foram investigados, chamados Instituto Meio e Imaginário Pernambucano. Antes, porém, é preciso esclarecer que, no âmbito desta pesquisa, compreende-se o uso de neologismos – tais como design verde, ecodesign e outros – menos como conceitos muito rígidos que indicariam tipos restritos e bem definidos de design e mais como movimentos dentro do campo, ou seja, grupos de pessoas que trabalharam e escreveram com uma preocupação ou objetivo específico e de acordo com alguns princípios comuns.

3.1. A abrangência do problema: a relação do design com os modos de produção insustentáveis Os designers que se propõem a trabalhar segundo princípios da sustentabilidade devem ter em mente que esta empreitada envolve uma discussão moral e ideológica, que, dependendo da profundidade, aborda questões como os direitos, a distribuição de renda e a organização da sociedade. De acordo com Lenir Muniz e Horácio Sant´ana Júnior, a percepção da crise ambiental provoca demandas por uma nova lógica de civilização, promovendo discussões sobre “estilos de vida e de consumo, sobre ética e a cultura, sobre dinâmica política e social, e sobre a organização do espaço em escala mundial” (2009, p. 256). Assim, as implicações da sustentabilidade para o design não se restringem a uma questão tecnológica, no sentido de que bastaria apenas fazer modificações no sistema produtivo de maneira a incorporar quesitos ambientais aos projetos. Na verdade, os questionamentos que emergem da discussão sobre sustentabilidade atacam algumas das bases sobre as quais o design está apoiado, como o consumo, o mercado e o próprio sistema capitalista. A estreita ligação entre o desenvolvimento do design e do sistema capitalista fica clara no livro Objetos de desejo, de Adrian Forty (2007). O autor mostra uma história do design que evidencia a inter-relação entre essa prática social e os processos das economias modernas, reconhecendo os aspectos econômicos e ideológicos do design. A atividade do design foi importante para que o capitalismo se desenvolvesse nas indústrias de bens de consumo, uma vez que

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possibilitou aos industriais o constante aumento das vendas e do lucro. Da mesma forma, o capitalismo beneficiou esta atividade, tornando-a necessária dentro da divisão de trabalho na manufatura (FORTY, 2007, p. 124). Segundo o autor, a razão de ser do design vem da divisão do trabalho na fábrica. O design é anterior à produção mecanizada, mas se tornou um bem valioso para os fabricantes com o desenvolvimento deste tipo de produção, na segunda metade do século XIX, pois era o “design bem-sucedido” que habilitava a máquina a gerar lucros (FORTY, 2007, p. 82). Forty desconstrói a ideia de que o designer é dotado de autonomia criativa e poder de escolha, mostrando que ele se submete ao mercado e é um agente da ideologia burguesa. A decisão de, por exemplo, aumentar a variedade dos bens no século XIX coube aos fabricantes e não pode ser explicada por uma súbita onda de inventividade. O objetivo por trás de todo trabalho do designer é aumentar o lucro e transmitir ideais condizentes com a ideologia vigente por meio dos produtos. Esses argumentos podem ser complementados pela observação feita por David Harvey (1992, p. 313) de que a produção e o marketing culturais em escala global, no século passado, atuaram como agentes de compressão de tempoespaço10 – sendo que aqui podemos incluir o design como parte integrante da produção cultural. Os designers se ocupam em transformar em aumento do consumo as propensões sociais e psicológicas, como “o individualismo e o impulso de realização pessoal, a necessidade de adquirir respeito próprio, posição ou outra marca de identidade individual” (HARVEY, 1992, p. 118), os quais agem no processo de modelagem de modos de consumo e estilos de vida. Principalmente em épocas de crise financeira, o design tem papel importante na implementação de inovações técnicas e organizacionais com o intuito de reduzir as barreiras temporais e de acelerar o ritmo de reestruturação do espaço. Existem vários tipos de inovação que são usadas para aumentar o giro de capital. Dentre elas, estão a própria linha de montagem, a aceleração de processos físicos,

10

O conceito de “compressão de tempo-espaço” se refere aos processos que

revolucionaram as qualidades objetivas do espaço e do tempo a ponto de alterar o modo como representamos o mundo (HARVEY, 1992, p. 219).

38

o sistema de crédito, os bancos eletrônicos e também a obsolescência planejada no consumo, a qual se promove por meio da moda e da publicidade, como observa Harvey (1992, p. 210). Faz-se uso de um processo de destruição criativa, que desvaloriza ativos antigos a fim de abrir espaço para novos. É também importante ressaltar uma das justificativas que Muniz e Sant´ana Júnior usam para criticar a falta de sucesso da proposta do desenvolvimento sustentável dentro da lógica do sistema capitalista vigente: que a sustentabilidade ambiental começou a se transformar em mercadoria, já que

o próprio mercado de bens de consumo faz com que se valorizem cada vez mais os produtos considerados naturais, orgânicos, sustentáveis; e no que diz respeito às grandes empresas acumuladoras de capital, sua política promotora de desenvolvimento sustentável é lançar certificados de responsabilidade socioambiental, porém o que se observa é que a maioria dessas empresas capitalistas não tem nenhum compromisso real com a questão ambiental senão com sua corrida pelo crescimento econômico e o acúmulo de capital (MUNIZ; SANT´ANA JÚNIOR, 2009, p. 274).

Porém, muitas vezes acredita-se que as implicações da sustentabilidade para o design se restrinjam a levar em conta as variáveis ambientais durante o projeto, como se bastasse envolver-se nas atividades voltadas para a ecoeficiência e para a produtividade dos recursos, como as que foram listadas por Sachs (2009, p. 55): “reciclagem, aproveitamento de lixo, conservação de energia, água e recursos, manutenção de equipamentos, infraestruturas e edifícios visando à extensão do ciclo de vida”. Estas atividades foram o foco dos movimentos design verde e ecodesign, dos quais tratarei a seguir. No entanto, elas parecem ter perdido a prioridade com a emergência da abordagem do design sustentável. Vejamos agora como se deu essa maior mobilização dos designers acerca de questões ambientais.

3.2. Como os designers acompanharam a expansão do movimento ambiental O design acompanhou a expansão do movimento ambiental de forma discreta, porém ativa. Segundo Cardoso, “o ambientalismo tem passado por diversas fases na sua evolução histórica e cada uma destas correspondeu a uma visão diferente de como seria um design ambiental, ou ecodesign como querem

39

alguns” (CARDOSO, 2008, p. 245). O autor identifica duas principais ondas de preocupações com o meio ambiente no campo do design, nas décadas de 1970 e 1980, respectivamente. A primeira onda do movimento estava ligada à contracultura da década de 1970 e defendia ampla rejeição ao consumismo moderno. O design correspondeu à ideologia do ambientalismo da época, que se caracterizava pelas propostas de estilos de vida alternativos e da opção de não participar do sistema econômico e político vigente, fazendo projetos que tinham o intuito de subverter o poderio das grandes indústrias, como as propostas do tipo “faça-você-mesmo”. Victor Papanek foi um dos mais influentes designers deste período, tendo criado projetos de baixo custo para fabricação caseira de vários produtos, como cadeiras e rádios. Ele alertava que os designers contribuíam para o declínio do meio ambiente e solicitava maior responsabilidade por parte destes profissionais. Assim, ele tentava redirecionar o design para resolver problemas de cunho ambiental e, principalmente, social. Propunha, por exemplo, que se projetassem produtos voltados para países do terceiro mundo, para pessoas com necessidades especiais, para idosos e para doentes, alegando que o design negligenciava grande parte da população mundial, “um mundo em que a necessidade básica de design é muito real” (PAPANEK, 1974, p. 184, tradução nossa). A segunda onda ocorreu durante a década de 1980. Com o desenvolvimento das telecomunicações, que facilitou o acesso às informações, e o aumento de estudos e denúncias sobre os impactos ambientais em decorrência de muitos acidentes11 que ocorreram nesse período, governos e empresas se viram pressionados a incluírem o meio ambiente em suas agendas. Naquela época, o termo “verde” foi largamente difundido pela mídia e nas propagandas e apareceu uma nova estratégia na forma de consumo de produtos ecológicos ou verdes. “Principalmente na Europa e nos EUA surgiu um novo tipo de consumidor disposto a pagar mais caro para comprar produtos menos poluentes ou fabricados de acordo com padrões ambientais avançados” (CARDOSO, 2008, p. 246-7).

11

Alguns dos acidentes ocorridos na década foram: explosão de um reator nuclear de

Chernobyl na Ucrânia em 1986; o pior incêndio florestal da história que devastou uma área de sete milhões de hectares na antiga União Soviética e na China em 1987; e vários casos de derramamentos de petróleo (BURSZTYN; PERSEGONA, 2008).

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No campo de design, passou-se a usar o termo “design verde” e houve um boom de produtos e embalagens verdes, propagandas e estratégias de marketing direcionadas para o consumidor ecologicamente correto, além de selos verdes, livros sobre “como se tornar verde” e check-lists ecológicos para designers e fornecedores (MADGE, 1997, p. 45). No final da década de 1980 e início de 1990, este mercado se desenvolveu tanto que gerou um fenômeno conhecido como consumismo verde. Foram criados mecanismos de inspeção e certificação para fiscalizar produtos e empresas que alegavam estar em conformidade com os padrões ambientais, como a Série ISO 14000 (International Standards Organization). Porém, muitos dos supostos benefícios ambientais que as indústrias atribuíam aos seus produtos não passavam de estratégias de marketing, o que contribuiu para que o termo “verde” caísse em desuso. Durante a década de 1990, difundiu-se o termo ecodesign, ou design ecológico, que incluía noções de ecologia mais radicais. O ecodesign pretendia minimizar o impacto da produção e do descarte dos artefatos e, a partir de então, começou-se a desenvolver vários tipos de análise do ciclo de vida dos produtos. O design de sistemas e a gestão de qualidade passaram a ser percebidos como um meio fundamental para projetar o uso mais eficiente de recursos através do planejamento do consumo e da eliminação do desperdício (CARDOSO, 2008, p. 247). Além das duas ondas mencionadas por Cardoso, podemos, com base nos estudos de Pauline Magde (1997), ver uma terceira, a qual corresponde à propagação de outro conceito – o design sustentável. Segundo a autora, começaram a aparecer referências a este novo termo no final da década de 1990, em decorrência da difusão do conceito de sustentabilidade. Madge (1997), ao analisar a reorientação do ecodesign desde a metade dos anos 1980 até o final dos anos 1990, diz que, apesar dos termos design verde, ecodesign e design sustentável poderem ser confundidos, eles possuem algumas diferenças de significado. Constata que a transição de “verde” para “eco” e depois para “sustentável” no campo do design representa uma ampliação constante do escopo da teoria e prática da ecologia e do design, além de indicar o início do amadurecimento de uma visão crítica sobre o ecodesign.

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Antes de retomar o assunto do design sustentável com mais calma, voltarei um pouco no tempo e citarei casos de outros designers – os quais não se identificavam com esses movimentos de design verde, ecodesign ou design sustentável – a fim de mostrar que essas ondas acima descritas não correspondem aos únicos momentos em que se deu atenção ao meio ambiente e ao desenvolvimento no campo do design. Cabe frisar que não se trata de um levantamento extenso, contudo, selecionei casos que considerei significativos para o argumento que queria mostrar.

3.3. Algumas outras tentativas de aliar design com meio ambiente e desenvolvimento No século XIX, John Ruskin já previa que fatores ambientais poderiam ser uma limitação para a indústria12. Além disso, ele explicava a baixa qualidade dos produtos industriais ingleses da época pela falta de instrução dos trabalhadores e pelas péssimas condições de trabalho. Sendo assim, a solução para aperfeiçoar a produção seria promover o bem-estar dos operários. Outra questão interessante levantada por ele consistia na ideia de que a maneira que os designers tinham para transformar a sociedade seria mudando as relações de trabalho e não por meio das formas que eles projetassem. Em meados do século XX, foi a vez de Buckminster Fuller demonstrar preocupação com certas questões ambientais, como o esgotamento dos recursos naturais. Ele via nos avanços tecnológicos a chave para resolver tanto os problemas ambientais quanto para garantir a todas as pessoas um bom padrão de vida. Na década de 1960, Fuller propôs a Década Mundial da Ciência do Design 1965-1975 (World Design Science Decade 1965-1975) e publicou uma série de documentos com este título13. O objetivo era mobilizar os arquitetos, principalmente as escolas de arquitetura e os estudantes, a solucionarem grandes 12

Cardoso (2008) diz que por conta disso os textos de Ruskin recentemente voltaram a ser

estudados. 13

FULLER, Buckminster. World design science decade, 1965-1975: five two-year phases

of a world retooling design proposed to the International Union of Architects for adoption by world architectural schools. Carbondale: World Resources Inventory, Southern Illinois University, 1963-67. 6 v.

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problemas mundiais por meio do design. Um dos principais problemas levantados era como fazer com que “o total de recursos mundiais que agora [1961] servem a 40% da humanidade, servissem a 100% por meio de um design competente”. Fuller também propôs uma análise das fontes energéticas mundiais e o uso mais eficiente de recursos pela indústria. Enquanto Fuller se baseava em tecnologia de ponta, Ernst F. Schumacher14 e o já mencionado Victor Papanek propunham o uso de uma tecnologia intermediária, ou seja, diziam que o mundo precisava que a tecnologia existente fosse mais bem distribuída para que toda a população mundial pudesse usufruir de seus benefícios. É interessante observar que tal discussão veio à tona durante a época da corrida espacial, em que as grandes potências faziam enormes investimentos em avanços tecnológicos. Não é por menos que Schumacher e Papanek fizeram parte da contracultura das décadas de 1960 e 1970, afinal os dois também criticavam a expansão do consumismo. Ainda na década de 1970, o Conselho Internacional das Sociedades de Design Industrial (International Council of Societies of Industrial Design ICSID) formou o Grupo de Trabalho 4: Países em Vias de Desenvolvimento15 , para debater maneiras dos designers contribuírem para a redução dos problemas dos países do Terceiro Mundo (MARGOLIN, 2009, p. 3). A Declaração de Ahmedabad para o Design Industrial e Desenvolvimento16 de 1979, também discutiu a promoção do design em países em desenvolvimento. Contudo, era uma abordagem diferente do Grupo de Trabalho 4, pois pretendia apoiar os objetivos da produção industrial e não um desenvolvimento comunitário (MARGOLIN, 2009, p. 3). Propunha tanto o uso de materiais, habilidades e tradições autóctones quanto a incorporação dos avanços da ciência e da tecnologia. A declaração também diferia das ideias de Papanek e Schumacher sobre tecnologias intermediárias para necessidades de sobrevivência e via o

14

Ernst F. Schumacher teve grande repercussão com seu livro “Small is beautiful”

(traduzido para o português como “O negócio é ser pequeno”) publicado em 1973. 15

Margolin (2009) diz que talvez o grupo tenha sido formado em decorrência da publicação

do livro de Papanek. 16

A declaração resultou da Conferência de Ahmedabad, realizada pelo Instituto Nacional

de Design da Índia em 1979 (MARGOLIN, 2009).

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design mais como parte do processo de desenvolvimento industrial do que como ajuda humanitária (MARGOLIN, 2009, p. 2). Victor Margolin (1998), ao discutir sobre o conflito atual entre o crescimento econômico e a proteção do meio ambiente, diferencia o modelo de expansão mundial e o modelo de equilíbrio. De acordo com o modelo de expansão mundial, a economia é impulsionada pela inovação e pelo desenvolvimento da produção e o mundo é constituído por mercados em vez de nações, sociedades ou culturas. Já o modelo de equilíbrio se pauta nas ideias da ecologia e na crença de que o mundo é um ecossistema de equilíbrio delicado, baseado em recursos finitos. Duas consequências do modelo de expansão são a busca irrestrita do aperfeiçoamento dos produtos e a constante criação de novos mercados para novos produtos. Em contraposição a esta necessidade de estimular a demanda, o modelo de equilíbrio exige uma limitação do consumo, que pode ser feita pela ação voluntária e individual, caso contrário, tal limitação só será alcançada com uma reestruturação da economia global. Para Margolin, ambos os modelos são falhos, pois enquanto um ignora problemas ambientais e disparidades entre ricos e pobres, o outro é pouco realista em suas estratégias de diminuição do consumo. Sua tese é de que o vácuo existente entre eles poderia ser solucionado por meio da reformulação da prática e do ensino do design, já que o design “é uma atividade que produz resultados tangíveis, os quais podem funcionar como demonstrações ou como discussões das maneiras (sic) em que poderíamos viver” (MARGOLIN, 1998, p. 47). Para isso, seria necessário alargar o campo de ação tradicional do design, passando de uma atividade que serve aos industriais para uma engajada com os problemas como pobreza, degradação do meio ambiente, perda de confiança nas instituições, crescimento urbano descontrolado e insegurança no emprego. Outro autor que destaca as responsabilidades profissionais, éticas, sociais e culturais dos designers é Jorge Frascara (2008), que defende a tese do design de comunicação visual como um meio importante para reduzir problemas sociais, melhorar o desempenho humano e a qualidade de vida das pessoas. Para tanto, ele afirma que se pode atuar em vários tipos de projeto, dentre os quais cita os projetos que visam melhorar o acesso à informação para idosos e pessoas com visão reduzida, o melhoramento de símbolos e sinais para segurança, a sinalização

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específica para situações de emergência em prédios e plantas industriais e a produção de materiais didáticos para erradicação do analfabetismo total ou funcional e educação sobre saúde, higiene, educação primária, agricultura e segurança. Como a ajuda desses exemplos, podemos ver que as tentativas de aliar design com meio ambiente e desenvolvimento não são tão recentes, nem se restringem aos movimentos de design verde, ecodesign ou design sustentável, o que, por outro lado, não invalida a discussão feita neste estudo a respeito destes últimos, uma vez que eles são bastante representativos devido ao alcance que tiveram. Agora retomarei a discussão sobre ecodesign e design sustentável, mostrando os diferentes entendimentos que alguns autores têm sobre esses conceitos.

3.4. Comentário sobre as diferenciações entre ecodesign e design sustentável Como já foi mencionado, Madge diz que podemos encontrar algumas diferenças de significado entre os conceitos de ecodesign e de design sustentável. Aqui nesta dissertação, eles também são entendidos como abordagens distintas de projeto. Isso porque se subentende que o primeiro está voltado para questões da ecologia, ou seja, procura evitar que sejam causados impactos ao ambiente natural em decorrência dos processos produtivos ou em qualquer outra etapa do ciclo de vida dos produtos, enquanto que o design sustentável é visto como aquele que tem por objetivo promover o desenvolvimento sustentável. Conforme já foi mostrado, esta meta é mais ampla e envolve, além de preocupações com a ecologia, outros aspectos de caráter social, econômico e político. Sendo assim, acredito que o design sustentável também deva ser visto de forma mais ampla. Contudo, antes de discorrer com mais calma sobre o conceito de design sustentável e apresentar algumas definições usadas por diferentes autores, listarei as estratégias que podem ser usadas para o objetivo que mencionei acima: reduzir os impactos causados ao ambiente natural em decorrência dos processos produtivos ou em qualquer outra etapa do ciclo de vida dos produtos – que são vistas aqui como estratégias típicas de ecodesign.

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Segundo Júlio Silva (2009), pode-se considerar o ecodesign como uma aplicação dos princípios de eco-eficiência no design, os quais, por sua vez, têm como principal característica uma preocupação com o uso de recursos materiais e energia, além de fazer a ligação entre os objetivos ambientais e econômicos. O autor toma como base os estudos de Brezet e Van Hemel (1997), os quais propuseram uma divisão do ecodesign em oito principais estratégias: 1. seleção de materiais de baixo impacto; 2. redução no uso de material; 3. otimização das técnicas de produção; 4. otimização do sistema de distribuição; 5. redução do impacto no uso; 6. otimização da vida útil; 7. otimização do fim de vida; e 8. novos conceitos de produtos sustentáveis. As últimas duas estratégias possuem subdivisões. A otimização do fim da vida pode ser feita por diversas abordagens, a saber: reuso, remanufatura, reciclagem, desmontagem e separação mecânica. Já o que eles chamaram de novos

conceitos

desmaterialização,

de

produtos

sistemas

sustentáveis

produto-serviço,

envolve integração

abordagens de

de

funções

e

compartilhamento. Por se tratar de uma lista extensa, cujos itens são bastante técnicos e complexos, não explicarei cada uma dessas estratégias aqui, uma vez que fugiria ao objetivo deste estudo. Mais detalhes e descrições sobre cada uma delas podem ser encontrados tanto no manual de Brezet e Van Hemel (1997), quanto na tese de Silva (2009). Passarei então para a discussão sobre diferentes definições de design sustentável.

3.5. Apresentação de diferentes definições de design sustentável ou design para sustentabilidade Para Madge, o design sustentável retoma a discussão sobre responsabilidade ética e social que estava em pauta na década de 1970, além de incluir a noção de tempo. Ela afirma que este campo ainda envolve estratégias de reciclagem, desmontagem e desmaterialização, mas que também aborda questões relacionadas

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às desigualdades existentes entre países, enfatizando os princípios de equidade e participação. Assim, enfatiza também os projetos de produtos, serviços e sistemas que atendem às necessidades humanas básicas. Segundo Carlo Vezzoli (2006, p. 6), a disciplina do design para sustentabilidade alargou seu escopo e campo de atuação, passando por diferentes estágios. O primeiro foi o da seleção de materiais e energia de baixo impacto, como materiais inócuos, recicláveis, biodegradáveis e renováveis. Depois se chegou ao design de ciclo de vida ou ecodesign de produtos, com os quais se pretendia diminuir os impactos de cada produto individualmente. Posteriormente, veio o design de sistemas de produto-serviço eco-eficientes, que já visava a uma mudança dos modos de produção e consumo em maior escala. Atualmente, estamos no estágio do design para sustentabilidade social e ética, no qual o princípio de equidade é um objetivo fundamental e não indireto, com um potencial resultado de redução radical de recursos em contextos industriais17, além de se atentar para a distribuição e disponibilidade desses recursos de forma igualitária. Já Mark Hilton (2001), no relatório “Design for sustainable development: sucess factors” apresenta uma definição mais específica que Vezzoli, o que fica evidente em sua explicação sobre o termo “produção sustentável”:

Produção sustentável é a provisão de bens e serviços dentro da capacidade de carga do meio ambiente. No sentido ambiental, ela inclui eco-eficiência e ecodesign, mas vai além em termos de desmaterialização (e. g. prover serviços em vez de produtos) e usando principalmente materiais renováveis (e. g. fibras naturais em vez de plástico), materiais recicláveis/residuais (e. g. os resíduos de uma indústria se tornam matéria-prima para outra), energia renovável (e. g. energia solar) e químicas verdes (e. g. sem o uso de produtos químicos tóxicos, altas pressões e temperaturas). Ela naturalmente se relaciona a conceitos como biorefinação, permacultura e ecologia industrial. No sentido sócio-econômico, ela inclui ambientes de trabalho sustentáveis, mas também mantém ou melhora a qualidade de vida de seus funcionários e daqueles que fazem parte da comunidade local, por meio do provimento de outras necessidades humanas como satisfação no trabalho, segurança no trabalho, equidade, inclusão, tempo livre etc. (HILTON, 2001, p. 126, tradução nossa).

Daniel Wahl e Seaton Baxter defendem uma mudança profunda do design, como fica claro na afirmação: “O design para sustentabilidade não requer apenas redesign de hábitos, estilos de vida e práticas, mas também do modo como pensamos o design” (2008, p. 72, tradução nossa). Para estes autores a visão de 17

Ver VEZZOLI, 2006.

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sustentabilidade prevê uma mudança social e civilizatória, devido aos problemas de mudanças climáticas, desigualdades dentro e entre os países, desintegração social e ecológica e rápido esgotamento dos recursos. Eles defendem que o design possa se tornar uma ferramenta para mudança da sociedade caso permaneça aberto para a contribuição de outras disciplinas e crie “soluções saudáveis e mais apropriadas para os complexos desafios da sustentabilidade” (WAHL; BAXTER, 2008, p. 74, tradução nossa). Segundo os autores,

Como toda decisão de design depende da visão de mundo e do sistema de valores, um mapa dinâmico do surgimento de visões de mundo cada vez mais inclusivas na sociedade humana poderia ajudar-nos a entender decisões passadas de design, assim como indicar-nos um caminho para tomar decisões de design futuras por uma perspectiva mais holística e inclusiva. Através do diálogo de design transdisciplinar, será possível criar visões de sustentabilidade locais, regionais e globais. O diálogo de design transdisciplinar pode ajudar a humanidade a encarar a intrincada complexidade da sustentabilidade como ‘o’ wicked problem of design. Em um sistema dinâmico complexo, que muda constantemente e é imprevisível, não há garantias de sucesso. No entanto, a humanidade pode – com imaginação, humildade e precaução – pretender escolher e materializar a sustentabilidade pelo design” (WALH; BAXTER, 2008, p. 76, tradução nossa).

Wahl e Baxter (2008) ainda afirmam que os designers devem incorporar considerações sobre saúde, felicidade, bem-estar, significado e qualidade de vida nos processos de design e que possam ajudar a mudar as visões de mundo dominantes e os sistemas de valores. Além disso, os autores dizem que, provavelmente, as soluções ocorrerão no âmbito de novos processos, estilos de vida e mudanças de significado, mais do que em artefatos materiais. De forma semelhante, Margolin (1998, p. 48) fala que os designers podem projetar produtos que demonstrem novos valores emergentes relacionados às questões socioambientais, com o intuito de que, assim, o público se sensibilize. Os designers precisam passar de uma atividade que serve aos industriais para uma que busca resolver problemas como a pobreza, a degradação do meio ambiente, a perda de confiança nas instituições, o crescimento urbano descontrolado, a

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insegurança no emprego, a alienação da juventude e as rupturas econômicas monetárias18. Tratando especificamente sobre design para sustentabilidade ambiental, Vezzoli (2006) diz que este campo deve aproveitar os métodos e ferramentas de design estratégico e vice-versa. Segundo o autor, as habilidades necessárias aos designers são: projetar produtos e serviços em conjunto, em uma perspectiva baseada na satisfação; criar novas configurações entre os diferentes agentes sociais, a fim de se encontrar soluções inovadoras capazes de combinar interesses econômicos e ambientais; e, facilitar o processo de design participativo entre empresários, usuários, organizações não-governamentais, instituições etc. (VEZZOLI, 2006, p. 11). Sistemas de produto-serviço são “resultado de uma estratégia inovadora que muda o centro do negócio do design e venda de um único produto (físico) para sistemas de produtos e serviços que consigam, em conjunto, atender a uma demanda”19. Porém, como observa Vezzoli, nem todo sistema de produto-serviço é ecoeficiente. Portanto, o autor cita alguns critérios para determinar a ecoeficiência deste tipo de sistema: estilo de vida otimizado; transporte e distribuição diminuídos; recursos reduzidos; emissões e dejetos minimizados ou valorizados; renovação e biocompatibilidade aumentadas; e materiais inócuos ou venenosos20. Existem outras maneiras de avaliar a ecoeficiência de um produto ou serviço. Um exemplo é a ferramenta de design estratégico elaborada por William McDonough e Michael Braungart (2002), a qual foi desenvolvida com base no tripé: ecologia, equidade e economia. Os autores, que defendem a transformação da indústria através do ecodesign, citam, dentre os critérios que utilizam em sua

18

Estas foram as questões levantadas no relatório “Limits to Growth” do Clube de Roma,

apud Margolin (1998, p. 40). 19

Esta definição de sistema de produto-serviço foi apresentada no relatório UNEP, Product-

service systems and sustainability: opportunities for sustainable solutions. United Nations Environmental Programme, Division of Technology Industry and Economics, Production and Consumption Branch, Paris, 2002, apud Vezzoli (2006, p. 8). 20

Vezzoli (2006, p. 10) cita os critérios que estão na ferramenta chamada Sustainability

Design-Oriented (SDO-MEPPS), desenvolvida no projeto MEPPS – Method for PPS Development.

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ferramenta, aspectos como justiça social, igualdade de gênero, diversidade, qualidade de vida, saúde, respeito, prazer e diversão. Ezio Manzini e Anna Meroni (2007, p. 161) argumentam que existe uma estreita relação entre as dimensões ambiental e social da sustentabilidade pelo fato de ambas tratarem de esforços para que todas as pessoas possam viver melhor, reduzir a pegada ecológica e melhorar a qualidade do tecido social. Para Nicola Morelli (2007, p. 4), enquanto cabe aos cientistas evitar catástrofes ambientais, os designers e outros atores sociais devem focar nas questões sociais, culturais, políticas e econômicas trazidas pela globalização. Ele propõe que a lógica industrial seja utilizada na resolução de problemas sociais, como desemprego, fluxos migratórios, envelhecimento da população e novos padrões culturais (MORELLI, 2007, p. 5). No entanto, o autor atenta para duas mudanças significativas ocorridas em nossa sociedade. A primeira é que muitos dos serviços sociais, que antes pertenciam ao Estado, hoje são cobertos pelo mercado, sendo que o autor questiona se o mercado irá manter uma alta qualidade destes serviços. A segunda é que a ideia de conforto – por ser vista como uma tentativa de aliviar as tarefas cotidianas das pessoas e ter feito com que muito daquilo que era resolvido pelos indivíduos e suas famílias passasse a ser feito por um produto – contribuiu para a “passivização” dos consumidores. Sendo assim, temos que o design sustentável envolve várias abordagens de projeto que tratam de questões ambientais, como análise do ciclo de vida, uso de energia e materiais renováveis, transformação de produtos em serviço, desmaterialização, design para desmonte, reciclagem, reaproveitamento de produtos duráveis e embalagens etc. No entanto, como já vimos, ele também tem um lado social importante e é por isso que se difere do ecodesign e do design verde. Já foi colocado que o design sustentável é visto como aquele que tem por objetivo promover o desenvolvimento sustentável. Porém, é de suma importância que os designers se perguntem que tipo de desenvolvimento pretendem alcançar. Não basta defini-lo somente como “desenvolvimento sustentável” e acreditar que este nome já indica as principais características. Afinal, por trás deste conceito há vários entendimentos possíveis, ou seja, existem muitas disputas a seu respeito. Tais disputas tratam não somente do conceito, mas também de quais são as

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questões prioritárias, do que se deve fazer para promovê-lo, de quais ações e políticas são mais adequadas etc. É preciso compreender que, para aqueles que advogam um desenvolvimento sustentável promovido dentro dos marcos do mercado e baseado principalmente em avanços tecnológicos, é essencial promover mudanças nos processos produtivos de maneira a reduzir o gasto com energia e recursos naturais. Todavia, para aqueles que acreditam que a sustentabilidade do planeta e o desenvolvimento sustentável das sociedades devam passar necessariamente por uma mudança profunda, ou até substituição, do sistema capitalista vigente, mudanças deste tipo não são suficientes. Dentro desta segunda concepção, parecem muito mais profícuas, por exemplo, as iniciativas de designers de promover novos estilos de vida menos intensivos em bens e mais ligados aos territórios e às comunidades ou procurar por novas formas organizacionais dentro da própria sociedade – as inovações sociais como são chamadas por Manzini (2007) – que apontem para modos de vida mais sustentáveis.

3.6. Pesquisas em design para sustentabilidade com foco em questões sociais Apesar de grande parte dos estudos de design direcionados para questões ambientais manterem o foco nos processos produtivos, existem outras frentes de trabalho possíveis. A seguir, são mostrados três exemplos de pesquisas em design que apresentam uma visão mais abrangente de possibilidades de relacionar design e sustentabilidade. De 2004 a 2006, o projeto Emerging User Demands for Sustainable Solutions (EMUDE) pesquisou a emergência de “grupos de pessoas ativas e empreendedoras que inventavam e colocavam em prática maneiras originais de lidar com problemas do cotidiano” (MANZINI; MERONI, 2007, p. 159) na Europa e, posteriormente, em outras partes do mundo. Um dos objetivos da pesquisa era observar este fenômeno de inovação social e pensar em maneiras como estas iniciativas poderiam evoluir para inovações do tipo produto-serviço. De acordo com Manzini (2007), casos de inovação social estão surgindo na forma de novos comportamentos, novos modelos de organização e novos modos de vida. Apesar de alguns desses casos serem ainda mais insustentáveis do que o

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modelo atual, outros – chamados de casos promissores – parecem apontar para modos de vida mais sustentáveis. É o caso, por exemplo, de grupos que buscam um bem-estar menos intensivo em produtos e mais intensivos em bens comuns ou que se organizam de forma colaborativa. O envolvimento dos designers nesses casos de inovação social21, segundo Manzini, deve acontecer por meio das seguintes ações: dar visibilidade aos casos promissores, enfatizando seus aspectos mais interessantes; construir cenários de potenciais futuros, mostrando o que poderia acontecer se esses casos se espalhassem; desenvolver sistemas facilitadores22, concebendo soluções para aumentar a eficiência e acessibilidade dos casos promissores; e promover contextos criativos, colaborando para o desenvolvimento de ferramentas de governança23 (MANZINI, 2007, p. 239). A segunda pesquisa pertence a Morelli (2007). De acordo com o autor, a abordagem tradicional do design (centrado no produto) não oferece muitas oportunidades para se melhorar a vida das populações carentes, pois trabalha com as lacunas e deficiências dos grupos sociais, vendo o usuário como um problema. Ele propõe que esta perspectiva seja substituída por outra, que veja o usuário como fonte e trabalhe com suas capacidades. Os designers mudariam o foco da manufatura de produtos para a co-produção de soluções, enquanto que os clientes passariam de consumidores a co-produtores. A proposta de Morelli é que o design deixe de focar na provisão de produtos e passe a organizar ou dar suporte a redes de “stakeholders” locais (MORELLI, 21

Mais informações sobre design para inovação social podem ser encontradas no livro

“Design para inovação social e sustentabilidade: comunidades criativas, organizações colaborativas e novas redes projetuais” de Ezio Manzini, uma publicação feita a partir de um curso que o autor ofereceu no Programa de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ em 2007. 22

Sistemas facilitadores são sistemas que providenciam instrumentos cognitivos, técnicos e

organizacionais para permitir que indivíduos ou comunidades atinjam um resultado, usando suas próprias aptidões e habilidades, enquanto regeneram a qualidade de vida em seu contexto. Dois exemplos de soluções desse tipo são um sistema de auxílio de saúde e educacional desenvolvidos para uma pequena creche e um software feito para um grupo de compra solidário (MANZINI, 2007, p. 240). 23

As ferramentas de governança devem dar aos grupos criativos acesso a espaços físicos e

virtuais onde eles possam trocar ideias, comunicar-se, ajudar-se mutuamente e construir colaborativamente um novo corpo de conhecimento comum (MANZINI, 2007).

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2007, p. 8). Desta forma, seus novos clientes seriam redes de pequenas empresas, instituições, associações, grupos cooperativos e consumidores individuais, para os quais seriam projetados plataformas, cenários e estratégias operativas. Uma das novas tarefas dos designers seria identificar e replicar soluções inovadoras produzidas a partir de atitudes criativas de consumidores locais (MORELLI, 2007, p. 9). A outra autora que aborda questões sociais do design sustentável é Maristela Ono, porém sua discussão é bastante diferente daquela realizada por Manzini, Meroni e Morelli. Ao falar sobre o papel do designer no desenvolvimento da cultura material, Ono (2004, p. 63) se posiciona a favor de usar a diversidade cultural dos vários contextos locais como riqueza e fonte estratégica para o desenvolvimento sustentável de produtos voltados para o bem-estar das pessoas. Ela destaca a importância de se considerar a pluralidade de anseios, necessidades e características dos indivíduos e grupos sociais e de se respeitar suas identidades e promover sua autonomia. Ono defende a ideia de “um ‘design para todos’, que conduza ao ‘acesso ao mercado de consumo democrático para todos’, não sendo discriminatório e prejudicial à qualidade de vida da sociedade como um todo” (ONO, 2004, p. 62). Ela diz que o designer pode ser um agente reprodutor das desigualdades existentes entre diferentes grupos sociais ou um agente emancipador, o que se assemelha ao conceito de humanismo projetual, apresentado por Bonsiepe:

O humanismo projetual seria o exercício das faculdades do design para interpretar as necessidades de grupos sociais e elaborar propostas viáveis emancipatórias em forma de artefatos instrumentais e artefatos semióticos. Por que emancipatórias? Pois o humanismo implica na redução da dominação, e no caso do design, atenção também aos excluídos, aos discriminados, como se diz no jargão economista, os menos favorecidos, ou seja, a maioria da população deste planeta (BONSIEPE, 2005, p. 4).24

Assim, a autora ressalta “a necessidade de se promover o design ‘nas e para’ as sociedades periféricas, como um elemento propulsor da melhoria das 24

Bonsiepe pretende estender ao campo do design a visão de Edwar Said, que caracteriza o

humanismo, no campo da linguagem e da história, como “o exercício das faculdades da linguagem para compreender, reinterpretar e analisar os produtos da linguagem da história, em outras linguagens e em outras histórias”. (SAID, Edward W. Humanismo e crítica democrática. São Paulo: Cia das Letras, 2007 apud BONSIEPE, 2005, p. 4).

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condições de vida das pessoas e da emancipação social, política e econômica” (ONO, 2004, p. 63) já que o atual processo de liberalização dos mercados pode gerar uma competição desigual para as indústrias nacionais destes países.

3.7. Designers sociais e ecodesigners no Brasil No caso do Brasil, esse acompanhamento da expansão do ambientalismo e da difusão do conceito de sustentabilidade teve uma característica singular que refletiu dentro da área do design. Segundo Giuliana Capello (2010), na década de 1990, os dois movimentos que seguiam caminhos paralelos e independes se encontraram:

De um lado o movimento social, dos intelectuais centrados em propor estratégias de inclusão e diminuição das desigualdades. Do outro, o ambiental, dos ativistas, que criavam programas de incentivo a produtos ecológicos e sistemas de certificação para impulsionar ações de redução de impactos no meio ambiente (CAPELLO, 2010, p. 257).

De acordo com a autora, a primeira geração de ecodesigners e designers sociais25 no país nasceu com as crescentes preocupações acerca dos efeitos da perda de florestas, da poluição industrial e do descaso com resíduos urbanos, criando as bases para um design consciente:

Madeiras caídas na mata, certificadas ou de reflorestamento ganharam ateliês e movelarias. O artesanato com matérias-primas naturais uniu o manejo sustentável dos recursos e a geração de trabalho e renda para comunidades carentes, antes desprovidas de esperança no amanhã. Juntos, o social e o ambiental formaram mais que o vocábulo socioambiental, mas um jeito novo de fazer design. (CAPELLO, 2010, p. 257)

De fato, ainda nos dias de hoje podemos encontrar diferentes exemplos de projetos que aliam preocupações sociais e ambientais, da forma como Capello 25

O livro “Design Brasil: 101 anos de história”, organizado por Pedro Santana, apresenta

os trabalhos de vários designers que atuaram no país. Os designers são agrupados em nove categorias, sendo a última a dos “ecodesigners e designers sociais”, que corresponde ao capítulo cuja introdução foi feita por Capello. Neste capítulo, foram mostrados os trabalhos dos designers Christian Ullmann, Tânia de Paula, Fabíola Bergamo, Heloisa Crocco, Hugo França, Érica Krantz, Lars Diederichsen, Paula Dib, Pedro Petry e Renato Imbroisi.

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descreveu. Antes de mostrar alguns desses projetos, discorrerei sobre o termo design social, a fim de esclarecer ao leitor como que, nesta dissertação, a ideia de “designers sociais” será vista de forma abrangente. A seguir, mostrarei algumas ocasiões em que este termo foi cunhado como uma abordagem específica de design e discussões a seu respeito.

3.8. Algumas discussões sobre design social Cardoso (2008) afirma que na década de 1980, teve início uma preocupação mais explicita dentro do país com a ideia de um design social. Isso vai de encontro com o relato de Rita Couto (1992). Segundo a autora, foi naquela década que, no departamento de Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, começou-se a chamar um determinado modo de projetar de design social26. Estimulava-se que os alunos procurassem seus temas de projeto fora do contexto da universidade para que trabalhassem com situações reais e com as necessidades destes contextos. Segundo Couto, o design social é uma atividade que “surgiu a partir dos interesses, necessidades e modelos culturais de alguns contextos e porque ela é, por excelência, um processo de interação social” (COUTO, 1992, p. 4). Esta prática seria diferente do design voltado para a indústria, principalmente pelo fato de que, neste último:

o pragmatismo quase sempre presente nos sistemas produtivos vinculados ao modelo industrial, imprime um ritmo acelerado à produção de objetos novos, que, por sua vez, acham-se em contínua mutação (COUTO, 1992, p. 5).

Já no design social, a autora cita Ripper27 ao afirmar que as inovações dos projetos com este enfoque consistem em:

26

Com o passar do tempo, esse modo de projetar evoluiu e atualmente é conhecido na

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro como “design em parceria”. Segundo Couto e Ribeiro, “Entende-se (...) que a participação do usuário em praticamente todas as etapas do processo de projeto, permitindo a construção interativa do objeto, é uma das principais características da prática do Design em Parceria”. 27

Ripper, José Luiz Mendes. Desenho Social. 1989, (manuscrito).

55

introduzir em praticamente todas as etapas do processo de projeto, que objetiva produtos práticos, a participação efetiva de elementos da população alvo, ou seja, dos futuros usuários do produto. Com esta prática, o Design Social procura contornar a situação da população de usuários marginalizada em relação aos produtos a ela dirigidos (Couto, 1992, p. 5)

Uma das principais características do design social, de acordo com Couto, é a participação do usuário em quase todas as etapas do processo de projeto. Este modo de projetar dá grande atenção às necessidades específicas da população alvo dos produtos, ou seja, a seus futuros usuários. Difere, portanto, do sistema convencional de projetar produtos, em que se dá prioridade à lógica dos meios de produção e em que se objetiva a produção em série. Essa mudança que ocorreu no departamento desta universidade não foi de forma alguma anacrônica. Ao atentarmos, por exemplo, para os Anais do 4º Encontro Nacional de Desenhistas Industriais ocorrido no ano de 1985, em Belo Horizonte, vemos como os conteúdos sociais estavam sendo discutidos naquele período. No primeiro painel, intitulado “Função social do design”, os debatedores falaram sobre “projetos especiais”, ou seja, projetos ligados a populações de baixa renda, e abordaram temas como metodologias participativas, utilização de tecnologia apropriada e organização da população. Uma das debatedoras do painel, chamada Rosinha Dias, defendeu que os designers fossem a campo e entrassem em contato direto com as pessoas que iriam usar os produtos projetados, o que condiz com a proposta de Couto. Vejamos um trecho da fala de Dias:

Como seria interessante, antes de fazer o desenho, de responder uma demanda do empregador ou da instituição, se pudesse preservar o direito do desenhista de pesquisar em campo, e, junto das pessoas, a partir daí, contar com sua sensibilidade para captar a realidade. (DIAS, 1985, p. 43)

Ricardo Mendes Mineiro, que era outro debatedor, abordou em sua palestra o assunto da participação popular no projeto. Ele assinalou que, em projetos de design social, o designer tem um comportamento diferente do que teria em uma situação convencional de projeto, já que ele precisa se anular a fim de deixar espaço para as demais pessoas participarem:

Essa questão acho importante: projetando e abrindo o projeto à participação popular do usuário. O povo interferindo e quanto maior a interferência, mais

56

justo o projeto. Mais bonito se menor a participação do desenhista. O ‘designer’ atinge, então, um ponto de nulidade e aí é preciso ter segurança suficiente para suportar a crise a que se está sujeito. Parece (...) uma questão de rever a postura, porque o comportamento do ‘design’ social nesse aspecto que falo é muito diferente do comportamento do ‘design’ do jeito que fazemos. (MENDES MINEIRO, 1985, p. 45)

Mendes Mineiro relatou sua experiência de trabalho e contou que o incomodava o fato de saber que seus projetos de fogões, geladeiras, liquidificadores e televisões não eram feitos para os “milhões de brasileiros que estavam pobres, passando fome” (MENDES MINEIRO, 1985, p. 44). Assim, decidiu ir para uma cidade do interior de Minas Gerais e se dispôs a fazer um projeto junto a agricultores da região a fim de melhor qualidade de vida daquelas pessoas. Como exemplo de ações realizadas, mencionou um sistema de tratamento de água feito com bambu e a produção de carteiras escolares. Segundo Mendes Mineiro, devido à falta de oportunidade para buscar financiamento, teve que usar matéria-prima local e tecnologia fácil de ser utilizada:

Não tinha nenhuma indústria para que eu pudesse ‘fazer a cabeça’ do industrial para a realidade que estava ao lado. Só pude então, fazer produtos com matériaprima local e uma tecnologia fácil de ser utilizada de tal forma que eles mesmos pudessem produzir. (MENDES MINEIRO, 1985, p. 44)

Por outro lado, Maurício Galinkin, que também compunha a mesa de debate do painel, afirmou que a tecnologia apropriada deve ser usada apenas como intermédio para que se alcance uma tecnologia moderna:

Da mesma forma, a tecnologia ‘apropriada’ só faz sentido, em meu entender, se vista como um processo que vise alcançar – em um espaço de tempo razoável – uma tecnologia moderna que não agrida a cultura e o meio ambiente, para colocar a população-alvo em condições dignas de vida e com um grau de produtividade consentâneos com a sociedade moderna. (GALINKIN, 1985, p. 42-43)

Durante o debate, foi discutida a questão de que os designers, como outros técnicos que atuam em projetos especiais, deparam-se com dificuldades que não podem ser resolvidas por meio de soluções técnicas, uma vez que decorrem de problemas sociais e econômicos mais profundos. Assim, esses projetos dificilmente conseguem, por exemplo, fazer com que haja aumento de renda daquela população que é atendida. Porém, pareceu que os debatedores

57

concordaram em um ponto quanto ao impacto positivo que os projetos geram: a organização popular. Galinkin fez algumas considerações relevantes sobre este ponto. Para o debatedor, o convívio do técnico com a população faz com que esta reproduza formas de organização social mais avançadas (GALINKIN, p 50). Quando o técnico convive com as populações, discute, mostra ações na prática e não nos discursos e tenta compreender a vida daquelas pessoas, elas passam a se organizar e a lutar por seus direitos. Para Galinkin, ao ir a uma comunidade, o técnico tem uma função política, que não pode ser confundida com uma função partidária ou uma de liderança. Trata-se de uma função de assessoria, pois ele deve analisar a situação e apresentar alternativas possíveis para quem decide. No início de sua fala no painel, ele já havia tocado neste assunto, defendendo que se investisse na organização das populações atendidas para que elas tenham controle e possam escolher como e com que velocidade serão feitas as mudanças:

As experiências de projetos especiais que tive a oportunidade de observar – algumas delas aqui serão rapidamente relatadas pelos outros participantes deste painel – e nas quais a participação dos desenhistas industriais tem sido relevante, mostram a necessidade de se ‘investir’ efetivamente na organização das populações ‘atingidas’ por esses projetos, de forma que possam trafegar no sentido da modernização sem que sua cultura e forma de organização social sejam violentadas, e que as permitam escolher a velocidade, o sentido e realizar naturalmente essas mudanças. Pois só assim o avanço inexorável do capitalismo poderá se dar em seu benefício, por elas mesmo dirigido, evitando sua marginalização na sociedade moderna que se pretende construir em nosso país, onde a justiça social e a universalização do bem-estar sejam efetivamente alcançados. (GALINKIN, 1985, p. 43)

Como vemos, o design social da proposta de Couto difere daquele imaginado por Mendes Mineiro, Galinkin e por outros debatedores do painel. Apesar de se assemelharem quanto ao caráter participativo, a primeira fala de projetos feitos com usuários de qualquer classe social, enquanto os outros se referem a ações realizadas com populações de baixa renda. De fato, a expressão design social já foi utilizada em diferentes movimentos para designar diversos tipos de abordagem. Podemos citar, a título de exemplo,

58

uma publicação28 da Universidade de Artes e Design de Helsinki de 2007, na qual consta a seguinte definição:

Design social é uma prática profissional que contribui para o desenvolvimento econômico local ou meio de vida. O ponto de partida do design social é o pensamento de design estratégico. Isso resulta na criação de políticas e em sua implementação em um nível governamental. (MIETTINEN, 2007, p. 9, tradução nossa)

Outra variação é o design socialmente responsável defendido por Gloria Jurado e Ana Cielo Aguilar, ambas da Pontifícia Universidade Javeriana de Bogotá:

(...) as iniciativas de design socialmente responsável devem estar relacionadas com pesquisas que gerem benefício no âmbito econômico, na melhoria da interação social e na conservação e manejo adequado do ambiente, composto integralmente por natureza e sociedade. Como resultado, podemos entender que inclui as respostas projetuais criativas e pertinentes e os produtos gerados pelo designer com as comunidades ou populações-alvo e partes interessadas nas cadeias produtivas e/ou de serviços, com o objetivo de alcançar transformações que contribuam para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa. (JURADO; AGUILAR, 2008, p. 89, tradução nossa)

Para Jurado e Aguilar, as características do design socialmente responsável incluem: o compromisso com o desenvolvimento integral da pessoa humana e das comunidades; a construção de uma sociedade inclusiva do ponto de vista de classe, etnia e gênero; a garantia de participação ou dissidência ante as decisões que afetem as comunidades; as ações que gerem autonomia das pessoas e das diferentes comunidades; a proteção do meio ambiente; a diminuição do consumo de recursos; a redução de dejetos e emissões contaminantes; a diminuição do gasto energético; as ações que promovam a autonomia tecnológica; a geração de práticas comerciais respeitosas, dentre outros aspectos (JURADO; AGUILAR, 2008, p. 90). A partir da integração de fatores socioambientais, socioculturais e socioeconômicos, as autoras apresentam alguns indicadores para o planejamento e a avaliação de cada etapa do desenvolvimento de projetos (JURADO; AGUILAR, 2008, p. 96-99). 28

A publicação, intitulada “Design yor action: social design in practice” e organizada por

Satu Miettinen, reuniu artigos e estudos de caso sobre políticas de design como ações civis e governamentais em diversos países: Chile, Finlândia, Itália, Portugal, Namíbia, Brasil e China.

59

Podemos ver que a proposta de Jurado e Aguilar para um design com responsabilidade e pertinência social equipara preocupações ambientais e sociais. Dentre os principais referencias teóricos utilizados pelas autoras para fundamentar seus indicadores, está um artigo29 que fala especificamente sobre desenvolvimento sustentável, o que serve para mostrar como o trabalho delas foi influenciado por este conceito. Agora que já mostrei brevemente algumas discussões sobre um design social e vimos como, dependendo do autor ou da época, pode-se enfatizar diferentes aspectos, retomarei o quadro brasileiro, especificamente no que diz respeito aos atuais projetos que aliam questões ambientais e sociais, seguindo os indícios apontados por Capello (2010).

3.9. Projetos de designers com preocupações sociais e ambientais nos quais são feitas referências à sustentabilidade Atualmente, há uma quantidade significativa de designers no Brasil que trabalham com grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade, fazendo capacitações e consultorias. O intuito dessas ações é aumentar a geração de renda dos grupos, melhorar sua qualidade de vida e valorizar sua identidade cultural e os conhecimentos tradicionais. Em muitos dos projetos, podemos encontrar referências à sustentabilidade em seus relatórios, sites e materiais de divulgação oficiais, notícias em jornais, premiações recebidas etc. Em alguns casos, por exemplo, trabalha-se com manejo sustentável de recursos naturais, reciclagem e reaproveitamento de materiais. Neste estudo, vou me referir aos projetos realizados por estes designers como projetos que visam à inclusão social e ao desenvolvimento sustentável. A seguir, apresentarei dois projetos deste tipo: Instituto Meio e Imaginário Pernambucano. O Instituto Meio foi criado em 2005 em São Paulo. Segundo Santana, “é uma organização especializada na implementação e gestão de projetos de negócios que contribuam para o desenvolvimento sustentável de grupos de artesanato comunitário” (2010, p. 272). Com uma equipe de designers e

29

González, Francisco. Desarrollo Sostenible y Comprensión de la Problemática

Ambiental. Revista Oikos: Ecología Medio Ambiente y Cultura. Panamá: Edición n. 1, 2005.

60

profissionais de outras áreas, o instituto segue o “caminho do fortalecimento do empreendedorismo local participativo” (INSTITUTO MEIO, 2012) e já fez projetos com comunidades de várias regiões do país, principalmente em regiões rurais ou pequenas cidades. Atualmente, a instituição possui cinco áreas de atuação: o desenvolvimento social comunitário, por meio de projetos que visem aumentar a geração de renda de comunidades; o desenvolvimento empresarial, focado na capacitação de empreendedores individuais; a responsabilidade social empresarial, oferecendo serviços às empresas que queiram realizar ações sociais; inovação tecnológica, para micro e pequenas empresas; e o apoio à comercialização, para facilitar que os produtos cheguem às lojas e aos consumidores (INSTITUTO MEIO, 2012). Diversas referências à sustentabilidade podem ser encontradas em seu site institucional, a começar por sua descrição na página inicial, que cita as dimensões econômica, social, ambiental e cultural:

O Instituto Meio é uma organização privada, sem fins lucrativos, que tem como missão gerir investimentos sociais privados e públicos que buscam o desenvolvimento e ampliem as oportunidades de emprego e renda, através de soluções economicamente viáveis, socialmente justas, ambientalmente sustentáveis e culturalmente aceitas (INSTITUTO MEIO, 2012).

Outro exemplo é a descrição das comunidades atendidas: “Localizadas fora dos grandes centros urbanos, com baixo IDH, mas com talentos humanos e potencialidades naturais que favorecem o desenvolvimento sustentável” (INSTITUTO MEIO, 2012). A seção do site que apresenta os produtos comercializados se chama “produtos sustentáveis” e, dentre os critérios descritos, está o seguinte item, que fala sobre os impactos ambientais:

A matéria-prima e o processo produtivo devem apresentar o mínimo impacto ambiental possível. O Instituto Meio dará prioridade a produtores que não utilizem produtos químicos na fabricação (INSTITUTO MEIO, 2012).

O segundo projeto se chama Imaginário Pernambucano. Ele teve início em 2000 como projeto de extensão da Universidade Federal de Pernambuco e, desde então, tem tido a contribuição de diversos departamentos da universidade, principalmente do Departamento de Design, além de outras instituições. Seu foco

61

está na valorização do artesanato e no reconhecimento desta atividade na geração de emprego e renda. As ações do projeto têm sido feitas em comunidades do estado de Pernambuco que possuem baixo IDH e alguma tradição em produção, sendo geralmente aquelas que estão “em situação de pobreza e vulnerabilidade social



quilombolas,

indígenas,

jovens

e

mulheres”

(ANDRADE;

CAVALCANTI et al. 2006, p. 26). Dentre as referências feitas à sustentabilidade no livro sobre o Imaginário Pernambucano30, podemos começar pelo subtítulo: “design, cultura, inclusão social e desenvolvimento sustentável”. No decorrer do texto, os autores mencionam diversas vezes o desenvolvimento sustentável, como, por exemplo, ao descreverem a metodologia criada:

A metodologia multidisciplinar desenvolvida pelo Imaginário Pernambucano tem sido utilizada em comunidades com perfis diferentes e diversos estágios de organização e mobilização social. Suas estratégias se revelam eficazes tanto para a geração de trabalho e renda, quanto para a promoção de inclusão social e do desenvolvimento sustentável, com ampla capacidade de replicação em vários grupos populacionais (ANDRADE; CAVALCANTI et al. 2006, p. 26-27).

Neste trecho, é interessante salientar que as ações se mostram, na opinião dos autores, eficazes para a promoção da inclusão social e do desenvolvimento sustentável, da mesma forma como, nesta dissertação, se caracterizou o tipo de projeto estudado. Outros projetos semelhantes podem ser encontrados nos artigos dos Anais do III Simpósio Brasileiro de Design Sustentável (SBDS, 2011) – principalmente na categoria “território, cultura e identidade cultural para a sustentabilidade”31 – ou em premiações de produtos voltados para a sustentabilidade, como o Prêmio Planeta Casa, da Editora Abril, – principalmente na categoria “ação social”32. 30

Andrade, A. M. Q.; Cavalcanti, V. P. et al. Imaginário Pernambucano: design, cultura,

inclusão social e desenvolvimento sustentável. 1. ed. Recife: Zoludesign, 2006. v. 1. 104 p. 31

As categorias do simpósio eram: (1) consumo e novos estilos de vida; (2) território,

cultura e identidade cultural para a sustentabilidade; (3) metodologia e sistema/produto, serviço e produto+serviço; (4) habitação, mobilidade e novos cenários sustentáveis; (5) educação e sustentabilidade; (6) tecnologia e aspectos técnicos da sustentabilidade; (7) perspectivas dos países e novas práticas emergentes de sustentabilidade. 32

As categorias do prêmio na edição de 2011 eram: (1) produtos de decoração; (2)

materiais de construção; (3) projeto arquitetônico; (4) design de interiores; (5) empreendimentos

62

Segundo sua divulgação, este prêmio reconhece “os melhores projetos sustentáveis elaborados por empresas e profissionais das áreas de arquitetura, construção e decoração” (SPITZCOVSKY, 2011). A partir desses indícios, ficam, então, algumas perguntas: se esses projetos são associados à sustentabilidade, seja em materiais de divulgação, artigos ou premiações, será que os próprios designers envolvidos caracterizam sua atuação como “design sustentável”? Ou preferem as denominações “designer social” ou “ecodesigner”, como o fez Capello (2010)? Existe uma metodologia em comum? Quais são as semelhanças e divergências? Decidi, portanto, investigar a fundo a atuação de designers que fazem projetos semelhantes aos dois acima descritos, ou seja, que promovem inclusão social e desenvolvimento sustentável, procurando compreender o ponto de vista desses profissionais. Para tal, foi realizada uma pesquisa qualitativa que será descrita no próximo capítulo.

imobiliários; e (6) ação social. A categoria “ação social” foi direcionada para “iniciativas que estimulem

o

desenvolvimento

(SPITZCOVSKY, 2011).

sustentável

das

comunidades

onde

estão

inseridas”

4 Pesquisa de campo: objetivo e opções metodológicas

Os procedimentos da pesquisa de campo, os quais apresentarei passo-apasso a seguir, foram tomados com base no Método de Explicitação do Discurso Subjacente (MEDS), desenvolvido por Nicolaci-da-Costa (1994, 2007, 2009) e empregado em diversas pesquisas (Ramalho, 2005; Romão-Dias, 2006; MatosSilva, 2011).

4.1. Objetivo As entrevistas tiveram como objetivo conhecer a fundo como é o trabalho de designers em projetos de inclusão social e desenvolvimento sustentável. Especificamente, procurei compreender como os designers caracterizam sua atuação, a fim de saber se fazem alguma associação à sustentabilidade.

4.2. Sujeitos Esta pesquisa apresenta os resultados de entrevistas feitas com onze designers33, sendo dois homens e nove mulheres. Dois deles foram entrevistados ao mesmo tempo, portanto, trata-se de dez entrevistas. Essas pessoas foram selecionadas de acordo com certos critérios que estabeleci e que serão apresentados adiante. Neste estudo, além de selecionar os entrevistados segundo alguma característica individual (no caso, sua profissão), foi preciso selecioná-los de acordo com sua experiência de trabalho. Ou seja, de acordo com os projetos

33

Além desses onze designers, foram feitas mais algumas entrevistas, que, infelizmente,

não puderam ser incluídas neste trabalho, seja por problemas na gravação, seja por que foi percebido que a atuação dos entrevistados não se enquadrava exatamente aos critérios de recrutamento dos participantes, o que impossibilitaria sua comparação com as demais entrevistas e, portanto, sua análise.

64

dos quais eles participam atualmente ou participaram no passado. Isto porque grande parte das perguntas seria feita a respeito de tais projetos. Portanto, apresentarei a seguir os critérios de seleção tanto dos sujeitos como dos projetos, farei considerações a respeito de seu anonimato e mostrarei como cheguei aos participantes.

4.2.1. Critérios de seleção dos entrevistados e dos projetos A seleção dos participantes em pesquisas qualitativas pode ser feita com base nos princípios de homogeneidade ou de heterogeneidade. No caso do MEDS, normalmente se procura manter a homogeneidade das características dos participantes, uma vez que o método é bastante utilizado para investigar o comportamento de um grupo com características específicas. A homogeneidade pode ser ampla ou fundamental. Na primeira se combina uma série de características que os entrevistados precisam ter em comum, como faixa etária, profissão, gênero, bairro onde mora etc. Na segunda, escolhe-se uma ou poucas características em comum, como uma determinada experiência profissional ou algum hábito pessoal, que os entrevistados precisam ter. Nesta pesquisa, escolhi trabalhar com uma amostra com homogeneidade fundamental, pois considerei mais relevante determinar os critérios de escolha dos projetos do que as características pessoais dos designers. Ainda assim, tentei flexibilizar também a escolha dos projetos, de forma que diferentes tipos de atuação pudessem ser objeto de investigação. No que diz respeito aos entrevistados, estabeleci que eles deveriam ser profissionais de design que trabalhassem em instituições (ONGs, empresas, institutos, universidades etc.) ou em pesquisas, nas quais realizassem projetos de cunho social. As restrições de gênero, idade e tempo de atividade profissional foram consideradas irrelevantes. Esses projetos deveriam ter ocorrido no Brasil e precisariam ter as seguintes características: (a) ser um projeto de design que vise à melhoria da qualidade de vida ou ao aumento de renda de alguma comunidade ou grupo de pessoas (ex: grupo de mulheres ou de jovens de baixo poder aquisitivo, grupo de costureiras, grupo de

65

artesãos, grupo de pequenos agricultores, grupo de seringueiros, comunidade indígena etc.). (b) demonstrar algum tipo de preocupação ambiental, como uso de matériasprimas locais, análises de ciclo de vida dos produtos, adoção de selos ecológicos etc. (c) ter sido associado de alguma forma à sustentabilidade, seja em artigos e livros, em premiações de que tenha participado ou em seus materiais de divulgação. O número de entrevistados não foi previamente estabelecido. Como é comum em pesquisas que fazem uso do MEDS, optei por me basear no chamado “ponto de saturação”, que é o momento em que os novos entrevistados passam a fornecer informações muito semelhantes às dadas pelos outros participantes. Ou seja, o momento em que as entrevistas param de fornecer novos dados. Neste estudo, cheguei ao ponto de saturação na 10ª entrevista.

4.2.2. Considerações sobre o anonimato dos participantes Em pesquisas científicas, é comum que se adote um procedimento ético a fim de não revelar as identidades dos participantes. Tal procedimento pode ser feito de diferentes formas. Uma das mais usuais é a troca de nomes verdadeiros por nomes fictícios, inventados pelo pesquisador. Outra é a omissão de alguns trechos dos depoimentos que sejam muito pessoais e possam revelar ao leitor a identidade do entrevistado. São reveladas, contudo, determinadas informações importantes como idade, gênero, ocupação, etc. Nesta pesquisa, tomei algumas dessas precauções para conservar o anonimato dos entrevistados. A primeira foi que os nomes verdadeiros – de pessoas, projetos e algumas instituições – que aqui aparecem são fictícios. A lista com os nomes fictícios encontra-se na parte pré-textual da dissertação. Como um dos passos da pesquisa era apresentar os projetos, de forma a mostrar os contextos em que aconteceram, as metodologias adotadas e as relações interpessoais, e também falar sobre a motivação dos designers que participam deste tipo de trabalho – o que os levava a contar sobre sua experiência profissional e pessoal – percebi que não bastaria apenas trocar os nomes para preservar seu

66

anonimato. Portanto, procurei omitir alguns trechos dos depoimentos que poderiam facilitar a identificação dos sujeitos.

4.2.3. Como cheguei aos entrevistados Depois de ter estabelecido os critérios de seleção do grupo, precisei levantar nomes de pessoas para entrevistar. O levantamento foi feito de diferentes maneiras. Uma delas foi escolher nomes encontrados nos livros e artigos pesquisados durante a revisão bibliográfica. Outra maneira foi seguir indicações fornecidas durante as entrevistas-piloto ou durante as próprias entrevistas oficiais da pesquisa. De posse de cada nome, passei à pesquisa na internet para verificar se os sujeitos se encaixavam no perfil procurado e se participaram de projetos sobre os quais eu poderia perguntar. Tais informações foram coletadas em sites dos próprios entrevistados, em sites de universidades ou instituições onde eles trabalham, em páginas de divulgação dos projetos ou nos currículos lattes dos participantes. Ao selecionar os nomes de possíveis entrevistados, entrei em contato com cada um eles, geralmente por e-mail. Nos e-mails, fazia uma rápida apresentação do motivo do contato e os convidava para que fizessem parte da pesquisa. Um dos e-mails enviados está transcrito abaixo, a título de exemplo:

Prezada [nome da pessoa], sou aluna de mestrado na PUC-Rio, com orientação do professor Alfredo Jefferson. Minha pesquisa trata de design e sustentabilidade e estou fazendo entrevistas com alguns profissionais e pesquisadores de design. Se você estiver disponível para participar, eu gostaria muito de entrevistá-la. Obrigada, Mônica

Caso o convite fosse aceito, passava à marcação da entrevista, sobre a qual falarei mais adiante. Agora que já apresentei o objetivo e as características do grupo que seria entrevistado, precisarei voltar algumas etapas do processo para explicar melhor como foram os primeiros passos da pesquisa de campo: as entrevistas-piloto, a construção do roteiro e a escolha do ambiente das entrevistas.

67

4.3. Entrevistas piloto e construção do roteiro O instrumento de coleta de dados utilizado foi um roteiro de entrevistas semiestruturado, o qual construí de acordo com os princípios descritos por Nicolaci-da-Costa (2007). Em um primeiro momento, conversei com diversas pessoas até elaborar um roteiro piloto, o qual continha poucas questões. Este foi então testado e reelaborado durante três entrevistas piloto, realizadas com estudantes de pós-graduação de design (um rapaz e duas moças) com idades entre 25 e 30 anos e cujas pesquisas tratam sobre design e sustentabilidade. As entrevistas-piloto servem para construir e testar o roteiro e para inserir, retirar ou mudar a forma das perguntas. Além disso, elas também servem para que o entrevistador se acostume com o método, conheça o roteiro e escolha o melhor ambiente (presencial ou on-line) para coletar os depoimentos. A terceira entrevista piloto foi feita com uma estudante que tinha experiência em projetos de design com foco social e perguntei sobre os trabalhos que ela realizou. A entrevista fluiu melhor do que com os outros entrevistados, aos quais havia feito perguntas mais abstratas a respeito de suas opiniões sobre o assunto. Assim, decidi que a pesquisa seria realizada apenas com designers que tivessem experiência prática com projetos dessa natureza. Tal escolha permitiu que as perguntas do roteiro se concentrassem na atuação profissional dos entrevistados. Ao falarem sobre seu trabalho, os entrevistados iriam colocar sua opinião sobre os assuntos que eu gostaria de investigar e eu poderia fazer uma análise dos discursos subjacentes. Portanto, a partir das entrevistas piloto, foi possível construir o roteiro definitivo, mostrado na Tabela 1 a seguir. Como pode ser percebido, o roteiro está dividido em duas partes. A primeira é composta por três perguntas bem delimitadas sobre dados de identificação, ao passo em que a segunda possui os itens que deveriam ser abordados durante cada entrevista. Os itens do roteiro não estão em formato de interrogação, como seria comum em um questionário. Com isso, em cada entrevista formulei as perguntas de uma maneira diferente. O objetivo de manter itens no lugar de perguntas pré-

68

definidas é o de facilitar a interação com o sujeito, fazer com que as perguntas não soassem artificiais e manter a espontaneidade e naturalidade da conversa. Tabela 1 – Roteiro das entrevistas

1

Nome

2

Idade

3

Ocupação

4

Experiência de trabalho

5

Descrição do(s) projeto(s)

6

Listar pessoas com quem lidou durante o(s) projeto(s)

7

Equipe: se a equipe tem profissionais com outras formações e quais

8

Tipo de financiamento

9

Remuneração das pessoas envolvidas

10

Motivação para se envolver em um projeto deste tipo

11

Impactos sociais gerados pelo(s) projeto(s)

12

Opinião sobre a expressão “design sustentável"

13

Se usa essa expressão

Outra estratégia para gerar a naturalidade almejada é não permanecer preso à ordem dos itens no roteiro. Assim, as perguntas foram feitas de acordo com o fluxo da conversa, respeitando, na medida do possível, a linha de raciocínio do entrevistado. As perguntas deveriam ser abertas, para que os entrevistados pudessem falar sobre o que considerassem mais relevante. Apesar da aparente informalidade, não houve liberdade para perguntar sobre assuntos diferentes a cada entrevistado. Os itens do roteiro precisam ser os mesmos a fim de permitir a comparação dos depoimentos, como será explicado mais a diante, na parte sobre análise do material. No entanto, o método permite que sejam feitas perguntas de aprofundamento. Esta é outra diferença em relação um questionário, o qual geralmente possui perguntas fechadas e não permite aprofundamento. Há duas perguntas do roteiro que se referem explicitamente ao termo “design sustentável”. Elas tiveram como objetivo investigar a opinião dos entrevistados

acerca

desta

expressão

e

se

a

usam

com

frequência.

Propositalmente, este item foi colocado na parte final do roteiro. O motivo para tal

69

foi deixar os entrevistados falarem livremente sobre seu trabalho na parte inicial e observar se eles mencionariam algumas das expressões – design sustentável, design para sustentabilidade, ecodesign, design social etc. Pensei que, caso este item viesse no início da conversa, eu estaria incluindo um vocabulário novo que poderia ser repetido de forma não natural. Dito de outra maneira, caso o entrevistado repetisse a expressão depois que eu tivesse feito as perguntas, eu não poderia saber se ele costuma usar tal termo, ou se o fazia por eu já tê-lo mencionado.

4.4. Escolha do ambiente: entrevistas face-a-face presenciais e pela internet As pesquisas que utilizam o MEDS já foram realizadas tanto por meio de entrevistas presenciais face-a-face quanto de entrevistas on-line. Cada uma das formas possui suas características, além de vantagens e desvantagens próprias. Em ambos os casos, elas se assemelham a bate-papos, aos olhos dos entrevistados. As entrevistas presenciais devem ser gravadas e posteriormente transcritas para que a análise seja feita. O local escolhido deve ser, preferencialmente, familiar ou confortável ao entrevistado, de forma que ele se sinta à vontade. É preciso tomar o cuidado de evitar ambientes com muito ruído, o que pode atrapalhar a gravação. As entrevistas on-line são geralmente feitas por meio de programas que permitem a troca de mensagens escritas instantâneas como MSN Messenger, o ICQ, o Google Talk e congêneres. Uma das vantagens desse tipo de ambiente para coleta de dados é que o registro das conversas já está em formato de texto no final da entrevista, ou seja, não é preciso passar pela etapa da transcrição. Segundo Nicolaci-da-Costa et al (2009, p. 38-39), as entrevistas on-line são adequadas quando tanto o entrevistador quanto os entrevistados estejam familiarizados com os ambientes em que a conversa será conduzida, elas são apropriadas quando os estudos tratam sobre temáticas diretamente ligadas à internet e elas são necessárias quando são o único meio de se alcançar o entrevistado. Escolhi fazer entrevistas presenciais, pois acreditei que os entrevistados teriam mais disponibilidade de conversar presencialmente do que com o auxílio

70

do computador. No entanto, como procurei entrevistar designers de diferentes regiões do país, foi preciso realizar duas entrevistas por meio de um programa de computador chamado Skype, já que, nesses casos, não foi possível viajar para encontrá-los. O Skype difere dos programas comumente usados em pesquisas do MEDS, já que ele transmite voz e imagem. Como é possível ver o rosto e as expressões faciais do interlocutor e escutar sua voz, considerei que uma conversa por Skype se assemelha mais a uma conversa presencial do que às conversas online por troca de mensagens escritas. Desta forma, podemos dizer que todas as dez entrevistas realizadas durante esta pesquisa foram face a face, porém, oito foram presenciais e duas foram feitas pela internet. Os locais onde as entrevistas presenciais foram realizadas variaram bastante: quatro dentro de universidades, duas em cafés ou lanchonetes, uma dentro de uma livraria e uma na residência do entrevistado. A multiplicidade de ambientes se deu pelo fato de que os entrevistados poderiam escolher o local.

4.4.1. Considerações sobre as entrevistas pela internet com transmissão de voz e imagem Apesar de enxergar as semelhanças que existem entre conversas presenciais e conversas por meio de programas que transmitem imagem e voz em tempo real, percebi que elas possuem algumas diferenças. Uma delas é que, mesmo que cada um dos interlocutores possa ouvir o som e ver a face e os gestos do outro em tempo real, a conversa não é feita com “olho no olho”. Isso por que as pessoas falam olhando para a tela do computador e não para a câmera. Não importa se as câmeras de vídeo utilizadas sejam acopladas ou não ao computador. Sendo assim, a imagem que se vê normalmente é a de uma pessoa que não olha de volta. Tal fato teve um efeito na pesquisa. Nas entrevistas presenciais eu era capaz de fazer expressões com o rosto que indicavam quando eu não compreendia algo na fala do entrevistado e ele próprio tentava então se explicar melhor. No Skype, por outro lado, minhas expressões faciais não foram tão percebidas. Assim, precisei fazer mais perguntas de aprofundamento. Outra questão que pude notar é que um dos entrevistados por Skype ficou mais disperso do que o outro, provavelmente por que outras pessoas falaram com

71

ele durante a entrevista, mas não pude vê-las. A dispersão é uma característica que também foi mencionada em outras pesquisas34 que utilizaram o MEDS e que fizeram uso de entrevistas on-line. Uma dispersão desse tipo não foi notada nas entrevistas presenciais, provavelmente por que os entrevistados se dispuseram a dedicar aquele tempo exclusivamente à pesquisa.

4.5. Coleta de dados Como expliquei anteriormente, a coleta de dados se deu por meio de entrevistas individuais face a face com roteiro semiestruturado. Apenas uma entrevista foi feita com dois entrevistados ao mesmo tempo, a pedido deles. Considerei que não haveria problema em atender à requisição, pois eles trabalham juntos e eu iria perguntar sobre os mesmos projetos. A aplicação do roteiro foi flexível, de forma que as entrevistas se assemelhassem a conversas informais. No MEDS, é dada grande importância à informalidade do contexto e à fluidez da conversa durante a entrevista, para que os entrevistados se sintam relaxados e seus discursos fluam com espontaneidade. Assim, acredita-se que eles possam ser mais espontâneos e, assim, revelem até mesmo ideias que considerem “politicamente incorretas”, o que dificilmente ocorreria em contextos mais formais. Nestes, seria possível que o entrevistado se autocensurasse ou, ainda, respondesse de determinada maneira apenas “por educação” (MATOS-SILVA, 2011, p. 95-96), sem que sua fala correspondesse realmente ao que ele pensa.

34

Segundo Nicolaci-da-Costa et al: “Acontece que, numa conversa on-line por escrito (o

tipo preferido por praticamente todos os usuários), sempre há um intervalo de tempo entre o envio de uma mensagem e o recebimento da resposta à mesma. Esse intervalo, ou lag (Crystal, 2006), ao qual os usuários dos programas de conversação na rede já se habituaram, faz com que nenhuma conversa seja foco exclusivo da atenção dos interlocutores, que quase sempre executam outras tarefas (como checar seu e-mail, continuar trabalhando em um texto do Word, ler mensagens do Orkut, ou se engajar em outras conversas). De modo a dar à entrevista on-line o mesmo clima desse tipo de conversa, esse comportamento dos entrevistados deve ser respeitado pelo entrevistador” (2009, p. 41).

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4.5.1. Marcação, registro e transcrição das entrevistas Quando um convite era aceito, passava-se para a marcação da entrevista, o que, em alguns casos, chegou a levar algumas semanas até que fosse possível conciliar as agendas, já que muitos entrevistados moram em outros estados do país. As entrevistas foram gravadas com o auxílio de aparelhos eletrônicos no formato mp3. No caso das entrevistas feitas pela internet, foi usado um programa chamado CallGraph que grava as conversas do Skype no formato de mp3. De posse das gravações, foram feitas suas transcrições, tomando-se o cuidado para manter as frases exatamente como foram enunciadas pelos entrevistados. Portanto, os eventuais erros gramaticais e de concordância não deveriam ser corrigidos, e não se poderia completar as frases inacabadas. Desta forma, evita-se que os depoimentos sofram alterações.

4.6. Análise do material A análise dos depoimentos coletados em todas as entrevistas foi feita em duas etapas: (a) a análise inter-participantes, na qual foram consideradas as respostas de todos os participantes, e (b) a análise intra-participantes, em que os depoimentos de cada um foram analisados individualmente. Na primeira etapa, as respostas de todo o grupo foram sistematicamente comparadas com o intuito de se buscar recorrências. Isto foi possível pelo fato de que todos os itens do roteiro deveriam ser obrigatoriamente abordados por cada participante. Esta etapa permitiu que se tivesse uma visão geral dos depoimentos e indicou a dimensão social da questão. Aqui emergiram categorias êmicas35 as quais foram usadas para se chegar aos valores do grupo social pesquisado. 35

As categorias “êmicas” são aquelas que emergem das falas dos entrevistados. Outro tipo

de categoria é composto pelas “éticas”, as quais são oriundas das teorias que servem de base à pesquisa. “Todos os métodos selecionados para servir de contextualização ao MEDS e o próprio MEDS têm como objetivo a interpretação dos depoimentos coletados e não a verificação de hipóteses. Mesmo assim, essa interpretação pode ser realizada de dois modos diferentes: (a) a partir de categorias que emergem das falas dos entrevistados, o que caracteriza a abordagem êmica; e (b) a partir de categorias prévias oriundas das teorias que servem de base à pesquisa, o

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Na segunda etapa, fez-se uma análise sistemática dentro de cada um dos depoimentos, ou seja, cada entrevistado teve suas respostas comparadas em busca de inconsistências, contradições, novos conceitos e novos usos de linguagem. Além de indicar a dimensão pessoal, tal análise é considerada imprescindível, pois se acredita que as contradições dos depoimentos podem dar acesso ao discurso subjacente do indivíduo. Uma das formas de identificar as contradições que aparecem nos depoimentos é contrastar informações concretas e respostas abstratas que são dadas pelos entrevistados. Porém, é preciso levar em conta que há a possibilidade de que tal comparação não resulte em nenhuma inconsistência. Outra forma é procurar pelo uso de neologismos ou pelo emprego de palavras antigas com novos significados, os quais podem indicar conflitos psicológicos decorrentes de processos de transformações social. Agora que os objetivos da pesquisa de campo e os procedimentos metodológicos adotados foram descritos, podemos passar para a apresentação dos entrevistados e dos principais resultados da pesquisa.

que caracteriza a abordagem ética (Taylor, 2001b; Turato, 2003). Embora algumas dos pesquisadores mencionados recorram à abordagem ética (Maxwell, 2005; Rubin & Rubin, 2005; Weiss, 1994), todas as propostas selecionadas e também o MEDS privilegiam a abordagem êmica.” (NICOLACI-DA-COSTA, 2007, p. 70).

5 Apresentação dos resultados da pesquisa de campo

O ponto de partida de todas as entrevistas foi a investigação da experiência profissional dos participantes. A partir disso, pudemos extrair informações sobre os projetos nos quais eles atuaram e que se tornariam objeto desta pesquisa. A partir deste capítulo se fez uso de trechos dos depoimentos para exemplificar os elementos que foram encontrados na análise das entrevistas. Cabe aqui ressaltar que as passagens que estão entre aspas36 se referem à transcrição dos depoimentos e não foi feita qualquer correção gramatical. As únicas inferências foram: selecionar os trechos, omitir algumas palavras ou sentenças que comprometeriam seu entendimento e omitir nomes próprios (de pessoas, instituições, estados, cidades e bairros). Estas omissões encontram-se sinalizadas com o uso de reticências entre parênteses ou explicações entre chaves, respectivamente. Portanto, o leitor deve ter em mente que a fala livre costuma ser confusa, o que justifica os eventuais erros que forem encontrados nas falas transcritas, como erros de concordância ou frases inacabadas. Antes de expor os principais resultados obtidos a partir da análise das entrevistas, apresentarei brevemente os entrevistados e seus projetos.

5.1. Breve perfil dos entrevistados e algumas características dos projetos relatados Como já foi explicado anteriormente, a análise aqui apresentada se refere a dez entrevistas realizadas, sendo que uma delas foi feita com dois entrevistados ao mesmo tempo. Portanto, no total foram onze pessoas entrevistadas. Todas elas atuam como designers, mesmo que esta não seja sua formação acadêmica. Suas idades variaram entre a mínima de 26 anos e a máxima de 55 anos. Para se ter uma noção melhor da distribuição desses valores, segue uma divisão 36

As transcrições dos depoimentos estão entre aspas para diferenciá-las das citações de

livros e artigos, feitas desde o início da dissertação.

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por faixas etárias: três participantes estão na faixa entre 20 e 29 anos, dois participantes entre 30 e 39 anos, quatro participantes entre 40 e 49 anos e dois participantes entre 50 e 59 anos. Quatro entrevistados atuam como consultores em diferentes regiões do Brasil. Os demais pertencem (ou pertenceram) a instituições sediadas nos seguintes estados: Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal. Os projetos descritos pelos entrevistados foram realizados em diversos estados brasileiros – Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo – e no Distrito Federal. Ou seja, pode-se observar que são projetos distribuídos em todas as regiões do Brasil. Apesar de o foco desta pesquisa ser em projetos realizados dentro do território nacional, quatro entrevistados falaram sobre atuações que tiverem fora do país. Em função da relevância das mesmas para o objeto de pesquisa, optei por incluí-las na análise realizada, já que os projetos fazem parte da experiência profissional dos participantes e os comentários a seu respeito foram pertinentes para compreender as impressões, opiniões, metodologias de trabalho e perfis dos grupos atendidos – aspectos que compuseram o referencial de análise dos depoimentos. Dois entrevistados fizeram referência a um projeto que reunia artesãos do Brasil, Argentina e Paraguai. Outros dois mencionaram trabalhos realizados em países africanos – Moçambique e São Tomé e Príncipe. A Figura 1 ilustra a localização no país das instituições e dos projetos. Apresentarei a seguir mais informações sobre os perfis de cada entrevistado e sobre suas atividades. É importante frisar que não se trata de suas biografias completas, mas do relato sucinto de suas experiências de trabalho (e de vida), informações colhidas durante as entrevistas. Portanto, o leitor deve ter em mente que

os

entrevistados

tiveram

outras

atuações,

provavelmente

bastante

significativas, que não serão mencionadas aqui, uma vez que não dizem respeito a esta pesquisa.

76

Figura 1 – Localização das instituições e projetos

5.1.1. Mais detalhes sobre os entrevistados37 Ana Clara é professora universitária e deu início em 2011 a um projeto de extensão em sua universidade com um grupo de costureiras de uma associação de bairro de sua cidade, envolvendo nesse projeto professores e alunos.

37

Cabe lembrar que, a fim de preservar a identidade dos entrevistados, foram utilizados

nomes fictícios para identificá-los: Ana Clara, Bárbara, Carolina, Daniela, Érica, Flávia, Gabriela, Hugo, Ivone, João e Luana.

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Bárbara participou de um programa de extensão de uma universidade, na época em que era estudante de graduação. A atividade do programa em que se envolveu, juntamente com outros estudantes, foi de assessorar uma cooperativa de confecção de roupas de seu estado. Os alunos tiveram supervisão de alguns professores da universidade. Carolina começou a trabalhar em 2011 para um instituto que tem por objetivo formar uma rede de grupos produtivos de artesanato em seu estado. Em 2010, ela trabalhou para uma rede de desenvolvimento social, que surgiu como projeto de extensão de uma universidade. Daniela é professora universitária e desde 2000 faz projetos de pesquisa junto a pequenas e médias empresas do setor moveleiro de seu estado. Atuou uma vez como consultora de uma entidade privada sem fins lucrativos, coordenando uma equipe de jovens designers em uma ação realizada com algumas dessas empresas do setor moveleiro. Também participou de um projeto de pesquisa no âmbito de um aglomerado produtivo local de mineração de uma cidade do estado, em que lidou com artesãos locais. Érica trabalha desde 2010 como educadora social em um instituto que assessora empreendimentos populares. Trata-se de uma ação social de uma empresa do mercado de eletrodomésticos. Antes de fazer parte deste instituto, Erica trabalhou por quatro anos na mesma rede de desenvolvimento social da qual Carolina fez parte. Outra experiência profissional da qual falou foi em uma organização social sem fins lucrativos que presta assistência a diferentes comunidades de seu estado. Flávia tem um escritório de design que trabalha com comunidades de baixa renda. Como ela mesma disse, o escritório funciona como uma rede de pessoas que é ativada quando há algum projeto. Já atuou como consultora em projetos ligados a instituições públicas ou privadas em diversos estados do país e no exterior. Gabriela trabalha em uma incubadora social e solidária que apoia empreendimentos sociais. A instituição faz parte de um programa que reúne diferentes incubadoras de empresas, programa esse vinculado a uma universidade. Hugo teve suas primeiras experiências de trabalho com comunidades de artesãos ainda na década de 1980. Na década de 1990, foi convidado para participar de um programa governamental de artesanato e, em seguida, passou a

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atuar como consultor em todas as regiões do Brasil e no exterior, atividade que mantém até hoje. Ivone trabalha em uma organização que faz ações de design em micro e pequenas empresas de seu estado. Devido à crescente demanda, a organização passou atuar em outros estados do país. A organização foi fundada em 2005 dentro do contexto de criação de centros e núcleos de design nos estados brasileiros. João e Luana trabalham juntos desenvolvendo ações de design em comunidades desde 2001 em um projeto próprio. Já atuaram em diversos estados no país e no exterior por esse projeto ou como consultores em programas governamentais ou projetos de instituições privadas e ONGs. Em 2003, formaram, junto com alguns outros profissionais, um núcleo de design em seu estado voltado para capacitação de grupos de artesanato. Após uma breve descrição dos perfis dos entrevistados, são apresentadas, a seguir, as respostas mais relevantes para a pesquisa dadas por eles. Pode-se notar que as respostas estão organizadas por assuntos, que, por sua vez, não correspondem exatamente aos itens do roteiro. No lugar de seguir o roteiro, deu-se preferência às principais categorias que surgiram a partir da análise e se buscou uma ordem que garantisse seu encadeamento e que permitisse uma melhor compreensão ao leitor.

5.2. Eixo temático 1: características dos grupos com os quais os entrevistados exerceram suas atividades A maioria dos entrevistados falou sobre projetos realizados com pequenos grupos produtivos que faziam artesanato, sendo que a composição destes variou significativamente. Foram mencionados grupos de artesãos, costureiras, tecelãs, artistas plásticos, catadores, pescadores, mães, jovens, quilombolas e indígenas. Alguns

grupos não

faziam artesanato, mas também podem ser

caracterizados como pequenos grupos produtivos, como, por exemplo, os que apareceram nos depoimentos de Bárbara, Flávia e Érica. Bárbara lidou com profissionais de confecção reunidos em uma cooperativa. Flávia trabalhou uma vez com professores de uma escola para que eles fizessem material escolar e brinquedos para as crianças a partir de matéria-prima local. Érica falou em alguns

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momentos sobre pequenos empreendimentos de lavanderia, beleza e alimentação, que são atendidos pela instituição onde ela trabalha. Contudo, aqueles com os quais ela trata diretamente são de artesanato, porque é designer e já tinha experiência com este tipo de trabalho. Os demais ficam sob a responsabilidade de outros educadores de sua equipe, que têm formação em outras áreas. Outro tipo de grupo que foi mencionado era composto por empresários de indústrias de diferentes portes, os quais participaram dos projetos descritos por Daniela. Todos eles eram do setor moveleiro e os projetos visavam ao desenvolvimento de polos moveleiros no estado onde atua a entrevistada. Uma característica que os projetos com estes empresários têm em comum com os projetos feitos com os pequenos grupos produtivos anteriormente mencionados é que as atividades que os designers desenvolveram tiveram um viés participativo. Ou seja, esses empresários do setor moveleiro também trabalharam em conjunto e a atuação que Daniela teve pôde ser comparada com as dos demais entrevistados. Por outro lado, duas outras atividades relatadas durante as entrevistas não tiveram esse viés participativo e foram realizadas com empresas de grande ou médio porte. Foi o caso de outro projeto descrito por Daniela, que iniciou uma pesquisa junto a uma indústria automobilística. Também foi o caso de Ivone, a qual falou sobre um dos projetos de sua instituição realizado com empresas do setor de confecção. Ambas as atividades se referiam ao desenvolvimento de selos ecológicos e, por este motivo, foram mantidas na análise. Outras características como tipo de organização, gênero, faixa etária, prérequisitos, perfil ideal e tipo de produção estão descritas a seguir. As descrições são acompanhadas por alguns trechos das entrevistas a fim de exemplificar o que se quer mostrar da análise.

5.2.1. Tipos de organização Com relação aos tipos de organização dos grupos, foram mencionadas principalmente associações, cooperativas e micro e pequenas empresas de diferentes setores, como feito por Ivone e João:

“Depende do grupo. Têm grupos que são unidos aí todos trabalham em prol de uma receita para o grupo. Funciona como cooperativa. (...) Lá eles, o que cada

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um produz... Cada um produz uma coisa, o que produz a receita é sua. Aí eles deixam um percentual para a associação, entendeu? Então cada um tem o seu produto trabalhado individualmente (...). O que essa pessoa vende, essa receita é dessa pessoa, mesmo estando no grupo. Agora eles deixam um percentual para a associação. Agora tem grupos que trabalham onde tudo vai primeiro para associação ou cooperativa e depois é distribuído para o grupo. Isso depende de como eles estão organizados.” (Ivone) “O governo era quem exigia essa capacitação e melhoria da produção artesanal. [Nome de uma instituição] que cuida da micro e pequena empresa, pega os informais com o objetivo de transformar eles em empreendedores e formalizálos.” (João)

Gabriela chamou os grupos que ela atende de “empreendimentos sociais” e Érica, de “empreendimentos solidários”, sendo que Érica disse que há também empreendimentos solidários individuais, quando se trata de mulheres que trabalhavam sozinhas. João e Luana, por sua vez, chamaram de “grupos produtivos”. Seguem trechos de seus depoimentos:

“A gente chama de empreendimento social. Porque o foco lá é economia solidária. (...) eu trabalho na incubadora social e solidária, que é focada para associação e cooperativa. E aí dentro da associação e da cooperativa tem o foco para a economia solidária.” (Gabriela) “(...) para que a gente possa identificar se esse grupo de fato quer ser um empreendimento solidário. Às vezes não quer ser, e precisa aceitar.” (Érica) “Aqui em [Estado] ainda tem uma outra característica muito forte que são empreendimentos solidários individuais. Então tem muita mulher que trabalha sozinha.” (Érica) “Está mais relacionado com o artesanato, com esses designers e com essa ação junto com esses grupos produtivos.” (Luana)

Também se falou muito sobre grupos que não eram (ou não pareciam ser) formalizados, como eram os casos de grupos de aposentados, comunidades indígena, comunidades quilombolas e outros. Um exemplo pode ser visto no discurso de João:

“Mas aqueles grupos que continuam dando volta por aí a maioria são, metade pelo menos, são aposentados. Estão aí porque foram esquecidos pela família, não tem família então a autoestima é fundamental. Muitas vezes não é grana porque eles já têm o seu salarinho, pequeno, mas... Então eles encontraram algo para fazer lá.” (João)

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Carolina, por exemplo, falou que alguns grupos atendidos pela instituição onde ela trabalha são cooperativados, mas a maioria não está dentro deste tipo de organização, pois são apenas mulheres vizinhas que trabalham juntas fazendo artesanato. Hugo também explicou que em um dos projetos em que trabalhou não houve formalização do grupo produtivo:

“Eu não criei um sistema de cooperativa, associação, nada. Era basicamente eu fazendo um movimento no sentido de juntar esses grupos de pessoas para a produção.” (Hugo)

Apareceram esporadicamente nas entrevistas comentários a respeito de redes. Érica, por exemplo, disse que há intenção de fazer com que os empreendimentos solidários atendidos – principalmente os individuais – formassem redes, a fim de facilitar a comercialização dos produtos. Daniela não falou em rede, mas o grupo de pequenos empresários que formaram um eco-polo (polo ecológico), do qual ela relatou, pode ser visto como uma rede.

5.2.2. Gênero e faixa etária Grande parte dos entrevistados mencionou grupos predominantemente compostos por mulheres, mas também houve grupos mistos e alguns basicamente compostos por homens. Bárbara, Hugo e Luana nos falam sobre isso:

“São a maioria mulheres.” (Bárbara) “99% mulheres, tinham muito poucos homens. (...) Os homens faziam um trabalho meio indireto, na colheita de algumas matérias-primas, na confecção dos teares.” (Hugo) “As meninas ficavam no acabamento, as mulheres no acabamento. Os homens na parte mais pesada da marcenaria.” (Luana)

A instituição onde trabalha Érica é voltada para mulheres, então os grupos assessorados por ela precisam ter predominância feminina, ou seja, ter ao menos 80% de mulheres.

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Com exceção de alguns projetos feitos especificamente para grupos de jovens, a maioria dos grupos mencionados parecia ser composta por pessoas de faixa etária mais alta. A faixa etária dos grupos não é um dado preciso. Além de não haver perguntas específicas sobre isso no roteiro, diferentemente da identificação do gênero – que pode ser facilmente notado de acordo com as palavras usadas pelos entrevistados, como “eles”, “elas”, “as artesãs”, “as mulheres”, “os pescadores”, “grupo misto” – a idade dos grupos não foi detalhada pelos entrevistados, com exceção do relato de Ana Clara. No entanto, puderam-se encontrar referências à idade nos demais depoimentos, com o uso de palavras como “as senhoras”, “os aposentados”, “os jovens” ou “os adolescentes”. Vejamos a fala da Ana Clara e alguns exemplos nos depoimentos de Ivone e João:

“(...) tem pessoas de bastante idade, mas a maioria são pessoas adultas, na faixa dos 50-60 anos. E tem jovens, né.” (Ana Clara) “Porque a maioria são senhoras muitas vezes. Porque não é permitido nessas capacitações menores de idade. Crianças não participam, essas questões de leis, não podem participar.” (Ivone) “Era um grupo de adolescentes e um grupo de mães.” (João)

5.2.3. Pré-requisitos Além da exigência de predominância feminina dos grupos com os quais Érica trabalha, Carolina e Ivone também listaram determinados pré-requisitos que os grupos precisavam cumprir para serem atendidos:

“O acordo é que os nossos critérios são: ser um grupo – ter mais de 3 pessoas; habitar em um lugar de baixo poder aquisitivo – o que basicamente significa ter baixo poder aquisitivo; e, já ter algum produto para vender, porque pra gente não faz sentido entrar um grupo que a gente ainda precisa passar meses trabalhando com ele até ele começar a vender.” (Carolina) “E a gente tinha umas certas pré-exigências de quem vai nos contratar, entendeu? (...) Por exemplo, eu exijo que esse grupo já tenha passado por algum curso de associativismo, cooperativismo, já tenha uma noção um pouco melhor de como é trabalhar em grupo. Porque são questões que a gente não pode resolver como desunião... (...) Não é que resolva o problema, mas ameniza muitas briguinhas, muitas... Aí cria um ambiente um pouco mais propício para o designer entrar. A gente não entra em situações que está 100% perfeito, não existe. Sempre ainda fica aresta, grupo desordenado, pessoas com

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probleminhas, briguinhas entre eles, sempre tem. Mas pelo menos eles receberam alguma primeira sementezinha plantada de como se comportar em grupo, como receber um pouco a inovação, entendeu?” (Ivone)

Érica também disse que o grupo deve querer ser um empreendimento solidário e que, em alguns casos, exige-se que eles tenham um parceiro para fazer a capacitação e passar a metodologia. Nesses casos, a instituição não dá assessoria direta, pois são grupos de outros lugares do país que são selecionados em editais para ganharem eletrodomésticos.

5.2.4. Perfil ideal Curiosamente, Flávia falou sobre um perfil específico que as comunidades precisam ter para que esse tipo de projeto de que ela participa dê certo. São características não apenas dos grupos, mas também dos contextos em que eles estão inseridos, como nível de instrução, nível de desenvolvimento e capacidade de articulação. Seguem alguns trechos em que ela fala sobre o assunto:

“(...) ao longo dos vários anos trabalhando e tudo eu percebi uma coisa assim que pra as comunidades que trabalham com, que a gente vai fazer esse trabalho assim, elas têm que ter um perfil muito específico. Não é que esse tipo de trabalho ele possa ser aplicado, sei lá, com sucesso em qualquer lugar. Depende muito do contexto e da realidade daquelas pessoas, do nível de escolaridade, de quem são as pessoas que estão envolvidas ali porque senão a gente vira uma coisa meio milagreira, sabe?” (Flávia) “Mas tem uma característica bem específica que eu te falei. (...) Não é para qualquer pesso... qualquer lugar assim, não dá para ser milagreiro, sabe? (...) Acho que os grupos muitas vezes não têm um nível educacional mesmo. (...) Ou articulação para movimentar aquilo. Vira uma oportunidade que chega até eles, mas eles não conseguem sustentar. (...) Por um monte de razões né? É muito complicado.” (Flávia)

Mesmo não usando essa identificação como “perfil específico”, em outros depoimentos também foram encontrados comentários sobre características ideais das comunidades atendidas que facilitam o sucesso do projeto. Dentre os pontos mais abordados estão o engajamento, a vontade de participar, a liderança, a organização e a capacidade de gerenciar, como pode ser observado nos relatos de Hugo, Daniela e Gabriela:

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“Para funcionar e dar certo tem uma série de pontos né? (...) Primeiro a gente tem que ter um bom entendimento, tem que existir esse interesse da comunidade em querer, tem que ter bons líderes, bons empreendedores. Pessoas que tem ambição, no bom sentido, de querer crescer né? Então isso é uma coisa fundamental para o projeto dar certo. Fundamental. Depois, além disso, eu acho que claro, um bom produto, um produto que tenha um bom preço, que possa circular em várias camadas sociais. (...) Mas assim, aquilo que eu te falei, para dar tudo certo precisa desses ingredientes juntos.” (Hugo) “Então vieram os marceneiros do [nome da região] que são uns empresários muito engajados, muito mobilizados, organizados... (...) Eles vieram pedir que a gente fosse trabalhar com eles. Tudo o que a gente quer na vida.” (Daniela) “Não é só o produto, então tem todo o cooperativismo que é difícil. Tem a questão das pessoas, quando a gente fala assim, delas estarem mobilizadas ali para gerir, não só criar o produto, mas gerir todo o negócio.” (Gabriela)

5.2.5. Tipos de produção Como já foi mencionado, a maior parte dos grupos com que os entrevistados exercem suas atividades tem produção artesanal. Sendo assim, eles produzem bens de consumo, de baixo valor agregado, com baixa escala de produção e com ausência de homogeneidade. Alguns equipamentos usados neste tipo de produção foram mencionados pelos entrevistados. Muitos falaram sobre diferentes tipos de máquinas de costura, equipamentos de baixa tecnologia, como furadeira e polidor, e outros maquinários de marcenaria. Érica também citou alguns eletrodomésticos que são doados aos empreendimentos que têm assessoria remota: geladeiras, frízeres, secadoras de alimentos e de roupas. A renda das pessoas que trabalham nesses grupos de produção artesanal pareceu ser bem variada, como pode ser visto em um trecho do depoimento de Ivone:

“Quando começa a conversar individualmente ‘Você ganha quanto na sua produção?’ Não é um grupo como os outros que você pergunta ‘Quanto ganha?’ e a pessoa diz ‘Ah, não ganho nada. Ganho 100 reais por semana.’ Esse você pergunta, ‘No mínimo 1000 reais por semana’, entendeu? Já é outra história de grupo. Tem que ver quem é o consultor que vai para lá, porque o pessoal já vende. O produto já tem inovação.” (Ivone)

Os outros grupos, como aqueles de setores de confecção ou moveleiro, produzem bens de maior complexidade de produção, que têm, portanto, maior

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valor agregado. Alguns deles são bens de encomenda, como aqueles fabricados pelas indústrias de móveis.

5.2.5.1. Produtos, materiais e técnicas mencionados Para que o leitor entenda melhor que tipo de produção era feita pelos grupos atendidos pelos entrevistados, irei apresentar os produtos, os materiais e as técnicas que foram mencionados. Como não havia uma pergunta específica sobre o tipo de produção, mais uma vez cabe lembrar que não se trata de um levantamento preciso. Os produtos aqui citados foram mencionados no decorrer dos discursos, enquanto os entrevistados falavam sobre diferentes assuntos. Apesar de não ser um levantamento preciso, acredito que seja importante para que o leitor tenha alguma noção de que tipo de produção se tratavam os projetos. As três tabelas a seguir mostram os produtos (divididos em quatro categorias: móveis, casa e decoração, roupas e acessórios e brinquedos), os materiais

(divididos

em

três

categorias:

materiais

naturais,

materiais

industrializados e materiais de reuso) e as técnicas que foram mencionadas. Tabela 2 – Produtos citados

Móveis

Móveis de madeira, móveis para sala de jantar, cadeiras, cama, carteira escolar, gabinete de cozinha.

Casa e decoração

Fogão à lenha, produtos comerciais de conforto ambiental (difusores e absorvedores sonoros e brise soleil ), estofados, almofadas, tapeçaria, tapetes, cortinas, jogo americano, pano de copa, pano de prato, pano para mesa, toalha bordada, toalha de mesa, cobre-manchas, cobertas, cobertores, kit de comida local para restaurantes e pousadas, acessórios de escritório, porta-joias, bandejas, caixas, galinhas de cerâmica, flores de enfeite, enfeites, cestas de palha, cachepôs, vassouras, chaveiros, souvenires e brindes corporativos.

Roupas e acessórios

Coleção de moda, camiseta, bolsas, nécessaires , carteiras, bijuteria, colares, coleção de roupas infantis, saias infantis, peça de roupa infantil masculina, toucas para bebê, acessórios infantis, enxoval de bebê, manta para crianças, casulo de bebê, chinelo bordado de miçanga, aventais e tecidos para confecção de roupas.

Brinquedos

Brinquedos para escolas, bonecas, jogo da velha.

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Tabela 3 – Materiais citados

Materiais naturais

Recursos naturais locais, matérias-primas originais do artesanato indígena, madeiras certificadas, madeira de eucalipto, gravetos, bambu, palha de taquara, fibras naturais, fibra de bananeira, taboa, junco, avenca, sementes da região, espiga de milho, comida, castanha-do-pará, resinas, barro, couro vegetal, pedras, ouriços e corda de sisal.

Materiais industrializados

Verniz à base de água, tecido, tecidos de chita, urdume e trama de algodão, contas, miçangas, fio de nylon, espuma, gesso, TNT, materiais com brilho e cerâmica plástica.

Materiais de reuso

Resíduos urbanos, materiais de reutilização, refugo de alguma fábrica, sobras de tecido de indústria que não são aprovados no processo de fabricação, tecidos, matéria-prima reciclável, latas de alumínio, papel, jornal, papel craft, caixas de papelão, tubos de papelão, filtro de café, PET e Tetrapak.

Tabela 4 – Técnicas citadas

Técnicas

Marcenaria, luteria, marchetaria, fino acabamento, corte-costuramodelagem, fuxico, bordado, crochê, renascença, renda de bilro, patchwork, tapeçaria, trançado e tingimento de fibra de bananeira, tecelagem manual, cestaria, cerâmica, cestas de jornal, biscuit, reciclagem de latas de alumínio, reciclagem de papel, técnicas tradicionais indígenas e pontos tradicionais indígenas.

5.3. Eixo temático 2: metodologia de trabalho dos entrevistados Um comentário compartilhado por quase todos os entrevistados foi que suas metodologias foram criadas de forma quase que intuitiva. Com disse Ivone, na ocasião da criação do instituto onde ela trabalha, não havia fórmula pronta e, se hoje ela dispõe de algumas etapas definidas, foi porque errou muito com os primeiros grupos que atendeu:

“Veja, quando a gente começou a trabalhar junto com comunidade a gente errou muito. Não pense que a gente estava com a formulazinha pronta.” (Ivone)

João e Luana também mostraram uma opinião semelhante, afirmando que quebraram muito a cabeça no início:

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“Nós fomos educados na universidade para trabalhar com máquinas, desenho industrial. Nós inventamos de trabalhar com pessoas em comunidades em situações precárias, inexistentes industrialmente. Então batemos cabeça e fizemos um monte de erro.” (João)

Apesar do caráter intuitivo, que poderia ter gerado modos de trabalhar muito distintos, determinadas características em comum puderam ser percebidas em alguns depoimentos, como intenção de manter um processo que fosse participativo, rejeição de trabalhos autorais e necessidade de mais tempo para realizar os projetos.

5.3.1. Participação Quase todos os entrevistados disseram que fazem um trabalho participativo, mas essa participação apareceu de diferentes formas. Gabriela, por exemplo, contou que a etapa de criação dos produtos é feita em conjunto com as pessoas do grupo. Em compensação, disse que, quando se trata de um trabalho de desenvolvimento de identidade visual, é ela quem faz a arte. Ainda assim, afirma que consegue manter um caráter participativo já que envolve o grupo durante todo o processo:

“Então por isso que quando é mais técnico aí o designer faz. Mas ele faz de uma maneira participativa. Que eles entendam o processo, que eles participem. Então briefing é com eles, a escolha também, sabe? Então é um processo mais participativo”. (Gabriela)

Ela explicou que, quando consegue que as pessoas do grupo interajam e acompanhem todo o processo, dificilmente elas rejeitam ou não se identificam com a identidade visual que Gabriela lhes apresenta, pois elas validaram todas as etapas:

“Sabe o que eu percebi? Que quando cria esse processo mais participativo eles não voltam. Assim, eles não têm essa questão de ‘Ah, não era isso’. Porque o processo de buscar, de levantar a característica deles, eles participaram e validaram. Então é difícil assim chegar e falar assim: ‘Não tem nada a ver isso comigo’.” (Gabriela)

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Daniela disse que, em alguns projetos, trabalhou de forma participativa com os grupos, mas que não havia uma metodologia formalizada. Curiosamente, ela parece não ver a forma de atuar que adotou como uma metodologia de trabalho, e sim como uma percepção de como se deve lidar com pessoas:

“Não, esse negócio de participativo não tem muita metodologia formalizada sabe? É bem a verdade. É mais assim uma percepção minha. Eu comecei isso com isso mesmo lá na [nome da universidade] quando a gente foi a primeira vez trabalhar lá com o pessoal de [cidade do grupo]. (...) Eu vou lá, interagir com essas pessoas de maneira mais natural, entendeu? Então isso não foi bem uma metodologia. Foi mais uma percepção de eu achar que é assim que tem que se fazer. Assim que é a convivência com pessoa.” (Daniela)

A entrevistada contrapôs esta forma de trabalhar – em conjunto – com outra experiência que teve, na qual fez um trabalho individualizado com cada empresa, o que identificou como uma relação mais técnica:

“Mas é em outras situações já era um pouco assim mais técnico né, feito o pessoal assim de [nome da cidade]. (...) Não tinha essa onda participativa, era um trabalho individualizado com cada empresa.” (Daniela)

Ainda no depoimento de Daniela, foi encontrada outra variação de metodologia participativa. A entrevistada, ao falar sobre um projeto em que coordenou uma equipe de designers para trabalhar com um grupo de marceneiros, comentou que fez a equipe desenvolver os produtos em conjunto. Ou seja, neste caso, a criação não foi feita diretamente com os marceneiros, como na experiência relatada por Gabriela, apesar deles terem escolhido o tipo de produto que seria projetado. Então, a ideia de participação neste projeto esteve, duplamente, na postura de conversar com os marceneiros e no fato de a equipe de designers ter desenvolvido todos os produtos “a doze mãos”:

“Aí do ponto de vista com os empresários a mesma postura de conversa e de participação. Na equipe foi uma postura de trabalho em equipe, equipe de projeto então fazíamos tudo junto. Fizemos o levantamento, geramos o conceito de cada produto juntos, numa grande mesa, e depois geramos alternativas juntos. Essa foi a parte mais legal de todas. A gente gerava alternativas a 12 mãos, colocávamos papel na sala pendurados e a gente ia falando... Cada um tinha o direito de falar: ‘Não, aqui eu acho que é assim’ Com todas as canetas hidrocor... ‘Se fizesse essa curva para cá, essa curva para lá?’ Todo mundo dando palpites. Foi uma experiência fantástica. Todo... Aí a hora que travava... ‘Não consigo mais sair daqui’ aí a gente falava: ‘Então tá, morreu, vamos passar para o outro produto’.” (Daniela)

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Segundo Daniela, os designers da equipe, que eram jovens, não estavam acostumados a trabalhar dessa maneira. Porém, ela acredita que eles gostaram, pois foi uma experiência rica. Este modo de projetar levanta a questão da autoria dos produtos, o qual também foi abordado em outras entrevistas.

5.3.2. Autoria Duas entrevistadas que enfatizaram a questão da autoria foram Érica e Flávia. Ambas afirmaram que o trabalho que fizeram nos projetos que elas relataram não era autoral, uma vez que os produtos foram criados em conjunto com os grupos. Flávia nos fala um pouco sobre isso neste trecho:

“Às vezes eu me critico e tudo mais mas o Design que a gente propõe ali né, que eu proponho não é nada autoral. A gente não tem o objetivo de sair de lá com o nome assinado em nada, pelo contrário, o grande barato é estimular as pessoas a trazer o que elas têm. Tem que ser divertido, tem que ser interessante pra todo mundo e é esse envolvimento que a gente quer, sabe? Que é trazer o que cada um tem, a história de cada um. Não adianta chegar lá com um desenho pronto e falar ‘Gente, é o seguinte, vamos produzir isso aqui’.” (Flávia)

De maneira semelhante, Érica disse que não há um produto “by Érica”, fazendo referência a produtos de estilistas ou designers famosos. Para ela, os produtos são resultado de um processo coletivo:

“Eu não tenho nada assinado por mim, tipo produto ‘by [nome e sobrenome da entrevistada]’. Não tenho, porque todos os trabalhos que eu fiz foram com o grupo. Eu não posso dizer que é meu, não é meu. E também não é só delas, é um processo de coletividade. Uma acrescenta a mais, a outra traz a cereja do bolo. Então é todo um processo, sabe? É, eu acho que a grande troca é assim, elas traduzem para a técnica delas coisas que a gente traz de referências externas.” (Érica)

Daniela, ao contrário, disse que respeita, mas discorda dessa ideia do design feito por pessoas e não designers. Não é assim que ela trabalha, apesar de ter enfatizado a questão da participação, como foi mostrado acima. Segundo ela, a equipe de designers tem suas atribuições:

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“Eu respeito muito toda essa lógica que vem sendo trabalhada hoje em dia nesse design e sustentabilidade, que o pessoal está falando sobre envolvimento com.. Nem sei como eles falam direito. Mas enfim, com as comunidades, com o design, com o Design sendo feito por pessoas e não por designers. Eu acho interessante o discurso e tal, mas não é bem assim que eu penso e que eu trabalho. Eu acho que a equipe de design é a equipe de design, tem que saber dialogar.” (Daniela)

5.3.3. Pouco tempo Outra questão que foi percebida em várias entrevistas diz respeito à duração dos projetos: uma reclamação recorrente foi o pouco tempo que se passava com os grupos. João e Luana disseram que, na maior parte das atividades que desenvolvem junto dos grupos, sempre dedicam algum tempo para passar com estes. Todavia, quando atuam como consultores em projetos de outras instituições que já têm sua metodologia e planejamento, a duração do contato com o grupo normalmente é muito reduzida, apesar de sempre reclamarem desse fato. Luana contou que em uma ocasião eles conseguiram convencer a instituição responsável pela ação de que seria necessário passar mais tempo com o grupo a fim de alcançar os resultados almejados. Vejamos suas falas:

“A maioria das atividades que nós desenvolvemos junto com os artesãos, nós sempre dedicamos um tempo para ficar junto com eles e...” (João) “Que a gente ficou com os artesãos praticamente 4 meses. Então assim, entre... Que a gente falava ‘Não adianta você me contratar 40 horas, não vou resolver o problema de ninguém, nem desenhar produto, nem capacitar ninguém, nem ver quais são as habilidades de cada um e tal’. E aí uma pessoa que nos escutou e a gente aí fez um projeto. (...) a gente falou: ‘Não adianta. Você quer mais resultado? A gente precisa de mais tempo. A gente precisa ir lá’.” (Luana)

A situação descrita pelos dois está bem próxima ao que foi relatado por Flávia. Segundo a entrevistada, o ideal seria passar mais tempo com o grupo. Contudo, nem sempre isso é possível, já que, como consultora, ela às vezes precisa se adequar ao cronograma das instituições que a contratam. Ela falou que procura ficar ao menos três semanas com o grupo e aposta na intensidade do contato como forma de tentar compensar a falta de tempo.

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Carolina também apontou a falta de tempo como uma dificuldade, uma vez que um processo de criação em conjunto necessitaria de mais calma.

5.3.4. Cinco metodologias descritas Após discorrer sobre alguns aspectos que foram recorrentes nos depoimentos

a respeito

das

metodologias

de trabalho,

irei

descrever

separadamente o que Gabriela, Ivone, Hugo, Flávia e Carolina contaram sobre isso. Estes foram os cinco entrevistados que explicaram de forma mais clara as etapas pelas quais passam quando realizam os projetos.

5.3.4.1. Eixos base e identidade coletiva Gabriela explicou que a metodologia da incubadora mudou recentemente e ficou mais estruturada. A proposta passou a ser de fazer cursos e, depois, dar consultoria e assessoria. Ao passo que antes cada técnico tinha a sua metodologia própria, agora, foram estabelecidos alguns eixos bases para serem trabalhados com os empreendimentos. Ela citou alguns dos eixos: eixo de produto, eixo de comunicação, eixo do empreendedor, eixo do capital, eixo do associativismo e cooperativismo, eixo de comercialização e eixo administrativo. Para cada um deles há um técnico da incubadora que é responsável por capacitar os empreendimentos naquele assunto. Gabriela, por exemplo, dá o curso de produto e, além de trabalhar com o desenvolvimento de produtos, também lida com a parte de comunicação visual, desenvolvendo identidades visuais, panfletos etc. De acordo com a metodologia da incubadora, deve-se fazer um diagnóstico do empreendimento para, a partir dele, decidir quais eixos serão trabalhados com aquele grupo. Gabriela disse que não há uma ordem certa para trabalhar os eixos e que, às vezes, os técnicos trabalham em conjunto, quando os assuntos que eles irão tratar estão muito relacionados, como, por exemplo, precificação e produto. No entanto, dão preferência por realizar um curso de cada vez. Os três casos dos quais Gabriela mais falou durante a entrevista foram empreendimentos em que, após dar os cursos de desenvolvimento de produto, ela aplicou na consultoria uma metodologia que chamou de identidade coletiva.

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Na metodologia da identidade coletiva, também se deve começar pelo diagnóstico. Caso perceba uma falta de identidade do grupo, ou melhor, que os produtos, a marca ou o material gráfico não representam os seus valores ou os da região, então ela tenta trabalhar com o assunto. Faz uma oficina de sensibilização do grupo, pois, de acordo com Gabriela, quando as pessoas do empreendimento não sentem necessidade, não adianta tentar fazer aquele trabalho. Nesta etapa, Gabriela disse que faz uso de alguns jogos para tentar despertar essa percepção, como jogo da memória e outro que ela descreveu, chamado “se você é o que parece ser”. Este último trata da questão de como as pessoas veem a si mesmas e como são vistas pelos outros. Por meio dele, Gabriela fala sobre identidade e aborda diferentes assuntos, como imagem e mercado. Se o grupo decidir que quer trabalhar com identidade coletiva, então ela monta painéis com imagens relativas ao que escutou nas reuniões que teve com o empreendimento. Segundo Gabriela, ela acha mais fácil trabalhar com imagens, já que é designer. Os painéis são validados pelo grupo, a fim de saber se ela compreendeu corretamente o que as pessoas queriam dizer, e Gabriela faz análise das imagens. Posteriormente, passa para a etapa de criação, que é feita em conjunto com o grupo. Segue seu comentário a respeito da etapa de criação:

“Aí depois é criação mesmo junto com eles. Esse entendimento eles vão percebendo isso e vão fazendo juntos. Eu pouco interfiro no produto, na verdade. Na identidade coletiva, eles vão se percebendo no meio desse processo e eles vão modificando, eu só dou uns toques. ‘Olha, isso aqui está de acordo. Isso não está...’ É bem por aí.” (Gabriela)

Como se pode ver, de acordo com a entrevistada, ela pouco precisa interferir no produto quando faz esse tipo de trabalho. Apenas dá conselhos ou algum direcionamento, já que o grupo tende a se perceber melhor durante o processo e consegue fazer as modificações por conta própria.

5.3.4.2. Sete etapas bem definidas Ivone contou que a metodologia da instituição onde ela trabalha foi sendo construída e aprimorada com os anos e que, provavelmente, continuará a evoluir. Enquanto no início disse que ficava angustiada por saber que as ações poderiam

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ser melhores, falou que hoje está satisfeita com os resultados. Atualmente, as ações têm duração de quatro meses e há sete etapas bem definidas: diagnóstico, gestão do grupo, gestão do processo produtivo, gestão do produto, gestão do mercado, avaliação final dos resultados e divulgação e promoção. Algumas dessas etapas foram comentadas pela entrevistada, como será apresentado a seguir. O diagnóstico serve para analisar os fatores locais, o cenário político e econômico da região, o ambiente, as habilidades técnicas das pessoas que estão no grupo, suas limitações e entender o que poderá ser feito. Ainda no diagnóstico, são feitas entrevistas individuais. Esta é uma prática que foi incorporada há pouco tempo e que, na visão de Ivone, tem sido muito útil. Nessas entrevistas, procura-se saber as expectativas das pessoas e suas habilidades, para se pensar em maneiras de aproveitar suas potencialidades dentro do grupo. Também se pergunta sobre seu rendimento atual, que será posteriormente comparado ao final da ação. Nos primeiros encontros são feitas palestras de sensibilização, quando se fala sobre inovação e “se prepara o terreno” para que o consultor comece a trabalhar com o grupo. Em seguida, são feitas as capacitações. Ivone contou que há uma equipe de designers que fica na instituição e que, depois de fazer o diagnóstico, inicia o preparo das coleções dos produtos que serão produzidos pelo grupo. Cada coleção tem, no final, de dez a doze peças. Portanto, a equipe faz cerca de o dobro de desenhos para que o grupo possa escolher quais serão produzidos. Então, apresenta-se ao grupo a coleção – que é, na verdade, uma predefinição dos produtos – e ele começa a interagir. As pessoas dizem de quais gostaram, quais devem ser tirados, escolhem alguns, pedem modificações em outros e tentam chegar a consensos. Ivone fala um pouco sobre isso:

“Aí eles começam a interagir ‘Não, assim não quero. Quero isso.’ Aí, depois que a gente começa uma predefinição de produtos, eles interagem e diz ‘Esse não, esse sim. Esse não, esse sim.’ Chegam a um consenso, eles se apropriam, que é muito importante, que aquilo é o resultado deles e não da gente, isso é importante também.” (Ivone)

Ivone afirma que é importante que o grupo se aproprie da coleção e que compreenda que aquele é o resultado do trabalho deles. Segundo ela, quando isso não ocorre, os grupos fazem modificações durante o processo produtivo.

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No final, faz-se um lançamento formal da coleção, quando são convidados, por exemplo, representantes do governo do município e do estado, das instituições financiadoras, jornalistas, arquitetos etc. Esse evento tem a função de lançar os produtos no mercado e de fazer com que as pessoas do grupo se sintam valorizadas. Depois disso, o grupo começa a criar por conta própria. Segundo Ivone, mesmo após a ação ter terminado, é comum que se faça manutenção dos grupos, ou seja, que se dê algumas assessorias pontuais esporadicamente.

5.3.4.3. Visão ampla dos processos Hugo também disse que desenvolveu uma metodologia de sete etapas – diagnóstico; planejamento; capacitações paralelas; oficinas de artesanato com design; gestão comercial; lançamento, divulgação e comercialização; e acompanhamento

de

associativismo

e

empreendedorismo.

Segundo

o

entrevistado, foi algo que ele criou com o tempo, devido a sua experiência. Nos primeiros anos, ele precisava que o trabalho que estava começando a desenvolver com um grupo de artesãs gerasse renda para que tanto ele quanto elas se sustentassem financeiramente. Assim, precisou procurar caminhos e entender todo o processo de criar, vender, organizar e controlar a qualidade dos produtos. Ainda por cima, foi dono de uma loja onde os produtos eram vendidos e também dava aulas. Desta forma, disse que conseguiu ter uma visão ampla de todos os processos.

5.3.4.4. Observação atenta Ao descrever as etapas de seu trabalho com os grupos, Flávia falou que primeiro faz um diagnóstico da região para entender quais são as possibilidades de trabalho. Dependendo do que se encontra durante o levantamento, decide se a consultoria será ou não continuada. Em um dos casos que ela relatou, por exemplo, foi diagnosticado que havia um “caldo cultural” e uma vontade daquelas pessoas de trabalhar com artesanato. Portanto, passou para a etapa de desenvolvimento de coleções.

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Mas isso não ocorre sempre. Em outras duas situações descritas, notou-se que havia dificuldades muito sérias na região. Uma das experiências foi com uma comunidade indígena que estava perdendo suas tradições de desenhos e técnicas artesanais. No entanto, descobriu-se que o motivo era a escassez de matériaprima, pois os próprios índios estavam vendendo aquela madeira que antes era usada nos utensílios. Outra situação foi com uma comunidade muito isolada e com alto nível de analfabetismo. Ela era muito dependente da instituição que estava financiando o projeto e Flávia entendeu que o projeto não seria uma alternativa de renda para aquelas pessoas, pois elas não conseguiriam dar continuidade ao trabalho que se pretendia desenvolver. No diagnóstico, são feitas reuniões com o grupo. Segundo Flávia, há todo um processo de se aproximar das pessoas e convidá-las para um passeio, quando se tenta instigar o olhar delas para o que há em volta, observar atentamente suas reações e fazer perguntas colocadas para que elas tragam à tona fatores de sua história. Elenca-se o que há na região em termos de matéria-prima, histórias do local e histórias pessoais. Este é um momento de fazer descobertas e de ver as possibilidades. Há também um segundo momento, que é o de fazer experimentações. Flávia contou que todos pegam as matérias-primas que foram encontradas e começam a experimentar sem compromisso, como se fossem crianças brincando no chão. Posteriormente, analisam o que foi feito nesta segunda etapa e pensam no que poderá ser desenvolvido a partir dali. Assim, cria-se uma coleção, nascida das brincadeiras iniciais. Criada a coleção, passa-se à etapa de capacitação. A entrevistada disse que se deve investir muito na questão da qualidade dos produtos, em melhorar continuamente. Como já foi mencionado, ela afirmou que aposta na intensidade do contato com os grupos com o intuito de compensar a falta de tempo de que dispõe com eles, procurando observar com muita atenção as pessoas.

5.3.4.5. Criação de novos produtos para o catálogo A instituição onde Carolina trabalha funciona como uma rede de comercialização de produtos de artesanato, que possui quatro canais de

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comercialização: rede por venda direta, encomenda de brindes corporativos, venda pelo site e pela loja da instituição. Carolina está mais envolvida na rede de venda direta, que é feita porta a porta pelas vendedoras, as quais são chamadas de conselheiras neste tipo de negócio. Sua tarefa é ajudar os grupos a desenvolverem os novos produtos que são lançados nos catálogos da instituição, os quais são o principal instrumento de venda. Carolina contou que, por ano, são lançados de três a quatro catálogos, o que é pouco para as redes de venda direta convencionais, mas muito rápido para o tempo do artesanato. Isso significa que existem ao menos três meses entre os lançamentos. Contudo, ela geralmente possui apenas um mês e meio para desenvolver os produtos com os grupos, já que, depois da criação, é necessário fazer o piloto, tirar as fotos, fazer a diagramação, fazer um teste de impressão, imprimir e colocar no correio para as conselheiras. Como essas etapas consomem tempo e energia, o processo de criação fica corrido e não é tão profundo quanto Carolina gostaria. Ela disse que um processo de co-criação ideal deveria respeitar o tempo necessário para a criação de algo. Em cada catálogo são veiculados produtos de trinta grupos por vez. Destes todos, ela trabalha geralmente com dez a quinze no desenvolvimento de novos produtos. Os demais podem não ter inovado ou podem ter feito novos produtos sem o seu auxílio. Carolina explicou brevemente como acontece o trabalho com os empreendimentos. Segundo ela, as ideias surgem em conversas com eles, ou ela faz algumas sugestões de acordo com as previsões de venda da rede. Em algumas vezes, ela vai até o grupo e ajuda a fazer os testes, cortando, colando e desenhando em conjunto. Mas, na maior parte dos casos, os grupos saem da reunião com uma lista pilotos para fazer. Posteriormente, estes são apresentados à equipe. Quando estão aprovados, passa-se para sessão de fotos. Assim, o grupo tem um tempo razoável para produzir as peças da primeira encomenda feita pela instituição. Porém, quando o estoque acaba e são feitos novos pedidos, o grupo tem cerca de duas semanas para fazer a entrega, o que pode não ser suficiente se a nova encomenda for muito grande. Apesar de Carolina dizer que o tempo dedicado ao desenvolvimento dos produtos é curto, considera que é feito um trabalho de longo prazo com os grupos, pois eles são constantemente assessorados pela instituição. Diferentemente de

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outras experiências relatadas pelos outros entrevistados, no trabalho atual de Carolina os grupos não têm previsão de se desligar da rede. Se eles conseguirem crescer e aumentar muito sua produção, podem passar a produzir apenas os brindes corporativos e não mais os artigos para venda direta. Isso porque, enquanto as encomendas da venda direta são de no máximo centenas por ano, as corporativas podem chegar a milhares. Além disso, a instituição não tem exclusividade de venda com os grupos.

5.4. Eixo temático 3: relacionamento dos entrevistados com os grupos Enquanto os entrevistados falavam sobre seu relacionamento com os grupos, surgiram muitas questões interessantes, que se repetiram em vários depoimentos. A seguir, discorro sobre algumas delas: receptividade do grupo, distância, dificuldades de relacionamento, linguagem, imposição, tempo e gênero. Antes, contudo, vale prestar atenção em uma consideração feita por Carolina:

“É claro que isso é uma construção minha de como eu me vejo fazendo isso. Pode ser que a percepção seja diferente da pessoa com que estou me relacionando, seja diferente. Mas, enfim, só perguntando pra elas pra saber, né?” (Carolina)

A entrevistada entende que o que ela está relatando é uma construção sua, ou seja, é a sua perspectiva das situações que vivenciou. Certamente, se nesta pesquisa tivessem sido realizadas entrevistas com as pessoas dos grupos ou mesmo com outros membros da equipe, os depoimentos seriam diferentes e poderiam trazer novas questões. Contudo, este fato não desmerece a atual pesquisa da forma como ela foi conduzida, já que este método foi usado com o intuito de captar, no discurso subjacente, as percepções dos entrevistados e a maneira como eles veem si mesmos e sua atuação, aspectos que foram apontados nessa fala de Carolina. Passemos agora às principais questões que surgiram a respeito do relacionamento com os grupos.

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5.4.1. Boa receptividade, trabalho prazeroso Em quase todos os depoimentos foi dito que os entrevistados sentiram-se bem recebidos pelos grupos e elogiaram o relacionamento, que foi caracterizado como “amigável”, “bacana”, “legal” etc. Seguem alguns trechos como exemplo:

“Era um trabalho muito bacana. O contato com eles era muito legal, sempre foi muito legal.” (Daniela) “Mas é sempre muito amigável” (Carolina) “Eles tinham uma perspectiva muito legal com o que a gente ia propor para eles, de qual era o nosso papel ali. Às vezes, talvez até tivesse uma pessoa ou outra que não tivesse tão aberta assim, mas eu acho que na maioria, no geral a maioria estava assim, aberta, disposta a ver o que a gente queria fazer, pensar nisso. Até porque eu acho que era uma coisa que ia vir para agregar valor ao que eles já estavam fazendo. (...) Então eu acho que no geral eles estavam muito receptivos.” (Bárbara) “Era muito gostoso e eu sou muito bem recebida lá até hoje sabe? Eu vou lá, continuo trabalhando com o [nome da instituição], com esses grupos que tem lá e eu sempre me sinto muito bem recebida. Porque eu acho que eles sabem que o trabalho que a gente faz tem um reconhecimento, tem uma idoneidade, assim como ele têm. E o que a gente não sabe por que a gente é jovem, porque a gente está aprendendo a gente vai descobrir junto.” (Érica)

Como disseram alguns entrevistados, há uma troca entre o designer e as pessoas do grupo, o que torna o relacionamento rico:

“(...) fica uma coisa super rica assim. Para eles vira uma oportunidade, para a gente também (...)” (Flávia) “Gostava, gostava muito. Porque, não sei, são pessoas que tem uma história de vida às vezes muito diferente da gente. E tem muito para acrescentar, muito para mostrar e para nos ensinar mesmo né? Porque às vezes a pessoa não teve estudo, mas teve uma vivência, tem uma vivência que só vem para contribuir mesmo, para acrescentar. A gente pensa que está ali estudando e que sabe muito, mas essas pessoas muitas vezes sabem muito mais que a gente. (...) Pelo menos da vida.” (Bárbara)

Portanto, os entrevistados deram a entender que, na maior parte das vezes, o contato com os grupos era amigável e prazeroso, como pode ser visto em uma fala da Gabriela:

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“Eu não esqueço uma frase que a [nome de uma das pessoas do grupo] falou: ‘A Gabriela pega na mão...’ Não, como que é? ‘Pega no pé para melhorar a mão.’ (...) Eu falei: ‘É, pego no pé para melhorar a mão mesmo porque vocês têm que melhorar o acabamento desse produto.’ (...) Eu gostava desse grupo, era engraçado.” (Gabriela)

5.4.2. Proximidade versus distância Apareceu em alguns depoimentos uma dicotomia entre o quanto se deve aproximar do grupo, tentando “entrar em seu mundo”, e uma distância que se mantém, seja porque ambos pertencem a círculos sociais distintos ou porque o projeto chega ao fim. Érica e Ivone falaram sobre isso:

“Então são essas as coisas que a gente vai aprendendo ao longo do tempo. Tem que criar um laço. Não um laço de amizade, não é isso, e nem um laço que depois você não consiga romper. Você precisa entrar no mundo delas e elas precisam entender que eu sou de um outro mundo, então elas vão ter que me ajudar entender. Elas vão ter também que me explicar muita coisa. E eu acho que a gente vai ganhando isso, sabe.” (Érica) “E quando eu chego tem aquela enxurrada de e-mails, tem as correntes, que elas mandam também porque eu também faço parte do universo delas, das pessoas que têm que receber as correntes, as orações, as piadas...” (Érica) “A gente já trabalhou nessa comunidade, trabalhamos com papel reciclado, que eles eram catadores de jornal. Tínhamos dificuldade de entrar e sair, eles tinham que permitir a entrada e saída, eles estavam armados para a gente entrar e sair, entendeu? Mas depois que viram, a convivência, eles começaram a proteger a gente. Até para sair do grupo depois foi difícil porque eles criaram um vínculo com a gente muito grande. Até hoje tem. Até hoje eles lançam uma coisa e ligam.” (Ivone)

Portanto, mesmo se estabelecendo um contato amigável, trata-se de uma relação profissional e não de amizade.

5.4.3. Dificuldades na relação do designer com os grupos Apesar da aparente boa convivência, muitos entrevistados falaram sobre uma série de dificuldades ao lidar com os grupos, o que é natural em qualquer relacionamento entre pessoas.

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Ivone falou que às vezes há rejeição do grupo à pessoa que é contratada para fazer o projeto. Portanto, ela explica o consultor – que pode ser um designer, artista plástico ou um profissional de outra área – normalmente é escolhido não apenas por sua competência técnica, mas também por seu temperamento e personalidade:

“Hoje, por exemplo, a gente não analisa o consultor quando vai trabalhar com um grupo desses somente pela competência técnica. A gente analisa a relação dele com os grupos como vai ser. Aquele perfil de pessoa que a gente conhece, que lida com a gente com educação, a maneira de falar, o temperamento. Às vezes a pessoa tem competência técnica para ir para aquele grupo, mas não tem temperamento para aquele grupo, você está entendendo? Aí a gente tenta conciliar a personalidade do consultor mais competência técnica, que aquele grupo tem determinado perfil e a gente acha que não vai aceitar fulano, geralmente a gente acerta. Vai haver uma certa rejeição, entendeu?” (Ivone)

Segundo Ivone, os grupos costumam rejeitar designers muito jovens, as quais precisam se impor e encontram mais obstáculos que designers mais velhos para se fazer respeitar. Segue o trecho de sua explicação:

“A pessoa precisa chegar firme, trabalhar, mostrar, que não é bem assim. ‘Sou nova mas tenho competência’. Tem que fazer um esforço maior talvez do que uma pessoa mais velha para poder se fazer respeitar. (...) Então chega uma jovem designer aí às vezes não querem... De início é aquele impasse né? Até que percebam que aquela pessoa tem condição de passar informação, aí leva um certo tempo dependendo da habilidade da pessoa.” (Ivone)

Outra dificuldade foi apontada por Ana Clara, João e Flávia, que falaram das expectativas que os grupos colocam nos projetos como um desafio:

“Acho que com uma grande expectativa dessa possibilidade de trabalhar com a Universidade. Às vezes eu penso que eles querem soluções prontas como se estivessem contratando designer e não é exatamente esse o processo, né. A gente está tentando trabalhar com essa perspectiva participativa onde haja engajamento do grupo, uma construção coletiva. E às vezes as pessoas, acho que ficam esperando que tu leve uma solução pronta. E esse é um dos desafios assim...” (Ana Clara) “Mas muitas vezes aconteceu nessa nossa atividade que o negócio nunca foi entendido. Não era problema de design aí, eram outros tantos problemas e quem caía aí era o designer. Então não dava para resolver. Se criaram muitas expectativas, se criaram muitas situações onde nós não... De fato os grupos, os projetos que demos continuidade tiveram que acrescentar um monte de capacitação. Não era só design.” (João)

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“Eu falei ‘Não, tudo bem, então vamos fazer essa oficina’, mas eu me sinto péssima de repente se a gente enche essas pessoas de esperança de que isso vai ser uma alternativa de renda para eles.” (Flávia)

No caso do depoimento da Flávia, ela estava falando de uma experiência de trabalho – já relatada na seção sobre metodologia – em que atuou como consultora em uma comunidade bastante isolada. A comunidade tinha sérios problemas de transporte e logística dos produtos e de escolaridade da população, questões que um designer não poderia resolver. Assim, disse que passou a evitar fazer projetos de geração de renda:

“Então justamente por essa razão e por outras que eu estou deixando para fazer projetos de geração de renda só assim em casos muito específicos para não correr o risco de decepcionar as pessoas que se envolvem. Porque você fica vendendo gato por lebre, não é verdade. Não gosto de me sentir assim.” (Flávia)

João e Luana também falaram da dificuldade de juntar diferentes realidades e de fazer as pessoas de lugares isolados e menos desenvolvidos compreenderem certos aspectos que são normais ao mundo comercial das grandes cidades. Vejamos como João abordou o assunto:

“E depois tem outra realidade que é a que mais pegou nas questões sociais. É muito difícil explicar (...) que aquele produto que eles ganham 2 reais na produção de uma peça a loja vai vender a 50, 70 e o custo da sacola deles é maior que o dinheiro que ele ganha. Então isso não é honesto, esse trabalho não...” (João)

Luana argumentou que, independente de ser justo ou não, o produto não era viável da forma como estava sendo comercializado, em uma loja de shopping de uma grande cidade, sendo que se tratava de uma comunidade no interior do país, com graves problemas de transporte. Em seguida João colocou a questão por outro ângulo, opondo a “justiça comercial de cidade globalizada” com a realidade da comunidade:

“É, porque os caras... Sobretudo o [nome da loja], com que tivemos mais relacionamento desde o início, eles pagaram o que o artesão queria, mas eles também colocavam o preço que bem entendiam. O cara não perdia dinheiro. Eu acho que ele era honesto e justo, mas essa justiça comercial de cidade globalizada, aí que eu acho que não é justa com essa realidade [adjetivo que designa a região] de comunidade.” (João)

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Mais uma dificuldade foi colocada por Érica. Ela explicou que, na instituição onde trabalha, depois de algum tempo, os grupos deixam de ser assessorados e se inicia uma relação de consultoria, em que eles ficam menos dependentes. No entanto, menciona que alguns não querem perder a relação de assessoria, em que há alguém que faz certas tarefas por eles:

“E a gente começa um novo combinado que é o combinado de consultoria. E na consultoria elas ficam menos dependentes, elas têm que ter uma postura menos dependente, elas têm que correr muito mais atrás. Eu hoje ainda corro muito ainda atrás para elas, isso é um problema.” (Érica) “Eu falo ‘Olha, não esqueçam que vocês têm que falar para ela que o trabalho é assim, assado. Montem o seu preço, não tenham medo. O preço de vocês está justo, a gente viu isso no mercado. Vocês sabem muito bem disso porque vocês também pesquisaram’. Então assim, às vezes é mais um trabalho de autoestima mesmo, elas chegam muito machucadas, muito maltratadas. Do que de fato por que elas não sabem, elas sabem. Elas têm medo de fazer. E é muito bom porque tem alguém fazendo para elas. Elas não querem perder isso nunca né? É muito fácil.” (Érica)

Como pode ser percebido, Érica vê como um problema o fato de “correr muito ainda atrás para elas" e, assim como Carolina, fez alguns comentários que se assemelham, de forma mais ou menos explícita, a uma relação materna. Vejamos as falas de ambas que mostram esse tipo de semelhança:

“Muitas vezes, a [nome da instituição] faz o papel de mãe – o que é um problema também. O que a gente não quer fazer mas acaba fazendo, mas, enfim!” (Carolina) “Então tem alguns grupos que a gente meio que até coloca, assim, debaixo das nossas asas (...)” (Carolina) “Porque a gente entende que uma hora tem que sair, mas não é chutar. É assim, aos pouquinhos a gente vai largando a mão. Aí ela vai começar andar sozinha, não precisa da gente. Eu acho que a grande dificuldade das incubadoras hoje, incubadoras principalmente de faculdade é essa questão assim. Começa um projeto do além, pára, pá, acabou, rompeu, e o grupo fica órfão, porque ele não sabe fazer.” (Érica)

Daniela também comentou que tem que “puxar a mão” dos empresários com os quais ela lida, pois, se ela não estiver presente, eles não dão continuidade ao projeto, como pode ser observado no trecho a seguir:

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“Aí eu preciso corrigir aqueles produtos, aqueles protótipos, retomar esse contato com os marceneiros para a gente colocar isso no mercado de fato, porque eles não se movimentaram. Se eu não estiver lá eles não fazem nada, entendeu?” (Daniela)

A variação de sentimentos com relação aos grupos apareceu de forma interessante e bem clara na fala desta entrevistada. O mesmo grupo que ela relatou ser muito agradável de trabalhar – chegando a brincar que sentiu por muito tempo que se tratava de uma “cidade encantada”, com “pessoas encantadoras” – foi motivo de frustração e cansaço em determinados momentos, quando ela diz se cansar de “ficar pajeando empresário”. Um exemplo de frustação foi o fato de os empresários não terem cuidado da manutenção de um site ligado ao projeto. Seguem os trechos em que ela fala sobre isso:

“A gente poetizou muito esse projeto, a gente curtiu muito (...). E a gente ficava brincando que lá era poético assim, lá era encantado, cidade encantada. A gente ia para a cidade encantada, porque tudo fluía, tudo dava certo quando as pessoas queriam, os empresários queriam. Aí era cidade encantada mesmo. A luz é linda, o céu azulíssimo sabe? Temperatura ótima, (...) agradável, a cidade é super bonitinha. Então a gente ia para a cidade encantada assim. Fazer um trabalho encantador com pessoas encantadoras.” (Daniela) “Como eles deixaram o site sair do ar... Agora assim, por outro lado eu entendo também, sabe? Tenho essa onda me frustrar assim um pouco. (...) ‘Eu não aguento mais ficar pajeando empresário’. (...) e ainda por cima tem que ficar puxando mão de empresário para fazer as coisas. Tem essa parte de frustração, por outro lado eu também entendo. Porque os caras estão envolvidos naquilo. Eles têm que gerar dinheiro. Eles têm funcionário, funcionários um monte. Eles têm que gerar o negócio deles e muitas vezes, como eles são pequenos, eles não têm como se dar ao luxo de contratar um consultor para resolver o problema de fazer o eco-polo aparecer. Você tem uma demanda, uma encomenda de fazer não sei quantos produtos para amanhã. Eles vão nessa e aquilo não pára, entende? Eu sei muito bem qual é a realidade, então eu me refaço dessa frustração e entendo o lado deles também. Acho que eu descansada consigo me envolver de novo e ajudar, como fazer...” (Daniela)

Como pôde ser visto, ela afirma que conseguia acabar com o sentimento de frustração ao compreender o lado dos empresários, já que eles tinham muitos outros afazeres que não estavam relacionados ao projeto com ela.

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5.4.4. Dificuldades de relacionamento dentro dos grupos Algumas dificuldades relatadas estavam mais ligadas a desentendimentos dentro dos grupos e não especificamente à relação entre eles e os designers. Apesar disso, os entrevistados tinham seu trabalho influenciado por estas situações ou precisavam intermediar alguns conflitos. Carolina listou uma série de exemplos, que passam por questões pessoais, familiares, de saúde, de autoestima, de relacionamento com as outras pessoas do grupo etc.:

“Além de dificuldades pessoais, familiares, enfim, todos os problemas em que as pessoas têm na vida, por causa de baixa autoestima, enfim, dificuldade de venda, dificuldade de relacionamento, pra caramba, entre os grupos. De fofoca... (...) É todo tipo de dificuldade que existe no mundo existe lá dentro desses grupos. Desde as coisas mais materiais – que a casa da [nome de uma artesã] tá caindo; e nas próximas chuvas ela vai cair; tem um buraco na parede já; e o marido bebe, não dá o dinheiro do salário pra família até... sei lá, né? ‘Eu sou velhinha e tenho milhares de dores e não sei por que ainda faço esse tipo de artesanato!’ Até... ‘O grupo não me quer! Vou sair desse grupo! Me odeiam! Falam mal de mim! Fofocam...’ E sei lá o que! Até... Sei lá! ‘Não sei direito fazer conta, pra poder botar o meu preço direito...’” (Carolina)

Um episódio relatado por Gabriela ilustra uma dessas dificuldades. Ela disse que estava falando sobre reciclagem de papel e pediu para as artesãs fazerem alguns cálculos, mas uma delas começou a chorar, pois não sabia fazer conta. Então, Gabriela precisou acalmá-la. Érica também mencionou algumas situações semelhantes às indicadas por Carolina, que mostram conflitos entre as artesãs. Grande parte dos conflitos parece ser ocasionada por desentendimentos ou insatisfações. Apesar de se sentir incomoda com essas situações, Érica disse que precisa compreender que são questões das pessoas do grupo e que ela não pode se sentir culpada. Como ela mesma disse, consensos não existem, mas tenta sempre “equilibrar essa balança”:

“E elas tentam juntas chegar em consensos, que nunca chegam, esses consensos não existem. Sempre tem uma reclamando que faz mais, uma que faz menos, uma outra que está nesse grupo há não sei quando tempo e não vende. E aí assim, começa a ficar desesperador, só que não é culpa minha. É um processo delas, interno.” (Érica)

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“Tem uma que ela sempre acha que as pessoas estão contra ela, não é. De fato não é que estão contra ela. Mas ela fala de uma maneira que parece que a gente está o tempo todo forçando a barra. E é também fazer com que ela aprenda o jeito melhor de ser compreendida, assim como as outras aprendem que é o jeito dela e assim a gente vai tentando equilibrar essa balança.” (Érica)

Outras questões, que não podem ser classificadas como dificuldades ou facilidades, chamaram atenção nas entrevistas, por terem aparecido várias vezes. Vejamos a seguir algumas delas.

5.4.5. Linguagem Ainda segundo Érica, uma questão que aparece em todos os grupos é a fala, ou seja, a maneira como se deve manter a linguagem com as pessoas. É interessante observar que esta não é uma percepção apenas sua, pois grande parte dos entrevistados abordou o mesmo assunto, dizendo que precisavam usar uma linguagem “mais simples” e “acessível”:

“Porque muitos desses grupos, não digo todos, não têm um nível de instrução, são muito simples. Então a gente tem que baixar a linguagem, a gente tem que chegar com muito cuidado.” (Ivone) “Aí tem que explicar para ele o que é conforto ambiental, com uma linguagem acessível, tal logicamente. Bem mineirinho também e tal, comendo pão de queijo, tomando cafezinho. É assim né?” (Daniela) “Então eu dou curso de desenvolvimento de produto. Falo tudo que você precisa saber para... Tudo né, assim, numa linguagem mais simples assim. O que eles precisam saber para desenvolver esse produto (...).” (Gabriela) “Então assim, é uma linguagem toda trabalhada de forma mais simples com alguns conteúdos que a gente fala assim: ‘Não, isso aqui é essencial deles saberem’.” (Gabriela) “Não é demagogia dizer isso, mas eu aprendi a ter uma fala que foi com o tempo melhorando, a cada dia trabalhando com elas. Eu fui primeiro entendendo o jeito de cada uma. E depois aprendendo que a minha fala não ia completa ou ia com ruído. Então você também como educador aprende isso.” (Érica)

Além de dizer que aprendeu a observar quando sua fala chegava às pessoas do grupo incompleta ou com ruído, Érica usou uma metáfora interessante para

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descrever sua atividade como educadora. Ela afirmou que precisa fazer a “tradução” dos conteúdos de design para que pudessem ser compreendidos de forma mais fácil, ou seja, precisa usar “a tecla SAP38”:

“E a educação popular é uma coisa que o [nome da rede onde Érica trabalhou] também faz sem na verdade, sem com toda essa pompa e circunstância de dizer que é educação popular, mas é educação popular, é traduzir um pouco. É fazer a tecla SAP do que você aprende de conteúdo de design, você faz a tecla SAP e chega até os grupos.” (Érica)

Quando isso acontece, os grupos absorvem o conteúdo e se apropriam de determinados termos que antes não lhes eram comuns. Um exemplo, também relatado por Érica, foi perceber que as artesãs começavam a usar a palavra briefing de forma natural:

“Elas adoram que elas descobrem o que é briefing e aí elas falam briefing para tudo. É muito engraçado, é muito engraçado. ‘Cadê o briefing?’ Tudo tem o briefing depois. É ótimo. Isso quer dizer que elas incorporaram uma coisa que veio da faculdade, que na verdade veio do mercado, que a gente conseguiu de alguma forma traduzir. Elas entenderam. Elas se apropriaram e estão usando. Muito bom.” (Érica)

Outra consideração interessante a respeito da linguagem no relacionamento com os grupos apareceu no depoimento de Daniela. Segundo a entrevistada, o designer precisa saber dialogar com diferentes pessoas, dependendo do projeto em que ele se envolve. E faz parte dessa capacidade adotar diferentes tipos de linguagem. A seguir estão alguns trechos em que ela fala sobre a forma como dialogou com os diferentes grupos com os quais teve que lidar:

“Uma hora vai ter que dialogar com marceneiros mais humildes que não sabem muitas coisas. Uma hora vai ter que dialogar com o representante da [uma indústria de automóveis], que sabe muito bem o que eles quem. (...) Então, hora vai ter que dialogar com os empresários de [nome da cidade] que são fruto de empresas familiares que também não tem formação, mas ganham dinheiro pra caramba e eu tinha a impressão que eles olhavam para a gente pensando assim: ‘Meu filho, deixa eu te explicar, eu vou ganhar dinheiro com vocês ou sem vocês.’ Entendeu? ‘Então me poupe desse blábláblá de professor de universidade, sabe?’ Porque... Então a gente teve que aprender a dialogar com 38

A sigla SAP, em inglês, significa “Second Audio Program” e é usada nos aparelhos de

televisão para mudar a língua em que está sendo transmitido o programa. Aqui, no entanto, trata-se uma metáfora usada pela entrevistada indicar que ela precisa explicar de outra maneira.

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esse tipo de empresário que tem... Eles estão melhorando, mas eles tinham resistência de aprimorar o processo deles sabe, de deixar de ser copiadores de revista italiana e com fábricas precárias. Eles também evoluíram isso. Mas a gente teve, a gente tem que aprender a dialogar com eles.” (Daniela) “Mas a gente entendeu que a linguagem lá tinha que ser essa. Tinha que mostrar para um cara de uma fábrica de estofados que produz não sei quantos estofados por dia, a importância de fazer, como é que a gente tem que fazer um protótipo. Porque a gente está mostrando isso para ele.” (Daniela) “Eles são muito doces, entende? Tem um jeito de falar muito legal e eu até falei assim lá na [nome da universidade]: ‘Gente, a gente tem que falar na linguagem. Não adianta ficar lá querendo falar, sabe?’ Eu vou lá, interagir com essas pessoas de maneira mais natural, entendeu?” (Daniela)

Assim, pode-se observar que, quando o grupo era “doce” e “tinha um jeito de falar muito legal”, o relacionamento era diferente de quando era um grupo que oferecia resistência e a relação era mais contratual. Isso nos leva a outra questão que foi recorrente: da imposição do projeto aos grupos.

5.4.6. Imposição Grande parte dos entrevistados afirmou que os projetos não têm êxito quando há imposição e os grupos são forçados a participarem, ou quando não concordam com alguma parte do trabalho que está sendo feito. Ivone e Gabriela falaram um pouco sobre isso, dizendo que não adianta impor algo aos grupos se eles não sentem necessidade, mesmo que seja algo que elas gostariam de fazer:

“Quando é uma coisa imposta, se eles não sentem a necessidade, não adianta. Igual ao que aconteceu na [nome do empreendimento], eles não sentiram a necessidade de trabalhar. Então assim, não adiantava eu avançar. Por mais que eu estivesse louca para fazer porque eu já ‘Ah, isso aqui está combinando...’ Mas se eles não sentem necessidade, não adianta. Então tem essa sensibilização principalmente para despertar isso neles.” (Gabriela) “Porque se a gente chegar impondo não funciona. Eles se apropriam e modificam, na hora do processo produtivo.” (Ivone)

Daniela contou de uma experiência que teve com empresários que estavam sendo forçados a participar do projeto. Apesar de ter concluído o trabalho, ela não se sentiu confortável com essa situação e passou a evitá-la. Vejamos sua fala:

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“E desses 20 nós falamos assim: ‘Olha, nós vamos trabalhar com quem quiser trabalhar com a gente. Então até o dia tal...’ Sei lá como a gente fez, não lembro mais. (...) Desses, 7 quiseram trabalhar com a gente. Então a gente trabalhou com o empresário que quis trabalhar com a gente. É porque a gente teve uma outra experiência com a mesma metodologia (...) Só que lá houve uma imposição para a participação dos empresários. Por parte deles lá mesmo, do sindicato, sei lá quem. Então a gente já tinha vivido essa experiência de trabalhar com empresários forçados. Não foi legal assim. Deu certo, a gente acabou, mas não era aquela coisa assim. Pareciam que eles iam lá fazendo um favor, entende?” (Daniela)

Sendo assim, nos projetos seguintes, Daniela disse que passou a colocar aos empresários que só trabalharia com aqueles que tivessem interesse. Isso parece ter tido um bom resultado, pois, em um momento seguinte, contou que conseguiu trabalhar em uma perspectiva de colaboração e que houve bom entendimento entre sua equipe e o grupo:

“Aí a gente foi trabalhando nessa perspectiva de amizade, de colaboração. Não tinha imposição, não tinha nada disso, e deu certo, todo mundo se entendeu.” (Daniela)

Esse foi um aprendizado semelhante a outro aspecto que os entrevistados disseram ter compreendido: a questão do respeito ao tempo dos grupos.

5.4.7. Tempo Considerações sobre o tempo e o ritmo de trabalho e de vida dos grupos apareceram em diversas entrevistas. Segundo Gabriela, a duração da incubação depende do grupo, pois há a questão do “tempo social” deles. Érica disse que precisa respeitar o ritmo das artesãs que atende e Ivone contou sobre uma experiência em que a diferença de ritmo entre sua equipe e o grupo que estava sendo assessorado causou estranheza. Seguem seus depoimentos:

“Depende do grupo na verdade. Tem a questão do tempo social assim.” (Gabriela) “E aí vai para a reunião, mas eu tenho que respeitar o ritmo. Eu tenho que respeitar o ritmo de cada uma delas.” (Érica)

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“Como eles vivem em um ambiente de praia e o tempo lá é diferente do nosso. A velocidade não é a nossa velocidade, lá o tempo deles é lento, bem lento. Eles acordam tarde, as coisas abrem só no horário da tarde, não abrem pelo período da manhã. As capacitações aconteciam ou à tarde ou à noite, não pode de manhã. Tudo é muito lento, eles não têm pressa. (...). Porque o processo a gente chega em um ritmo e eles estão em outro completamente diferente, bem mais devagar.” (Ivone)

Talvez em virtude dessa percepção, alguns entrevistados disseram que tentam manter um ritmo de trabalho mais lento também. Ana Clara, por exemplo, afirmou que buscou se aproximar aos poucos do objeto – no caso, tratava-se do grupo. Já João e Luana disseram que têm um estilo de trabalho mais devagar, tentando fazer as coisas mais simples, apesar de terem admitido que precisariam acelerar o processo para compensar o nível de atraso no estágio de desenvolvimento em que certos grupos se encontram. Vejamos suas falas:

“E aí eu fui buscar novamente todos aqueles estudos que eu tinha feito e percebi que aquele pensamento que une razão e imaginação e busca se aproximar desse objeto assim aos poucos, com sensibilidade, procurando, tentando ouvir o pensamento da praça pública. Sem criticar, sem ter alguma coisa pré-concebida, sem preconceito e tentando olhar com os olhos de quem está dentro do processo.” (Ana Clara) “Nosso estilo é sempre mais tranquilo mais devagar pensando que o beneficiado tem que ser a comunidade, não o designer, não o produto, ou a fama desse produto no mercado.” (João) “E se eu não acelero o processo de capacitação eles não vão chegar nunca. Por que eles já estão 100, 200 anos atrasados. Se eu não vou mais rápido e resgato alguns e perco outros que de qualquer jeito isso teria acontecido. Estamos nós no meio, com umas ideias mais românticas, mais devagar, tentando fazer coisas mais simples. Mas também não é real essa história assim.” (João)

Mesmo com a vontade de trabalhar mais devagar e respeitar o ritmo das pessoas com quem se está lidando, muitas vezes os designers não têm tanto tempo disponível para acompanhar os grupos e precisam acelerar o processo. Como já foi mencionado, Flávia, por exemplo, disse que o ideal seria ter um pouco mais de tempo para ficar com os grupos, mas, como não é possível, aposta na intensidade do contato com eles:

“A gente faz, sei lá, às vezes uma semana de uma experiência super intensiva, sabe? (...) a gente aposta nessa coisa da intenção, da intensidade para poder

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tirar. Mas o ideal era ter um pouco mais de tempo, um pouco mais de calma e tudo.” (Flávia)

Porém esse tempo lento não pareceu ser uma característica de todos os grupos. Alguns casos relatados tinham um ritmo mais acelerado, talvez por terem um nível de profissionalização mais elevado. Um exemplo deste tipo de grupo foi dado por Érica:

“Elas têm um outro ritmo, a coisa de ser mulher, do convívio com marido, essas coisas, ficam tudo meio de lado. Elas querem saber de ganhar dinheiro entendeu? É bem diferente. E elas se dão bem, elas se viram entendeu?” (Érica)

De forma semelhante, Daniela também disse que um dos grupos de empresários era diferente, pois eles tinham um horário certo para se reunirem com ela e o relacionamento foi mais contratual. Ivone falou sobre algumas questões que a levavam a mudar o tempo de duração ou o cronograma dos encontros com os grupos, como no caso de projetos feitos na zona rural:

“Eles montam cronograma de acordo com a vida do grupo, entendeu? Tem mulher que diz ‘Não, de manhã não posso. Vou levar meu filho na escola, faço comida para o meu marido’. Zona rural, por exemplo. ‘Eu só posso à tarde’. Então a gente não pode impor um horário, a gente tem que negociar se é 2 vezes por semana, 3 vezes por semana. Se vai ser todo dia, se vai ser sábado, se vai ser domingo, se vai ser de noite.” (Ivone)

Alguns

desses

motivos

eram

específicos

de

grupos

compostos

principalmente por mulheres, uma característica que tem certas repercussões no relacionamento com os designers, como veremos a seguir.

5.4.8. Gênero Como já foi explicado, muitos dos grupos com os quais os entrevistados trabalharam eram compostos apenas por mulheres. Então, apareceram em alguns depoimentos relatos sobre dificuldades no trabalho em decorrência de questões ligadas ao fator gênero. Foi visto em um dos trechos da entrevista de Érica acima transcritos que um dos grupos de mulheres que ela assessora deixa problemas pessoais de lado: “a

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coisa de ser mulher, do convívio com marido”. Porém, em muitos outros grupos isso não é feito. Em outra fala, também já apresentada, Carolina disse que uma das dificuldades pelas quais os grupos podem passar é que “o marido bebe, não dá o dinheiro do salário pra família”. Gabriela descreveu brevemente como questões de gênero podem influenciar o trabalho e até atrapalhar o empreendimento:

“Tem muito problema ainda. Tem questão de marido e isso é uma realidade. O grupo é maioria de mulheres e quando você começa a fazer um trabalho no grupo e a mulher começa ir muito para a cooperativa tem problema de marido. (...) Às vezes tem um grupo que está indo bem e que desmancha um pouquinho, que foi o caso das flores lá da [nome do empreendimento], que desmanchou porque marido não quer que mulher fique indo para a cooperativa. Tem o almoço, tem os filhos, ainda então tem esse lado. Das questões pessoais começarem atingir o lado profissional. Infelizmente ainda tem isso assim.” (Gabriela)

Depois de apresentar diferentes aspectos que caracterizam o relacionamento dos entrevistados com os grupos, na próxima seção irei mostrar a opinião dos entrevistados sobre algumas expressões que servem para caracterizar suas atuações.

5.5. Eixo temático 4: opinião dos entrevistados sobre algumas expressões Como mencionado anteriormente, duas perguntas do roteiro referiam-se explicitamente à expressão “design sustentável”. Elas tiveram como objetivo investigar a opinião dos entrevistados acerca dela e se a usam com frequência. A seguir, apresentarei os depoimentos que foram coletados a respeito dessa expressão e das outras que foram mencionadas, em especial: “design para sustentabilidade” e “design social”. Ainda foram feitas referências a mais termos que alguns dos participantes disseram preferir a fim de designar suas atividades: “design socioambiental”, “com foco no ser humano” e “design responsável e consciente”.

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5.5.1. Design sustentável: uma expressão controversa Os discursos coletados mostraram que a expressão design sustentável é pouco usada pelos entrevistados e bastante controversa. Muitos disseram discordar fortemente da expressão ou evitam usá-la por a considerarem incorreta. Seguem-se alguns exemplos:

“O mercado avança com essa ideia do design sustentável. Não é bem isso. Não existe esse produto ainda, não existe esse design. Existe na teoria, mas a estrutura, o sistema, ainda não estão prontos para nada ser sustentável. Nós não sabemos como se faz as coisas sustentáveis.” (João) “A expressão ‘design sustentável’ eu acho um surto completo. (...) Porque o design não tem como ser sustentável. Sustentável em que sentido? (...) Porque eu acho que é muito purismo da minha parte também. Mas efetivamente eu não escrevo isso nos meus textos.” (Daniela) “Eu não escrevo, não uso a expressão ‘design sustentável’.” (Carolina)

Mesmo Hugo, que a princípio mostrou-se indiferente a esta questão, fez uma crítica ao termo:

“Para te falar a verdade, não é que eu uso ou deixo de usar né? Não acho nem boa, nem ruim, eu acho... Não sei o que te dizer. (...) Não é ele [o design] que vai dizer se a coisa vai ser sustentável ou não. (...) então, para te falar a verdade, eu nunca usei.” (Hugo)

Em contrapartida, três entrevistadas (Flávia, Gabriela e Bárbara) não veem problema no uso do termo, sendo que Flávia chegou a afirmar que acha a expressão necessária. Gabriela nos fala um pouco sobre isso:

“Eu uso mais ‘design sustentável’ quando eu vou falar de meio ambiente, apesar de saber que não é só isso. Mas eu uso mais para isso. E assim, mesmo sabendo é uma expressão muito ampla e de repente a gente está fazendo só a parte de dentro. Mas eu não tenho problema com essa expressão não. Eu sei que tem alguns que, estão na vertente... mas eu não tenho problema não”. (Gabriela)

É interessante observar que, apesar dessas três entrevistadas parecerem favoráveis ao uso da expressão de forma geral, elas próprias não consideram que seus trabalhos sejam exemplos de design sustentável. Sendo assim, nenhum dos

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entrevistados da pesquisa disse fazer uso dessa expressão para designar sua própria área de atuação.

5.5.2. Design para sustentabilidade: termo correto e abrangente Ao contrário do que aconteceu com o termo “design sustentável”, outra expressão ligada à questão da sustentabilidade pareceu ter grande aceitação: design para sustentabilidade. Para Ana Clara, por exemplo, “o correto seria falar em ‘design para a sustentabilidade’.” Já Carolina, quando perguntada sobre qual expressão seria mais adequada, afirmou: “Design e sustentabilidade. Né? No mínimo, assim!”. A mesma opinião foi ouvida nos discursos de Daniela e Érica, mostrados a seguir:

“Eu escrevo ‘design para sustentabilidade’, ‘visando’, ‘em prol’, qualquer coisa assim sabe?” (Daniela) “Então é melhor usar ‘sustentabilidade’ tanto para desenvolvimento sustentável quando para design sustentável.” (Érica)

A sustentabilidade foi descrita por alguns participantes como um ideal, uma meta ou uma utopia, o que possivelmente explica a preferência pelas expressões “para a”, “em prol de” ou “visando a”. Tal justificativa aparece claramente no depoimento de Daniela:

“Porque olha só, sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, é uma utopia, uma meta a ser alcançada, é uma realidade ideal e é um contrato moral de sociedade. A sociedade mundial, e é irreversível, decidiu por parâmetros morais que a gente vai seguir numa perspectiva de desenvolvimento sustentável. (...) a gente está em busca desse ideal de sustentabilidade (...). Então acho que dá para, eu acho que dá para falar de ‘design para a sustentabilidade’, visando à sustentabilidade”. (Daniela)

Algumas ideias foram associadas ao design para sustentabilidade. Uma delas foi a noção das dimensões, que apareceu na forma de tripé – “socialmente justo, economicamente viável e culturalmente aceito” – ou de mais pilares, dentre os quais foram citados: social, econômico, cultural, ambiental, ecológico, político e humano.

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Outra ideia recorrente foi a de análise do ciclo de vida dos produtos, no sentido de se pensar em toda a cadeia de produção, nos resíduos, no descarte, nos materiais utilizados, na reutilização etc. Essa análise foi associada principalmente ao estudo dos impactos ambientais causados em todas as etapas do ciclo de vida dos produtos. Em alguns momentos, também se associou sustentabilidade a: transferência de conhecimento e de tecnologia, tecnologia apropriada, facilidade de concerto e desmaterialização. A seguir, discorro sobre alguns comentários que surgiram durante as entrevistas e que, mesmo aqueles que só foram percebidos na fala de um ou de poucos participantes, merecem ser explorados.

5.5.2.1. Todo design deveria ser sustentável Alguns entrevistados demonstraram certo desejo em comum, de que todo o design fosse sustentável, o que pode ser visto nos seguintes depoimentos de Bárbara e Carolina:

“Acho que é aquela coisa que a gente tem que parar de pensar no design sustentável como uma linha dentro do design. Mas tratar tudo que vem do design como design sustentável. Ter isso em qualquer projeto como um foco, o design sustentável.” (Bárbara) “Não vejo nenhum sentido em pensar design sem pensar uma sustentabilidade disso, sabe?’ (Carolina)

Contudo, a própria Bárbara completa seu raciocínio dizendo saber que esta não corresponde à realidade atual, mas a um desejo para o futuro, como disse também Ana Clara. Vejamos suas falas:

“Mas [por] enquanto isso ainda é uma utopia, porque a gente sabe que a maioria dos designers ainda não pensa, não colocam nos seus projetos essas questões sustentáveis.” (Bárbara) “(...) eu acho que, daqui a uns 20 anos, espero que a gente não precise mais falar nisso. (...) mas que as pessoas possam pensar nisso.” (Ana Clara)

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Podemos concluir que estes entrevistados acreditam que não seria necessário usar expressões tão específicas como “design sustentável”, ou “design para sustentabilidade”, se todo designer pensasse nos impactos que os produtos por ele projetados geram ao meio ambiente e à sociedade.

5.5.2.2. Ecodesign versus design para sustentabilidade Em contrapartida, apareceu uma visão antagônica, a qual segmenta ou aproveita diferenças conceituais para tentar diferenciar tipos de abordagens nos projetos. Trata-se da comparação entre ecodesign e design para sustentabilidade feita por Daniela. Antes de explicar a comparação feita, vale ressaltar dois aspectos. Primeiramente, a descrição a seguir não se refere a exatos conceitos, mas a ideias que foram extraídas a partir de seu discurso, o qual foi enunciado de forma bastante livre. Segundamente, tal diferenciação pareceu mais uma impressão da entrevistada do que conceitos rígidos defendidos por ela. Daniela diz que o ecodesign está muito mais ligado a essa abordagem de ciclo de vida – não necessariamente da análise do ciclo de vida da ISO 14000, mas da análise dos impactos sobre o ambiente natural. Na sua opinião, o desenvolvimento de produtos se faz com ecodesign, trata-se de projetar ecologicamente e analisar dados quantitativos. Como exemplos deste tipo de abordagem, cita a criação e aplicação de um selo ecológico e o desenvolvimento de produtos de madeira oriunda de florestas renováveis – especificamente, de florestas de eucalipto – nos quais se analisa os impactos sobre a atmosfera e o solo. Para Daniela, é mais complexo trabalhar com ecodesign, pois é uma abordagem multicritério em que vários fatores precisam ser levados em consideração. Contudo, comenta que esta abordagem fica muito restrita ao item ecologia. Já o design para sustentabilidade é visto pela entrevistada como algo mais abrangente, um pensamento de integração, algo que engloba, além de questões ecológicas, preocupações com o desenvolvimento econômico local, questões culturais etc. Um trecho de sua fala que demonstra claramente essa diferenciação conceitual é:

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“Eu acho que o eco-selo é ecodesign. O desenvolvimento dos produtos a gente faz com ecodesign, mas a intercessão, enfim todo o processo é um ‘design para sustentabilidade’ que vai visar àquele ideal que enfim que não tem fim, a gente está procurando. (...) quando a gente fala ecodesign eu estou mais tendendo a uma lógica de ciclo de vida, de análise de ciclo de vida, do que a uma lógica de pensamento de integração visando à sustentabilidade, que é um equilíbrio dessas questões sociais, de identidade e tal. (...) Quando eu vou nessa perspectiva eu vou numa perspectiva de sustentabilidade que eu estou incluindo um desenvolvimento econômico local, estou incluindo questões ecológicas e estou incluindo a apropriação daquela comunidade, o ganho social daquele grupo, entende? Eu vejo assim. É claro que eu fazer um ecodesign eu posso contribuir também para a sustentabilidade.” (Daniela)

5.5.2.3. Em busca de outros caminhos Alguns entrevistados enfatizaram a questão de se buscar outros caminhos, ou seja, de se propor soluções alternativas ao que se é feito atualmente e de se pensar diferente, a fim de resolver os problemas pelos quais estamos passando, ligados, por exemplo, ao consumo desenfreado e à poluição do ambiente natural. Luana pareceu otimista e disse que talvez esse discurso sobre design e sustentabilidade possa levar a um novo caminho, no qual fosse possível “ir mudando com o auxílio da tecnologia”. Carolina e João também falaram um pouco sobre isso, apesar deste último não ter demonstrado o mesmo otimismo:

“Eu sempre tive crises de ser designer porque eu não acredito que o sistema de produção e mercado deva funcionar como ele funciona. E a profissão do designer está dentro esse sistema totalmente. Mas, chegou um momento em que eu percebi que, por estar dentro do sistema, é possível mudá-lo escolhendo fazer de outra forma.” (Carolina) “Tem caminho para ser menos poluente, tem caminhos onde o design pode colaborar. Mas aí é no universo das ideias, no universo das boas intenções que não dá dinheiro para ninguém. A estrutura montada hoje tem um custo, tem um movimento, tem uma sinergia. Não dá parar, descer e criar uma nova porque o caos gerado nesse parar, pensar e fazer uma nova, acabou o mundo. Então o menos ruim é ir aos pouquinhos melhorando. Se vamos ter tempo ou não... Não se sabe, vamos descobrir juntos lá na frente. Mas minha ideia de ver essa ideia de sustentabilidade é pensando diferente e não fazendo o que está sendo feito hoje.” (João)

Uma proposta feita por João nesse sentido envolve uma tentativa de encontrar “um outro caminho”, porém, na sua visão, seria um caminho que vai contra a precisão da produção industrializada. Ele se refere a produtos de fácil

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manutenção e conserto e que utilizam pouca matéria-prima. Segue um trecho de seu depoimento em que ele discorreu sobre essa proposta:

“Na escola sempre nos falaram da perfeição e da... precisão dos produtos. Eu na escola técnica e depois na universidade perdia ponto se eu falasse que isso tinha 30 mm e na verdade tinha 31. Então tudo isso que fomos educados nós cobramos das fábricas que produzem para nós, enchemos muito o saco, e inventamos umas medidas absurdas, que não têm relação com a natureza, que não têm relação com as dimensões comerciais, que não têm relação com absolutamente nada. Então nós designers somos um dos primeiros que falamos que fazemos design sustentável e fazemos exatamente o contrário. (...) Então quando eu tive as primeiras experiências com os artesãos trabalhando com madeira, eu falava: ‘Cara, eu falei 41 porque fez 43?’ ‘São iguais, coloca uma ao lado da outra’. E eu perdi muito tempo falando com eles e brigando, discutindo. Então em algum momento da minha vida caiu a ficha. ‘Eles estão certos. Se eu quero realmente fazer algo bem feito, não importa 1 cm, não muda a vida de ninguém.’ Então esse tem esse espírito. Nós pensamos em um produto novo, com alguma ideia, facilidade de conserto, desmaterialidade. Se quebra se conserta porque é uma solda, todo bairro tem.” (João) “Então o que é um produto imperfeito? Aquele produto feito por um artesão de bairro, aquela costureira, serralheiro, marceneiro que faz sob encomenda e coloca produto no mercado.” (João)

Em outras entrevistas, as soluções alternativas também foram vistas como algo que poderia vir não dos designers, mas de pessoas comuns e até de grupos considerados à margem da sociedade, já que estes precisam “se virar” para atender às suas necessidades. Érica fala sobre isso:

“É você conseguir de um produto que existe, que você tem, é você achar um jeito de conseguir produzir aquilo que você precisa ou de fazer aquilo que você precisa com aquilo. Então assim, eu acho que a sustentabilidade está nisso também. Está nesse tipo de solução criativa que só quem está à margem, quem tem que ter essa criatividade, esse tal do jeitinho brasileiro. Todo mundo usa de uma maneira pejorativa, daquela pessoa que quer ganhar em cima dos outros ou que quer quebrar as regras. Mas tem uma questão de criatividade que eu acho difícil você ver em outros países. É uma coisa assim, aqui não é fácil, aqui você tem que dar um jeito. A ‘sevirologia’.” (Érica)

Um exemplo semelhante foi ouvido no depoimento da Flávia, que se surpreendeu com as pessoas das comunidades que ela visitou, devido à maneira como lidavam com os recursos que tinham no local e à sua capacidade de adaptação.

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5.5.2.4. Comunidades, identidade, território, desenvolvimento local Como já pôde ser percebido em alguns trechos apresentados até aqui, apareceu em diversos momentos das entrevistas a ideia de que a sustentabilidade – e, consequentemente, o design a ela voltado – engloba também aspectos de trabalho com comunidades, de resgate e valorização de identidade cultural, de território e de desenvolvimento local. Vimos isso, por exemplo, no depoimento de Daniela, quando ela explicou a diferença que vê entre ecodesign e design para sustentabilidade. Um comentário feito por Luana foi que, em sua opinião, talvez ela tenha começado a fazer um trabalho mais ligado à sustentabilidade quando passou a entender o processo produtivo inserido no contexto da localidade e a pensar na comercialização dos produtos para o mercado local. Não pensava mais que aqueles produtos seriam apenas produzidos lá e que, posteriormente, seriam vendidos principalmente em grandes cidades, as quais, normalmente, estavam muito longe dos grupos que ela atendia:

“Então eu acho que a gente conseguiu nesse projeto ter no local... que eu acho que aí que a gente começa a falar um pouco de sustentabilidade. (...) E a gente já tinha abandonado a ideia de que o lucro viria do externo. E sim que o lucro tinha que vir dali e que eles tinham que conseguir ser sustentáveis dentro da própria cidade, com sua barraquinha na praça.” (Luana)

Neste caso, ela estava falando de um grupo que fazia artesanato voltado para o turismo local, pois se tratava de uma pequena cidade que recebia muitos turistas. Gabriela também mencionou algumas desses aspectos em um trecho de sua entrevista:

“Sustentabilidade não é só o ambiental. Por saber disso, quando você faz alguma coisa voltada para o lado humano e para o lado social, e você quer que ele tenha melhoria da qualidade de vida, que ele possa ter uma ascensão ali naquele local que você está trabalhando. Você vê, a identidade... No meu trabalho eu não fujo da identidade deles então eu estou trabalhando na parte local, então por esses aspectos de território que aí eu vejo como fazendo parte da sustentabilidade. Porque também tem essa questão né, você trabalhar o local para depois você atingir os outros níveis (...). E as pessoas, porque quando a gente fala nos produtos também, como é economia solidária, que tem essa questão que não é o lucro sabe, é uma questão de um preço justo. Então também tem outros princípios que estão ligados aos princípios da sustentabilidade. Então

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assim, a questão do respeito, a questão do comprometimento com o ser humano, com a natureza, tem todos esses aspectos.” (Gabriela)

Ana Clara disse que a sustentabilidade também está associada às ações de integrar os saberes populares e acadêmicos, de melhorar a qualidade de vida e de valorizar as pessoas e suas atividades. Em contrapartida, Daniela fez uma crítica a projetos ligados às comunidades. Apesar de vê-los como uma postura de sustentabilidade, diz que, em algumas vezes, eles acabam deixando a desejar quanto ao lado ecológico:

“Claro, todo esse envolvimento de projetos ligados à comunidade é uma postura de sustentabilidade. Às vezes eles escorregam um pouquinho no ecológico. Porque ecológico é um pouquinho mais complicado.” (Daniela)

Um trecho do depoimento de Carolina parece corroborar o comentário acima. Ela disse que a instituição onde trabalha, a qual lida com pequenos grupos produtivos de artesanato, tem um foco maior em questões sociais do que ecológicas:

“E aí, o que a gente está tentando fazer cada vez mais na [nome da instituição] é juntando isso tudo dentro de uma parte social mais social mesmo, que tenha a ver com relações pessoais e com celebração e com forma de ver o mundo. Então, pra mim, o legal dessa sustentabilidade que a gente busca lá é estar trabalhando em, realmente, em vários aspectos, assim. Junto com pessoas, trabalhando numa questão ambiental ou trabalhando numa forma diferente de viver o sistema econômico e sempre tentando crescer e aprimorar a questão social e aí, vira um todo, né? Mas... Mas na [nome da instituição], é bem focado no social.” (Carolina)

5.5.2.5. Precisa do lado ambiental Uma visão interessante, que também vai de encontro à última fala de Daniela mencionada, apareceu no discurso de Gabriela. De acordo com a entrevistada, para ser sustentável o projeto precisa ter o lado ambiental.

“Mas sustentabilidade para mim precisa do ambiental junto. Não só o humano. Se tiver o humano e o ambiental, ótimo. Agora se tiver só o humano eu fico meio assim. Se tiver só o político eu fico meio assim.” (Gabriela)

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Mesmo abordando questões de território, de identidade e de economia solidária ao atender os empreendimentos sociais, não ela considera seu trabalho como design para sustentabilidade, como pode ser observado em um trecho de sua fala, após ter sido questionada se usa a expressão “design sustentável”:

“Lá na [nome da instituição] na verdade eu não uso, esses grupos particularmente, não uso como sendo sustentabilidade. Eu não fiz nenhuma análise depois de descarte, resíduo, essas coisas.” (Gabriela)

Esta opinião de Gabriela também parece ser compartilhada por outros entrevistados, os quais preferem usar outras expressões para designar seu trabalho, como, por exemplo, “design social”.

5.5.3. Design Social A expressão “design social” foi citada em algumas entrevistas, sendo que três entrevistados a usaram para falar de sua área de atuação. Vejamos a seguir o que foi dito a este respeito. Gabriela, apesar de ter se mostrado a favor do termo “design sustentável”, falou que se refere às ações que faz com os grupos na instituição onde trabalha como “design social” ou “interação com comunidades”, que correspondem a uma metodologia diferente da análise do ciclo de vida. Vejamos algumas de suas falas:

“Uso mais ‘design social’, ‘interação com comunidade’.” (Gabriela) “Eu acho assim, quando você trabalha com o social você tem que ter uma metodologia muito mais de entender e compreender o ser humano do que fazer uma análise do ciclo de vida, por exemplo. Porque é como se você fosse no canetão assim. ‘Ah, fez o primeiro, fez o segundo...’ O social tem essa questão do tempo deles, do entendimento, se é isso mesmo, se essa solução vai fazer efeito. Às vezes que faz efeito com uma pessoa não faz com outra. Acho que é outra metodologia, mais participativa assim.” (Gabriela)

Érica afirmou que trabalha com o tema “design social” desde a época da graduação, quando descobriu que queria trabalhar no caminho da transformação social. Falou que seu interesse está na transformação das pessoas, não das marcas, fazendo alusão a uma área do design que lida com mudanças nas marcas: o branding. Seguem alguns trechos de seu depoimento:

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“Eu já trabalho com design social, o tema design social desde 2007, não 2006, quando eu não era formada”. (Érica) “Eu falei ‘Acho que é aqui. Acho não, tenho certeza que é aqui, sabe? É por aqui o meu caminho. É o caminho da transformação social’.” (Érica) “Então, essa transformação é diária, é diária. É na vida de cada uma delas que você vê a influência daquilo que você está falando, que você está fazendo (...). E eu falei que o meu foco era a transformação das pessoas, não das marcas. Eu lá quero saber de marca, meu? Eu quero saber das pessoas. São as pessoas que me interessam. Tudo bem, a gente tem que pensar nas pessoas que vão consumir as marcas e os produtos. Mas é uma relação muito mais interessante, a troca eu acho que é muito mais rica. (...) Não adianta você fazer marca. Consumo, tem mercado pra caramba, mas uma hora não vai adiantar você ter consumo. Você vai ter que falar com as pessoas, as pessoas que vão ser importantes. É cada uma delas, individualmente.” (Érica)

Ivone também disse trabalhar com “design social”, que é o foco de sua instituição, já que os projetos lá realizados visam à inclusão social de grupos que estão à margem da sociedade, por meio de melhorias como aumento de renda e da autoestima:

“O que a gente atua fortemente eu acho que é no design social. (...) A inclusão social tem sido o trabalho melhor que a gente tem feito. É pegar grupos que estão à margem da sociedade e a gente consegue que eles tenham alguma receita, melhorar autoestima. Existe realmente uma inclusão social, uma melhoria de várias formas. (...) Não deixa de ser um trabalho sustentável. Mas o foco da gente é o design social.” (Ivone)

Em mais de um momento de sua entrevista, Ivone defendeu que o design social é um grande mercado para profissionais de design, já que muitas empresas precisam fazer ações de responsabilidade social e deveriam contratar designers para ajudá-las nessas iniciativas:

“E depois que a gente entrou no design social a gente viu como é enorme esse mercado. (...) Essas grandes empresas elas têm que ter ações de design social. Não tem ninguém fazendo isso para elas. (...) Eles precisam de um designer para fazer, está entendendo? (...) Tá aí um baita de um segmento para o profissional de design, não é só para o [nome da instituição], tanto que a gente não parou de crescer.” (Ivone)

Um dos exemplos de ação social de empresas citado por Ivone foi o caso de uma grande construtora que contratou a instituição onde ela trabalha para

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capacitar um grupo de pescadores de uma região litorânea, onde seria construído um condomínio de luxo. A construtora criou uma associação para que as famílias dos pescadores pudessem trabalhar com reciclagem de papel. Outro exemplo foi o caso de um shopping center que chamou a intuição para fazer um projeto com as comunidades que vivem no entorno. De todos os entrevistados que mencionaram a expressão “design social”, apenas Flávia disse discordar do uso do termo, citando o argumento de que todo o design é social:

“O que é o design social? O design ele é social. O design na origem ele é feito para as pessoas.” (Flávia)

5.5.4. Outras expressões Além de “design social”, surgiram outros termos que alguns entrevistados disseram preferir: “design socioambiental”, “foco no ser humano” e “design responsável ou consciente”. Vejamos o que foi dito sobre cada um deles.

5.5.4.1. Socioambiental: uma coisa leva à outra João comentou que ele e Luana chamam o trabalho que fazem de “design socioambiental”, pois tentam abordar dos dois aspectos: social e ambiental. Posteriormente, quando se discutia sobre designers com perfis semelhantes aos deles, explicou que ele e Luana começaram pela atenção ao meio ambiente e depois chegaram a questões sociais, pois “uma coisa leva à outra”, o que disse ter acontecido também com outros designers.

“(...) disso que nós chamamos design socioambiental, não design sustentável, porque tentamos abordar essas 2 questões.” (João) “É, porque uma coisa leva à outra. Nós todos começamos pelo ambiente e o ambiente nos leva ao social porque é o segundo passo.” (João)

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5.5.4.2. Foco no ser humano: melhoria de forma mais ampla Flávia parece procurar uma definição que seja bastante abrangente para seu trabalho e diz que seu foco está no ser humano:

“Na verdade, eu tenho conseguido me definir assim como uma designer que trabalha com o foco no ser humano assim. Então a minha ideia de gerar melhoria é mais ampla.” (Flávia)

5.5.4.3. Responsável e consciente: entender onde o ciclo está aberto Em grande parte das entrevistas foram feitas referências às ideias de responsabilidade e consciência, porém, a entrevistada que falou sobre isso de forma mais clara foi Carolina. Vejamos alguns trechos de seu depoimento nos quais ela discorre sobre essa sua visão:

“Eu gosto mais das palavras ‘responsável’ e ‘consciente’ do que da palavra ‘sustentabilidade’.” (Carolina) “Eu uso a palavra ‘responsável’ no sentido de... e ‘consciente’, no sentido de você compreender todas as conexões que aquilo que você está fazendo tem. Então, o consumo consciente e responsável é você compreender aquilo que você está consumindo. E você não está consumindo um objeto. Você está consumindo um objeto que é feito de coisas que vem de lugares e que pessoas estiveram em todos esses processos. Então, pra mim, consumir conscientemente e responsavelmente é buscar saber quais são essas histórias, quais são esses materiais, de onde eles vem, como eles chegaram até aqui e quem foram essas pessoas ou pelo menos como que essas pessoas trabalharam nisso. A mesma coisa pra produzir alguma coisa dentro do design.” (Carolina)

Podemos notar em sua fala que ela compara os atos de consumir e de projetar os produtos, dizendo que em ambas as situações se deve ter consciência e responsabilidade. Ou seja, tanto os consumidores quanto os designers precisam procurar saber a procedência dos produtos, dos materiais, as condições de trabalho e outros fatores, que comporiam as “histórias dos produtos”. No entanto, ela atenta para a dificuldade de fazê-lo, pois nem sempre é possível conseguir todas as informações ou, mesmo que se consiga entender os processos e seus problemas, nem sempre é possível mudá-los. Ainda assim, diz que o importante é procurar

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saber “onde o seu ciclo está aberto”, falar sobre o assunto e aceitar quando for inevitável que as “pontas” fiquem “soltas”:

“Não vejo nenhum sentido em pensar design sem pensar uma sustentabilidade disso, sabe? Em pensar design irresponsavelmente. Pra mim, isso não faz o menor sentido. Que isso... Isso é fazer a metade do caminho. Isso não é design. Isso é fazer... Sei lá. Se enganar. Não que eu ache que é possível fazer um design 100% responsável. Acho que... Mas você tem que fazer um design consciente e entender em que momentos você está sendo irresponsável! Porque eu não acho, dentro do nosso sistema, que realmente dá pra fechar um ciclo. Mas você tem que entender onde que o seu ciclo está aberto. E aceitar, enfim, e querer fechar esse ciclo mas, enfim, aceitar que existe pontas livres, pontas soltas e é isso. E falar sobre isso.” (Carolina)

Carolina colocou ainda outra questão. Ela comentou que não seria justo responsabilizar alguém – que pode ser o designer ou o consumidor – por algo que ele não tem conhecimento. Assim, reitera a necessidade de procurar informações e compara a atuação do designer e do consumidor com a de um coordenador, que precisa saber de tudo que acontece sob sua responsabilidade:

“Se você realmente se responsabiliza por algo, você tem que ter conhecimento sobre aquilo. Né? (...) É injusto você se responsabilizar... você ser responsabilizado por algo que você não tem conhecimento sobre, de tudo o que acontece. Um coordenador precisa saber de tudo o que acontece dentro dum... (...) Porque ele é o responsável. Então, é isso. Você é responsável pelo o que você está consumindo. Então, você tem que agir como um coordenador daquilo e entender. O produto que você está produzindo. Ou pelo menos entender que tem certas coisas que você não vai descobrir, porque... Sei lá, cara, porque eu não vou descobrir se... Ou, enfim, que você vai descobrir que o tecido é um tecido – por mais que você tenha recebido de uma empresa, de doação, (...) e ele teria ido pro lixo – você está refazendo, e ele continua sendo um tecido porque foi aplicado daquela forma lá. Mas eu sei disso. Entendeu? E apesar disso, faço essa escolha de usá-lo. Mas é saber. (...) Ou procurar saber, mesmo que não tenha a resposta. Mas procurar. Às vezes, não tem, né? Às vezes, você nunca vai ficar sabendo.” (Carolina)

5.5.4.4. Ecodesign: pouco citado Curiosamente, o ecodesign foi pouco citado pelos entrevistados. Com exceção de Daniela, cuja opinião sobre o termo já foi apresentada, os outros poucos participantes que fizeram menção a ele usaram-no quase como equivalente a design sustentável. Um exemplo é a fala de Bárbara a seguir:

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“(...) eu leio essas coisas do design sustentável, do ecodesign, há pelo menos uns 5 ou 6 anos assim.” (Bárbara)

5.5.4.5. Simplesmente “design” (ou artesanato) Somente um dos entrevistados não usou em momento algum de seu discurso uma expressão específica (como as citadas acima) para designar o tipo de design que faz. Hugo se referiu a seu trabalho apenas como design, ou artesanato, dependendo do tipo de atribuição que teve em cada projeto. Observando como e porque são usadas as várias expressões mencionadas, surgem algumas dúvidas: por qual motivo os designers teriam se envolvido em projetos desse tipo? Seria devido a uma preocupação com sustentabilidade? Ou por vontade de trabalhar com questões socais? Eles tiveram que conscientemente buscar esse tipo de atuação, ou foi algo que lhes apareceu sem que estivessem procurando? Vejamos, portanto, as motivações dos entrevistados.

5.6. Eixo temático 5: motivação dos entrevistados Os entrevistados relataram diversas razões para terem se envolvido no tipo de projeto aqui estudado. E muitos deles apontaram ou deixaram transparecer mais de uma motivação durante seus depoimentos. A seguir, mostrarei as razões pelas quais eles se envolveram, os motivos para continuarem a fazer trabalhos do gênero e as questões que os participantes disseram desanimá-los.

5.6.1. Por que se envolveram Foi possível perceber que, em grande parte das vezes, eram simplesmente oportunidades de trabalho que os entrevistados tiveram. Ou seja, nem todos os eles estavam necessariamente buscando trabalhar com os temas, por exemplo, de sustentabilidade ou de design social. Estavam procurando áreas para atuar e acabaram se envolvendo com o assunto. Um exemplo desse tipo de situação foi visto no relato de Ivone. Ela participou da criação da instituição onde ainda trabalha e contou que, no início, o foco não era no design social. Porém, devido a um impasse, ela sugeriu direcionar

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o trabalho para este mercado, pois percebeu que não havia nenhum escritório de design de sua cidade atuando nesta área, apesar de, segundo ela, já haver demanda. Hugo, por sua vez, contou que estava atrás de mão-de-obra para conseguir produzir suas criações de tecelagem. Assim, entrou em contato com a tecelagem tradicional de uma região do interior do país. Começou a observar o trabalho que já era feito na localidade e suas criações foram influenciadas pela tradição das tecelãs. Outra intenção, no princípio, era levar um trabalho de inovação para a região. Segundo ele, uma das características mais fortes dos produtos desenvolvidos foi o uso de matérias-primas locais no tear, uma ideia que teve em conjunto com uma das artesãs. Seguem suas falas:

“Naquela época era muito jovem então era muito para produzir que eu queria, entendeu? E fui buscar um pouco mão de obra, mas nessa de buscar mão de obra eu comecei a ver, a observar muito a tradição delas e criar em cima do que eu estava vendo.” (Hugo) “O que eu levei para lá que eu acho que ficou muito marcante no [nome do local] foi utilizar fibras, utilizar matérias-primas locais no tear. (...) Por exemplo, elas não faziam nada, toda essa série (...) de desenho de jogos americanos, que viram cortinas, tapetes com fibra, com palha de milho, taboa, junco, avenca, semente, isso foi uma coisa que mais marcou. (...) E também um trabalho utilizando tecido da chita, recortando o tecido e também colocando no tear. São coisas que já existia a tradição do desenho na tecelagem que eu introduzi outras matérias-primas. (...) Quando eu cheguei lá e vi tudo que podia ser introduzido e junto com a [nome da tecelã] a gente teve a ideia de introduzir as fibras.” (Hugo)

Nos depoimentos de Gabriela, Bárbara, Érica e Carolina também foi observada a questão da oportunidade de trabalho. Gabriela disse que viu no jornal que havia saído um edital de seleção da incubadora e se inscreveu. Bárbara contou que, na época em que estava na graduação, precisava cumprir horas de estágio para se formar, o que foi um motivo inicial para ter entrado no projeto. Érica também estava à procura de estágio. Já Carolina, disse que fez um curso com os integrantes da rede de desenvolvimento social onde trabalhou e gostou do tipo de atuação. Quando abriu uma vaga, foi chamada. No entanto, os entrevistados também relataram outros motivos específicos. Principalmente, foram percebidos a influência das universidades e os interesses

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por questões ambientais, questões sociais ou pelo artesanato. Vejamos cada um deles separadamente.

5.6.1.1. Influência das universidades e cursos de design Alguns entrevistados fizeram menção a assuntos que estudaram ou conheceram na universidade, seja em cursos de graduação, pós-graduação, palestras ou workshops. Gabriela, por exemplo, contou que cursou uma disciplina sobre design social, enquanto Carolina envolveu-se com o tema design e sustentabilidade:

“Eu já tinha feito também uma disciplina de design social, que é a intervenção em comunidade e tal.” (Gabriela) “Então, mais ou menos no meio da faculdade, eu comecei a estudar as teorias de design com relação a sustentabilidade e tal e queria trabalhar nessa área, e fazendo pesquisa e tal. Dentro de laboratório de iniciação científica e de extensão.” (Carolina)

De forma semelhante, Érica mencionou que um dos professores de sua universidade estava envolvido com a rede na qual ela e Carolina trabalharam e foi assim que descobriu o ramo. Daniela, por sua vez, fez pesquisas em assuntos como ecodesign, análise do ciclo de vida e uso de madeiras de florestas nativas ou renováveis com o olhar de sustentabilidade. E Ana Clara disse que fez um workshop sobre design e inovação social, além de acompanhar há algum tempo o trabalho de profissionais da área têxtil que lidam com artesãos, dentre eles o próprio Hugo. Por outro lado, nem sempre a universidade apareceu como uma referência positiva para os entrevistados. Alguns disseram que procuraram um tipo de atuação diferente do que era oferecido ou divulgado por grande parte dos professores. A própria Érica, disse que, no inicio do curso, sentia-se como uma “alienígena”, já que não tinha os mesmo interesses que outros colegas, os quais só queriam projetar luminárias, carros, sofás, embalagens ou sites:

“(...) mas eu sempre me achei meio alienígena na faculdade, não sei se essa é um pouco a sua impressão também assim. De que todo mundo, desde o primeiro semestre eu era uma coisa meio esquisita né. Todo mundo queria fazer

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luminária e carro e sofá, luminária, carro e sofá. Era a tríade. E embalagem, lógico né, e site. Todo mundo só quer fazer isso, e não era nada disso que eu queria fazer. Eu não sabia explicar porque eu estava no design, mas eu tinha certeza que não era aquilo que eu queria fazer.” (Carolina)

Flávia também afirmou que, durante sua graduação, não acreditava no caminho que buscava referências italianas e escandinavas para o design, mas que ainda não sabia qual rumo poderia seguir:

“Bom, eu comecei... Eu fiz desenho industrial e tal, né? E quando eu, no meio da faculdade já, achava que aquele caminho ali do design que buscava as referências italianas, ou as referências, sei lá, escandinavas, estava um pouco longe do que eu acreditava. Mas enfim, não conseguia entender qual seria o meu caminho mas eu questionava muito ali a faculdade.” (Flávia)

5.6.1.2. Interesse por questões ambientais e socais e por artesanato Foi percebido que alguns entrevistados tiveram seu interesse despertado primeiramente acerca de questões ambientais, como nos casos de Daniela e Carolina, ao passo que outros se envolveram por causa de questões sociais, como ficou claro nos depoimentos de Gabriela e Ivone acima citados. Tal diferença também foi vista em outras entrevistas. Já foi mencionado o comentário de João de que ele e Luana começaram pelo lado ambiental, que os levou ao lado social. Ele explicou que estava trabalhando em um projeto de divulgação de madeiras alternativas, quando os dois decidiram começar a fazer ações junto a comunidades de uma região do interior do país. Viajaram pela região fazendo algumas experiências e assim começou o projeto em que trabalham até hoje. Segue um trecho de sua fala:

“(...) e aí esse projeto de madeiras alternativas me colocou em contato com as diferentes realidades [da região]. Entender de diversidade de recursos naturais, entender da realidade das comunidades que são sofridas que estão do lado de grandes fortunas e não levam nada, que são enganadas, que são passadas para trás. Então eu comecei a me envolver em questões ambientais e sociais e eu comecei a acreditar que nós designers tínhamos a possibilidade de desenvolver essa ação junto com a comunidade. Pensar em novos produtos desenvolvidos por eles para vender em mercado de produto de design e decoração que é o universo que nós dominamos.” (João)

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Um relato muito próximo foi feito por Flávia, quando ela disse que, em uma viagem, entrou em contato com algumas comunidades e ficou encantada com a forma das pessoas adaptarem os materiais e objetos para atenderem a suas necessidades:

“E em determinado momento assim, eu de férias passei um período em uma comunidade e dentro dessa comunidade eu comecei a olhar e perceber assim como eles transformavam as coisas, faziam, ajustavam, adaptados de acordo com que eles tinham. Isso para mim foi assim muito transformador, eu fiquei muito impressionada com a simplicidade, com a singeleza daquilo tudo né? E aí eu quando voltei, comecei a buscar lugares onde eu pudesse exercer, trabalhar dessa forma como eles trabalhavam lá. Usando recursos naturais, recursos locais, as oportunidades que tinham ali. E comecei a fazer isso de uma forma assim, buscando experiência mesmo, né?” (Flávia)

Em três entrevistas, foi notado um interesse especificamente por artesanato: Gabriela disse que tinha ligação com artesanato por parte da família, apesar de não ter especificado de que tipo de ligação se tratava; Hugo estudou tecelagem artesanal; e Ana Clara afirmou que já fazia projetos que relacionavam artesanato e design. Ao contrário, Carolina disse que não imaginava que iria trabalhar com artesanato. João e Luana, por sua vez, falaram que, nos primeiros projetos, não tinham em mente o universo de artesanato, e sim o de design e decoração, que era a área que dominavam. Vejamos suas falas:

“Engraçado, porque eu não pensava... Eu não sabia o que que era que eu ia fazer, mas eu não imaginava que ia ser com artesanato não.” (Carolina) “Nós não pensamos em artesanato naquela época, pensamos no universo de design e decoração.” (João)

5.6.2. Por que continuam envolvidos Além dos motivos para terem se envolvido em um primeiro momento, também foram mencionadas razões pelas quais os entrevistados continuaram a atuar nos projetos. Um deles foi a satisfação de fazer esse tipo de trabalho, o que pode ser percebido nos trechos a seguir:

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“(...) nós identificamos que esse prazer de trabalhar com esses grupos era significativo para nós.” (João) “Sei lá, eu gosto também. Me divirto dessa forma.” (Flávia) “Eu fico contente às vezes com os resultados que a gente consegue.” (Érica) “Mas, eu acredito muito nesse trabalho porque ele é muito bem intencionado, e aí, pra mim, tudo que é bem intencionado, mesmo com falhas, tende a fazer impactos positivos.” (Carolina) “Eu gosto muito do que eu faço. Trabalho muito empolgada com o que faço.” (Ivone) “Acho legal isso, você contribuir, contribuir para uma pessoa que precisa mesmo.” (Gabriela)

Outros motivos que apareceram nas entrevistas de Daniela e Ivone foram, respectivamente, o interesse pela pesquisa e a descoberta de que se trata de um grande mercado para profissionais de design:

“Então era uma troca. Eu sempre deixei claro para eles que eu tinha um interesse de pesquisa por trás da contribuição que eu estava dando para eles. Então que eles tinham o interesse deles e eu tinha o meu interesse, que a gente estava se encontrando num ponto comum.” (Daniela) “Isso que eu acho que o design social não é uma oportunidade só para você (...). Oportunidade para todos os profissionais de design. É uma tendência de crescimento muito grande no mercado, esse segmento.” (Ivone)

5.6.3. O que os desmotiva Ao mesmo tempo em que foram relatados motivos para se envolverem nos projetos, como a satisfação gerada, também foram mencionados aspectos que desmotivam os entrevistados. Alguns deles já foram descritos na parte sobre dificuldade de relacionamento entre os designers e os grupos, como no caso de Daniela, quando ela disse ficar cansada de “pajear os empresários”. Outra reclamação foi feita por João e Luana, os quais disseram que muitas vezes o trabalho é extremamente burocrático, o que foi um dos motivos para não

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terem transformado seus projetos em, por exemplo, uma ONG ou outro tipo de estrutura. Vejamos suas falas:

“Nós entendemos: ‘Eu não quero ser uma ONG, cuidar de juntar um monte de grana para dar trabalho, (...)’ Já é difícil porque tem muita burocracia esse trabalho com instituições de fomento. Imagina se tiver uma penca de pessoa trabalhando junto.” (João) “É o que a gente estava falando que no fim essa aproximação do design com o artesanato acaba sendo do design com a ação. Com a captação de recurso ou com essa parte mais burocrática.” (Luana)

Alguns entrevistados falaram sobre casos em que os salários eram baixos. Ivone, por exemplo, disse que viu alguns bons profissionais saírem da instituição, pois a remuneração não estava adequada, mas que isso já havia sido resolvido. De forma semelhante, Carolina contou que, em um dos locais onde trabalhou, não estava contente com o valor da remuneração. Isso apareceu também na entrevista de Bárbara, a qual relatou que alguns alunos deixaram o projeto, pois era um estágio não remunerado.

6 Discussão e considerações finais

No capítulo anterior, apresentei os principais resultados que obtive após a análise das entrevistas. Agora, cabe discuti-los e relacioná-los ao conteúdo teórico contido nos Capítulos 2 e 3 deste estudo. Comecemos pelos assuntos mais diretamente relacionados ao objetivo da dissertação, ou seja, aqueles ligados a como os entrevistados caracterizam sua atuação e se fazem alguma associação ao tema da sustentabilidade. Em seguida, discorrerei sobre outras questões que vieram à tona durante a análise. Por fim, farei as últimas considerações a respeito da pesquisa.

6.1. Como os designers entrevistados caracterizaram seu trabalho? No Capítulo 2, vimos que o debate sobre desenvolvimento sustentável sobrepõe questões sociais, econômicas, políticas, culturais, tecnológicas e ambientais (MUNIZ; SANT´ANA JÚNIOR, 2009, p. 258). Assim, este conceito está relacionado a diferentes aspectos, que passam pelo uso dos recursos naturais, preservação do meio ambiente, modos de produção e consumo, direitos dos povos, desigualdades entre e dentro dos países, diversidade cultural e saúde das populações, apenas para citar alguns deles. No Capítulo 3, vimos que o movimento ambiental e as discussões sobre sustentabilidade influenciaram designers de várias gerações, o que ocasionou, ao longo do tempo, uma proliferação de expressões como design verde, ecodesign, design sustentável e design para sustentabilidade. Também foi apontado que, recentemente, as definições de design sustentável têm dado destaque para aspectos sociais – como condições de trabalho, equidade e participação – e que se tem feito algumas pesquisas e ações em que os designers buscam dar maior destaque ao lado social da sustentabilidade. Tendo em vista esses aspectos, foi possível formular uma pergunta: se um projeto de design promovesse a inclusão social de algum grupo produtivo e

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também se preocupasse com questões ambientais, como uso de recursos naturais locais de baixo impacto ambiental ou reaproveitamento de materiais, ele poderia ser considerado um projeto de design sustentável? Isso parecia ter ainda mais sentido quando foram encontrados alguns projetos do gênero participando de premiações de sustentabilidade, principalmente em categorias chamadas de “ação social”, e também se tornando objeto de estudo de artigos em congressos e seminários de design, em categorias relacionadas à sustentabilidade. Outro indício foi perceber que, na divulgação de projetos deste tipo, é comum que sejam feitas referências ao tripé da sustentabilidade. Embora essas referências à sustentabilidade feitas nas divulgações e defendidas em estudos da área pudessem sugerir que os designers fariam igual associação para designar sua atuação, não foi isso que percebi quando fiz uma investigação detalhada e ouvimos designers que trabalham em projetos do tipo estudado. Seus depoimentos indicam que eles usam diversas expressões para falar de sua área de atuação e a mais usada foi design social – e não design sustentável ou design para sustentabilidade, apesar deste último ter, aparentemente, boa aceitação dentro do grupo estudado. Retomemos, então, o que os entrevistados entendem por sustentabilidade, buscando correlações entre suas falas e os discursos de sustentabilidade. Em seguida, voltarei ao assunto de como os participantes comentaram que deveria ser um design voltado para esta questão e sobre o tipo de design social de que falaram.

6.1.1. O que os entrevistados falaram sobre a sustentabilidade: aproximações entre suas falas e os discursos de sustentabilidade Na apresentação dos resultados, foi mostrado que a sustentabilidade é vista por grande parte dos entrevistados como um ideal, uma utopia, uma meta a ser alcançada. Poderíamos agora nos perguntar a que tipo de ideal eles se referiam, contudo, não havia pergunta específica sobre isso no roteiro. Ainda assim, foi possível identificar alguns trechos dos depoimentos em que os entrevistados repetiram alguns dos discursos sobre sustentabilidade de que falam Lima (2003) e Struminsky (2006).

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Parte dos entrevistados pareceu afinada ao que Lima denominou de discurso oficial da sustentabilidade. Alguns exemplos podem ser vistos nas falas de Ana Clara, em que ela mencionou os limites do planeta e o gasto de energia e de materiais, e de Érica, quando ela disse que todo o desenvolvimento deveria ser pensado de maneira sustentável e não como sinônimo de crescimento econômico:

“Eu entendo assim, que nós vivemos em um planeta finito e que estamos gastando todos os recursos de energia e de materiais.” (Ana Clara) “Todo desenvolvimento deveria ser pensado de maneira sustentável, mas hoje as pessoas pensam o desenvolvimento na verdade como sinônimo de crescimento econômico, não é isso?” (Érica)

Outro aspecto que pode ser enquadrado no discurso oficial e que apareceu nas entrevistas foi a ideia de que a sustentabilidade é formada por três ou mais dimensões. Como vimos no Capítulo 2, as conferências da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento tiveram grande influência na construção do conceito de desenvolvimento sustentável. Em uma delas, o conceito foi apresentado como sendo constituído por três pilares. Posteriormente, na conferência seguinte, acrescentou-se uma quarta dimensão. A partir de então, diversos autores têm defendido que há mais dimensões envolvidas. Sachs, por exemplo, lista oito dimensões: social, cultural, ecológica, ambiental, territorial, econômica, política (nacional) e política (internacional) (SACHS, 2009, p. 85-88). Sendo assim, quando os entrevistados fizeram menção às dimensões da sustentabilidade, podemos dizer que suas falas estão próximas ao discurso oficial. Um trecho da entrevista de Érica mostra essa referência às dimensões:

“A sustentabilidade não está só na questão ecológica e social, mas econômica.” (Érica)

Quando Lima fala sobre o discurso oficial, o autor diz que ele foi assimilado pelas empresas e organizações não governamentais. Atualmente essa assimilação fica visível, por exemplo, com a grande quantidade de empresas que se engajam em movimentos de responsabilidade social empresarial. Esse tipo de fenômeno apareceu claramente em algumas entrevistas. Érica, por exemplo, trabalha em uma instituição que corresponde à ação social de uma grande empresa. Carolina, por

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sua vez, contou que alguns grupos produtivos que sua instituição assessora fazem brindes corporativos. Podemos entender que esses brindes feitos por pequenos grupos de artesanato são vistos como “inclusivos” (adjetivo mencionado pela entrevistada) ou, em alguns casos, “ecológicos” (dependendo da matéria-prima que é usada), o que confere um sentido positivo às empresas que os compram, as quais buscam, normalmente, passar uma imagem de empresas socialmente responsáveis. Ademais, na entrevista de Ivone, ficou claro como que as ações de responsabilidade social empresarial se estendem também à preocupação com o meio ambiente:

“(...) todas as grandes empresas de hoje têm um recurso para fazer ações de responsabilidade social. Para ficar bem na fita, porque é uma obrigação hoje mundial você ter que contornar os impactos ambientais que a sua indústria causa.” (Ivone)

Por deixarem transparecer certa confiança (ou esperança) nos avanços tecnológicos, podemos ver uma semelhança entre as falas de alguns entrevistados e o discurso do grupo que Struminsky chama de cornucopianos, os quais creem que a tecnologia irá resolver os problemas ambientais. Esses avanços que os entrevistados citaram são, por exemplo, as análises do ciclo de vida, as mudanças nos processos produtivos que evitam a geração excessiva de resíduos, as soluções para os problemas do lixo, etc. Ou seja, as várias soluções que poderiam envolver os designers. Outro tipo de confiança na tecnologia apareceu sob a forma de difundir o acesso às tecnologias de comunicação. Um exemplo pode ser visto no depoimento de Flávia, quando ela diz que as pessoas têm direito de ter celular e computador e de estarem conectadas e informadas, apesar de criticar o uso de automóveis e de muitos eletrodomésticos. Em contrapartida, João pareceu ser contrário ao reducionismo tecnológico e desconfiante de que as pessoas conseguirão usar a tecnologia de forma a resolver os problemas de nossa sociedade, o que aproxima o entrevistado ao contradiscurso mencionado por Lima. Isso pode ser percebido, por exemplo, quando João disse que a comunicação é importante para as comunidades que ele costuma atender, mas que o modelo que atualmente é usado para difundi-la não é limpo, pois incentiva o consumo e a obsolescência dos produtos. Assim, ele se mostrou

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mais receoso do que confiante quanto às tecnologias de comunicação atualmente difundidas. Outras falas dos entrevistados também pareceram afinadas a este contradiscurso. São, por exemplo, os depoimentos que mencionam uso de tecnologias intermediárias, promoção da economia solidária, tentativas de colocar preços justos, soluções encontradas por pessoas de comunidades marginalizadas etc. Duas falas que já foram apresentadas servem de exemplo:

“Então assim, eu acho que a sustentabilidade está nisso também. Está nesse tipo de solução criativa que só quem está à margem, quem tem que ter essa criatividade, esse tal do jeitinho brasileiro.” (Érica) “(...) porque quando a gente fala nos produtos também, como é economia solidária, que tem essa questão que não é o lucro sabe, é uma questão de um preço justo. Então também tem outros princípios que estão ligados aos princípios da sustentabilidade. Então assim, a questão do respeito, a questão do comprometimento com o ser humano, com a natureza, tem todos esses aspectos.” (Gabriela)

Por outro lado, um trecho do depoimento de Luana parece semelhante ao discurso dos ecologistas profundos, os quais, segundo Struminky, defendem a volta ao passado e às comunidades autossuficientes. Ao falar sobre alguns grupos com os quais ela trabalhou, disse que eles levavam uma vida “de certa forma sustentável”. Assim, parece que, neste momento, ela compartilha da ideia dos ecologistas profundos de que a sustentabilidade possa estar em comunidades autossuficientes que vivam em equilíbrio com a natureza. Segue esse trecho:

“Lembro quando ia para a [região], isso era a coisa que mais me vinha em mente. Eles estão lá levando uma vida de certa forma sustentável. Pobre, nunca... miserável, não vimos assim. Nós não chegamos em nenhum lugar miserável, que realmente a miséria tivesse, com fome, nem nada. Principalmente na [região]. Tem lá a sua estrutura, é sustentável de alguma maneira. A gente vai lá para propor uma coisa para que eles se transformem naquilo que somos nós. Que está dando problema aqui.” (Luana)

A entrevistada pareceu esboçar uma crítica a sua própria atuação, questionando o fato de que seu trabalho acaba mudando o contexto daquelas comunidades e desequilibrando a vida que as pessoas de lá tinham, já que as ações são geralmente feitas para promover seu desenvolvimento. Ao se desenvolverem, esses grupos começariam a ter os problemas que o restante da sociedade

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(desenvolvida) está enfrentando e que são associados ao desenvolvimento (não sustentável). Assim, apesar de não ser possível enquadrar os depoimentos dos entrevistados em uma única matriz discursiva como as apresentadas no Capítulo 2, podemos esboçar algumas conclusões. Uma delas é que os entrevistados mostraram diferentes ideias do que seria necessário para alcançarmos a sustentabilidade39. Outra conclusão importante é que o grupo entrevistado demostrou, de maneira geral, domínio a respeito do tema. Ou seja, os entrevistados mostraram que se apropriaram do conceito de sustentabilidade e dos principais discursos sobre ele, já que repetiram várias ideias que haviam sido levantadas no Capítulo 2 deste estudo. Isso serve para corroborar a tese de que o movimento ambiental e a difusão do conceito de sustentabilidade têm, se não influenciado, ao menos chegado aos ouvidos dos profissionais de design. Passemos então para o que foi dito a respeito de como deveria ser o design voltado para esse tema.

6.1.2. O que os entrevistados falaram sobre como deveria ser o design voltado para o tema da sustentabilidade Os resultados da análise indicam que alguns entrevistados relacionaram o design sustentável (ou para sustentabilidade) aos pilares, como pode ser visto na fala de Ana Clara:

“Essa coisa de ser socialmente justo, economicamente viável, culturalmente aceito. Todas essas questões, esses pilares eles são importantes de se pensar outros projetos assim também.” (Ana Clara)

Contudo, essa maneira de entender a sustentabilidade é demasiadamente abstrata para indicar o que deve ser feito na prática. Relembremos, portanto, quais ações mais específicas foram mencionadas pelos entrevistados. Como foi apresentado no Capítulo 5, os entrevistados discorreram sobre diversas atitudes associadas ao design voltado para sustentabilidade, dentre elas: considerar todo o ciclo de vida ao projetar um produto; analisar os impactos 39

Falo em “alcançarmos a sustentabilidade” já que ela foi vista pela maioria dos

entrevistados como uma meta.

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ambientais; evitar o descarte; utilizar matérias-primas e outros recursos locais; encontrar soluções simples que possam atender às necessidades das pessoas sem demandar grande investimento financeiro ou tecnologia de ponta; deixar de valorizar a precisão da produção industrial; promover a economia solidária; trabalhar com comunidades; valorizar diferentes identidades culturais; levar em consideração questões ligadas ao território; promover o desenvolvimento local; e fazer transferência de conhecimento e tecnologia.

6.1.3. Design sustentável ou design para sustentabilidade? É interessante notar que muitos entrevistados diferenciaram os termos “design sustentável” e “design para sustentabilidade”, o que não havia sido feito durante a pesquisa bibliográfica apresentada no Capítulo 3. Será que essa mudança na terminologia usada indica uma mudança na prática dos profissionais? Com base nas contribuições de Cardoso (2008) e Madge (1997), podemos ver que algumas trocas de nome podem indicar mudanças de sentido mais profundas que desencadeiem alterações no tipo de atuação dos designers. Isso ocorreu, por exemplo, na passagem do design verde para o ecodesign. Enquanto o primeiro surgiu em uma época em que estavam na moda os produtos verdes, o segundo foi difundido junto das ideias da ecologia profunda e com ele se pretendia não mais dar uma aparência “verde” aos produtos para que fossem facilmente identificados pelos consumidores, mas fazer mudanças nos processos produtivos, de forma a melhorar, por exemplo, sua ecoeficiência. Desta forma, identificamos que a difusão de cada um desses dois conceitos correspondeu a práticas distintas. Contudo, isso não parece ter sido o que ocorre atualmente com a tendência de se deixar de usar o termo design sustentável a fim de se adotar a expressão design para sustentabilidade. Aparentemente, o principal argumento usado pelos entrevistados é que os designers compreenderam que não há como o próprio design ser sustentável, mas ele pode contribuir para a promoção da sustentabilidade. Apesar de mudar o sentido das palavras, não vejo qualquer alteração na prática. Explicando de outra forma, não foi percebido que os entrevistados tenham indicado alguma mudança na prática que diferencie o design

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sustentável do design para sustentabilidade. Parece apenas que a crítica ao primeiro termo concentra-se no aspecto linguístico, não no prático. Da mesma forma, não percebo que os designers, que antes chamavam seu trabalho de design sustentável, tenham alterado suas atividades ou mudado seus objetivos por terem passado a usar a outra expressão. Porém, é preciso levam em conta que talvez isso só possa ser visto com o tempo e o distanciamento histórico necessário. Foi de certa forma surpreendente notar que, apesar da expressão design para sustentabilidade ter parecido ser bem aceita, apenas Daniela disse claramente que considera alguns dos projetos que ela fez como design para sustentabilidade. E, ainda assim, nem todos, pois, segundo ela, parte dos projetos dos quais falou durante a entrevista estaria mais ligada ao ecodesign, já que nestes se deu atenção aos impactos ambientais da produção e se analisou dados quantitativos, como no caso em que ela participou do desenvolvimento de um selo ecológico. Mesmo dentre as outras entrevistadas que disseram usar as expressões design sustentável ou design para sustentabilidade – Ana Clara, Bárbara, Carolina, Érica e Gabriela – não ficou tão claro se elas têm o costume de fazê-lo para designar seu próprio trabalho, como ocorreu com Daniela. E algumas delas acabaram por afirmar que preferem outros termos. No Capítulo 5, foram mostradas as outras expressões que surgiram no decorrer das entrevistas: design social, design socioambiental, design com foco no ser humano e design responsável e consciente. Discorrei sobre a primeira, visto que ela foi a mais recorrente.

6.1.4. Que tipo de design social é esse? Podemos agora nos fazer duas perguntas: Que design social é esse de que os entrevistados falaram? Será que corresponde a alguma das propostas dos autores que foram levantados na pesquisa bibliográfica deste estudo? Comecemos pela segunda pergunta. No levantamento feito antes das entrevistas já tinham sido encontrados indícios de que haveria uma aproximação entre os designers preocupados com questões ambientais e sociais. Isso apareceu, por exemplo, no texto de Capello (2010), em que ela coloca os designers sociais e os ecodesigners lado a lado.

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Apesar de nomeá-los como dois grupos distintos, cada um dos designers é apresentado no capítulo que segue ao texto da autora sem que se consiga identificar claramente quem pertence a qual dos dois grupos – dos designers sociais ou dos ecodesigners. Naturalmente, em algumas das descrições se vê maior afinidade ao lado ambiental ou social. Porém, em outras descrições, essa diferenciação se torna difícil, já que são designers que abordam ambos os lados. Ainda no Capítulo 3, foram mencionados outros autores que deram igual importância a questões sociais e ambientais, como Papanek (1974), com suas propostas de desenhar para o mundo real que solicitavam que os designers se responsabilizassem pelos produtos que projetavam e usassem tecnologia adequada ao contexto, e Margolin (1998; 2009), que discute o conflito entre o crescimento econômico e o meio ambiente, mostrando como esse conflito influencia a prática do design. Dentre os autores de design que falam sobre sustentabilidade, foram mencionados no terceiro capítulo alguns que dão atenção a questões sociais de diversas maneiras. Relembremos brevemente como eles o fazem. Madge (1997) diz que o design sustentável enfatiza os princípios de equidade e participação, além de tratar de projetos que atendam às necessidades humanas básicas. Hilton (2001) fala sobre qualidade de vida dos funcionários e das comunidades do entorno, segurança, equidade e inclusão. Wahl e Baxter (2008) dizem que se deve incorporar considerações sobre saúde, felicidade, bemestar, significado e qualidade de vida nos processos de design. Vezzoli (2006), mesmo quando foca na sustentabilidade ambiental, diz que se deve facilitar o processo de design participativo entre empresários, usuários, organizações nãogovernamentais, instituições etc. O autor ainda diz que atualmente estamos no estágio de design para sustentabilidade social e ética. McDonought e Braungart (2002) citam alguns critérios de uma ferramenta de design estratégico que criaram, dentre os quais estão justiça social, igualdade de gênero, diversidade, qualidade de vida, saúde, respeito, prazer e diversão. Manzini e Meroni (2007) falam sobre melhorar a qualidade do tecido social e sobre como as inovações sociais poderiam evoluir para inovações do tipo produto-serviço. De forma semelhante, Morelli (2007) diz que os designers podem replicar soluções inovadoras produzidas por consumidores locais. Ele também defende que a lógica industrial – e, por conseguinte, o design – seja usada para resolver problemas de

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desemprego, fluxos migratórios, envelhecimento da população e novos padrões culturais. Por fim, Ono (2004) fala sobre desenvolvimento sustentável de produtos voltados para o bem-estar das pessoas, nos quais se use a diversidade cultural dos vários contextos locais como riqueza e fonte estratégica. Ainda no terceiro capítulo, apresentei alguns autores que falam sobre design social. Na proposta de Couto (1992), os designers devem trabalhar em situações reais e com as necessidades encontradas nesses contextos. Ela aponta que o design social é um processo de interação com pessoas da população alvo, ou seja, com os futuros usuários. Por sua vez, na proposta de um design socialmente responsável feita por Jurado e Aguilar (2008), as autoras mencionam a participação tanto das populações-alvo quanto das pessoas envolvidas na cadeia produtiva. Elas citam, dentre as características desse tipo de projeto: a promoção do desenvolvimento integral da pessoa humana; a construção de uma sociedade inclusiva; a garantia de participação ou dissidência ante as decisões que afetem as comunidades; a adoção de práticas comerciais respeitosas; a proteção do meio ambiente; e a promoção de autonomia tecnológica. Também foi descrita, no levantamento bibliográfico, parte das discussões que ocorreram durante o 4º Encontro Nacional de Desenhistas Industriais em 1985, cujo primeiro painel teve como tema a função social do design. Naquela ocasião, debateu-se sobre projetos que foram descritos como “projetos especiais de caráter social” (GALINKIN, 1985, p. 42) feitos com populações de baixa renda e se falou sobre metodologias participativas, utilização de tecnologia apropriada e necessidade de se promover a organização popular das comunidades com as quais os designers entravam em contato durante os projetos. O design social de que falaram os entrevistados, como já foi mostrado no Capítulo 5, é voltado para a inclusão social e diz respeito a trabalhos feitos com comunidades, aspectos que foram apontados pelas entrevistadas Ivone e Gabriela, respectivamente. Em sua maioria, os projetos feitos pelos entrevistados constituem uma combinação de ações assistencialistas e metodologias participativas. Podemos ver diversas semelhanças entre o trabalho dos entrevistados e alguns aspectos mencionados no levantamento bibliográfico. Esses aspectos são, por exemplo, as ideias de equidade, participação, inclusão e qualidade de vida, além de outros mais específicos, como a melhoria das condições de trabalho, as

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metodologias participativas, as tentativas de se adequar ao “mundo real”, as preocupações com o desenvolvimento do local, a aplicação de tecnologia intermediária, trabalhos com populações de baixa renda e promoção da igualdade de gênero. Contudo, a atuação dos designers entrevistados parece ser diferente da grande maioria das referências citadas no Capítulo 3. Vejamos quatro diferenças mais significativas. Em primeiro lugar, a maior parte dos entrevistados trabalha com artesanato, e não com produção industrial. Apenas por tal aspecto, essa grande parte dos entrevistados já difere das propostas de Hilton, Madge, McDonought e Braungart, dentre outros. A segunda diferença encontrada diz respeito ao grupo cuja qualidade de vida se pretende melhorar. No design social defendido por Couto, quer-se atender às necessidades dos usuários dos produtos e se busca aproximar o design ao “mundo real” adotando metodologias participativas, ou seja, metodologias que incluam esses usuários nos processos de design. A mesma atenção aos consumidores está presente nas propostas de Ono e Frascara. Em contrapartida, nos trabalhos desenvolvidos pelos entrevistados há maior preocupação com os produtores. Assim, apesar de se assemelharem quanto à preocupação com as pessoas, podemos dizer essas pessoas são os usuários – para Couto, Ono e Frascara – e os produtores – para os entrevistados. A terceira diferença se coloca em relação às experiências discutidas durante o 4º Encontro Nacional de Desenhistas Industriais. Os debatedores falaram sobre solucionar problemas das comunidades atendidas por meio de soluções técnicas, o que geralmente envolvia construção de infraestrutura ou de artefatos que seriam usados naquela localidade. Por outro lado, a maior parte dos projetos dos entrevistados tratava de produção de produtos que seriam comercializados com o intuito de gerar renda para os produtores. A quarta diferença está em relação às propostas de Manzini, Meroni e Morelli. Essa diferença também diz respeito ao grupo beneficiado. Como vimos, esses autores não falam mais de produção de produtos, mas de encontrar soluções para problemas cotidianos. Às vezes, essas soluções envolvem a criação de artefatos, mas isso não ocorre necessariamente, pois elas podem ser conseguidas por meio de serviços, plataformas ou estratégias, como dizem os autores. Além

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disso, essas soluções servem principalmente às pessoas que as criaram. Em compensação, os entrevistados trabalham primordialmente com produção de produtos, que serão comercializados e utilizados por pessoas externas ao grupo que os produziu. Assim sendo, dentre os autores levantados, aquela que aparentemente está mais próxima ao design social de que falaram os entrevistados é Capello, a qual fala de projetos que aliam manejo sustentável de recursos naturais e geração de trabalho e renda para comunidades carentes. Uma explicação para tal fato é um tanto quanto simples, já que foi uma das referências que foram tomadas como base para se escolher que tipo de projeto seria estudado.

6.1.5. Responsabilidade e consciência: um ponto em comum Independente de levar a qualificação “sustentável”, “social” ou qualquer outra das mencionadas, todos os designers entrevistados mostraram uma característica em comum: a preocupação em serem conscientes e responsáveis quanto a seu trabalho. No Capítulo 5 foi dito que a entrevistada que colocou essa questão de forma mais explícita foi Carolina. Além de ter exposto sua preferência pelas palavras “responsável” e “consciente” no lugar de “sustentabilidade”, ela falou em vários momentos sobre o assunto, mostrando a importância de se procurar informações sobre a produção dos produtos, o que deve ser feito tanto pelos designers quanto pelos consumidores. Essa ideia esteve presente em outras entrevistas, como no caso de Érica e Ana Clara. Érica disse que tenta mostrar para as artesãs que assessora que não se deve usar e descartar os objetos sem pensar de onde eles vieram, para onde vão e quem os fez. E Ana Clara afirmou que espera que, daqui a algum tempo, tanto os designers quanto os consumidores estejam acostumados a fazer algumas perguntas:

“O que tu consome? De onde veio e para onde vai? O que tu pode fazer com isso? Qual a responsabilidade de quem produz? Se eu produzo alguma coisa, que responsabilidade eu tenho de recuperar isso? Como que o ambiente resiste a esse grau de resiliência que a gente fala.” (Ana Clara)

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6.1.6. Produtos que contam histórias Mais uma ideia presente no discurso de Carolina que encontrou eco nos depoimentos de outros entrevistados foi o comentário sobre a busca pelas “histórias” dos objetos que consumimos. Vejamos novamente o trecho da fala da entrevistada:

“E você não está consumindo um objeto. Você está consumindo um objeto que é feito de coisas que vem de lugares e que pessoas estiveram em todos esses processos. Então, pra mim, consumir conscientemente e responsavelmente é buscar saber quais são essas histórias, quais são esses materiais, de onde eles vêm, como eles chegaram até aqui e quem foram essas pessoas ou pelo menos como que essas pessoas trabalharam nisso.” (Carolina)

As histórias, no caso da fala de Carolina, dizem respeito à trajetória pela qual os objetos passam até chegarem às mãos dos usuários. Essa trajetória envolve pessoas de diferentes lugares e os objetos são feitos de materiais que também são oriundos de diversos locais. João também mencionou as histórias dos produtos, mas de outra maneira. Ele disse que essas histórias eram contadas pelos próprios produtores de um dos grupos com os quais ele trabalhou. Tratava-se de um grupo que fazia artesanato de motivos religiosos e que vendia sua produção em uma feira da praça da cidade. Segue um trecho de sua fala:

“(...) como lá tem aquela festa de [nome de festa religiosa] interessante e são muitos cristãos e tem santo para todo mês, esse produto funciona. Como esse grupinho tem esse perfil é um produto que dá certo. (...) É o que eles acreditam. Se eles acreditam isso vende, porque eles acreditam, porque eles têm mais vontade, eles têm mais carinho. Eles contam a história do produto, como eles que criaram, como eles se desenvolveram.” (João)

É interessante perceber que o entrevistado não disse que, na hora da venda, os produtores exaltam a história dos santos. E sim, que eles contam a história de como o produto foi feito. Ademais, a metodologia adotada por alguns entrevistados já previa entender a história das pessoas, dos materiais e da região. Esse procedimento parece ser importante para que fatores das histórias coletadas pudessem ser incorporados aos produtos. Isso apareceu nos depoimentos de Flávia – em um trecho já mencionado

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quando apresentei a metodologia de trabalho desta entrevistada no Capítulo 5 – e de Ana Clara. Vejamos suas falas:

“E aí a gente começou a fazer um trabalho elencando o que tinha na região em termos de matéria prima. Como que essa matéria-prima poderia chegar até lá? Qual era o caminho de tudo isso? Entendendo da história das pessoas, monte de coisas.” (Flávia) “Nesse momento você fica super atento para escutar todas as coisas que vêm, o que elas observam, o que elas deixam de observar. Tentar fazer perguntas colocadas para que elas percebam determinadas questões, tragam fatores da história, enfim, dos materiais, da história daquela região, da história delas, como elas se posicionam. Enfim, é um negócio meio assim de ir para captar, né?” (Flávia) “Então a gente teve várias reuniões, sempre as segundas-feiras à tarde. Teve dia que o pessoal foi lá conversar sobre o que sabia, como que era. Eu perguntei de onde vinham... Tentando buscar essas histórias, essas histórias pessoais. (...) Eu tentei compreender assim quais eram as matérias-primas, quais eram as técnicas que eles trabalhavam, onde é que eles tinham aprendido, onde que eles vendiam isso, se conseguiam vender. Então tocando de leve assim, tentando essa aproximação num abordagem compreensiva.” (Ana Clara)

Ambas entrevistadas colocaram lado a lado as histórias pessoais e as informações das matérias-primas como fatores importantes a serem coletados, semelhantemente ao que fora feito por Carolina. Ana Clara disse que trabalhou especificamente este assunto em uma das reuniões que fez com o grupo que atendeu. Adquiriu um livro sobre uma pesquisa realizada por outro designer para mostrar ao grupo como são esses produtos que, devido a alguma característica, contam a história das pessoas:

“Eu consegui o livro, a gente apresentou para eles. Então a gente vai discutindo essas coisas. (...) Para que as pessoas também possam compreender esse universo, que é um universo mais complexo, de produtos que têm alguma característica que conte a história das pessoas. Não é muito fácil essa apreensão disso né.” (Ana Clara)

Esse trecho difere das outras falas apresentadas acima, na medida em que Ana Clara disse que é o produto que passa a contar a história das pessoas e dos materiais. Não são mais as pessoas que precisam relatar a história dos produtos. Tomo, portanto, emprestada tal ideia da fala de Ana Clara para caracterizar esse tipo produção: produtos que contam histórias.

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Ao olharmos o trabalho dos entrevistados sob este aspecto, é possível ver a ligação que a maior parte dos produtos feitos pelos grupos atendidos tem com a identidade cultural de quem os confecciona, com os valores locais, com as tradições, com as características do território etc. São itens que se tornam relevantes dentro da perspectiva de se tentar projetar, produzir e consumir de forma consciente e responsável.

6.2. Considerações finais Com este estudo, foi possível responder a muitos questionamentos a respeito do trabalho dos entrevistados e de como eles caracterizam sua atuação. Além de chegar a algumas respostas, a pesquisa despertou uma série de reflexões e novas perguntas. Sendo assim, considero importante, na conclusão deste trabalho, compartilhar com o leitor algumas destas reflexões.

6.2.1. Arena, atores, interações, interesses Como já foi enfatizado, esta pesquisa foi realizada com base em um método de análise do discurso oriundo da psicologia. Contudo, também teve influência de alguns estudos sobre antropologia do desenvolvimento. Esta influência esteve presente na tentativa de se compreender os projetos estudados de forma semelhante a como Olivier de Sardan (2001, 2005) afirma que os antropólogos devem observar as ações de desenvolvimento: como uma arena, na qual estão inseridos diversos atores, os quais interagem entre si e possuem interesses diferentes. Durante a pesquisa, busquei informações especialmente sobre dois tipos de atores: os designers e os grupos produtivos. As interações entre eles foram apresentadas nas seções sobre “metodologia de trabalho dos entrevistados” e “relacionamento dos entrevistados com os grupos”. E os interesses dos designers foram mencionados principalmente na seção sobre “motivação dos entrevistados”. Procurei ter uma compreensão do contexto (que pode ser entendido como a arena), ao fazer perguntas sobre o financiamento, a equipe e a remuneração das pessoas envolvidas, além das perguntas de aprofundamento sobre o item do

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roteiro chamado “descrição do(s) projeto(s)”. Tais informações não foram apresentadas em detalhes nesta dissertação, pois fugiriam ao escopo da pesquisa, que se propôs a entender como os designers caracterizam seu trabalho, especialmente, quais expressões usam para designar sua própria atuação. Mesmo assim, as perguntas mostraram-se úteis para que os entrevistados falassem livremente sobre seu trabalho e, assim, seus discursos subjacentes pudessem ser analisados. No entanto, as entrevistas podem servir para dar continuidade à pesquisa, ao investigar essas outras questões que não foram abordadas em profundidade na presente dissertação.

6.2.2. Possíveis desdobramentos da pesquisa Uma maneira de fazer uma análise mais completa de projetos semelhantes aos estudados seria entrevistar não apenas os designers, como também pessoas dos grupos produtivos e outros membros da equipe, a fim de se compreender a visão dos demais atores envolvidos. Isso porque, como foi visto em um trecho do depoimento de Carolina, os relatos dizem respeito à perspectiva dos entrevistados de como eles mesmos se veem e talvez as percepções das outras pessoas sejam diferentes e tragam novos elementos que possam contribuir para uma compreensão mais ampla dos projetos. Caso se queira estudar projetos em andamento, seria possível ir a campo e observar as interações entre os atores ao vivo, o que não foi feito neste trabalho, pois grande parte dos projetos aqui estudados já havia terminado, sendo que alguns ocorreram há muitos anos. Outro possível desdobramento seria fazer uma pesquisa quantitativa para complementar o estudo qualitativo que foi feito. Na nova pesquisa, as perguntas deixariam de ser: O que se entende por...? O que pensam? O que querem dizer? Como falam? Nos lugar destes questionamentos, viriam outros, ligados a dados concretos e mensuráveis. Tentar-se-ia analisar os impactos gerados e os resultados tangíveis dos projetos. Para tal abordagem, seria necessário definir indicadores e levantar dados quantitativos.

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6.2.3. Em direção a fins mais justos e éticos Parece que grande parte dos entrevistados faz um trabalho conscientemente mais voltado para inclusão social do que para a sustentabilidade. Apesar de ter sido afirmado no início desta dissertação que a sustentabilidade seria compreendida aqui com intrinsecamente ligada à equidade (e, por conseguinte, à inclusão social), não consegui perceber que os entrevistados fizessem a mesma associação de forma tão forte. Ou seja, não observei que eles enxergassem os dois temas como indissociáveis. Mesmo assim, pude ver que são temas que são tratados em conjunto, o que indica, na minha visão, que os designers do grupo estudado estão caminhando em direção a fins mais justos e éticos, o que é corroborado pela ênfase que eles deram à responsabilidade e consciência a respeito de sua própria atuação.

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