Desigualdades no acesso à agua e ao saneamento: impasses da política pública na metrópole fluminense

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WATERLAT-GOBACIT Network Working Papers Thematic Area Series SATCUASPE – TA3 - Urban Water Cycle and Essential Public Services – Vol. 1 No 2 Castro, José Esteban (Ed.)

ARTICULO 3 Desigualdades no acesso à agua e ao saneamento: impasses da política pública na metrópole fluminense Suyá Quintslr8 e Ana Lúcia Britto9

I. Introdução

Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ), E-mail: [email protected].

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Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ), E-mail: [email protected].

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A questão do acesso aos serviços de saneamento na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) ganhou maior visibilidade na mídia convencional no verão de 2014, devido às frequentes faltas d’água na região, em especial nas zonas Norte e Oeste do município do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense, onde a intermitência no abastecimento, entretanto, não é uma novidade. São cada vez mais frequentes as críticas à gestão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) por parte da sociedade civil e membros do legislativo estadual. Frente às dificuldades da prestadora em atender a população e, em especial, aqueles que moram nas periferias urbanas, o presente texto tem como objetivo traçar um quadro sintético dos serviços de saneamento na RMRJ, com especial atenção aos sistemas de abastecimento de água, no intuito de compreender quais são as áreas com maiores déficits e os obstáculos para a melhoria dos sistemas. Faz-se necessário, entretanto, para compreensão dos desafios que enfrenta a universalização do acesso à água na metrópole fluminense, uma breve apresentação do marco regulatório nacional para o setor, explicitando os novos papeis definidos na legislação para cada ente federativo, o que é realizado na primeira seção do trabalho. Na segunda seção, nos ocupamos dos sistemas de abastecimento de água que atendem à RMRJ. Em seguida, apresentamos os indicadores municipais de acesso aos serviços para, na quarta e última seção analisar mais detidamente o abastecimento de água na Baixada Fluminense, região com histórico de problemas de saneamento não solucionados. Nesta seção, usamos dois casos que consideramos emblemáticos (Queimados e Duque de Caxias) para ilustrar as desigualdades intramunicipais no acesso à água e as estratégias das populações que ficam à margem dos sistemas existentes. Nas considerações finais, apresentamos sucintamente algumas das explicações presentes na literatura a respeito das dificuldades enfrentadas pelo setor de saneamento, observando os limites e possibilidades dessas interpretações para a compreensão dos processos em curso. Não é nosso objetivo aqui encontrar explicações finais, mas traçar um programa para as etapas seguintes da pesquisa que inclua as estratégias dos diferentes setores que tomam parte nos processos

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políticos, que acabam por perpetuar ou buscam modificar as desigualdades no acesso aos recursos.

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A Lei Federal nº11.445/2007 e seu decreto de regulamentação (Decreto nº7.217/2010) estabelecem as diretrizes nacionais para o saneamento básico no Brasil. A lei 11.445 amplia o conceito de saneamento, conceituando-o como o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais voltados: (i) ao abastecimento de água potável; (ii) à coleta e ao tratamento do esgotamento sanitário; (iii) à drenagem e manejo das águas pluviais urbanas; e (iv) à limpeza e manejo de resíduos sólidos urbanos (coleta e disposição final do lixo). A partir dos princípios de universalização, participação e descentralização e da noção mais ampla de saneamento, a nova legislação busca tratar o setor de forma sistêmica e articulada a outras políticas, tais como de desenvolvimento urbano, habitacional e recursos hídricos. Outra novidade trazida pela legislação é a obrigatoriedade do poder público prestar serviços de saneamento básico que sejam necessariamente planejados, regulados e submetidos ao controle social. No campo da gestão, o novo marco regulatório trouxe a redefinição de papeis e a necessidade de uma mudança de postura dos principais agentes do setor de saneamento: governos municipais, governos estaduais e prestadores de serviços, como as Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs). Uma questão central é o reforço do papel dos municípios na prestação dos serviços, os quais devem: (i) elaborar e aprovar a Política Municipal de Saneamento Básico, através da qual será definido o modelo jurídico-institucional, as funções de gestão dos serviços públicos de saneamento e estabelecida a garantia do atendimento essencial à saúde pública, aos direitos e deveres dos usuários, e ainda a instância de controle social da gestão dos serviços; (ii) elaborar e aprovar o Plano Municipal de Saneamento Básico, cujo conteúdo é definido na Lei; (iii) constituir a entidade reguladora e fiscalizadora dos serviços públicos de saneamento básico ou definir a qual entidade existente será delegada essa função; (iv) definir a entidade responsável pelo controle social dos serviços, que pode ocorrer através da criação de um conselho específico (Conselho Municipal de Saneamento Básico) ou de conselho existente, como o conselho municipal da cidade ou de meio ambiente. Em síntese, os municípios, como titulares, devem exercer o planejamento do setor, que é função indelegável. Já as funções de regulação e fiscalização podem ser exercidas diretamente ou delegadas a uma agência reguladora. A prestação dos serviços, por sua vez, também pode ser exercida pelo titular ou delegada a ente público ou privado. Entretanto, uma polêmica sobre a titularidade teve lugar desde a promulgação da Lei 11.445/2007 que, de fato, não explicita a questão da titularidade dos serviços de saneamento básico, por entender que a definição de competências entre os entes da Federação é matéria exclusiva da Constituição Federal. Esta lacuna possibilitou a tramitação de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) que buscavam a definição do tema no Supremo Tribunal Federal (STF): ADI 1842 do Rio de Janeiro e ADI 2077 da Bahia, as quais contestavam a constitucionalidade de leis estaduais que

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II. Os serviços de saneamento no Brasil e o novo marco regulatório

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atribuíam aos Estados a competência para decidir sobre a prestação dos serviços de saneamento básico em regiões metropolitanas e outras áreas onde um mesmo sistema atenda a dois ou mais municípios. Tendo sido a ADI 1842 (RJ) julgada parcialmente procedente, a matéria parece ter sido resolvida, devendo a gestão dos serviços de saneamento nas regiões metropolitanas ser compartilhada entre os municípios e o estado. Os ministros do STF concordaram com a premissa de que, em regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, a má prestação dos serviços em uma cidade pode prejudicar as demais. Por isso, entenderam que é válida a criação de entidades, onde tem assento o governo estadual e municípios, para atuação em conjunto. A forma de composição desta entidade não está definida. Todavia, considerando a cooperação metropolitana, segundo o artigo 25 da Constituição Federal de 1988, a integração entre municípios é compulsória. Portanto, um município integrante da Região Metropolitana pode, por decisão própria, não participar das instâncias de decisão, mas ele é obrigado a tolerar em seu território todas as injunções de caráter metropolitano, definidas por esta instância. Na prática, contudo, a efetivação dos papeis de cada ente federativo na gestão dos serviços depende da conjuntura política no nível local, isto é, do grau de mobilização da sociedade, do projeto político do partido no poder nos níveis municipal e estadual, da atuação de movimentos sociais e, sobretudo, da disposição dos governos para avançar na democratização da gestão pública. A partir das determinações da Lei n. 11.445/2007, as CESBs também têm seu papel reestruturado, devendo passar a atuar como prestadoras de serviços aos municípios, subordinadas à política e ao plano definidos no nível municipal, e sendo reguladas por entidade definida pelo município. Os governos estaduais também devem elaborar seus planos e, no caso das regiões metropolitanas, em função do resultado do julgamento da ADI acima mencionada, também passam a ter um papel central na gestão do saneamento. No caso da RMRJ, do qual trata o presente texto, portanto, devem participar da gestão dos serviços de saneamento tanto os municípios quanto o estado. De fato, os municípios que compreendem a região não são autônomos no que se refere ao abastecimento de água (com apenas três exceções), sendo atendidos por sistemas integrados, ou seja, sistemas que atendem a mais de um município, como será abordado na próxima seção. III. Os sistemas integrados de abastecimento da RMRJ10

A RMRJ foi instituída pela Lei Complementar nº 20, de 1º de julho de 1974, mas o número de municípios que dela fazem parte aumentou desde então. Recentemente, mais dois municípios integraram-se à região, Rio Bonito e Cacheira de Macacu, mas eles não serão contemplados na presente análise.

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O principal prestador dos serviços de água e esgoto na região é a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE), uma sociedade de economia mista cujo principal acionista e controlador é o Estado do Rio de Janeiro. Niterói é o único município da região que teve seus serviços privatizados na totalidade, sendo que no município do Rio de Janeiro, os serviços de coleta e tratamento de esgotos de uma de suas Áreas de Planejamento, a AP5, também foi concedido à inciativa privada no ano de 2011.

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A RMRJ tem seu abastecimento de água viabilizado por quatro sistemas11: (i) Acari; (ii) Ribeirão das Lajes; (iii) Guandu; (iv) Imunana-Laranjal (figura 1). Os municípios atendidos por cada um deles podem ser verificados no quadro 1. As águas de parte destes sistemas misturam-se em diversos pontos, conferindo grande complexidade ao abastecimento num contexto onde os municípios não são autossuficientes na produção de água. Tentaremos, a despeito de tal complexidade, explicar o funcionamento de cada um deles para então focar em alguns aspectos da desigualdade e nos conflitos existentes na região da Baixada Fluminense. Quadro No 1: Sistemas de abastecimento e municípios atendidos. Sistema de abastecimento

Municípios atendidos

Sistema Acari

Belford Roxo; Duque de Caxias; Nova Iguaçu.

Sistema Ribeirão das Lages

Nova Iguaçu; Paracambi; Queimados; Rio de Janeiro; Seropédica; Itaguaí; Japeri.

Sistema Guandu

Belford Roxo; Duque de Caxias; Japeri; Mesquita; Nilópolis; Nova Iguaçu; Queimados; Rio de Janeiro; São João do Meriti.

Sistema ImunanaLaranjal

Niterói; São Gonçalo; Itaboraí (água bruta); Maricá; Rio de Janeiro (Ilha de Paquetá).

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Guapimirim, Magé e Tanguá são atendidos por sistemas isolados, de acordo com o Atlas Brasil – Abastecimento de Água. ANA, 2014. Disponível em: WWW. atlas.ana.gov.br/Atlas/ 11

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Fonte: Elaborado a partir de informações do Atlas Brasil – Abastecimento de Água. ANA, 2014.

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Figura No 1: Sistemas de abastecimento da RMRJ.

Fonte: ANA (2014).

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O Sistema Acari, também conhecido como “linhas pretas”, em referência às tubulações de ferro fundido que o diferenciam dos sistemas de abastecimento mais modernos, atende atualmente áreas da Baixada Fluminense próximas à Reserva Biológica do Tinguá

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Sistema Acari

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(REBIO Tinguá). Com uma vazão total de 2,63m³/s (CEDAE, 2013), é responsável pelo abastecimento de 26% da população desta região. Esse sistema é composto por cinco subsistemas, todos com captação de água na área hoje abrangida pela REBIO Tinguá: São Pedro, com vazão de 0,6m³/s; Rio D’Ouro, com 0,45m³/s; Tinguá, com 0,4m³/s; Xerém, com 0,5m³/s; e Mantiquira, o maior em termos de capacidade, com vazão de 0,68m³/s (CEDAE, 2013). Em diversos pontos, as águas destes subsistemas misturam-se às águas do Guandu, tornando o abastecimento da Baixada Fluminense bastante complexo. O sistema Acari é o mais antigo em operação na RMRJ, datando a construção de suas cinco linhas do período entre 1877 e 1909, quando a 5ª linha Mantiquira foi concluída (Santa Ritta, 2009). Inicialmente, foi construído para abastecer a capital e suas linhas tiveram grande importância para amenizar os problemas de abastecimento na época em que foram construídas, como destaca José de Santa Ritta: As cinco linhas constituem o sistema chamado das grandes adutoras de ferro fundido. Elas marcaram época na história do abastecimento de água da cidade e chegaram a constituir os mais extensos sifões de grande diâmentro até então construídos com tubos daquele material. Duas delas têm quase 50 km de extensão, ao passo que as outras três aproximam-se dos 60, em um total de 266 km de canalizações de ferro fundido. (Santa Ritta, 2009: 134) Apesar da qualidade de suas águas, atualmente, as vazões são variáveis, reduzindo consideravelmente nas épocas de estiagem. Em sua construção, nenhuma obra de regularização das vazões foi feita e o sistema opera com baixa tecnologia, sendo a adução feita por gravidade (ibid). Na medida em que a vazão foi se tornando insuficiente para o atendimento de uma população em rápido crescimento, as águas da Represa de Ribeirão das Lajes passaram a ser aproveitadas para abastecimento e, posteriormente, foi construído o sistema Guandu.

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O reservatório de Ribeirão das Lajes, localizado entre os municípios de Piraí e Rio Claro, é considerado hoje a principal reserva hídrica do estado do Rio de Janeiro. Suas águas possuem alta qualidade e são utilizadas tanto na geração de energia elétrica quanto no abastecimento da RMRJ. Sua construção, em 1905, e a posterior expansão ocasionaram a inundação da cidade de São João de Marcos (Estiliano e Araújo, 2010), que foi uma importante cidade produtora de café no Vale do Paraíba (RJ). Segundo relatório realizado para o Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Rio de Janeiro (SEA/INEA, 2013), o reservatório regulariza uma vazão em torno de 16,5m³/s, dos quais 5,5m³/s são utilizados para o abastecimento através de duas adutoras – primeira e segunda adutoras de Lajes. A primeira entrou em funcionamento em 1940 e a segunda cinco anos depois (Santa Ritta, 2009).

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Ribeirão das Lajes

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As águas destas adutoras são distribuídas aos municípios de Seropédica, Itaguaí, Paracambi, Japeri e Queimados – sendo que para o último são aduzidos 0,2m³/s que abastecem o Reservatório da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN) (CEDAE, 2013).

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O Sistema Guandu se tornou possível a partir da transposição de águas do Rio Paraíba do Sul, originalmente com o objetivo de geração de energia elétrica, na estação elevatória de Santa Cecília (figura 1). Esta água, após ser usada na geração de energia elétrica no sistema Light, é lançada no rio Guandu, regularizando sua vazão. A construção do sistema de captação das águas do Rio Guandu e de sua Estação de Tratamento de Água (ETA) para uso no abastecimento teve início em 1952 quando a Caixa Econômica Federal liberou grande volume de recursos para as obras. A CEDAE possui uma outorga de 45 m³/s que permite que a empresa realize a captação na divisa entre Seropédica e Nova Iguaçu, onde existe uma elevatória de água bruta, também denominada de “baixo recalque do Guandu” (Motta, 2013). A água bruta é assim levada para a Estação de Tratamento de Água do Guandu (ETA Guandu), com capacidade de produção em torno de 43m³/s, considerada a maior estação de tratamento de água do mundo, segundo a CEDAE (CEDAE, s/d). As águas deste sistema, entretanto, são captadas com baixa qualidade, uma vez que os municípios de parte região metropolitana, na ausência de tratamento de esgoto (ver quadro 2) os lançam in natura no rio e em seus afluentes. Para o tratamento da água, a CEDAE utiliza diariamente 140 toneladas de sulfato de alumínio, 20 toneladas de cloreto férrico, 15 toneladas de cloro, 25 toneladas de cal virgem e 10 toneladas de ácido fluossilícico (ibid). A água tratada da ETA Guandu segue dois caminhos iniciais distintos: cerca de 21m³/s seguem por um túnel em direção ao Reservatório dos Macacos para o abastecimento da Zona Sul do Rio de Janeiro e a mesma vazão destina-se às elevatórias de água tratada que conduzem ao reservatório do Marapicu. Do túnel que abastece a Zona Sul da capital há uma derivação de água para Nilópolis, na Baixada Fluminense, com vazão de 0,52m³/s; uma para Anchieta, no município do Rio de Janeiro; e outra para o sistema Jaques-Acari. Este, por sua vez, atende tanto pequenas regiões da Baixada Fluminense através de duas adutoras, com vazões de 0,93m³/s e 0,67m³/s, quanto porções da capital (CEDAE, 2013). O Reservatório do Marapicu possui capacidade para 4.900.000 litros de água, do qual derivam cinco adutoras, sendo duas para a Baixada Fluminense: a Adutora Principal da Baixada Fluminense (APBF), inaugurada em dezembro 1980, durante o Governo Chagas Freitas, sendo a obra realizada com recursos do Banco Nacional de Habitação (BNH) através do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA); e a Nova Adutora da Baixada Fluminense, concluída com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal. Juntas, as duas adutoras aduzem um total de 9m³/s para a região. Além destas, há uma adutora para a Zona Oeste do Rio de Janeiro e

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Sistema Guandu

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as duas adutoras de Henrique de Novaes, que atendem a Zona Norte da capital (Motta, 2013). Atualmente a CEDAE prevê a ampliação do sistema Guandu, com a construção de uma nova estação para a produção de 12m³/s adicionais a um custo de R$ 1,1 bilhão (CONEN, 2013). Sistema Imunana-Laranjal O Sistema Imunana-Laranjal tem sua origem na captação das águas do rio Macacu através do canal artificial de Imunana. A partir daí, a água é bombeada para a ETA de Laranjal, localizada no município de São Gonçalo. Com capacidade de tratamento de 5,5m³/s, a estação atende cerca de 1,5 milhão de pessoas (CEDAE, 2010). Apesar da ETA ser operada pela CEDAE, parte de suas águas é distribuída para o município de Niterói por prestador privado – a empresa Águas de Niterói, do grupo Águas do Brasil. A outra parcela da água tratada em Laranjal é destinada ao abastecimento do município de São Gonçalo e à Ilha de Paquetá, no município do Rio de Janeiro. O mesmo sistema fornece, ainda, água bruta ao município de Itaboraí (ANA, 2014). IV. Indicadores de atendimento pelos serviços de saneamento na RMRJ

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A metrópole fluminense ainda é marcada por uma forte desigualdade no acesso aos serviços de saneamento. Tal desigualdade se expressa tanto em termos espaciais – com fortes disparidades entre os índices de atendimento nos municípios centrais e os periféricos – quanto em uma diferença significativa entre o atendimento pelos serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto em todos os municípios. O Quadro No 2, baseado em dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SNIS) de 2013, ilustra essa situação. Como é possível perceber pelos dados do SNIS, enquanto nos municípios-polo de Rio de Janeiro e Niterói os índices de atendimento com rede de água estão acima de 90%, na maior parte dos municípios periféricos a situação é bastante diferente. Dos 19 municípios analisados, sete possuem índice de atendimento com rede de água abaixo de 80% e outros cinco entre 80 e 90%. Além de Rio de Janeiro e Niterói, os quatro municípios que apresentam índices acima de 90% estão localizados na região da Baixada Fluminense – Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu e São João de Meriti. Na região, entretanto, existem sérios problemas referentes ao serviço de abastecimento que vão além da presença de infraestrutura de rede, como será discutido na quarta seção. Vale ressaltar que os dados aqui apresentados são fornecidos pelas prestadoras ao SNIS e referem-se à infraestrutura de rede, em detrimento de informações sobre a disponibilidade hídrica e intermitências no serviço.

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Quadro No 2: Índices de atendimento por rede de água e esgoto na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Município

Belford Roxo Cachoeira de Macacu Duque de Caxias Itaboraí Itaguaí Japeri

Guapimirim Magé Maricá Mesquita Nilópolis Niterói Nova Iguaçu Paracambi Queimados Rio Bonito

Índice de atendimento com rede de água

Índice de atendimento com rede de esgotos

População total %

População urbana %

População total %

População urbana %

Índice de tratamento de esgotos Esgoto Esgoto coletado gerado % %

CEDAE *

78,3

78,3

40,9

40,9

24,4

9,7

CEDAE * CEDAE * CEDAE * CEDAE ** Fontes da Serra Água CEDAE * CEDAE * CEDAE * CEDAE * Águas de Niterói *

85,4 81,2 86,7

85,7 81,2 86,7

44,4 42,9 39,1

44,5 43,4 40,9

10,4 5,9 0,0

3,7 2,3 0,0

74,6

74,6

49,4 79,4 56,5 95,0 99,5

51,2 79,4 56,5 95,0 99,5

42,7 12,6 42,8 99,9

45,1 12,8 42,8 99,9

0,0 66,6 21,7 0,0

0,0 11,3 6,9 0,0

100,0

100,0

92,7

92,7

100,0

104,7

CEDAE * CEDAE * CEDAE *

93,7 72,7 83,0

93,7 72,7 83,0

45,0 31,6 40,7

45,5 35,7 40,7

1,1 0,0 0,0

0,4 0,0 0,0

90,7

90,7

77,9

77,9

84,4

51,9

84,7

84,7

39,1

39,1

14,8

8,4

92,3 68,8 67,8

92,3 68,8 67,8

48,7 32,4 31,7

48,7 39,4 35,5

0,0 0,0 0,0

0,0 0,0 0,0

Prestador de Serviço

CEDAE * Rio de (excluindo Janeiro a AP5) São Gonçalo CEDAE * São João de Meriti CEDAE * Seropédica CEDAE * Tanguá CEDAE * * Água e esgotos - ** Água

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Fonte: SNIS (2013).

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A importância quantitativa do déficit em abastecimento de água também é reforçada quando analisamos os componentes do déficit habitacional publicado pela Fundação João Pinheiro. Dentre as Regiões Metropolitanas do país relacionadas no estudo, que baseia-se nas RMs do IBGE e no Censo de 2010, o maior número de domicílios urbanos que não estão ligados à rede geral está na RMRJ (448 mil domicílios) (Fundação João Pinheiro, 2013). Não obstante a situação de acesso à água apresentar sérios problemas, a situação de coleta de esgoto é ainda mais grave. Segundo os dados do SNIS apresentados, apenas três municípios da região possuem mais da metade dos domicílios atendidos pela rede de coleta de esgotos: Rio de Janeiro, Niterói e Nilópolis. Cabe ressaltar nesse aspecto que os dados do SNIS diferem significativamente dos dados do IBGE de existência de esgotamento sanitário, uma vez que o IBGE não distingue atendimento por rede de esgoto sanitário e esgotamento via rede pluvial e, por este motivo, apresenta indicadores mais elevados. Mesmo quando consideramos os dados do IBGE, existem municípios cujo indicador destino do esgoto sendo “rede geral ou pluvial” está abaixo de 50%, como Itaboraí (17,32%), Belford Roxo (40,99%), Magé (40,14%), Japeri (39,84%), São Gonçalo (38,54%), Guapimirim (41,49%), Seropédica (18,27%) e Paracambi (44,23%) (IBGE, 2012). Se a coleta do esgoto é precária na maior parte dos municípios, o tratamento do esgoto coletado é também extremamente insuficiente. Apenas Niterói e Rio de Janeiro tratam ao menos metade do esgoto gerado. O resultado do lançamento de esgoto in natura nos corpos hídricos é visível, seja pela poluição dos rios ou da Baía de Guanabara, e, como apontado anteriormente, a poluição do rio Guandu tem grande impacto na necessidade do tratamento de sua água para adequá-la ao abastecimento, tornando imprescindível o uso de grande quantidade de produtos químicos.

V. Abastecimento de água na Baixada Fluminense Os municípios da Baixada Fluminense12 são atendidos por uma integração dos sistemas Acari, Lajes e Guandu. A vazão aduzida por cada um dos sistemas para a região pode ser verificada no Quadro No 3 a seguir.

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A Baixada Fluminense não é uma denominação precisa, não havendo consenso sobre seus limites e os municípios que a compõem. Entretanto, há algum consenso entre os diferentes estudos sobre a região, como destaca Simões (2007, p. 2): “Os municípios de Nova Iguaçu e Duque de Caxias são apontados, com unanimidade, como núcleos desta região, assim como não há questionamento sobre a inclusão de [...] Belford Roxo, São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita, Queimados e Japeri [...]. Os problemas se encontram nos limites leste, oeste e norte. Dependendo dos autores, Magé e Guapimirim podem ser ou não inseridos na Baixada Fluminense, o mesmo ocorrendo com Itaguaí, Seropédica e Paracambi”. Como nosso objetivo é analisar o sistema integrado de abastecimento de água, trabalharemos com os municípios apontados por Simões (2007) como consenso, uma vez que são municípios atendidos pelo Sistema Guandu – o maior sistema de abastecimento da RMRJ.

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Quadro No 3: Vazão aduzida para a Baixada Fluminense. Vazão Aduzida para a Baixada Fluminense Sistema de abastecimento

Sistema Guandu

Sistema Acari

Ribeirão das Lages

Adutoras Adutora Principal da Baixada Fluminense Nova Adutora da Baixada Fluminense

Vazão média por adutora (m³/s)

Vazão média do sistema

6,05 2,0 10,17

Jaques Acari - 1ª adutora

0,93

Jaques Acari - 2ª adutora

0,67

Nilópolis

0,52

São Pedro

0,6

Rio D'Ouro

0,45

Tinguá

0,4

Xerém

0,5

Mantiquira

0,68

Codin

0,2

0,2

13

13

Vazão total aduzida

2,63

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A partir de diversas pesquisas realizadas no Laboratório de Águas Urbanas (LEAU) – vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – vêm sendo constatados diversos problemas no abastecimento na região que não aparecem no diagnóstico oficial do SNIS. Em primeiro lugar, fica clara a disparidade entre os indicadores de cobertura pela rede e as residências que têm, efetivamente, acesso à água: em diversas áreas da região, os moradores afirmam que, apesar da existência de rede, não recebem água ou há intermitências no abastecimento. Um número menor de pessoas reclama da qualidade da água recebida, alegando alterações no cheiro, gosto ou turbidez. Ainda que investimentos venham sendo feitos desde o lançamento do PAC pelo Governo Federal em 2007, com destaque para a conclusão da Nova Adutora da Baixada Fluminense, uma série de reservatórios de água construídos no âmbito do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) encontram-se desativados, comprometendo o abastecimento (Motta, 2013, CONEN, 2013). Além disso, o levantamento feito no âmbito dos estudos regionais realizados com o objetivo de subsidiar os planos municipais de saneamento mostra que em determinadas áreas, como parte do município Duque de Caxias, os reservatórios são inexistentes (CONEN, 2013). Os reservatórios são necessários para regularização do fluxo de água nos horários de maior uso, uma vez que este não é contínuo; ou seja, a água que entra durante o período noturno, quando são executadas manobras redirecionando o fluxo para estas áreas, fica reservada para os horários de maior demanda, evitando as frequentes faltas d’água.

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Fonte: Elaborado a partir de informações da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE, 2013).

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Quadro No 4: Reservatórios de água na Baixada Fluminense.

Município

Belford Roxo

Duque de Caxias

Mesquita

Nova Iguaçu

Nilópolis Queimados

São João de Meriti

Reservatórios de água Baixada Fluminense População Capacidade Nome do reservatório atendida (m³) (habitantes) Res. da Graça 2.400 24.772

Situação em operação

Res. de Belford Roxo

10.000

132.213

desativado

Retiro Feliz

5.000

49.545

desativado

Jardim meu Retiro

1.200

37.529

desativado

Lote XV

10.000

124.266

desativado

Imbariê

2.500

116.852

em operação

Parque Fluminense

10.000

85.149

em operação

Olavo Bilac

10.000

122.048

desativado

Centenário

10.000

59.113

em operação

25 de Agosto

19.000

151.920

em operação

JK Velho

2.500

59.519

em operação

JK Novo

7.500

118.102

desativado

Posse

1.000

118.743

em operação

Boa Esperança (Miguel Couto)

7.500

104.515

em operação

Jardim Esplanada

7.500

95.817

desativado

Brasília

5.190

51.725

em operação

Jardim Alvorada

5.190

146.691

em operação

Austin

5.000

46.306

em operação

Zona Alta

2.500

30.382

em operação

Cabral (Zona Baixa)

13.000

127.089

em operação

Res. de Queimados

em operação

Res. CODIN

em operação

Coelho da Rocha

10.000

89.179

em operação

Éden

7.500

72.512

em operação

São Mateus

13

2X2.500

73.156

desativado

Vilar dos Teles

2.500

27.136

desativado

Parque Araruama

2.500

50.552

desativado

Jardim Mereti

2.500

70.445

em operação

13

Segundo apresentação da CONEN (2013), o reservatório apresentava-se em recuperação.

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Seja pela reduzida quantidade de água aduzida para a região (que não é integralmente utilizada para consumo domiciliar, havendo também uso industrial), seja

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Fonte: Elaborado a partir de informações de CONEN (2013).

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pelo grande número de reservatórios desativados ou ausência de rede de distribuição, o fato é que grande número de pessoas na Baixada Fluminense tem seu direito à água negado. Expressivo contingente de moradores da periferia metropolitana que não tem acesso à água recorre a soluções alternativas, sejam elas by-pass nas redes, poços rasos ou profundos, uso de água de nascentes ou minas, compra de caminhões-pipa. Algumas destas “soluções” podem, entretanto, expor os usuários ao risco de contaminação. Ainda que não seja possível contabilizar as ligações irregulares na rede de abastecimento da CEDAE, os dados referentes às perdas indicam a gravidade do problema. Em 2009, dados do SNIS revelavam perdas da ordem de 50% nos municípios da Região Metropolitana. Ressalta-se que a diminuição das perdas na distribuição da CEDAE de 2009 para 2010 decorreu de alteração na metodologia de avaliação dos volumes e não de ações concretas de redução das perdas. Tal situação fez com que o índice de perdas na distribuição fosse reduzido de 51,1% em 2009 para 31,2% em 2010 (Acselrad, 2013: 86). Vale destacar que as perdas estão relacionadas não somente às ligações clandestinas na rede, mas também ao baixo índice de hidrometração da companhia. Existe na RMRJ um número expressivo de ligações sem hidrometração, medidas por consumo presumido, o que, por um lado, pode gerar um consumo perdulário dos usuários, e, por outro, pode levar a atribuição de volumes consumidos acima da realidade. Para ilustrar as diferentes alternativas encontradas pela população para satisfazer suas necessidades de água e os conflitos existentes pelo recurso, apresentaremos resumidamente os casos de Queimados e Duque de Caxias, cujos estudos ainda encontram-se em curso, mas já é possível fazer algumas considerações. Queimados14 Segundo o SNIS (ver quadro 2), Queimados apresenta um índice de 83% de cobertura pela rede de abastecimento. Entretanto, Marcello Motta, Diretor de Distribuição e Comercialização Metropolitana da CEDAE, em entrevista concedida à pesquisa, reconhece os graves problemas existentes, decorrentes da insuficiência de reservação e da precariedade da rede de distribuição dos bairros (Motta, 2013). Observando-se o Quadro No 4, é possível constatar a existência de dois reservatórios em operação: Queimados e CODIN. Além destes, a CEDAE prevê a construção, no médio prazo, de quatro reservatórios, com os quais pretende universalizar o abastecimento (ibid). Segundo Motta (2013), após a conclusão de novo trecho da Nova Adutora da Baixada Fluminense e da ligação da subadutora Austin-Queimados, o abastecimento passou a ocorrer prioritariamente pelo Sistema Guandu, apesar de haver a possibilidade O uso da água no município de Queimados vem sendo estudado no âmbito do Projeto Desafio – democratização da governança dos serviços de água e esgoto por meio de inovações sociotécnicas, financiado pela Comissão Europeia, desde meados de 2013.

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de abastecimento pela primeira linha de São Pedro (Sistema Acari). O Sistema Guandu liga-se ao reservatório de Queimados, o qual atende a área central do município. Já o reservatório da CODIN é abastecido pelas águas de Ribeirão das Lajes, tendo seu uso voltado prioritariamente para o Distrito Industrial de Queimados (Motta, 2013), com pequenas derivações para bairros próximos. O trabalho de campo possibilitou verificar que a população busca formas de abastecimento alternativas à rede formal, como poços rasos ou profundos e minas d’água (nascentes parcialmente canalizadas com bicas em espaços públicos – Figuras No 2 e 3). É digno de nota que não apenas os moradores que não possuem rede nos domicílios ou onde não chega água busquem estas fontes, que são igualmente utilizadas por moradores descontentes com a qualidade da água da CEDAE (Maiello et al., 2014). Figura No 2: Mina em ponto de ônibus no bairro de Jardim da Fonte.

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Fonte: Arquivo das autoras

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Figura No 3: Mina no Bairro Vila do Rosário.

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Apesar da aparente preferência dos moradores pela água das minas, a qualidade destas fontes, assim como dos poços, estando a margem do sistema formal, não é analisada com frequência, expondo os usuários ao risco de contaminação por doenças de veiculação hídrica. Este risco é agravado pelo fato de inexistir rede de esgoto no município e muitos dos moradores terem informado que fazem uso de poços rasos, cavado por eles próprios, acessando lençóis de pequena profundidade e, portanto, com maior probabilidade de contaminação (ibid.). Os relatórios de análise de águas de poços feitas por solicitação dos moradores, fornecidos por funcionário da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) cedido ao município, reforçam esta afirmação, uma vez que grande parte dos poços encontrava-se com água imprópria para consumo humano na ocasião da análise: 61% dos poços apresentaram água imprópria para consumo devido à presença de coliformes fecais; 14,5% dos poços tiveram a amostra descartada devido à problemas nos procedimentos de coleta; 24,5% dos poços analisados tiveram a água considerada apropriada para consumo.

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Fonte: Arquivo das autoras

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Além da questão da vulnerabilidade da população que não tem acesso à água, fica patente o conflito de interesses entre o seu uso pelo Distrito Industrial e os moradores que são privados de tal direito. Cabe ressaltar, ainda, que a água que abastece o reservatório da CODIN, proveniente de Ribeirão das Lages, é de qualidade extremamente alta, como apontado anteriormente, necessitando apenas de cloração para consumo humano. Duque de Caxias – Distrito de Campos Elíseos15 Duque de Caxias possui, segundo os dados do SNIS, uma cobertura de 85,4% de rede de água. O município divide-se administrativamente em quatro distritos, sendo Campos Elíseos o 2º Distrito de Duque de Caxias. Nele, está localizada a Refinaria de Duque de Caxias (REDUC), uma das principais refinarias de petróleo da Petrobras, instalada no início da década de 1960. Desde então, inúmeras indústrias se instalaram em Campos Elíseos, formando o polo petroquímico de Duque de Caxias. A existência destas inúmeras indústrias fez com que Duque de Caxias passasse a ter a segunda maior arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do estado, ficando atrás apenas da capital. Em Campos Elíseos, contrastando com a opulência do polo petroquímico, há diversas comunidades que vivem sem acesso regular à água. Segundo uma liderança local, até a década de 1970 o abastecimento em grande parte da região que constitui o 2º distrito de Duque de Caxias ocorria através de poços rasos, cavados e manilhados pelos próprios moradores. A partir da década de 1970 a CEDAE iniciou a instalação de rede de abastecimento no local. Entretanto, a falta de planejamento da ocupação e a ausência de investimentos ao longo das décadas de 1980 e 1990 fizeram, por um lado, com que a água se tornasse insuficiente onde há rede e, por outro, com que inúmeras áreas de ocupação mais recente permanecessem sem rede de abastecimento. A água, escassa para a população de Duque de Caxias, é de extrema importância para a refinaria de petróleo, que demanda grande quantidade de água em seus processos: cada 1m³ de petróleo processado consome 1,24m³ de água (Lemes, 2007). Para atender esta demanda, a Petrobras capta água da barragem de Saracuruna – localizada na REBIO Tinguá – e do rio Guandu e a conduz até o polo petroquímico através de adutoras que cortam diversos municípios da Baixada Fluminense (Figura No 4). Atualmente, em Campos Elíseos é comum ver ligações feitas pelos usuários na adutora que leva água para a REDUC, o que foi constatado em visita de campo (Figura No 5).

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O estudo dos conflitos relativos ao uso da água em Duque de Caxias está em fase inicial e faz parte de outro projeto desenvolvido pela equipe do LEAU. Os dados aqui apresentados foram levantados na ocasião da visita da Relatoria da ONU pelo Direito à Água e ao Saneamento. Na ocasião, foi elaborado o documento “Relatório síntese da visita a Campos Elíseos, Duque de Caxias – RJ” (Quintslr, Braga e Albuquerque, 2013) a ser entregue para a Relatora. O documento não foi publicado.

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Figura No 4: Tubulação (em verde) leva água para uso industrial na REDUC.

Fonte: Arquivo das autoras

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Figura No 5: Moradores sem acesso à água fazem ligações informais na adutora que leva água para uso industrial.

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Segundo os Estudos Regionais elaborados para embasar os planos municipais de saneamento (CONEN, 2013), a CEDAE prevê a construção de seis reservatórios em Duque de Caxias até 2033, sendo que a previsão de construção do Reservatório de Campos Elíseos consta no estudo como meta de curto prazo (até 2018).

VI. Considerações finais. Rigidez dos sistemas, desigualdades no acesso à água, informalidade e conflitos ambientais Como é possível perceber pela descrição anterior, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, foi feita a opção por grandes sistemas intermunicipais de abastecimento geridos pela companhia estadual e estes permanecem como regra até o presente – com exceção de Niterói, cujos serviços foram delgados à inciativa privada, e Guapimirim, Magé e Tanguá, que possuem sistemas isolados (ANA, 2014). Todavia, tais macro sistemas intermunicipais mostram-se hoje incapazes de atender parte considerável da população dos municípios periféricos, nos quais o acesso à água é complementado de diversas formas alternativas ao sistema público de abastecimento. Diversos autores apontam a forte resiliência do setor de saneamento a mudanças como herança do modelo centralizador do PLANASA, implementado pelo governo militar na década de 1970 (Britto et al, 2012; Rezende e Heller, 2008). O plano promoveu a consolidação das Companhias Estaduais de Saneamento Básico (as CESBs), valendose da fragilidade dos poderes locais. Os municípios, de acordo com a política, só poderiam acessar os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) se delegassem a gestão dos serviços às CESBs (ibid). Seu fortalecimento foi acompanhado do fortalecimento de diversos órgãos do Poder Executivo, o que Ianni (1979) denominou como tecnoestrutura. Segundo o autor, o fortalecimento da tecnoestrutura estatal é fundamental para a compreensão do período militar, uma vez que surge uma burocracia que cria suas estruturas e toma suas decisões com pretensa independência em relação à política, segundo a concepção de que a atuação do Estado na economia deveria estar baseada em estudos técnicos elaborados por profissionais competentes16. Segundo Britto et al. (2012, p 1):

Ianni reconhece este processo já no período do Estado Novo (1937-1945), entretanto, destaca seu fortalecimento durante o Regime Militar.

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O setor de saneamento no Brasil [...] tem sido território de abordagens predominantemente tecnocêntricas, ditadas principalmente a partir da visão da engenharia sanitária. Nesse sentido, preocupações com as etapas de projeto e construção e operação das unidades têm tradicionalmente dominado o enfoque no setor, em detrimento de uma visão mais globalizante, que busque enquadrar a abordagem técnica em uma moldura política.

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De acordo com Britto (2012), os municípios brasileiros têm hoje dificuldades em se adaptar ao novo marco legal e, em especial, à atividade de planejamento do setor (atividade indelegável segundo a legislação). Nesse ponto, a autora ressalta que a própria elaboração dos planos municipais de saneamento é dificultada, uma vez que as informações necessárias ao diagnóstico dos serviços são detidas pelas CESBs, as quais “durante mais de três décadas [...] se caracterizaram pela opacidade, centralismo e autoritarismo” (ibid.:11), atuando sem diálogo com os municípios. Ainda que as explicações referentes à rigidez dos sistemas existentes e embasadas em teorias vinculadas a “path dependence” (Cordeiro, Britto e Pereira, 2011) sejam úteis para a compreensão do setor de saneamento e da dificuldade das CESBs em atenderem uma população crescente, é necessário reconhecer que diversas mudanças ocorreram no setor. São exemplos destas mudanças as privatizações ocorridas em alguns municípios do Estado, como ocorreu no caso de Niterói. Neste município, o sistema integrado Imunana-Laranjal atende tanto à empresa pública quanto à privada, demonstrando certa flexibilidade. Assim, consideramos que devem ser agregadas às análises, não apenas questões relativas à trajetória do setor mas, igualmente, referentes (i) às desigualdades espaciais no atendimento, (ii) aos diversos interesses envolvidos na gestão da água – incluindo o setor industrial –, (iii) às relações de poder entre os setores com interesses divergentes e (iv) aos inúmeros conflitos pelo acesso à água na metrópole.

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Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informações, Déficit habitacional municipal no Brasil. / Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informações – Belo Horizonte,2013.

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Cordeiro, Berenice, Britto, Ana Lucia. N. P., Pereira, T. D. A política nacional de saneamento: notas sobre avanços e impasses nos governos Lula (2003-2010) In: Anais do XIV Encontro Nacional da ANPUR, Rio de Janeiro: ANPUR, 2011.

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Heller, Léo. Saneamento básico: a dívida social crônica e persistente. In: Fonseca, Ana; Fagnani, Eduardo. (Org.). Políticas sociais, desenvolvimento e cidadania. 1ed.São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2013, v. 2, p. 369-397. Heller, Léo; Castro, José Esteban. Política pública de saneamento: apontamentos teóricoconceituais. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, p. 284-295, 2007. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sinopse do Censo Demográfico de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. LEMES, Disponibilidade Hídrica para uma refinaria de petróleo sob a ótica da gestão de recursos hídricos. Estudo de caso refinaria REDUC Duque de Caxias. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós graduação em Engenharia Civil, COPPE, UFRJ, 2007. Maiello, Antonella; Britto, Ana Lucia Nogueira De Paiva; Quintslr, Suyá; Giliberti, Thiago Bersot Gonçalves; ARAUJO da SILVA, Mariana Aló Rodrigues. Bridging formal and informal systems in water and sanitation governance: A socio-technical perspective. ISOCARP, 2014. Motta, Marcello Barcelos. Marcello Barcelos Motta: entrevista concedida ao projeto Desafio[dezembro/2013]. Entrevistadora: Suyá Quintslr. Rezende, S.C. e Heller, L. O saneamento no Brasil: políticas e interfaces. 2 ed. Belo Horizonte, 2008. Santa Ritta, J. A água do Rio - do Carioca ao Guandu. A história do abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Synergia: Light: Centro Cultural da SEAERJ, 2009. SEA/INEA. Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Rio de Janeiro. R7 Relatório Diagnóstico. 2013. 452 p.

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Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2011. Brasília: Ministério das Cidades, 2013.

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