Desvendando o Jesus de carne e osso, Correio Popular, Campinas

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Desvendando o Jesus de carne e osso Ditos e feitos: professores da Unicamp e da UFRJ lançam livro que busca introduzir leigos à história de vida do homem que inspirou o cristianismo Karina Fusco Especial para a Metrópole [email protected]

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onhecer os feitos de Jesus enquanto vivo é algo que desperta interesse em muitas pessoas, independentemente de religião ou credo. Por onde Ele passou e o que, realmente, teria dito e vivido? Questionamentos como esses impulsionaram os historiadores Pedro Paulo Funari, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e André Leonardo Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pesquisar várias fontes sobre a vida desse personagem. Buscaram os manuscritos do Novo Testamento e do Mar Morto, os escritos judaicos e os Evangelhos apócrifos – estes últimos livros falam da vida de Jesus, mas não são considerados legítimos pela maioria das igrejas cristãs. O resultado é o livro Jesus Histórico – Uma 6 metrópole campinas 8/4/12

Brevíssima Introdução, lançado pela Editora Kline. O objetivo da publicação, segundo Funari, é mostrar o processo de discussão sobre os ditos e os feitos de Jesus como um homem de carne e osso que inspirou o cristianismo. Em conversa com a Metrópole, Funari afirma que o livro não é teológico nem combativo, mas uma proposta de introduzir os leigos à história de vida de um grande personagem mundial. “O Brasil é um país particularmente religioso, não só cristão, por isso esse tema desperta interesse”, acredita o historiador. Metrópole – Como e quando surgiu a ideia de escrever Jesus Histórico? Pedro Paulo Funari – Existem muitas pesquisas e livros sobre o personagem histórico Jesus de Nazaré, com grandes traduções no Brasil, mas faltava uma obra introdutória. Nosso objetivo era preencher essa lacuna. Após sua leitura, os interessados podem se

aprofundar em títulos mais densos sobre o tema. A ideia surgiu em 2010, o texto foi escrito ano passado e agora estamos lançando o livro. Como se deu a parceria com o professor André Leonardo Chevitarese? O Chevitarese também é professor do programa de pós-graduação de história da Unicamp, além de meu amigo. É um grande estudioso do tema, e tanto eu quanto ele temos larga vivência em produzir livros em coautoria. Então, unimos nossas experiências e escrevemos Jesus Histórico a quatro mãos. Como foi o processo? Dividimos as tarefas. O livro tem duas grandes partes: na primeira, apresentamos os fatos da vida de Jesus e, na segunda, mostramos o que os estudiosos falaram sobre o tema nas últimas décadas. Eu escrevi a primeira parte e o Chevitarese, a segunda. Também fiquei responsável por dar uniformidade ao conteúdo e arredondar o estilo do texto. O que o livro mostra? Que existem duas grandes opiniões sobre Jesus. A primeira é muito relacionada à fé de que Ele foi crucificado e ressuscitou e o enfatiza como Jesus Cristo, abordando a história após sua morte. A segunda percepção é que Jesus de Nazaré não existiu, com teorias distintas. De forma geral, há crentes e descrentes sobre a história dele. Assim, o principal objetivo do livro é mostrar que Ele existiu e, para isso, relatamos as experiências pelas quais passou e o que falou em vida. Esclarecemos ao leitor o que é possível saber sobre a vida dele por meio dos registros históricos. Cite alguns exemplos, por favor. Jesus foi seguidor de João Batista e esteve em conflito com a religião judaica. Foi julgado pelos judeus e Pôncio Pilatos mandou crucificá-lo. Também apresentamos frases que são consideradas ditas por Jesus pela forma e conteúdo. São frases curtas e com metáforas agrícolas relativas à vida no campo do seu tempo, tal como “bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus”. Abordamos ainda o que foi distorcido ou inventado sobre a vida de Jesus. E quais são as principais descobertas dos estudiosos modernos sobre Jesus, en-

RODRIGO ZANOTTO/ESPECIAL PARA AAN

milagres, mas eram pessoas do mal. Existem relatos de curas de pessoas num período em que a medicina não existia. Na verdade, a questão central é que os milagres faziam parte da cultura daquela época. Um fato interessante sobre isso é que o estudioso norte-americano Richard Horsley disse, quando esteve no Brasil, que se sentia tão bem em nosso País porque aqui vivemos num mundo encantado de milagres, porque acreditamos que eles acontecem cotidianamente. Horsley falou que aqui se sentia mais próximo da época de Jesus.



(...) Deveremos ter cada vez mais estudos sobre o aspecto cultural da vida desse rico personagem, enfatizando a religiosidade apocalíptica, não no sentido de que o mundo vai acabar, mas de que Jesus acreditava que Deus está sempre pronto para intervir”

quanto personagem vivo? Que o apóstolo Marcos foi quem mais falou coisas concretas sobre a vida de Jesus, como “o sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado”, e que os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João são distorcidos. Os textos são fontes históricas, mas foram escritos cerca de seis décadas depois da morte de Jesus por pessoas que não o conheceram e que falavam outra língua – Jesus falava aramaico e os evangelistas,

grego. Descobriram também que todos eles viveram a experiência da fé e do Cristo, não de Jesus, e que passam a perspectiva de que tudo vai acabar. Em relação aos milagres, a obra mostra que eles não estão atrelados apenas à existência de Jesus. É isso mesmo? Sim, judeus, romanos e gregos acreditavam em milagres não só realizados por Jesus. A Bíblia fala de magos, que faziam

Quais os outros pontos relacionados à vida de Jesus que mais chamam a atenção no livro? Que Ele era um personagem com um lado social muito forte. Era pobre e analfabeto, como seus seguidores, e falava sobre problemas sociais, posicionando-se a favor dos mais carentes. Jesus era coletivista e religioso, dizia que “todos são filhos de Deus e são iguais perante Ele”. Séculos antes, o profeta Isaías já tinha essa linha de raciocínio, combatendo os que têm recursos e poder. Existe diferença entre o Jesus histórico e a religião cristã? Sim, são duas coisas distintas. Jesus era judeu e nunca falou em fundar igreja ou religião. As igrejas foram fundadas séculos depois de Cristo. O cristianismo, ao se transformar em religião de Estado, tornase hierárquico. A instituição do catolicismo foi feita por Constantino, no século IV. Daí, as festas pagãs se transformaram em um calendário católico e Jesus Cristo foi incorporado, em grande parte, ao Deus Sol. Nesse sentido, a religião é contraditória, porque o cristianismo era contra os judeus, mesmo tendo sido Jesus de Nazaré um deles. Como o senhor avalia o futuro dos estudos sobre a vida de Jesus? A tendência é enfatizar o caráter cultural e religioso de Jesus vivo, afastando questões conflitantes como a transformação da água em vinho e sua ressurreição, que podem indicar que as pessoas eram iludidas coletivamente. Ao invés disso, deveremos ter cada vez mais estudos sobre o aspecto cultural da vida desse rico personagem, enfatizando a religiosidade apocalíptica, não no sentido de que o mundo vai acabar, mas de que Jesus acreditava que Deus está sempre pronto para intervir. „ campinas 8/4/12

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