Dimensões da Interatividade na Cultura Digital (Dissertação de Mestrado)

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Descrição do Produto

Dimensões da Interatividade na Cultura Digital Hermano José Marques Cintra Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica sob a orientação Prof. Dr. Rogério da Costa

São Paulo 2003

Folha de Aprovação da Banca Examinadora

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O tema desta dissertação obviamente incentiva a interação com seus leitores. Para este fim, informo meus localizadores digitais e coloco-me à disposição para a discussão dos temas abordados neste trabalho: Email [email protected] ICQ 37939314

(favor referenciar a dissertação no pedido de autorização)

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocópia ou eletrônicos.

São Paulo, 30 de março de 2003

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Para Satomi, minha companheira, pela paciência, pelo apoio e, em especial, pelo carinho tão essenciais durante a redação deste trabalho.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, cabe expressar meu profundo apreço à compreensão e confiança de meu orientador, Prof. Rogério da Costa, sem as quais teria sido impossível retomar o percurso do mestrado e chegar ao seu final mediante a produção desta dissertação. Suas indicações bibliográficas e as sugestões das trilhas e rotas foram extremamente valiosas e precisas. Em segundo lugar, tenho que agradecer minha mãe, Prof. Anna Maria Marques Cintra, que pacientemente fez a revisão de várias versões deste texto, expurgando erros de redação e de lógica, além de diversas preciosas dicas ao longo do caminho. Em terceiro lugar cabe mencionar o valioso apoio de meu grande amigo Francisco Yonamine, que do outro lado do ICQ estava sempre pronto a trocar uma idéia, confirmar uma dúvida, ou localizar algo na rede, coisa que faz como ninguém. Vários colegas de trabalho, que desde 1996 acompanharam minhas perambulações profissionais pela Internet, também são titulares de uma dívida de gratidão. Várias das experiências que informam esta dissertação são fruto de debates, fracassos e sucessos vividos em equipe.

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Resumo

O objetivo desta dissertação é discutir a interatividade que se estabelece nos meios digitais. Ela propõe um entendimento específico do fenômeno diante da incipiente cultura digital. A interatividade é um aspecto central da potência de transformação que as mídias digitais comportam. Seu estudo é fundamental para a compreensão da revolução digital cujas etapas iniciais atualmente presenciamos. Este trabalho inicia-se com a descrição de três conceitos fundamentais: interatividade, o fenômeno estudado; cultura digital, o território dentro do qual o fenômeno é estudado; e interface, o principal operador do fenômeno neste território. Em seguida, ele propõe um método particular de análise da interatividade na cultura digital. Sua principal hipótese é a existência de quatro dimensões identificáveis, a partir das quais a interatividade pode ser praticada e percebida. Estas dimensões dão conta das variações nas formas pelas quais os agentes da comunicação atuam, o sentido é produzido, o tempo é performado e a espacialidade é construída. Em cada uma destas dimensões, uma série de vetores é identificada e discutida através dos exemplos de várias tecnologias que suportam a interatividade no meio digital, como email, aplicativos de mensagem instantânea e conferências eletrônicas. Na terceira parte desta dissertação, os mecanismos de interatividade são analisados em face da perspectiva das dimensões propostas e seus vetores, para a qual um quadro resumo é construído. Eles são divididos em três grupos: os viabilizados de espaços de publicação, os potencializadores de diálogos e os formadores de comunidade. Várias tecnologias são apresentadas dentro destes grupos. Elas são discutidas em suas funcionalidades e principais conseqüências. Uma manifestação específica de um mecanismo de interatividade é escolhida em cada grupo, com o objetivo de demonstrar a viabilidade da análise que as dimensões e seus vetores possibilitam. A presente dissertação é apresentada na expectativa de persuadir seus leitores da importância da interatividade. O modelo de análise construído pela identificação das dimensões da interatividade pretende informar o entendimento, a aplicação e o desenvolvimento de ferramentas de interatividade e seus ambientes de interação.

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Abstract

The goal of this dissertation is to discuss interactivity in the digital realm. It proposes a specific understanding of this phenomenon in the midst of a nascent digital culture. Interactivity is a central aspect to the transformational power that digital media entails. Its study is fundamental to the comprehension of the digital revolution, of which we live the early stages. This paper begins with the outline of three fundamental concepts: interactivity, the studied phenomenon; digital culture, the territory at which the phenomenon is studied; and interface, the main operator of the phenomenon in the territory. Following, it proposes a particular method for the analysis of interactivity in the digital culture. The main hypothesis is that there are four identifiable dimensions, by which interactivity can be performed and perceived. They account for the variations in aspects of how agents of communications act, meaning is produced, time performed and spatiality is built. Within each of these proposed dimensions, a series of vectors are identified and discussed through examples of various technologies, which supports interactivity in the digital medium, such as email, instant messaging and electronic conferences. In the third part of the dissertation, the mechanisms of interactivity are analyzed in the perspective of the proposed dimensions and its vectors, for which a summarizing table is constructed. They are divided in three groups: enablers of publishing spaces, potentializers of dialogues and builders of virtual communities. Various technologies are presented within these groups. They are discussed for their functionalities and major consequences. A specific manifestation of an interactivity mechanism is chosen in each group for the purpose of demonstrating the viability of the analysis that dimensions and its vector entails. The present dissertation is presented in the expectation of persuading readers of the importance of interactivity. The analysis model constructed by the identification of the dimensions of interactivity should inform the understanding, the application and the development of tools of interactivity tools and environments.

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Sumário Resumo __________________________________________________6 Abstract __________________________________________________7 Sumário __________________________________________________8 Introdução_______________________________________________10 Capítulo I Conceitos _______________________________________18 Cultura Digital _____________________________________________________ 21 As fronteiras do discurso digital ________________________________________________ 21 Experimentações premonitórias do discurso pós-moderno ___________________________ 22 Algumas implicações sociais da cultura digital _____________________________________ 24 O pensamento na Cultura digital _______________________________________________ 26 A gênese da cultura digital ____________________________________________________ 28 Operações do digital: a Digitalização ____________________________________________ 30 Operações do digital: a Conectividade ___________________________________________ 33 Operações do digital: a Virtualização ____________________________________________ 35 A complexidade e o fim das utopias finalistas _____________________________________ 36 Interatividade _____________________________________________________ 39 Interatividade e produção de significado _________________________________________ 39 A mídia digital e a capacidade de diálogo_________________________________________ 43 O potencial interativo da leitura ________________________________________________ 45 Graus de interatividade _______________________________________________________ 49 Interface _________________________________________________________ 53 A natureza transformadora da interface digital ____________________________________ 53 A interface enquanto metáfora _________________________________________________ 57 Elementos da interface _______________________________________________________ 59

Capítulo II Dimensões ______________________________________63 Dimensão do Agente ________________________________________________ 67 Fluxo: Um-um / Um-muitos / Muitos-muitos ______________________________________ 68 Natureza: Homem-Homem / Homem-Máquina ____________________________________ 69 Identidade: Conhecida / Desconhecida __________________________________________ 71 Dimensão do Sentido________________________________________________ 73 Mecanismo: Seleção / Diálogo _________________________________________________ 74 Método: Dinâmico / Procedimental / Pré-determinado ______________________________ 76 Polaridade: Escritor / Leitor / Neutra ____________________________________________ 77

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Dimensão do Tempo ________________________________________________ 80 Ritmo: Síncrono / Assíncrono __________________________________________________ 81 Retenção: Permanente / Fugaz_________________________________________________ 82 Simultaneidade: Favoráveis / Desfavoráveis ______________________________________ 83 Dimensão do Espaço ________________________________________________ 86 Metáfora: Simples / Complexa _________________________________________________ 87 Acesso: Público / Privado _____________________________________________________ 88 Localização: Imediata / Possível ________________________________________________ 89

Capítulo III Mecanismos ____________________________________92 Os viabilizadores de espaços de publicação ______________________________ 99 A cada um, um pedaço de chão na WWW ________________________________________ 99 Para cada leitor um site diferente______________________________________________ 101 Contando visitas e muito mais ________________________________________________ 102 As possibilidades tecnológicas_________________________________________________ 104 Análise demonstrativa: Projeto Tofte ___________________________________________ 108 Os potencializadores de diálogo ______________________________________ 112 Email: o verdadeiro “killer application” __________________________________________ 112 Papo cabeça e papo furado___________________________________________________ 114 Contatos imediatos _________________________________________________________ 119 Conversas em txt___________________________________________________________ 122 Análise demonstrativa: ICQ___________________________________________________ 125 Os formadores de comunidade _______________________________________ 128 Os primeiros passos ________________________________________________________ 128 As bases da vida comunitária no ciberespaço ____________________________________ 130 As tecnologias de suporte ____________________________________________________ 133 A criação de mundos complexos_______________________________________________ 139 Análise demonstrativa: Brainstorms ____________________________________________ 142

Conclusão ______________________________________________147 Bibliografia _____________________________________________151

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Introdução

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Introdução

A decisão de escrever sobre a interavitidade no âmbito da cultura digital faz parte de meu percurso pessoal de encantamento com revolução digital. Embora possa recorrê-lo aos meus primeiros passos com computadores no início da década 80, é a descoberta dos bulletin board systems (BBS), há dez anos, que inicia este encantamento com as possibilidades abertas pela Internet. Na verdade, as BBS ainda não podiam prover acesso à rede das redes no início dos anos 90. Elas nos conectavam a outras redes como a Bitnet, a Fidonet e a Usenet, mas já permitiam uma experiência premonitória da potência do email, dos newsgroups, e do acesso a documentos digitais arquivados a distância. A experiência com as BBS tinha sabor de antepasto. Antes da regulamentação do provimento de acesso comercial em 1995, as únicas alternativas de conexão à Internet no Brasil eram as universidades e a BBS Alternex do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômica - Ibase, ONG fundada pelo sociólogo Betinho, que havia viabilizado acesso à Internet, em função de suas atividades de apoio à conferência ECO-92, no Rio de Janeiro [Ercilia 2000]. No final de 1994, afiliei-me ao Ibase, instalei o browser da Netscape e realizei minhas primeiras visitas à World Wide Web (WWW). Em uma destas incursões, encontrei referências ao recém lançado livro de Nicholas Negroponte, diretor do importante instituto de pesquisa Media Lab do Massachusetts Institute of Technology, Being Digital [1995]. A leitura deste livro competou a operação de encantamento. A otimista visão do impacto que a revolução digital teria em nossas vidas cotidianas, composta por Negroponte, era fascinante. Continua sê-lo, mesmo após quase oito anos, durante os quais as promessas da vida digital foram extensamente propagadas pela mídia, largamente abusadas por empreendores ansiosos em enriquecer na corrida ao ouro virtual do final dos anos 90 e duramente contestadas em face do debacle das bolsas em 2000. O livro de Negroponte dirigiu-me a leitura da revista Wired, o que se tornou um hábito que mantenho desde setembro de 1995, e esta levou-me até Howard

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Introdução

Rheingold e seu livro The Virtual Community [1994]. Este outro relato das possibilidades que o ciberespaço engendrava, aliado a vários e excelentes artigos da Wired, comuns nos primeiros anos da revista, raros atualmente, alimentaram o encantamento e começaram a despertar questionamentos pessoais que acompanhavam uma progressiva compreensão das conseqüências da revolução digital. Em 1996, a curiosidade intelectual encontrou a prática professional. Desde 1991, estava envolvido com televisão por assinatura e, naquele momento, trabalhava para a holding das Organizações Globo que gerenciava seus negócios no setor. Fui convidado a gerenciar o projeto que deveria desenvolver o produto de acesso à Internet em banda larga, a ser lançado pelas operações de televisão a cabo da empresa. Durante dois anos, tive a oportunidade de aliar pesquisa e prática na investigação das possibilidades da revolução digital. A atividade de desenvolvimento de produto permitia que muito do meu tempo fosse dedicado a leituras de relatórios e newletters que privadamente não teria condição de pagar, assim como diversas viagens, congressos e contato com consultores internacionais. No lado da prática, coordenei todas as atividades que levaram ao lançamento do produto Virtua em operação piloto na cidade de Sorocaba, no início de 1998 (desliguei-me da empresa dias antes do início das atividades), o que incluiu testes da tecnologia de cable modem e desenvolvimento de sites protótipos que exploravam as possibilidades da banda larga, entre outras atividades. Foi neste período que dedici engajar-me ao mestrado do Programa de Comunicação e Semiótica, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Durante os anos de 1997 e 1998, tive a oportunidade de levar meus questionamentos pessoais ao encontro do pensamento acadêmico em disciplinas, dentre os quais se destacam: dois cursos ministrados por meu orientador, professor Rogério da Costa, um que colocava em discussão a inteligência coletiva e outro focado na epistemologia do tempo; outros dois com

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Introdução

o professor Philadelfo Menezes, o primeiro que investigou a existência de um novo sentimento religioso no bojo da globalização e, um segundo, que discutiu o texto e a cultura digital; e um outro conduzido pelo professor Sérgio Bairon que convidou à atuação prática - teórica na construção de roteiros em hipermídia. Já na primeira monografia escrita para o programa de mestrado, a opção pelo estudo da interatividade foi configurada. Este trabalho apresentava a proposição das dimensões de interatividade e o incentivo do saudoso professor Philadelfo Menezes levaram-me a transformar esta proposição na base do meu projeto de pesquisa. Em 1999, trabalhando sob a orientação de Rogério da Costa, iniciei o empreendimento que deveria produzir esta dissertação até o final do mesmo ano. Esta trajetória foi interrompida por um evento de minha vida profissional. Em outubro de 1999, fui convidado pelo presidente da empresa em que trabalhava a montar um novo negócio, aproveitando meus conhecimentos sobre a Internet. Também queríamos embarcar na corrida do ouro virtual. Decidimos criar um serviço que deveria oferecer a pequenas e médias empresas as vantagens de eficiência que a Internet viabilizava para as grandes. A missão era criar uma comunidade de empresas, a partir de ferramentas que o mercado apelidou de B2B (business to business). Para tornar uma longa e tortuosa história curta, durante três anos mergulhei de corpo e alma neste projeto que infelizmente ainda não logrou estabelecer uma comunidade pulsante de empresas, apesar de ter atraído milhares delas e haver dado margem ao desenvolvimento de diversos aplicativos. Neste período, durante o qual afastei-me do programa de mestrado, os desafios profissionais levaram-me à discussão e à prática com vários dos mecanismos de interatividade que analiso nesta dissertação. Chegamos tarde à corrida do ouro virtual e com o estouro da bolha especulativa em abril 2000, as dificuldades que se abateram sobre as empresas do mercado de serviços de

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Introdução

Internet, proporcionaram uma vida dura e um rico aprendizado. As gloriosas promessas, que haviam sido extensamente exploradas por empreendedores ávidos em levantar fortunas na bolsa e reverberadas por jornalístas facilmente encantáveis por uma boa manchete, deram lugar ao ceticismo. Revolução digital e nova economia passaram a ser tratadas como parte de um embuste criado para inflar, absurdamente, o valor das empresas pontocom. Certamente, houve muito exagero e várias certezas que já tive me abandonaram, porém continuo absolutamente encantado com as possibilidades do ciberespaço. Não tenho a menor dúvida de que vivemos os primeiros anos de uma profunda revolução. Como diz Lúcia Santaella:

“Propiciada, entre outros fatores, pelas mídias digitais, a revolução tecnológica que estamos atravessando é psíquica, cultural e socialmente muito mais importante do que foi a invenção do alfabeto, do que foi também a revolução provocada pela invenção de Gutemberg. É ainda mais profunda do que foi a explosão da cultura de massas, com os seus meios técnicos mecânico-eletrônicos de produção e transmissão de mensagens. Muitos especialistas em cibercultura não têm cessado de alertar para o fato de que a revolução teleinformática, também chamada de revolução digital é tão vasta a ponto de atingir proporções antropológicas importantes, chegando a compará-la com a revolução neolítica.” [2002:389] Sob esta perspectiva, era mesmo estranho que as transformações provocadas pelo digital enfrentassem tão pequena resistência, em especial, quando comparadas às críticas e ao ceticismo ocasionados pela invenção da imprensa. Seria mais normal que uma revolução destas proporções criasse diversas rupturas nos meios de produção, levando a processos de destruição de riqueza e não a uma vertiginosa valorização dos ativos motivadas pelo que Alan Greenspan,

presidente

do

Federal

Reserve

americano,

definiu

como

“exuberância irracional”. As promessas da revolução digital são válidas, porém

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Introdução

elas vão se instalar de maneira muito mais problemática do que se supôs durante a corrida do ouro e, como todas as revoluções que envolvem grandes transformações sócio-culturais, vão tomar o período de gerações para que todo seu potencial se realize. Desde de o início, tive bastante claro que no bojo da multifacetada revolução digital o que me interessava estudar era a Internet como fenômeno de comunicação. O que mais me encantava eram as possibilidades interativas do meio, sua capacidade de colocar em diálogo múltiplos agentes afastados entre si no contínuo do tempo-espaço. Nos cursos junto ao programa de Comunicação e Semiótica e durante a pesquisa que empreendi, pude confirmar que a interatividade constituia um tema relevante não somente por sua centralidade diante da cultura digital nascente, como também pela carência de análises que a tomassem como objeto primário. Ao longo das leituras, das disclipinas e da prática profissional, várias perguntas interpunham-se. Existia uma nova linguagem? Formava-se uma nova cultura? Configurava-se uma nova forma do pensar? Havia veracidade na proposição de uma inteligência coletiva? Constituiam as comunidades virtuais organizações socias efetivas? Estas questões foram sendo aclaradas em textos nos quais a interatividade fazia-se sempre presente. Falava-se da inserção interativa do leitor imersivo [Santaella 2002], da cultura constituída por uma audiência que participa [Costa 2002], da inteligência colocada em fluxo coletivo pela interação [Lévy 1999], das comunidades que nascem em função da interação social contínua no ciberespaço [Rheingold 1994] e de diversas tecnologias e suas conseqüências quase sempre caracterizadas pelo potencial de interatividade. Ficava claro que havia uma cultura digital e que a Internet era um artefato cultural [Hine 2000] que tinha na interatividade sua fonte de potência. A pretensão desta dissertação é, portanto, construir um entendimento do objeto interatividade dentro do contexto específico da cultura digital. A maior dificuldade que isto oferece é isolar a interatividade do discurso. Por exemplo,

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Introdução

não interessam as manifestações da arte digital em si, mas, sim, como ocorrem as interações dos agentes da comunicação entre si, através das mensagens que esta compõe. A principal indagação reside em como funcionam os mecanismos que nos propocionam a interatividade no meio digital. Quais as características que determinam sua potência e, por conseguinte, contituem o meio digital como um território transformador. Além da extensa prática nos âmbitos profissional e pessoal com diversos mecanismos de interatividade que habitam o ciberespaço, os diversos relatos e análises que constituem a bibliografia desta dissertação informaram a construção de um entendimento particular do objeto interatividade. Trata-se de uma proposta de abordagem analítica que pretende instrumentalizar a compreensão, a aplicação e a construção de mecanismos de interatividade no meio digital. Este texto oferece-se como uma ferramenta na medida que procura caracterizar a interatividade na cultura digital, a partir de um conjunto de dimensões dentro das quais uma série de vetores criam as possibilidades de interação entre os agentes e as mensagens no ciberespaço. O texto parte da caracterização de três conceitos centrais à investigação: a cultura digital, a interatividade em si, e a interface que a possibilita. O primeiro capítulo serve para expor minha compreensão destes conceitos à luz das leituras realizadas, que não se pretendem panorâmicas do estado da arte, mas, sim, referênciais para a construção da proposição central deste trabalho, desenvolvida no capítulo seguinte. A discussão conceitual tem por objetivo demitar a pesquisa ao configurar o fenômeno, seu território e seu operador. São quatros as dimensões da interatividade que apresento no segundo capítulo. Elas remetem ao papel do agente, do sentido, do tempo e do espaço. Nessa etapa da dissertação, fundamento a configuração conceitual das dimensões e proponho que dentro delas existem os vetores que dão luz à potência da interatividade na cultura digital. Discuto as dimensões e seus vetores um a um,

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Introdução

apresentando-os em face dos mecanismos de interatividade específicos como o email, a Web e as conferências eletrônicas. O terceiro capítulo, dá conta de aplicar esta proposição conceitual como método de análise. À guisa de exemplo da viabilidade do método, o quadro das dimensões da interatividade é aplicado em três demonstrações analíticas, eleitas a partir da distribuição dos mecanismos da interatividade em três grupos, segundo objetivos distintos: a viabilização de espaços de publicação, a potencialização de diálogos, e a formação de comunidades. As principais tecnologias que operam a interatividade nestes três grupos são apresentadas em função de seus aspectos mais relevantes e as dimensões são discutidas vis a vis a suas funcionalidades. Na conclusão, discuto a utilidade e as limitações da análise proposta. Na tentativa de oferecer continuidade para a pesquisa da interatividade aqui empreendida, elenco duas indagações problemáticas em face ao proposto método de análise. Por fim, rapidamente relato as indagações pessoais nascidas durante o projeto que esta dissertação encerra e as possibilidades de caminhos intelectuais que elas me apresentam para o futuro.

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Capítulo I Conceitos

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Capítulo I - Conceitos

O primeiro estágio desta dissertação é colocar em perspectiva os três principais conceitos que operam no universo temático escolhido: a interatividade, o fenômeno em análise; a cultura digital, o território de atuação no qual se analisa o fenômeno; e a interface, o principal operador do fenômeno neste território. Pretendo demarcar estes conceitos não somente em relação aos seus limites, quanto também às suas implicações mais relevantes, em especial, aquelas que os inter-determinam em conjunto. Pretendo também referenciar culturalmente estes conceitos e suas críticas, porém, sem qualquer preocupação com a representatividade quantitativa da análise. A seleção realizada é particular e referencial, não panorâmica. Embora a razão da escolha esteja sinteticamente exposta no primeiro paragráfo acima, cabe situar os conceitos escolhidos em conjunto, antes de tomar cada um como objeto de análise. Não é necessário defender a existência de uma interconexão conceitual entre cultura digital, interatividade e interface, mas cabe discutir sua natureza. As tecnologias da cultura digital produzem alterações significativas nos mecanismos da interatividade que por sua vez estão em grande parte implicados na própria constituição do ciberespaço e sua cultura. Rogério da Costa abre seu livro A Cultura Digital dizendo “A cultura da atualidade está

intimamente ligada à idéia de interatividade...” [2002:8]. A rede é antes de mais nada um meio de comunicação. Alain Kay, um dos pioneiros da construção de interfaces, vai além ao afirmar: “O computador é

um meio de comunicação!” [apud Johnson 2001:41]. A cultura digital pode ser delimitada como aquela que surge do fenômeno da comunicação mediada por computador (CMC) potencializada pela alta conectividade proporcionada pela Internet. As alteridades da cultura atual resultam, em grande parte, de

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Capítulo I - Conceitos

alteridades na interatividade que, por sua vez, surgem em função das tecnologias desta mesma cultura. Existe

um

movimento

de

dupla

determinação

central

ao

potencial

transformador da cultura digital. As tecnologias que fundam as alteridades na interatividade nascem das pulsões desta cultura digital que, por sua vez, se nutrem deste potencial da interatividade. No campo desta dupla determinação, opera a interface. São as interfaces que pragmatizam a interatividade na comunicação mediada por computador. São suas capacidades comunicacionais que desenham os novos limites da interatividade e condicionam, em grande parte, sua eficiência. É nas inovações da interface que o virtual realiza seu potencial de interatividade. Fechando o circuito, a interface ocupa um papel central entre as manifestações da cultura digital, como defende Steven Johnson em seu Cultura da Interface [2001]. Uma nova cultura pressupõe um novo discurso. A cultura digital opera seu discurso de maneira primária em seu próprio meio. Pragmatiza-se, portanto, através de interfaces que nos atualizam o digital. As possibilidades da interface determinam este discurso. A interface também é central à cultura digital na medida em que, uma vez digital, a arte depende de uma interface para se tornar presente a seu público. A interface está na obra, não é mera moldura, visto que a arte digital implica a interatividade. A arte digital não se admite estática, não é construída para contemplação. Ela supõe a interação do público com o objeto artístico, como nota Lévy:

“Organizando a participação em eventos mais do que espetáculos, as artes da cibercultura reencontram a grande tradição do jogo e do ritual.” [1999:155]

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Capítulo I - Conceitos

Cultura Digital As fronteiras do discurso digital Embora seja historicamente muito recente, o universo da cultura digital é por natureza profícuo. Suas dimensões são da escala do inimaginável. A quantidade de produção que pode ser considerada cultural é assustadora. A Internet, principal repositório das manifestações da cibercultura, é um universo infindável de textos, imagens e sons que se conectam de maneira múltipla e intrincada. Diversos são os aparatos que procuram dar alguma organicidade ao imenso conteúdo da rede. Os mecanismos de busca como Google (www.google.com) ou Yahoo! (www.yahoo.com) são parada obrigatória a todos aqueles que procuram algo na Internet; e as eventuais frustações diante dos resultados destas pesquisas são inescapáveis. Porém, a explosão informacional e a ansiedade que dela resulta são anteriores ao crescimento exponencial provocado pela Internet. Vannevar Bush já tratava do tema em seu seminal ensaio “As We May Think” em 1945. Rogério da Costa aponta que a profusão de canais de televisão, revistas, livros e filmes, entre outras produções das mídias de comunicação de massa, já acarretavam a sensação de impotência diante da quantidade de informação a ser assimilada. [2002] A Internet transforma a escala desta tendência. Ela produz uma verdadeira explosão da produção de conteúdo por meio da World Wide Web (WWW). São milhões de pessoas distribuídas pelo planeta, produzindo diariamente informações de imediato disponíveis mundialmente, através de sites pessoais, corporativos e comunitários. Esta produção corresponde a manifestações culturais cuja qualidade pode ser questionada, mas cuja realidade não pode ser negada.

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Capítulo I - Conceitos

Primariamente, as produções desta cultura digital ocorrem em seu próprio meio, portanto, envolvem o processo da digitalização e o suporte de um computador. Não necessariamente implicam a comunicação através de redes, embora geralmente pressuponham a conectividade. Analisando produções artísticas próprias da cultural digital, Lévy escreve:

“As obras offline podem oferecer de forma cômoda uma projeção parcial e temporária da inteligência e da imaginação coletivas que se desdobram na rede. Podem também tirar proveito de restrições técnicas mais favoráveis. Em particular, não conhecem os limites devidos à insuficiência das taxas de transmissão. Trabalham, enfim, para construir ilhas de originalidade e criatividade fora do fluxo contínuo da comunicação.” [1999:146] Também não se excluem do universo da cultura digital manifestações culturais suportadas por outras mídias. Uma crítica da cultura digital publicada no formato de um livro deve ser incluída no corpus desta mesma cultura. Da mesma maneira, devem ser considerados determinados programas de televisão que estão inseridos no contexto da cultura digital, seja em função de seus temas, de seus mecanismos ou de sua abordagem estética. Steven Johnson relaciona entre as manisfestações do digital alguns programas de televisão que praticam uma metaforma, “uma nova forma cultural que paira

em algum lugar entre meio e mensagem” [2001:33],

cuja expressão

prototípica seria o canal de televisão a cabo E! Entertainment Television. Johnson argumenta que estas já são expressões da cultura digital, ou, em suas palavras, “são formas digitais aprisionadas em um meio analógico” [2001:35].

Experimentações premonitórias do discurso pós-moderno Assim como as manifestações da cultura digital excedem o suporte digital, suas formas também se anteciparam no tempo. Janet Murray, na sua brilhante exploração sobre a narrativa digital, Hamet on the Holodeck – The Future of

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Capítulo I - Conceitos

Narrative in Cyberspace [1997], traça as origens do discurso digital em diversas obras culturais que antecedem a formação de uma cultura digital, aceitando-se que esta só se faça presente quando a comunicação mediada por computador passa a ocupar um papel relevante na experiência humana, como veremos a seguir. A professora do MIT, discutindo o conto “O Jardim dos Caminhos que Bifurcam” de Borges e o filme “Rashomon” de Kurosawa, entre outros exemplos, aponta para a existência de um tipo de estrutura narrativa a qual dá o nome de

“estórias multiformes”. Tratam-se de tramas que se desenrolam em múltiplas possibilidades, seja criando realidades simultâneas distintas, seja narrando o mesmo enredo a partir de diferentes pontos de vista. A autora sustenta que esta forma da narrativa trabalha como uma antecipação das possibilidades da mídia digital. O mesmo movimento também está presente na arte que demanda uma audiência ativa, como as instalações e performances, o teatro com a participação do público ou até mesmo a literatura, quando o autor reconhece diretamente a existência do leitor, passando a travar com este um diálogo criativo, ao qual transfere parte da responsabilidade da criação do contexto narrativo. [Murray,1997:Chapter 2] Richard Lanham, em seu estudo sobre a “palavra eletrônica”, afirma que as tecnologias digitais trabalham no sentido da suplantação de várias barreiras da linguagem que as vanguardas do começo do século XX tentaram ultrapassar [1993]. Lévy, em Cybercultura, argumenta que a “fábula do progresso linear e

garantido” [1999:120], que a cultura digital vem deslocar, já havia sido objeto de contestação das vanguardas e, citando Jean-François Lyotard, afirma que a pós-modernidade já havia proclamado o fim das grandes narrativas totalizantes, antes da cultura digital. [1999: Capítulo VI] O Professor Philadelfo Menezes, também, defendia este caráter antecipador do discurso das vanguardas, quando identificava nestas os primeiros passos no sentido da desconstrução da lógica linear da narrativa [1996]. Neste sentido,

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Capítulo I - Conceitos

citava tanto a narrativa em fluxo de consciência, cujo monumental exemplo de

Ulysses, de James Joyce é amplamente citado por Steven Johnson [2001], quanto as experimentações sintáticas e estilísticas da poesia concreta, do Jogo de Amarelinha, de Cortazar e das fusões multimidiáticas da videoarte, largamente documentadas por Artur Matuck em seu livro O Potencial Dialógico

da Televisão [1995]. Algumas outras produções culturais também antecipam a cultura digital, embora já possam ser, temporalmente, enquadradas em seus primórdios. Certamente, Neuromancer de Wiliiam Gibson é o exemplo mais clássico desta antecipação. Gibson não só cunha o termo ciberespaço neste volume, como também o povoa com suas primeiras imagens e mitos. Suas metáforas do ciberespaço, assim como as interfaces que descreve, permanecem desafiadoras até hoje. O holodeck, que Janet Murray coloca no título de seu livro, referencia o seriado Guerra nas Estrelas: Voyager, a quarta versão do popular programa de televisão. O holodeck é um aparelho de projeção holográfica utilizado para “contar histórias” em alguns episódios da série. Murray apresenta o holodeck como uma antecipação do caráter imersivo da narrativa digital [1997: Chapater 1 e Chapter 4].

Algumas implicações sociais da cultura digital Para que possamos entender a cultura digital como um fenômeno abrangente, também é preciso identificar suas manifestações fora do ambiente do discurso. É preciso perceber suas implicações nas relações sociais que florescem no ciberespaço. Um primeiro aspecto a evidenciar é a existência de um sistema de normas de conduta. A instância mais aparente destas regras de conduta são a netiquette. Nicholas Negroponte reconhece a existência e a necessidade do sistema de conduta, porém aponta para o fato de que, em função da juventude do meio,

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Capítulo I - Conceitos

estas regras não são ainda nem consolidadas nem conhecidas, muito menos respeitadas. [1996:191-193] Se isto é verdade para a rede tomada em seu todo, deixa de sê-lo quando olhamos para comunidades virtuais estabelecidas na rede. Howard Rheingold relata uma série de eventos que demonstram a formação de comportamentos socialmente válidos, seja pela simples repetição, seja pela coerção a desvios não aceitos por esta conduta [1994]. Outros indícios demonstram que esta cultura envolve um projeto ético próprio. Entre eles está a existência de uma organização como a Eletronic Frontier Foundation (www.eff.com) que se dispõe a defender os valores do ciberespaço. Nesta mesma linha, soma-se a coluna The Netizen, publicada durante certo período na revista Wired, que se ateve à mesma tarefa, embora ainda seja difícil perceber a existência de um conjunto comum e coerente de valores no âmbito da rede, que se estenda além de um pequena elite. John Katz, escrevendo para a mesma Wired, identifica:

“I saw the primordial stirrings of a new kind of nation - the Digital Nation and the formation of a new postpolitical philosophy. This nascent ideology, fuzzy and difficult to define, suggests a blend of some of the best values rescued from the tired old dogmas - the humanism of liberalism, the economic opportunity of conservatism, plus a strong sense of personal responsibility and a passion for freedom.” [1997:49] Além do projeto ético, a cultura digital também instaura novos formatos de relacionamento social. As comunidades virtuais são a grande novidade. Se uma comunidade é um grupo de pessoas que interage socialmente, comunidades virtuais

são

grupos

que

mantém

estreitos laços sociais de maneira

independente do espaço físico. Suas relações são mediadas através dos mecanismos da CMC. Apertos de mão são substituídos por cumprimentos “eletrônicos” que trafegam na forma de mensagens eletrônicas. O livro de Howard Rheingold The Virtual Community [1994] é um extenso testemunho da

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Capítulo I - Conceitos

existência destas comunidades, a partir da experiência do autor nas origens e desenvolvimento de algumas delas:

“Virtual communities are social aggregations that emerge from the Net when enough people carry on those public discussions long enough, with sufficient human feeling, to form webs of personal relations in cyberspace.” [1994:5] O que forma as comunidades é o partilhar de interesses comuns que constrói um repertório coletivo a partir da interação contínua. A experiência virtual não é condicionada de maneira alguma pelo espaço físico. As conexões entre as pessoas é que constituem o espaço virtual. Já em 1968, os diretores da ARPA (Advanced Research Projects Agency), ponderando sobre as comunidades online, percebiam que “... there will be communities not of common location but

of common interests...” [Licklider, J and Taylor, R apud Rheingold, 1994:24]. O pensamento na Cultura digital Dentro do campo da cultura digital, também se identificam novos processos de produção e acumulação do conhecimento. É a inteligência coletiva que Lévy identifica como “um dos principais motores da cibercultura” [1999:28]. O conhecimento interconectado que reside no ciberespaço constitui uma nova forma de memória cultural: coletiva como a que reside nas bibliotecas, porém muito mais dinâmica e múltipla, visto que é não mediada por uma indústria do saber que exclui o que não valida. No âmbito da cultura digital, os obstáculos para a distribuição e para a permanência do conhecimento particular são mínimos. Não é mais necessário ter o aval de uma academia ou o apoio de uma editora para publicar manifestações culturais das mais variadas tendências. Os mecanismos do digital também deslocam, sem substituir, as instituições do saber do papel de validação da cultura. A autoridade de um discurso passa a ser estabelecida

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Capítulo I - Conceitos

dentro das comunidades virtuais de maneira direta, ou fora delas por meio de um amplo procedimento de conexão entre publicações digitais operado por links hipertextuais. Aqui a cultura digital se destaca das formas que a precedem. Existe um retorno à transmissão da cultura por coletividades humanas vivas. As manifestações culturais transitam sem a interferência de agentes mediadores como indústrias culturais do saber e do entrenimento. Neste movimento, autores como Pierre Lévy [1999], Steven Johnson [2001] e Philadelfo Menezes [1996] percebem um retorno à oralidade, característica das culturas anteriores à escrita. Porém, os discursos digitais não se perdem como os orais; eles são feitos permanentes na estrutura do ciberespaço. A cultura digital inaugura profundas transformações em nossos modos de pensar, visto que isto se realiza a partir do novas tecnologias da inteligencia [Lévy 1994]. Como comenta Santaella, na cultura digital “estão geminando

formas de pensamento heterôgeneas, mas, ao mesmo tempo, semioticamente convergentes e não-lineares, cujas implicações mentais e existênciais, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade, estamos apenas começando a compreender” [2002:392]. Como destaca Lévy, a inteligência coletiva é fruto de um conjunto de:

“... tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (bancos de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos).” [1999:157]

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A gênese da cultura digital Se como vimos, as fronteiras da cultura digital são largas, cabe então discutir sua gênese e seus principios de fundação. De maneira simples, podemos dizer que a cultura digital é aquela que acompanha a comunicação mediada por computador. Porém, é preciso tomar um cuidado. Embora a CMC possa ser recorrida até às experiências iniciais que originaram a Arpanet, a rede ancestral da Internet, na década de 60, é preciso ressaltar que somente a partir de uma determinada quantidade de atores conectados é que a rede atinge maturidade para constituir uma nova cultura. Como ressalta Lévy, o ciberespaço é “fruto de

um verdadeiro movimento social, com seu grupo líder (a juventude metropolitana escolarizada), suas palavras de ordem (interconexão, criação de comunidades virtuais, inteligência coletiva) e suas aspirações coerentes” [1999: 123]. Por quase duas décadas, todo o aparato que viabiliza a CMC se manteve dentro de centros de pesquisa acadêmicos e militares. É o advento do computador pessoal (PC) que transforma a potência da comunicação mediada por computador. O jornalista Robert Cringley faz um excelente histórico do surgimento do PC em seu livro Accidental Empires [1996]. Cringley relata como um movimento iniciado como hobby, por um pequeno grupo de engenheiros, se transforma em um fenômeno industrial de larga escala. A cultura digital começa a se engendrar quando o computador deixa de ser exclusivo das redomas assépticas dos centros de processamento de dados (CPD) das grandes empresas, universidades e centros de pesquisa, e se transfere para as mesas de trabalho de milhões de cidadãos anônimos. Ao longo das duas últimas décadas, o PC alastrou-se de maneira contínua, passando a estar presente nos mais diversos ambientes da sociedade moderna. Atingiu os universos profissionais, domésticos, escolares, comerciais e de lazer.

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Capítulo I - Conceitos

Porém, como comenta George Guilder, ensaísta das revista Forbes, o computador desconectado de uma rede de comunicação pode ser comparado a um fusca no meio da selva fechada. Ele pode ser muito útil, pois nos protege dos bichos e da intempérie, mas não nos leva a lugar nenhum. É na confluência do computador pessoal e da comunicação mediada por computador que encontramos o nascimento da cultura digital. Em seu relato da emergência das comunidades

virtuais,

Howard

Rheingold

descreve

boa

parte

dos

acontecimentos que delimitam o surgimento desta cultura [1994]. Tanto Rheingold quanto Cringley documentam os primeiros passos desta convergência ao relatar como os engenheiros, usuários dos primeiros PC, criaram os primeiros bulletin board systems (BBS). Animados pelo impulso de compartilhar suas experiências e conhecedores do potencial da CMC, já presente no ambiente acadêmico, eles passam a conectar seus computadores a linhas telefônicas, utilizando aparelhos de modulação / demodulação (modems), o que lhes permitia trocar arquivos com computadores distantes também conectados a linhas telefônicas e modems. Este movimento leva à constituição de centros agregadores, as BBS que, funcionando como repositório de arquivos e mensagens, passam a mediar a comunicação entre vários usuários equipados com PC e modem. O impulso que provoca a criação dos BBS evolui para uma diversidade de formatos durante a década de 1980. A mais citada das comunidades virtuais, a The Well, nasce em 1985. Neste período, proliferam também os Usenet groups, o Internet Relay Chat (IRC) e os multi-user domains (MUD). Porém, é o advento da WWW que opera a massificação da CMC no início da década de 1990. A cultura digital é certamente anterior a WWW, mas não há como negar que a Web seja central ao fenômeno, visto que a popularização aumenta a relevância de uma cultura.

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Capítulo I - Conceitos

Operações do digital: a Digitalização No imbricamento entre o PC e a CMC que funda a cultura digital, se encontra a operação de digitalização. Nicholas Negroponte faz da afirmação redundante “bits são bits” o título da primeira parte de seu livro Being Digital [1995], para reforçar a idéia de que as palavras, imagens e sons que nos são apresentados pelas interfaces do computador são, antes de mais nada, conjuntos de zeros e uns. É a digitalização que viabiliza três características marcantes das manifestações da cultura digital: a multimodalidade, o hipertexto e a simulação. Escolho o termo multimodalidade e não multimídia para não incorrer na confusão conceitual exposta por Lévy em Cibertura [1999:61-66]. Bits são “misturáveis”, portanto textos, fotos, vídeos e música podem fazer parte do mesmo bit stream, seqüência de bits. A digitalização permite construir discursos que sensibilizam múltiplos sentidos, ou o que Lévy chama de “modalidades

perceptivas”. Embora a multimodalidade do discurso digital esteja condicionada a limites impostos tanto pelas funcionalidades da interface quanto pela eficiência da rede, as manifestações da cultura digital pressupõem a possibilidade de conectar imagens, sons e textos. Porém, não devemos deixar de notar que o processo de digitalização também potencializa o discurso multimídia, entendido como aquele que se produz utilizando diferentes mídias, como a TV, o rádio, o computador, ou o livro. A junção das linguagens sonoras, visuais e verbais é um fator de aceleração prepoderante do movimento de convergência das mídias [Santaella 2002]. Porém, o discurso multimídia não é resultante exclusivo da digitalização. O livro

Maciste no Inferno de Valêncio Xavier [1983] demonstra muito bem este ponto ao criar na velha mídia do livro impresso um discurso no qual combina imagens de cinema, pautas musicais e texto linear para construir uma narrativa intersígnica. Outro exemplo não digital é a videoarte que desde o início abusou da colagem, valendo-se de materiais advindos de diferentes mídias como a televisão, o cinema e a fotografia [Matuck 1995]. O que o processo de

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Capítulo I - Conceitos

digitalização opera é a facilitação destes amálgamas. Quando a televisão, o rádio, o jornal se convertem para o suporte digital, a colagem se torna mais transparente. Em relação ao hipertexto, é necessário tomar o mesmo cuidado de perceber a anterioridade do mecanismo do hipertexto em relação à digitalização. Diversos mecanismos analógicos, que provocam o encadeiamento não linear da leitura, podem ser arrolados como precursores do hipertexto digital. Alguns exemplos são: os sistemas de remissão em notas de rodapé de um livro, as referências cruzadas de uma enciclopédia ou o sistema de mapas de um guia de ruas. A grande novidade que a digitalização invoca é a remissão automática. O suporte digital permite a navegação instantânea entre as referências não lineares de um hipertexto. A velocidade da remissão automática altera tanto a leitura como a escritura. O hipertexto permite a construção de discursos não lineares cuja leitura tem que lidar com múltiplas possibilidades de percurso. A operação de remissão permite modificar o discurso. Liberto da linearidade o texto pode ser construído a partir de elementos atômicos que se entrelaçam em percursos múltiplos. Cada um destes elementos adquire novas significações através da conexão com outros elementos. Se considerarmos que a digitalização viabiliza a utilização de elementos multimodais, vemos o hipertexto transformar-se em hipermídia [Santaella 2002:Capítulo VIII]. Neste cenário, constituem-se as bases de uma nova linguagem que implica um leitor imerso em discursos que exigem a sua participação interativa [ibidem]. Neste sentido, como aponta Steven Johnson, os links, elementos básicos do hipertexto digital, são a característica mais marcante do ciberespaço:

“Peça a qualquer usuário da Web para lembrar o que primeiro o seduziu no ciberespaço; é pouco provável que ouça descrições rapsódicas de uma figurinha animada rodopiando, ou de um clipe de som fraco e distorcido. Não, o momento de eureka para a maior parte de nós veio quando

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Capítulo I - Conceitos

clicamos em um link pela primeira vez e nos vimos arremessados para o outro lado do planeta.” [2001:83] Esta descrição não denota somente o potencial da hipermída, também aponta para a segunda operação fundamental do imbricamento entre o PC e a CMC: a conectividade das redes. Porém antes de tratar deste tema, vamos à terceira característica implicada pela digitalização: a simulação. Novamente, a digitalização não inaugura o fenômeno, mas transforma fundamentalmente sua potência. O teatro já funcionava como uma simulação do real na Grécia antiga. Uma simulação analógica foi a fonte de inspiração do projeto da ARPA, a mesma que patrocinou a criação das bases da Internet, responsável pelo nascimento de boa parte daquilo que erroneamente, como vimos, é chamado de multimídia. Impressionados com o sucesso dos israelenses no resgate em Entebe, no ano de 1976, o Departamento de Defesa americano encomendou à ARPA o desenvolvimento de meios eletrônicos de treinamento que permitissem a suas tropas o mesmo nível de aptidão. O sucesso em Entebe havia sido garantido pela simulação do ataque em uma reprodução detalhada do aeroporto, no qual os passageiros estavam aprisionados. Porém, a reconstrução física de ambientes seria muito cara e demorada. A multimídia, ou melhor dizendo, as interfaces de multimodalidade nasceram do esforço de reconstrução de ambientes a partir da combinação de sons, imagens e movimento. [Negroponte, 1995:65-67] No caso das simulações, a diferença de potencial que o digital opera é de outra natureza. Não estamos falando de uma remissão que poderia ser feita com menor rapidez e eficiência por meios analógicos, ou de uma colagem de diferentes estímulos sensoriais que passa a ser facilmente exeqüível. As simulações que o ambiente digital permite são efetivamente impossíveis no mundo analógico. As capacidades de cálculo do computador contribuem para

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Capítulo I - Conceitos

isto de duas formas: aumentando o número de variações que podem ser calculadas e instrumentalizando um conjunto maior de perspectivas sobre a simulação. O computador excede a possibilidade humana em relação à simulação. Fugindo de um exemplo científico: é simplesmente impossível para o homem simular todas as variações de cenários, para todos os movimentos possíveis de um jogador, em uma arena como as do jogo eletrônico Quake. O homem conhece todas as equações, é ele que opera sua digitalização, mas a eficiência de um esforço humano-analógico impossibilita não só a conclusão do cálculo, como a produção da imagem.

Operações do digital: a Conectividade A conectividade é a segunda operação fundamental do encontro do PC com as possibilidades da comunicação mediada por computador. Os bits são endereçáveis, portanto, em um meio compartilhado como a Internet, é possível enviar mensagens para serem lidas por seus destinatários [Negroponte 1995:Part One]. Também é possível estabelecer conexões entre elementos digitais armazenados em locais físicos distantes ou imediatos. A capacidade de remissão que, como vimos, é a característica básica do hipertexto, é elevada a uma nova potência, quando colocada em rede. O discurso apresenta-se como uma cadeia de conexões aberta que permite conectar conteúdos internos e externos a si mesmo. Não estamos mais presos dentro do corpo de um hipertexto específico; podemos interagir com diversos discursos anteriores, da mesma maneira que navegamos pelas remissões internas. A conectividade generalizada da cultura digital resulta da inovação tecnológica que dá origem à Internet, a rede das redes. Trata-se do Transfer Control

Protocol / Internet Protocol (TCP/IP) que foi desenvolvimento para permitir que computadores com as mais diferentes configurações possam estabelecer canais

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Capítulo I - Conceitos

de comunicação entre si. Por ser absolutamente independente de plataforma do computador, sistema operacional ou software aplicativo, a comunicação via Internet permitiu conectar milhões de computadores e redes existentes. Atualmente, a grande maioria das redes públicas e privadas existentes no planeta tem gateways (portas) para Internet. A segunda conseqüência da conectividade é o privilégio dado à comunicação bidirecional. Na cultura digital, é quase sempre possível interagir com o produtor da mensagem. A capacidade diálogica, que a televisão tem buscado por meio de mecanismo de participação da audiência, é fator constituinte da nova cultura. Na WWW, que constitui um dos ambientes menos dialógicos da Internet, a publicação do endereço de email do responsável pelo conteúdo de um site é considerada uma providência mínima e obrigatória. Alguns outros aplicativos como chats, sistemas de conferência ou newsgroups da Usenet propiciam a interatividade entre os interlocutores na forma direta de diálogos efetivos. A conectividade constitui o princípio territorial da cultura digital. É ela que forma o ciberespaço. Fora do campo da geometria, o território da cultura digital é determinado pelas possibilidades de percurso através de múltiplas conexões. Se o espaço físico nos permite caminhar do ponto A ao ponto B por um corredor, mas nos impede de ir ao ponto C, em função de uma parede, o espaço digital nos permite transitar a partir dos links e endereços que interligam e localizam diferentes objetos digitais. Vale notar que como não guarda correspondência direta ou determinante com o espaço físico, a cultura digital tende a se desenvolver acima das culturas nacionais e regionais. A cultura digital é primariamente global. Nesse sentido, podemos notar como o processo de globalização da economia mantém relação íntima com esta cultura. Negroponte chega a afirmar:

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Capítulo I - Conceitos

“As business world globalizes and the Internet grows, we will start to live on a seamless digital workplace. Long before political harmony and long before the GATT talks can reach agreement on the tariff and trade of atoms, bits will de borderless, stored and manipulated with absolute no respect to geopolitical boundaries.” [1995:228] Operações do digital: a Virtualização Para completar o quadro, precisamos encarar a questão da virtualidade discutida por Pierre Lévy em seu O Que é o Virtual?. Ele demonstra que o virtual não se opõe ao real, uma vez que o real é uma condição das substâncias e o virtual uma condição dos acontecimentos. O virtual opõe-se ao atual, pois ele propõe uma rede de tendências, de problemas, de situações possíveis, enquanto o atual é uma solução particular. Por sua vez, o real é oposto ao potencial, mas aqui, é o real que determina a coisa constituída e particular, enquanto o potencial são as possibilidades predeterminadas dos corpos. O real e o atual são manifestos, o virtual e o potencial são latentes [1996]. A virtualização é, portanto, o processo através do qual um acontecimento qualquer é transformado em rede de possibilidades. É um retorno à problemática, contrário à atualização que é a solução desta. Lévy descreve uma série de processos de virtualização. Fala da virtualização do corpo, do texto, da economia. Ele demonstra que estes movimentos não pertencem apenas ao mundo pós-moderno. Estão presentes em várias atividades habituais do homem, como a leitura. Segundo o autor, a leitura pressupõe a virtualização do texto, pois a solução particular do escrito transforma-se em problema para o leitor, redes de possibilidades que sua capacidade de significação voltará a atualizar. [1996] Os processos de virtualização são comuns no ciberespaço. Os links entre sites criam possibilidades muitas vezes inesgotáveis para o “surfar” ou “navegar” na

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Capítulo I - Conceitos

rede. As relações sociais, livres da natureza rígida dos espaços físicos e dos valores das comunidades geográficas, tornam-se latentes nas múltiplas alternativas de conexão que são viabilizadas. Desprendendo-se de seus próprios corpos, sexo e posição social, os indivíduos virtualizam-se, criando personas que interagem socialmente nos MUD, chats e conferências da Internet. O próprio ciberespaço é um virtual, visto que não se apresenta diretamente. Ele é um campo de possibilidades que nos é atualizado por interfaces. Voltando ao início deste capítulo, é a virtualidade que empresta à cultura digital sua escala assustadora. Campo não resolvido que permite uma quantidade sem fim de atualizações, o ciberespaço difere da biblioteca que se apresenta atualizada nos diversos volumes que a compõem. Tomada em um momento instantâneo, uma biblioteca por maior que seja, é um corpo finito, capturável. Certamente, não será possível ler todos os seus volumes, mas podemos apreender seu tamanho. O ciberespaço é incomensurável, visto que se atualiza de maneira particular nas telas de cada um de seus habitantes e se transforma, constantemente, a partir destas atualizações. Quando visito uma biblioteca, ao sair ela permance basicamente intacta; ao navegar no ciberespaço, tenho a possibilidade de deixar meus comentários, participar de votações ou interagir com outros internautas.

A complexidade e o fim das utopias finalistas Ao aumento da escala provocado pela virtualização, soma-se a questão da complexidade.

Existe

um

movimento

de

crise

da

percepção

que

é

potencializado pela explosão informacional, que resulta na multiplicidade de pontos de vista. A Internet, através da virtualização do espaço social, contribui para a instauração do complexo como novo paradigma. A realidade não é mais redutível e, como demonstram Deleuze e Guattari, as tentativas de explicação da realidade por modelos englobalizadores fracassam [1995].

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Capítulo I - Conceitos

Os filósofos franceses, propõem a construção de “rizomáticas”, teorias que se libertem da procura do uno, da explicação reducionista que tenta prender todas as manifestações a um único modelo. Eles sugerem que é preciso “... escapar

da oposição abstrata entre o múltiplo e o uno, para escapar da dialética, para chegar a pensar o múltiplo em estado puro, para deixar de fazer dele o fragmento numérico de uma Unidade ou Totalidade perdidas ou, ao contrário, o elemento orgânico de uma unidade ou totalidade por vir – e, sobretudo, para distinguir tipos de multiplicidades.” [1995:46] A proposição dos filósofos é bastante desafiadora, já que todo o pensamento ocidental estruturou-se a partir de categorias, unidades, modelos desde os tempos de Platão. Trilhando outro caminho, o filósofo italiano Gianni Vattimo propõe a transição da “sociedade da cultura” que constrói sua própria objetividade através de um processo de “fabulação do mundo”, para uma “sociedade transparente” que opere a desmistificação da desmistificação. Vattimo postula que debaixo dos mitos existem mitos, ou seja, debaixo de signos, signos. Em prol de uma heterogenia, ele propõe o fim do ideal da auto-consciência. Diante da cultura digital, as proposições distintas de Deleuze / Guatari e Vattimo permitem defender que o homem deve emancipar-se da prisão finalista da utopia. A simultaneidade e fragmentação do cotidiano, operada na polifonia dos meios de comunicação, afastam o indivíduo da possibilidade do belo utópico. Sustenta-se uma heterotopia do conhecimento, o “...reconhecimento

de modelos que fazem mundo e que fazem comunidade apenas no momento em que estes mundos e estas comunidades se dão explicitamente como múltiplos.” [Vattimo, 1992:74] Neste mesmo sentido, temos a proposição central de Pierre Lévy em

Cibercultura: o universal sem totalização: “Quanto mais o ciberespaço se amplia, mais ele se torna universal, e menos o mundo informacional se torna totalizável.” [1999:111] Lévy dedica a segunda parte de seu livro sobre a cultura digital a demonstrar como a tese do universal sem totalização perpassa

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Capítulo I - Conceitos

campos tão diversos quanto a arte, a educação e a democracia. [1999:Segunda Parte] Sua tese é que o digital produz o “universal por contato”, ou seja, o universal que se faz presente, diretamente, a partir do fenômeno da conectividade generalizada. A comunicação ocorre na presença do contexto em que é produzida, visto que este contexto é também digital. De maneira diversa, as culturas fundadas a partir do texto escrito constroem o contexto por meio de operações de interpretação e tradução. Estas culturas buscam a universalidade através da totalização do sentido. É a significação que produz os entes abstratos que devem alcançar o universal; por conseqüência, estes universais se pretendem totalizantes, visto que almejam abarcar o conjunto das possibilidades de um contexto que não é presente. Na cultura digital, o universal presente impossibilita a totalização. A cultura digital pressupõe a convivência do contraditório e do múltiplo, portanto, os projetos totalizantes não fazem mais sentido. Nas palavras do filósofo:

“O universal da cibercultura não possui centro nem diretriz. É vazio, sem conteúdo particular. Ou antes, ele os aceita todos, pois se contenta em colocar em contato um ponto qualquer com qualquer outro, seja qual for a carga semântica das entidades relacionadas.” [1999:111]

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Capítulo I - Conceitos

Interatividade Interatividade e produção de sentido Em primeiro lugar, cabe delimitar que a interatividade, nos termos desta dissertação, deve ser entendida como atividade produtora de sentido, a partir da comunicação direta ou mediada entre dois sujeitos. Está, portanto, excluída a interação de um sujeito com um objeto que não implique significação. No entanto, não se atribui qualquer condição de sucesso à operação significação. A interatividade que buscamos analisar envolve, antes a intenção de um sujeito em comunicar algo, que sua habilidade em fazê-lo. Desta forma, como comenta Roy Ascott “... o significado é criado a partir da interação entre pessoas, ao

invés de ser ‘algo’ que é enviado de uma para outra” [apud Matuck 1995:251]. Como pretendo discutir possíveis transformações na interatividade dentro da cultura digital, vou restringir minha análise à interatividade mediada por computadores. Isto não deve indicar que a cultura digital não possa provocar modificações na interatividade da comunicação não mediada, nem exclui a possibilidade de transformações da interatividade no âmbito de outros mecanismos de mediação, como as mídias de massa. A restrição corresponde apenas ao procedimento metodológico de ajuste de foco. Teremos sempre presente ao menos uma instância de mediação entre os agentes da comunicação. As possibilidades e restrições do meio digital são, portanto, determinantes para a interatividade que pretendo discutir. Os mecanismos que a viabilizam apresentam novos aspectos de eficiência, assim como acrescentam novas camadas de ruído ao processo de comunicação entre os agentes cognoscentes. O objetivo desta dissertação é destacar quais fatores condicionam a interatividade neste contexto.

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Capítulo I - Conceitos

A interatividade é compreendida como o processo que permite que agentes manipulem tanto os discursos que pretendem comunicar quanto as condições nas quais estes são produzidos, apreendidos e transmitidos. Este processo exige a participação ativa dos agentes na atualização das condições virtuais de significação e, portanto, excluem situações que se caracterizam pela apreensão passiva das mensagens. O fenômeno que interessa a esta análise configura sistemas complexos e simples, que apresentam múltiplas alternativas de produção de objetos significantes e de apreensão de significados. A interatividade é um jogo de possibilidades que condiciona o sentido das mensagens. “Interativo é o sistema que se abre e nos recebe, como uma

construção arquitetônica nos recebe. O entorno, umwelt, nos aborda e expande nossa compreensão tal como a linguagem...” [Bairon e Petry apud Santaella 2002:407]. Vale destacar que não estarei preocupado com o processo de interação homem e máquina em si. Este processo só interessa na medida em que interfere na comunicação entre dois sujeitos cognoscentes. No entanto, não estou determinando a natureza do agente, como veremos na análise da dimensão do agente no próximo capítulo. Apenas pretendo excluir da análise a interação homem - máquina que serve a objetivo diverso da produção de sentido. Por exemplo, existe um processo de interação entre homem e máquina quando um programador senta-se à frente de seu computador para escrever um programa que, posteriormente, fará cálculos de estrutura arquitetônica. Porém este processo não interessa à minha pesquisa. Posteriormente, se o programador pretende que outras pessoas utilizem seu código, ele vai estar envolvido no processo de criação de uma interface que, então, caracteriza uma interação entre dois agentes cognoscentes, que se opera no meio digital, visto que a intenção de comunicar do programador se faz presente na interface. Neste momento, voltamos ao campo de análise desta dissertação. Igualmente, estaria dentro de nosso escopo a atividade de

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Capítulo I - Conceitos

apresentar os resultados do programa para outras pessoas, a partir de um suporte digitalmente mediado. Porém, no momento em que programa, a interação entre homem e máquina não é transmissora de sentido entre dois sujeitos cognoscentes, embora esta atividade possa ser produtora de significado a posteriori. Cabe também notar que a significação que é produzida pelo processo de interação ocorre em diferentes níveis de complexidade. Ou seja, podemos dizer que uma troca de emails entre dois especialistas sobre uma questão complexa de suas pesquisas opera processos de significação que não podem ser comparados à leitura da previsão do tempo em um site na web. Porém, isto não interessa a minha análise, já que o que pretendo discutir é a natureza dos mecanismos de interação no meio digital e não a complexidade das processos mentais de apreensão do sentido de uma mensagem. O que não quer dizer que a interatividade não condicione a apropriação do sentido. Ou seja, a complexidade da mensagem pode condicionar o processo de significação, sem determinar sistemas de interatividade. Voltando ao exemplo, um email pode tanto servir a um debate acadêmico intrincado, quanto a uma simples consulta sobre o tempo, assim como um site na web pode informar sobre o tempo ou sobre a alta ciência. Retornaremos a este ponto no segundo capítulo. Alguns autores trabalham a interatividade, distinguindo dois outros conceitos: interação [Lemos / Vittadini apud Mielniczuk 2000:174] e reatividade [Vittadini / Williams apud Mielniczuk 2000:175]. Segundo a primeira distinção, a interação deveria caracterizar o “contato interpessoal”, enquanto a interatividade caracterizaria a comunicação mediada. Acho duvidosa a utilidade desta distinção. A linguagem também pode ser entendida como mediação. Neste caso, os conceitos distiguiriam a comunicação mediada unicamente pela linguagem e a comunicação mediada não somente pela linguagem. Agora, se entendo que a arte produz objetos de linguagem, devo excluí-la do campo da interatividade.

Porém,

como

entendo

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a

interatividade

como

sistema

Capítulo I - Conceitos

configurável que permite aos agentes da comunicação transformar texto e contexto, tenho dificuldade em aceitar que as instalações pós-modernas não seriam ser entendidas como objetos interativos. A outra saída seria trabalhar a distinção a partir da caracteriação de “contato interpessoal”. Neste caso, como lidar com a telepresença? O telefone e a video conferência constituiriam interação ou interatividade? Se interatividade, teriamos que questionar porque um diálogo em contato direto difere daquele realizado via teleconfência. Se interação, caberia perguntar se a comunicação através de um aplicativo de mensagem instântanea, mesmo mediada pelo computador, teria deixado de caracterizar interatividade para ser classificada como interação. Seguindo para a segunda distinção, entre reatividade e interatividade, temos, de uma lado, a capacidade de suscitar a “reação da audiência” e, de outro, a interatividade que “implicaria uma resposta genuína” da audiência [Williams apud Mielniczuk 2000:175]. Meu primeiro problema é como caracterizar o que é uma “resposta genuína”. Os três fatores citados para resolver esse impasse são a presença de: “ação comum entre dois uma mais agentes”; “capacidade

igualitária de ação ... ação de um deve servir como premissa para a ação do outro”; e “imprevisibilidade das ações” [Mielniczuk 2000:175]. Deverá ficar claro, no decorrer do texto, que vários dos mecanismos de interatividade que identifico e analiso não cumprem um ou mais dos requisitos acima. A construção desta distinção tem o viés de análise das mídias de massa. Neste contexto, a desigualdade entre os agentes da comunicação é preponderante e a idéia da reatividade, talvez, faça sentido. No meio digital, esta desigualdade é dinâmica e não, necessariamente, determinada pelo poder econômico. O conceito de interatividade utilizado nesta dissertação abarca o que na análise acima é chamado de interação, interatividade e reatividade. As diferentes resultantes da interatividade produzidas pela variação dos contextos de comunicação são entendidas como questão de intensidade, como veremos ao final deste item, quando será apresentada a formulação da idéia de graus de

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Capítulo I - Conceitos

interatividade,

utilizada

por

Pierre

Lévy

[1999].

Utilizarei

os

termos

interatividade e interação como referentes do mesmo conceito.

A mídia digital e a capacidade de diálogo Um dos pontos mais interessantes sobre o meio digital é a ubiqüidade da capacidade de interação direta entre os agentes. Mesmo quando o formato da comunicação não pressupõe o diálogo em sua primeira instância, esta possibilidade é apresentada como forma de feedback pelo produtor de discursos digitais. Raramente, encontramos um site na Web que não disponibilize um email para contato. Não devemos, no entanto, ter a impressão de que a interação dialógica ocupa uma posição central na cultura digital. Boa parte das manifestações da cultura digital são publicadas em meios digitais, para leitura por diversos públicos, não pressupondo que um diálogo venha a se estabelecer com estes leitores. Mesmo em uma conferência eletrônica como The Well ou Brainstorms, a comunidade atualmente liderada por Howard Rheingold, a maior parte dos participantes se resume a ler os debates que se produzem, sem fazer uso do potencial dialógico do meio. Cerca de 80% dos participantes de fóruns técnicos jamais fazem um comentário [Zhang 2002:26]. Não obstante, é a capacidade diálogica que anima a crescente utilização do meio digital pelos veículos de mídia de massa. Quando canais de televisão e rádio, jornais e revistas procuram maior interatividade, o que, normalmente, está em jogo é a capacidade de ouvir a audiência. São já inúmeros os exemplos de veículos de comunicação em massa que procuram interagir com seus públicos, por meio de votações, utilizando sites na web ou mensagens de texto (SMS – short messaging system) em telefones celulares. Entre outras, a rádio Eldorado de São Paulo e a MTV têm utilizado a Web de maneira bastante efetiva para estabelecer um diálogo com sua audiência. No Brasil, também

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Capítulo I - Conceitos

podemos arrolar os exemplos recentes das votações através de SMS, em “reality shows” como Big Brother e Casa dos Artistas. Na Europa, onde o fenômeno do SMS é mais consolidado, há vários exemplos de interação audiência



veículo,

utilizando

esta

tecnologia

www.xiam.com/news/business-gets-the-message/b2c/television.shtml).

(ver Mas

não devemos supervalorizar esta tendência. Uma recente pesquisa da revista inglesa The Economist demonstra, de maneira bastante clara, que a televisão permanece

como

um

meio

de

entretenimento,

basicamente,

passivo

[Pedder:2002]. Também devemos notar que o potencial dialógico que está implicado neste cruzamento entre mídias de massa e meio digital é bastante restrito, em face do que ocorre no ambiente deste último, por meio de vários mecanismos. O diálogo digital traz diversas novas possibilidades que serão analisadas em maior detalhe no terceiro capítulo. O fenômeno do email, uma das primeiras e, na minha opinião, ainda a mais importante tecnologia do mundo digital, operacionaliza a interatividade através do diálogo. Da mesma forma, operam os sistemas de mensagens instantâneas, os fóruns eletrônicos e as salas de chat. Um dos aspectos mais importantes do diálogo no meio digital é a telepresença. As tecnologias do ciberespaço permitem que seus agentes se façam presentes e disponíveis para o diálogo, por meio de uma série de mecanismos. Embora um email possa ser comparado às antigas correspondências, não há como negar que eu não me faço presente na casa de um amigo que mora em outro país, pelo fato de que ele pode me enviar uma carta. Já quando alguém visita meu site e se depara com meu endereço de email, bastando um click para se comunicar comigo, seria válido afirmar que eu estou presente no site, dada a natureza quase imediata desta comunicação. Alguns, talvez, defendam que a ausência da sincronia não permite caracterizar telepresença. Mas, se tomarmos o exemplo das comunidades virtuais, percebemos que a presença virtual é tratada nestes ambientes de maneira

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Capítulo I - Conceitos

bastante equivalente à presença física. É comum usuários de fóruns eletrônicos se referirem, no meio de uma discussão, a outros participantes da seguinte maneira: “tenho certeza que fulano quando chegar aqui terá algo a dizer sobre este assunto”. As discussões são tratadas como espaços, porque, como vimos anteriormente, caracterizam possibilidades de conexão. Os membros de uma comunidade virtual sentem-se presentes nelas. Não quero, no entanto, disputar o fato de que, quando envolve a possibilidade do diálogo síncrono, como nos aplicativos de mensagens intantâneas ou nas salas de chat, a telepresença se apresente de maneira muito mais direta. Nestes ambientes, ela se compara de maneira direta ao telefone, o formato mais corriqueiro de telepresença que conhecemos.

O potencial interativo da leitura Qualquer processo de leitura pressupõe a interatividade do leitor com o escritor através da mediação do texto. O meio digital transforma este campo da interação de maneira bastante significativa, graças à digitalização e seus já discutidos mecanismos característicos: a multimodalidade, o hipertexto e a simulação. Cabe agora discutir como se altera a interatividade do leitor com o texto. De maneira geral, os textos analógicos, tomados aqui da maneira ampla, abrangendo diferentes formatos que não apenas o texto escrito, conduzem o leitor à produção do sentido, a partir de uma ordem linear previamente determinada pelo autor. É claro que esta tendência que é óbvia no exemplo do livro, é menos presente em uma exposição fotográfica, ou pode ser mesmo evitada

em

uma

instalação

pós-moderna.

Porém,

as

possibilidades

manipulativas da leitura do objeto análogico são, definitivamente, restritas, quando comparadas com os objetos digitais.

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Capítulo I - Conceitos

No meio digital, a leitura se abre sobre um novo campo de possibilidades. As diversas seções de um folheto eletrônico não se apresentam por uma seqüência de páginas; transformam-se em uma lista de títulos ou expressões resumos que procuram atrair a atenção do leitor que deverá optar pelo item que mais lhe interessa. É certo que este recurso pode ser comparado a um mero índice eletrônico, no entanto, quando bem construído, o texto digital pode permitir que esta remissão constitua uma multiplicidade de sentidos. Um objeto digital, como um jogo eletrônico, demonstra, de maneira mais eloquënte, as possibilidades de interatividade da leitura. O jogo Myst, que caracteriza um marco na produção de jogos de aventura, constitui um excelente exemplo. Existe uma história em Myst: uma ilha abandonada em que aconteceu algo misterioso que precisamos desvendar. Porém, a leitura desta história, que inclusive determina o sucesso do jogador, é feita a partir da interação com os múltiplos objetos que o mundo gráfico do jogo nos apresenta. À exceção de um pequeno manual, não há qualquer indicação do caminho a ser seguido na leitura deste objeto digital. Cada leitor / jogador faz o seu percurso, construindo de maneira interativa o sentido do texto escrito pelos criadores do jogo. Há ainda muito a ser explorado. O fato de que jogos eletrônicos voltados ao público jovem constituam alguns dos exemplos mais ricos das possibilidades desta nova leitura, é bastante ilustrativo. Criadores de jogos estão, por natureza, habituados a planejar interações abertas com um grande espectro de possibilidades, visto que sem isto teríamos jogos monótonos. Porém, em muitas outras escrituras, persiste o desafio de construção de um discurso que se aproprie, por completo, das possibilidades criadoras desta leitura interativa. Janet Murray sustenta essa afirmação em sua análise do encontro da arte da narrativa com o ciberespaço, ao mesmo tempo em que documenta os diversos avanços realizados por pioneiros como Michael Joyce, autor do romance hipertextual Afternoon [1997]. De maneira similar, Steven Johnson recorre ao

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Capítulo I - Conceitos

exemplo da descontinuada revista eletrônica Suck (www.suck.com), para demonstrar quão mais rica pode ser a utilização do recurso do hipertexto para a construção de um discurso intersígnico.

“O resto da Web via o hipertexto como um sumário eletrificado, ou um suprimento ‘anabolizado’ de notas de rodapé. Os ‘Sucksters’ o viam como uma maneira de frasear um pensamento.” [2001:99] Ainda no exemplo dos sites da WWW, é fácil perceber que a escritura continua a ser linear, embora a possibilidade da não linearidade esteja latente na profusão de links utilizados. Por mais que se utilize de links para enriquecer sua mensagem, o autor pretende que seu leitor siga de um paragráfo ao próximo. Os links não constroem uma leitura alternativa; apenas acrescentam uma nova camada refencial explícita, que adiciona sentido ao texto, mas não pertence a ele. No entanto, é preciso perceber que, mesmo neste estágio embrionário em que se desenvolve uma nova escritura que, efetivamente, se apropria das possibilidades interativas do meio digital, existe um movimento de transferência do pólo da significação da escritura para a leitura. Não quero aqui contradizer os ensinamentos de Umberto Eco de que o leitor sempre foi agente da significação, mas o texto linear permitia ao escritor um maior controle sobre sua mensagem. Com o potencial de interatividade do texto digital, o escritor produz uma obra ainda mais aberta, visto que mais determinada pelas seleções do leitor diante de alternativas explicitas do objeto digital. Um outro ponto muito importante desta nova leitura é a presença imediata do contexto. O texto impresso se dissocia de seu contexto de produção. Quando lemos um romance de Goethe, não temos presente o conjunto de referências implicado pelo momento histórico em que foi escrito. Desta forma, o texto implica um aparato de interpretação, uma “tecnologia linguística” nas palavras de Lévy [1999:114]. Já o texto digital apresenta a possibilidade de referenciar

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Capítulo I - Conceitos

seu contexto. É possível dar permanência ao debate que envolveu o pensamento do autor na construção do texto. Não se trata apenas de um conjunto de referências que já eram possíveis via notas de rodapé no texto escrito; agora, um emaranhado de links permite que o leitor contextualize o discurso dentro de um momento histórico. Não estamos mais restritos às referências selecionadas pelo autor, mas, a partir da web, é possível absorver o “esprit du temps” que envolve o texto. É claro que permance um esforço de interpretação, mas sendo o texto digital, as conexões são imediatas e o contexto se apresenta por contato. Tanto Richard Lanham [1993], quanto Pierre Lévy [1999], citando os estudos de Walter Ong sobre a oralidade, percebem neste movimento um retorno às condições que prevalecem no discurso oral. Nas culturas anteriores ao texto impresso, o contexto era presente na figura do narrador. O trovador carregava consigo o contexto daquilo que interpretava em seu discurso. Sua audiência tinha acesso imediato a suas referências, já que escritura e leitura coexistiam. No ciberespaço, o tempo se faz permanente, através das referências que são persistidas em bancos de dados, as memórias eletrônicas da cultura digital. Uma última particulariedade da interatividade da leitura no meio digital são as novas possibilidades de inclusão do leitor no texto. Como a digitalização opera a virtualização do texto, um autor versado nas possibilidades do meio pode criar ambientes que são determinados a partir da interação. Tomarei um jogo eletrônico novamente. O popular SimCity carrega um texto complexo no bojo de suas regras. Neste jogo, o usuário é convidado a desenvolver uma cidade. Ele toma decisões típicas de planejamento urbano e enfrenta as repercussões sociais de seus atos. Sua cidade pode crescer e prosperar ou empobrecer e ser abandonada por seus habitantes. Ele pode ser elogiado ou execrado pelos jornais locais. Obviamente, todas estas possibilidades foram previamente escritas pelos autores do jogo, mas é somente a inserção do leitor / jogador que atualiza o texto. Ao comentar esta característica do texto digital, Janet

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Capítulo I - Conceitos

Murray conclui que a leitura no meio digital constitui uma experiência de imersão [1997]. O exemplo mais potente desta nova inserção do leitor no texto são os MUD. Nestes ambientes, o leitor possui uma persona que se faz presente no texto coletivo que cria o ambiente. Para ler tem que agir. Se ao entrar em uma sala, peço para “ver” o que lá existe, posso descobrir uma caixa que necessita ser “aberta” para ser explorada. Além desta operação ativa que me projeta no texto, posso ser surpreendido por um inexperado “ataque”, que o criador / programador da sala, programou para ocorrer sempre que alguém tentar “abrir” a caixa. Minha persona está no texto.

Graus de interatividade O que o meio digital apresenta, de maneira inovadora, é o aumento de potência da participação ativa dos agentes na construção do sentido das mensagens. Antes de demonstrar as novas dimensões que estão implicadas no fenômeno da interatividade na cultura digital, que será o tema do próximo capítulo, quero apontar para algumas conseqüências desta potencialização da interatividade. “A

possibilidade de reapropriação e de recombinação material da mensagem por seu receptor é um parâmetro fundamental para avaliar o grau de interatividade...” [Lévy 1999:79] Em primeiro lugar, é preciso perceber que o potencial de interatividade não se distribui igualmente, através das manifestações da cultura digital. Certamente, o ciberespaço sempre implica em algum nível de interatividade, como não poderia deixar de ser em qualquer meio de comunicação. No entanto, temos discursos mais e menos interativos; algumas vezes, por força das tecnologias e interfaces que lhes dão suporte, outras vezes, em função das opções particulares do autor. Uma rápida análise comparativa entre algumas tecnologias que convivem no ciberespaço é útil para exemplificar as diferenças entre os graus de

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Capítulo I - Conceitos

interatividade. Estes mecanismos são investigados, em maior detalhe, no terceiro capítulo. As tecnologias viabilizadoras de diálogo, como os softwares de messagem instantânea, o email e as salas de chat, apresentam um potencial de interatividade superior a sites expositivos na Web. Nestes, o autor não é imediatamente influenciado pelo feedback da leitura, e seu texto é, geralmente, predeterminado, embora possa acolher uma série de possibilidades de manipulação pelo leitor. Já o diálogo representa a forma clássica da interdeterminação direta do discurso por seus agentes que se alternam em interlocução. Agora, quando se compara a interação via um software de mensagem instantânea ao que ocorre em um MUD, é possível perceber maior potência interativa no segundo, pois este, além de permitir a reprocidade efetiva entre os agentes da comunicação, viabiliza a reapropriação do texto pelo leitor e sua efetiva transformação. Neste último caso, a leitura não somente atualiza o texto, como também o transforma a partir de nova operação de virtualização. Por fim, tomando como exemplo uma conferência eletrônica, temos textos particulares que não podem ser alterados por seus leitores, mas que constituem um texto coletivo: o conjunto das mensagens enviadas à conferência, que é formado pela interação de escritos / leitores, envolvendo, portanto, múltiplos processos de produção de sentido. A interatividade na cultura digital constitui um universo complexo, visto que comporta várias tecnologias de comunicação e que estas se combinam, formando diversos híbridos. Dentro deste universo, cabe destacar a interatividade como convivência. Se aceito a idéia de ciberespaço e percebo que sou capaz de investir uma persona a minhas interações, é possível perceber que o ato de interagir nos ambientes digitais mais participativos, como as comunidades virtuais e os MUD, tem a natureza de se fazer presente. Uma vez que estamos falando de ambientes nos quais muitos agentes interagem, esta presença termina por se configurar em

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Capítulo I - Conceitos

convivência que é operada através da interação. Descrevendo sua experiência no The Well, Howard Rheingold caracteriza bem este fato:

“The feeling of logging into the Well for just a minute or two, dozens of times a day, is very similar to the feeling of peeking into the café, the pub, the common room to see who’s there and whether you want to stay around for a chat.” [1994:26] Outro ponto a destacar é a existência de uma escritura coletiva. Uma escritura em diálogo que se transforma em texto coletivo, através da virtualização operada pelo ciberespaço. É o que Lévy caracteriza como “... bases de dados

‘vivas’, alimentadas permanentemente por coletivos de pessoas interessadas pelos mesmos assuntos e confrontadas umas às outras” [1999:100]. Para ilustrar este ponto, vamos tomar o livro que nos apresenta a correspondência entre Herman Hesse e Thomas Mann. Embora a escritura ainda permaneça um exercício isolado, o produto livro é um texto com dois autores e, quando leio o texto, construo sentidos a partir da interação entre os textos de Hesse e Mann. Se tomamos um newsgroup da Usenet bem organizado temos diversos autores, e, novamente, a escritura permance um exercício individual; porém, quando visito esta conferência eletrônica e leio seu conjunto de mensagens, a significação será realizada a partir do conjunto das mensagens publicadas. Agora, neste ambiente, há duas novidades: a primeira é que o texto permanece aberto para minha atuação: posso participar da sua escritura; a segunda, é que de tempos em tempos, as pessoas mais freqüentes, neste grupo, se organizam com o objetivo de publicar um resumo daquilo que seu debate discute, gerando documentos que muitas vezes tomam o formato de um FAQ (frenquently asked

questions) com o objetivo de informar novos visitantes sobre as principais convergências e divergências que a interação entre seus participantes produziu. Por último, quero destacar que interagir atualiza o ciberespaço. Mesmo quando um internauta exerce, de maneira mais simples, o potencial de interatividade do meio, navegando despretenciosamente entre sites e links, ele deixa rastros.

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Capítulo I - Conceitos

Os sites que visita, os links em que clica são armazenados pelos servidores que hospedam estes sites e constituem

dados de tráfego que servirão,

posteriormente, para informar, ao criador do site, como seus leitores têm interagido com o conteúdo que publicou. Esta atualização implícita que a navegação provoca no ciberespaço, soma-se a diversas possibilidades explícitas de interação, como publicar comentários em páginas nas quais navegamos, contribuir em fóruns eletrônicos, publicar links com sites favoritos, entre outros.

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Capítulo I - Conceitos

Interface A natureza transformadora da interface digital Em última instância, o ciberespaço é constituido de pulsos elétricos que transitam através de cabos telefônicos, fibra óticas, circuitos integrados e processadores. Como não temos condições de compreender estas informações neste estado, construímos mecanismos adequados a nossos sentidos. As interfaces reproduzem os pulsos eletrônicos na forma de símbolos que somos capazes de interpretar. Elas constituem as portas de entrada e saída do computador.

Através

delas,

capturamos

informações

armazenadas

e

transmitidas digitalmente e inserimos as informações que pretendemos digitalizar, armazenar e, posteriormente, transmitir. A interface se aproxima da linguagem, visto que, também, não temos condições de compreender os pensamentos alheios diretamente das consciências humanas. Inicialmente vou propor que a interface seja uma instância da linguagem que justapõe as linguagens verbal, visual e sonora, condicionando as relações de significação que atuam no meio digital. Sendo a interface digital produto da combinação de várias modalidades perceptivas, seguindo a termologia proposta por Lévy [1999:61-66], ela se compara aos discursos das mídias eletrônicas, porém sua natureza é mais ampla. Enquanto a linguagem televisiva, por exemplo, condiciona uma forma de produção de sentido que envolve a prática de criação de um discurso, assim como condiciona sua recepção, a interface digital condiciona, também, novas formas do diálogo. Portanto, se aproxima do telefone e do rádio, mas seus recursos são muito mais abrangentes que o teclado numérico e o toque de ocupado do primeiro, ou as abreviações e comandos, utilizados em comunicações em canal aberto, do segundo.

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Capítulo I - Conceitos

No sentido desta complexidade, a interface digital também se apresenta de maneira bastante diversa dentre as experiências midiáticas. No meio digital, a interface exige capacidades de manipulação muito mais abrangentes. A primeira vez que alguém entra em um chat, é necessário dominar uma série de elementos da interface como: aonde clicar para introduzir o texto através do teclado; qual botão usar para enviar o texto; como definir para quem o texto está sendo enviado; além de uma série de alternativas contextuais que permitem enviar um ícone que demonstre uma emoção, definir que sua mensagem deve ser reservada a uma única pessoa da sala de chat ou optar por não receber mensagens vindas de um participante, em particular. Comparemos este ambiente, à interface que devemos dominar para escutar rádio: o dial e o botão de volume. Soma-se a esta constatação o fato de que cada sala de chat apresenta seus elementos de maneira particular e que existe uma série de outros mecanismos de comunicação no ciberespaço com diferentes interfaces. Neste ponto, temos que retroceder no raciocínio proposto acima, para desfazer a simplificação: a interface digital aproxima-se da linguagem, mas não é linguagem. A linguagem digital é condicionada pelas possibilidades da interface, mas não se confunde com ela. Um texto digital que utiliza links de maneira eficiente, para justapor diversos elementos e permitir uma leitura mais interativa, está tomando proveito da interface para se transformar, mas se constitui linguagem, na medida em que produz significação, enquanto sistema simbólico partilhado pelos agentes do processo de comunicação. Desta maneira, ao percebermos o papel inovador da interface, não devemos desprezar o potencial da linguagem digital, que, embora incipiente, é bastante transformador. Tomando o exemplo do cinema, podemos dizer que diferentes estilos e diferentes autores requerem diferentes capacidades interpretativas, mas a interface de recepção é basicamente a mesma: a tela grande dentro da sala escura. Não obstante a natureza simples da interface, a linguagem cinematográfica comporta hoje uma complexidade que se apresenta nas opções

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Capítulo I - Conceitos

estéticas de diversos discursos. Porém, isto não foi uma conseqüência imediata do invento dos irmãos Lumière. Os primórdios da televisão são ainda mais ilustrativos do hiato que se impõe entre o desenvolvimento da interface e da linguagem. As primeiras transmissões televisivas, ainda sem levar em conta o potencial cênico do meio, exibiam a filmagem de atores do rádio à frente de microfones. A linguagem digital se encontra neste estágio, sendo que a proficuidade da interface digital constitui ao mesmo tempo um desafio e uma oportunidade. Como comenta Steven Johnson, “a representação de toda essa

informação (o ciberespaço) vai exigir uma nova linguagem, tão completa e significativa quanto as grandes narrativas metropolitanas do romance do século XX” [2001:20]. A interface é um objeto de mediação do ciberespaço. Sua natureza é permitir que os atores dos diversos processos de comunicação manipulem os objetos cognitivos que habitam este universo. A interface do browser media a comunicação entre produtor de um site e o internauta. Porém, a mensagem está contida nos elementos de linguagem engendrados pelo produtor, seus textos, imagens, sons. A interface é o mediador que permite que o produtor construa sua mensagem e que o internauta a manipule. Para que uma comunicação se produza, os agentes devem compartilhar um certo nível de compreensão dos mecanismos da interface, da mesma maneira que é necessário que comunguem, minimamente, do mesmo código de linguagem, mesmo porque a linguagem também opera uma mediação na significação entre os agentes. Porém, enquanto a linguagem carrega a mensagem, a interface condiciona a linguagem. Voltando ao exemplo do cinema, podemos perceber o quanto a evolução de sua interface transformou seu discurso. Do advento do cinema falado, às imagens coloridas, e ao contínuo avanço das técnicas de efeitos especiais, a linguagem cinematográfica se transformou profundamente e com ela a capacidade do artista transmitir sua mensagem. De maneira paralela,

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Capítulo I - Conceitos

quando adicionamos ao email, anteriormente restrito ao texto corrido, a capacidade de manipular código HTML (hypertext markup language), com seu potencial de multimodalidade e hipertextualidade, permitimos a criação de mensagens mais complexas, visto que utilizam de maior gama de recursos de linguagens. Contribui para a dificuldade em definir os limites entre linguagem e interface no ambiente digital, o fato de esta última requerer uma apreensão inicial. A interface precisa ser dominada. Para isto, ela carrega em si um discurso de auto-explicação. Trata-se, em princípio, de um texto repetitivo, visto que não é particular a uma comunicação específica. Funciona para permitir que seu usuário compreenda sua lógica. Este metadiscurso da interface é, obviamente, expresso pelo uso da linguagem. Se em nosso uso cotidiano podemos relevar este texto explicativo, uma vez dominada a interface, nas manifestações da arte digital o exercício de apreensão do objeto artístico implica na leitura do discurso da interface. O artista digital que Lévy identifica como um “engenheiro

de mundos”, produz tanto a interface quanto o próprio objeto [1999]. A significação envolve, portanto, a apreensão da interface, assim como do próprio objeto.

“Esperamos muitas vezes das artes do virtual um fascínio espetacular, uma compreensão imediata, intuitiva, sem cultura. Como se a novidade do suporte devesse anular a profundeza temporal, a espessura do sentido, a paciência da contemplação e da interpretação. Mas a cibercultura não é, justamente, a civilização do zapping. Antes de encontrar o que procuramos na World Wide Web é preciso aprender a navegar e familiarizar-se com o assunto. Para integrar-se a uma comunidade virtual, é preciso conhecer seus membros e é preciso que eles o reconheçam como um dos seus. As obras e os documentos interativos em geral não fornecem nenhuma informação ou emoção imediatamente. Se não lhes forem feitas perguntas, se não for dedicado um tempo para percorrê-los

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Capítulo I - Conceitos

ou compreendê-los, permanecerão selados. Ocorre o mesmo com as artes do virtual” [Lévy 1999:68-69] Por outro lado, devo manifestar minha discordância com Steven Johnson quando este pretende “elevar” a interface a uma forma de manifestação artística [2001]. Prefiro dizer que a arte se enriquece por passar a incluir, de forma mais abrangente, as possibilidade de desenvolvimento de sua própria interface. Não há nisto qualquer ineditismo. A praxis da arte digital inclui a construção da interface, da mesma maneira que a poesia concreta inclui a disposição do texto em seu processo de significação; no entanto, a diagramação não se tornou arte por ter sido incluída dentro das possibilidades da criação artística. Vale também lembrar que as artes plásticas, já há muito tempo, realizaram a apropriação da interface em seu universo. As instalações, abandonando uma perspectiva meramente comtemplativa do objeto artístico, há muito passaram a incluir os ambientes e os mecanismos de sua percepção no âmbito do objeto artístico.

A interface enquanto metáfora A interface condiciona o discurso, à medida que seus mecanismos ampliam ou restrigem as capacidades comunicacionais humanas. Voltando ao exemplo da sala de chat, a possibilidade de ignorar, automaticamente, as manifestações de um determinando participante, funciona como um acréscimo a nossas capacidades naturais, visto que não temos condições de desabilitar nossos sentidos de maneira tão seletiva. Por outro lado, se tomarmos a comunicação por meio de mensagens de texto, em aparelhos celulares (SMS), é fácil perceber quanto o discurso é influenciado pelas restriçãos impostas pela extensão máxima de 160 caracteres por mensagem e pela dificuldade de manipulação dos 128 caracteres da tabela ASC, em um teclado de 10 teclas. Estas condições da interface transformam o texto “Você também vai à festa! Te vejo lá, até mais.” em “vc tb vai a festa t vj lá t+”. De maneira paralela, a

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Capítulo I - Conceitos

ausência de contexto característico da comunicação face a face propicia a utilização dos emoticons ou smileys, imagens formadas de caracteres que procuram reproduzir emoções como: :-) feliz; :-( triste; ou :-))) risada (ver http://members.aol.com/bearpage/smileys.htm

para

uma

compilação

de

emoticons) “Um computador (...) é sistema simbólico em todos os aspectos. Aqueles pulsos de eletricidade são símbolos que representam zeros e uns, que por sua vez representam conjuntos de instruções matemática simples, que por sua vez representam palavras ou imagens, planilhas e mensagens de email. O poder do computador digital contemporâneo depende dessa capacidade de auto-representação.” [Johnson 2001:18] Tomando o cuidado de demonstrar que as metáforas são elementos culturais com “uma longa e memorável história” [2001:18], Johnson argüi a tese de que as interfaces são construídas a partir de metáforas, em função da dissonância cognitiva que a introdução do computador provoca. A realização da existência de um novo e complexo universo constituído por pulsos elétricos, superfícies de sílicio, circuitos e cabos que não podemos apreender diretamente, exige um grande esforço de representação. A metáfora oferece ao homem o domínio deste universo desconhecido, ao mapear seus objetos e operações, a partir de relações semióticas presentes em nosso cotidiano. Os emoticons são um claro exemplo desta operação, ao reproduzir, simbolicamente, em texto, as expressões faciais que caracterizam nossas emoções. A metáfora da mesa de trabalho, o desktop, que domina a computação pessoal, desde a popularização absoluta das GUI (graphics user interface), com o advento do sistema operacional Windows, é amplamente discutida por Johnson em Cultura da

Interface. De maneira ainda mais ampla, quando Vannevar Bush escreve seu seminal ensaio “As We May Think”, que, posteriormente, vai influenciar toda uma geração de pesquisadores preocupados com a produção de interfaces, o que

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Capítulo I - Conceitos

ele está buscando é a criação de uma máquina que realize uma metáfora do pensamento humano. Nas suas palavras, “whenever logical process of thought

are employed – that is, whenever thought for a time runs along an accepted groove – there is an opportunity for the machine” [1945:37]. Embora Bush tome o cuidado de distinguir os pensamentos criativos dos essecialmente repetitivos, lembrando que apenas estes são passíveis de automatização, o que ele estava buscando eram técnicas e aparatos que reproduzissem a capacidade humana de associar objetos cognitivos. Seu desafio era a criação de uma máquina capaz de aumentar a eficiência humana em armazenar, associar e capturar informações. Sua proposição conceitual, o Memex, ensaiava recriar os artifícios que utilizamos para produzir associações entre diversos objetos cognitivos.

Elementos da interface Nos primórdios da cultura digital, a interface constitui-se, singularmente, de: cursor, um pequeno traço piscando abaixo da altura do texto; linhas de comando indicadas pelo sinal de maior, na parte esquerda da tela; texto; e algumas raras imagens simbólicas constituídas por enormes quadrados. Estes elementos eram visualizados em monitores monocromáticos e nosso único mecanismo de manipulação do computador era o teclado. A evolução que se operou em 20 anos foi assustadora. Hoje, além dos onipresentes teclados e mouses, podemos manipular e inserir informações em nossos computadores pessoais, através de joysticks, scanners, camêras digitais, teclados musicais... Nossas máquinas comunicam-se conosco, através de interfaces gráficas apresentadas em monitores de excelente definição e milhões de cores, sistemas de sons sofisticados, além de precisas impressoras coloridas. Em suas telas, temos janelas capazes de manter diversas atividades operando simultaneamente. Ícones representam documentos e

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Capítulo I - Conceitos

podem ser manipulados por meio do mouse, por operações tão simples, quanto “clicar e arrastar” um deles para cima de outro. Embora continue a ser elemento central de nossa experiência, a metáfora do

desktop desdobra-se em uma série de novas interfaces particulares. Cada novo aplicativo lançado se apropria dos elementos de interface para produzir seu ambiente particular de interação. Botões conduzem a ações específicas, as janelas são dividas e dispostas de acordo com sua utilidade, ícones indicam estados dos objetos que representam. O popular aplicativo de mensagem instantânea ICQ é um bom exemplo. Suas características florezinhas, ao lado do nome de um usuário, indicam, graças à cor e à iconografia, se a pessoa representada por este símbolo está disponível para conversar, afastada de seu computador ou desconectada. Ao clicar em cima do nome de um usuário, temos a oportunidade de iniciar uma conversa com esta pessoa. Este diálogo se representa por uma janela que reserva espaços diferentes para as mensagens de cada um dos interlocutores. Neste ambiente, temos ícones que nos levam à apresentação do histórico de mensagens trocadas entre as partes, que nos permitem acessar informações sobre a pessoa com quem estamos interagindo, botões que nos permitem alterar cor e tamanho do texto de nossas mensagens... Apesar da diversidade de possibilidades que a interface comporta, os elementos que entram em combinatória para produzir essas instâncias específicas da interface digital são restritos. Johnson discute alguns dos mais relevantes em

Cultura da Interface; são eles as janelas, os links e o texto. [2001] Tomando o cuidado de expandir o termo texto para abranger as produções de linguagem verbal, pictórica e sonora, completo este quadro com três conjuntos: botões e menus; cursores e avatares; ícones: 1. As janelas operam como o delimitador dos ambientes. Seus contornos e suas divisões distribuem as informações e determinam os campos de interação com suas particulariedades funcionais específicas.

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Capítulo I - Conceitos

2. Os botões e menus, assim como as antigas linhas de comando, operam as ações que transformam tanto os conteúdos apresentados através da interface, quanto a natureza desta. 3. O cursor e os avatares nos representam na interface, eles localizam nossa presença na interface e agem em nosso nome: quando os manipulamos, determinam onde será inserido o texto que digitamos e apontam para os botões cujas ações correspondentes pretendemos disparar. 4. Os links operam a conexão entre os conteúdos apresentados pela interface. Eles conectam os textos apresentados e nos permitem remeter, automaticamente, através das associações que representam. 5. Os textos carregam as mensagens, são eles que operam a comunicação. Suas palavras, imagens e sons produzem a significação engendrada pelos agentes e que deve ser absorvida através da manipulação da interface. 6. Os ícones representam objetos ao ambiente digital como arquivos e pastas em um desktop. Atuando sobre estes ícones realizamos operações que transformam os objetos por ele representados. Através da combinação destes elementos, as interfaces produzem ambientes imersivos para dentro dos quais nos projetamos por meio do cursor e de avatares. Segundo Janet Murray o ambiente digital é procedimental, participatório, espacial e enciclopédico. A natureza procedimental do meio digital é conseqüência direta do fato de que estamos falando de computadores, máquinas que rodam softwares, que nada mais são que conjuntos de instruções e procedimentos. [Murray 1997:Chapter 3] Segundo a autora, o caráter participativo do meio decorre do fato de que computadores são, pelo menos em princípio, máquinas inertes cuja atividade

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Capítulo I - Conceitos

depende do estímulo de seus usuários [Murray 1997:Chapter 3]. Neste ponto, a autora deixa de apontar que esta natureza participativa da máquina envolve dois fenômenos: a interatividade homem-máquina e a interatividade homemhomem via máquina. Estes fenômenos não passam desapercebidos, visto que a autora comenta ambos proficuamente em seu livro. Porém, parece-me necessário notar que, do ponto de vista da comunicação, apenas a interação homem – homem constitui uma experiência de significação que demanda a participação direta de, ao menos, um destes atores no ambiente digital. A questão da espacialidade requer uma demonstração um pouco mais complexa. Murray utiliza como exemplo um dos primeiros jogos de adventure: Zork. Relata a experiência do jogador que, como personagem, ao entrar em um porão escuro, tem a porta fechada a suas costas. A percepção da espacialidade difere da sensação do leitor de um livro, pois entrar no porão é resultado da ação do jogador e a porta se fecha atrás dele, de seu personagem, que passa então a ser sujeito dos perigos daquele novo ambiente. [Murray 1997: Chapter 3] O caráter enciclopédico dos ambientes digitais deriva de uma operação dupla: o conjunto de computadores conectados, via Internet, constitui o maior sistema de armazenagem de informações jamais criado pelo homem; e o mecanismo de conexão do hipertexto permite a remissão automática a diversos objetos significativos armazenados na rede. Mesmo as memórias digitais que constituem os ambientes digitais específicos, ultrapassam, em muito, a capacidade humana. A possibilidade enciclopédica permite não só um infindável número de justaposições no bojo do discurso, como adiciona a possibilidade de enriquecê-lo através de múltiplas aberturas via conexões tanto internas quanto externas ao ambiente digital que o abriga. [Murray 1997:Chapter 3]

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Capítulo II Dimensões

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Capítulo II - Dimensões

Neste capítulo, pretendo propor um método de análise para a interatividade na cultura

digital.

Pretendo

destacar

as

operações

que

diferenciam

as

possibilidades comunicacionais dos mecanismos de interação que atuam no ciberespaço. Identificando este conjunto de possibilidades, acredito ser possível instrumentalizar

uma

avaliação

das

condições

de

significação

destes

mecanismos, vis a vis os objetivos que motivam seu desenvolvimento e sua utilização. Ou seja, se puder distinguir como os mecanismos da interatividade se comportam em relação aos elementos que diferenciam sua operação, será possível discutir as eficiências de um mecanismo particular em relação a um objetivo comunicacional específico como: seria melhor utilizar uma ferramenta de chat ou um servidor de mailing list (lista de email) para produzir um debate entre alunos de um curso superior? Os mecanismos específicos serão analisados no próximo capítulo, que conclui a construção metodológica que aqui se inicia. Vale notar que não pretendo tratar de manifestações de interatividade decorrentes da cultura digital que ocorram fora do ciberespaço. O objetivo desta análise é permitir a comparação entre si dos mecanismos que operam nos ambientes digitais. Também não pretendo discutir, em especial, se tal ou qual característica identificada como relevante era ou não presente em mecanismos de interatividade anteriores à cultura digital. Tomando o fenômeno da interação de maneira genérica, vou partir do questionamento de quais seriam indagações centrais que deveriam compor minha análise. Embora a proposição da análise seja a abrangência, vou abandonar,

intencionalmente,

o

questionamento

de

operações

cujas

conseqüências para a significação se produzam, prioritariamente, em função das qualidades do discurso praticado, ao invés de decorrer das possibilidades dos sistemas de interatividade utilizados no ciberespaço. Por esta razão, decidi não considerar discussões acerca da linguagem, muito embora reconheça ser a linguagem a matéria prima dos mecanismo de interatividade e, portanto, seu

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Capítulo II - Dimensões

estudo, em contraposição à interatividade, deve ser incluído em um projeto mais abrangente de uma análise desta última. As quatro questões que são investigadas neste capítulo são: 1. Qual a natureza dos agentes da interação? 2. Que elementos da interação condicionam a produção de sentido? 3. Como se comporta o tempo em relação à interação? 4. Quais as características do espaço em que ocorre a interação? Em minha proposição analítica, cada uma destas perguntas corresponde a uma dimensão específica da interatividade na cultura digital. Escolhi nomeá-las como dimensões em função da conclusão de que os questionamentos selecionados implicam diversos fatores que se comportam de maneira independente. Quando analiso o comportamento do tempo em face das condições de interatividade em um mecanismo de comunicação da cultura digital, posso perceber vetores e polaridades que condionam a temporalidade em vários aspectos. Ora, um conjunto de vetores caracteriza um espaço, porém o objeto em análise é sempre o mesmo: a interatividade. O que varia é o foco da análise, portanto estamos olhando o mesmo objeto em diversas dimensões. Lembrando que a interatividade que nos interessa é a aquela que produz significação, estabeleci as seguintes dimensões: 5. Dimensão do Agente – quem significa 6. Dimensão do Sentido – como significa 7. Dimensão do Tempo – quando significa 8. Dimensão do Espaço – onde significa Para cada uma destas dimensões, procuro identificar quais são os eixos que diferenciam

as

ocorrências

da

interatividade.

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Por

vezes,

vamos

ter

Capítulo II - Dimensões

caracterizações discretas: em relação ao aspecto X a interatividade pode ser A, B ou C. Por outras, teremos continuidades: em relação ao aspecto Y, a interatividade se distribui entre os extremos A e B. Neste segundo caso, não vou tentar estabelecer uma relação matemática que permita mapear a interatividade dentro destes contínuos. Vou estabelecer referências para estes eixos, por meio de pontuações arbitrárias: em relação ao aspecto Y que se distribui entre os extremos A e B, a interatividade se aproxima dos pontos C, D ou E. Esta proposição esquemática pretende derivar, no capítulo posterior, a construção de uma tabela que permita caracterizar os mecanismos de interatividade a serem analisados. Sendo a interatividade na cultura digital um fenômeno complexo que abriga diversos mecanismos, a validade da análise se constrói a partir de sua capacidade de informar estratégias de interação, que se destinam a diferentes objetivos de comunicação. Neste capítulo, não vou tomar o universo atual dos mecanismo de interatividade como ponto de partida, mesmo porque não é verdade que todas as possibilidades da cultura digital já tenham sido pragmatizadas em tecnologias específicas. Vou pautar minha análise na problemática estabelecida pela operação da virtualização. Em cada uma das dimensões, parto das possibilidades interativas que resultam do movimento de virtualização da própria interatividade que, por conseqüência, implicam a virtualização do agente, do sentido, do tempo e do espaço.

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Capítulo II - Dimensões

Dimensão do Agente Quem está falando? Esta pergunta, que merece resposta simples e direta em uma ligação telefônica, é transformada em problema no ciberespaço. As mensagens desmaterializadas, que transitam nos ambientes digitais, operam a virtualização dos agentes da comunicação. Eles não estão presentes em suas mensagens e sua atualização se opera a partir de um campo complexo de possibilidades. Pierre Lévy discute largamente as condições dos agentes em face do processo de cognição. [1993] Segundo o autor, os agentes virtualizados operam uma comunicação em fluxo que se resolve em múltiplas conexões. Ele propõe que os agentes participam de uma ecologia cognitiva, um meio no qual representações se propagam através da conectividade entre agentes e redes técnicas. [ibidem] Em Cibercultura [1999], Lévy volta sua atenção para a rede técnica específica configurada pelo ciberespaço. Neste contexto, comenta largamente como as tecnologias do mundo digital criam a potência dos coletivos pensantes. As possibilidades e as conseqüências da comunicação “muitos-muitos” que merecem larga atenção de Howard Rheingold [1994], funcionam como pressuposto para as tecnologias digitais que operam a inteligência coletiva, vislumbrada por Lévy. A discussão da interação “muitos-muitos” permeia grande parte da bibliografia sobre a CMC, a Internet e cultura digital [Zhang 2002]. A possibilidade da máquina como agente interativo, também, alimenta um bom debate [Lévy 1999 / Costa 2002], em especial, dado o tom de polêmica que cerca o tema da inteligência artificial. Outro ponto de discussão inflamada envolve a questão da identidade dos agentes, porém, num sentido muito mais amplo do que o que interessa à investigação da interatividade. Ao investigar o universo dos MUD, Sherryl Turkle [1994] e Elizabeth Reid [1994] demonstram que, no meio digital, os agentes se auto-determinam. As possibilidades de manipulação da identidade são múltiplas, envolvem aspectos

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Capítulo II - Dimensões

tão diversos como a sexualidade, a timidez e a aparência. Porém, essa discussão não é parte da análise aqui proposta, pois ela não determina a natureza dos mecanismos de interatividade, embora seja, sem dúvida, relevante para a produção de sentido.

Fluxo: Um-um / Um-muitos / Muitos-muitos A questão da quantidade dos agentes em fluxo, durante o processo de significação é caracterizada a partir da distinção discreta entre a unidade e a pluralidade. É claro que a idéia de pluralidade pode ser contestada, na medida em que a apreensão do sentido é sempre realizada por um indivíduo particular. Porém, se isto é válido na instância primária da significação, não é verdadeiro quando tomamos a interatividade na instância superior que compreende o alcance e a intenção dos objetos comunicacionais que a operam. É fácil perceber que o objetivo de um ato comunicacional pode ser o de atingir um conjunto de pessoas, ao invés de uma em particular. O livro impresso há muito tempo permitiu ao homem realizar este objetivo de maneira eficiente. O autor de um romance não escreve para um leitor em particular, mas sim para muitos leitores. É neste prisma que se estabelece a comunicação um-muitos, apesar de prevalecer o fato da produção de sentido ocorrer na comunicação entre o autor e um leitor particular. As mídias de massa operam da mesma maneira, quando procuram atingir milhões de pessoas com sua mensagem. Se é fácil perceber a existência de múltiplos leitores, a proposição de vários autores é um pouco mais problemática. O exemplo da publicação da correspondência entre Thomas Mann e Herman Hesse, utilizado no capítulo anterior, já apresenta um objeto que possui mais de um autor, mas a validade deste caso pode ser contestada, visto que a correspondência entre os escritores constitui, originalmente, uma comunicação um-um. A experiência de salas de chat públicas é mais apropriada para caracterizar a comunicação muitos-muitos.

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Capítulo II - Dimensões

Estes ambientes polifônicos permitem que seus diversos agentes conversem com diversos outros ao mesmo tempo. Diversas frases não direcionadas são apresentadas pela interface, várias pessoas falam ao mesmo tempo, sendo que o mecanismo de interatividade da sala organiza a polifônia de maneira a permitir a apreensão das mensagens concomitantes, o que no mundo analógico produziria um barulho ininteligível. Porém, as salas de chat têm a desvantagem de engendrar conversas rasas de significação e muitas vezes se perder por um longo entrecorte de conversas paralelas. Uma conferência eletrônica perminte o mesmo nível de polifonia, porém a natureza mais pausada das mensagens tem a vantagem de produzir um ambiente em que muitos falam e muitos ouvem, e cujo texto final, quando lido

a posteriori, permite perceber que um conjunto de escritores operou a construção deste texto coletivo. Por último, vale notar que, quando se identifica a possibilidade da interação um-muitos, é sempre a audiência que é plural. Teoricamente, nada impede o autor plural e um leitor individual. Mas acho difícil perceber utilidade de um mecanismo de interação que reúna vários agentes para constituir uma mensagem cujo destino seja um indíviduo exclusivo.

Natureza: Homem-Homem / Homem-Máquina Obviamente, a defesa de que uma máquina possa ocupar, de maneira autônoma, qualquer um dos pólos da atividade de significação, remete à polêmica discussão acerca da inteligência artificial. Não pretendo entrar neste debate. Quando estabeleço a possibilidade de uma máquina atuar como agente interativo, estou compreendendo que a máquina esteja se comportando de acordo com regras e procedimentos previamente programados pelo homem. Ou seja, quando a significação é produzida a partir da interação de um homem

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Capítulo II - Dimensões

com um autômato, previamente programado por um homem, caracterizo uma interação homem- máquina. Vale, aqui voltar ao que comentei no item sobre a interatividade, no capítulo anterior. Não estou preocupado com a interação entre o homem e a máquina que tem como objetivo a manipulação do computador isolado. Ou seja, o fato de estar escrevendo esta dissertação por meio de um processador de texto não constitui uma interação homem-máquina, nos termos de minha análise, pois a significação pretendida pelo objeto comunicacional que escrevo não ocorre com máquina, mas, sim, junto a seus leitores humanos. A comunicação homem-máquina é bem caracterizada pelo exemplo de nossa interação por telefone através dos menus que nos são oferecidos pela voz gravada ou sintetizada de uma URA (unidade de resposta audível). No ciberespaço, uma série de mecanismos opera esta possibilidade de interação, constituindo significações de naturezas diversas: • padronizadas e pouco interativas, como as mensagens automáticas que podemos programar em nossos clientes de email, para responder automaticamente quando estamos ausentes; • padronizadas e interativas, como a consulta através de perguntas e respostas a softwares de atendimento ao cliente, agentes (esta palavra será grafada em itálico sempre que se referir aos autômatos contruídos por software, para evitar a confusão com agentes da comunicação) que resolvem dúvidas de usuários através de salas de chat, emails ou conferências eletrônicas (ver www.nativeminds.com); • procedimentais e interativas, como a interação com personagens virtuais que mantêm diálogos cada vez mais elaborados com os interlocutores que lhes enviam mensagens (ver www.setezoom.com.br); e

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Capítulo II - Dimensões

• procedimentais e não interativas, como um autômato que dá as boas vindas a novos membro da comunidade virtual Brainstorms, com o qual não é possível dialogar, mas que percebe a presença dos novos membros e envia mensagens. Os personagens virtuais trazem conseqüências surpreendentes para o campo da narrativa e dos jogos. Desenvolvimentos tecnológicos recentes têm expandido suas possibilidades comportamentais e interativas de maneira impressionante. Paralelamente, temos o adventos dos agentes voltados a produtividade que vêm sendo desenvolvidos nos laboratórios. São autômatos que atuam em nosso nome, interpretando e selecionando conteúdos que possam nos interessar, interagindo com desconhecidos ou outros agentes para nos poupar o tempo de conversas desnecessárias ou, até mesmo, negociando transações financeiras, sempre seguindo procedimentos por nós previamente programados.

Identidade: Conhecida / Desconhecida Outro fator importante da natureza do sujeito na interação, que ocorre no meio digital, é a determinação da identidade dos agentes da comunicação. Não há aqui o que constestar acerca da possibilidade de comunicação entre conhecidos ou desconhecidos. É claro que o diálogo em que um dos pólos desconhece a identidade do outro é menos corriqueiro que o desconhecimento do audiência pelo produtor na comunicação midiática, mas as cartas anônimas são um exemplo óbvio e antigo. No entanto, o meio digital opera um espectro maior de possibilidades: (1) permite que o escritor / produtor tenha condições técnicas de apreender a indentidade de vários de seus leitores / espectadores em uma interação ummuitos, através de formulários, bancos de dados e sistemas que monitoram as atividades dos usuários; (2) permite que a interação com desconhecidos seja

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Capítulo II - Dimensões

realizada de maneira segura em função da desmaterialização dos corpos; e (3) aumenta as possibilidades de farsa em relação à identidade, visto que, sem os corpos presentes, é fácil um homem passar por mulher ou uma criança por adulto. Como já disse, não vou discutir a real identidade dos agentes, embora está seja certamente uma das questões mais polêmicas do ciberespaço. Para a análise dos mecanismos de interatividade, basta perceber se estes supõem agentes conhecidos ou desconhecidos. Não importa se o agente conhecido é fruto de uma ilusão, visto que a intenção de comunicar pressupõe que a interação se dirige a um indivíduo específico. É claro que existe um eixo contínuo de possibilidades entre o totalmente desconhecido que um possível e o plenamente conhecido que é um não possível. No entanto, seguindo minha proposição metodológica, vou identificar apenas

dois

pólos

discretos:

o

desconhecido

como

não

específico,

indiferenciado; e o conhecido, agente que posso particularizar, independente do volume e da qualidade de informações que possua a seu respeito.

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Capítulo II - Dimensões

Dimensão do Sentido A dimensão do sentido é certamente a mais complexa de todas as dimensões que me propus analisar. A virtualização do sentido é um pressuposto da interação, seja qual for o suporte midiático que a abriga. A comunicação pressupõe que o sentido é seguidamente virtualizado e atualizado pelos agentes que se conectam em redes, ou ecologias cognitivas. [Lévy 1993] A interatividade é uma propriedade das tecnologias da inteligência que operam no ciberespaço. [Lévy 1999] Os agentes postos em fluxo, dos quais falamos acima, produzem e apreendem sentido em função das múltiplas conexões que as tecnologias da inteligência viabilizam. Pierre Lévy, comentando a corrente conexionista das ciências cognitivas, afirma:

“os sistemas cognitivos são redes compostas por um grande número de pequenas unidades que podem atingir diversos estados de excitação. As unidades apenas mudam de estado em função dos estados das unidades às quais estão conectados.” [Lévy 1993:155] Os mecanismos de interatividade são ferramentas para conectar estas unidades. Como vimos, eles viabilizam ambientes que oferecem múltiplas alternativas para colocar em conexão os agentes da comunicação através de seus discursos. Pertencem à dimensão do sentido os vários elementos que operam a virtualização da mensagem: linguagem, veículo, interface, e inteligência. Porém, vale lembrar que os eixos que identifico, neste capítulo, são selecionados em função de sua relevância para diferenciar os diversos mecanismos de interação que operam na cultura digital. Da longa série de fatores que poderiam ser levados em consideração, seleciono apenas três eixos cujas variações considero instrumentais ao objetivo de melhor compreender as

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Capítulo II - Dimensões

funcionalidades dos mecanismo de interatividade vis a vis a seus objetivos comunicacionais específicos. Tenho consciência de que minha seleção, em especial neste item, merece um debate mais aprofundado do que será empreendido neste texto. Vale discutir, em maior detalhe, se os recursos de linguagem utilizados são condição de diferenciação dos mecanismos de interatividade em função de seu processo de significação. Santaella investiga estas possibilidades no último capítulo de

Matrizes da Linguagem e do Pensamento [2002]. Segundo a autora, o leitor interativo é um pressuposto da linguagem na hipermídia. [ibidem] Neste momento, opto por não considerar as questões atreladas à linguagem por dois motivos. Primeiramente, não pretendo privilegiar um discurso multimodal em detrimento de outro puramente textual, em relação à eficiência da interatividade. Um mecanismo de interação que não permite o tráfego de imagens é obviamente inadequado para uma discussão sobre fotografia, mas isto é tão óbvio que não se constitui relevante para minha análise. O hipertexto transformado em hípermídia pode conectar imagens, palavras e sons entre si, mas a ausência de uma destas possibilidades não altera a natureza do mecanismo de interação, embora reduza as possibilidades expressivas do discurso. Um discurso multimodal não é necessariamente mais interativo. O segundo motivo é que percebo as alternativas de manipulação da mensagem pelos agentes, através das possibilidades da interface, como fatores preponderantes na análise dos mecanismos de interatividade.

Mecanismo: Seleção / Diálogo Os primeiros elementos da dimensão do sentido já foram discutidos quando apresentei o conceito da interatividade. Minha proposição é que a interação no meio digital opera uma seleção ou um diálogo. A primeira está, basicamente, associada à leitura, na medida em que interagir com um discurso digital implica

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Capítulo II - Dimensões

selecionar entre as alternativas que foram previstas pelo seu autor. Esta seleção pode se concretizar por vários métodos: através de links de hipertexto; através de opções em menus de diversos formatos que permitem transformar o texto ou selecionar perspectivas específicas sobre um discurso; ou a partir da informação prévia de dados sobre minhas preferências e personalidade aliada a recursos de programação que produzem uma versão particular do objeto digital. Agora, ao informar meu perfil, estou operando a capacidade dialógica do meio. O que constitui um bom exemplo para indicar a extensão que pretendo abranger com o conceito de diálogo. Ele não deve ser entendido de maneira restritiva, limitado a trocas “diretas” (as aspas remetem ao fato de que todas as interações digitais implicam a mediação do computador em ao menos uma instância, conforme já anteriormente apontado). A operação do diálogo compreende, aqui, tanto as interações nas quais dois ou mais seres humanos produzem significação, alternando-se na produção e apreensão de discursos, quanto as situações nas quais a interface do mecanismo digital permite à máquina

escutar

o

interlocutor

e

apresentar

conteúdos

previamente

determinados por seu produtor / programador, em função desta interação. Alguns dos mecanismos de interatividade utilizam ambos operadores, porém, é comum que uma das operações prepondere sobre a outra. O operador do diálogo é quase sempre presente, fato já apontado quando comentei sobre a capacidade dialógica das mídias digitais. Também são raros os mecanismos de interatividade que não incluem a possibilidade de utilização de links de hipertexto. Os objetos mais comuns do mundo digital são, justamente, links e endereços de email, estes, por sua vez, são, habitualmente, apresentados por meio de links que acionam nossos aplicativos de email. A WWW é o principal exemplo da centralidade da operação de seleção. Mesmo os sites menos interativos operam algum tipo de atividade de seleção, através dos links que se remetem a suas próprias páginas; aliás, sem links, um site não

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Capítulo II - Dimensões

merece este nome, visto que consiste apenas em uma página. Mesmo assim, conforme já comentado, é igualmente raro encontrar site que não apresente um endereço de email para feedback. Um site que não contenha qualquer um destes itens é um objeto digital, mas não é um objeto interativo. A prepoderância do diálogo sobre a seleção é evidente em vários mecanismos: email, messagem instantânea e chats. O diálogo também ocupa o lugar central na maioria dos instrumentos de formação de comunidades virtuais, embora nestes ambientes a operação de seleção seja muito mais presente que nos outros mecanismos citados neste parágrafo. Nos MUD, boa parte da atividade pode ser entendida como selecionar objetos e possibilidades de transformar o texto que constitui o espaço compartilhado. Ao mesmo tempo, a interação entre os participantes ocorre, prioritariamente, na forma de diálogos, cujos conteúdos nem sempre são textos, mas, por vezes, ações que são implicadas em seus avatares.

Método: Dinâmico / Procedimental / Pré-determinado O sentido das mensagens que transitam através dos mecanismos de interatividade do ciberespaço pode ser produzido a partir de diferentes processos. Podemos ter ambientes nos quais as mensagens são totalmente dinâmicas, ou seja, completamente abertas ao conjunto das possibilidades de significação que se apresentam aos agentes, tanto na produção quanto na apreensão dos discursos. Podemos ter também ambientes nos quais as mensagens são absolutamente pré-determinadas, a partir de um conjunto restrito de alternativas de interação, que se reproduzem de maneiras previamente concebidas em função das opções apresentadas aos agentes. Por último, podemos ter ambientes que comportam mensagens procedimentais, que, embora previamente determinadas por uma programação específica, compreendem um vasto número de possibilidades que não foram previamente conjuradas em si, mas, sim, previstas em potência pelo programador.

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Capítulo II - Dimensões

As significações dinâmicas são aquelas que, normalmente, operam através do diálogo entre um conjunto de sujeitos humanos, interagindo de maneira síncrona. As possibilidades humanas são sempre dinâmicas. Por mais que, por exemplo, possamos pretender restringir o discurso de operadores de atendimento ao cliente a um conjunto de possibilidades pré-determinadas de discurso, o homem sempre reserva a potência de interargir como bem entende. No outro lado da moeda, a tecnologia ainda não produziu nenhuma inteligência artificial que seja capaz de produzir significações absolutamente dinâmicas. As significações pré-determinadas ocorrem em diversas situações. Na WWW, a maioria das interações envolve discursos previamente produzidos cujas capacidades de interatividade estão previamente descritas e cujas mensagens decorrentes

também

são

estabelecidas

a priori. A maior parte das

comunicações homem – máquina também envolvem significações prédeterminadas, na medida em que a programação da máquina, normalmente, descreve um conjunto restrito de situações de interação possíveis e estabelece mensagens padronizadas a elas correspondentes. As significações procedimentais estão mais presentes em jogos, MUD e algumas inovações tecnológicas que envolvem a programação de autômatos capazes de reagir a situações não previamente programadas. Conforme vimos acima, são máquinas capazes de responder a estímulos de interação com mensagens não padronizadas, engendradas a partir de regras e procedimentos que produzem textos originais, visto que inexistentes à sua programação. Estes programas podem atuar a partir de diversos mecanismos de interação, desde que as tecnologias implicadas se façam compatíveis.

Polaridade: Escritor / Leitor / Neutra Propor a existência de uma polaridade na produção de sentido entre escritor e leitor é bastante complicado. O primeiro cuidado é situar esta distinção na

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Capítulo II - Dimensões

operação da interatividade. Ou seja, não estou preocupado com a produção primária do discurso, operação que tem como pólo significativo o escritor / produtor, nem estou preocupado com a compreensão do discurso, operação na qual a produção do sentido é ato do leitor / espectador. A comunicação invariavelmente envolve os dois pólos, sem que seja válido demarcar uma preponderância de um sobre o outro. O objeto da minha distinção é a forma pela qual a interatividade do discurso constitui um objeto, digitalmente, transformável. O que estou procurando perceber é quais dos agentes, escritor ou leitor, produz os atos interativos que transformam o texto e contexto. Quando o escritor programa, previamente, as possibilidades do seu texto e as apresenta ao leitor de maneira que este possa atuar uma interação com o discurso, produzindo uma atualização particular de suas possibilidades, temos uma situação em que o sentido é produzido pela atuação interativa do leitor. De maneira contrária, quando o escritor tem condições de coletar informações do leitor, monitorando seus atos, sendo capaz de customizar seu discurso digital, a partir destas informações, a significação é produzida por uma capacidade interativa do escritor. No entanto, não é possível perceber qualquer polaridade na maior parte das operações de interatividade que ocorrem no ciberespaço; estas situações classifico como neutras, em relação ao pólo de significação. A maior parte dos mecanismos de interação que operam a capacidade diálogica do meio de maneira “direta” deve ser percebida como neutra, uma vez que a polaridade aqui implicada prevê condições desiguais entre os agentes na produção de seus discursos, fato pouco comum em situações de diálogo no ciberespaço. Na WWW, as três situações são possíveis, porém a neutralidade é mais rara em ambientes que viabilizam a interação homem-máquina. Quando a programação é determinante da configuração das mensagens, a decisão da polaridade é uma questão mais relevante. Algumas tecnologias transferem ao

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Capítulo II - Dimensões

leitor as opções interativas de transformação do discurso; outras pressupõem um leitor passivo que recebe o discurso transformado pelo escritor presciente.

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Capítulo II - Dimensões

Dimensão do Tempo Para a questão da interatividade, a virtualização do tempo corresponde a novas possibilidades de suspensão e de retenção das mensagens que surgem em função da sua desmaterialização. Virtualizada, a mensagem retém o potencial de se atualizar de acordo com regras que permitem a manipulação dos intervalos interativos, assim como orientam a sua reprodutibilidade. O tempo linear contínuo não governa, de maneira soberana, a interação no ciberespaço, em função da capacidade de memória que é subjacente à operação de digitalização.

“Time is erased in the new communication system when past, present and future can be programmed to interact with each other in the same message. The space of flows and timeless time are the material foundations of a new culture that transcends and includes the diversity of historically transmitted systems of representation: the culture of real virtuality where make-belief is belief in the making.” [Castells apud Hine 2000:84] Christine Hine toma a proposição de Castells como ponto de partida para sua investigação das colagens temporais elaboradas por produtores de sites na Web e participantes de newsgroups. A autora conclui que, longe de serem aleatórias, as manipulações do contínuo do tempo são altamente significativas. Porém, sua apreensão depende de uma competência cultural que precisa ser dominada pelos agentes no ciberespaço. Nos newgroups, por exemplo, a simultaneidade das conversas entrecortadas provoca uma sensação de desorientação para o novo usuário, o que corrobora para demonstrar o tempo como construção cultural. [2000] É esta multiplicidade do tempo que opera na construção das estórias multiformes que Janet Murray identifica como um dos pilares da narrativa digital. [1997] Lévy coloca esta questão a partir do quadro mais amplo da

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Capítulo II - Dimensões

linguagem como instrumento de construção de temporalidade e, neste sentido, discute a capacidade das memórias digitais e as possibilidades conectivas da rede. [1994] As novas formas da temporalidade são estabelecidas pela capacidade de retenção do passado e de transformação do presente, expandido nas

possibilidades

assíncronas

da

interatividade

e

potencializado

pela

introdução de mecanismos que levam a interação síncrona para novos espaços.

Ritmo: Síncrono / Assíncrono No eixo que regula o intervalo entre as ações e reações que compõem a interação, vou identificar dois pólos distintos: a interatividade síncrona que se define como aquela durante a qual os agentes não se desengajam do processo de comunicação e a interatividade assíncrona que, contrariamente, se caracteriza pelo desengajamento. A dificuldade desta proposição está na definição do engajamento, em especial, quando se leva em conta que, no meio digital, raramente, estamos envolvidos com uma única atividade. É comum, por exemplo, estar escrevendo um texto, enquanto o aplicativo de mensagem instantânea, que se mantêm operando em background, gerencia diálogos entrecortados com interlocutores que também estão às voltas com outras atividades. Minha proposição é entender o engajamento como uma expectativa de resposta aliada à manutenção da atenção dos agentes da interação. Essa atenção não precisa ser contínua, pois posso fazer outras coisas, mas a expectativa deve se prolongar até que seja obtida a resposta, mantendo-me pronto a interagir. É mais fácil de apreender a idéia de atenção quando pensamos no diálogo. Mas ao interagir com um site da Web que invoca minha participação para a produção de sentido, essa atenção está presente na medida em que o site tenha a capacidade de reagir a meus estímulos de maneira imediata.

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Capítulo II - Dimensões

No processo de interação síncrona, os agentes do processo permanecem à espera da resposta de seu interlocutor. Quando estamos consultando uma página da Web ou dialogando em um chat, opera-se este mecanismo. Não há, no entanto, uma determinação de ritmo. O que caracteriza a continuidade da interação é o fato de que os sujeitos mantém o canal de comunicação durante a espera pela reação do interlocutor e não quão rapidamente vem esta resposta. Também não interessa a intensidade da atenção dedicada e, sim, a percepção de que estou envolvido em uma interação que ainda se desenvolve, apesar dos intervalos que possam decorrer entre as trocas interativas. As interações assíncronas, ao contrário, pressupõem a alternância entre engajamento e desengajamento durante o processo de comunicação. O exemplo mais óbvio é o email, visto que o remetente da mensagem interrompe seu processo de comunicação com o destinatário, até que este retorne uma resposta. Os sistemas de conferência eletrônica trabalham de maneira análoga, uma vez que não existe a pressuposição de que todos os agentes envolvidos na comunicação,

que

este

mecanismo

estabelece,

estejam

lendo,

simultaneamente, as mensagens enviadas. A interação mediada por agentes

inteligentes também caracteriza o desengajamento, visto que o usuário, após informar seus interesses ao agente, pode voltar sua atenção para outros assuntos, retornando apenas no momento em que necessite dos resultados.

Retenção: Permanente / Fugaz Aqui, está em jogo a capacidade de retenção em memórias digitais dos registros de interações particulares, pelos mecanismos que lhes dão suporte. O que pretendo diferenciar é se a interação produz objetos cognitivos que podem ser apreendidos a posteriori ou se ela é fugaz, não propiciando maior permanência que aquela que é necessária para sua própria consecução. A compreensão a posteriori, aqui implicada, não indica que a permanência seja uma propriedade de mecanismos de interação assíncronos. Um chat que me

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Capítulo II - Dimensões

permite gravar o conteúdo de uma interlocução específica é síncrono e permanente. Quando navego por um site interativo na WWW que não reconhece minha identidade e não retém as minhas opções de interação, transformando-as em dado particular e reaproveitável, posso dizer que essa interação não tem permanência. Já, quando entro em uma conferência eletrônica na qual minhas eventuais contribuições são anexadas ao discurso coletivo que é feito permanente em seus arquivos, existe permanência. Na maior parte das vezes, a permanência é uma opção dos mecanismos de interatividade que atuam no ciberespaço, uma vez que o meio digital, por princípio, produz as condições para a permanência. Uma vez digitalizados, todos os conteúdos são passíveis de serem armazenados e reproduzidos. A opção pela permanência ou não é determinada pela natureza da interação, ou seja, se ela produz ou não objetos significativos no contexto de interações futuras. Alguns proprietários de weblogs avaliam que os comentários deixados por seus leitores são significativos e merecem permanência, por isto habilitam a funcionalidade de publicação destes comentários, normalmente presentes nos softwares que produzem estes sites; outros preferem deixar esta função desabilitada, por compreenderem que os comentários não representam uma contribuição significativa. Esta opção é, obviamente, bastante determinante para a natureza da experiência interativa que um weblog engendra com sua audiência.

Simultaneidade: Favoráveis / Desfavoráveis Por princípio, o meio digital é palco de simultaneidades. A interface gráfica com suas múltiplas janelas, a capacidade operada pelo processamento parelelo do computador e a manutenção concomitante de milhares de conexões por meio das redes são os motores básicos da simultaneidade. Em função disso, os

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Capítulo II - Dimensões

habitantes do mundo virtual se habituaram a manter várias atividades em paralelo. Mesmo assim existem mecanismos de interação que propiciam simultaneidade e outros que a inibem; alguns que se aproveitam dela e outros que se prejudicam em função dela. De maneira geral, os mecanismos de interatividade que implicam processos de leitura, e não de diálogo, e envolvem interações síncronas, são desfavoráveis à simultaneidade. A sua interação envolve uma imersão que tira proveito da atenção exclusiva de seu interlocutor. Tomando, por exemplo, um site bem construído, rico em conteúdo e com diversas possibilidades de navegação, temos uma situação na qual a produção de sentido é prejudicada pela interferência de acontecimentos digitais simultâneos. Parte da crítica e da pesquisa sobre o hipertexto concentra-se na dificuldade imposta ao leitor de seguir uma leitura coerente de um discurso digital, em função da dispersão provocada por links que o transportam para outros processos de significação que, ao se interporem ao primeiro, acabam por prejudicá-lo. A opção pela simultaneidade da apresentação do conteúdo dos links em novas janelas é muitas vezes utilizada em função deste problema. Já em uma conferência eletrônica, a simultaneidade é um princípio construtivo. A possibilidade de manter uma série de discussões paralelas é intrínseca à riqueza do mecanismo. Estar, simultaneamente, presente em várias salas de discussões através de perguntas, respostas, comentários e proposições, permite que ganhemos uma nova natureza, uma certa ubiqüidade que eleva nosso potencial de interação. Os aplicativos de messagem instantânea, também, tiram proveito da simultaneidade. Parte da vantagem deste mecanismo em relação ao telefone, está no fato de, ao invés de ser interrompido por uma ligação telefônica, por exemplo, ter a possibilidade de manter atividades paralelas, enquanto abro uma novo canal de comunicação no qual posso determinar o ritmo da interação.

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Capítulo II - Dimensões

Para completar a comparação iniciada acima, posso também afirmar que, de maneira geral, os diálogos no meio digital tiram proveito da simultaneidade, independente de serem ou não síncronos. Mas esta generalização deve ser tomada com bastante cuidado. Por exemplo, em um jogo de combate com múltiplos usuários, como Doom online, que opera o potencial dialógico do meio digital, a última coisa que quero é ser interrompido por uma mensagem de ICQ, quando estou sendo perseguido por um ávido oponente armado até os dentes.

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Capítulo II - Dimensões

Dimensão do Espaço A idéia de espaço é o produto da virtualização do digital mais intensamente discutido. Ainda que persistam as localizações físicas dos agentes humanos implicados na interação que se engendra digitalmente, estas localizações, em geral, não implicam ganhos ou perdas de eficiência para a significação que se pretende. Aqui, o que me importa, especialmente, é o espaço virtual que se estabelece a partir da capacidade de conexão dos agentes e dos discursos digitais que operam a interatividade no ciberespaço. Margaret Wertheim aponta que o ciberespaço reconstitui a possibilidade de um espaço fora do universo do mundo físico. Ela contrapõe o ciberespaço à proposição metafísica do espaço da alma. A partir de uma historiografia do espaço, ela desmonstra que o mundo científico havia revogado a possibilidade de um espaço diverso daquele representado por leis da física, fossem elas euclidianas, newtonianas, relativistas ou quânticas. O ciberespaço recria a possibilidade de expansão do homem além de seus limites físicos e, desta maneira, segundo a autora, dá margem a uma nova pulsão utópica. [2001] As diversas maneiras pelas quais o meio digital constrói seu espaço são um tema rico, debatido sob diferentes óticas. Johnson, discutindo a interface, argumenta que as representações que utilizamos para fazer o digital presente à tela do computador implicam, via de regra, metáforas espaciais. [2001] Janet Murray, em seu estudo sobre as narrativas no ciberespaço, demonstra que os ambientes digitais são espaciais. [1997] Como diz Lévy, o ciberespaço é um território complexo no qual navegamos, por vezes, buscando um objetivo preciso com a ajuda de mapas e guias virtuais, ou, eventualmente, sem destino, como verdadeiros flaneurs virtuais. [1999:V] Christine Hine, partindo da proposição teórica de Castells como vimos, discute como a WWW e os newsgroups da Usenet criam diferentes espacialidades. [2000] Apresenta a primeira como um território complexo, “it is clear that while

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Capítulo II - Dimensões

space might de expressed as connectivity rather than distance on the WWW, this space is far from homogeneous…” [ibidem:107]. E, discutindo exemplos da configuração dos espaços nos newsgroups, demonstra que, como os temas e as regras de conduta, produzem uma especialidade socialmente significativa, “all

space can be thought of... as in some sense a social achievement as it is interpreted and made meaningful to its inhabitants” [ibidem:113]. Metáfora: Simples / Complexa Alguns ambientes digitais engendram espaços complexos, na medida em que agrupam seus conteúdos, os organizam em camadas e determinam múltiplos caminhos para conectá-los. Os MUD são ambientes digitais deste tipo que, na maior parte das vezes, operam associações com o espaço físico: salas, edifícios, cidades... A interação, nestes ambientes, implica percorrer estas metáforas. As conferências eletrônicas, também, criam estruturas complexas, quando organizam seus conteúdos dividindo as mensagens que as compõem por assunto e / ou referenciamento cronológico. Outros ambientes digitais são muito menos elaborados do ponto de vista espacial. A maior parte dos portais mais volumosos organiza suas informações a partir da metáfora da revista, mesmo porque esta é muitas vezes a origem primária de seus conteúdos, limitando-se a criar sumários e seções e a oferecer um mecanismo de busca. Nos aplicativos de mensagem instantânea, as instâncias de diálogo são sempre similares e não pressupõem qualquer tipo de circulação ou hierarquia entre si. Estes ambientes requerem uma navegação muito menos espacial que os anteriores. Como a complexidade da metáfora espacial utilizada não constitui polarizações discretas per se, proponho delimitá-las a partir de um critério duplo, absolutamente subjetivo. Entender como complexas aquelas que operem múltiplas camadas de organização de seus conteúdos e, ao mesmo tempo,

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Capítulo II - Dimensões

engendrem

ambientes

imersivos,

nos

quais

nossos

avatares

estejam,

problematicamente, incluídos, ou seja, possam ser objetos de ações transformadoras, como no exemplo do jogo Zork, citado no primeiro capítulo. Por contraposição, seriam metáforas espacialmente simples, aquelas que ou não constituem diversas camadas de organização de seus conteúdos, ou não pressupõem a presença problemática de nossos avatares dentro de seus ambientes.

Acesso: Público / Privado Apesar do polêmico e, muitas vezes, mal informado debate sobre a segurança no mundo digital, uma de suas grandes vantagens é a facilidade que temos para construir espaços privados cujo acesso é exclusivo àqueles que possuam senhas autorizadas. A maior parte do conteúdo da Internet é, notoriamente, público e essa característica está bastante presente no discurso da utopia tecnológica que acompanha o fenômeno. Mesmo assim, a possibilidade de restringir o acesso é tão essencial à interatividade no mundo digital, quanto à facilidade de replicar e distribuir seus objetos. As comunidades virtuais são um excelente exemplo desta dualidade. O Brainstorm, comunidade já citada anteriormente, caracteriza-se por um discurso de tom humanístico, pausado, pleno de considerações estruturadas, no qual se proíbem e censuram comportamentos agressivos e ataques à individualidade. Por essa razão, trata-se de uma comunidade fechada, protegida por senha, da qual só participam aqueles que são convidados ou solicitam um convite ao seu organizador original, Howard Rheingold. Já o Slashdots (www.slashdots.com), certamente, uma das mais influentes e populares comunidades virtuais em atividade, povoada por técnicos e tecnófilos, em que se apresentam, lado a lado, comentários bem informados e opiniões rasas, aconselhamentos tecnológicos precisos e ataques pessoais de baixo valor, é uma comunidade aberta cujo conteúdo está disponível à leitura de todos e cuja participação não

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Capítulo II - Dimensões

impõe qualquer ritual mais complexo que o preenchimento de um simples cadastro. A constituição de um espaço de interação público ou privado é uma questão de opção do usuário na maior parte dos mecanismos de interação disponíveis. Nos aplicativos de mensagem instantânea, por exemplo, o usuário pode alterar sua condição disponível para interação com o público em geral, para a opção de interagir apenas com usuários previamente autorizados. Infelizmente, o email, o mais popular de todos os mecanismos de interatividade, carece da opção de privacidade. Embora existam algumas novas tecnologias que acenam com a possibilidade de combater a praga digital dos emails não solicitados (spam) ainda é quase impossível permanecer ileso a este mal que aflige, até mesmo, os usuários mais experientes, que seguem à risca os melhores procedimentos para evitar a inclusão de seu endereço nas famigeradas listas de emails que são vendidas na Internet a preço irrisório.

Localização: Imediata / Possível Aqui, volto minha atenção para as coordenadas que levam aos agentes da interação que, de maneira geral, serão caracterizadas pelas condições de acesso à discursos interativos e / ou interlocutores de diálogos. Não interessa, efetivamente, aonde se encontram, mas, sim, o grau de dificuldade que tenho para encontrar os agentes com quem pretendo interagir. Vou dividir as ocorrências, neste eixo, entre dois pontos discretos: os agentes que se encontram imediatamente ao meu alcance; e os que me exigem um esforço de busca. Os imediatos são aqueles que estão diretamente localizados na interface dos mecanismos de interação. Na WWW, são os endereços que armazeno na minha pasta de favoritos, por exemplo. Nos aplicativos de messagem instantânea, são os usuários autorizados cujos nomes são listados com a indicação de sua

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Capítulo II - Dimensões

disponibilidade para interação, quando abro a interface. No email, são os endereços das pessoas que conheço e pretendo contatar. Os possíveis constituem uma instância mais complexa. Em primeiro lugar, vale anotar a possibilidade daqueles que, absolutamente, não consigo localizar para descartá-los, pois não importam, visto que jamais será possível estabelecer com eles uma interação. Porém, é preciso perceber que a capacidade de localizar um conteúdo ou um interlocutor, na vastidão do ciberespaço, depende, fundamentalmente, do talento de quem pesquisa. Para o fim que minha análise comporta, vou, arbitrariamente, supor que este talento se distribui igualmente, ou seja, se alguém é capaz de localizar, todos o são. Para entender esta minha opção, precisamos nos voltar ao objetivo de caracterizar os mecanismo de interatividade. O email só permite a interação com interlocutores cujos endereços eu possuo. Não há como localizar um endereço utilizando este mecanismo de interatividade. Portanto, o email só permite a interatividade em um espaço constituídos por agentes que me são imediatos. Obviamente, eu posso me dirigir a um site na web ou pesquisar em catálogos públicos e ser bem sucedido, caso a pessoa que quero contatar possua seu endereço eletrônico listado. Mas, neste caso, eu sai do ambiente do mecanismo de interatividade do próprio email. Alguém poderia argumentar que o endereço poderia ser obtido através de um email para um conhecido em comum, mas esta não é uma propriedade do mecanismo email e, sim, uma possibilidade da linguagem; o mesmo poderia ser feito por telefone, ou em uma conversa face a face. Um aplicativo de envio de mensagem via SMS funciona de maneira análoga: se não possuo o número do celular do interlocutor que pretendo, a comunicação é impossível. O mesmo ocorre em comunidades virtuais que não mantém listagens de seus participantes: só posso interagir dentro dos ambientes imediatos de uma dada comunidade.

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Capítulo II - Dimensões

Porém, a maior parte dos outros mecanismos de interatividade possui ferramentas

de

procura

dentro

das

possibilidades

da

sua

interface,

possibilitando a interatividade com agentes possíveis, mas não imediatos. Na Web, diversos sites de busca competem para prestar o melhor serviço. Os aplicativos de mensagem instantânea, também, apresentam facilidades de pesquisa. Os ambientes de troca “person to person” (P2P) como Kazaa (www.kazaa.com),

SoulSeek

(www.opencola.com)

combinam

(www.soulseek.org) interatividade

entre

ou seus

ferramentas de busca no sentido de localizar seus conteúdos.

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OpenCola usuários

e

Capítulo III Mecanismos

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Capítulo III - Mecanismos

O objetivo deste terceiro capítulo é a discussão dos mecanismos de interatividade presentes na cultura digital, vis a vis às dimensões formuladas no capítulo anterior. Vou agrupar os mecanismos em três conjuntos, em função de seus macro-objetivos comunicacionais, e discuti-los a partir de dois focos: suas funcionalidades e a interatividade que proporcionam. Os três macro-objetivos são: a publicação de textos para leitura; a viabilização de diálogos e a constituição de comunidades virtuais. Dada a multiplicidade de mecanismos de interatividade que operam na Internet, seria inviável tratá-los unitariamente. A análise por meio do agrupamento proposto pretende permitir que as dimensões de interatividade sejam compreendidas de maneira comparativa, evidenciando similitudes e diferenças entre os vários mecanismos de interatividade que operam cada um dos macro-objetivos identificados. Ademais, o propósito desta dissertação é mapear as dimensões da interatividade e não constituir sua cartografia na cultura digital. O

agrupamento

pelos

macro-objetivos

identificados

é,

certamente,

problemático. Sua construção cristalizou-se durante a discussão da versão preliminar desta dissertação, junto à banca examinadora de qualificação. A criação de dois campos distintos pelos processos de escritura / leitura e pela atividade do diálogo é bastante evidente, tendo permeado itens anteriores do presente texto. A maior dificuldade está na proposição de que mecanismos de interatividade para formação de comunidade criam um terceiro campo, que se insere no mesmo plano que os dois anteriores, do ponto de vista do macroobjetivo comunicacional. O primeiro problema está no fato de que as comunidades virtuais operam tanto processos de escritura / leitura, quanto de diálogo. A solução está na compreensão do objetivo que orienta os agentes interativos, quando estes operam os mecanismos de interavidade das comunidades virtuais. Os agentes do processo de escritura / leitura comunicam-se, tendo como objetivo a

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Capítulo III - Mecanismos

construção e compreensão do objeto texto. O escritor tem como meta impregnar o texto de um determinado sentido que tenciona transmitir. O leitor, por sua vez, tem a intenção de apropriar-se de um sentido do texto produzido. No diálogo, opera o mesmo mecanismo, se entendermos cada fala dos agentes como um pequeno texto. Porém, neste caso, o objetivo dos agentes é a construção de sentido através da interlocução. Não há um texto previamente produzido cujo sentido é construído pela apropriação do leitor, mas, sim, um texto diálogico produzido pelos interlocutores durante a interação. Na escritura / leitura, a interatividade produz o sentido; no diálogo ela produz o texto. Nas comunidades virtuais, o textos e os diálogos produzem um ambiente social. A interatividade produz o contexto que condiona o sentido produzido pelo diálogo, impregado na escritura e apropriado pela leitura. O objetivo maior dos mecanismos de interatividade que viabilizam as comunidades virtuais não é fazer transitar textos ou permitir que interlocutores dialoguem. A razão de existir destes mecanismos é constituir a “sensação de pertencer a um ambiente

que todos constroem e compartilham” [Costa 2002:71]. Muito embora não pretenda operar uma perspectiva peirciana nesta dissertação, cabe aqui sugerir, para questionamento futuro, que estes três macro-objetivos espelham as categorias básicas de Peirce: primeiridade, secundidade e terceiridade [Santaella 2002]. Texto, diálogo e comunidade refletindo,

respectivamente,

a

primeiridade;

enquanto

qualidade;

a

secundidade, enquanto ação e reação; e a terceiridade, enquanto mediação [ibidem]. Como demonstra Santaella em seu magnifico tratado sobre as matrizes da linguagem e do pensamento, o texto pode ser carregado de múltiplas

instâncias

das

categorias

peircianas

que

se

encadeiam

seqüencialmente [ibidem]. Já em relação à interatividade, o texto é um objeto mônade, já que a interação produz o sentido que emana do objeto. Perceber o diálogo como secundidade é mais simples, visto que este é pura ação e reação, uma relação diádica [ibidem]. No diálogo, o sentido emana da relação entre os interlocutores. Nas comunidades, a interação opera para construir o contexto. A

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Capítulo III - Mecanismos

interação conduz os agentes a produzir o terceiro elemento, a própria comunidade, criando a relação triádica que caracteriza a terceiridade [ibidem]. O sentido supera o objeto texto e os interlocutores e passa a ser constituído em função

da

mediação

do

contexto

de

relações

sociais,

construído

interativamente. O segundo problema subjacente ao agrupamento pelos macro-objetivos identificados é que tanto a escritura / leitura, quanto o diálogo comportam relacionamentos sociais entre seus atores. Não há escritor, leitor ou interlocutor fora de uma comunidade. Neste ponto, é necessário centrar o foco no objeto da pesquisa, a interatividade. Na escritura / leitura, os agentes estão inseridos em suas comunidades, o que certamente condiciona o sentido daquilo que comunicam. Porém a interação não opera a comunidade, tanto que podemos ler textos escritos por autores que não compartilham nosso contexto social. Já o diálogo está inserido numa relação social presente. Porém, os agentes não precisam pertencer a uma mesma comunidade, para que o diálogo ocorra. Já, quando tomo os mecanismo de interatividade que têm por objetivo a formação de comunidade, o que está em jogo é a capacidade de colocar os agentes num contexto de relacionamento social comum. Para cada um dos agrupamentos, vou identificar os mecanismos de interatividade inseridos e discutir sua natureza. Não de maneira exaustiva e, sim, com o objetivo de explicitar o que considero relevante para a compreensão da interatividade, vis a vis o macro-objetivo em questão. Não existe um compromisso de abarcar todos os mecanismos de interatividade. A rapidez com que novos mecanismos têm se desenvolvido condenaria esta pretensão de abragência ao fracasso. Vale também notar que os mecanismos de interatividade na cultura digital são, na maior parte das vezes, híbridos, em relação aos macro-objetivos identificados para esta análise. Híbridos nas suas manisfestações, como no caso de um site na WWW, espaço de publicação por excelência da Internet, que

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Capítulo III - Mecanismos

pode carregar uma sala de chat para viabilizar diálogo ou ser o endereço de uma comunidade virtual constituída através de um sistema de conferência eletrônica. Híbridos também nas suas finalidades, como demonstra o mecanismo email que, embora seja o mais importante potencializador de diálogos da Internet, viabiliza mailing lists que operam formação de comunidades e newsletters que constituem método de publicação de texto. Para completar o objetivo deste capítulo e da dissertação em si, vou empreender uma análise prática de uma manifestação específica para cada um dos três grupos, nos quais divido os mecanismos de interatividade. Novamente, há qualquer pretensão de abrangência, o objetivo é demonstrar a viabilidade e a utilidade da análise, através das dimensões propostas no capítulo anterior. A seleção dos objetos de análise é puramente pessoal, tomando por critério, seja minha intimidade com o mecanismo de interatividade, seja meu apreço por uma manifestação específica. Como exemplo de espaço de publicação, tomarei na WWW um de meus sites preferidos, www.tofteproject.com, pois o considero uma demonstração superlativa das possibilidades de construção de interface para leitura interativa de um discurso abrangente e complexo. Para exemplificar as dimensões da interatividade no campo dos potencializadores de diálogo, vou analisar o aplicativo de mensagem instantânea: o ICQ (www.icq.com), não somente por força de sua populariedade, mas, principalmente, pelo fato de ser uma tecnologia que utilizo diariamente. Como objeto de análise entre os formadores de comunidade, minha escolha é tão pessoal quanto as demais, trata-se da comunidade Brainstorms, constituída por Howard Rheingold, da qual venho participando há mais de dois anos. Esta opção apresenta um pequeno problema, visto tratar-se de uma comunidade privada cujos conteúdos não devem ser reproduzidos fora de seus domínios. Mantenho essa escolha, apesar deste fato, visto que o que pretendo discutir são mecanismos de interatividade que podem ser descritos, sem o apoio de imagens e exemplos específicos e,

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Capítulo III - Mecanismos

também, porque como membro da comunidade posso discorrer sobre os objetivos comunais e as normas de conduta, além das funcionalidades do mecanismo de interatividade que a comunidade utiliza, o software Caucus (www.caucus.com). Além do mais, qualquer leitor interessado em contrapor meu relato ao objeto em si, pode ser convidado a participar da comunidade mediante o envio de um email ao Howard Rheingold, conforme instruções descritas em seu site (www.rheingold.com). Com o objetivo de mapear, graficamente, cada um destes três objetos em relação às dimensões da interatividade identificadas no capítulo anterior, vou utilizar o gráfico reproduzido abaixo. Vale notar, que a aplicação deste gráfico não caracteriza o mecanismo de interação cujo objeto de análise exemplifica. A proposição analítica, que a imagem do gráfico corporifíca, é válida apenas para a manifestação específica que pretende representar. Ou seja, o gráfico desenhado para a comunidade Brainstorm não se aplica para a comunidade Slashdots, como veremos no item dedicado aos formadores de comunidade. O objetivo do gráfico e de sua aplicação é, novamente, demonstrar a utilidade da análise prática que as dimensões de interatividade possibilitam. O gráfico apresenta as quadro dimensões com seus vetores específicos. Os vetores que se definem, a partir de polaridades, têm suas instâncias representadas por esferas. Já aqueles vetores, que se distribuem em contínuos, são representados por eixos cujos pontos limites caracterizam as instâncias discutidas no capítulo 2. Na descrição gráfica, temos duas representações um pouco diversas deste esquema geral. Para o vetor do método na dimensão do sentido, também representamos a instância caracterizada pelo ponto médio. No vetor da polaridade da mesma dimensão, a possibilidade de um mecanismo de interação não polar é representada pela esfera, fora do eixo.

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Capítulo III - Mecanismos

DIMENSÃO DO AGENTE

DIMENSÃO DO TEMPO

Fluxo

Ritmo

um-um

um-muitos

muitos-muitos

síncrono

Natureza

Retenção homem-máquina

homem-homem

permanente

fugaz

Identidade conhecida

Simultaneidade desconhecida

favorável

desfavorável

DIMENSÃO DO SENTIDO

DIMENSÃO DO ESPAÇO

Mecanismo

Metáfora

seleção

diálogo

simples

complexa Acesso

Método

dinâmico

procedimental

público

pré-determinado

escritor

privado Localização

Polaridade neutro

assíncrono

imediata

leitor

Figura 1 – Dimensões da interatividade

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possível

Capítulo III - Mecanismos

Os viabilizadores de espaços de publicação A cada um, um pedaço de chão na WWW A publicação de um site na World Wide Web está ao alcance de qualquer cidadão capaz de manipular um computador pessoal. Não é necessário conhecer linguagens de programação específicas, visto que vários serviços disponíveis na Internet permitem a construção de sites por meio de simples preenchimento de formulários eletrônicos. A maior parte dos portais oferece este

serviço

(ver

www.vilabol.com.br;

www.hpg.ig.com.br;

ou

br.geocities.yahoo.com). Embora limitados, os sites construídos através destas ferramentas são tão disponíveis ao público, quanto aquele desenvolvido por especialistas para uma grande empresa, utilizando a mais moderna tecnologia e com vultosos orçamentos. A democratização da capacidade de expressão encantou diversos sonhos útopicos, no início da revolução digital. Atualmente, temos uma percepção muito mais clara. Com a entrada, em massa, das grandes empresas na rede, durante a década passada, pudemos perceber que o poder econômico cria campos desiguais em função da sua capacidade de gerar visibilidade para seus endereços na WWW, utilizando mídias tradicionais [Hine 2000:Capítulo 5]. Este fato não deve obliterar, mas, sim, relativizar a percepção da WWW como novo espaço de publicação. Este espaço existe e é, amplamente, disponível. Porém continua a operar o poder das marcas, do marketing e da capacidade de investimento dos diversos agentes. Entendido que a possibilidade de publicação na WWW é amplamente distribuída e que o potencial de interatividade de um site depende de sua localização na rede, o que é condicionado pela capacidade de divulgação da sua existência, vamos explorar que tipo de interatividade estes espaços proporcionam. Por enquanto, não vou trabalhar as possibilidades de interação através de diálogo,

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Capítulo III - Mecanismos

visto que esta função caracteriza o próximo macro-objetivo a ser discutido. O que interessa, neste momento, é perceber quais são as ferramentas utilizadas na escritura / leitura interativas. A primeira constatação é que a disponibilização de ferramentas de fácil manipulação não induz à compreensão do potencial do hipertexto. O discurso linear é a norma [Johnson 2001]. Na maioria da vezes, o uso de links fica restrito à paginação do discurso em diferentes seções navegáveis através de menus. É raro encontrar discursos que construam múltiplas possibilidades de leitura, oferecendo ao leitor caminhos alternativos ou opções transformadoras do conteúdo do discurso. O problema não é a capacidade ou a disponibilidade da tecnolgia; é, antes, a competência para uma nova escritura [Johnson 2001]. Neste sentido, o recente advento da popularização dos weblogs é um fato a ser destacado. Weblogs são sites que publicam, periodicamente, comentários de um ou vários autores acerca dos mais diversos assuntos. A palavra log é um termo técnico que corresponde a arquivos que contém registros cronológicos das atividades de um determinado programa de computador. O arquivamento e a navegabilidade dos comentários publicados periodicamente é a característica mais marcante da tecnologia dos weblogs. Atualmente, há weblogs que discorrem sobre os mais variados assuntos, embora sua concepção original recorra à idéia dos diários pessoais. Da sua popularização recente que tomou de assalto a Internet no ano passado (2002) resultou a disponibilização de diversas tecnologias concorrentes para a publicação destes sites (para diferentes

tecnologias

ver

www.blogger.com;

www.movabletype.org;

manila.userland.com). Os weblogs, ou blogs, permitem a criação de sites com uma interface apropriada para a exposição de comentários, seu arquivamento e sua discussão. A maior parte das ferramentas de criação de weblogs oferece ao usuário a possibilidade de aceitar comentários de seus leitores. Esta questão já foi tratada no capítulo anterior. O que interessa notar, agora, é que os blogs

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Capítulo III - Mecanismos

têm proporcionado uma nova escritura, na medida em que a utilização de links para os objetos comentados, notas anteriores, comentários em outros blogs fazem parte do método de escritura. O texto dos blogs é muito mais dinâmico, em função da correta exploração das possibilidades do hipertexto.

Para cada leitor um site diferente Como vimos, a correta exploração das capacidades interativas do hipertexto constitui um desafio para a maior parte dos autores de discursos na Web. Entretanto, quando discursos complexos que utilizam este potencial de maneira intensa são criados, é o leitor que encontra dificuldades. A leitura de textos não lineares configura um problema para o leitor acostumado a seguir uma narrativa de começo ao fim [Murray 1997]. Estamos acostumados a nos apropriar de um discurso em sua totalidade. A existência de múltiplas possibilidades gera uma sensação de desorientação ou perda, visto que fica evidente que o objeto texto contém outras possibilidades que não foram apreendidas [Santaella 2002]. Quão mais complexa a estrutura espacial que a interatividade constrói, maior a necessidade de criação de um “modelo-mapa-

desígnio, isto é, um mapa que contém programas de viagem” [Santaella 2002:406] para orientar o leitor. A outra possibilidade de transformação interativa dos textos reside nas tecnologias de personalização. A tecnologia apresenta várias possibilidades e, conforme comentado no capítulo anterior, temos a possibildade de realizar a transformação do texto, priorizando as opções interativas do leitor, ou a possibilidade de fazê-lo com total controle do escritor / produtor do site. No primeiro caso, vários sites jornalísticos apresentam a seus leitores formulários que lhes permitem escolher que tipo de artigos gostariam de receber em

newletters enviadas a suas caixas de correio. Alguns aplicativos de eletronic banking oferecem ao usuário a possibilidade de determinar, interativamente, as

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Capítulo III - Mecanismos

informações que devem ser apresentadas logo que acessem suas contas no site do banco. No segundo caso das tecnologias de personalização, temos a possibilidade de que sites da WWW reconhecem o internauta automaticamente, em função de visitas anteriores. Isto é feito, normalmente, através de cookies, pequenos arquivos que os sites armazenam no computador do internauta que lhe visita, contendo dados sobre suas ações interativas de visitas anteriores. A partir destes dados, os sites têm a possibilidade de alterar seu discurso de maneira dinâmica. O nível de personalização varia de maneira bastante larga. Em alguns sites, esta se restringe a tratar o usuário pelo nome com qual o internauta se registrou anteriormente. Com tecnologias mais robustas, como a utilizada pela livraria virtual Amazon (www.amazon.com), é possível não só conhecer o nome do usuário, como também determinar quais livros devem ser expostos na primeira página, em função de suas compras anteriores. Neste caso, temos um mecanismo de interatividade que permite que o sentido seja transformado, prioritariamente, no pólo do escritor / produtor e que produz mensagens de maneira dinâmica.

Contando visitas e muito mais Durante sua pesquisa etnográfica, Christine Hine pôde constatar que a audiência constitui uma preocupação constante de todos entrevistados que se propuseram a construir um site na WWW [2000:Capítulo 5]. Igualmente, uma exploração aleatória de sites amadores na Web permite verificar uma grande quantidade de sites que exibem, em destaque, o número de visitas obtidas até um dado momento. Qualquer discurso pretende um público e as tecnologias da WWW permitem contabilizar este público de maneira eficiente e imediata. Os contadores de visita são apenas a mais simples das possibilidades.

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Capítulo III - Mecanismos

Tecnologias

mais

robustas

como

os

softwares

Webtrends

(www.webtrends.com) e Webalizer (www.mrunix.net/webalizer) permitem aos produtores de sites web conhecer vários outros dados além do simples número de visitas. É possível conhecer por quais caminhos os usuários navegam dentro do site; quais as expressões mais pesquisadas em mecanismos de busca, e, por conseguinte, quais assuntos que mais trazem internautas ao site; e quais os destinos mais freqüentes de internautas que deixam o site. A leitura na Internet deixa rastros [Lévy 1999]. Os percursos de diversos leitores oferecem ao produtor uma percepção crítica da maneira pela qual os internautas se apropriam de seu discurso. Excluídas as possibilidades oferecidas pela publicidade, seja ela em mídias tradicionais ou na própria WWW, a principal ferramenta do produtor de um site, para incrementar sua audiência, reside em mecanismos de buscas e links em outros sites que remetam ao seu [Hine 2000:Capítulo 5]. A inscrição em mecanismos de busca é atividade obrigatória, porém o resultado desta estratégia, que não pode ser controlado pelo produtor do site, é bastante limitado, em função da profusão de sites que habitam o ciberespaço. Para aumentar sua audiência, os produtores de site entram em contato com outro sites para trocar links [ibidem]. A prática de criação de páginas de links preferidos, comum no ciberespaço, acaba por construir um supra texto que encadeia um conjunto de sites originalmente dispersos. Esta prática é cristalizada nos webrings, aplicativos que dividem a tela em dois frames: no menor uma barra de controle, que utiliza os botões de um video cassete como metáfora, permite navegar entre os sites que são agrupados pelo webring; no maior temos em destaque o site visitado. Os webrings são uma tecnologia antiga na veloz cronologia da Web, porém ela se mantém, basicamente, restrita a alguns temas, em especial, sites dedicados à idolatria de personalidades do mundo do show business.

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Capítulo III - Mecanismos

As possibilidades tecnológicas Existe uma multidão de tecnologias disponíveis para a publicação de discursos em hipermídia. Boa parte delas explora o potencial expressivo da comunicação na Internet. Um dos exemplos mais potentes é a tecnologia Flash da Macromedia (www.flash.com). Certamente superior à linguagem HTML, a língua franca da Web, ela não apresenta, no entanto, nenhum avanço significativo em potencial de interatividade. Com Flash é possível dar movimento a imagens gráficas e exibir textos, utilizando um maior número de recursos visuais; porém, do ponto de vista da interatividade, a criação de sites em Flash remete a elementos já presentes no HTML: links, botões, menus, fomulários, campos de input, etc. Ou seja, a tecnologia não transforma os mecanismos por meio dos quais interagimos com a máquina. Por outro lado, algumas tecnologias recentes e outras ainda incipientes introduzem novas alternativas de interface, transformando as possibilidades interativas do meio digital. Estas inovações caminham em três sentidos: o primeiro dá conta da natureza dos aparatos utilizados para acessar o mundo digital, em especial, das tecnologias que visam à mobilidade física dos agentes; o segundo objetivo é a transformação das interfaces de entrada que atualmente utilizamos, em particular, pretende-se dotar o computador da capacidade de interagir via voz; o terceiro, envolve a pesquisa para a criação de ambientes imersivos multisensoriais. No sentido da mobilidade, a indústria de telefonia móvel já nos oferece um espaço de publicação, análogo ao da WWW, através da tecnologia WAP. Utilizando uma linguagem de programação tão simples quanto o HTML, é possível publicar sites desenvolvidos em tecnologia WAP em endereços da própria WWW. Apesar de disponível há alguns anos e do grande investimento realizado pela companhias telefônicas, esta tecnologia ainda não ganhou popularidade. Para alguns o entrave para maior adoção da tecnologia é a qualidade da interface proporcionada pelos telefones: telas reduzidas com

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Capítulo III - Mecanismos

capacidade gráfica limitada e ausência de teclado alfanúmerico. No entanto, o SMS (Short Message Service), que será discutido mais à frente, também opera a partir da mesma interface. O que não o impediu de ganhar o status de fenômeno de massa em diversos países do mundo, tendo superado o WAP, em termos de utilização, até mesmo no Brasil onde foi lançado posteriormente. As tecnologias, uma vez apropriadas por seus públicos, transformam-se, muitas vezes, afastando-se dos objetivos que seus criadores tinham em mente. O sonho de comandar o computador através da fala está cada dia mais próximo. Em março de 2003, pode-se ter a experiência de “conversar” com o computador através de serviços oferecidos por companhias telefônicas. O Vocall da Telemar (www.vocall.com.br) e o Mediz da Gradiente, em parceria com operadores de celular (www.gradiente.com/site/produtos/index.asp?id=130), permitem manipular uma agenda de telefones e compromissos e consultar informações, através de uma ligação telefônica que é atendida por computadores equipados com tecnologias de reconhecimento e sintetização de voz.

Embora

a

pesquisa

neste

campo

tenha

avançado

de

maneira

impressionante nos últimos anos, ainda não temos máquinas capazes de reconhecer um grande universo de fonemas, timbres e pronúncias. Os aplicativos atuais ainda permanecem restritos a um pequeno universo de expressões e palavras ou a uma voz específica (ver The Economist – Tecnology Quartely 08/12/2001 página 13). No sentido de dar voz à web, outro desenvolvimento relevante é a linguagem VXML (voice extensible markup language - www.w3.org/TR/voicexml20). De maneira resumida, podemos decrevê-la como um protocolo para inserção de arquivos de audio na estrutura de navegação, descrita por códigos HTML em sites da Web, permitindo que sintetizadores de voz sejam capazes de “ler” um site em voz alta e que instruções “ouvidas” via reconhecimento de voz sejam traduzidas em comandos HTML.

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Capítulo III - Mecanismos

O terceiro campo da pesquisa de interface que afeta a interatividade é, normalmente, generalizado como realidade virtual. Porém, como nota Lévy, este campo se divide em dois esforços de desenvolvimento distintos: o primeiro pretende colocar o homem dentro da máquina, na tentativa de criação de uma realidade virtual imersiva, cujo objetivo final é iludir os sentidos humanos, criando uma sensação análoga ao real; o segundo campo de pesquisa leva o nome de realidade estendida e o que se pretende é trazer o mundo para dentro da máquina, ou seja, conectar o mundo físico com a máquina através de sensores capazes de perceber e atuar nos ambientes. [1999] A primeira linha de pesquisa que, como já dito, propiciou o nascimento de várias tecnologias de hipermídia, tem no protocolo VRML (virtual reality modeling language) um de seus desenvolvimentos mais recentes. O consórcio WEB3D (www.web3d.org) está desenvolvendo uma arquitetura que permite representar objetos e ambientes em três dimensões na WWW. A segunda linha de pesquisa ainda não nos tem brindado com aparatos de uso cotidiano, exceção feita às câmeras web, largamente utilizadas por diversos sites, que nos transmitem imagens ao vivo dos mais variados sabores. Longe das fronteiras da pesquisa avançada, temos tecnologias que viabilizam modelos específicos de produção de discursos hipermídia. Além dos weblogs, discutidos anteriormente, vale lembrar a tecnologia por detrás dos Wiki (www.wiki.org). Embora esta tecnologia pudesse ser incluída entre os mecanismos formadores de comunidade, em função da atuação coletiva viabiliza, o formato constante e altamente determinante da interatividade dos sites que utilizam esta tecnologia tem lugar nos comentários sobre os mecanismos de interatividade para publicação. Wiki é um software que permite criar páginas web seguindo uma estrutura fixa. Comentários são apresentados seqüencialmente, links para páginas complementares e afiliações que os conceitos discutidos possuem são exibidos no mesmo local. Conceitos que ainda devem ser explicados são indicados com um ponto de interrogação. E, de maneira quase anárquica, a atualização das páginas é acessivel a todos, até

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Capítulo III - Mecanismos

mesmo a usuários anônimos. O Wiki é, talvez, o melhor exemplo que temos da visão de Pierre Lévy acerca da fusão entre leitura e escritura [1999]. Por último, devemos visitar a terra prometida dos agentes inteligentes. A promessa é a criação de softwares que possam interagir no ciberespaço em nosso nome. Embora as intenções eclipsem as realizações neste domínio, já é possível utilizar alguns automatos capazes de atuar em nosso nome, seguindo regras estruturadas, como também é possível encontrar aplicativos que selecionam sites, produtos ou textos, em função de preferências que informamos, através de formulários [Costa 2002]. O verdadeiro desafio reside na criação de agentes capazes de aprender, por reconhecimento, por padrões que, utilizando esta tecnologia, sejam capazes de conhecer seus usuários e personificá-los no meio digital, de forma a reduzir nosso trabalho e minimizar os efeitos do excesso de informação [ibidem].

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Capítulo III - Mecanismos

Análise demonstrativa: Projeto Tofte

Figura 2 – www.tofteproject.com (acessado em 17/03/2003)

Logo após uma pequena introdução que nos avisa que a história será contada nas vozes dos autores do projeto e nos pede para ligar os altofalantes, uma voz em off: “Welcome to the website which tells the story of the Tofte Project, a collaborative effort in sustainable design. My name is Medora Woods and it was my purchase of a 50 yearold summer cabin on the north shore of Lake Superior, which began the project. Whatever your reason for visiting this site, we hope you find something here: ideas, information or even just a sense of what such a process can be like. The beauty of land and water and the power of an idea inspired the talented and creative people who designed and built the cabin and those who designed and built this web site. We hope that spirit is catching and you take away something, which inspires you to make your dreams real. We invite you to wander about the ways in which we are all interconnected and interdependent. Thank you for coming.”

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Capítulo III - Mecanismos

Criado em Flash, o website do Projeto Tofte é uma das melhores peças de

webdesign que encontrei em inúmeras visitas à WWW. Do ponto de vista estético, seu discurso é uma excelente demonstração das possibilidades da linguagem verbo-visual-sonora [Santaella 2002]. Imagens, áudio e texto, compõe o “texto” que somos convidados a visitar. Um conjunto variado de estímulos é utilizado para compor uma mensagem sensorialmente complexa. Diversos detalhes do chalé, do terreno e da região em que este se localiza são apresentados por meio de seqüência de fotos e pequenos filmes acompanhados de monólogos ou diálogos dos criadores do projeto. Cada um destes segmentos descritivos

é

antecedido

pela

apresentação

de

estatísticas

sobre

desenvolvimento sustentável que compõem um intertexto com o detalhe que será explorado em seguida. Como objeto interativo, apresenta grande riqueza. Três diferentes formas de navegação pelo site são apresentadas em áreas distintas: no canto superior direito, pontos no horizonte simulam estrelas que ao encontro do mouse desenham a silhueta da cabine como uma constelação, cada uma das estrelas serve de link para textos sobre o projeto do chalé e do site que se apresentam nesta mesma janela, assim como para um índice contendo todos os segmentos descritivos; no canto inferior direito, três botões nos permitem alternar entre desenhos esquemáticos da região, do terreno e do chalé, eles contém pontos que remetem aos segmentos descritivos e que, ao encontro do mouse, nos apresentam o título dos segmentos; ocupando a quase totalidade do lado esquerdo e do centro da tela, temos o espaço no qual os segmentos descritivos são apresentados e, no qual, imagens ilustrativas de cada segmento são distribuídas de maneira dinâmica, em função do já foi apresentado durante a visita, abaixo destas imagens temos pequenos quadrados que se acumulam durante a visita e nos remetem aos segmentos já visitados, e que, ao encontro do mouse, visualizam a imagem ilustrativa do segmento e seu título. Ao final dos segmentos que descrevem a influência da luz natural no projeto arquitêtonico, somos convidados a manipular imagens, através de barras e

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Capítulo III - Mecanismos

botões, para perceber as alterações da luminosidade no chalé, em função do horário e da estação climática. Alguns segmentos descritivos possuem seqüências que são apresentadas como links em texto que se sobrepõem à imagem final do segmento. Por último, a partir de alguns itens do menu superior direito, também temos a oportunidade de remeter a outros sites que serviram de referência ao projeto. Um dos aspectos mais interessantes da navegação oferecida pela interface é que nenhum dos diagramas apresenta o conjunto dos segmentos descritos. A apreensão do site é uma experiência imersiva que nos convida a explorar a arquitetura fluída do texto [Santaella 2002] e nos atinge através de uma experiência multi sensorial. Vamos à aplicação do quadro das dimensões de interatividade representada na figura 3. Na dimensão do agente, temos uma configuração característica das publicações digitais: interação um-muitos, homem-homem, envolvendo agentes desconhecidos entre si. Em relação à dimensão do sentido, a interatividade opera o mecanismo da seleção, que se constrói pelo método procedimental, balanceando a atuação do escritor e leitor, visto que o leitor não tem a capacidade de alterar o conteúdo do discurso, mas sua atuação na seleção dos complexos percursos permitidos pelo texto é determinante na apreensão realizada pela leitura. A dimensão do tempo apresenta-se de maneira um pouco particular ao universo da WWW, embora assíncrona como é característico de processos de escritura / leitura. O site do Projeto Tofte dá permanência à interatividade de uma maneira não muito habitual, quando explicita o percurso da visita de maneira dinâmica em sua interface. Só não chega a dar total permanência ao registro da interação, porque não apresenta o registro de visitas anteriores. O caráter profudamente imersivo, também, torna a interatividade do internauta com o site mais desfavorável à simultaneidade do que seria costumeiro em

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Capítulo III - Mecanismos

nossas navegações na Web, já que dificilmente teremos nossa atenção dividida por múltiplas janelas, visto que perderíamos as imagens e os sons dos segmentos descritivos. Em relação à dimensão do espaço, o site contrói uma metáfora razoavelmente complexa, em função de suas múltiplas áreas e da representação que pretende dos ambientes do chalé, terreno e região. Ademais, trata-se de um site público e cuja localização é possível. DIMENSÃO DO AGENTE

DIMENSÃO DO TEMPO

Fluxo

Ritmo

um-muitos um-muitos

um-um

muitos-muitos

Natureza homem-homem homem-homem

Retenção homem-máquina

permanente

fugaz

Identidade conhecida

Simultaneidade desconhecida

favorável

desfavorável

DIMENSÃO DO SENTIDO

DIMENSÃO DO ESPAÇO

Mecanismo

Metáfora

seleção

diálogo

simples

complexa Acesso

Método

dinâmico

procedimental

pré-determinado

público público

escritor

privado Localização

Polaridade neutro

assícrono assíncrono

síncrono

leitor

imediata

Figura 3 – Dimensões da Interatividade no site www.tofteproject.com

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possível possível

Capítulo III - Mecanismos

Os potencializadores de diálogo Email: o verdadeiro “killer application” Logo que os primeiros computadores foram conectados à distância, ligando quatro universidades americanas, seus usuários sentiram a necessidade de trocar mensagens: criaram o email. Como comenta Howard Rheingold, o email não foi a razão que levou à criação da rede, mas uma decorrência lógica de seu potencial de comunicação [1994]. Na mesma época surgiram outras duas tecnologias: Telnet, FTP (file transfer

protocol). A primeira é utilizada para criar “seções” no sistema operacional da máquina conectada, permitindo que o usuário opere comandos à distância. A segunda realiza o transporte de arquivos entre dois computadores conectados entre si. Enquanto, Telnet e FTP mantiveram-se quase que totalmente restritas ao universo dos usuários especialistas, o email ganhou o mundo. Um internauta padrão, vez por outra, encontra um comando FTP na forma de um link para o

download de um arquivo. Provavelmente, fará o download de maneira transparente, sem a consciência de estar utilizando um protocolo que precede, em vários anos, os códigos HTML que constituem a maior parte da WWW. Fora do ambiente dos sistemas operacionais manipulados por especialistas, uma seção de Telnet recorre à memória apenas dos antigos usuários de BBS que digitavam, em arcaicas linhas de comando, as instruções necessárias para interagir com os bancos de dados destes serviços. Já o email tornou-se a tecnologia mais ubíqua do ciberespaço. É a tecnologia de diálogo mais utilizada na rede: são milhões de mensagens trocadas diariamente. A quase totalidade dos provedores de acesso à Internet oferece contas de email como parte de seu serviço básico. Trata-se de uma tecnologia tão potente que, uma vez que nos tornamos usuários, acabamos por questionar como viveríamos sem ela.

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Capítulo III - Mecanismos

A potência do email reside no ritmo da comunicação que viabiliza. A interatividade assíncrona já existia através das cartas e do correio, porém a velocidade de transmissão que o email permite transforma as condições do diálogo. A mensagem que envio chega a seu destino em questão de segundos ou minutos, o que permite tratar questões sensíveis ao tempo. No entanto, são mantidas as vantagens da comunicação assíncrona, ou seja, permite-se que a interação ocorra sem o engajamento simultâneo dos agentes, que cada interação possa ser recebida e respondida no intervalo de tempo que se fizer necessário e que os agentes possam, discretamente, decidir se desejam ou não dar continuidade à interação. Além disto, o email opera os benefícios da digitalização, sendo capaz de transportar arquivos, em hipermídia, passíveis de serem retidos e transformados. Outro aspecto importante da interatividade operada pelo email reside nas possibilidades dos aplicativos que, aliadas a certas normas de conduta, permitem explicitar a seqüência do diálogo. Ao redigir a resposta a uma mensagem recebida, a maior parte dos softwares utilizados para o acesso a contas de email copia o texto da mensagem anterior no corpo da nova. Um email parte de um diálogo contendo uma seqüencia de interações e pode carregar em seu corpo todo o conjunto de mensagens, indicando de maneira gráfica a ordem do texto. Não existe uma padronização para disposição, o que muitas vezes pode tornar confusa a comprensão da temporalidade do diálogo. A maioria dos aplicativos de email coloca a mensagem que está sendo respondida após o texto do novo email, porém existem casos em que é feito o contrário. Também vale notar que, por vezes, muitos usuários optam por não repetir a mensagem anterior em seus emails de resposta, para não carregar demais o texto ou para diminuir o tamanho dos arquivos. Porém, é norma de conduta manter o texto sempre que encaminhamos uma mensagem a um terceiro que não estava envolvido no diálogo inicial, o que constitui um outro importante benefício da possibilidade de dar permanência à interatividade, através do email. Além de operações na dimensão do tempo, ritmo e retenção,

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Capítulo III - Mecanismos

temos a simultaneidade: é possível manter vários diálogos em paralelo, via email. Essa tecnologia opera transformações nas condições dos agentes, ao viabilizar a interação um-muitos, pois um email pode ser endereçado a vários destinatários concomitantes, e a interação muitos-muitos. Através dos mailing

lists, a tecnologia do email possibilitou a primeira forma de diálogo coletivo que caracteriza as comunidades virtuais que analisaremos no terceiro item deste capítulo. O primeiro mailing list, SF-Lovers, que data do final da década de 70, foi formado por um grupo de usuários da Arpanet aficionados por romances de ficção científica [Rheingold 1994]. Atualmente, existem milhares de listas sobre os mais diversos assuntos. As listas são mantidas por aplicativos, identificados pelo nome genérico de listservs, que gerenciam a inclusão e exclusão de participantes e se encarregam do envio das mensagens para os endereços de email cadastrados [Zhang 2002]. Existem diversos softwares de utilização gratuita para este fim, assim como provedores que oferecem este serviço (ver www.lyris.com e br.groups.yahoo.com). As listas podem ser públicas ou privadas, o que neste caso dá conta da possibilidade de cadastrar um novo email, ou seja, uma lista pública permite o registro sem qualquer censura, enquanto em uma lista privada isto ocorrerá por convite, ou mediante um pedido submetido à aprovação. Vou detalhar melhor a interatividade oferecida por essa tecnologia no item terceiro item deste capítulo, mas é válido ressaltar que nem todos os mailing lists caracterizam uma comunidade virtual.

Papo cabeça e papo furado No campo dos mecanismos de interatividade síncrona, temos o IRC (Internet

relay chat) e salas de chat da WWW. O IRC foi desenvolvido no final da década de 80, na Finlândia. O diálogo síncrono composto unicamente pelo texto escrito e desmaterializado na virtualidade do ciberespaço constituía uma novidade. [Reid 1991] Os agentes virtualizados podiam se comunicar de maneira eficiente

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Capítulo III - Mecanismos

por detrás do anonimato de seus apelidos. [Turkle 1994] Diversos assuntos passaram a ser discutidos em ambientes, chamados canais, que se estabelecem, dinamicamente, pelas fronteiras dos assuntos e comportamentos que são ali valorizados ou coibidos. As restrições expressivas do texto e as possibilidades liberalizantes da virtualização dos corpos [Lévy 1996] remetem à necesidade de compor um código de conduta apropriado à manutenção do espaço social constituído nos canais hospedados em servidores de IRC pelo mundo afora. Foi neste contexto que nasceram os emoticons [Reid 1991], assim como se reforçou a convenção de escrever textos em letras maiúsculas para identificar a elevação da voz. “IRC is essentially a playground. Within its

domain people are free to experiment with different forms of communication and self-representation.” [Reid 1991:Preface] No entanto, não é possível brincar neste playground sem o controle de uma série de comandos. Se o usuário pretende participar de uma conversa em algum canal de IRC, além de obter o aplicativo cliente (ver www.mirc.com), é aconselhável aprender os conceitos básicos e a sintaxe que deve ser utilizada em suas linhas de comando. Apesar dessa dificuldade, os diversos servidores de IRC espalhados pelo mundo continuam bastante ativos e seus canais abrigam conversações pulsantes. Em contraponto às dificuldades interpostas pela interface pouco amigável do IRC, surgiram as salas de chat da Web. Os complicados comandos deram lugar a uma interface gráfica que permite ao usuário participar do diálogo, utilizando o know how que já lhes é familiar em função da navegação na WWW. As salas de chat povoam diversos portais voltados à população em geral e a grupos de interesse específico. As possibilidades interativas destes ambientes espelham-se nos canais de IRC que a interface facilita. Os emoticons são transformados em ícones que podem ser inseridos no meio dos textos dos diálogos e expressões representando ações, como “piscar” ou “gritar”, acompanham a identificação do interlocutor junto a suas falas. Também é possível estabelecer conversas reservadas, criando um espaço privado dentro do espaço público, como se

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Capítulo III - Mecanismos

chamássemos nosso interlocutor para o canto da sala, ou é possível ignorar as mensagens de um usuário específico. Embora seja possível encontrar salas de chat e canais de IRC sobre os mais variados assuntos, os temas mais populares são a “paquera” e o sexo. Basta uma breve visita ao chat do UOL (www.uol.com.br/bp) para perceber este fato, o que não se deve estranhar, dado o grande apelo que exercem. Uma sala aberta para discutir futebol, certamente, atrairá mais publico que uma utilizada para debater as últimas descobertas da ciência. A possibilidade de intercâmbio de imagens no chat, via WWW, inexistente nos canais de IRC, aliada ao maior contigente de usuários, provoca a concentração dos espaços mais explícitos nas salas providas por portais. Muitos usuários de IRC referem-se, pejorativamente, às salas de chat em função de sua população. Obviamente, a necessidade de domínio dos comandos acaba, de certa maneira, por qualificar os usuários de IRC. Apesar da maior visibilidade das salas dedicadas a temas populares de qualidade intelectual contextável, tanto a Web quanto os servidores de IRC abrigam diversos ambientes dedicados a diálogos sobre temas específicos. Diversos sites hospedam salas de chat para que visitantes possam debater o tema a que se dedicam, muitas vezes, operando a interatividade em espaços privados, protegidos por senhas. No IRC, o acesso privado pode ser construído no nível do servidor que pode requisitar a autenticação do usuário, o que não é praxe, ou pelo estabelecimento de canais privados. Criar um canal é uma operação corriqueira (alguns portais também facilitam a criação de salas a seus usuários). Basta utilizar o mesmo comando (/join ) utilizado para entrar em um canal, com o nome do novo canal. Neste sentido, estes espaços de interatividade não têm permanência. Basta que o último usuário deixe o canal (/leave ) para que ele deixe de existir (para uma compilação / explicação

dos

comandos

de

IRC

ver

[Reid

www.mirc.com/ircintro.html e www.mirc.com/cmds.html).

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1994:Appendix]

ou

Capítulo III - Mecanismos

A fluidez da estruturação do espaço no IRC é uma de suas qualidades determinantes. Qualquer usuário pode criar o seu canal e, tornando-se o

channel op que passa a controlá-lo, convidar (/invite ) ou expulsar (/kill ) participantes. Os espaços podem se comportar de quatro maneiras, em relação ao acesso: (1) canais públicos (padrão: todos os canais são públicos a princípio), permitem a entrada de qualquer usuário; (2) exclusivos (/mode i), são visíveis (são listados pelo comando /list) com acesso restrito, sendo permitido o acesso somente mediante convite do channel op; (3) privados (/mode p), não visíveis e com acesso restrito; (4) secretos (/mode s), invisíveis, sem acesso e com seus participantes excluídos das listagens de usuários (/who). Como nas salas de chat, é possível criar dobras no espaço, estabelecendo conversas particulares (/query ou /msgs ), ou ignorando particiantes específicos (/ignore ). Os temas do diálogo nos canais também são atribuídos dinamicamente (/topic ) por qualquer usuário, ou somente pelo channel op, se assim for por ele determinado (/mode t). Em relação à dimensão do tempo, além do ritmo síncrono da interação, os diálogos no IRC e nas salas da WWW favorecem a simultaneidade. Os agentes se engajam em diálogos múltiplos, ora respondendo a um determinado participante, ora a outro. Na tela do computador, os diálogos são cruzados na polifonia das múltiplas interações que ocorrem em paralelo. O usuário novato, muitas vezes, se perde em meio a este caos aparente, porém a permanência das falas permite que, uma vez dominado o ambiente, haja a manutenção de várias interlocuções concomitantes. Muitas vezes, mesmo ocorrendo de maneira pública, ou seja, visível para todos os presentes, os diálogos envolvem apenas dois interlocutores, caracterizando uma interação um-um. Por outras, as falas são dirigidas aos presentes de maneira geral, caracterizando uma interação um-muitos. Em salas de “paquera”, é comum novos participantes digitarem “alguém quer tc comigo?”

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Capítulo III - Mecanismos

(tc, abreviação de teclar, quer dizer conversar). Perguntas genéricas também são muitas vezes endereçadas aos presentes. Outra manifestação de interação um-muitos é a dos chats com convidados, bastante populares nos grandes portais. Personalidades são convidadas a participar de uma conversa coletiva com seus fãs que lhes dirigem perguntas e comentários. Quando as interações dirigidas ao público presente se encadeiam em um debate articulado, contituise a interação muitos-muitos [Rheingold 1994] que é a base da inteligência coletiva [Lévy 1999]. Por último, vale comentar alguns outros espaços da interatividade síncrona através do diálogo. Há várias iniciativas que pretendem construir ambientes gráficos em duas ou três dimensões, espelhando o mundo físico, através de metáforas arquitetônicas. Johnson comenta em detalhe sua experiência no The Palace (www.thepalace.com), permitindo concluir que o detalhamento gráfico dos ambientes não enriquece o diálogo. [2001] A possibilidade de transitar com avatares pelo espaço descrito, visualmente, dá margem ao encontro casual, porém este não parece criar grandes, novas e ricas possibildades de engajamento interativo. [ibidem] Mesmo assim a criação de ambientes gráficos para interação continua a atrair esforços. No início deste ano (2003), dois novos e visíveis empreendimentos foram lançados There (www.there.com) e Second Life (www.secondlife.com). Neles se pretende associar as possibilidades interativas do chat, à capacidade de descrição dos ambientes em 3d e aos mecanismos de construção espacial dos MUD, que discutiremos mais adiante. Além dos ambientes gráficos, temos as ferramentas de trabalho colaborativo. Existe uma grande quantidade de aplicativos que são utilizados por empresas e instituições de pesquisa para facilitar o trabalho a distância. Não há grande utilidade em comentar esta variedade, visto que os mecanismos de interatividade utilizados são os mesmos descritos neste capítulo: chats, conferências eletrônicas, email. Porém, importa ressaltar a ênfase dada por essas tecnologias ao compartilhamento e manipulação conjunta de arquivos dos mais variados tipos: arquivos de texto, planilhas, apresentações; e a utilização

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Capítulo III - Mecanismos

de imagens transmitidas digitalmente em video conferências (para exemplo ver www.microsoft.com/windows/netmeeting).

Contatos imediatos Outro importante mecanismo de interatividade síncrona são os aplicativos de mensagem instantânea (IM - do inglês: instant messaging). A característica chave deste mecanismo é administração da disponibilidade dos agentes interativos. Existem vários sistemas de IM concorrentes. Os mais utilizados são o

Messenger

da

Microsoft

(messenger.msn.com.br),

o

AIM

da

AOL

(www.aol.com.br/aim) e o ICQ (http://web.icq.com/) que também pertence à AOL/Time Warner, mas opera de maneira independente. Como o ICQ é o objeto análise demonstrativa logo abaixo, vou me restringir aqui a comentar as funcionalidades e implicações genéricas da tecnologia, deixando a discussão mais detalhada das dimensões da interatividade para a análise do ICQ. O primeiro passo é escolher um sistema de IM. Neste caso, o sistema não determina apenas a interface. Essa escolha determina também os possíveis agentes com quem a comunicação é viável, visto que é necessário que estes estejam inscritos no mesmo sistema, para que possam interagir. Ao me tornar usuário de um sistema, recebo um identificador único: um número, no caso do ICQ, (o nome do usuário é uma condição do número), e um apelido, no caso do AIM e do Messenger. Estes identificadores funcionam como avatares que nos corporificam nas telas dos aplicativos de IM. Só posso interagir com usuários cujos identificadores conheço e que são, por conseguinte, apresentados na interface do software cliente que reside em meu computador. É possível pesquisar em bases de dados à busca de pessoas conhecidas, através de funcionalidades oferecidas pelos aplicativos. Com o identificador do meu interlocutor apresentado na interface, posso iniciar um diálogo que em muito assemelha-se ao que ocorre nas salas de chat, porém, nesse caso, a interação

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Capítulo III - Mecanismos

é um-um. É possível enviar mensagens para múltiplos usuários ao mesmo tempo, porém as intelocuções se dão sempre aos pares. A gestão da disponibilidade é feita por um sistema de status representados por cores e ícones associados ao identificador dos usuários. As cores indicam se a pessoa representada pelo avatar está conectada ou não ao sistema de IM. Estar conectado, no entanto, não é a única indicação de disponibilidade. O usuário tem, na sua interface, o controle de uma série de status que representa sua propensão para o diálogo. Tomando o ICQ como exemplo, existem as opções:

available; free for chat; away; not available (extended away); occupied (urgent messages); do not disturb; privacy (invisible); e offline. Estas opções são identificadas por ícones que acompanham o identificador do usuário na interface do aplicativo. Na maior parte, o status é determinado pelo usuário, porém, quando me afasto do computador por um tempo longo, o próprio sistema,

ao

perceber

esta

inatividade,

altera

o

indicador

de

minha

disponibilidade para “away”. Paradoxalmente, o fato de estar desconectado não impede que outros usuários me enviem mensagens. Portanto, os status são puramente indicativos da minha intenção. As mensagens recebidas são armazenadas e apresentadas, quando o usuário se conecta novamente ao sistema. Ou ainda, quando um usuário escolhe apresentar-se como invisível, é representado, para os demais, com o

status desconectado; porém, caso outro usuário resolva, mesmo assim, enviarlhe uma mensagem, ele a receberá imediatamente e, caso a responda, seu ícone será alterado para o de invisível, apenas para o interlocutor com quem se comunicou. Os aplicativos também oferecem a opção de gerenciar a relação com outros usuários de maneira diferenciada. Quando feita a opção de privacidade, é possível determinar uma lista de usuários que deve enxegar o status invisível, ao invés, do status de desconectado como os demais. Também é possível fazer o contrário e determinar uma lista de usuários que sempre verá o status

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Capítulo III - Mecanismos

desconetado, até que se estabeleça uma conexão com eles. Além disto, é possível ignorar usuários. Mais importante, o usuário pode determinar o nível de promiscuidade do seu avatar no sistema, quando escolhe a opção “free for chat” (ICQ), ele indica que qualquer outro usuário do sistema que esteja a procura de um par para o diálogo pode contatá-lo, o que é feito de maneira aleatória pelo próprio aplicativo. No outro extremo, pode determinar que somente usuários, previamente autorizados, possam lhe enviar mensagens; os demais são restritos a requisitar esta autorização. A gestão da disponibilidade torna-se ainda mais eficiente diante do fato de que o aplicativo pode permanecer ativo, quando conectado à Internet, de maneira não intrusiva, permitindo que o usuário realize outras atividades, enquanto opera em “background”. Somente quando um diálogo é inciado, o usuário é requisitado pelo aplicativo para que decida se deseja ou não estabelecer o diálogo.

A

configuração

desta

disponibilidade

permanente,

altamente

administrada, rendeu a adesão de milhões de internautas aos sistemas de mensagem instantânea em pouco mais de 4 anos, desde que o pioneiro ICQ foi lançado. Estes mesmos motivos têm levado à sua crescente adoção em ambientes de trabalho [Zhang 2002]. Ainda acerca dos aplicativos de IM, vale comentar que eles apresentam uma série de recursos adicionais. Tomando, novamente, o ICQ como exemplo, é possível: enviar arquivos a outros usuários; determinar que uma mensagem seja enviada também por email ou SMS; dialogar através da fala, utilizando microfones e alto falantes; estabelecer comunicação por vídeo através de webcams; ou até criar sessões de chat entre usuários do sistema. É preciso notar que mesmo com todo este rol de possibilidades, o IM não suplanta outros mecanismos de interatividade que viabilizam o diálogo. Não é adequado para a interação de textos extensos e complexos, como os que o

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Capítulo III - Mecanismos

email possibilita, pois existem limites para o número de caracteres das mensagens e sua interface é mais adequada para o diálogo rápido. Também não substitui as salas de chat, visto que privilegia a comunicação um-um. Tampouco, combina as possibilidades do diálogo à capacidade de distribuição como fazem os mailing lists.

Conversas em txt Para finalizar o quadro dos mecanismos potencializadores do diálogo, temos que visitar o mundo sem fio novamente, mais especificamente, a tecnologia de SMS (short message service). Como já mencionamos anteriormente, essa tecnologia ganhou ampla adesão, especialmente na Europa. Em 2001, mais de 200 bilhões de mensagens foram enviadas. [Costa 2002:75] As limitações expressivas da interface, também anteriormente mencionadas, como o tamanho da mensagem, a tela pequena, a digitação alfabética no teclado numérico, não parecem ser grandes obstáculos diante da possibilidade de manter a conexão contínua, quando em movimento, longe dos espaços doméstico e de trabalho. 95% das mensagens de SMS correspondem a p2p messaging, ou seja, diálogos (ver www.mbusinessdaily.com/story/WORLDWATCH/MBZ20020313S0004). Ao contrário dos aplicativos de IM, a maior parte dos usuários não conta com funcionalidades facilitadoras do controle de disponibilidade, aplicativos para envio de mensagens para múltiplos destinatários ou com possibilidade de envio de ícones expressivos. É tudo tão simples quanto: telefone do destinatário + mensagem + botão de enviar. Mais intrigante é o fato de isso ser feito através de um telefone que permitiria também uma ligação telefônica para a mesma pessoa a quem envio a mensagem de texto. A razão deste mistério é comportamental. Como afirma Rogério da Costa, “a

revolução real na computação sem fio não é comercial nem tecnológica, mas

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Capítulo III - Mecanismos

social.” [Costa 2002:74] Uma rápida pesquisa feita por motivos profissionais no início de 2002, revela motivações curiosas para a utilização da tecnologia por seu principal público, os jovens entre 15 e 25 anos: “no bar não dá para conversar mas é possível teclar”; “posso combinar uma balada sem que meu pai me ouça”; “quando estou na aula não posso atender o celular, mas dá para ver a mensagens e responder escondido”, “eu estou no trabalho e não dá para atender o telefone, a mensagem chega e fica lá até que eu posso ver, se for urgente respondo senão deixo para depois” e assim vai. Na maioria dos países, o custo de um SMS é também bastante inferior ao de uma ligação. No Brasil, alguns operadores ainda cobram um valor excessivo. O mais recente livro de Howard Rheingold, Smart Mobs, trata da nova revolução social ocasionada pela comunicação instantânea (este livro não foi incluído na bibliografia deste trabalho, mas o autor também mantém um blog coletivo, www.smartmobs.com, que foi extensamente consultado). O título

smart mobs escolhido por Rheingold opera um duplo sentido, mobs como abreviação de mobile phone, fazendo referência a tecnologias de comunicação móvel inteligentes, ou à palavra mob propriamente dita, o que traduziria a expressão como “gangues inteligentes”. O segundo sentido me parece mais relevante. É ele que resume os potentes relatos: cidadãos Filipinos organizando, através de SMS, as manifestações que reuniram mais de um milhão pessoas que derrubaram o Presidente Joseph Estrada; os enxames de adolescentes em

Shopping Centers de Helsinque que combinam os encontros relâmpagos via SMS [Costa 2002:77]; e a utilização de SMS pelas ONG responsáveis pela manisfestação de 15 de fevereiro 2003 contra a invasão norteamericana no Iraque. A potência interativa dessa tecnologia está na capacidade de engajamento contínuo e simultâneo que é operado pelos aparelhos de comunicação móvel que nos acompanham. Eles criam um mundo imersivo que mantém presentes nossos entes queridos, provocando a confortável sensação de estarmos,

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Capítulo III - Mecanismos

permanentemente, em contato. A ligação telefônica também provoca este conforto,

em

especial

em

relação à

segurança,

mas

sua

interação,

obrigatoriamente síncrona, exige um nível de atenção maior. O contato através do texto é menos presente e por isto pode ser mais permanente. A interação via SMS não se resume a diálogos entre amigos. Uma série de aplicativos são oferecidos pelas operadoras de telefonia móvel. Computadores ligados às plataformas de SMS são capazes de operar programas que criam scripts de diálogo que simulam salas de chat, que enviam títulos de email, que recebem votações como as do programa Big Brother e que viabilizam jogos dos mais variados tipos. Nesta interação, a produção do sentido é claramente dominada pelo pólo de ocupado pela máquina, embora caracterize um diálogo. Podemos dizer que neste caso as possibilidades restritivas da máquina são superadas pelas possibildades extensivas da programação.

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Capítulo III - Mecanismos

Análise demonstrativa: ICQ

figura 4 – Aplicativo de mensagem instantânea ICQ

O ICQ faz parte de meu dia a dia desde 1999. Não há qualquer exagero na afirmação de sua presença diária no meu cotidiano. Meu computador no trabalho e em minha residência estão permanentemente conectados à Internet e raramente são desligados. Assim sendo, desenvolvi o hábito de checar, constantemente, se tenho mensagens e verificar se um amigo que também utiliza o ICQ está online antes de usar telefone como primeira opção de contato. Os mecanismos de interatividade via Internet são profudamente potencializados pelo acesso contínuo por banda larga, o ICQ especialmente, visto que o aplicativo permanece em funcionamento sem requisitar minha atenção.

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Capítulo III - Mecanismos

Vou tomar minha utilização diária como parâmetro para a análise que esta resumida na figura 5. Esta retringe-se às funcionalidades de mensagem instantânea, portanto, o quadro comentado e apresentado abaixo não considera a maior parte das funcionalidades adicionais do aplicativo como comunicação via voz, vídeo ou SMS. Na dimensão do agente, a interatividade é prioritáriamente um-um, com a possibilidade de uma comunicação um-muitos restrita, já que é pouco prático manter várias conversas simultâneas, sobre o mesmo tema, utilizando o aplicativo. Para isso, uma sala de chat seria mais recomendada. A interação é, habitualmente, homem-homem, embora a possibilidade de interagir com robô de conversação, em tese, não seja descartada. Os agentes da interação são conhecidos, pois mesmo quando converso com estranhos, existe um nome que o identifica e a conversa, normalmente, começa por uma apresentação das partes. É possível receber mensagens de spam por ICQ, mas digamos que isto não caracteriza o comportamento interativo a que se destina a tecnologia. Na dimensão do sentido, temos sua construção pelo mecanismo do diálogo, de maneira dinâmica e neutra, em relação a polarização, como a maior parte das tecnologias viabilizadoras de diálogos. Em relação ao tempo, a interatividade é primariamente síncrona, porém a possibilidade de envio de mensagens, quando os usuários estão desconectados, configura um diálogo desengajado, próprio do ritmo assíncrono. Este mecanismo dá permanência aos diálogos, embora estes se evaporem uma vez fechadas as janelas em que se corporificam, já que todas as intelocuções são armazenadas e acessíveis, via interface. Por último, a interatividade é totalmente favorável à simultaneidade. É comum manter várias conversas e outras atividades em paralelo. A dimensão do espaço opera uma metáfora simples no sentido que as conversas ocorrem em janelas de diálogo evanescentes, porém, complexas em

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Capítulo III - Mecanismos

função das possibilidades de gestão da disponibilidade. O acesso é, prioritariamente, privado, com possíveis exceções controladas pelo usuário. Os agentes são quase sempre, imediatamente, localizáveis, através de seus avatares na interface do programa, exceção feita à possibilidade de entreter diálogos com usuários selecionados aleatoriamente pelo sistema. DIMENSÃO DO AGENTE

DIMENSÃO DO TEMPO

Fluxo

Ritmo

um-um um-um

um-muitos um-muitos

síncrono síncrono

muitos-muitos

Natureza homem-homem homem-homem

Retenção homem-máquina

permanente

fugaz

Identidade

Simultaneidade desconhecida

conhecida

favorável

desfavorável

DIMENSÃO DO SENTIDO

DIMENSÃO DO ESPAÇO

Mecanismo

Metáfora

seleção

diálogo

simples

complexa Acesso

Método

dinâmico

procedimental

pré-determinado

público público

escritor

privado privado Localização

Polaridade neutro neutro

assíncrono assíncrono

leitor

Figura 3 – Dimensões da Interatividade no site aplicativo ICQ

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imediata imediata

possível possível

Capítulo III - Mecanismos

Os formadores de comunidade Os primeiros passos Traçar histórico das comunidades virtuais não é uma tarefa fácil. Vários desenvolvimentos em separado cruzam-se na linha do tempo e, para cada um deles, poder-se-ia discutir se e quando passaram a constituir comunidades. Um dos primeiros desenvolvimentos a estabelecer caminhos para formações socialmente complexas, via comunicação mediada por computador, reside nas pesquisas de Murray Turoff do New Jersey Innstitute of Technology que levaram ao desenvolvimento do Electronic Information Exchange System (EIES) [Rheingold 1994:Chapter Four]. No meio da década de 70, portanto, pré computador pessoal e pré interfaces gráficas, este sistema, atualmente em sua segunda versão (ver http://www.njit.edu/old/CCCC/eies.html), permitia a organização de conferências eletrônicas, então, utilizadas por pequenos grupos de pesquisadores. No final na década de 70 e início dos anos 80, vários desenvolvimentos vão cooperar para permitir que grupos dispersos geograficamente constituíssem os diálogos interconectados que levariam à formação de comunidades. O desenvolvimento do protocolo UUCP (unix to unix copy protocol) pelo Bell Laboratories vai permitir constituir redes entre as diversas BBS que começavam a brotar, atraindo os pioneiros usuários dos computadores pessoais [ibidem]. A Fidonet, a Bitnet e Usernet surgem neste período. A primeira foi criada para a troca de arquivos entre milhares de BBS existentes a partir do software Fido. A segunda viabilizava uma rede de emails anterior à Internet. A terceira, que nos importa agora, oferecia o primeiro ambiente público de conferências eletrônicas. Os newsgroups da Usenet permitem que mensagens particulares sejam distribuídas

de

acordo

com

assuntos

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específicos

e

disponibilizadas,

Capítulo III - Mecanismos

publicamente, para todos os seus usários. As mensagens são atribuídas por seus autores a grupos, em função dos assuntos a que estes se dedicam. Embora o texto de uma mensagem possa endereçar à pessoa que participa do grupo, a mensagem, em si, é direcionada ao grupo. Esta dinâmica, que é espelhada nos sistemas de conferência eletrônica em geral, viabiliza a comunicação muitos-muitos que é condição primária para o estabelecimento de comunidades virtuais. O que mais impressiona na Usenet é a sua organização anárquica. Os grupos particulares se vinculam a uma cadeia hierárquica à qual, no entanto, não importa controle, visto que seus administradores, basicamente, definem a formação dos grupos que o descendem na estrutura. Por exemplo, o

newsgroup alt.culture.usenet que se dedica a discutir os aspectos culturais dos newsgroups na Usenet é administrado por um de seus usuários cujo principal poder

reside

no

direito

de

criar

outro

grupo,

como

por

exemplo,

alt.culture.usenet.education, e estabelecer quem será o operador do novo grupo, da mesma maneira que o operador do alt.culture o fez. A experiência pioneira mais comentada, no entanto, é a comunidade Well (Whole Earth Eletronic Link - ver www.well.com). Estabelecida em 1985 por Stewart Brand, fundador da The Whole Earth Review, um ícone da contracultura

americana,

a

Well

constituiu

uma

experiência

instigante

e

surpreendente para seus primeiros habitantes, como demonstra o vívido relato de Howard Rheingold [1994]. Em suas conferências eletrônicas temos os exemplos mais expressivos da potência dos laços sociais que unem pessoas que muitas vezes nunca se viram frente a frente. Como escreve Katie Hafner, em artigo para Wired sobre a comunidade: “history has already decreed The Well

to be synonymous with online communication in its best, worst, and, above all, most vital forms.” [1997]

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Capítulo III - Mecanismos

As bases da vida comunitária no ciberespaço O que caracteriza uma comunidade virtual? Certamente, não basta que um grupo de pessoas passe a se comunicar através de CMC para que se forme uma comunidade no ciberespaço. Rheingold elenca três fatores que estabelecem as bases da formação comunitária: o estabelecimento de normas de conduta que regem as interações socias entre seus participantes; a comunhão sobre um conjunto de valores que serve aos objetivos do grupo; e a sensação emocional de pertencimento que leva os membros de uma comunidade a identificarem-se como tal. [1994] Em seu relato acerca da Well, o autor demonstra como a interação continuada, nos espaços vivenciados conjuntamente das conferências eletrônicas, permite estabelecer as normas de conduta, convergir os valores e criar a história coletiva que constrói o sensação de pertencimento. As normas de conduta fazem-se presentes na quase totalidade dos ambientes do ciberespaço que comportam a interatividade muitos-muitos. As regras são por vezes escritas e organizadas em textos específicos. Muitos newsgroups e

mailing list produzem arquivos contendo perguntas e respostas (FAQ) para informar aos novos membros e lembrar aos antigos quais comportamentos são socialmente aceitos. Como vimos, uma das preocupações constantes é a manutenção do objetivo do espaço compartilhado, ou seja, um newsgroup dedicado à arte celta, não é espaço adequado para uma discussão do atual estado do futebol britânico. No entanto, estes limites são bastante fluídos. Em muitos grupos, o bate papo descompromissado é tolerado, desde que não tome de assalto o espaço interativo, obrigando seus participantes a seguir longas séries de mensagens fora do tópico de discussão a que se dedicam. As normas também procuram controlar o tom das mensagens, uma vez que a presença descorporificada dos agentes dá margem ao abuso da linguagem agressiva. A maior parte dos ambientes de interação muitos-muitos comporta regras próprias a esse respeito, mas o espírito geral é capturado por esta frase largamente utilizada pelos antigos sysops (system operators) da Fidonet: “thou

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Capítulo III - Mecanismos

shalt not offend; thou shalt not be easely offended.” [Rheingold 1994:137] Porém, o que pode ser considerado ofensivo é claramente variado. Um dos membros mais notórios da Well, Tom Mandel, contrariado em sua relação amorosa com uma outra participante, iniciou uma discussão cujo título era “An

Expedition into Nana's Cunt”. A expedição à vagina de sua antiga namorada, historiada em ricos e agressivos detalhes, foi estabelecida dentro da conferência “Weird”, cuja proposição era permitir conversações sobre temas estranhos, sem qualquer censura. Como tal, a discussão não foi censurada, embora tenha provocado inúmeras reações, discussões e protestos. Os administradores da Well chegaram a perguntar à própria Nana, se ela desejava que a discussão fosse interrompida, o que foi declinado em nome da ética de liberdade de expressão regente. A expedição durou apenas três dias, pois, embora não tenha havido censura coercitiva, vários membros da comunidade começaram a bombardear a discussão com uma série de longas e irrelevantes mensagens, o que levou, por fim, Mandel interrompê-la. [Hafner 1997] Além de normas e condutas para coibir a agressividade, as comunidades virtuais estabelecem procedimentos para tornar a comunicação mais eficiente. Em conferências eletrônicas, é comum haver regras para inibir o envio duplicado de uma mensagem, mesmo quando esta abrange temas discutidos em mais de um tópico. São utilizadas soluções como iniciar uma nova discussão que comporte os temas tratados, avisar os participantes sobre as mensagens relevantes enviada a outro item ou, até, o envio duplicado, com o devido alerta sobre o fato. As convenções são, normalmente, ricas no espaço das comunidades virtuais. Criam-se expressões específicas e comportamentos valorizados. Na comunidade Brainstorms, há um item dedicado à manutenção de um glossário, contendo termos utilizados com um significado específico, neologismos ali nascidos e um extenso conjunto de abreviações. O referênciamento

a

mensagens

anteriores

também

respeita

algumas

possibilidades de sinalização gráfica, de acordo com os usos e costumes estabelecidos. Por vezes, os textos são citados entre aspas ou grafados em

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Capítulo III - Mecanismos

itálico. Em chats, é comum haver referência a mensagens, informando o nome do participante e a hora da mensagem: “não concordo com fulano em 12:55”. As normas, obviamente, refletem valores éticos específicos que nascem da convivência e da construção particular do espaço comunitário. Recentemente, em uma discussão sobre um tema da atualidade, presenciei um confronto entre dois membros da Brainstorms que solicitou a interferência do moderador, cujo papel é discutido a seguir). Seguindo a ética vigente, os participantes em conflito eram instados a restringir-se à discussão do tópico em questão, refreando comentários sobre a individualidade alheia. A esta regra geral sobre a convivência, apunha-se um segundo pedido, este específico das regras de uma das conferências da Brainstorms. Um dos membros engajados no conflito possui uma “Life Story”, um relato pessoal de sua vida diária que é hospedado em uma conferência, especificamente criada para este fim. Nela, um membro da comunidade envia mensagens que constituem um diário particular que é comentado por outros membros, com quem cria vínculos de amizade, em função de incentivos, sugestões e críticas que recebe. Segundo a ética específica deste espaço, as life stories são propriedade das pessoas a cuja vida se referem e, portanto, as mensagens ali enviadas não podem ser referenciadas em outras discussões, dentro da Brasinstorms. Desavisado, um dos membros beligerantes havia baseado boa parte da sua contestação nas idéias defendidas pelo outro nos relatos pessoais publicados em seu “Life Story”. Esta regra particular, na verdade, reflete uma regra geral desta comunidade. YOYOW, “you own your own words”: é uma regra que descende da Well que é, fortemente, aplicada na Brainstorms. Ela deve ser entendida em dois sentidos, o primeiro e mais importante é que o conteúdo das mensagens enviadas dentro dos limites da comunidade não deve ser repetido fora destes mesmos limites, sem a autorização expressa de quem as enviou. Boa parte dos membros explicita sua posição particular, em relação a esta regra em suas apresentações pessoais, dizendo que suas palavras podem ser repetidas sem cerimônia;

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Capítulo III - Mecanismos

utilizadas livremente, desde que não haja vantagem financeira para quem as repete; citadas desde que devidamente reconhecidas como suas e linkadas a seu site; ou somente mediante consulta específica e direta através de email. O segundo sentido da norma de propriedade do discurso no âmbito da comunidade é que o usuário pode manipular aquilo que escreveu, da forma que melhor entender, pode mudar um comentário refletindo sua mudança de opinião, pode adendar uma mensagem ou, até mesmo, apagar o que escreveu. No entanto, este comportamento é mal visto, já que pode alterar ou tornar sem sentido o fluxo de uma conversa expressa pela seqüência das mensagens que compõe a discussão coletiva. É convencionado que as alterações, normalmente, para corrigir erros de escrita, adicionar novos fatos ou apagar mensagens duplicadas, sejam devidamente assinaladas com tal por um breve alerta colocado entre colchetes.

As tecnologias de suporte As conferências eletrônicas constituem os exemplos mais ricos de tecnologia de suporte a comunidades virtuais, mas não são os únicos. Existem comunidades que se constituem a partir de salas de chat, IRC e mailing lists. Por um lado, nem todas as conferências constituem comunidades, por outro, algumas salas de chat abrigam comunidades efetivas. A tecnologia não é determinante. São os laços sociais construídos, a partir da interação constante durante um longo período de tempo que determinam a constituição de uma comunidade. Quando freqüentadas por uma audiência cativa, que, ao longo do tempo, estabelece convenções sociais próprias, salas de chat na Web ou em IRC permitem a formação de comunidades plenas. Porém, como a tecnologia não oferece suporte para a permanência da interatividade de maneira eficiente, e como as interações ocorrem de maneira síncrona, as comunidades que se desenvolvem nestes espaços são, via de regra, motivadas pela necessidade de socialização em si, e não em função do interesse por um tema específico. O

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Capítulo III - Mecanismos

mais comum é a reunião de adolescentes que criam vínculos de amizade ou reforçam relações pré existentes, através da convivência social que, em muito, espelha seus hábitos e interesses no mundo real. Isto não quer dizer que este mecanismo não dê margem a situações problemáticas. O recente caso de um jovem americano que morre de over dose de drogas pesadas, durante uma sessão de IRC com amigos virtuais, é assustador (ver news.bbc.co.uk/1/hi/technology/2724819.stm). Ripper, ou Brandon Vedas, toma uma série de medicamentos de uso restrito, enquanto interage com os

habitués do canal #shroomery, ao mesmo tempo em que transmite imagens de seu quarto, utilizando uma webcam. Lendo o log desta sessão IRC (ver www.killcreek.com/ripperlog.htm), percebe-se que as pessoas presentes se conhecem há algum tempo e compartilham a inclinação ao uso de drogas pesadas. Durante a trágica sessão de IRC, alguns membros comportam-se de maneira adolescente, incentivando Ripper a tomar mais drogas, enquanto, outros que, inicialmente, participam da “brincadeira”, vão ficando cada vez mais preocupados em função da gravidade evidente dos fatos e de sua impotência, pois, apesar de conhecerem Ripper, não têm qualquer referência de sua localização geográfica, o que os impede de tentar salvar o amigo. As comunidades formadas a partir de mailing lists, também, oferecem desafios de interatividade, em função do vetor da permanência na dimensão do tempo. Algumas listas oferecem a possibilidade de consulta a seus arquivos, porém esta é uma opção pouco funcional, visto que é superposta ao formato original da discussão, que se procede email a email. Por outro lado, por serem assíncronas, as interações nesses ambientes permitem o tratamento de temas mais densos. A comunidade que se desenvolve em função do mailing list Nettime (www.nettime.org) é um exemplo pulsante de discussões do mais elevado padrão intelectual. Bruce Sterling, por exemplo, ex-editor da revista Wired, renomado autor de ficção científica e futurista, que acaba de lançar o bem recebido Tomorrow Now, é um contribuinte freqüente. Esta comunidade

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Capítulo III - Mecanismos

se dedica a discutir “networked cultures, politics, and tactics”. Um outro aspecto relevante da construção de comunidades, utilizando este mecanismo, é a simplicidade da metáfora espacial que engendra. As listagens de email não dão margem à constituição de múltiplos espaços, segundo temas e convenções particulares, como fazem as conferências eletrônicas em seus diferentes tópicos de discussão. Os newsgroups sofrem da mesma limitação em relação à metáfora espacial. Embora as hierarquias da Usenet permitam o estabelecimento de múltiplos grupos, segundo os mais variados assuntos, as comunidades que se formam neste domínio, via de regra, são particulares a um newsgroup específico e, portanto, constituem um espaço unicameral. O maior desafio para a formação de comunidades em newsgroups decorre de seu caráter totalmente público. A maior parte dos newsgroups não oferece qualquer restrição de acesso, existe a exceção dos newsgroups moderados, nos quais todas as mensagens passam pela aprovação do moderador antes de serem publicadas. O caráter primordialmente público dá margem a maior incidência de comportamentos desviantes das convenções estabelecidas, seja por desrespeito ao tema da discussão, seja por agressividade excessiva, e possibilita o envio de spams, que, no contexto dos newsgroups, equivalem a mensagens comerciais, impessoais, fora do tópico, normalmente geradas por autômatos. Em relação à permanência, a solução oferecida pelos aplicativos que nos propocionam acesso aos servidores de newsgroups é parcial, não por sua possibilidade técnica, mas em função do volume de mensagens que a armazenagem e exibição de todo o histórico importaria. A maior parte dos servidores apresenta um conjunto parcial das últimas mensagens de cada grupo. [Hine 2000] Como anteriormente comentado, algumas comunidades mais estruturadas realizam, de tempos em tempos, o esforço de resumir suas regras de conduta e as conclusões de discussões empreendidas em FAQ, que

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Capítulo III - Mecanismos

são prontamente reenviadas por usuários mais antigos, quando um novo membro o demanda. As conferências eletrônicas organizam espaços mais complexos ao permitir múltiplas discussões dentro de seu ambiente. Os discursos interativos têm permanência, mas o acesso às conversações mais antigas varia. A forma pela qual os discursos interativos se apresentam é, particularmente, relevante nos ambientes de interação muitos-muitos. Nas conferências eletrônicas, duas correntes dividem opiniões: a primeira opção é pela rolagem das mensagens de acordo com sua seqüência cronológica, formato apelidado de toilet roll; a segunda, chamada thread format, corresponde a apresentração das mensagens em cascata, seguindo sua ordem de resposta, uma mensagem ou é a primeira de uma seqüência ou é colocada abaixo da mensagem a qual responde. Existem argumentos para ambas as opções. A rolagem contínua dificulta o seguimento dos debates em separado, visto que uma nova mensagem sobre um assunto diverso ao anterior pode interromper a seqüência de uma conversação em andamento. Para lidar com a polifonia que resulta deste método, operam as diversas convenções de referenciamento. Por outro lado, o atrito entre discussões em andamento e novos temas pode ser positivo, pois dá mobilidade ao pensamento coletivo e impede que as conversações se percam num contínuo de mensagens repetivas e cada vez menos relevantes, à medida que se afastam dos comentários que lhes dão origem. O formato thread, contrariamente, têm a capacidade de gerenciar um número maior de debates concomitantes. Porém, induz à fragmentação, para alguns, negativa para a construção do espírito comunitário. Os defensores do formato toilet roll argumentam que, apesar de tornar a leitura mais complexa, este constitui uma metáfora mais próxima da maneira pela qual as interações sociais ocorrem no mundo físico. O fato de serem operacionalizadas através de softwares específicos, dá margem a diversas configurações em relação a importantes aspectos da interatividade.

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Capítulo III - Mecanismos

Algumas comunidades permitem o anonimato, mas a maioria procura manter algum controle sobre a identidade de seus participantes, mesmo que sem impedir sua manipulação. A maior parte delas exige, ao menos, a confirmação de uma forma de contato, por meio de um email válido. Existem conferências públicas e conferências privadas. Algumas permitem a visualização de suas conversações, mas restringem a participação. Todos os espaços comunitários virtuais oferecem algum nível de controle dos comportamentos, vis a vis as normas sociais estabelecidas. Além dos operadores de sistemas, é comum a figura do moderador. A pessoa investida desta tarefa deve garantir que as normas e condutas sejam respeitadas. Em uma primeira instância de controle, o moderador alia seu status à estratégia de convecimento, utilizando as possibilidades interativas comuns do mecanismo de interatividade em questão como enviar um email para o mailing list ou para o participante específico, publicar uma mensagem na conferência eletrônica que modera ou dialogar na sala de chat. Quando esta estratégia não logra resultados, os moderadores têm a seu alcance algumas possibilidades diferenciadas que caracterizam seu poder. O operador de um canal de IRC pode utilizar o modo de moderação (/mode m), fazendo com que todas as mensagens enviadas ao canal sejam submetidas à sua aprovação para serem publicadas, mesmo expediente utilizado em newsgroups, conforme já comentado. Este recurso, também, é utilizado em mailing lists. Nas salas de chat da Web, embora possível, sua utilização é incomum fora do âmbito dos chats com personalidades convidadas. Moderadores de chat e IRC podem excluir participantes. Nas listas de email e nas conferências, o administrador do sistema pode controlar, discretamente, a inscrição, excluindo membros de comportamento desviante. Os newsgroups não moderados são os mais frágeis em relação ao comportamento disruptivo de um participante. A função dos moderadores não se restringe ao policiamento das normas de conduta. Na maior parte das vezes, sua missão mais importante é a

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Capítulo III - Mecanismos

manutenção da atividade dentro do espaço comunitário. Cabe a ele animar discussões, propor novos temas, conduzir polêmicas construtivas e incentivar a participação de membros menos falantes. Na maior parte das vezes, as ações não implicam qualquer diferenciação das possibilidades interativas entre moderadores e participantes. No entanto, existem algumas possibilidades interessantes. Na comunidade Brainstorms, existe uma newletter interna, publicada em um tópico da conferência de boas vindas, que, semanalmente, realiza um resumo das discussões e mensagens mais interessantes. Este mecanismo funciona como um incentivo à participação. Em conferências eletrônicas públicas como Slashdots (www.slashdot.com), Kuro5hin (www.kuro5hin.org) ou Plastic (www.plastic.com), a facilidade de acesso e a inexistência de restrição para o envio de mensagens, dá margem à profusão de mensagens sem qualquer valor. Sistemas de classificação das mensagens, por notas, trabalham para dar maior significância aos discursos. Os espaços privilegiados, como as primeiras páginas da comunidade, são estritamente controlados. No Slashdots, aparecer neste local é sinônimo automático de prestigio. Ser “slashdoted”, ou seja, ser comentado na primeira página do site que abriga a comunidade, significa uma garantia de milhões de visitas e milhares de emails. A publicação neste espaço é controlada pelos “editores” do slashdots. Na comunidade Kuro5hin, os artigos que se situam na área nobre da primeira página são fruto de um esforço de edição coletiva. Clay Shirky, em seu interessante artigo sobre softwares que dão suporte a formações

sociais

[2003b],

comenta

as

estratégias

adotadas

pelos

organizadores da Slashdots, na construção de sua proposição. Argumenta que é necessário pensar a forma pela qual a experiência do grupo é construída. Segundo o autor, existe uma carência na pesquisa sobre as interfaces de interatividade em grupo, visto que os métodos de pesquisa utilizados sabem investigar as perspectivas de usuários individuais, mas não conseguem extrair uma percepção do grupo. “Social software has progressed far less quickly than

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Capítulo III - Mecanismos

single-user software, in part because we have a much better idea of how to improve user experience than group experience, and a much better idea of how to design interface than constitutions.” [ibidem] A criação de mundos complexos Os MUD, multi-user dungeons originalmente, ou multi-user domains como são por vezes chamados, também são fruto do efervescente período do final do anos 70, início dos anos 80. O MUD original, o jogo que cunhou o termo, foi desenvolvido na Inglaterra e lançado em 1978. Ele era uma evolução do primeiro jogo de role playing, Adventure, desenvolvido no início dos anos 70. Como outros jogos desenvolvidos na mesma época, o primeiro MUD partia das possibilidades do role playing, inovando ao permitir que múltiplos participantes jogassem um contra o outro, ou formando times, utilizando mecanismos de comunicação internos ao software. [Reid 1994:Background] O que começou como um jogo com personagens e ambientes saídos dos livros de Tolkien, forma hoje um universo variado. Há MUD para os mais diferentes gostos (ver list.ewtoo.org para uma listagem atualizada e para um histórico bastante

completo:

www.legendmud.org/raph/gaming/mudtimeline.html).

Segundo Reid, os MUD podem ser divididos em três categorias: os MUD de aventura, competições com diferentes objetivos, nos quais existe uma hierarquia formal que discrimina privilégios entre os diferentes jogadores; os MUD sociais, também chamados MUSH ou MUCK, ambientes menos hierárquicos cujo objetivo é estimular a interação social entre os parcipantes, sem importar competição; e os acadêmicos, como MediaMOO criado pela pesquisadora Amy Bruckman no MIT, nos quais utilizam-se as possibilidades interativas do meio, para o compartilhamento de recursos e experiências e para a produção conjunta de pesquisas. [ibidem]

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Capítulo III - Mecanismos

Os softwares que dão suporte aos MUD oferecem grande diversidade de formatos de interatividade, ainda maior que os apresentados pelos diferentes sistemas de conferência eletrônica. Embora a maior parte continue a ser constituída, unicamente, por texto, alguns são representados graficamente (ver www.achaea.com

ou

zone.msn.com/asheronscall/start.asp).

Todas

as

tecnologias possibilitam diálogo um-um e muitos-muitos no próprio ambiente do MUD. A maior parte da interação é síncrona, mas é possível deixar mensagens para participantes que não estão online. Os registros da interações são mantidos para permitir a continuidade do jogo, mas não há regra em relação à permanência da interatividade. Na maior parte das vezes é possível manter arquivos, logs, contendo as seqüências de texto que compuseram os diálogos e as ações em um determinado ambiente. O aspecto mais importante da interação no ambiente dos MUD é a possibilidade de realizar ações e não só enviar mensagens. Esta ações são determinadas por comandos que permitem por em relação jogadores ou jogadores e objetos. Posso beijar uma pessoa ou pegar um espada. Estas ações são realizadas em relação às personagens com as quais atuamos dentro destes ambientes. Como diz Turkle “all interactions are take place ‘in character’” [1994], o que transforma os MUD no principal domínio das transformações da identidade estudadas pela autora. Os MUD abrigam construções especiais complexas. Constituem verdadeiros mundos virtuais com salas, castelos, tuneis, campos etc. No caso mais interessante dos MUD representados unicamente por texto, estes ambientes são descritos a partir das funcionalidades originais do software de suporte. O operador do jogo, habitualmente chamado “deus”, inicia a descrição dos primeiros espaços e à medida que novos habitantes começam a povoá-los, os poderes de construção de novos compartimentos são distribuídos. Em alguns casos, a capacidade de constituir ambientes é restrita aos “magos”, que são participantes que recebem poderes especiais dos “deuses”. Em outros, todos os

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Capítulo III - Mecanismos

participantes podem criar suas salas. Também é possível criar objetos cuja “existência” é evidenciada pela descrição dos espaços e dos personagens. Na maior parte dos MUD, em especial nos socias e acadêmicos, a habilidade de engendrar novos objetos é amplamente distribuída. As funções destes artefatos também podem variar muito. Alguns são portadores de mensagens, outros de ações transformadoras do ambiente: um interruptor pode apagar a luz de uma sala, desabilitando o comando “ver”. A metáfora espacial complexa e as amplas possibilidades interativas dos MUD, implicam em construções sociais elaboradas. Nos jogos de aventura, as regras são, normalmente, claras e rígidas. Porém, “deuses” e “magos” podem abusar de suas prerrogativas, o que costuma criar conflitos. [Reid 1994] Nos MUD sociais, as normas e convenções são mais fluídas e os poderes descricionários menos determinantes. [ibidem] Em função das possibilidades interativas e dos objetivos para os quais cada um destes mundos são constituídos, as mais variadas situações da vida social têm lugar: brigas, amores, alianças, traições... Nos MUD, a potencialidade do meio digital em “fazer mundo” [Levy 1999] demonstra-se em sua forma mais completa. A comunicação entre agentes, a partir de novos métodos de interação, permite novas formações culturais. O novo está na possibilidade de criar realidades que permitam ao homem o exercício da experiência social fora dos limites de sua existência física. Ecoando Rheingold, Elizabeth Reid comenta que a realidade virtual é “primarily an

imaginative than a sensory experience.” [1994:Introduction] A potencialidade da interatividade na cultura digital tem nos jogos, como os MUD, seu melhor exemplo. Comunicar interativamente é não apenas engendrar o texto da mensagem, mas é, também, criar os mecanismos de interação que permitem aos agentes manipulá-la.

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Capítulo III - Mecanismos

Análise demonstrativa: Brainstorms

Figura 6 – Centro personalizado da Comunidade Brainstorms

A imagem acima corresponde à visão particular que o Caucus, software utilizado pela Brainstorms, proporciona a cada um dos membros da comunidade. Essa tela apresenta um resumo das últimas atividades nas conferências em que optei por participar, assim como alguns destaques da comunidade em geral. Ela constitui o principal método de navegação do espaço da comunidade. A partir deste ponto, posso visualizar as mensagens que ainda não li e me dirigir às conferências das quais participo. A perspectiva personalizada é um ponto central da experiência da interface, visto que há dezenas de conferências concomitantes com dezenas ou centenas de tópicos cada uma, estes contendo centenas ou, às vezes, milhares de mensagens.

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Capítulo III - Mecanismos

O objetivo da comunidade é viabilizar conversações sobre os mais variados assuntos:

“Brainstorms

hosts

a

private

webconferencing

community

for

knowledgeable, civil, adult, fun conversation about technology, the future, life online, culture, society, family, history, books, health, home, mind, phun, money, spirituality, media, and academiaville. We are a few hundred people of all kinds from all over the world. To get in, either I invite you or you email me and explain why you would be a valuable addition to the conversation.” (texto de apresentação da comunidade Brainstorms no site de Howard Rheingold www.rheingold.com) A comunidade comporta um conjunto complexo de normas e convenções, dentre as quais algumas regulam a convivência como um todo, outras são particulares a certas conferências. Alguns exemplos já utilizados, neste capítulo, demonstram este fato. O ponto, talvez, mais importante a ressaltar aqui é o princípio da constituição ética do espaço: compartilhar conhecimento. Os membros são estimulados a contribuir com opiniões e referências. Uma visita à Brainstorms, normalmente, rende-me uma dezena de dicas de artigos e sites interessantes a explorar. As idéias fluem livremente e os únicos tipos de restrição referem-se a normas de cordialidade e à constituição do espaço, ou seja, respeito aos temas tratados. Membros que deixam de visitar a comunidade, recebem um email convidando à participação, que deve incluir não somente a leitura, como também o eventual envio de suas contribuições pessoais, até um prazo específico, sob pena de terem suas contas desabilitadas. Os habitantes da comunidade possuem laço de pertencimento forte que é exibido com certo orgulho pelos membros mais antigos. O procedimento de boas vindas é bastante ilustrativo deste fato. Ao ingressar na comunidade, a partir de convite recebido via email, o novo membro recebe outro email com instruções para sua participação. É orientado a completar seu perfil em uma

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Capítulo III - Mecanismos

área específica, na qual existe um espaço para uma pequena biografia e, antes de mais nada, enviar uma mensagem apresentado-se no tópico específico de apresentações da conferência de boas vindas. Ao fazer isso, é recebido por uma série de membros antigos, moderadores de conferências ou participantes indistintos, que, além de lhe saudar, indicam conferências e discussões que possam lhe interessar, em função das informações contidas em sua biografia. A comunidade organiza-se em uma série ambientes nos quais se estabelece um rico fluxo de comunicação muitos-muitos em formato de toilet roll. Os agentes são conhecidos e humanos, exceção feita ao caucusbot, autômato que dá boas vindas na conferência de apresentações, conforme anteriormente descrito. A veracidade da identidade é uma das regras da comunidade, embora não exista um procedimento metódico de checagem. Os participantes são instados a registrar-se com seu nome verdadeiro e indicar um email válido. Na dimenção do sentido, o diálogo é claramente o mecanismo preponderante, embora boa parte do discurso seja complementado por links externos às mensagens que implicam operações de seleção. Por este motivo, caracterizo uma pequena superioridade da atuação do leitor na produção de sentido, que é operado de maneira dinâmica, como é característico das interações dialógicas. Em relação à dimensão do tempo, o ritmo da interatividade é, obviamente, assíncrono, mas existe a exceção das salas de chat em IRC, associadas a certas conferências. Os discursos são permanentes, pois, ao clicar em cada tópico, todas as mensagens enviadas são disponíveis. Alguns tópicos têm milhares de mensagens, requisitando a navegação por páginas e mais páginas de mensagens. Discussões que deixam de receber a atenção dos membros são arquivadas, mas basta manipular uma opção da tela que apresenta os tópicos de uma conferência, para visualizar todos os itens “aposentados”. E basta que um membro tenha interesse, para que os itens sejam re-ativados pelo moderador da conferência. O mecanismo de interatividade é totalmente favorável à simultaneidade.

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Capítulo III - Mecanismos

Em relação ao espaço, temos uma metáfora complexa, embora não seja arquitetônica. A comunidade como um todo não é apreensível. Não existe uma imagem geral do espaço; a única representação totalizante é uma listagem completa das conferências na tela que permite a seleção particular de cada membro. A figura 6, acima, representa uma perspectiva sobre o espaço em função da minha seleção de conferências. Também posso manipular o espaço “esquecendo” tópicos que não me interessam. Estes espaços são configurados pelos assuntos a que se destinam. A primeira mensagem informa a natureza da discussão à qual o tópico destina-se. Como já comentei, o acesso é privado e as conversações que se produzem dentro de seus limites não devem ser repetidas fora deste espaço. A localização dos agentes é imediata, na medida em que são os agentes que se fazem presentes ao ambiente da mensagem. Mais claramente, quando respondo a um participante específico, sua presença está implicada na mensagem à qual faço referência. A figura 7 representa o resumo da análise das dimensões de interatividade do mecanismo de interatividade utilizado pela comunidade Brainstorms.

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Capítulo III - Mecanismos

DIMENSÃO DO AGENTE

DIMENSÃO DO TEMPO

Fluxo

Ritmo

um-um

um-muitos um-muitos

síncrono

muitos-muitos

assíncrono assíncrono

Natureza homem-homem homem-homem

Retenção homem-máquina

permanente

fugaz Simultaneidade

Identidade desconhecida

conhecida

favorável

desfavorável

DIMENSÃO DO SENTIDO

DIMENSÃO DO ESPAÇO

Mecanismo

Metáfora

seleção

diálogo

simples

complexa

Método

dinâmico

procedimental

Acesso

pré-determinado

público

Polaridade neutro

escritor

privado privado Localização

leitor

imediata imediata

Figura 7 – Dimensões da Interatividade na comunidade Brainstorms

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possível

Conclusão

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Bibliografia

Espero ter demonstrado tanto a possibilidade quanto a utilidade da análise que o quadro das dimensões da interatividade possibilita. Howard Rheingold termina The Virtual Community da seguinte forma:

“The battle for the shape of the Net is joined. Part of the battle is a battle of dollars and power, but the great lever is still understanding – if enough people can understand what is happening, I still believe that we can have an influence. Whether we live in a Panoptic or democratic Net ten years from now depends, in no small measure, on what you and I do now. The outcome remains uncertain. What the Net will become is still, in large part, up to us.” [Rheingold 1994:310] O livro foi escrito há dez anos atrás. Podemos dizer que a batalha continua. Derrotas e vitórias podem ser contadas por aqueles que defedem a utilização mais democrática e libertária possível para o meio. Muitas das grandiosas promessas dos anos 90 não se concretizaram. Porém, mesmo os mais céticos têm que admitir que o mundo não é mais o que era antes da Internet. A revolução digital está apenas começando. Meu filho, hoje com dois anos e meio, utilizará as possibilidades desta tecnologia de formas que mal conseguimos imaginar. Acredito que a interatividade pelo meio digital é elemento fundamental de seu potencial transformador. A compreensão dos mecanismos através dos quais a interatividade opera é, portanto, fundamental para todos aqueles que pretendem utilizar a Internet em toda a sua potência. Ao entender como a interatividade funciona, podemos aplicar as tecnologias que lhe dão suporte de maneira mais adequada. Podemos escolher melhor entre os diversos mecanismos,

configurá-los

de

maneira

mais

adequada

aos

objetivos

comunicacionais que pretendemos. Mais ainda, podemos tirar maior proveito das capacidades interativas destes mecanismos, ao produzir os discursos digitais a que se destinam.

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Bibliografia

No entanto, estou certo de que esta dissertação apresenta apenas uma indicação de um caminho que me parece possível dentre tantos outros. A Internet e a cultura digital, embora objetos de várias pesquisas nos últimos anos, ainda escondem diversas incógnitas. São fenômenos recentes em transformação acelerada. O potencial de interatividade ainda precisa ser largamente explorado, dado que são seus mecanismos que, em conjunto com as novas possibilidades da linguagem da hipermídia, inauguram novas formas de comunicação. O modelo de análise que apresento nessa dissertação me provoca diversas angústias intelectuais. A mais importante é a ausência de um modelo filosófico que explique as dimensões e seus vetores. A proposição que faço nasce de minha experiência e das leituras que fiz para entender minha experiência. As opções

conceituais

não

estão

confrontadas

com

ontologias

primárias.

Certamente, as proposições filosóficas de Pierre Lévy são extensamente utilizadas durante a construção do modelo de análise, mas não há uma descrição ou um paralelo entre as dimensões e os vetores identificados e o pensamento de Lévy. A primeira indagação que este fato provoca é: existiriam outras dimensões, existiriam outros vetores? A segunda questão é: as dimensões e vetores identificados são significativos, têm um fundamento filosófico, ou são apenas indicação de distinções irrelevantes da interatividade? Responder a essas questões é um dos caminhos pessoais abertos pela pesquisa empreendida no Mestrado. Cabe investigar a interavidade a partir das categorias ontológicas em se situam as suas dimensões, colocando-as em diálogo com as teorias da comunicação e com a semiótica. Na verdade, acredito que esta investigação determine duas possibilidades distintas de pesquisa: uma, panorâmica, pesquisando o pensamento sobre os agentes, o sentido, o tempo e o espaço; outra, específica, realizando o confronto da teoria peirciana diante do fenômeno da interatividade. As outras possibilidades de investigação

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Bibliografia

que capturam meu interesse correspondem a perspectivas menos filosóficas e mais próximas de aplicações práticas. Acredito existir um largo campo para a crítica das interfaces, tendo a análise das dimensões da interatividade como perspectiva. E, voltando-me para minha formação em administração de empresas, tenho certeza de que existe grande utilidade na investigação das conseqüências que a cultura digital e seus mecanismos de interatividade terão para a organização das empresas. Embora válidos os quatro caminhos, este último será, provavelmente, o primeiro a ser trilhado. A transformação no universo das organizações mal começou. Embora a efervecência dos anos 90 com suas empresas pontocom tenha sido enorme, as mudanças foram superficiais. As organizações do futuro vão nascer da apropriação definitiva das possibilidades do meio digital que vão transformar da natureza jurídica aos métodos de organização do trabalho. As companhias virtuais são um objeto nascente e a nova potência da interatividade é seu princípio constituinte.

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