Dinâmica sócio-espacial recente em Itacaré (BA): o desmatamento da bacia do rio Jeribucassu entre 1965 e 1997 (2005)

June 22, 2017 | Autor: P. Meliani | Categoria: Geography, Remote Sensing, Rural Geography
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Dinâmica sócio-espacial recente em Itacaré, estado da Bahia: O desmatamento da bacia do rio Jeribucassu entre 1965 e 1997 1 Maurício SILVA 2 Paulo Fernando MELIANI 3

RESUMO O município de Itacaré, no Estado da Bahia, apresenta uma dinâmica sócio-espacial desencadeada por atividades econômicas regionais e locais, fundamentalmente, nas últimas décadas, associadas à lavoura cacaueira e ao turismo. A compreensão desta dinâmica, com base na evolução do uso da terra, permite reconhecer um pouco das transformações espaciais e da formação social em processo no município. A bacia do rio Jeribucassu, situada junto à costa sul de Itacaré, foi estudada por meio de fotointerpretação, pesquisas de campo e geoprocessamento, buscando-se mais elementos para o entendimento da questão. Entre 1965 e 1997, 25% das florestas da bacia do Jeribucassu desapareceram em função da recente ocupação da faixa costeira, que foi motivada pelas contradições da economia. Em Itacaré, as contradições econômicas não atingem somente a vegetação natural, mas afetam as condições de vida da população, seja no campo, seja no distrito-sede onde os problemas sociais se acentuam.

RÉSUMÉ La commune de Itacaré, dans l’état de Bahia, présente une dynamique sociale et spatiale résultant de l’economie régionale et locale, qui principalment dans les dernières décennies, se rapporte à la culture du cacao et au turisme. La compréhension de cette dynamique, fondée sur l’évolution de l’usage de la terre, permet de connaître un peu certaines transformations spatiales et la formation sociale en cours dans la commune. Le bassin du fleuve Jeribucassu, situé au sud de la commune, a été étudié par photointerprétation, étude sur le terrain et géotratament, dans le but de rechercher des éléments permettant la compréhension de la question. Entre 1965 et 1997, 25% des forêts du bassin du Jeribucassu ont disparu à cause de l’ocupation récente de la bande cotiêre d’Itacaré qui est liée aux contradictions de l’économie. A Itacaré, les contradictions ne touchent pas seulement la végétation naturelle, mais affectent aussi le condictions de vie de la population de la campagne et du chef-lieu, oú les problemes sociaux s’accentuent.

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Artigo publicado na Revista ESPECIARIA – Cadernos de Ciências Humanas. Volume 6 . Fascículo 12. Ilhéus (Bahia): Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), jul-dez 2003. p. 221-240.

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Geógrafo pela UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina). [email protected] http://www.mauricio_silva.kit.net 3

Geógrafo e Mestre em Geografia pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Professor do Departamento de Geografia da UDESC. [email protected] 1

1. INTRODUÇÃO Itacaré está situado em uma faixa costeira do estado da Bahia, atualmente valorizada pelo potencial turístico que representa a beleza cênica do relevo e dos remanescentes florestais do município. Além do valor paisagístico e ecológico, algumas áreas do município assumem destacada importância social, como a bacia do rio Jeribucassu que, além ter parte das águas do seu rio principal captada para o abastecimento do distritosede, abriga assentamentos de trabalhadores rurais. O distrito-sede do município de Itacaré situa-se junto à foz do rio de Contas, um rio que nasce na Chapada Diamantina, percorre cerca de 476 quilômetros até alcançar o oceano Atlântico, na conhecida zona “cacaueira” da Bahia. Na divisão regional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1990), o município de Itacaré pertence a “Messorregião Sul Baiano”, mais especificamente a “Microrregião Geográfica Ilhéus-Itabuna” (Mapa 01).

Mapa 01. Localizaçao geográfica do município de Itacaré (Bahia)

Na formação espacial da região de Ilhéus-Itabuna, a função de fronteira de recursos perdurou até o final do século 19, quando a lavoura cacaueira se consolida como atividade produtiva, liderando, a partir de 1903, a pauta de exportações do estado da Bahia (MELLO e SILVA, LEÃO, SILVA, 1989). Com o agravamento das crises da economia cacaueira na década de 1980, trabalhadores rurais, muitos espoliados das fazendas, se 2

viram compelidos a ocupar as terras improdutivas dos municípios costeiros da região, como em áreas da bacia do rio Jeribucassu, em Itacaré. Localizada junto a costa sul do município a bacia do Jeribucassu, que em 1965 apresentava mais de 87% de cobertura florestal, teve boa parte de sua superfície transformada em pequenas propriedades rurais, que trouxeram consigo mudanças significativas no uso da terra e, consequentemente, na cobertura vegetal (MELIANI, 2001). A atual alternativa de desenvolvimento econômico baseada em atividades turísticas (BANDEIRA e LAGE, 2000), torna as transformações mais dinâmicas e complexas na faixa costeira sul do município, onde se localizam muitas das praias, trilhas e cachoeiras que atraem os turistas a Itacaré. Após 1998, quando foi concluída a pavimentação da rodovia BA-001, que liga Itacaré a Ilhéus, o turismo já emergente torna-se cada vez mais importante para a economia do município, influindo também na dinâmica sócio-espacial do lugar. O município de Itacaré possui uma área de 746,9 Km2 para uma população de 18.120 habitantes, sendo que, pouco mais da metade dela, 56,1% (10.165), reside na zona rural (IBGE, 2000). Até a década de 1990, a proporção de residentes na zona rural era muito maior, perfazendo em 1991, 76,8 % da população do município (IBGE, 1991). A desvalorização econômica das práticas rurais, bem como a concentração das atividades de comércio e serviços ligados ao turismo no distrito-sede, talvez expliquem as mudanças estatísticas que parecem refletir as transformações sócio-espaciais em processo no município. A conservação dos aspectos naturais, premissa das atividades econômicas ligadas ao turismo “ecológico” no município, determinou a criação de uma unidade de conservação na faixa costeira entre Itacaré e a vila de Serra Grande, um distrito do município vizinho Uruçuca. Denominada “Área de Proteção Ambiental (APA) da Costa de Itacaré-Serra Grande”, a unidade de conservação, criada por decreto estadual em 1993, possui uma área de 168 km2 que, partindo do oceano Atlântico, ocupa uma faixa costeira com aproximadamente 06 quilômetros de largura por 28 quilômetros de comprimento. O rio de Contas em Itacaré estabelece o limite norte da unidade de conservação, enquanto que a Barra do rio Sargi, no distrito de Serra Grande, município de Uruçuca, o limite sul 3. Contudo, as terras da faixa costeira sul de Itacaré, onde ainda “resistem” fragmentos de floresta ombrófila densa, estão apenas parcialmente protegidas pela unidade de conservação. A APA da Costa de Itacaré-Serra Grande apresenta um território bastante limitado, não

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A criação de unidades de conservação estaduais, como a APA da Costa de Itacaré–Serra Grande, é uma ação articulada às políticas de desenvolvimento econômico por meio do turismo tanto que, até 1999, o Estado da Bahia já possuía 29 unidades de conservação desta categoria. Tais políticas pressupõem que, através da gestão do território, seja possível conservar a integridade de paisagens naturais como as de Itacaré, “sustentando” seu potencial turístico. Uma Área de Proteção Ambiental tem “como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais” (BRASIL, 2000: 16). O desenvolvimento de atividades econômicas no território de uma APA é permitido, desde que sejam respeitados os critérios legalmente estabelecidos em um plano de manejo. 3

abarcando, por exemplo, cerca de 15,92% (4,72 km2) da bacia do rio Jeribucassu, incluindo aí as nascentes e os cinco primeiros quilômetros do rio principal (MELIANI, 2001).

2. DINÂMICA SÓCIO-ESPACIAL RECENTE EM ITACARÉ Plantado em grande quantidade no sul da Bahia desde o século 18, o cacau ainda é o principal produto agrícola do estado em área cultivada e em valor de produção, sendo que a expressiva distribuição geográfica de sua lavoura, na região de Ilhéus-Itabuna, é responsável por quase toda a produção estadual (NENTWIG SILVA et. al., 2000) 4. A cultura do cacau foi a principal responsável pela ocupação produtiva dos solos da região até a década de 1960 (MELLO e SILVA, LEÃO, SILVA, op. cit.), quando parte da produção de amêndoas ainda era transportada pelo rio de Contas, que possui na sua foz em Itacaré, um pequeno porto de histórica importância regional (SANTOS, 1957) 5. Apesar da importância do cacau para a formação espacial de Itacaré, grande parte do município era, em 1974, recoberto por capoeiras altas e remanescentes florestais explorados (LEITE, 1976). Na faixa costeira sul de Itacaré, o relevo acidentado dificultou a integração deste espaço à histórica dinâmica econômica do cacau, que dependia em outros tempos de rios navegáveis e caminhos acessíveis a animais de carga (VeS ENGENHEIROS CONSULTORES, 1996A). As dificuldades de transporte associadas à baixa fertilidade dos solos (CEPLAC, 1976) mantiveram a faixa costeira do município pouco povoada, fato que possibilitou a manutenção de contínuos remanescentes florestais primários e secundários no setor, no mínimo até 1965. Mesmo com a faixa costeira dissociada do processo produtivo, o município de Itacaré, inserido na região e refém da economia cacaueira, vive a mercê das crises comuns à atividade monocultora regional. A lavoura cacaueira vive crises recorrentes, principalmente pelo caráter especulativo do mercado internacional de amêndoas de cacau (MELLO e SILVA, LEÃO, SILVA, op. cit.), bem como pela ocorrência de doenças causadas pelos fungos “vassoura-de-bruxa” (Crinipellis perniciosa) e “podridão-parda” (P. palmivora, P. capsini e P. citrlophthora) (VIRGENS FILHO, 1993). REIS (2002) aponta a década de 1980 como àquela em que a economia cacaueira “... vivencia a pior de todas as crises...” (p. 17), afetando diretamente a renda da população de Itacaré, que decresceu 26% entre 1980 e 1990. Segundo o Departamento de Desenvolvimento Florestal do Estado da Bahia (DDF, 1997), a crise regional da lavoura cacaueira desencadeou atividades econômicas alternativas danosas às florestas da faixa costeira de Ilhéus, Uruçuca e Itacaré: a extração de madeira e o desmatamento para a implantação de pecuária 4

No biênio 1995-96 o valor da produção estadual de amêndoas de cacau na Bahia foi de R$ 217.033.400,00 relativos a 215.489 toneladas cultivadas em uma área de 617.945 hectares. 5

“Em 1900, enquanto o porto de Ilhéus exportava apenas 5.991 toneladas o de Itacaré exportava 6.793. Em 1905, os números começavam a se inverter; eram 11.083 e 7.200, respectivamente. Em 1954, foram 96.282 e 3.800; Salvador nesse ano exportou 19.487 toneladas, apenas 17,82% do total” (SANTOS, 1957, p. 57). 4

e cultivos agrícolas temporários. ALGER e ARAÚJO (1994) citados por DDF (op. cit.), afirmam que pequenos agricultores têm ocupado terras desabitadas no sul da Bahia, derrubando florestas e implantando roças de subsistência. CAVALCANTI (1994), referindo-se provavelmente a década de 1980 e ao início dos anos 1990, afirma que as florestas das terras próximas à costa de Itacaré têm sido ocupadas por trabalhadores rurais insatisfeitos com as condições recebidas nas roças de cacau. Assentamentos de trabalhadores rurais na bacia do rio Jeribucassu, como o projeto da Marambaia, que teve sua área desapropriada pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em 1986, confirmam o processo de ocupação recente desta faixa costeira. Além das transformações sócio-espaciais advindas das questões agrárias, a emergente economia do turismo também tem requerido mudanças no uso das terras do município, como a pavimentação de estradas, a abertura de caminhos, a edificação de residências, pousadas e instalações de infra-estrutura turística, como as necessárias para o setor de comércio e serviços. A beleza cênica das pequenas praias, costões rochosos, restingas, estuários, morros florestados, rios e riachos encachoeirados, constitui-se no atrativo principal dos turistas que atualmente visitam Itacaré.

3. MAPEAMENTO DA COBERTURA VEGETAL DA BACIA DO JERIBUCASSU EM 1965 E EM 1997 Para reconhecer a evolução da cobertura vegetal nas últimas décadas, período de transformações sócio-espaciais associadas às referidas questões agrárias e turísticas, foram elaborados mapas da cobertura vegetal da bacia do rio Jeribucassu de 1965 e de 1997, anos em que foram realizados aerolevantamentos da região em escala compatível ao recorte espacial e à pesquisa aqui proposta. Para o mapeamento da cobertura vegetal, além de pesquisas de campo, foram realizadas interpretações de fotografias aéreas, cartografia digital e geoprocessamento no Laboratório de Geoprocessamento (GeoLab) do Departamento de Geografia da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Foram interpretadas fotografias aéreas em escala 1: 25.000 (CEPLAC, 1965) e mosaicos de fotografias aéreas em escala 1: 15.000 e 1: 25.000 (IESB, 1997A; IESB, 1997B), com representação preliminar em esquemas de cobertura (overlays). Em três campanhas de campo, realizadas em outubro de 2000, julho e agosto de 2001 e julho de 2002, foram registrados cerca de 150 pontos de observação na bacia do rio Jeribucassu e arredores, que serviram como indicadores para a fotointerpretação da cobertura vegetal. A superfície da bacia do rio Jeribucassu possui 29,62 km2, uma área que pôde ser melhor analisada em escala 1: 25.000, sendo a “fisionomia” das formações vegetais o critério fundamental de análise, classificação e mapeamento da cobertura vegetal. A “fisionomia” das formações vegetais é um dos parâmetros estabelecidos para a análise dos estágios de sucessão da “Mata Atlântica no Estado da Bahia”, pela resolução do CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente (BRASIL, 1994). 5

Segundo o CONAMA são definidos três tipos de cobertura vegetal correlacionáveis aos estágios de regeneração da “Mata Atlântica” do estado da Bahia, que agrupados segundo a fisionomia das formações vegetais apresentam as seguintes características: - Cobertura herbáceo-arbustiva: com altura média inferior a 5 metros e cobertura variando de fechada a aberta, relaciona-se ao estágio inicial de regeneração da vegetação natural. - Cobertura arbustivo-arbórea: de altura média entre 5 e 12 metros e cobertura variando de aberta a fechada, com a ocorrência eventual de indivíduos emergentes, relaciona-se ao estágio médio de regeneração da floresta ombrófila densa. - Cobertura arbórea dominante: com altura média superior aos 12 metros e dossel fechado, relaciona-se ao estágio avançado de regeneração florestal. Outras duas classes de cobertura vegetal da superfície da bacia do rio Jeribucassu foram estabelecidas: manguezais e áreas descobertas de vegetação. Na fotointerpretação aplicada à cobertura vegetal, os fatores cor, tonalidade e textura foram chave no reconhecimento fotográfico e no estabelecimento dos seguintes critérios de fotointerpretação: - Cobertura herbáceo-arbustiva: em tons de cinza claros a esbranquiçado e textura lisa e homogênea, ocorre distribuída, em 1965, de modo disperso em formas poligonais regulares que indicam os limites de propriedades rurais. Aparece nos mosaicos de fotografias coloridas, em variações de verde claro com textura lisa referente às áreas de cultivo e pastagens. - Cobertura arbustivo-arbórea: ocorre distribuída em pequenas áreas descontínuas nas fotografias aéreas de 1965, onde aparece em tons de cinza médio a escuro e textura pouco rugosa, associada à homogeneidade do dossel. Já nas fotografias coloridas de 1997, aparece em tons de verde-médio e também com textura pouco rugosa, referentes às pequenas e pouco diversificadas copas de árvores. - Cobertura arbórea dominante: Nas fotografias aéreas de 1965, ocorre como o tipo de cobertura predominante com tonalidade cinza escuro e textura rugosa, relacionada à heterogeneidade das copas do dossel. Nos mosaicos de fotografias aéreas coloridas de 1997 aparecem em tons de verde escuro com textura rugosa, correspondentes as copas das árvores de diferentes espécies. - Manguezal: situado junto à foz do rio Jeribucassu tem tom cinza escuro nas fotografias aéreas de 1965 e cor verde escura nas de 1997, com textura lisa e homogênea nos dois registros fotográficos. - Áreas descobertas: somente mapeadas nos mosaicos de fotografias coloridas de 1997, aparecem em cores que variam do amarelo ao marrom, e referem-se às áreas que receberam corte raso da vegetação (roças lavradas e canteiros de obras da rodovia BA-001). Os esquemas de cobertura (overlays) representativos da fotointerpretação foram ajustados à base do “Mapa da rede hidrográfica da bacia do rio Jeribucassu” elaborado por MELIANI (2001), por meio do Sistema 6

de Informações Geográficas (SIG) “SPRING”. Usando este SIG foram digitalizadas as informações resultantes da fotointerpretação e editados os seguintes mapas:

Mapa 2. Distribuição da cobertura vegetal de 1965

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Mapa 3. Distribuição da cobertura vegetal de 1997

Numa segunda etapa de pesquisa foram sobrepostos os dois mapas da cobertura vegetal, de 1965 e de 1997, utilizando-se a ferramenta “Cruzamento de Planos de Informação” do SPRING. Com o resultado desta operação foi gerado um terceiro mapa, o de “Evolução da Cobertura Vegetal entre 1965 e 1997” (Mapa 04), onde estão representadas classes evolutivas da cobertura vegetal do período. Foram estabelecidas classes evolutivas de acordo com as variações da cobertura vegetal entre 1965 e 1997, levando-se em consideração a 8

ascensão, a estabilidade ou o decréscimo da vegetação, segundo a fisionomia que apresentam nas fotografias aéreas.

Mapa 4. Evolução da Cobertura Vegetal entre 1965 e 1997

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O critério para as classes de ascensão, estabilidade e decréscimo da cobertura vegetal considera que a cobertura arbórea dominante possui a maior altura de vegetação, seguida da arbustivo-arbórea e da cobertura de manguezal, enquanto que a cobertura herbáceo-arbustiva e as áreas descobertas representam os menores estratos vegetais. Uma “ascensão de 2 níveis”, por exemplo, corresponde às áreas que tiveram importante crescimento da vegetação, como aquelas que em 1965 apresentavam cobertura herbáceo-arbustiva e, em 1997, apresentavam cobertura arbórea dominante. Já um “decréscimo de 3 níveis” corresponde às áreas que em 1965 eram florestadas, mas que em 1997 estão totalmente descobertas.

4. O DESMATAMENTO NA BACIA DO RIO JERIBUCASSU ENTRE 1965 E 1997 A análise comparativa da cobertura vegetal, entre os anos de 1965 e 1997, considerou a distribuição em km2 e em percentual dos tipos de cobertura vegetal (tabela 01), bem como a evolução em termos de estabilidade, ascensão (crescimento) e decréscimo destes tipos (tabela 02).

Tabela 01. Totais e percentuais dos tipos de cobertura vegetal Classes de Vegetação Área em km² % Área em Km² 1965 1997 Arbórea Dominante 25.91 87.46% 15.06

% 50.84%

Arbustivo-Arbórea

1.43

4.83%

2.73

9.21%

Herbáceo-Arbustivo

2.11

7.12%

11.43

38.60%

Mangue

0.14

0.48%

0.11

0.39%

Solo Descoberto

0.03

0.11%

0.29

0.97%

Área total das classes

29.62

100.00%

29.62

100.00%

Tabela 02. Classes de evolução da cobertura vegetal Classes de Evolução da cobertura vegetal Área em Km²

%

Ascensão 2 níveis

0.96

3.24%

Ascensão 1 nível

1.03

3.47%

Estável

14.61

49.32%

Decréscimo 1 nível

2.59

8.75%

Decréscimo 2 níveis

10.25

34.61%

Decréscimo 3 níveis

0.18

0.60%

Área total das classes

29.62

100.00%

Em 1965, praticamente toda a faixa costeira sul de Itacaré era recoberta por florestas primárias ou secundárias em estágio avançado de regeneração. Na superfície da bacia do rio Jeribucassu, as áreas com cobertura arbórea dominante somavam 25,91 km2 em 1965 ou 87,46% da superfície da bacia (mapa 02). Em 10

1997, as áreas com cobertura arbórea dominante ainda eram majoritárias, mas em proporção reduzida para 50,84% (15,06 km2) e distribuídas em fragmentos florestais isolados, excetuando-se uma grande área contínua de 7 km², restrita às encostas e ao alto dos morros da Serra do Capitão, no extremo oeste da bacia (mapa 03). Da superfície recoberta por florestas em 1965, 51,71% (13,40 km2) mantiveram-se até 1997, enquanto que 40,07% (10,38 km2) foram desmatados com corte raso, já que, neste ano de 1997, apresentavam cobertura herbáceo-arbustiva ou sem vegetação alguma (áreas descobertas). Apenas 8,22% (2,13 km2) da área florestal de 1965 encontravam-se, em 1997, com cobertura arbustivo-arbórea referente a áreas primeiramente desmatadas com corte raso da vegetação e depois “abandonadas”, permitindo o crescimento até o estágio médio de regeneração da floresta. As áreas com cobertura herbáceo-arbustiva, correspondente a cultivos e pastagens, que somavam apenas 7,12% (2,11 km2) em 1965, já ocupavam, em 1997, 38,60% (11,43 km²) da superfície da bacia, dominando toda uma faixa central, justamente onde as terras estão mais parceladas em pequenas propriedades. Os agricultores que adquiriram a terra por meio do INCRA, em entrevista a CAVALCANTI (1994), afirmaram que encontraram as terras recobertas por florestas ou capoeirões. Na bacia do Jeribucassu, a agricultura é praticada por médios e pequenos produtores rurais, que possuem diferentes níveis de manejo e de estrutura de produção, apesar de cultivarem basicamente os mesmos produtos. Nas médias propriedades ou fazendas, a agricultura tem caráter comercial com práticas agrícolas tradicionais aplicadas a cultivos mistos de culturas cíclicas e permanentes. Nas pequenas propriedades rurais, como no assentamento da Marambaia, a prática é a de uma agricultura de subsistência, destacando-se o cultivo da mandioca que é, por vezes, processada em farinha por pequenos engenhos próprios ou comunitários. A atividade agrícola nas pequenas propriedades é praticada com a finalidade de alimentar o produtor e sua família, sendo que as sobras da produção, eventualmente comercializadas, têm seu valor utilizado na compra de alimentos complementares às necessidades da família. Além da mandioca, outros cultivos cíclicos, como do milho, além de cultivos permanentes como o do abacaxi, do cacau, do coco-da-bahia, da seringa e do cravo-da-índia, são culturas presentes nas pequenas e médias propriedades rurais das bacias. A criação de animais, apesar de pouco difundida, está representada pela criação ovina, bovina e eqüina voltada basicamente para a subsistência e ao transporte de pessoas e de carga. O extrativismo vegetal é realizado na parte oeste e sudoeste da bacia do rio Jeribucassu, com a coleta de madeira onde ainda resistem os remanescentes da floresta tropical atlântica. A madeira, retirada para atender a construção civil e a produção de móveis, é beneficiada em tábuas ainda dentro da própria floresta, facilitando assim o transporte realizado pelos animais de carga, como bois, por trilhas e caminhos (situação constatada em campo).

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5. A NATUREZA DE ITACARÉ Na Serra do Capitão, extremo oeste da bacia do Jeribucassu, as sub-bacias de oito pequenos cursos d’água compõem uma área de nascentes do rio Jeribucassu que, em 1997, ainda estavam recobertas com vegetação arbórea dominante, situação que permaneceu, pelo menos até 2002, quando das pesquisas de campo na área. MELIANI (2001) afirma que estas nascentes e os 5.000 metros iniciais do percurso do rio Jeribucassu estão fora dos limites da Área de Proteção Ambiental (APA) da Costa de Itacaré–Serra Grande, portanto sua vegetação ciliar nesta seção do rio não tem a proteção legal do zoneamento 6. Fora dos limites da unidade de conservação estão também cerca de 4,72 Km2 da superfície da bacia do rio Jeribucassu (15,92 %), incluindo aí as nascentes de dois longos formadores do riacho Vitorino. Importante afluente, o riacho Vitorino possui confluência com o rio Jeribucassu à montante do ponto de captação de água e tem, portanto, parte de suas águas também utilizadas para abastecimento da população do distrito-sede de Itacaré. Segundo MELIANI (2001), a bacia do Jeribucassu apresenta altos índices de densidade hidrográfica (11,51 cursos d’água por km2) e de densidade de drenagem (4,38 km de cursos d’água por km²). Estes elevados índices demonstram a intensa dissecação do relevo, um verdadeiro labirinto de pequenos vales, onde o conjunto de interflúvios forma uma paisagem típica de “mar de morros” 7. MELIANI (2003) mapeou o relevo de topografia mais elevada da bacia do Jeribucassu como modelado de dissecação em morros, enquanto que o setor mais rebaixado e próximo à costa foi mapeado como modelado de dissecação em outeiros. Os morros e outeiros possuem vertentes convexas e convexo-côncavas, com declividade variando entre 20° e 45° de inclinação, em desníveis, entre o topo dos interflúvios e o fundo dos vales, que podem alcançar uma centena de metros. A cobertura arbórea é um dos fatores responsáveis pela manutenção “equilibrada” das encostas dos morros da bacia do rio Jeribucassu, não possibilitando a ação acelerada dos movimentos de massa, exceção feita às áreas de maior declividade. O desmatamento nas encostas pode incrementar os processos erosivos, aumentando a susceptibilidade aos movimentos de massa e a conseqüente degradação dos solos. Segundo TRICART (1976), “uma cobertura vegetal suficientemente espessa pode manter os declives muito acentuados em uma relativa estabilidade, como os flancos das meias-laranjas do relevo cristalino tropical úmido” (p. 21). A manutenção das formas de relevo no meio tropical úmido, como em Itacaré, depende da preservação da vegetação ciliar dos cursos d’água e nascentes, da organização agrícola das encostas dos

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O “Zoneamento Econômico-Ecológico” da Área de Proteção Ambiental (APA) da Costa de Itacaré-Serra Grande propõe uma “Zona de Proteção Rigorosa – ZPR” ao longo do rio Jeribucassu e em setores de alguns de seus afluentes (VeS ENGENHEIROS CONSULTORES, 1996B). 7

Segundo GUERRA e GUERRA (1997), a denominação “mar de morros” foi criada pelo geógrafo francês Pierre Deffontaines para designar um conjunto nivelado de elevações dissecadas em formas arredondadas, também chamadas “meias-laranjas”. 12

morros, da conservação das florestas existentes e do reflorestamento de terrenos inadequados à ocupação humana. As práticas de preservação, conservação e recuperação da natureza dependem da participação voluntária da população que vive em Itacaré. Algumas práticas agrícolas de conservação do solo, de caráter vegetativo, edáfico e mecânico, já são propostas às famílias que vivem do uso da terra em Itacaré (JORNAL DA APA, 2000), outras podem ser estudadas (SALOMÃO, 1999). Práticas de caráter vegetativo buscam a contenção da erosão utilizando-se da cobertura vegetal, como o uso de plantas de cobertura (cultivos permanentes), o cultivo em faixas intercaladas de culturas perenes e temporárias, os cordões de vegetação permanente e a alternância de capinas. De caráter edáfico, práticas de controle do fogo, de adubação “verde” e plantio direto, de adubação química e orgânica, de rotação de culturas, por exemplo, podem manter ou melhorar as condições do solo. Estruturas associadas a práticas de caráter mecânico, como plantio em nível, terraceamentos e canais escoadouros vegetados, têm como finalidade controlar o escoamento superficial e facilitar a infiltração das águas. Na bacia do Jeribucassu, um programa da APA da Costa de Itacaré-Serra Grande contempla linhas de ação produtivas, comunitárias e ambientais voltadas a melhoria das condições de vida das comunidades rurais, bem como a conservação da natureza (JORNAL DA APA, 2000). Cabe destacar neste programa, a introdução de sistemas agroflorestais e a implantação de viveiros comunitários para a produção de espécies nativas. Ações desta natureza, que buscam a valorização e o conhecimento das famílias que vivem no campo, podem também ser pensadas no campo do turismo ou de outras atividades econômicas que envolvam a população de Itacaré. Apesar de representarem um conjunto importante de empregos para a população de Itacaré, as atividades de comércio e serviços ligadas ao turismo são, predominantemente, administradas por indivíduos vindos de outras localidades, restando a população nativa os empregos e as atividades de menor remuneração. Um dimensionamento do potencial turístico em termos de infra-estrutura e, especialmente, de inserção da população de Itacaré nas atividades econômicas se faz necessário. Mesmo que indiretamente, pode haver um “repasse” social dos ganhos com a atividade turística, com investimentos focados na alimentação, educação, saúde, habitação, saneamento básico, fundamentalmente para as famílias que vivem nos bairros onde são complicadas as condições de vida, como a rua da Linha ou os Alagados. Os benefícios do turismo não podem ser apenas para alguns, afinal o potencial turístico de Itacaré se deve à natureza do lugar, e isso inclui sua gente.

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