Dinâmicas populacionais e as desigualdades de acesso em saúde em Portugal Continental

October 16, 2017 | Autor: Hélder Lopes | Categoria: Mobility/Mobilities, Health Geography, Social Inclusion
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XIV Colóquio Ibérico de Geografia 11-14 novembro de 2014 Departamento de Geografia, Universidade do Minho

Dinâmicas populacionais e as desigualdades de acesso em saúde em Portugal Continental Hélder Lopes (1), José Castro (2), Neuza Silva (3), Vitor Ribeiro (4) (1)

Universidade do Minho, [email protected] Universidade do Minho, [email protected] (3) Universidade do Minho, [email protected] (4) Universidade do Minho, ví[email protected] (2)

Resumo As mudanças demográficas que têm ocorrido nos últimos anos têm determinado diferenças sociais e económicas, nomeadamente no que se relaciona com a acessibilidade aos cuidados de saúde. A litoralização versus despovoamento do interior tem criado fossos cada vez mais significativos, o que tem implicado iniquidades expressivas nos resultados em saúde, designadamente no acesso aos mesmos. Tendo em conta a inexistência de uma visão macro de localização e da acessibilidade aos cuidados de saúde, nesta comunicação pretende-se avaliar a oferta destes serviços, considerando que é necessário ter uma visão mais realista do território de Portugal Continental para que se percecione as diferenças entre áreas mais repulsivas ou mais dinâmicas, com deficit ou excesso de equipamentos de saúde. Deste modo, recorrendo à utilização de ferramentas de análise espacial urge avaliar as iniquidades no acesso ao serviço nacional de urgência e perceber as alterações que se verificaram no último período censitário. Palavras-chave: População, Território, Saúde

1. Introdução O acesso aos serviços de saúde é uma questão fundamental para avaliar, na atualidade, as políticas de saúde e as práticas de planeamento. A equidade no acesso de cada grupo funcional aos equipamentos de saúde detém uma maior importância devido ao envelhecimento populacional que caracteriza a sociedade atual. Deste modo, de forma a privilegiar uma análise centrada nos grupos mais vulneráveis, as políticas que se implementam no território devem ser orientadas para atenuar as desigualdades no acesso geográfico a bens e serviços essenciais. O acesso à saúde é um direito comum aos cidadãos. Deste modo, é necessário aumentar os níveis de acessibilidade da população aos serviços de saúde, para que a sociedade se desenvolva de uma forma coesa e socialmente justa, ou seja promovendo a equidade social. Em Portugal, a dimensão geográfica da acessibilidade, designadamente a proximidade, encontra-se contemplada na Lei nº 48/90 de 24 de Agosto (Lei de Bases da Saúde), embora as práticas de planeamento não a concretizem (Ribeiro et al., 2015). A proposta da Rede de Urgências do Ministério da Saúde, em 2007, elencou como grandes objetivos, a melhoria da qualidade da assistência urgente e emergente, da acessibilidade a estes cuidados e da

equidade no acesso (Ministério da Saúde, 2007). Este estudo avalia os tempos de deslocação anteriores e a posteriori da reforma aos serviços de urgência e a população abrangida por esses tempos. Neste estudo, pretende-se aferir a acessibilidade da população, com recurso ao automóvel, aos serviços de urgência, considerando as alterações introduzidas pela proposta da Rede de Urgências mencionado anteriormente. A acessibilidade revela a facilidade da população para alcançar as oportunidades, que estão disponíveis para seu usufruto, usando um determinado meio de transporte, enquanto a mobilidade está relacionada com a deslocação das pessoas ou mercadorias e é expressa em termos de movimento de pessoas ou mercadorias (Ribeiro et al., 2015). O automóvel é, atualmente, o principal meio de transporte que a população utiliza para satisfazer as suas necessidades. Porém, a inexistência de um veículo próprio ou de inabilitação para a prática de condução são responsáveis pela diminuição das condições de acesso aos serviços de saúde (Bostock, 2001; Ribeiro et al., 2013). Sine dubio, um dos reptos que se coloca, atualmente, em saúde prende-se com a oferta de uma rede eficaz de Serviços de Saúde, acessível a todos e suscetível à utilização de qualquer meio de transporte, inclusive o veículo privado. Deste modo, a distância que medeia entre o equipamento de saúde e a residência do indivíduo tem tido um papel fundamental, na medida em que garante maior ou menor grau de acessibilidade ao mesmo (Guagliardo et al., 2004). A acessibilidade é um elemento fundamental para a avaliação da equidade aos serviços de maior necessidade, como são os serviços de saúde (Guagliardo, 2004; Luo e Qi, 2009). A acessibilidade física tem sido relegada para segunda ordem de trabalhos, embora seja primordial que a política e planeamento em saúde avalie a acessibilidade aos cuidados de saúde e a sua eficiência económica (Ribeiro et al., 2015). O Plano Nacional de Saúde 2012-2016 visa dotar de uma nova visão para o Serviço Nacional da Saúde, promovendo a igualdade no acesso (Furtado e Pereira, 2010). A política definida pelo plano aponta para uma melhoria substancial na qualidade e no acesso aos cuidados de saúde. A recessão económica, o despovoamento de alguns territórios e a deterioração do serviço de transportes públicos têm certamente contribuído para a incapacidade de sustentar um leque alargado de Serviços de Urgências, tornando-os suscetíveis de encerramento.

2. Caraterização do Serviço Nacional de Urgência (SNU) Em Portugal, os hospitais têm como cerne a prestação de serviços secundários que se diferenciam daqueles que são prestados pelas unidades que concedem cuidados de saúde primários (Ministério da Saúde, 2012; Ribeiro, 2013). Em Novembro de 2001, o Ministério da Saúde português procedeu à aprovação da Rede de Referenciação Hospitalar de Urgência/Emergência. A 7 de Fevereiro de 2002, foram criadas, por Decreto-lei nº 157/99, as Unidades Básicas de Urgência (UBU) e o Serviço de Urgência Hospitalar. Passados quatro anos, em 2007, foi constituída, por Despacho nº 17736/2006, de 2

31 de Agosto, a Comissão Técnica de Apoio ao processo de requalificação das urgências e a sua área de atuação na coordenação de outras intervenções de urgência. Em resultado da ação da Comissão Técnica procedeu-se, por Despacho nº 18459/2006, à definição das caraterísticas da rede de serviços de urgência, bem como os níveis de resposta que integram (Figura 1). O 1º nível de acolhimento é o Serviço de Urgência Básico (SUB) e constituem os serviços de urgência de maior proximidade. É neste nível que se realizam as pequenas cirurgias, mas cujo cariz é médico e não cirúrgico. Estes localizam-se em áreas cuja população deve ser superior a 40000 habitantes, desde que a sua acessibilidade a um SUB ou Serviço de Urgência Médico-Cirúrgico (SUMC) seja superior a 60 minutos. Os SUMC correspondem ao segundo nível de atendimento, cuja localização deve ser acessível em menos de 60 minutos por via terrestre. O Serviço de Urgência Polivalente (SUP) é o nível mais especializado em termos de resposta e deve localizar-se num Hospital Central ou Centro Hospitalar. Os SUMC e SUP, apesar de terem estabelecido o acesso em 60 minutos como aceitável na sua área de influência, nos casos em que a população exceda os 200000 habitantes podem existir em raios de distâncias mais reduzidos.

Figura 1 - O serviço de urgências na prestação de cuidados de saúde Fonte: Elaboração própria com base no Despacho nº 725/2007 e Ribeiro (2013).

Em resultado da discussão pública do relatório de requalificação da rede de urgência geral, a rede de Serviços de Urgência foi atualizada com o Despacho nº 727/2007, precedendo o Despacho anterior. Como objetivo de melhorar a qualidade no tratamento de situações urgentes, procedeu-se à racionalização de recursos, com o encerramento de 15 serviços de urgência. Em conformidade com o mesmo Despacho, foram articuladas várias valências e recursos humanos que devem estar subjacentes à atuação hierárquica definida para os serviços de urgência (Tabela I).

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Tabela I - Valências e Recursos Humanos nos Serviços de Urgência

Fonte: Elaboração própria com base no Despacho nº 725/2007.

3. Metodologia Os Sistemas de Informação Geográfica (S.I.G.) constituem uma das ferramentas que apresenta maiores potencialidades para avaliar, de uma forma mais realista, os níveis de acessibilidade. Desta forma, utilizaremos as ferramentas SIG para medir a acessibilidade aos serviços de urgência, atendendo à metodologia proposta por Santana, em 2009, em “Os Ganhos em Saúde e no Acesso aos Serviços de Saúde. Avaliação das últimas três décadas”, onde os tempos de deslocação correspondem a incrementos de 10 minutos nas classes ao Serviço de Urgências, em automóvel, à velocidade máxima por tipo de via. Para o efeito foi modelada uma velocidade diferenciada de deslocação, consoante a tipologia das vias. A população foi obtida com base no centróide de cada subsecção estatística do Censos realizado em 2011.

4. Acessibilidade aos Serviços de Urgência A proposta de alteração da rede do Serviço Nacional de Urgência, em 2007, repercutiu-se no encerramento de inúmeros Serviços de Urgência. Enquanto nas NUT II do Alentejo e do Algarve não se verificaram quaisquer encerramentos, a região Norte foi das mais afetadas com o encerramento de sete serviços de urgência, localizados nos municípios de Espinho, Santo Tirso, Fafe, Vila de Conde, Mirandela, Macedo de Cavaleiros e Régua (Figura 2).

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Figura 2 – Rede de Serviço Nacional de Urgência em Portugal

Tal como se observa na figura 2, os serviços de urgência concentram-se essencialmente no litoral, sendo que existem alguns territórios, no interior do país, onde a deslocação a um serviço de urgência ultrapassa os 60 minutos. Esta situação agrava-se no Nordeste do país, uma vez que são territórios onde o envelhecimento demográfico e o despovoamento são mais acentuados. As dificuldades no acesso geográfico a estes serviços de urgência tornam, certamente, estas áreas mais repulsivas. Constata-se uma maior concentração dos Serviços de Urgência na Área Metropolitana do Porto e nas cidades que constituem o quadrilátero urbano do Minho, enquanto nos territórios do interior subsistem os serviços de Urgência nas Capitais de Distrito.

Figura 3 – Acessibilidade geográfica aos serviços de urgência no Norte de Portugal, em 2001 e 2011

As alterações que estiveram subjacentes à reforma do Serviço Nacional de Urgência tiveram repercussões significativas nos tempos de deslocação que a população necessita para os alcançar. Em 5

2011, face a 2001, verificou-se um agravamento das condições de acessibilidade nas isócronas mais baixas. Em 2011 a população que se encontrava a menos de 10 minutos, do serviço de urgência mais próximo, diminuiu cerca de 2,8%.

5. Notas conclusivas A melhoria da acessibilidade aos Serviços de Urgências configura-se hoje como uma necessidade para garantir melhor qualidade de vida da população. É fundamental articular as opções que os decisores políticos têm tomado com as necessidades da população que reside em cada território. Os recentes documentos políticos orientadores para o Sistema de Saúde em Portugal têm acentuado a tónica na necessidade de melhorar os níveis de acessibilidade, da equidade e da proximidade dos serviços à população. Porém, também assistimos ao encerramento de serviços, particularmente em territórios vulneráveis socialmente. Pelo facto, torna-se relevante avaliar as condições da acessibilidade da população a estes serviços. A análise de redes, em ambiente S.I.G., permite a modelação das deslocações quotidianas de cada grupo funcional. O estudo que subjaz esta comunicação utilizou a tecnologia de informação geográfica para aferir sobre os impactos, nos tempos de deslocação, para a população aceder a estes serviços.

6. Bibliografia Bostock, L. (2001). "Pathways of disadvantage? Walking as a mode of transport among low-income mothers", Health & Social Care in the Community, 9 (1), pp. 11 - 18. Furtado, C., & Pereira, J. (2010). Equidade e Acesso aos Cuidados de Saúde (pp. 52). Lisboa: Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa. Guagliardo, M. (2004). Spatial accessibility of primary care: concepts, methods and challenges. International Journal of Health Geographics, 3(1), 1-13. Gutiérrez, J. García-Palomares, J.C. (2008). Distance-measure impacts on the calculation of transport service areas using GIS. Environment and Planning B: Planning and Design 35 (3), 480-503. Luo, W., & Qui, Y. (2009). An enhanced two-step floating catchment area (E2SFCA) method for measuring spatial accessibility to primary care physicians. Health & Place, 15(4), 1100-1107. Ministério da Saúde. (2007). Proposta da rede de urgências, relatório final, Ministério da Saúde, Lisboa. 24 Pgs. Ministério da Saúde. (2012). Plano Nacional de Saúde 2012-2016, Ministério da Saúde, Lisboa. Consultado em junho de 2014 em http://pns.dgs.pt. Ribeiro, Vitor; Remoaldo, Paula e Gutiérrez, Javier. (2013). "Measuring the accessibility of bus stops for elderly people: The effects of slope and walking speeds ", in Melhorado-Condeço, Ana; Regianni, Aura e Gutiérrez, Javier (coord), Spatial Accessibility, Londres, Edward Elgar Publishing, pp. 315-327 Ribeiro, V., Remoaldo, P., Puebla, J. G. & Ribeiro, C. (2015). Acessibilidade e SIG no planeamento em saúde: uma abordagem baseada em modelos de alocação-localização. RPER, 35, 25. Santana, P. (2010). Os Ganhos em Saúde e no Acesso aos Serviços de Saúde. Avaliação das últimas três décadas. In Simões J (Coord). (2010). 30 Anos do Serviço Nacional de Saúde - um percurso comentado. Coimbra: Almedina.

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