DIREITO À SAÚDE POLÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS A SUA CONCRETIZAÇÃO COM ÊNFASE PARA A MEDICINA TECNOLÓGICA

September 10, 2017 | Autor: Nicholas Merlone | Categoria: Direito, Direito Constitucional, Politicas Publicas, Direito à Saúde, Direito Sanitário
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

NICHOLAS MACIEL MERLONE

DIREITO À SAÚDE POLÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS A SUA CONCRETIZAÇÃO COM ÊNFASE PARA A

MEDICINA TECNOLÓGICA

São Paulo / SP 2014

NICHOLAS MACIEL MERLONE

DIREITO À SAÚDE POLÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS A SUA CONCRETIZAÇÃO COM ÊNFASE PARA A

MEDICINA TECNOLÓGICA

Dissertação

de

Mestrado

apresentada

a

Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) como exigência para obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico.

Orientadora: Profa. Dra. Monica Herman S. Caggiano

São Paulo/SP 2014

M565dMerlone,Nicholas Maciel

Direito àsaúde :políticas públicas direcionadas a sua concretização com ênfase para a medicina tecnológica. / Nicholas MacielMerlone – 2014.

129f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014. Orientador:Monica Herman S. Caggiano Bibliografia: f. 122-129

1. Direito à saúde 2. Políticas Públicas 3. Medicina Tecnológica I. Título

CDDir341.27

NICHOLAS MACIEL MERLONE

DIREITO À SAÚDE POLÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS A SUA CONCRETIZAÇÃO COM ÊNFASE PARA A

MEDICINA TECNOLÓGICA

Dissertação

de

Mestrado

apresentada

a

Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) como exigência para obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico.

Conceito final:
 Aprovado em ........ de ..........................de..........

BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________
 Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto _____________________________________________________
 Profa. Dra. Eunice Aparecida de Jesus Prudente _____________________________________________________
 Orientadora – Profa. Dra. Monica Herman S. Caggiano

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Marcel e Marilda, por todo o apoio, ao meu irmão, Christian e aos demais familiares. À professora Monica Herman S. Caggiano, pela paciência, pelo estímulo constante na pesquisa e na aprendizagem e pela oportunidade de experiência da docência, bem como pela atenção e disponibilidade para a produção desta pesquisa. Aos professores Eunice Aparecida de Jesus Prudente e Felipe Chiarello de Souza Pinto pelas valiosas contribuições e observações para o desenvolvimento deste estudo. A todos os demais professores e professoras com que pude conviver e aprender durante o período do programa da pós-graduação em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Aos professores da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e do Colégio Dante Alighieri pelas bases jurídica e educacional, respectivamente, que me acompanham até hoje. A todos os funcionários e funcionárias da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) com que pude conviver durante este período e buscar apoio para as necessidades acadêmicas. Aos amigos e às amigas que fiz ao longo dos anos e que me apoiaram neste momento, como Konstantin Gerber, Juliana Cardoso Ribeiro Bastos e Georgenor de Sousa Franco Neto, inclusive, neste período de estudo durante o Mestrado, como Ricardo Bastelli, Edson Schrot, Fernanda Massad, Adriana Marenco e Mariana Almeida, quando pudemos durante as aulas com os professores compartilhar ideias que ajudaram a construir o conhecimento. À Capes pelo benefício da bolsa de pesquisa concedida para a elaboração deste trabalho.

EPÍGRAFE

“Na cultura surgida da revolução burguesa, a racionalidade é um desses moldes ou estruturas implícitas que ordenam e submetem a criatividade.”1 Celso Furtado "A saúde da alma, bradou ele, é a ocupação mais digna do médico."2 Machado de Assis 1

FURTADO, Celso. Criatividade e dependência na civilização industrial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 83. 2 ASSIS, Machado de. O Alienista. São Paulo: Ática, 2012. Capítulo I.

RESUMO

Este trabalho foi produzido através de estudo doutrinário e pesquisa jurisprudencial, onde se investiga como problema central a efetivação do direito à saúde, por meio de políticas públicas sociais, com ênfase na medicina tecnológica. O direito à saúde deve ser estendido a todos igualitariamente e com condições dignas, por intermédio de politicas públicas sociais e econômicas, com um aspecto preventivo e assistencial, além de contar com a participação popular, num caráter democrático. Destacam-se as políticas sociais de saneamento básico e as do Sistema Único de Saúde (SUS) no contexto. Para a introdução do assunto, analisa-se a dignidade humana e sua abrangência, bem como não apenas o aspecto igualitário, mas também o caráter isonômico que deve fazer parte do direito à saúde. O primeiro capítulo examina o direito fundamental à saúde, o sistema internacional de sua proteção e o seu tratamento constitucional. O segundo capítulo estuda a democracia sanitária e a prevenção na saúde pública. O terceiro capítulo, por sua vez, pesquisa as políticas públicas na saúde brasileira. O quarto capítulo, finalmente, aborda o acesso à medicina tecnológica por meio de políticas públicas.

Palavras chave: Direito à Saúde; Políticas Públicas; Medicina Tecnológica

ABSTRACT

This work was based on a doctrinaire study and a jurisprudence research, focusing the central problem of the fulfillment of right to health through public social policies, with an emphasis on technological medicine. The right to health should be extended to all equally and with worthy conditions, through public social and economic policies with a preventive and a assistential aspect, in addition to popular participation as a democratic characteristic, with highlights on the social policies of sanitation and the Unified Health System (UHS). The subject is introduced, by analyzing the coverage of the right to health, as well as the human dignity, regarding not only to egalitarian, but also isonomic character that should be part of the right to health. The first chapter examines the fundamental right to health care, its international system of protection and its constitutional aspects. The second chapter studies the sanitary democracy and the prevention in public health. The third chapter, in turn, researches the public policy in brazilian health. The fourth chapter finally addresses the access to technological medicine through public policy.

Keywords: Right to Health; Public Policy; Technological Medicine

Sumário INTRODUÇÃO....................................................................................................................................... 2 CAPÍTULO 1 –– SISTEMA DE PROTEÇÃO À SAÚDE: SISTEMA INTERNACIONAL E DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE............................................................................................................... 11 1.1SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AO DIREITO À SAÚDE...................................... 11 1.1.1 Organização das Nações Unidas e o Direito à Saúde........................................................... 11 1.1.2 Organização Mundial da Saúde e Organização Pan-Americana da Saúde........................... 14 1.1.3 Corte Interamericana de Direitos Humanos........................................................................... 15 1.2 DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO DIREITO À SAÚDE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS................................................................................................17 1.2.1 Carta Política de 1824............................................................................................................ 20 1.2.2 Constituição de 1891.............................................................................................................. 23 1.2.3 Constituição de 1934.............................................................................................................. 26 1.2.4 Carta Política de 1937............................................................................................................ 27 1.2.5 Constituição de 1946.............................................................................................................. 29 1.2.6 Carta Política de 1967............................................................................................................ 30 o 1.2.7 Emenda Constitucional n 1, de 1969.................................................................................... 30 1.2.8 Constituição de 1988.............................................................................................................. 31 1.3 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) – AVANÇOS E DESAFIOS.............................................. 49 1.4 TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL - POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).................................................................................................................................................. 52 CAPÍTULO 2 – DEMOCRACIA SANITÁRIA E PREVENÇÃO NA SAÚDE PÚBLICA....................... 59 2.1 DEMOCRACIA SANITÁRIA......................................................................................................... 59 2.2 POLÍTICAS URBANA E AMBIENTAL.......................................................................................... 65 2.3 SANEAMENTO BÁSICO E POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS: POSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO........................................................................................................................................... 66 CAPÍTULO 3 – POLÍTICAS PÚBLICAS NA SAÚDE BRASILEIRA................................................... 77 3.1 CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS................................................................................. 77 3.2 POLÍTICAS PÚBLICAS E PLANEJAMENTO DO ESTADO.................................................... 82 3.3 DIRETRIZES PARA ANÁLISE E CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS...................... 86 3.4 CONTROLES DE POLÍTICAS PÚBLICAS.............................................................................. 87 3.5 CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS.................................................... 89 3.6 JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA SAÚDE BRASILEIRA........................... 94 CAPÍTULO 4 - ACESSO À MEDICINA TECNOLÓGICA POR MEIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. 102 4.1 CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988................................................... 102 4.2 INOVAÇÃO TECNOLÓGICA................................................................................................. 105 4.3 FINANCIMENTOS DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO NA SAÚDE............................ 107 4.4 NOVAS TECNOLOGIAS E A INOVAÇÃO NA SAÚDE BRASILEIRA................................... 110 4.5 POLÍTICA NACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM SAÚDE.................113 4.6 POLÍTICA NACIONAL DE GESTÃO DE TECNOLOGIAS EM SAÚDE................................ 114 O 4.7 LEI FEDERAL N 12.401, DE 2011: ASSISTÊNCIA TERAPÊUTICA E INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIA DE SAÚDE NO SUS............................................................................................. 118 CONCLUSÃO..................................................................................................................................... 120 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................. 122

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Introdução A saúde é um direito de todos e dever do Estado, nos termos do artigo 196, da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988. Deve ser, assim, assegurada, sem distinções, a toda população, portanto, de modo universal, por intermédio de políticas públicas estatais sociais e econômicas, de modo planejado, coordenado e articulado, não só com caráter prioritariamente preventivo e promocional, mas também secundariamente assistencial, com a participação da comunidade. No tocante à universalidade dos direitos humanos, vale ressaltar a reflexão de Monica Caggiano que destaca a sua importância “para preservar a dignidade e o respeito dos seres humanos em qualquer lugar deste planeta terra.”1 Com efeito, a todos os seres humanos devem se estender os efeitos dos direitos humanos, configurando, assim, a sua universalidade, sob pena de restarem prejudicadas todas as conquistas realizadas ao longo dos anos. Nesse panorama, por um lado, o caráter preventivo da saúde deve ser priorizado a fim de se evitar a ocorrência de doenças, como exemplo, através de políticas sociais de saneamento básico, mas, por outro lado, não se deve ignorar os aspectos tecnológicos da saúde, necessários ao bom atendimento dos pacientes. Apenas para se ilustrar os problemas enfrentados pelo saneamento básico, segundo dados do Banco Mundial, 2,5 bilhões de pessoas pelo mundo não possuem acesso a saneamento básico.2 Ademais, conforme dados da Agência Nacional de Águas (ANA), aproximadamente 40% da população brasileira não possui acesso à coleta e ao tratamento de esgoto. Este fato traz entraves de saúde pública, dentre os quais o de contaminação da água que é consumida.3 Igualmente, apenas para demonstrar as possibilidades que a medicina tecnológica pode trazer como contribuição para a saúde, tem-se a Impressão 3D, que, embora em fase embrionária de pesquisas, no futuro, poderá ajudar a planejar

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CAGGIANO, Monica Herman Salem. Os direitos fundamentais e sua universalização. Revista Brasileira de Direito Constitucional, v. 4, p. 760-., 2004. p. 768. 2 The World Bank. Disponível em: . Acesso em: 05/12/2013. 3 JUNGMANN, Mariana. Coleta e tratamento de esgoto estão entre principais problemas do gerenciamento de recursos hídricos. Agência Brasil – EBC. 25/11/2013. Disponível em: . Acesso em: 30/11/2013.

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cirurgias ortopédicas e a fazer diagnósticos, com uma invasividade mínima, para substituir partes danificadas do corpo.4 Destarte, a prestação de serviços públicos, como a coleta de lixos, a construção de esgotos e o atendimento médico são fundamentais para a saúde, porém não se deve desprezar a relevância da tecnologia na saúde, como a importância de aparelhos de tomografia e ressonância magnética, para que o paciente receba o tratamento médico adequado. Atualmente, não se afigura suficiente que existam ambulatórios e médicos, sem os recursos tecnológicos necessários para se avaliar o doente, o que não exclui o exame minucioso realizado pelo médico em que realmente investiga as causas da doença em um atendimento individualizado e humano. Na Conferência “Reflexões Acadêmicas para Superar a Miséria e a Fome”, realizada no Ministério Público Federal (MPF), em São Paulo/SP, nos dias 5 e 6 de dezembro de 2013, Maria Paula Dallari Bucci destacou que as políticas públicas para superarem a pobreza exigem capacidade para enfrentar o problema em escala, demandando criatividade e originalidade no pensamento, além do conhecimento da técnica envolvida. Nesse sentido, vale dizer que o aspecto social, coletivo, enfim, em escala deve ser considerado e priorizado, porém não se deve deixar de refletir o aspecto individual, subjetivo que também encontra proteção constitucional, conforme se abordará neste estudo. Nessa esteira, deve-se lembrar igualmente de Celso Furtado, que por muitos chegava a ser considerado até mesmo um romancista e não um economista, por justamente conceder espaço de realce à criatividade na investigação das causas e dos problemas do subdesenvolvimento. Acreditava, assim, que era importante pensar antes no lado social, para depois refletir como resultado sob o prisma econômico.5 Com efeito, a criatividade delimitada dentro do razoável é benéfica, na medida em que traz inovações positivas para o sistema sóciopolítico e econômico de um país, inclusive, ampliando horizontes e criando novas perspectivas, podendo 4

MISMETTI, Débora. Impressão 3D ajuda médicos a planejar cirurgias de coluna e fazer diagnósticos. Equilíbrio e Saúde. Folha de S. Paulo. 20/10/2013. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/10/1359134-impressao-3d-ajuda-medicos-aplanejar-cirurgias-de-coluna-e-fazer-diagnosticos.shtml>. Acesso em: 30/11/2013. Nota: acesso restrito a assinantes da Folha de S. Paulo. 5 FURTADO, Celso. Criatividade e Dependência. Na Civilização Industrial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

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contribuir para a transformação das estruturas sociais e econômicas anacrônicas que não raras vezes contribuem para a perpetuação de desigualdades em países em desenvolvimento, como o Brasil. Por outro lado, vale dizer que ter ideias boas é mais fácil e comum do que executá-las. Mas, nem por isso deve-se desprezá-las, porque sem ideias, nem ao menos se é possível pensar em colocá-las em prática. São, assim, um essencial ponto de partida. Nesse panorama, ainda nesse evento, Clarice Seixas Duarte ressaltou o aspecto fundamental das políticas públicas com relação à sua articulação de todo o regime jurídico que as abrange, como leis, decretos, contratos e portarias, com objetivos a se concretizarem. Por fim, deseja-se evidenciar as palavras de Fernando Aith na Conferência em questão, que instigou a plateia lembrando que o acesso à assistência à saúde na realidade não é igualitário como prevê o ordenamento jurídico pátrio, bastando visualizar o atendimento público à saúde em grandes centros de referência de metrópoles nacionais. Ponto que merece ser comentado da reflexão do palestrante é que o foco das políticas públicas de saúde deveria ser prioritariamente a prevenção e a promoção da saúde, quando na verdade não o é, sendo a sua assistência, por exemplo, por meio da judicialização da saúde. Esta última, na visão do autor, seria uma ferramenta para a efetivação da saúde, mas não a melhor, de modo que será um dos assuntos a serem tratados nesta pesquisa. Realmente, lugar de destaque ocupa o direito à saúde na sociedade e no país, importando ressaltar a Recomendação nº 31, de 30 de março de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ): Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. (Publicado no DJ-e nº 61/2010, em 07/04/2010, p. 4-6)

Nota-se a preocupação com o direito à saúde, de modo ao CNJ recomendar aos Tribunais que adotem medidas para auxiliar os magistrados e outros operadores do direito com relação ao direito sanitário. Como se comentará adiante, cogita-se até mesmo a criação de varas especializadas neste ramo, dada a complexidade que o envolve. Sobre o direito à saúde, André Ramos Tavares bem reflete:

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o Estado deve promover políticas sociais e econômicas destinadas a possibilitar o acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde; Ademais, deve preocupar-se igualmente com a prevenção de doenças e outros agravos, mediante a redução dos riscos (arts. 166 e 198, II). Por fim, o tema relaciona-se diretamente com a dignidade da pessoa humana e o direito à igualdade, que pressupõem o Estado-garantidor, cujo dever é assegurar o mínimo de 6 condições básicas para o indivíduo viver e desenvolver-se.

A saúde, assim, pressupõe o direito à igualdade e dignidade da pessoa humana. Neste diapasão, Alexandre de Moraes argumenta: a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. [...] O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a 7 Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria.

Reflete o autor que a dignidade da pessoa humana trata-se de um mínimo invulnerável, com duplo caráter: i) individual protetivo; e ii) dever de tratamento igualitário. Ana Paula de Barcellos, por sua vez, posiciona-se com relação ao mínimo invulnerável, nas palavras de Moraes, ou, como denomina, mínimo existencial. A autora ressalta a importância da dignidade da pessoa humana como fundamento e fim da ordem jurídica, além de pressuposto da igualdade real dos homens e da democracia. Nota-se nas ponderações de Barcellos que o mínimo existencial relaciona-se não só com a dimensão física do ser humano, mas também com a espiritual e intelectual, características essenciais num Estado Democrático de Direito, onde as pessoas são livres para desevolver sua personalidade humana.8

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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5ª. edição. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 754. 7 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 9ª. edição. São Paulo: Atlas. 2011. p. 48. 8 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. pp. 194-198.

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Além disso, a saúde deve ser vista de forma ampla e estendida, como dito, a todos igualmente. Nesse sentido, Geraldo Ataliba reflete sobre o princípio da igualdade: A igualdade é, assim, a primeira base de todos os princípios constitucionais e condiciona a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de quantas funções o povo, republicanamente, decidiu criar. A isonomia há de se expressar, portanto, em todas as manifestações de Estado, as quais, na sua maioria, se traduzem concretamente em atos de aplicação da lei, ou seu desdobramento. Não há ato ou forma de expressão estatal que possa 9 escapar ou subtrair-se às exigências da igualdade.

Percebe-se da leitura que a igualdade pode ser tida como um dos principais princípios constitucionais, condicionando todas as atividades estatais na República em que vigora, inclusive, aquelas relacionadas ao direito à saúde. Nesse sentido, Cretella Jr. argumenta: Preenchendo a série de requisitos prescritos, o cidadão investe-se no direito subjetivo público de exigir, tanto quanto qualquer outro cidadão, o que as leis e os regulamentos oferecem ao público administrado, segundo o que preceitua o princípio ou regra da igualdade, de geral aplicação no âmbito dos serviços públicos. Trata-se da aplicação, no setor do serviço público, dos princípios gerais estabelecidos, na França, pela Declaração dos Direitos do Homem e do 10 Cidadão, promulgada pela Assembléia Nacional, em 03.09.1791.

Nota-se da passagem que a população detém o direito de exigir do Estado os serviços públicos estabelecidos nas leis e nos regulamentos, conforme o princípio da igualdade. Dessarte, pode-se reivindicar o direito à saúde previsto nas espécies normativas, como na Constituição e nas leis, articulando-se a demanda com os objetivos das políticas públicas, como bem ressaltou Clarice Seixas Duarte. Avançando nestas reflexões, pode-se afirmar que o princípio da igualdade já seria suficiente para garantir o tratamento igualitário da população, diante dos serviços públicos, como no que se refere ao direito à saúde. Porém, ampliam-se estas ideias, que são abrangidas pelo princípio da isonomia, conforme Celso Antônio Bandeira de Mello: Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando: I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada. II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal

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ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3ª. edição, atualizada por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 159. 10 CRETELLA JR., J. Elementos de Direito Constitucional. 3ª. edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 205.

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modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator “tempo” – que não descansa no objeto – como critério diferencial. III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados. IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente. V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de 11 modo claro, ainda que por via implícita.

Qualquer ofensa ao princípio da isonomia, bem caracterizada por Celso Antônio Bandeira de Mello, deve ser evitada, uma vez que se depreende que o princípio em comento aplica-se ao direito à saúde, assegurando que toda a população seja tratada igualmente, na medida de sua desigualdade, inclusive, com relação à prestação de serviços públicos nesta área, como decorrência de previsão normativa, onde se incluem políticas públicas de saneamento básico e de saúde, em caráter preventivo, prioritariamente, e assistencial. O objetivo do estudo, assim, consiste na investigação do direito à saúde e de sua concretização por meio de políticas públicas sociais com ênfase na medicina tecnológica. Cumpre esclarecer com relação à pesquisa, que serão tratadas, em segundo plano, as políticas econômicas relativas ao assunto, embora deste não se separem e não tenham menos importância. O direito à saúde é um direito humano fundamental para o indivíduo, já que se trata de condição essencial para a sua sobrevivência em sociedade com dignidade e igualdade, além do desenvolvimento de sua personalidade. Além disso, assume dimensão social com importância relevada para a coletividade. Por fim, em outra dimensão, tem caráter desenvolvimentista, mirando a redução das desiguadades sociais, econômicas, regionais e locais. Em que pese a redução das desigualdades sociais e econômicas nas esferas regionais e locais, isso de modo algum exclui a importância do âmbito nacional. Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles reflete sobre a competência das normas de direito sanitário: A generalidade da norma não é a do conteúdo da regra, mas a da sua extensão espacial. Nada impede, portanto, que a União, ao editar normas sanitárias gerais, especifique que providências e medidas higiênicas e profiláticas especialize métodos preventivos e curativos, imponha o uso de determinados medicamentos ou substâncias medicinais, estabeleça 11

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª. edição. 18ª. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 47-48.

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determinado processo de saneamento ou exija requisitos mínimos de salubridade para as edificações e demais atividades que se relacionem com 12 a higiene e segurança das populações.

Nota-se daí que a competência da União de editar normas gerais sobre direito sanitário é de suma importância, por causa da abrangência espacial que atinge. Desse modo, nada impede que formule leis de saneamento básico com aplicação em todo o território nacional com caráter geral, apesar de o assunto em pauta ter também interesse regional e local, tanto que, como se verá, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu sobre a prestação de serviços públicos de saneamento no sentido da gestão compartilhada entre Estados-membros e Municípios. Luís Felipe Galeazzi Franco13, a seguir, esclarece a importância do estudo do Direito Sanitário, bem como a sua relação com o uso de tecnologia na área da saúde, quando exemplifica com o caso do pedido de uma incorporação no SUS de um avanço tecnológico por meio de uma ação civil pública, senão vejamos: Os atos do CNJ, ao se propor que o direito sanitário esteja incluído no conteúdo dos programas dos cursos de formação, vitaliciamento e aperfeiçoamento de magistrados e, recentemente, ao recomendar a criação de varas especializadas em saúde, demonstram preocupação compreensível e relevante. Isso porque o Judiciário deve assegurar com celeridade e efetividade na tutela ao direito à saúde daqueles que batem à sua porta sem que deixe em segundo plano a garantia de decisões mais adequadas e tecnicamente precisas, em razão da necessidade de se prestigiar capacidade gerencial, a organização do sistema e as políticas públicas de saúde existentes. Por exemplo, ao se analisar eventual ação civil pública com pedido de incorporação de tecnologia ao SUS, devem ser considerados os distintos interesses — muitas vezes contrapostos — dos atores envolvidos no processo de avaliação e incorporação da tecnologia (centros de pesquisa, indústria farmacêutica, universidades, órgãos do governo e gestores, operadoras de planos de saúde, grupo de pacientes etc.), bem como não se desconsiderar a necessidade de uma precisa análise quanto a efetividade, a eficácia, o custo, o risco e os impactos sociais de determinada tecnologia, o 14 que é extremamente complexo para se avaliar em um processo judicial.

Além disso, a análise das políticas públicas na área da medicina tecnológica pode trazer avanços significativos para a sociedade. Pode-se melhorar o 12

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17ª. edição atualizada por Eurico Azevedo, Délcio Aleixo, José Emmanuel B. Filho. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 126. 13 Advogado da União em exercício na Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde. 14 FRANCO, Luís Felipe Galeazzi. Direito Sanitário é relevante e deve ser estudado. Consultor Jurídico. 26/08/2013. Disponível em: < www.conjur.com.br/2013-ago-26/luis-franco-direito-sanitariomateria-relevante-estudada>. Acesso em: 26/08/2013.

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atendimento dos pacientes, assegurar-lhes mais dignidade e atender a um maior número de casos, inclusive, mais complexos, antes reservados somente para hospitais privados. Com isso, seria possível contribuir para as três dimensões citadas anteriormente, sem esquecer-se do caráter preventivo da saúde. Como exemplo dos possíveis benefícios da medicina tecnológica, tem-se a criação do modelo de prontuário eletrônico unificado dos pacientes no Estado de São Paulo. O projeto possibilitará o acesso imediato ao histórico de atendimento em qualquer unidade do Sistema Único de Saúde (SUS) da rede estadual paulista15. Nota-se um possível avanço quanto à eficiência do atendimento, o que poderá agilizar as consultas, diminuir filas e, inclusive, amenizar o sofrimento dos pacientes, por meio da integração do SUS paulista, o que deve ser estendido para a esfera nacional. Assinala-se o fato de a saúde se tratar de um direito humano fundamental social, localizado em diversos pontos do território constitucional - daí sua importância, por justamente ser amplamente tratado nessa esfera -, como nos artigos 6º e 196 a 200, da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988. Para tanto, tratar dos seus aspectos constitucionais é fundamental para embasar o estudo, de modo que este se sustente sobre sólidos alicerces, inclusive, com o histórico das conquistas relativas ao direito à saúde adquiridas ao longo dos anos pelas Constituições brasileiras, mas com especial destaque pela importância que assume na Lei Suprema vigente, como resultado de mobilizações de vários setores da sociedade. Ademais, ressalta-se de modo geral a posição jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) no que se refere ao direito à saúde. Especificamente, estuda-se o aspecto tecnológico envolvido nesse âmbito, tido como instrumento de concretização do direito em questão. Desse modo, a pesquisa igualmente pode contribuir para o estudo de questões voltadas à medicina tecnológica, tais como a abrangência e os limites do seu conceito, além de assuntos ligados a pesquisas genéticas, sempre com o intuito de se concretizar o direito à saúde. 15

BASSETTE, Fernanda. Estado de SP cria prontuário digital com dados de 20 milhões de pacientes. O Estado de S. Paulo. 19/08/2013. Disponível em: < www.estadao.com.br/noticias/impresso,estadode-sp-cria-prontuario-digital-com-dados-de-20-milhoes-de-pacientes-,1065434,0.htm>. Acesso em: 19/08/2013.

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Diante

do

exposto,

investigam-se

justamente

instrumentos

para

a

concretização do direito à saúde, por meio de políticas públicas com ênfase na medicina tecnológica.

11

Capítulo 1 – Sistema de Proteção à Saúde: Sistema Internacional e Direito Fundamental à Saúde 16 1.1 Sistema Internacional de Proteção ao Direito à Saúde 1.1.1 Organização das Nações Unidas e o Direito à Saúde Celso Lafer ensina que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tendo sido adotada e proclamada pela Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948, fixou pela primeira vez na esfera global, o papel dos Direitos Humanos na convivência coletiva. Explica que pode ser, deste modo, considerada um evento que inaugura uma nova concepção da vida internacional, ao mirar uma comunidade internacional não somente de Estados soberanos, mas de indivíduos livres e iguais.17 Adiante o autor reflete que a Declaração de 1948 não se trata de uma soma de Declarações nacionais nem de uma ampliação em escala mundial destas Declarações. Lafer explica que ela inova ao formular, no plano universal, direitos humanos que não se encontram ao alcance de uma jurisdição nacional, uma vez que leva em conta a proteção internacional de direitos que autorizam o sujeito a ter direitos.18 Nesse sentido, destaca-se o artigo 6o da Declaração: “Toda pessoa tem o direito de ser em todos os lugares reconhecida como pessoa perante a lei”. Lafer afirma que este artigo frisa o indispensável laço de todo o ser humano com a ordem jurídica, que é o “núcleo duro de todo processo de positivação dos direitos humanos”.19 Por outro lado, nada impede visualizar o artigo em tela sob a perspectiva do direito à saúde. Todos devem ter em todos os lugares o direito à busca constante da saúde.

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Parte deste capítulo é originária de modificações de nosso artigo: Saúde Pública e Poder Econômico. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 61, jan.-fev.-mar. 2013. pp. 217-236. 17 LAFER, Celso. Direitos Humanos em Hannah Arendt: considerações sobre as fontes materiais da Declaração Universal de 1948. GOZZO, Débora; BITTAR, Eduardo C. B. (Org.). Direitos Humanos Fundamentais. Doutrina, Prática e Jurisprudência. Niterói, RJ: Impetus, 2013. p. 1. 18 Ibid. p. 4-5. 19 Ibid. p. 5.

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Segundo o sítio oficial da Organização das Nações Unidas (ONU), desde que foi instituída, as Nações Unidas participa diretamente na promoção e tutela de níveis de saúde adequados em âmbito mundial. A Organização Mundial da Saúde (OMS) lidera esta luta na esfera do Sistema das Nações Unidas. A Constituição da OMS passou a vigorar em 7 de abril de 1948, que em seu artigo 69 estabelece que a OMS constitui uma agência especializada da ONU.20 Verifica-se na fonte que, primeiramente, decidiu-se que as prioridades da OMS seriam, como exemplo, a saúde de mulheres e crianças, a tuberculose, a nutrição e o saneamento ambiental.21 Porém, do mesmo modo, informa-se que nem todo o trabalho do Sistema das Nações Unidas de suporte à saúde global ocorre por meio da OMS. Vários assuntos de saúde são tratados de forma direta pela Assembleia Geral e pelo Conselho Econômico e Social, assim como por meio do trabalho do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) em suporte à saúde do adolescente, reprodutiva e materna e ao que se relaciona à saúde do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).22 Ademais, elucida-se que membros do Sistema da ONU como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA), a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC) e o Banco Mundial, entre outros, atuam em um papel crucial na promoção da saúde global. 23 Deve-se ressaltar que o Brasil é signatário do Protocolo de São Salvador, incorporado ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Federal n o 3.321, de 30 de dezembro de 1999. O artigo 10, do Protocolo estabelece: 1. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social. 2. A fim de tornar efetivo o direito à saúde, os Estados Partes comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e, especialmente, a adotar as seguintes medidas para garantir este direito: 20

ONUbr. A ONU e a Saúde. Disponível em: < http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-asaude/>. Acesso em: 19/05/2014. 21 Ibid. 22 Ibid. 23 Ibid.

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a. Atendimento primário de saúde, entendendo-se como tal a assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade; b. Extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado; c.

Total imunização contra as principais doenças infecciosas;

d. Prevenção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza; e. Educação da população sobre prevenção e tratamento dos problemas da saúde; e f. Satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por sua situação de pobreza, sejam mais vulneráveis.

Além disso, o Brasil é signtário do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, conforme o Decreto no 591, de 06 de julho de 1992, que de acordo com o artigo 12, do referido Pacto, institui: 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental. 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento é das crianças; b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente; c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade.

Finalmente, cumpre ressaltar o papel dos Comitês Internacionais de Direitos Humanos da ONU (instituídos por diferentes convenções internacionais) na interpretação do direito internacional dos direitos humanos. Referidos Comitês têm por papel emitir Observações Gerais e Recomendações Gerais, bem como Recomendações por Países, quando do recebimento de relatórios periódicos sobre a situação de direitos humanos nos países signatários. Pois bem, no caso da saúde, o Comitê Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU emitiu a Recomendação Geral n. 14, de 2000, que em seu § 12, estabelece que os serviços,

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bens e políticas públicas relacionados à saúde devem possuir as seguintes características: disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade.24 Segundo Aline Oliveira, a disponibilidade compreende a quantidade suficiente de serviços, como exemplo, o acesso à água tratada. Por acessibilidade, entende-se que o serviço não deva ser discriminatório, com fácil acesso à informação, acessibilidade econômica e geográfica. Por aceitabilidade, serviços que sejam de acordo com a ética médica. Por fim, por qualidade, tem-se a adequação de bens e serviços ao bom atendimento.25 1.1.2 Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde Constata-se igualmente no sítio oficial da ONU que a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948, responsabilizou-se pela Classificação Internacional de Doenças, que virou o padrão internacional para fins clínicos e epidemiológicos. 26 Elucida-se que as intervenções da OMS abarcam todos os setores da saúde na esfera global, inclusive, a intervenção em crises e na resposta a emergências humanitárias, criando o Regulamento Sanitário Internacional. Este último os países devem seguir para identificar a doença e barrar a sua propagação, prevenindo doenças crônicas e trabalhando para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) ligados à saúde.27 Adiante, expõe-se que a Organização Pan-Americana da Saúde, por sua vez, trata-se de um organismo internacional de saúde pública existente há um século, com foco em aprimorar as condições de saúde dos países das Américas. As Nações Unidas o incorpora no momento em que o órgão se torna o Escritório Regional para as Américas da Organização Mundial da Saúde. A OPAS/OMS igualmente integra os sistemas da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU).28

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OLIVEIRA, Aline Albuquerque S. de. Direito à saúde: conteúdo, essencialidade e monitoramento. Revista CEJ. Brasília. Ano XIV, n. 48, jan./mar. 2010. 25 Ibid. p. 94. 26 ONUbr. A ONU e a Saúde. Disponível em: < http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-asaude/>. Acesso em: 19/05/2014. 27 Ibid. 28 Ibid.

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1.1.3 Corte Interamericana de Direitos Humanos Oliveira e Goldzveig29 introduzem observações sobre a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Os autores explicam que o Capítulo VIII da Convenção Americana de Direitos Humanos é direcionado exclusivamente ao segundo órgão através do qual se realiza o controle sobre o cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados-partes que ratificaram a Convenção: a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Conforme seu Estatuto, trata-se de uma instituição judiciária autônoma cuja meta é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Lembram que a Corte foi criada pela própria Convenção Americana, em 1969, entrando em vigor em 1978. Expõem, por fim, que a Corte Interamericana de Direitos Humanos trata-se do órgão jurisdicional da Convenção Americana de Direitos Humanos que possui a função de observar as violações contra os direitos humanos na esfera do sistema interamericano. Para contextualizar a atuação da Corte, traz-se o Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil: INTRODUÇÃO DA CAUSA 1. Em 1º de outubro de 2004, em conformidade com o disposto nos artigos 50 e 61 da Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissão Interamericana” ou “Comissão”) submeteu à Corte uma demanda contra a República Federativo do Brasil (doravante denominado “Estado” ou “Brasil”), a qual se originou na denúncia nº 12.237, recebida na Secretaria da Comissão em 22 de novembro de 1999. 2. A Comissão apresentou a demanda neste caso com o objetivo de que a Corte decidisse se o Estado era responsável pela violação dos direitos consagrados nos artigos 4 (Direito à Vida), 5 (Direito à Integridade Pessoal), 8 (Garantias Judiciais) e 25 (Proteção Judicial) da Convenção Americana, com relação à obrigação estabelecida no artigo 1.1 (Obrigação de respeitar os direitos) do mesmo instrumento, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes (doravante denominado “senhor Damião Ximenes Lopes”, “senhor Ximenes Lopes” ou “suposta vítima”), portador de deficiência mental, pelas supostas condições desumanas e degradantes da sua hospitalização; pelos alegados golpes e ataques contra a integridade pessoal de que se alega ter sido vítima por parte dos funcionários da Casa de Repouso Guararapes (doravante denominada “Casa de Repouso Guararapes” ou “hospital”); por sua morte enquanto se encontrava ali submetido a tratamento psiquiátrico; bem como pela suposta falta de investigação e garantias judiciais que caracterizam seu caso e o mantém na 29

OLIVEIRA, Erival da Silva; GOLDZVEIG, Gustavo. Comentários à Convenção Americana de Direitos Humanos (1969). São Paulo: ACJ Editora, 2012. p. 286.

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impunidade. A suposta vítima foi internada em 1º de outubro de 1999 para receber tratamento psiquiátrico na Casa de Repouso Guararapes, um centro de atendimento psiquiátrico privado, que operava no âmbito do sistema público de saúde do Brasil, chamado Sistema Único de Saúde (doravante denominado “Sistema Único de Saúde” ou “SUS”), no Município de Sobral, Estado do Ceará. O senhor Damião Ximenes Lopes faleceu em 4 de outubro de 1999 na Casa de Repouso Guararapes, após três dias de internação. 1. Acrescentou a Comissão que os fatos deste caso se vêem agravados pela situação de vulnerabilidade em que se encontram as pessoas portadoras de deficiência mental, bem como pela especial obrigação do Estado de oferecer proteção às pessoas que se encontram sob o cuidado de centros de saúde que integram o Sistema Único de Saúde do Estado. A Comissão, por conseguinte, solicitou à Corte que ordene ao Estado a adoção de determinadas medidas de reparação citadas na demanda e o ressarcimento das custas e gastos.30

No presente caso, a Corte decidiu: A CORTE, DECIDE, Por unanimidade, 1. Admitir o reconhecimento parcial de responsabilidade internacional efetuado pelo Estado pela violação dos direitos à vida e à integridade pessoal consagrados nos artigos 4.1 e 5.1 e 5.2 da Convenção Americana, em relação com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos estabelecida no artigo 1.1 desse tratado, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes, nos termos dos parágrafos 61 a 81 da presente Sentença. DECLARA, Por unanimidade, que 2. O Estado violou, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes, tal como o reconheceu, os direitos à vida e à integridade pessoal consagrados nos artigos 4.1 e 5.1 e 5.2 da Convenção Americana, em relação com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos estabelecida no artigo 1.1 desse tratado, nos termos dos parágrafos 119 a 150 da presente Sentença. 3. O Estado violou, em detrimento das senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda e dos senhores Francisco Leopoldino Lopes e Cosme Ximenes Lopes, familiares do senhor Damião Ximenes Lopes, o direito à integridade pessoal consagrado no artigo 5 da Convenção Americana, em relação com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos estabelecida no artigo 1.1 desse tratado, nos termos dos parágrafos 155 a 163 da presente Sentença. 4. O Estado violou, em detrimento das senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda, familiares do senhor Damião Ximenes 30

CIDH. Caso Ximenes Lopes x Brasil. Sentença de 04 de julho de 2006. Disponível em: < http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf > Acesso em: 06/06/2014. p. 2.

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Lopes, os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial consagrados nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos estabelecida no artigo 1.1 desse tratado, nos termos dos parágrafos 170 a 206 da presente Sentença. 5. Esta Sentença constitui per se uma forma de reparação, nos termos do parágrafo 251 dessa mesma Sentença.31

Analisando o caso em tela, conclui-se que o paciente, que sofria de doença mental, sofreu maus tratos no hospital em que se encontrava internado, chegando a falecer. Como resultado, o Estado foi obrigado a reparar o dano, indenizando a família (Decreto Federal no 6.185, de 13 de agosto de 2007). Desse modo, a Corte decidiu que o Brasil, além de indenizar moralmente e materialmente a família Ximenes, deveria investigar e identificar os culpados pela morte de Damião, bem como promover programas de formação e capacitação para profissionais da área da saúde, como médicos, psicólogos e enfermeiros, especialmente para os profissionais que lidam com o campo da saúde mental. O ponto fundamental do caso reside no fato de que locais onde se deveriam tratar pacientes com cuidado e atenção, não raras vezes, encontram-se em péssimas condições.

1.2 Direito Fundamental à Saúde: Trajetória Histórica do Direito à Saúde nas Constituições Brasileiras

Neste tópico referente à história do direito à saúde nas Constituições Brasileiras, será realizada a revisão bibliográfica das obras de Ivo Dantas32, Manoel Gonçalves Ferreira Filho33, José Afonso da Silva34, Celso Ribeiro Bastos35, Pinto Ferreira36, Raul Machado Horta37, Boris Fausto38, Paulo Bonavides e Paes 31

CIDH. Caso Ximenes Lopes x Brasil. Sentença de 04 de julho de 2006. Disponível em: < http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf > Acesso em: 06/06/2014. 32 DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado. Introdução. Teoria e Metodologia. 2ª. edição – Totalmente Revista, Aumentada e Atualizada. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar , 2006. 33 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38ª. edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012. 34 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª. edição. São Paulo: Saraiva, 2005. 35 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª. edição. São Paulo: Malheiros, 2010. 36 FERREIRA, Pinto. Manual de Direito Constitucional de Acordo com a Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Forense, 1989. 37 HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 4ª. edição, revista e atualizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

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Andrade39, Wagner Balera40 e Ana Paula Oriola de Raeffray41, no que pertine ao assunto, bem como à investigação dos antecedentes históricos, das principais influências ideológicas e características da estrutura política e normativa - esta última por meio de consulta à legislação de sítios oficiais e às obras em tela - do Estado brasileiro nas épocas que marcaram as Constituições Brasileiras. Para uma perspectiva do direito eleitoral na História das Constituições do Brasil, confira-se a pesquisa de Cláudio Lembo42. Acentua-se, no entanto, que o estudo histórico em comento terá ênfase nos aspectos ligados ao direito à saúde, por se tratar do tema principal deste trabalho. Antes de se entrar na análise propriamente dita das Constituições Brasileiras, Ivo Dantas traz a relação entre Direito e História: Todo ordenamento jurídico encontra-se condicionado ao momento histórico em que é produzido, isto porque, em última análise, representa ele os valores sociais legitimados pela sociedade à qual será aplicado, razão pela qual, com muita precisão, MÁRIO LOSANO doutrina que “todo Derecho (a menudo inconscientemente) y es el fruto de una actividad política en la que se ha tratado de hacer prevalecer un determinado valor socioeconomico sobre otros: la victoria final se sanciona como la cristalización de ese valor 43 en una norma jurídica”

Desse modo, Dantas leciona que todo ordenamento jurídico está ligado ao momento histórico em que é produzido. Em outra passagem, cabe destacar sobre a importância do estudo da história, o que Ivo Dantas reflete: Em item intitulado O significado da teoria da história para o estudo da história, depois de afirmar que “a pergunta acerca da função da teoria da história na aquisição de competência profissional pode ser respondida sumariamente com a afirmação de que é dela que necessitamos se quisermos aprender a ver a floresta, ao invés de perdemo-nos em uma multidão de árvores”, indica o autor 6 (seis) pontos para a função didática de profissionalização da história, a saber:

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FAUSTO, Boris. História do Brasil. 14ª. edição. São Paulo: Edusp, 2012. BONAVIDES, Paulo. ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil. 5ª. edição. Brasília: OAB Editora, 2004. 40 BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. 41 RAEFFRAY, Ana Paula Oriola de. Direito da Saúde de acordo com a Constituição Federal. São Paulo: Quartier Latin, 2005. 42 Para saber mais sobre o tema, cf. LEMBO, Cláudio. Cronologia básica do Direito Eleitoral Brasileiro. LEMBO, Cláudio; CAGGIANO, Monica Herman S. (Coord.). O Voto nas Américas. Barueri/SP - São Paulo: Manole, Cepes, 2008. 43 DANTAS, Direito Constitucional Comparado. Introdução. Teoria e Metodologia. Op. cit. p. 31. Em relação ao trecho de Mario Losano, citado por Ivo Dantas: “Todo Direito (muitas vezes inconscientemente) e é o resultado de uma atividade política em que temos tentado fazer um determinado valor socioeconômico prevalecer sobre os outros: a vitória final ocorre como a cristalização desse valor em uma norma jurídica” [tradução nossa]. 39

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“1. A teoria da história é necessária para solucionar o problema de uma introdução tecnicamente correta do estudo da história. Ela exerce, aqui, uma função propedêutica. 2. A teoria da história é necessária para solucionar o problema de uma combinação eficaz de disciplinas diferentes. Ela exerce, aqui, uma função de coordenação. 3. A teoria da história é necessária para solucionar o problema do subjetivismo diante da exigência de objetividade do pensamento históricocientífico. Ela exerce, aqui, uma função motivadora. 4. A teoria da história é necessária para solucionar o problema da gestão da quantidade de material de pesquisa. Ela exerce, aqui, uma função organizadora da obtenção do saber histórico. 5. A teoria da história contribui para formar a capacidade de reflexão, sem a qual não se pode solucionar o problema posto pela necessidade de conciliar, num trabalho científico de fôlego, os requisitos científicos e a economicidade do trabalho. Ela exerce, aqui, uma função de seleção e fundamentação. 6. A teoria da história é necessária para solucionar o problema de como os estudiosos poderiam levar em conta, já durante o estudo, sua futura prática profissional. Ela exerce, aqui, uma função mediadora” – conclui JÖRN 44 RÜSEN.

Diante da análise da relação entre Direito e História e da relevância elencada do conhecimento da história, pode-se afirmar que essa importância igualmente se aplica à investigação histórica do direito à saúde. Conhecer a história que abrange o direito à saúde possui uma função propedêutica, na medida em que introduz o tema sob um melhor conhecimento fundamentado. Além disso, permite conciliar duas áreas sob uma perspectiva histórica – o Direito com a Saúde -, exercendo, assim, uma função de coordenação. Exerce igualmente uma função motivadora, quando ao estudar a história do direito à saúde, busca realizar uma análise objetiva dos fatos, em detrimento do subjetivismo. Da mesma forma, atua com uma função organizadora da obtenção do saber histórico, uma vez que lida com diferentes fontes de conhecimento para ter acesso aos fatos, tais como livros, notícias, documentos e artigos. Ademais, exerce uma função de seleção e aprofundamento, já que a sua análise requer reflexão.

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RÜSEN, Jörn. Razão Histórica. Teoria da História: os Fundamentos da Ciência Histórica. Brasília: Editora UnB, 2001, pp. 38-41. Apud DANTAS, Direito Constitucional Comparado. Introdução. Teoria e Metodologia. Op. cit., pp. 351-352.

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Por fim, atua com uma função mediadora, porque poderá ser aplicada na prática profissional pelos estudiosos, ou, ao menos, servir de base para a prática.

1.1.1 Carta Política de 1824 Os antecedentes históricos da Carta Imperial do Brasil de 1824, bem como suas principais influências ideológicas e características merecem atenção neste início, como dito. As ideias liberais do fim do século XVIII e início do século XIX influenciaram o Brasil já na época de Dom João VI, cabendo lembrar a edição da Constituição de Cádiz em 1º de outubro de 1822, a constituição liberal espanhola que vigorou por um dia no Brasil. Vale mencionar que existiram movimentos armados que carregavam ideais liberais, apesar de não avançarem. O Estado Unitário com o poder centralizado foi organizado sob a forma de uma monarquia, tendo como primeiro governante, administrador e reinante, Dom Pedro I. Naquele tempo, as ideias liberais eram fortes e, assim, contrapunham-se a Estados absolutistas. Costumavam ocorrer dois caminhos: a) os Estados absolutistas que ruíam; e b) os Estados absolutistas que se mantinham por meio de algumas concessões à soberania popular – caso do Brasil. Depois de ter sido criado o Conselho de Estado para elaborar o projeto da Constituição do Império, e submetê-la à apreciação das Câmaras, antes mesmo da proclamação de Independência em 1822, devido às tensões políticas da época, Dom Pedro decidiu por outorgar uma Carta Política. A Carta Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, foi fortemente influenciada

pelo

movimento

constitucionalista

europeu,

bem

como

pelos

pensamentos de Benjamin Constant, que idealizou a divisão dos poderes quadripartite: Poder Legislativo, Poder Moderador, Poder Executivo e Poder Judiciário, nos termos do artigo 10. Ocorre que, como anunciado, quem governava, administrava e ainda reinava de fato era o próprio monarca, através do Poder Moderador, como instrumento de toda organização política. Apesar disso, no aparelho político, o Senado e o Conselho de Estado eram dois órgãos que apoiavam o governo central. O primeiro combatia os movimentos liberais da Câmara dos Deputados. O segundo era um órgão de

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consulta, que aconselhava o Imperador administrativa e politicamente, interpretando a Carta Política. Os direitos políticos sofriam restrições, por serem expressos pelo voto censitário, o que limitava a capacidade eleitoral ativa da época, uma vez que só podiam votar aqueles com renda líquida anual superior a cem mil réis, mensurados pela quantidade de alqueires de mandioca que o proprietário detinha, conforme o artigo 92, inciso V. Além disso, vale salientar que a religião oficial do Império era o catolicismo, o que tornava o Estado brasileiro confessional, mesmo permitindo o culto a outras religiões de modo restrito, em particular nos ambientes domésticos, sem exteriorizálas em templos, nos termos do artigo 5o. Tal como uma Constituição seguidora dos ideiais liberais, não poderia deixar de assegurar os direitos do homem, conforme prescreve o artigo 16, da Declaração de 1789.45 Contudo, havia apenas algumas medidas para garantir a saúde pública até a chegada da independência e da Carta de 1824, no Brasil.46 Em 1809, o Príncipe Regente criou a função de Provedor-mor de Saúde da Corte e Estados do Brasil, com mira a preservar o bem público e particular, que poderia ser atingido por contágio das embarcações, passageiros e mercadorias no porto do Rio de Janeiro e as outras cidades litorâneas. Seu regimento firmava as normas para a vigilância sanitária dos portos do Estado, controle de mercadorias e comestíveis, além de inspeção em matadouros e açougues públicos. 47 Já em 1810, eram fixadas normas para vigilância de boticas, controle do exercício profissional, exame de cirurgiões para concessão de licença para exercer a medicina, além de exames de medicina e farmácia.48 Além disso, em 1811, foi criado um estabelecimento permanente – Junta de Instituição Vacínica – sob a direção do Intendente Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil e do Físico-mor do Reino e, depois, Institutos Vacínicos em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Em 1812, aponta ter sido criado o

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Declaração de 1789: “Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.” 46 RAEFFRAY, Ana Paula Oriola de. Direito da Saúde de acordo com a Constituição Federal. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 138. 47 Ibid., pp. 138-139. 48 RAEFFRAY, Direito da Saúde de acordo com a Constituição Federal. Op. cit. p. 139.

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Laboratório Químico-prático do Rio de Janeiro, sob a inspeção do Ministro da Marinha.49 Verifica-se a partir da leitura do artigo 179, inciso XXIV, em seu “TITULO 8º”, “Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros.”, da Constituição do Império, o único momento em que a palavra Saúde aparece na Carta Política, em seu prisma individual, mesmo que com menos ênfase e relevância do que a atual Constituição brasileira lhe confere: “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.” (grifo nosso)

Percebe-se que, em se tratando de assunto ligado ao trabalho, a Constituição de 1824 buscava proteger essa relação com a condição de que, entre outras exigências, não se oponha à saúde dos cidadãos. Por outro lado, a Constituição da época, além disso, em seu artigo 179, inciso XXXI, garantia a proteção social, apesar de sua concepção liberal.50 Nesse sentido, Wagner Balera reflete sobre os socorros públicos: O constituinte coloca, pois, a proteção social como um dos direitos humanos cuja garantia é a própria Lei Maior. No contexto liberal em que se situava, a Carta Imperial já lançava pedra fundamental para a edificação da proteção social no Brasil. Pimenta Bueno, o mais autorizado estudioso daquele Diploma assevera: “Desde que a sociedade é fundada, a ideia de proteção é como sinônimo da de governo em favor dos associados...” E sublinha que esse zelo governamental: “pelo estabelecimento de caixas econômicas, de bancos de socorro em favor das classes pobres de montepios, e outras instituições de previdência, é uma outra proteção 51 valiosa outorgada aos cidadãos que têm poucos recursos”.

Vale dizer que a Saúde Pública integra atualmente a Seguridade Social, desta última fazendo parte a Previdência Social e a Assistência Social. Para que o povo possua saúde e condições dignas de vida, é necessário igualmente o amparo quando preciso da previdência e da assistência. Daí, difícil não abordá-las mesmo 49

Ibid. p. 139. “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. XXXI. A Constituição tambem garante os soccorros publicos.” (grifo nosso) 51 BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. pp. 17-18. 50

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que tangencialmente nesta investigação, para que se possa ter uma visão mais ampla. Pois bem, adiante, Balera destaca o surgimento da previdência social com o advento do seguro social, complementando-se à assistência pública social que combatia a miséria e possuía um caráter ligado ao cristianismo e à caridade. Balera explica que é na República, período subsequente, que a previdência irá se estruturar melhor. 52 1.1.2 Constituição de 1891 Em 15 de novembro de 1889, ocorria no Brasil o fim da Monarquia, destituindose o Imperador, e, como resultado, proclamando-se uma República Federativa. Aconteciam vários movimentos com inspiração nas ideias republicanas. Porém, não eram claramente definidas, o que existia era um sentimento forte de emancipação política. Com isso, na data mencionada, Rui Barbosa assina o Decreto n o 1 e, como dito, iniciava-se um novo período histórico e político. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada no dia 24 de fevereiro de 1891. Esta Lei Suprema sofreu fortes influências ideológicas, principalmente, dos Estados Unidos da América (EUA). Assim como este país, o Brasil adotou o Presidencialismo como sistema de governo, além da República como forma de governo e do Federalismo como forma de Estado. No contexto, o governo rompeu com a divisão quadripartite idealizada por Benjamin Constant, adotando a divisão tripartite do Barão de Montesquieu. Desse modo, os poderes constituídos separavam suas funções em Legislativo, Executivo e Judiciário, nos termos do artigo 15. Na organização política, os Estados-membros ganharam autonomia e instalou-se o Federalismo dual. Politicamente, o Marechal Deodoro da Fonseca foi eleito pela Constituinte como o primeiro presidente da República. Todavia, Floriano Peixoto foi eleito como vice-presidente, fazendo parte de chapa oposta. Devido a tensões políticas da época, Deodoro renunciou e Floriano assumiu o cargo político. Porém, mais uma vez, em meio a conturbações políticas, Floriano entregou a presidência a Prudente de Moraes e, com este, a oligarquia dos coronéis se firmou no poder.

52

Ibid., pp. 18-19.

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O Estado Unitário e centralizado de antes cedeu espaço, assim, aos poderes regionais e locais que tinham importância para os Estados-membros. O coronelismo de fato foi um poder efetivo e real que dominou a política da época. Com efeito, em nenhum momento na Constituição de 1891 cita-se expressamente a palavra saúde, seja em seu caráter social, seja em seu caráter subjetivo. Em termos constitucionais, não se abordou a saúde efetivamente. Por outro lado, tratou timidamente da previdência social. Todavia, como se verá, na época houve avanços na saúde preventiva e no aparelho estatal da previdência, como resultado de medidas governamentais e legislativas. Com relação à legislação esparsa prévia à Constituição de 1891, existiam decretos que abordavam o assunto, o que poderia levar ao seu tratamento constitucional, o que, porém, não ocorreu. Cumpre apenas citar o Decreto Federal n o 221, de 26 de fevereiro de 1890, que autorizava a concessão de aposentadoria aos trabalhadores da Central do Brasil, seguido do Decreto Federal n o 405 que ampliava o benefício citado para o âmbito nacional no que se refere aos ferroviários. Quanto ao aspecto previdenciário, a Lei Maior dispôs em seu “TÍTULO IV - Dos Cidadãos Brasileiros” em sua “SEÇÃO II - Declaração de Direitos”, em seu artigo 75: “A aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação.”. Enquanto isso, vale conferir o Decreto Federal no 2.449, de 1 de fevereiro de 189753. Desse modo, os serviços de higiene passaram a ser de competência da União, tendo sido incumbidos ao Instituto Sanitário Federal e à Inspectoria Geral de Saúde dos Portos, devendo ser dirigidos e administrados por uma repartição única, chamada de Diretoria Geral de Saúde Pública, com sede na Capital Federal e subordinada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Outro ponto interessante é o que determina o artigo 3 o do referido Decreto. Segundo este dispositivo, a Diretoria Geral de Saúde Pública teria anexo a ela um laboratório de bacteriologia. 53

o

Brasil. Decreto Federal n 2.449, de 1 de fevereiro de 1897: “Art. 1º Os serviços de hygiene a cargo da União, actualmente incumbidos ao Instituto Sanitario Federal e á Inspectoria Geral de Saude dos Portos, passarão a ser dirigidos e executados por uma repartição unica, denominada Directoria Geral de Saude Publica, com séde na Capital Federal e dependente do Ministerio da Justiça e Negocios Interiores.”

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Essa preocupação que levou a criação desse laboratório tem um motivo. A saúde assume papel de destaque no Brasil no período cafeeiro, como resultado do trabalho assalariado e da predominância da população no campo. Na época, doenças como coléra, tuberculose, febre amarela, varíola e lepra contaminavam o povo. Como decorrência disso, Rodrigues Alves, presidente eleito da República de 1902 a 1906, realizou grandes obras públicas, buscando sanear o Rio de Janeiro, em 1902. Enquanto isso, Osvaldo Cruz - médico sanitarista que reformou o Código Sanitário de 1920 - combateu a febre amarela urbana, em 1903. Vale dizer que as vacinas eram aplicadas somente à população do campo, ou em casos de epidemia ou calamidades públicas. O Decreto Federal no 3.724, de 15 de Janeiro de 1919, por sua vez, surge para regulamentar as obrigações resultantes dos acidentes no trabalho, como um importante instrumento protetivo do trabalhador na época. Em seu artigo 20, localizado no “TITULO III - DA DECLARAÇÃO DO ACCIDENTE”, aparece a palavra Saúde quando se dispõe: “Art. 20. Durante o tratamento, é permittido, quer ao patrão, quer ao operario, requerer a verificação do estado de saude deste ultimo, nomeando o juiz um medico para fazer o exame que se effectuará em presença do medico assistente. Si houver divergencia entre ambos sobre o estado da victima e as suas condições de capacidade para o trabalho, o juiz nomeará um outro medico para fazer o exame e no seu laudo baseará o julgamento.” (grifo nosso)

Nota-se que o dispositivo assegura tripla proteção ao trabalhador. Após permitir que tanto este quanto seu patrão requeiram a verificação da saúde do primeiro, por meio do requerimento de um juiz, este último nomeia um médico que, para realizar o exame, devia fazê-lo na presença de outro médico, conferindo maior transparência ao procedimento. Por fim, não bastando isso, caso houvesse divergência na avaliação, o juiz nomearia um terceiro médico para o encargo. Ocorreram o crescimento urbano acelerado e o desenvolvimento industrial que marcaram a crise da sociedade no Brasil nos anos 20, o que impulsionou a Saúde Pública. Como consequência disso, Carlos Chagas, médico bacteriologista, reformou o atendimento à saúde, tendo sido criado o Departamento Nacional de Saúde Pública, que possuia como competência na esfera nacional o saneamento básico e o combate às doenças urbanas e rurais, o que, no entanto, não resolveu todos os problemas. Importantes medidas do médico foram a proibição do trabalho infantil em fábricas, a regulamentação da licença à gestante e à parturiente.

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Outro relevante diploma normativo se trata do Decreto Federal no 4.682 de 24 de janeiro de 1923, a Lei Elói Chaves, primeira lei brasileira de Previdência Social, que logo determina: “Art. 1º Fica creada em cada uma das emprezas de estradas de ferro existentes no paiz uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos empregados.”

Ficava, assim, criada em cada uma das empresas de estradas de ferro do país uma caixa de aposentadoria e pensões (CAPs), financiadas pela União, pelas empregadoras e pelos empregados. É criado, então, o Ministério de Educação e Saúde em 1930. A partir daí, o capital industrial causou impacto na vida nacional, como decorrência das políticas desenvolvimentistas de Getúlio Vargas, ocorrendo, assim, uma política de saúde em âmbito nacional mesmo que de modo reservado. 1.1.3 Constituição de 1934 Raul Machado Horta afirma que a Constituição Brasileira de 1934 foi um “Verdadeiro marco no território constitucional brasileiro.”54 A Lei Suprema de então é originada do movimento de 1930, dos movimentos políticos do Governo Provisório, bem como da Revolução Constitucionalista de 1932. Manteve a República, o Federalismo, o Presidencialismo e a Declaração de Direitos e, além disso, foi influenciada pelo constitucionalismo pós-guerra, especialmente, pela Constituição do México (1917), pela Constituição da Alemanha, mais conhecida como de Weimar (1919), e pela Constituição Espanhola (1931). Levando ao alargamento da matéria constitucional, a Lei Maior procura conciliar as tensões entre o Constitucionalismo Liberal e o Social. Dessarte, não apenas tratava de assuntos como a Organização de Poderes e os Direitos Individuais, como também abordava temas como a Ordem Econômica e Social, os Direitos Sociais, em especial, dos direitos dos trabalhadores, além de outras matérias terem sido incorporadas, como Segurança Nacional e Funcionários Públicos, reservando-se uma área destinada ao Direito de Família.

54

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 4ª. edição, revista e atualizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 55.

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Importa dizer, contudo, que se tratou da Constituição Brasileira mais breve, durando somente 3 (três) anos, 3 (três) meses e 26 (vinte e seis) dias, por causa de conflitos ideológicos, rivalidades regionais e resistências à sucessão presidencial. Sobre a saúde na Constituição de 1934, Ana Paula Oriola de Raeffray pondera: Os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), modelos de pensões vinculados a gênero ou categoria profissional, foram organizados a partir de 1933 de forma a abranger as mesmas categorias em todo o Território Nacional. Os IAPs não resultaram da evolução das CAPs, apresentando uma nova estrutura [...] A saúde passa à condição de direito supletivo do trabalhador no âmbito do Seguro Social fomentado pelos IAPs. O Brasil dá início, assim, à previdência social e, portanto, à medicina previdenciária. [...] O Modelo Constitucional de 1934 é, na verdade, um reflexo político, mais do que social. Na verdade, GETÚLIO não queria se mostrar um ditador, mas sim um político engajado ao Movimento Mundial de Garantia e Proteção do Trabalhador. Assim, o modelo de assistência à saúde visava apenas e tãosomente a relação capital-trabalho. A curta vida da Constituição Federal de 1934, faz com que pequenas medidas complementares tenham sido levadas à efeito na esfera da assistência à saúde. O avanço da chamada medicina previdenciária dar-se55 á sob à égide da Carta Magna de 1937.

A Constituição de 1934 previu expressamente a palavra saúde uma única vez em seu texto normativo: “Art 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: [...] II - cuidar da saúde e assistência públicas;” (grifo nosso)

Apesar disso, dispõe em outras passagens sobre a temática ligada à saúde.56 Nota-se, de fato, como a autora salientou, a preocupação de Getúlio, visível na Constituição de 1934, com a saúde do trabalhador. Porém, destaque-se, já naquela época, sua atenção para a saúde da mulher, no que se refere à gestante, com garantias para antes e depois do parto, além de durante a maternidade. 1.1.4 Carta Política de 1937

55

RAEFFRAY, Direito da Saúde de acordo com a Constituição Federal. Op. cit., pp. 167-172. Constituição de 1934: “Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: [...] h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;” 56

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A Carta Política de 10 de novembro de 1937 foi outorgada 57 durante o Estado Novo. Nessa Carta, o Presidente da República, que governava por decretos-leis, incorporou a função de legislar. O Estado Federal era apenas nominalmente adotado, com o poder centralizado no Presidente da República. Vale dizer que esta Carta foi elaborada por Francisco Campos, que, posteriormente, participou da edição do Ato Institucional (AI) n. 01, para instauração do regime militar em 1964. Ana Paula Oriola de Raeffray reflete sobre a saúde na Carta de 1937: A Constituição de 1937 abrangia os riscos sociais, bem como, a assistência médica ao trabalhador e à gestante. A velhice, invalidez e os acidentes de trabalho também estavam protegidos. Salienta-se, pois, que a Carta de 1937 apresentava a lacuna de não cogitar nada acerca dos benefícios sociais e ao seu custeio, nem tampouco dispunha sobre a contribuição da União. [...] o Na questão à assistência a saúde, em 1937 a Lei n 378 de 13 de janeiro instituiu o Departamento Nacional de Saúde. Referido Departamento passou a desempenhar atividades fundamentais no campo as saúde, não apenas no âmbito federal, mas também mediante de ação direta e indireta 58 sobre os Departamentos de Saúde estaduais.

Na Carta de 1937, assim se encontravam as referências à saúde: Art 18 - Independentemente de autorização, os Estados podem legislar, no caso de haver lei federal sobre a matéria, para suprir-lhes as deficiências ou atender às peculiaridades locais, desde que não dispensem ou diminuam es exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta regule, sobre os seguintes assuntos: [...] c) assistência pública, obras de higiene popular, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; Art 137 - A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos: [...]

57

Carta de 1937 foi outorgada conforme a leitura da norma constitucional que demonstra o contexto sóciopolítico da época: “O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente a gravação dos dissídios partidários, que, uma, notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil; ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente; ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo; Com o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas; Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o Pais:” (grifo nosso) 58 RAEFFRAY, Direito da Saúde de acordo com a Constituição Federal . Op. cit., pp. 184-185.

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l) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e depois do parto; Art 156 - O Poder Legislativo organizará o Estatuto dos Funcionários Públicos, obedecendo aos seguintes preceitos desde já em vigor: [...] h) os funcionários terão direito a férias anuais, sem descontos, e a gestante a três meses de licença com vencimentos integrais.”

Destaca-se, neste momento, a proteção conferida à criança no campo da saúde, sem deixar de se mencionar o trabalhador e a gestante. 1.1.5 Constituição de 1946 A Constituição de 1946 extinguiu a estrutura político-normativa do Estado Novo e retomou o contato com a Constituição de 1934. A partir desta Lei Suprema, as mesmas linhas ideológicas e perfil perduraram por quase 20 (vinte) anos. Vários presidentes se sobrepuseram ao poder e havia a plena legalidade dos partidos políticos até a crise do regime de 1964, que começou com a renúncia de Jânio Quadros e a ascensão de João Goulart. Importante lembrar que vigorou um breve regime parlamentarista instituído pela Emenda Constitucional no 4/61, conhecida como “ato adicional”, em 1961, retornando-se ao presidencialismo, em 1963, por meio de um plebiscito, formalizado pela Lei Complementar no 02/62, realizado em 06 de janeiro de 1963. Vale dizer que o parlamentarismo foi uma exigência para que João Goulart governasse com a renúncia de Jânio Quadros, uma vez que teria seus poderes limitados. Com a chegada de João Goulart ao poder com uma política visando a reformas de base, foram realizados comícios na Praça da República e instituíram-se Ligas Camponesas, até culminar nos movimentos que ebuliram no país em 1964, através do Ato Institucional no 1, por causa de insatisfações de setores da sociedade. Na Constituição de 1946, a saúde se encontra disposta nos seguintes termos: “Art 5º - Compete à União: [...] XV - legislar sobre: [...] b) normas gerais de direito financeiro; de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; e de regime penitenciário; [...] Art 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores: [...]

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XIV - assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gestante; [...] Art 186 - A primeira investidura em cargo de carreira e em outros que a lei determinar efetuar-se-á mediante concurso, precedendo inspeção de saúde.”

Percebe-se o Seguro Social como o modelo assistencial adotado no campo da saúde, com foco especial no trabalhador e no funcionário público, sem se esquecer da gestante. 1.1.6 Carta Política de 1967 A Carta Política que entrou em vigor em 15 de março de 1967 foi outorgada pelo Congresso Nacional, sob o mandato do Presidente Marechal Arthur da Costa e Silva. Foi uma Carta Constitucional que possui como cerne a Segurança Nacional, assim como os Poderes concentrados no Executivo Federal. Aconteceu a redução da autonomia individual e a suspensão dos direitos e garantias constitucionais, além da instituição de eleições indiretas para Presidente da República, por meio do Colégio Eleitoral. Importa lembrar que foi o Ato Institucional no 5 (AI – 5) que reduziu as garantias fundamentais e restringiu os direitos políticos. 1.1.7 Emenda Constitucional no 1, de 1969 Fundamental ressaltar a Emenda Constitucional no 1, de 17 de outubro de 1969, que, na verdade, técnica e teoricamente não se tratou de uma emenda, porém de um mecanismo de outorga, ao passo em que outorgou um texto constitucional inteiramente reformulado. Foi outorgado por três Ministros militares - Augusto Hamann Rademaker Grünewald, Aurélio de Lyra Tavares e Márcio de Souza Mello -, sendo evidenciada por forte concentração do poder político no Executivo Federal. A Carta de 1967, com posterior redação dada pela Emenda Constitucional no 1 de 1969, tratava da saúde nos termos que seguem: “Art. 8º. Compete à União: [...] XIV - estabelecer e executar planos nacionais [...] de saúde, bem como planos regionais de desenvolvimento; [...] XVII - legislar sôbre:

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[...] c) normas gerais[...]; de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; de regime penitenciário; Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos têrmos da lei, visem à melhoria de sua condição social: IX - higiene e segurança no trabalho; [...] XV - assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva; XVI - previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprêgo, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado; Art. 197. Ao civil, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, que tenha participado efetivamente em operações bélicas da Força Expedicionária Brasileira, da Marinha, da Fôrça Aérea Brasileira, da Marinha Mercante ou de Fôrça do Exército, são assegurados os seguintes direitos: [...] d) assistência médica, hospitalar e educacional, se carente de recursos.”

1.1.8 Constituição de 1988 Em 05 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa Brasileira foi promulgada e publicada, ficando conhecida como “Constituição Cidadã”, devido ao apelido delegado pelo deputado Ulysses Guimarães. A Lei Suprema instituiu um Estado Democrático de Direito, onde o governo é limitado por leis e vigora uma democracia, um regime do povo. Ademais, manteve-se uma República Federativa, com o presidencialismo, como sistema de governo. Fortaleceu-se o Federalismo, atribuindo-se maior autonomia aos Estados, Distrito Federal e Municípios, além de fortalecer-se também a República, ao se atribuir responsabilidade aos mandatos dos governantes, assim como garantias inerentes ao exercício da função. O presidencialismo modificou sua feitura, ao passo em que a figura política passou a ser eleita pelo voto popular, num caráter mais democrático. Adotou-se o sufrágio universal, direto e secreto, num sistema eleitoral onde os analfabetos votam e os jovens entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos possuem a faculdade de votar, com relação à participação política dos cidadãos. No sistema eleitoral, adotou-se o pluripartidarismo.

Atualmente, isso vem

gerando discussões quanto à ploriferação de partidos políticos, e a necessidade de se adotar mecanismos impeditivos do fenômeno, como a cláusula de barreira. Importa lembrar que se criaram com a Constituição de 1988 ferramentas como o Habeas Data, o Mandado de Injunção e o Mandado de Segurança Coletivo.

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Na Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, o direito à saúde está intrinsecamente ligado aos direitos do cidadão. Para que o homem exerça sua cidadania, que não se resume ao direito de votar e ser votado, deve ser detentor de saúde, para poder desenvolver suas potencialidades e atuar positivamente em sociedade. Cumpre destacar as ponderações de Gianpaolo Poggio Smanio em seu trabalho: O desafio da atualidade democrática é efetivar esta democracia integral, que possa acolher a cidadania e o seu pleno desenvolvimento. As políticas públicas a serem desenvolvidas pelos governantes devem ter o norte da cidadania em todas as suas dimensões, integrando os diversos aspectos sociais, políticos e econômicos, bem como atendendo às necessidades de inclusão social. Os valores fundamentais adotados pelo Estado Democrático de Direito transformam-se em princípios gerais de direito e passam a ser a base racional-filosófica para qualquer exercício dos poderes constituídos do Estado. A cidadania, considerada em todas as suas dimensões, é um 59 destes valores, refletida em princípio geral de direito.

Visto essa consideração preliminar sobre a cidadania refletida em princípio geral de direito, valor fundamental adotado pelo Estado Democrático de Direito, como base racional-filosófica para o exercício dos três poderes - Judiciário, Executivo e Legislativo -, de modo a abranger o exame da temática deste trabalho, realizam-se igualmente considerações sobre o modelo de Estado adotado pelo Brasil, anteriormente citado, e que se verifica a partir da análise do artigo 1º, da Constituição de 1988. No que se refere a isso, vale salientar as observações de Cláudia Maria da Costa Gonçalves: o Estado Democrático de Direito exige que a Constituição simultaneamente assegure a separação de poderes; a garantia dos direitos fundamentais (individuais, sociais, coletivos, políticos e difusos); a possibilidade de participação popular não apenas nos certames eleitorais, mas também na própria gestão e controle das políticas públicas; e, ainda, a multiplicidade de meios de tutela dos direitos fundamentais. Enfim, o Estado Democrático de Direito é princípio cuja existência facilmente depreende-se da Constituição 60 e, nela, portanto, deve encontrar mecanismos de sua própria eficácia.

Partindo-se da reflexão da autora, tem-se que o Estado Democrático de Direito adotado pela Constituição Brasileira exige que esta garanta: 1) a separação de poderes; 2) os direitos fundamentais, dentre eles, os individuais e sociais,

59

SMANIO, Gianpaolo Poggio. Dimensões da Cidadania. Revista da ESMP – ano 2, p. 13-23, janeiro/ junho – 2009. p. 20. 60 GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa. Direitos Fundamentais Sociais. Releitura de uma Constituição Dirigente. 2ª. edição. Curitiba: Juruá, 2011. pp. 191-192.

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dimensões que abrangem o direito à saúde;61 3) a participação popular, inclusive, na própria gestão e controle das políticas públicas; e 4) a proteção dos direitos fundamentais através de mecanismos instrumentais. Para tanto, deve-se assegurar não só a sua eficácia (jurídica) como a sua efetividade (social). Pois bem, o artigo 6º, da Constituição vigente, versa sobre direitos fundamentais sociais e trata-se de onde está previsto inicialmente o direito à saúde. Cláudio Lembo discorre sobre o assunto, afirmando que: “A expressão direitos fundamentais, na realidade, congrega uma série de direitos que objetivam a preservação da pessoa humana e seus atributos”62. Da leitura dos pensamentos do autor, extrai-se que o direito à saúde, na verdade: tutela o ser humano. Celso Bastos, ao delimitar os direitos fundamentais, ressalta: Dá-se o nome de liberdades públicas, de direitos humanos ou direitos individuais, àquelas prerrogativas que tem o indivíduo em face do Estado constitucional ou do Estado de Direito. Neste, o exercício dos seus poderes soberanos não vai ao ponto de ignorar que há limites para a sua atividade além dos quais se invade a esfera jurídica do cidadão. Há como que uma repartição de tutela que a ordem jurídica oferece: de um lado ela guarnece o Estado com instrumentos necessários à sua ação, e de outro protege uma área de interesses do indivíduo contra qualquer intromissão do aparato 63 oficial.

Desse modo, primeiramente, dentre os direitos fundamentais, direitos humanos, liberdades públicas ou direitos individuais - dentre os quais se podem incluir os direitos sociais - destaca-se que a terminologia adotada não constitui aspecto que mereça discussão aprofundada. Nesse sentido, assentam-se os pensamentos de Pietro de Jesús Lora Alarcón: Assim que, conquanto nos preocupemos com o que realmente importa, que consiste em outorgar as condições para a máxima efetividade desses direitos, não haverá problema algum. Por outras palavras, sempre e quando sejamos capazes de identificar um núcleo conceitual irrenunciável que nos permita não colocar em risco a submissão da prática estatal ou a dos particulares a uma ação destinada a essa efetividade, seja atuando concretamente ou deixando de interferir nas liberdades do ser humano para 64 potencializar sua dignidade, estaremos a salvo de qualquer perigo.

61

Nesse sentido, lembra-se da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, mais precisamente de seu artigo 16º - “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.” 62 LEMBO, Cláudio. A Pessoa: seus direitos. Barueri: Manole, 2007. p. 3. 63 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª. edição. São Paulo: Malheiros. 2010. p. 234. 64 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Ciência Política, Estado e Direito Público. São Paulo: Verbatim, 2011. p. 265.

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Nesse âmbito, pode-se afirmar que o mais importante não é a nomenclatura utilizada para se denominar os direitos, desde que se busque efetivá-los. Além disso, os direitos devem ser tutelados pelo Estado com instrumentos de ação, bem como protegida a esfera do indivíduo contra a intromissão estatal indevida. Virgílio Afonso da Silva, por sua vez, aborda como ponto de partida as possíveis dimensões do problema: A definição de um conteúdo essencial para os direitos fundamentais pode ser abordada, inicialmente, a partir de dois enfoques distintos: o objetivo e o subjetivo. No primeiro caso, trata-se de uma análise acerca do direito fundamental como um todo, a partir de sua dimensão como direito objetivo; no segundo, o que importa é investigar se há um direito subjetivo dos indivíduos a uma proteção ao conteúdo essencial de seus direitos 65 fundamentais.

Ora, o direito à saúde deve ser guarnecido pelo Estado com ferramentas de ação, como políticas públicas, da mesma forma que tutelada a dimensão individual, com mandados de segurança, por exemplo, para se pleitear medicamentos, uma vez que o Estado não nega o acesso ao Judiciário, todavia, devendo-se privilegiar a dimensão social, da coletividade, por políticas públicas, controlando-as via ação popular e ação civil pública. O autor expõe haver duas teorias sobre o conteúdo essencial de um direito fundamental: a teoria que entende o direito como um valor absoluto e a teoria que entende o direito como um valor relativo, variando-se o conteúdo essencial conforme a situação, a circunstância e as colisões de direitos em questão.66 Alexandre de Moraes, por sua vez, esclarece com relação aos direitos humanos fundamentais: colocam-se como uma das previsões absolutamente necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar ao pleno desenvolvimento da 67 personalidade humana.

Evidencia o autor, em tela, o pleno desenvolvimento da personalidade humana, como conteúdo jurídico da dignidade humana, base dos direitos humanos fundamentais. É o que mais uma vez o direito à saúde prevê: a busca permanente pelo livre desenvolvimento humano, em condições dignas.

65

DA SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª. edição. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 185. 66 Ibid. p. 27. 67 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 9ª. edição. São Paulo: Atlas. 2011. p. 2.

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Entende-se, ademais, a saúde como um direito universal, conforme dito inicialmente. Sobre o universalismo, assinala Monica Caggiano: ressalta à evidência que o desenvolvimento dos sistemas e mecanismos de proteção dos direitos individuais, no panorama internacional, somente se 68 tornou possível plasmado no seu caráter de universalidade.

Fica evidente, então, que a saúde deve ter um caráter universal, justamente por dizer respeito a todos os seres humanos, além de servir para proteger os direitos individuais. No que se refere à natureza do direito à saúde, Ana Flávia Messa esclarece: é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. A saúde abrange as ações que se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e 69 social.

Nota-se nas palavras da autora, portanto, a saúde como um direito fundamental do ser humano, em que o Estado deve prover todas as condições para o seu pleno exercício, de modo a se assegurar às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. Na área da saúde, existe uma problemática em torno da desigualdade social, regional e local da população, o que se denomina realidade fática. Existe também a questão das políticas públicas, de modo a buscar concretizá-la preventivamente, o que não descarta o seu caráter assistencial. Além disso, há uma discussão sobre a sua judicialização, enquanto mecanismo de efetividade, bem como o que leva a considerar a eficácia da norma jurídica do direito à saúde. Roberto Dias70 analisa sobre o tema o que os juristas e o Poder Judiciário, no Brasil, passaram dizer sobre a saúde pública, principalmente a partir da segunda metade do século XX.

68

CAGGIANO, Monica Herman S. Os Direitos Fundamentais e a sua Universalização. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 4, jul./dez. 2004. p. 766. 69 MESSA, Ana Flávia. Direito Constitucional. 2ª. edição. São Paulo: Rideel, 2011. p. 544. 70 DIAS, Roberto. O que os Juristas e o Judiciário têm a dizer sobre saúde pública? In: SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André. (Orgs). Direito da Regulação e Políticas Públicas. São Paulo: Malheiros, 2014. pp. 296-313.

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Como primeira oscilação do pêndulo, explica que as demandas sociais a serem exigidas numa democracia são fáceis de se solicitar, porém difíceis de se obter respostas. Então, discute a eficácia da norma do direito à saúde e questiona que se não se pode de fato admitir que uma norma constitucional se converta em promessa constitucional inconsequente, seria possível admitir que os direitos sociais sejam tratados como direitos individuais, autorizando o fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos e desconsiderando políticas públicas já implementadas, bem como os custos dos direitos, até mesmo, bloqueando judicialmente verbas públicas, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça,71 para assegurar o direito em pauta. Num segundo momento, o autor estuda o retorno do pêndulo. Isso porque afirma que a tendência que se verificava era a do ativismo judicial no direito à saúde e que nem sempre a judicialização conseguia proporcionar uma igualdade fática à população, já que os mais pobres, com falta de acesso à informação e ao Judiciário, restariam excluídos dessas decisões. Desse modo, buscou-se parâmetros na tentativa de equacionar essa situação, o que ganha destaque com a ponderação de princípios proposta por Robert Alexy, conforme se verá adiante. Roberto Dias conclui sua pesquisa apontando que, nas últimas décadas, os juristas e o Judiciário brasileiro se empenharam em concretizar os direitos sociais. Se, por um lado, tiveram êxito, enquanto esses direitos deixaram de ser promessas constitucionais, por outro, em sua opinião, gerou uma série de problemas, como o desequilíbrio dos orçamentos públicos e a desorganização da Administração Pública72, sem contribuir para a redução das desigualdades sociais. Por fim, o autor indica que os juristas têm tentado propor parâmetros para esta atividade jurisdicional. É o que se passa a discutir neste momento. Porém, antes se destaca o papel fundamental da Defensoria Pública, que se acredita ter contribuído para a redução das desigualdades sociais na medida do possível nesse contexto, diferentemente do que o autor afirma. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por exemplo, possui um núcleo especializado em direitos do idoso e da pessoa com deficiência. 71

STJ, 2ª. Turma, Resp 887.844-RS, rel. Min. Humberto Martins, j. 24.10.2006. Para um entendimento acerca destes temas vide jurisprudência do STJ sobre inclusão de política pública no orçamento do ente federativo, quando a situação concreta violar o “mínimo existencial”, disposta no capítulo 3, no item sobre Judicialização das Políticas Públicas na Saúde Brasileira. 72

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Em várias decisões verifica-se a atuação favorável da entidade em prol dos mais necessitados. Como exemplo, podem-se citar: fornecimento de cadeira motorizada para paciente tetraplégico, concessão de medicamento para doença oftalmológica, fornecimento de prótese para idoso e fornecimento de medicamento para doença grave (acidente vascular cerebral) para idoso.73 Discute-se, assim, se o direito à saúde seria uma norma programática, como alguns preferem denominá-lo, o que, todavia, conforme se verá, de acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF) não se pode tornar as normas jurídicas da saúde “promessas constitucionais”, devendo ser efetivadas. José Afonso da Silva, ao tratar das normas programáticas dirigidas à ordem econômico-social, é bem claro: Não incluímos aqui nem o direito à saúde (art. 196), nem o direito à educação (art. 205), porque em ambos os casos a norma institui um dever correlato de um sujeito determinado: o Estado – que, por isso, tem a obrigação de satisfazer aquele direito. Se esta não é satisfeita, não se trata de programaticidade, mas de desrespeito ao direito, de descumprimento da 74 norma.

A seguir, o autor aborda a natureza dos direitos sociais, onde lembra que a Constituição os incluiu entre os direitos fundamentais no seu Título II. E reflete: Não lhes tira essa natureza o fato de sua realização poder depender de providências positivas do Poder Público. Por isso, caracterizam-se como prestações positivas impostas às autoridades públicas pela Constituição (imposições constitucionais). É certo que, para tanto, a efetivação de muitos 75 desses direitos depende do estabelecimento de instituições.

Enquanto imposições constitucionais, o estabelecimento de instituições na esfera da saúde pública é justamente a criação e implementação de políticas sociais e econômicas de modo planejado, coordenado e articulado no panorama do Sistema Único de Saúde (SUS) que visem a concretizar o direito à saúde, bem como o acesso ao Judiciário para o pleito de medicamentos e tratamentos médicos. José Afonso da Silva considera que as normas jurídicas da saúde têm aplicação imediata por se tratarem de direitos fundamentais 76, não sendo programáticas. Em que pese o Supremo Tribunal Federal (STF) classificá-las como 73

DPE-SP. Núcleo Especializado do Idoso e da Pessoa com Deficiência. Disponível em: < http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3462>. Acesso em: 30/05/2014. 74 DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 4ª. edição. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 150. 75 Ibid. p. 151. 76 Lembre-se que o artigo 5º, da Constituição da República, abrange os direitos fundamentais e que em seu § 1º., estabelece-se que possuem aplicação imediata. O direito à saúde, por se tratar de um direito fundamental, teria aplicação imediata.

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normas programáticas, como mencionado, não podem se tornar “promessas constitucionais”, segundo entendimento firmado pela Corte, o que na prática implica o resultado de normas de aplicação imediata, já que não devem permanecer no plano das promessas e devem ser concretizadas na realidade de modo efetivo. Desse modo, prefere-se adotar o posicionamento de José Afonso da Silva, segundo o qual não se tratam de normas programáticas, porque possuem aplicação imediata. Segundo Ricardo Castilho77, o sistema de valores insculpido na Constituição da República de 1988, através da fixação dos direitos fundamentais enquanto elementos basilares do arbouço jurídico, sofre entraves de implantação de ordem ideológica, social e, acima de tudo, econômica e jurídica. Para o autor, o fortalecimento da dogmática concernente à eficácia dos direitos fundamentais sociais é necessário para findar o déficit e o estudo que se refere ao mínimo existencial que representa um avanço nesse sentido. Explica Castilho que a origem histórica desses direitos foi por completo diversa daquela observada nos direitos civis e políticos, o que elucida não somente as diversas técnicas de positivação, como também a negação aos direitos sociais plenas eficácia e exigibilidade. Prossegue o autor: a disparidade entre o compromisso social fixado na Lei Suprema e expresso no amplo rol de direitos sociais ali determinado e a implantação deste possui causa em sua maior parte política. Em seguida, ensina que a teoria do mínimo existencial pode ser aplicada ao arcabouço jurídico pátrio sem maiores dificuldades, com base na dignidade humana. Então, explica que identificado ou não ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, resultado ou não das técnicas de argumentação ou sopesamento, o fato é que o mínimo existencial nunca pode ser tocado, o que não afasta a tarefa estatal de conferir a esses direitos a máxima efetividade possível, observadas as condições econômicas e jurídicas existentes. Vale dizer, no contexto, que Pinto Ferreira afirma que a aplicabilidade dos direitos fundamentais, dentre as quais a do direito à saúde, prevista na Constituição de 1988, são mais intenções éticas. O autor recorre sobre o assunto a Hermann von Mangoldt: 77

CASTILHO, Ricardo. Pela Máxima Efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais: a ideia de mínimo existencial. GOZZO, Débora; BITTAR, Eduardo C. B. Bittar (Orgs). Direitos Humanos Fundamentais. Doutrina, Prática e Jurisprudência. Niterói, RJ: Impetrus, 2013. p.255-56.

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Os direitos fundamentais tomam cada vez mais o caráter de promessas e explicação de programas, ao mesmo tempo em que mais e mais se volatiza o seu conteúdo jurídico. As seções dos direitos fundamentais de inúmeras Constituições formigam de promessas, cujo cumprimento os Estados jamais pensaram. São absolutamente supérfluas, sem valor, e nada têm a fazer na 78 Constituição.

Apesar do ponto de vista do autor, necessário procurar o bem comum e a justiça social, isto é, uma sociedade solidária em que uns não sejam mais iguais do que outros, lembrando da velha máxima79 dos porcos de Orwell, e num lugar onde não haja o melhor para todos, porém o fundamental buscando-se o melhor em justa medida para todos. Por se tratarem justamente de imposições constitucionais, vale dizer que se tratam nas palavras de Robert Alexy, de “mandamentos de otimização”, que, segundo o autor, o conceito de mandamento é utilizado de forma ampla, englobando permissões e proibições.80 Nesse sentido, o direito à saúde, por exemplo, permite a perseguição por condições dignas de vida, através da implementação de um sistema adequado de saneamento básico e de políticas públicas sociais como o fornecimento de medicamentos. Robert Alexy, assim, aborda a colisão entre princípios, alegando que, na realidade, quando ocorre o choque entre dois princípios um deve ceder espaço ao outro, sob determinadas condições, não significando por isso que um seja inválido, mas que, naquele determinado caso, um deve prevalecer sobre o outro.81 O autor argumenta que a relação de tensão entre os princípios em conflito não pode ser equacionada com a prevalência absoluta de um desses deveres. Pelo contrário, defende que o conflito deve ser solucionado através de um sopesamento entre os interesses conflitantes, que abstratamente se encontram no mesmo nível, porém no caso concreto um deles possui maior peso.82

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MANGOLDT, Hermann von. Das Bonner Grundgesetz, 1957, p. 79 apud FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 5ª. edição, ampliada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 615. 79 “Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros.” cf. ORWELL, George. A Revolução dos Bichos. 41ª. edição. São Paulo: Globo, 1994. 80 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2ª. edição. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 90. 81 ALEXY, Teoria dos Direitos Fundamentais. Op. cit. p. 93. 82 Ibid. p. 95.

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Então, o autor afirma que se deve considerar o caso concreto, refletindo sobre o estabelecimento de relações de precedência que um princípio em certas condições prevalece sobre um outro.83 Por fim, Alexy determina a denominada “lei de colisão” – fundamento da teoria dos princípios defendida pelo autor - expressa nos seguintes termos: As condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência 84 jurídica do princípio que tem precedência.

Adiante, segundo o autor, é possível que os princípios se refiram tanto a direitos individuais quanto a interesses coletivos.85 Em seguida, Alexy defende que pelo fato de um princípio se referir a interesses coletivos significa que exige a criação de situações para tanto, no contexto das possibilidades jurídicas e fáticas, critérios que superam os interesses individuais.86 Logo após, o autor pondera: Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a 87 proporcionalidade é deduzível dessa natureza.

Robert Alexy, então, discorre sobre o modelo puro de princípios e o modelo puro de regras. Chega-se à conclusão de que o melhor modelo é o misto, duplo, que abrange regras e princípios enquanto normas jurídicas. Quanto a este modelo, vale considerar que, segundo o autor: Entre os princípios relevantes para decisões de direitos fundamentais não se encontram somente princípios que se refiram a direitos individuais, isto é, que conferem direitos fundamentais prima facie, mas também aqueles que têm como objeto interesses coletivos e que podem ser utilizados sobretudo como razões contrárias a direitos fundamentais prima facie, embora possam 88 ser também utilizados como razões favoráveis a eles.

Diante do exposto até o momento, é possível pensar no conflito que envolve o direito à saúde em sua dimensão individual, quando, por exemplo, um sujeito pleitea um medicamento que o Sistema Único de Saúde (SUS) não prevê em sua lista, e o próprio direito à saúde em sua dimensão social, quando, como exemplo, devido ao 83

ALEXY, Teoria dos Direitos Fundamentais. Op. cit. p. 96. Ibid., p. 99. 85 Ibid., p. 114. 86 Ibid., p. 115. 87 Ibid., pp. 116-117. 88 Ibid., P. 136. 84

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fornecimento de um remédio de alto custo para um único indivíduo, por decisão judicial, visando à dignidade humana, prejudica-se toda a coletividade. Com efeito, destaca-se que a ponderação de direitos deve ser realizada em casos concretos que abranjam o “mínimo existencial” e em situações como a descrita, conforme se abordará melhor quando se estudar o controle jurisdicional de políticas públicas. Percebe-se que neste caso concreto existe o princípio do direito à saúde, enquanto mais que uma mera norma programática que exige uma diretriz ou um programa de execução, mas uma verdadeira imposição constitucional, nas palavras de José Afonso da Silva, ou um mandamento de otimização, segundo Robert Alexy, que em seu conteúdo prevê como objetivos a dignidade humana, a igualdade e o interesse coletivo, que devem ser perseguidos por políticas públicas sociais e econômicas preventivas, prioritariamente. Ocorre que quando se busca a assistência à saúde, como exemplo, por meio da sua judicialização, não se tem a melhor forma de implementação deste direito. Todavia, o direito de acesso ao Judiciário é um princípio constitucional assegurado. Dessarte, no caso em tela, tem-se o conflito entre o princípio do direito à saúde em sua dupla dimensão, considerando-se os seus aspectos subjetivo e coletivo. Como visto, na realidade, nenhum é inválido abstratamente, porém no caso concreto, deve-se realizar o sopesamento entre eles, e verificar qual possui maior peso, para que um ceda espaço ao outro. Nota-se das reflexões de Alexy que os direitos coletivos possuem maior relevância que os individuais. Ora, o interesse da coletividade, num primeiro momento, deve prevalecer diante do interesse de um único indivíduo, num olhar não egoístico. Assim, como Alexy argumenta, é preciso criar situações para implementar os interesses coletivos. Baseando-se, assim, na lei de colisão proposta por Alexy, em que se realiza o sopesamento das precedências de um princípio que deve ocupar o espaço de outro, percebe-se que o direito individual à saúde deve ser tratado secundariamente em relação ao direito social da saúde, que deve ser analisado prioritariamente. Não se justifica beneficiar um único indivíduo quando na realidade toda uma coletividade sairia prejudicada. Nem por isso, no entanto, deve-se ignorar o interesse individual que encontra amparo no ordenamento jurídico. Deve-se, portanto, prioritariamente, privilegiar

o

coletivo,

como

por

políticas

públicas e

ações

coletivas,

e

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secundariamente o indivíduo, mas nem por isso deve-se ignorar o interesse individual.89 Nessa direção, Oscar Vilhena Vieira argumenta: Os tribunais que não tiverem a coragem de defender o cidadão quando este se encontrar em confronto com o Estado ou com os poderosos definitivamente não merecem esse nome. Ao estabelecer que todos os seres humanos têm direito a receber dos tribunais um remédio efetivo contra os atos que violem seus direitos fundamentais, a Declaração [Universal dos Direitos Humanos] deixa de ser um documento retórico e passa a construir um mecanismo a partir do qual 90 os direitos humanos possam ser definidos.

Nota-se a proteção do interesse individual expresso pelo autor, com relação ao direito de os cidadãos pleitearem medicamentos junto aos tribunais, fato que se confirma conforme os moldes previstos no artigo VIII, da Declaração Universal de Direitos Humanos. 91 Numa perspectiva com fundamento na realidade, não é possível estender o direito à saúde a todos, por diversos obstáculos sociais e econômicos. Porém, tratase de um direito que deve ser permanentemente buscado para que não se torne nas palavras de Pinto Ferreira uma mera intenção ética, prevista pelo legislador. No cenário de conflito, concessões devem ser feitas para que se beneficie uma maior parte de pessoas, em detrimento de poucas, sem ignorar, contudo, o interesse individual. Só assim, de fato, se estará procurando concretizar a dignidade, a igualdade e o interesse coletivo deste direito humano num contexto social de um Estado regido por uma Democracia, constituído por uma República e balizado por leis, que limitam a atuação dos governantes. Nesse panorama, vale salientar o estudo do princípio da eficiência, que, segundo Alexandre de Moraes92, foi acrescentado pela Emenda Constitucional n o 19/98 de modo expresso aos princípios constitucionais da Administração Pública, terminando com as discussões doutrinárias e as jurisprudências sobre a sua 89

Ressalta-se que esta abordagem será mais estudada no decorrer desta pesquisa, como no item: 1.3. 90 VIEIRA, Oscar Vilhena. A palavra de Oscar Vilhena Vieira. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos Humanos; Unesco, USP. Direitos Humanos no Cotidiano: manual. 2ª. edição. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2001. p. 98. 91 Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo VIII – “Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”. 92 Para saber mais sobre o tema (Princípio da Eficiência), confira: MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa. Emenda Constitucional N. 19/98 – Revista, ampliada e atualizada de acordo com a EC N. 20/98. 4ª. edição. São Paulo: Atlas, 2001. pp. 28-42.

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existência implícita na Constituição da República, bem como sua aplicação integral.93 O autor conceitua o princípio como sendo aquele que determina à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a busca do bem comum, através do exercício de suas competências de modo imparcial, neutro, transparente, participativo, eficaz, sem burocracia, e sempre na persecução da qualidade, privilegiando pela escolha dos critérios legais e morais necessários para o melhor uso possível dos recursos públicos de modo a evitar desperdícios e assegurar maior rentabilidade social.94 Moraes esclarece que a noção do bem comum como fim básico da atuação da Administração Pública se origina da própria razão de existência do Estado, guiando a adoção do princípio da eficiência.95 O autor acentua que o princípio da eficiência reforça a possibilidade de o Ministério Público, com fulcro em sua função constitucional de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos garantidos por esta Constituição, promover as medidas necessárias, judicial e extrajudicialmente, a sua garantia.96 Em seguida, Moraes assenta que se vislumbra, assim, através desta nova visão constitucional, um reforço à plena possibilidade de o Poder Judiciário, em defesa dos direitos fundamentais e serviços essenciais previstos pela Constituição de 1988, assegurar a eficiência dos serviços prestados pela Administração Pública, inclusive responsabilizando as autoridades omissas.97 De onde se acrescenta a possibilidade de o Poder Judiciário e o Ministério Público, buscando zelar pelo princípio da eficiência na Administração Pública, interfiram, inclusive, nas políticas públicas relativas ao direito à saúde. Além disso, Moraes leciona que o princípio da eficiência se compõe, então, das características elementares que seguem: a) direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum; b) imparcialidade; c) neutralidade; d)

93

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. pp. 104-05. Ibid., p. 108. 95 Ibid., p. 109. 96 Ibid. p. 109. 97 Ibid. p. 109. 94

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transparência; e) participação e aproximação dos serviços públicos da população; f) eficácia; g) desburocratização; e h) busca da qualidade.98 Importa salientar que o autor recorda que o princípio em comento, enquanto norma constitucional, apresenta-se como o contexto necessário para todas as leis, atos normativos e condutas positivas ou omissivas do Poder Público, servindo como fonte para a declaração de inconstitucionalidade de qualquer manifestação da Administração oposta a sua plena e total aplicabilidade.99 Quanto à aplicabilidade e fiscalização do princípio da eficiência, Moraes aponta que a EC no 19/98 não apenas inseriu de modo expresso na Constituição da República o princípio da eficiência, como também modificou a Lei Fundamental para lhe assegurar plena aplicabilidade e efetividade.100 Dessarte, o autor indica a importância da nova redação conferida a dispositivos da Constituição relativos ao tema.101 José Afonso da Silva, por sua vez, complementa o magistério de Alexandre de Moraes, acrescentando: A eficiência administrativa se obtém pelo melhor emprego dos recursos e meios (humanos, materiais e institucionais) para melhor satisfazer às necessidades coletivas num regime de igualdade dos usuários. Logo, o princípio da eficiência administrativa consiste na organização racional dos meios e recursos humanos, materiais e institucionais para a prestação de serviços públicos de qualidade com razoável rapidez, consoante previsão do inciso LXXVIII do art. 5º (EC-45/2004) e em condições econômicas de 102 igualdade dos consumidores.

98

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. Op. cit. p. 109. Ibid. p. 112. 100 Ibid. p. 112. 101 CF/88, Art. 37, § 3º - “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no Art. 5º, X e XXXIII; III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.” CF/88, art. 5º - “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;” CF/88, art. 39 – “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.” 102 SILVA. Curso de Direito Constitucional Positivo... Op. cit. p. 672. 99

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Nota-se o esforço da transposição de um conceito de natureza econômica para o direito constitucional administrativo. Porém, resta nítida a caracterização do princípio em essência pela melhor alocação de recursos e meios para melhor satisfazer às necessidades sociais num regime de igualdade dos usuários, com a realização de serviços públicos de qualidade com razoável rapidez. É o que deve ocorrer, inclusive, no serviço público de saúde, prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como se verá no capítulo 4, no item sobre Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde, especificamente no artigo 3o da Portaria 2.690, de 05 de novembro, de 2009, em prestígio ao direito fundamental à boa administração, o que neste caso implica dizer que a inovação tecnológica corresponde à concretização do direito fundamental à boa administração da saúde. Em se tratando dos direitos fundamentais, cumpre destacar as gerações ou dimensões dos direitos, conforme as distintas doutrinas. Os direitos de primeira geração tratam-se daqueles que limitam a atuação estatal, firmando um “não fazer”. Levam à época do Estado liberal, sendo os direitos conectados à liberdade. Tratam-se daqueles que o Direito Internacional firmou no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1967. Direitos de primeira geração são uma garantia negativa, tais como a liberdade de expressão, em que instituições nem indivíduos criam obstáculos ao seu exercício. Além disso, no decorrer do século XIX, uma evolução acontece quanto aos direitos fundamentais. Nessa época, percebe-se que as liberdades prescritas pelas Declarações, como a Declaração francesa de 1789, não eram suficientes para os seres humanos, que não possuiam condições de exercer essas liberdades. Como consequência disso, com o fim da Primeira Grande Guerra, surgem os direitos sociais, de segunda geração. Isso ocorre com a sua previsão em Constituições, onde o Estado passa a assumir o papel de efetuar uma prestação positiva ao povo. Os direitos sociais foram inseridos, pela primeira vez, na Constituição mexicana de 1917 e na Constituição de Weimar, de 1919, sendo que, no Brasil, aparecem na de 1934. Seu fim é assegurar que o indivíduo goze os direitos de primeira geração. Pode-se afirmar, por exemplo, que não existe a liberdade de expressão sem educação, conforme Maria Paula

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Dallari Bucci103. Abrangem igualmente direitos econômicos, sociais e culturais, enfim, direitos de prestações positivas, onde se inclui o direito à saúde. Vale trazer à tona o fundamento dos direitos sociais. Para tanto, recorre-se aos ensinamentos de Manoel Gonçalves Ferreira Filho: Os direitos sociais, como é óbvio, pressupõem sociedade. Assim não são direitos naturais no sentido que dava a essa expressão a doutrina iluminista prevalecente no século XVIII. Podem, todavia, ser deduzidos da sociabilidade humana. Nesse sentido, considerando-se tal sociabilidade como própria à natureza humana, é que podem ser ditos naturais. Na sociedade, existe a necessidade da cooperação e apoio mútuo. Nela, como o esforço de todos beneficia a cada um, todos devem auxiliar-se ou socorrer-se uns aos outros. Tal auxílio ou socorro é evidentemente tão mais imperativo quanto mais grave a necessidade por que passa o semelhante. Poder-se-ia dizer que esse fundamento é, numa palavra, a solidariedade entre os homens se isso não trouxesse confusão com os direitos de terceira 104 geração, chamados de direitos de solidariedade.

De tal sorte, resta evidente o caráter de sociabilidade próprio da natureza humana, inerente aos direitos sociais, de onde se extrai ainda, sem contudo se confudir com os direitos de terceira geração, a sua perspectiva de solidariedade, ou seja, de cooperação e auxílio mútuo do povo, que abrange o direito à saúde, com a previsão expressa na Constituição vigente, da participação da comunidade nesse serviço público. Depois da Segunda Guerra Mundial, os direitos fundamentais continuaram a se desenvolver. Cabe citar, por fim, os de terceira geração, que são os direitos da coletividade e difusos. Os primeiros são aqueles que unem um grupo de indivíduos por uma relação determinada. Enquanto isso, os segundos marcam-se por uma relação indefinida. Dentre os direitos difusos e coletivos cumprem ressaltar os direitos: ao meio ambiente equilibrado, à biodiversidade, ao desenvolvimento, à defesa do consumidor e à paz. Pode-se afirmar, assim, que os direitos de terceira geração são de natureza transindividual105. Além disso, conforme leciona Fernando Aith:

103

BUCCI, Maria Paula. O conceito de políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p.3. 104 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 9ª. edição. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 51. 105 Os direitos transindividuais são aqueles de natureza indivisível, que podem ser compreendidos como os de que “sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (direitos difusos) ou os de que “seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou o com a parte contrária por uma relação jurídica base” (direitos coletivos) (Lei Federal n 8.078/1990, artigo 81, parágrafo único, incisos I e II).

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As representações de saúde atuais possuem, portanto, uma concepção mais ampla do que a puramente médica, articulando aspectos biológicos e sociais. Através das representações da saúde podemos verificar que a saúde é um resultado da harmonia existente entre a pessoa e seu entorno social, cultural e religioso. A doença, de outro lado, em regra não possui sua origem na pessoa, mas provém da incorporação, real ou simbólica, de elementos nocivos que causam prejuízo à pessoa. Esses elementos nocivos podem vir de diferentes formas, seja de uma divindade, de um bruxo ou de um ancestral, ou, ainda, de um modo de vida não saudável ou 106 de uma herança genética inevitável.

Desse modo, o direito à saúde deve ser visto igualmente de forma ampla, considerando aspectos biológicos, sociais, culturais e religiosos, não se restringindo à concepção puramente médica. Dada essa importância para esse direito fundamental, cabe trazer algumas considerações. No que tange ao direito social em questão, Sueli Dallari e Vidal Serrano Nunes Júnior destacam: a afirmação da saúde como ausência de doença, [...], embora padeça de insubsistência, afirma a existência de um núcleo preciso, orientando a compreensão do que, de forma clara e inquestionável, é direito subjetivo do indivíduo, ou seja, o de assistência integral, quer para evitar, quer para tratar, quer ainda para readequar o indivíduo socialmente. Já as formulações incorporadas pela Constituição da Organização Mundial de Saúde, consubstanciando inegável evolução na abordagem do tema, talvez apresentem como virtude maior a identificação de saúde como um bem jurídico que apresenta três diferentes dimensões: uma individual, outra coletiva e outra ainda de desenvolvimento, assim pensado não só com base 107 nas presentes, mas também nas futuras gerações. (grifos nossos).

Enuncia, assim, a Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948, no contexto do pós-guerra: “A saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade.” 108. O conceito mencionado recebeu críticas, porém Sueli Dallari registra: [...] curiosamente, os trabalhos de crítica dessa conceituação terminam concluindo que, embora o estado de completo bem-estar não exista, a saúde deve ser entendida como a busca constante de tal estado, uma vez que qualquer redução na definição objeto o deformará irremediavelmente. 109

106

AITH, Fernando. Curso de Direito Sanitário. São Paulo: Quartier Latin, 2007. pp. 46-47. DALLARI, Sueli. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Direito Sanitário. São Paulo: Verbatim, 2010. p. 10. 108 “Health is a state of complete physical, mental and social well-being and not merely the absence of disease or infirmity”. (WHO Constitution. Disponível em: . Acesso em: 14/10/2012. 109 DALLARI, Sueli Gandolfi. O conteúdo do direito à saúde. COSTA, Alexandrino Bernadino et al. (Org.). O direito achado na rua: introdução crítica ao direito à saúde. Brasília: CEAD/UNB, 2008. p. 94. 107

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Desse modo, dispõe-se uma conceituação do bem jurídico internacional, patrimônio fundamental das pessoas, enquanto seres humanos, a saúde, que deve ser compreendida como a busca constante do estado de completo bem-estar, apesar de inatingível, sendo, inclusive, mais abrangente do que o conceito adotado pela Lei Federal no 8.080, de 19 de setembro de 1990, em seu artigo 3º, que dispõe que a saúde tem a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais como fatores determinantes e condicionantes. Fica evidente, então, que a saúde deve ter um caráter universal, justamente por dizer respeito a todos os seres humanos, além de servir para proteger os direitos individuais. O direito à saúde está sedimentado na Constituição Federal de 1988 e possui tanta importância, que é protegido pelo Supremo Tribunal Federal, além de receber a tutela de entes como o Ministério Público e a Defensoria Pública. Esse direito é guarnecido pela Constituição Federal, que fundamenta como um dos pilares da República Brasileira a dignidade da pessoa humana, nos termos do seu artigo 1º, inciso III. Com isso, para que o povo viva em condições minimamente dignas, cabe ao Estado o dever de oferecer tratamentos médicos adequados, atuando preventiva e assistencialmente, com integralidade, nos termos do artigo 198, II, da atual Constituição. Registre-se, neste ponto, a distinção entre universalidade e integralidade. Por um lado, a primeira diz respeito a toda à população, isto é, os serviços públicos devem ser estendidos de modo universal, a todos. Por outro, a segunda quer dizer que os serviços públicos de saúde prestados à população devem ser oferecidos em sua integralidade, ou seja, com acesso a todos os meios e recursos disponíveis. Inicialmente, como dito, o direito à saúde encontra-se disposto no artigo 6º, da Constituição Federal de 1988, entre os direitos sociais. O artigo 196, da atual Constituição, frisa que a saúde é direito do povo e dever do Estado, devendo ser assegurada por meio de políticas sociais e econômicas em caráter preventivo, além de buscar o acesso universal e igualitário aos pacientes, bem como de ser livre à iniciativa privada, que, no entanto, somente, poderá atuar em caráter complementar, sendo proibido o emprego de recursos públicos para as instituições privadas com fins lucrativos, nos termos do artigo 199, do mesmo diploma normativo.

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No contexto, a Constituição Federal firmou a competência do Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos do seu artigo 200110. Isso porque a Constituição da República expressa de forma clara que as ações e serviços de saúde são tidos como “de relevância pública”, nos termos do artigo 197, demonstrando a importância do Poder Público nessas atividades. Nesse sentido, José Afonso da Silva elucida sobre o tema: “As ações e serviços de saúde são de relevância pública, por isso ficam inteiramente sujeitos à regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público.” 111 Daí, então, decorrer a regulamentação das ações e dos serviços da saúde nas três esferas federativas, em diferentes espécies normativas, justamente porque se trata de bem de relevância pública. Ademais, a fiscalização e o controle da Saúde ocorrem, da mesma forma, na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, de modo que a competência destas funções cabe, dentre outros, ao Ministério Público e aos Conselhos de Saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser integrado por uma rede regionalizada e hierarquizada, tendo as disposições localizadas no artigo 198, da atual Constituição. Ademais, pode-se afirmar que o SUS se solidifica em um tripé, uma vez que este seja constituído pelos princípios previstos nos incisos I, II e III do artigo 198 da Constituição da República, quais sejam, respectivamente: “I) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III) participação da comunidade.” Desse modo, norteando-se pela descentralização, os Municípios devem atender as questões básicas; enquanto os Estados, as de média complexidade; e a União, por sua vez, as de maior complexidade e gerir o sistema. Como gestores, tem-se na Esfera Federal, o Ministro da Saúde; na Estadual, os Secretários Estaduais de Saúde; e na Municipal, os Secretários Municipais de Saúde. Com mira no artigo 198, II, da Constituição vigente, que prevê o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços 110

Dentre outras atribuições previstas no artigo 200, registram-se as competências dispostas nos incisos: IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. 111 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª. edição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 831.

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assistenciais, tem-se como meio para concretizar este dispositivo as políticas públicas. 1.2 Sistema Único de Saúde (SUS) – Avanços e Desafios O Sistema Único de Saúde (SUS), ao ser inserido no ordenamento jurídico brasileiro, destacou os princípios do direito à saúde que regem esse sistema, como a universalidade, a igualdade, a autonomia e a integralidade. Demonstra, assim, o regime da democracia e a garantia dos direitos fundamentais que o Estado deve assegurar. A Lei Federal no 8.080/90, em seu artigo 2º, § 1º, ao implantar o Sistema Único de Saúde (SUS), fixa essas disposições, determinando ao Estado a obrigação de garantir a Saúde e os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS)112. Igualmente, cabe destacar os Conselhos de Saúde que são órgãos colegiados, deliberativos e permanentes do Sistema Único de Saúde (SUS) em cada esfera de Governo – União, Estados, Distrito Federal e Municípios - integrantes da estrutura básica do Ministério da Saúde, das Secretarias de Saúde, com composição, organização e competência estabelecidas na Lei Federal n o 8.142/90113. Da mesma forma, a descentralização tem ampliado os Conselhos de Saúde que também se firmam em Conselhos Regionais, Conselhos Locais e Conselhos Distritais de Saúde. Os Conselhos de Saúde permitem a participação da comunidade, como sedimenta o artigo 198, inciso III, da Constituição vigente, na administração da saúde, como subsistema da Seguridade Social, permitindo o seu controle social. Ademais, atuam na elaboração e proposição de estratégias e no controle da execução das políticas sociais de saúde. Importa lembrar igualmente que a criação dos Conselhos de Saúde é determinada por Lei Federal, Estadual ou Municipal, com fundamento na Lei Federal no 8.142/90. 112

o

Lei Federal n 8.080/90: “Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.” 113 Veja também a Resolução nº 333, de 04 de novembro de 2003, do Conselho Nacional de Saúde, que traz mais informações relativas aos Conselhos de Saúde, como a sua definição e suas diretrizes.

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Quanto à criação e reformulação dos Conselhos de Saúde, o Poder Executivo deve atender ao princípio democrático, respeitando as necessidades da população, materializadas nas conferências de saúde. Cabe apontar que na Lei Federal no 8.080/90, estão dispostos os princípios e as diretrizes integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS), trazidos pelo respectivo artigo 7º.114 Destaca-se neste espectro a integralidade de cobertura do SUS que serve como estratégia para o atingimento da universalidade.115 O SUS deve atender a todos, como logo no artigo 196, da Constituição Federal já se define. Além disso, ocorreu o Congresso Saúde: “Direito do Cidadão ou Doença do Estado?”, realizado na sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FECOMERCIO SP), nos dias 14 e 15 de outubro de 2013, organizado pela Academia Internacional de Direito e Economia (AIDE), em parceria com o Comite de Saúde do Conselho Superior de Direito da Fecomercio SP116. Na ocasião, discutiram-se, entre outros temas, sobre os avanços e desafios do Sistema Único de Saúde (SUS). Hélcio de Abreu Dallari Júnior observou que tão relevante quanto conhecer indicadores de saúde é tomar conhecimento da abrangência das responsabilidades

114

o

Lei Federal n 8.080/90: “Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recurso=s e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.” 115 Nesse sentido, argumenta Fernando Aith na Conferência “Reflexões Acadêmicas para Superar a Miséria e a Fome”, realizada no Ministério Público Federal, em São Paulo/SP, nos dias 5 e 6 dezembro de 2013. 116 FECOMERCIO SP. Revista Conselhos. N. 22. Editora Fischer 2.

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do SUS. Afirma o palestrante que sua responsabilidade não se limita somente aos atendimentos, aos postos de saúde e aos hospitais. Ressaltou que o artigo 200, da Constituição da República delimita as responsabilidades do sistema, dentre outras atribuições, executar as ações de vigilância sanitária e epidemológica; ordenar a formação de recursos humanos no setor da saúde; participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; e participar do controle e fiscalização da produção de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos. Finaliza suas reflexões ponderando: “Saúde envolve tudo isso e nós nos atemos somente à questão de atendimento hospitalar. Temos de passar a tratar da saúde na totalidade de sua abrangência”

Ademais, Arthur Chioro, Ministro da Saúde, que realizou a abertura do Fórum a Saúde do Brasil, em 26 de março de 2014, destacou os desafios para a Saúde do País, dentre os quais, a modernização do SUS seria o mais importante.117 Igualmente, ressaltou: “Os cidadãos devem ser acompanhados de forma continuada por uma equipe de médicos, dentistas, que conheçam o paciente”. E afirmou: “Ainda não conseguimos fazer o que outros países fazem que é planejar a gestão de trabalho em saúde com até 25 anos de antecedência.” Por fim, para o Ministro, o ponto mais importante seria a modernização do SUS: “Temos a necessidade de uma reforma do estado adequada à gestão dos serviços de saúde, é um tema decisivo para que a gente consiga avançar”. Percebe-se, assim, ser preciso tratar a saúde desde suas necessidades mais básicas, passando pela sua gestão, até o assunto de sua modernização, que envolve a medicina tecnológica. 1.3 Tratamento Jurisprudencial - Posição do Supremo Tribunal Federal (STF) Pretende-se, nesta seção, trazer a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) relativa ao direito à saúde de modo geral, para se demonstrar o posicionamento

117

dominante

do

STF

quanto

a

este

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bem

como,

ABBUD, Bruno. Modernização do SUS é o principal desafio, diz ministro. 26/03/2014. Folha de S. Paulo. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2014/03/1431092modernizacao-do-sus-e-o-principal-desafio-da-saude-diz-ministro.shtml>. Acesso em: 09/04/2014. Nota: Acesso restrito a assinantes da Folha de S. Paulo.

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especificamente, sobre medicina tecnológica, no que couber. Para tanto, recorre-se à obra de Uadi Lammêgo Bulos118, assim como à consulta ao sítio oficial do STF. O Supremo Tribunal Federal (STF) protege sob seu manto os direitos fundamentais, de modo que assegura para sua concretização a execução de políticas públicas. Na área da saúde, tem-se o julgado do Supremo Tribunal Federal: O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a 119 tal serviço.

Importante voto do Ministro Celso de Mello no STF, norteador dos rumos do direito à saúde, ocorreu na Arguição de Descumprimento Fundamental n o 45.120 O voto procura resguardar o mínimo existencial do paciente, com vistas a garantir o fornecimento de tratamento médico, independentemente da alegação por parte do ente estatal da reserva do possível. O STF entende que o direito à saúde, uma vez conectado ao direito à vida e dignidade da pessoa humana, deve prevalecer sobre questões de ordens orçamentária e financeira. Nessa linha, firma igualmente o ministro: entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica

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BULOS, Uadi Lammêgos. Constituição Federal Anotada. 10ª. edição. São Paulo: Saraiva, 2012. STF: AI 734.487-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.) Vide: RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-2005, Segunda Turma, DJ de 3-2-2006; RE 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, Segunda Turma, DJ de 24-11-2000. 120 cf. “EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).”. (ADPF 45 MC/DF. Rel: Min. Celso de Mello, julgamento em 29-04-2004, Segunda Turma, DJU de 4.5.2004. Informativo STF: Nº345.) 119

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impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à 121 vida.

Em outra decisão, o mesmo ministro reforça o posicionamento: O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médicohospitalar. – O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em 122 grave comportamento inconstitucional.

Nesse sentido, é o posicionamento de vários tribunais do país, sem excluir a formulação de políticas sociais e econômicas pelo Poder Público, o dever do Estado, por exemplo, de fornecer medicamentos. Com relação ao fornecimento de medicamentos pelo Estado, em caso de vulnerabilidade do cidadão, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem-se posicionado a favor do postulante, como se observa dos julgados123. 121

cf. STF: DJ, Seção 1, de 13-2-1997, n. 29, p. 1830. cf. STF: RE 393.175. AgR. RS – Rio Grande do Sul. Luiz Marcelo Dias e Outros. Relator: Ministro Celso de Melo. DJ: 12/12/2006). 123 “RE 393175 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL - AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 12/12/2006 - Órgão Julgador: Segunda Turma: E M E N T A: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACODEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médicohospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. – [...]. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. – [...] 122

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Visto isso, o artigo 196 da Constituição de 1988 prescreve: Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Com relação a este dispositivo normativo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) expressa: Recebimento de medicamentos pelo Estado: “O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-lo de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isso por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postegar a devida prestação jurisdicional” (RE 607.381 – AgRg, Rel. Min. Luiz Fux, 124 julgamento em 31-5-2011, Primeira Turma, DJE de 17-6-2011). Dever fundamental de prestação de serviços de saúde: “Vilipêndio do dever fundamental de prestação de serviços de saúde (art. 196 da Constituição), pois o bem tributado é equipamento médico (sistema de tomografia computadorizada). Impossibilidade. Não há imunidade à tributação de operações ou bens relacionados à saúde. Leitura do princípio o da seletividade” (RE 429.306, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 1 125 -2-2011, Segunda Turma, DJE de 16-3-2011). Direito à saúde como prerrogativa constitucional indisponível: “O direito à saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço” (AI 734.487 – AgRg, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8126 2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010).

Nota-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) nos três casos de: 1) fornecimento de medicamentos por qualquer ente federativo, devido ao princípio da solidariedade; 2) dever de prestação de serviços de saúde, em caso de equipamentos médicos que envolvam tecnologia, no entanto, não há imunidade à tributação de operações ou bens relacionados à saúde; e 3) direito à saúde como prerrogativa constitucional indisponível. Ora, no primeiro caso, já se discutiu aqui a posição do STF. No segundo, tratase de um caso de direito tributário, em se discute a imunidade tributária ou não de

Precedentes.” Nesse sentido: (RE 534908 AgR / PE - PERNAMBUCO - AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator(a): Min. Cezar Peluso - Julgamento: 11/12/2007 - Órgão Julgador: Segunda Turma. RE 565325 AgR – Julgamento: 01/04/2008 - UF-PE Min. CEZAR PELUSO - DJe083 – Divulgação: 08-05-2008 – Publicação: 09-05-2008. Órgão Julgador: Segunda Turma. RE 565811 AgR – Julgamento: 01-04-2008 UF-PE Min. Cezar Peluso DJe-083 Divulgação: 08-05-2008 Publicação: 09-05-2008. Órgão Julgador: Segunda Turma) 124 BULOS, Constituição Federal Anotada.Op. cit. p. 1425. 125 Ibid. p. 1425. 126 Ibid. p. 1425.

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equipamentos médicos tecnológicos, acabando por prevalecer a não imunidade, devido ao princípio da seletividade. No terceiro, verifica-se a defesa de o Estado possuir o dever de implementar políticas públicas em função do direito à saúde. Nesse tocante, da análise dos três casos se tem a base do estudo em pauta: os aspectos do direito à saúde relacionados à assistência médica, por meio de fornecimento de medicamento; um outro aspecto da questão tecnológica desse direito quanto aos equipamentos médicos, e, por fim, o caráter preventivo, através da implementação estatal de políticas públicas. De acordo com o entendimento do STF, o que merece ser destacado é que não cabe ao Poder Judiciário formular política pública, porém, quando provocado, tem este o dever de concretizá-la que esteja prevista na Constituição, que por omissão seja esta legislativa ou administrativa não é implementada, violando direito fundamental no caso concreto.127

127

STF. SL 256 / TO. j. 20/04/2010, rel. Min. Gilmar Mendes. “[...] Em 5 de março de 2009, convoquei Audiência Pública em razão dos diversos pedidos de suspensão de segurança, de suspensão de tutela antecipada e de suspensão de liminar em trâmite no âmbito desta Presidência, com vistas a suspender a execução de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento das mais variadas prestações de saúde (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses; criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação de servidores de saúde; realização de cirurgias e exames; custeio de tratamento fora do domicílio, inclusive no exterior, entre outros). Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, entendo ser necessário redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas. Esse dado pode ser importante para a construção de um critério ou parâmetro para a decisão em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder Judiciário na esfera dos outros Poderes. O primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente. Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensação. O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. Há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão. Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações distintas: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.[...]”

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A audiência pública do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre medicamentos, convocada pela Corte Suprema em março de 2009128 é analisada a seguir. Nesta investigação doutrinária o tema tratado será o relativo ao item 4 do despacho convocatório: “Obrigação do Estado de disponibilizar medicamentos ou tratamentos experimentais não registrados na ANVISA ou não aconselhados pelos Protocolos Clínicos do SUS”. Paula Martins-Costa Schirmer, com relação ao assunto, reflete: Sem o propósito de exaurir as diversas questões que decorrem do tema, mas de fomentar o debate a reflexão, é possível tecer algumas considerações: 1. A relevância das ações de atenção à saúde, reconhecidas pela Constituição Federal como direito fundamental, demandam do Estado a adoção de políticas públicas adequadas à implementação, efetivação e pleno exercício desse direito pelos usuários do sistema de saúde. 2. O Sistema Único de Saúde, tal como delineado pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica de Saúde, pressupõe a adoção de parâmetros e diretrizes na efetivação das políticas públicas de saúde, para que possa executar os serviços de saúde de acordo com as diretrizes da universalidade, equidade, integralidade e, assim, promover o direito coletivo à saúde. Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas constituem importante intrumento na efetivação dessas diretrizes. 3. A diretriz da integralidade, se corretamente compreendida, não pode significar o direito ao acesso a toda e qualquer prestação de saúde a todo e qualquer postulante. É legítima, assim, a adoção de pressupostos tendentes a caracterizar uma ação de saúde adequada. 4. Desses pressupostos, verifica-se a necessidade do usuário efetivamente ingressar no SUS, submetendo-se às pertinentes diretrizes de tratamento e diagnóstico. Da mesma forma, o médico prescritor deve ser, em regra, vinculado ao SUS, por conhecer o sistema e os parâmetros de ação previstos nos protocolos. 128

Despacho de Convocação de Audiência Pública, de março de 2009: “O PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no uso das atribuições que lhe confere o art. 13, inciso XVII, e com base no art. 363, III, ambos do Regimento Interno, Considerando os diversos pedidos de Suspensão de Segurança, Suspensão de Liminar e Suspensão de Tutela Antecipada em trâmite no âmbito desta Presidência, os quais objetivam suspender medidas cautelares que determinam o fornecimento das mais variadas prestações de saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses; criação de vagas de UTI; contratação de servidores de saúde; realização de cirurgias; custeio de tratamentos fora do domicílio e de tratamentos no exterior; entre outros); Considerando que tais decisões suscitam inúmeras alegações de lesão à ordem, à segurança, à economia e à saúde públicas; Considerando a repercussão geral e o interesse público relevante das questões suscitadas; CONVOCA: Audiência Pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em matéria de Sistema Único de Saúde, objetivando esclarecer as questões técnicas, científicas, administrativas, políticas, econômicas e jurídicas relativas às ações de prestação de saúde, tais como: 1) Responsabilidade dos entes da federação em matéria de direito à saúde; 2) Obrigação do Estado de fornecer prestação de saúde prescrita por médico não pertencente ao quadro do SUS ou sem que o pedido tenha sido feito previamente à Administração Pública; 3) Obrigação do Estado de custear prestações de saúde não abrangidas pelas políticas públicas existentes; 4) Obrigação do Estado de disponibilizar medicamentos ou tratamentos experimentais não registrados na ANVISA ou não aconselhados pelos Protocolos Clínicos do SUS; 5) Obrigação do Estado de fornecer medicamento não licitado e não previsto nas listas do SUS; 6) Fraudes ao Sistema Único de Saúde.” Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Despacho_Convocatorio.pdf >. Acesso em: 23/05/2013.

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5. É relevante, da mesma forma, que os profissionais de saúde do SUS efetivamente sigam os parâmetros de atuação – diagnóstico, tratamento, dispensação de medicamentos, etc.- previstos nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, declinando a adequada justificação técnica quando indicado medicamento não previsto nas políticas públicas de saúde para o tratamento da moléstia. 6. Os medicamentos experimentais, quando administrados em pesquisa clínica e beneficiarem o participante devem ser fornecidos pelo patrocinador do estudo, mesmo após o encerramento da pesquisa e nos casos de uso extensivo. Na hipótese de acesso expandido, que não configura pesquisa clínica, o fornecimento do fármaco em fase experimental compete ao patrocinador da pesquisa, nos termos e prazos regulamentados. Nos casos de uso compassivo, cujo uso do medicamento experimental decorre do interesse exclusivo do paciente, a solicitação e a responsabilidade pela segurança do tratamento é do médico prescritor. 7. O fornecimento de medicamento experimental pelo Estado deve ser, em regra, vedado. Todavia, a análise do caso concreto pressupõe ampla instrução e colheita de subsídios quanto à segurança, às evidências científicas, alternativas terapêuticas, entre outros elementos. 8. Nas hipóteses em que se pleiteia o fornecimento de medicamentos excepcionais pelo SUS, deve-se atentar para a instrução adequada da demanda, objetivando-se verificar, entre outros fatores, se as alternativas terapêuticas previstas nos protocolos foram esgotadas, se foram seguidas as diretrizes previstas para o diagnóstico da doença, se o medicamento postulado é efetivamente necessário e atende os requisitos de segurança e 129 eficácia.

Da leitura extrai-se, em primeiro lugar, que o direito fundamental à saúde deve ser concretizado. Além disso, essencialmente, compreende-se o que segue. O caráter integral deste direito não deve ser entendido de forma irrestrita, porque não se deve fornecer todo e qualquer medicamento. Deve haver critérios no fornecimento de remédios não previstos em protocolos clínicos do Sistema Único de Saúde (SUS). Ressalte-se que os medicamentos experimentais, quando ministrados em pesquisas clínicas, devem continuar sendo fornecidos pelo patrocinador, mesmo após o fim da pesquisa. O fornecimento de remédios experimentais pelo Estado, em regra, é proibido, sendo que, para ser autorizado, uma série de medidas de seguranças devem ser tomadas. Por fim, para se pleitear o fornecimento de remédios excepcionais pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é realmente necessário que se atenda aos requisitos de segurança e eficácia. Nesse

panorama,

importante

considerar,

além

da



mencionada

Recomendação nº 31, de 30 de março de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a realização da I Jornada do Fórum Nacional da Saúde, realizada por este 129

SCHIRMER, Paula Martins-Costa. Obrigação de Fornecimento de Medicamentos Experimentais ou Excepcionais não Previstos nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema Único de Saúde. In: VITORELLI, Edilson. (Org.). Temas aprofundados do Ministério Público Federal. Salvador/BA: Editora JusPodivm, 2011. pp. 365-366.

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Conselho, nos dias 10 a 22 de abril de 2014 e, igualmente, digno de nota, para apoiar juízes no julgamento de processos referentes à saúde, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) forneceram contatos e ferramenta de consulta a pareceres técnicos.130

Capítulo 2 – Democracia Sanitária e Prevenção na Saúde Pública131 2.1 Democracia Sanitária A noção de Democracia é uma construção histórica, na medida em que evoluiu no decorrer dos anos, ao passo em que os governos diziam-se democráticos. Com isso, tem-se refletido sobre o seu significado, que abrange a ideia de Democracia Sanitária. Sobre a Democracia, Ferreira Filho pensa, por um lado, que diante do estágio da opinião no mundo globalizado, o regime de governo deve se firmar onde existe e se expandir um pouco mais. Por outro, o autor esclarece que dificilmente atingirá todo o globo por diversas razões. Principalmente, pois a maioria das “Comunidades” não integrará povos de cultura favorável à Democracia. Por fim, alerta, contudo, que não se deve tentar prever o futuro da Democracia, porém somente buscar compreendê-la.132 De acordo com Dalmo de Abreu Dallari existem três exigências para a Democracia: i) supremacia da vontade popular; ii) preservação da liberdade; iii) igualdade de direitos133. Nesse âmbito, Hélcio de Abreu Dallari Júnior explica sobre a Democracia: 130

CONJUR. Ferramentas auxiliam juízes a julgar processos de saúde. Consultor Jurídico. 12/05/2014. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2014-mai-12/ministerio-saude-ans-oferecemauxilios-julgamento-processos>. Acesso em: 01/06/2014. 131 Parte deste capítulo referente à prevenção na Saúde Pública é originária de modificações de nosso artigo: Saúde Pública e Poder Econômico. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 61, p. 217-236, jan.-fev.-mar. 2013. 132 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A Democracia no Limiar do Século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 223. 133 a DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 24 . edição. São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 150-151.

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caracteriza-se pelo poder político exercido com fundamento na soberania da vontade do povo na organização estrutural e no funcionamento organizado e harmônico do Estado. A vontade popular define as autoridades, as competências e as responsabilidades atribuídas ao Estado. A materialização das escolhas feitas pelo povo, quanto à realização das funções do Estado, passa obrigatoriamente pelo controle do próprio povo. A inerência entre povo e o efetivo desempenho de seu livre arbítrio é dependente de estar em atividade permanente uma pluralidade de 134 mecanismos participativos de identificação dos anseios populares.

Do trecho visualizam-se quatro pontos: a) soberania da vontade do povo como fundamento do poder político e organizadora do Estado; b) importância da vontade popular; c) relevância do controle do povo no poder político; e d) caráter fundamental da participação popular. Desse modo, Pietro de Jesús Lora Alarcon sinaliza questão importante sobre a conexão do poder com o povo, assim como do fortalecimento da cidadania: o fortalecimento da cidadania requer de um projeto executado diuturnamente, pautado pela existência de mecanismos estáveis de conexão entre os indivíduos e o poder, de um exercício deliberativo permanente, de uma consciência coletiva em torno à coisa pública, da superação de persistentes problemas sociais ocasionados por esquemas econômicos que privilegiam a concentração da renda. Enfim, de 135 pressupostos como a justiça, a tolerância e a solidariedade.

Compreende-se, assim, a necessidade de estabelecer mais formas de se conectar o poder com o povo, para com isso fortalecer a cidadania e, como consequência, a Democracia. Sobre a Democracia Sanitária, inicialmente, Fernando Aith pondera: A Constituição de 1988 consagrou o princípio da participação da comunidade no Sistema Único de Saúde – SUS. Trata-se do reconhecimento, pelo constituinte, da importância de se promover o princípio democrático na gestão das políticas públicas. [...] A participação da comunidade é, portanto, diretriz constitucional básica que deve ordenar as ações e serviços públicos de saúde. A gestão governamental das ações e serviços públicos de saúde deve dar-se dentro do que podemos chamar de Democrácia Sanitária, uma forma de gestão da 136 saúde pública em que o poder político é exercido pelo povo.

Percebe-se, diante do exposto, que as reflexões de Dalmo Dallari, Hélcio Dallari Júnior e Pietro de Alarcon abrangem a ideia de Democracia Sanitária, em que a participação da comunidade na gestão de políticas públicas de saúde expressa a 134

a

DALLARI JÚNIOR, Hélcio de Abreu. Teoria Geral do Estado Contemporâneo. 4 . edição. São Paulo: Rideel, 2011. pp. 41-42. 135 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Ciência Política, Estado e Direito Público. Uma Introdução ao Direito Público da Contemporaneidade. São Paulo: Verbatim, 2011. p. 139. 136 AITH, Fernando. Curso de Direito Sanitário. A proteção do Direito à Saúde no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 155.

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supremacia popular, a igualdade de direitos, o controle social das políticas públicas e a conexão do povo com o poder político. Isso ocorre, dentre outros mecanismos, conforme visto anteriormente, pelos Conselhos de Saúde Nacional, Estadual e Municipal, regidos pela Lei Federal no 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Outro ponto importante destacado por Fernando Aith: a participação da sociedade na elaboração de normas jurídicas é fundamental para o desenvolvimento do estado de Direito democrático brasileiro. Seja essa participação feita diretamente através dos projetos de lei de iniciativa popular previstos pelos Arts. 14, III e 61, parágrafo 2º da Constituição, seja ela feita indiretamente através da participação nas Conferências, Conselhos ou através da prática da advocacia sanitária, a democracia brasileira, no âmbito sanitário, só tende a se desenvolver com a atuação vigilante e propositiva dos diversos movimentos e associações de 137 proteção e defesa da saúde existentes no Brasil.

As Conferências de Saúde, embora não vinculem os Poderes Executivo e Legislativo na produção de normas, assumem importante papel, na medida em que exercem um forte poder de influência. Outro instrumento relevante para a concretização da Democracia Sanitária são as audiências públicas, como visto anteriormente. Para avançar nas reflexões sobre a Democracia Sanitária, recorre-se a outra obra de Fernando Aith: a participação popular na elaboração das normas jurídicas de Direito Sanitário e no acompanhamento de sua execução é condição indispensável a esse ramo do Direito. O princípio da participação da comunidade no Sistema Único de Saúde e, em consequência, na construção do Direito Sanitário, evoca o que vem sendo tratado como democracia sanitária, ou seja, a forma de cuidar da saúde individual e coletiva com a máxima participação popular possível. [...] a construção de canais de participação da sociedade na formulação, execução e avaliação das políticas públicas é inerente à própria ideia de Estado de Direito. [...] Assim, a participação popular na Administração do Estado deve ser considerada um eficiente procedimento para legitimar as decisões estatais, concretizadas por meio de atos normativos, executivos ou judiciários. Apenas a manutenção do espaço jurídico público permite superar a velha oposição entre direitos formais e reais, direitos civis, políticos e sociais. É no seio de uma teoria ampliada de democracia que os direitos sociais podem ser repensados e aperfeiçoados juridicamente, em paralelo com a evolução e o aperfeiçoamento de novas noções e conceitos relacionados com os 138 direitos políticos, a democracia e o próprio Estado de Direito.

137

Ibid. p. 163. AITH, Fernando. Direito à Saúde e Democracia Sanitária. In: SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. SIQUEIRA NETO, José Francisco. (Coord.). DUARTE, Clarice Seixas. MENEZES, Daniel Francisco Nagao. (Orgs.). 60 Desafios do Direito. Política, Democracia e Direito. São Paulo: Atlas, 2013. pp. 134 – 135. 138

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Portanto, extrai-se da leitura a necessidade da participação popular na formulação de normas jurídicas de direito sanitário, bem como na criação e execução de políticas públicas de saúde, como por meio dos Conselhos, das Conferências e das Audiências Públicas, sem deixar de lembrar da advocacia sanitária, também atuante nesta área. É preciso, como afirma Pietro de Alarcon, fortalecer a conexão entre o poder e o povo, para que através da supremacia popular, de modo igualitário, a comunidade exerça o controle social na saúde pública, contribuindo para o desenvolvimento da cidadania e materializando a democracia sanitária. Não obstante o avanço da democracia sanitária, existem críticas em sentido contrário ao funcionamento do SUS, conforme argumentam Amélia Cohn e Paulo E. Elias, ainda que no contexto da década de 1990, no sentido de que os serviços de saúde ainda se encontram centralizados na União, permanecem em grande parte oferecidos pela iniciativa privada, apresentam-se distantes das necessidades de saúde da população brasileira, com a precisa análise de que a alta densidade tecnológica da infraestrutura de serviços atende a uma necessidade de lucro do setor privado e não a uma relação “disponibilidade tecnológica/necessidade de atendimento”.139 No panorama desenvolvido sobre Democracia Sanitária, cabe analisar alguns pontos contextualizados com o assunto sobre a necessária Reforma Política, que tanto se discute, do Estado brasileiro. A partir do exame complexo realizado em A Democracia Possível há mais de quarenta anos, mantendo-se ainda hoje atual, Manoel Gonçalves Ferreira Filho reflete, ao concluir a sua obra, sugestões de ordem prática a serem implantadas para a melhoria das instituições democráticas brasileiras, que se sintetizam nos seguintes aspectos: 1) fortalecimento dos partidos políticos; 2) adoção do voto distrital; 3) implementação da ação fiscalizadora dos parlamentos; e 4) valorização das entidades regionais de desenvolvimento.140 Com efeito, a participação popular, como visto, é essencial para a concretização da Democracia Sanitária, ao aproximar o povo do poder político. Todavia, não basta para produzir todos os efeitos necessários, não são suficientes 139

COHN, Amélia; ELIAS, Paulo E. Saúde no Brasil. Políticas e Organização de Serviços. 5ª. edição. São Paulo: Cortez : CEDEC, 2003. p. 43. 140 HOBRACH, Carlos Bastide. A democracia possível hoje. Revista de Direito Constitucional e Internacional. IBDC. Ano 17. n. 67. abr-jun 2009. p. 30.

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os Conselhos de Saúde, as audiências públicas e os institutos de democracia direta previstos na Constituição Brasileira (plebiscito, referendo e iniciativa popular). Realmente, é fundamental o fortalecimento dos partidos políticos, por meio da representatividade, enquanto canal de comunicação entre o povo e as decisões políticas, precisando, no entanto, nesse panorama, se aperfeiçoar esse diálogo dos detentores do poder com a comunidade. O autor defende a adoção do voto distrital e, de fato, tem isso a sua importância no cenário político. Para efeitos de Democracia Sanitária, acredita-se que a única e relevante contribuição possível seria uma maior aproximação entre o povo de determinada comunidade ou distrito com os representantes que tomam as decisões políticas de interesse para aquele determinado grupo, o que, por si só, já assume grande relevância, na medida em que os problemas de ordem social e sanitária específicos de um grupo em particular teriam conhecimento por um político próximo a ele, que poderia melhor solucionar os seus problemas pelas vias cabíveis. Os canais de comunicação, assim, entre a comunidade e o gestor político seriam mais eficientes, possibilitando melhores tomadas de decisões. Nesse sentido, argumenta Antonio Carlos Mendes sobre o voto distrital misto, no modelo alemão, que se caracteriza em dividir os deputados da Câmara Federal em dois grupos: 1) distritais; e 2) nacionais. O primeiro grupo é eleito nominalmente no respectivo distrito, pelo voto majoritário. Enquanto isso, o segundo grupo é eleito sem se recorrer a listas elaboradas pelos partidos políticos, pelo voto proporcional. Pondera o autor: o modelo “distrital misto alemão” tende a conferir maior representatividade aos parlamentares, propiciando seleção e fiscalização dos deputados pelos eleitores integrantes dos distritos e, talvez, a identificação pelos partidos políticos, de personalidades que iriam ocupar-se dos grandes temas 141 nacionais.

Sobre o voto distrital, Monica Herman Caggiano leciona que este voto minimiza os desvios na representação política decorrentes do sistema eleitoral vigente. Exemplifica a situação com os partidos políticos de pequena envergadura, que sobrevivem somente devido à imagem do seu líder, caso do Prona, em que apenas

141

MENDES, Antonio Carlos. Partidos Políticos, Fidelidade Partidária e Voto Distrital. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. IBDC. a. 5. n. 18. jan./mar. 1997. p. 37.

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o candidato Enéas teve votação expressiva, e os demais políticos eleitos como consequência disto não apresentavam qualquer grau de representatividade.142 Deve-se, por sua vez, implementar a ação fiscalizadora dos parlamentos. O Poder Legislativo assume posição de grande relevo no cenário político. Tanto se observa do magistério de Monica Herman Caggiano. O Parlamento, como instituição, de outra parte, corresponde a uma das aspirações do ideal democrático. Traduz o lócus de representação popular. Implica a garantia da presença dos representantes dos componentes de 143 determinada coletividade no pólo da tomada das decisões políticas.

Visualiza-se, então, a expressividade do Parlamento que representa o povo e toma as decisões políticas. Igualmente, compete a este Poder a função de fiscalização, por exemplo, das contas públicas do Executivo e dos administradores públicos, o que deve ser reforçado enquanto controle político com o fim de atingir o interesse público e não apenas revestir interesses particulares de arranjos e jogos políticos. Sobre o controle político exercido pelo Parlamento, a autora reflete: Trata-se da função do controle político, que desponta munida de instrumentos, senão modernos e novidadeiros, ao menos de qualificada eficiência para a fiscalização das políticas públicas adotadas pelos governos e sua aplicação. Ingressa-se, pois, na esfera em que o Parlamento assume o papel de fiscal, de vigilante sobre a atividade governamental. 144 (grifos da autora)

Verifica-se, deste modo, que ao Parlamento incumbe o controle das políticas públicas desenvolvidas pelo Executivo, inclusive, as de saúde pública, o que, como melhor se verá adiante, incide, principalmente, no controle político do orçamento público. Por fim, consoante às lições de Ferreira Filho, deve-se valorizar as entidades regionais de desenvolvimento. Com efeito, a União não deve centralizar e concentrar todo o poder político e econômico, em detrimento dos Estados-membros e dos Municípios. Deve existir uma maior descentralização do poder, de modo que as desigualdades sócioeconômicas sejam senão eliminadas ao menos constantemente atenuadas, nos âmbitos nacional, regional e local, especialmente, no que se refere 142

CAGGIANO, Monica Herman. Direito Parlamentar e Direito Eleitoral. Barueri-SP: Manole, 2004. p. 125.

143 144

CAGGIANO. Direito Parlamentar e Direito Eleitoral... Op. cit. p. 42. Ibid. p. 30.

65

ao acesso à saúde. O autor concluiu suas reflexões pela não vedação legal, devido aos seguintes argumentos: Nesse panorama, em que pese as reformas institucionais, vale destacar que se tratam de apenas parte da questão. É preciso fortalecer a cultura democrática, para o aprimoramento substantivo, e não somente formal da Democracia brasileira. Nessa linha, é essencial promover a educação para a cidadania, que se trata de um fundamento indispensável para a concretização do processo democrático. Sem isto, os cidadãos não assumem papel ativo no regime democrático, restando em segundo 145 plano.

2.2 Políticas Urbana e Ambiental

Segundo o artigo 21, XX, da Constituição de 1988, é competência da União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. Enquanto isso, nos termos do artigo 182, a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. José Afonso da Silva argumenta nesta direção: Sai dos textos constitucionais referidos que a Política Urbana busca realizar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bemo estar de seus habitantes, sendo que o § 1 do art. 182 define o Plano Diretor como o instrumento básico dessa Política. Tudo isso, em última análise, quer dizer que a Política Urbana tem por objetivo construir e ordenar um meio ambiente urbano equilibrado e saudável. 146

Desse modo, no que tange à política de desenvolvimento urbano, o artigo 182, § 1º, da Constituição da República, por sua vez, trata do plano diretor das cidades com mais de 20 mil habitantes, dispondo que a ferramenta, aprovada pela Câmara Municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

145

BASILE, Felipe. A Reforma política além da reforma eleitoral. Revista de Informação Legislativa. Brasília. a. 47. n. 187. jul./set. 2010. p. 89. 146 a SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 10 edição, atualizada. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 238-39.

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Dessarte, a construção de praças públicas, parques, centros de cultura e educação públicos, programas de moradia popular, instrumentos para o saneamento básico adequado, bem como uma política urbana de transportes públicos, atendem a uma finalidade social, sendo que sua construção e implementação devem ser estimuladas por políticas públicas, além de contribuir na prevenção de doenças para o bem da saúde pública. No que se refere ao meio ambiente, o artigo 225, da Constituição Brasileira, prescreve: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

Nessa direção, relativo a um caso de importação de pneus usados e seus possíveis danos ao meio ambiente e à saúde, o STF, em trecho de sua decisão, argumenta: “(...) Princípios constitucionais (art. 225) do desenvolvimento sustentável e da equidade e responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: preservação para a geração atual e para as gerações futuras. Desenvolvimento sustentável: crescimento econômico com garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujos direitos devem ser observados em face das necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e respeito às gerações futuras. Atendimento ao princípio da precaução, acolhido constitucionalmente, harmonizado com os demais princípios da ordem social e econômica. (...)” 147

Observa-se a partir da reflexão que, de acordo com o artigo 225, da Constituição de 1988, assim como do posicionamento do STF, a tutela atribuída a um meio ambiente equilibrado, que deve ter o seu desenvolvimento sustentável garantido em harmonia com a ordem social e econômica, de forma a beneficiar não somente as presentes, mas também as futuras gerações, cabendo esta proteção ao Poder Público e à comunidade. O arsenal normativo essencial à disposição do operador do direito para a execução destas políticas se resume aos seguintes: 1) Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal no 6.938/1981); 2) Estatuto da Cidade (Lei Federal no 10.257, de 10 de julho de 2001); 3) Leis Orgânicas dos Municípios, sempre incluindo como

147

ADPF 101, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24-6-2009, Plenário, DJE de 4-6-2012.

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metas ou diretrizes da Política Urbana e dos Planos Diretores a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente, bem como do patrimônio histórico, artístico e cultural.148 2.3 Saneamento Básico e Política Nacional de Resíduos: Posição do Ministério Público Sobre o cenário social da saúde no Brasil, Carlos Octávio Ocké-Reis argumenta: No Brasil, a luta política por melhores condições de saúde e de assistência médica em todos os níveis de atenção é vital. Exige uma consciência profunda acerca da determinação social das doenças, das desigualdades de acesso aos serviços de saúde, do barbarismo da violência urbana e da tragédia cotidiana dos acidentes de trabalhos e de trânsito. Esse quadro desafia o Estado a transformar a realidade epidemológica e as instituições 149 de saúde, visando à melhoria do bem-estar da população brasileira.

Extrai-se da leitura justamente que, diante de tantos obstáculos que a saúde pública enfrenta no país, as atividades preventivas nesse campo devem ser buscadas para se implementarem, por intermédio, como exemplo, por políticas de saneamento básico, evitando-se a ocorrência de doenças. Para se ilustrar a dimensão do problema na realidade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apenas 28,2% dos Municípios possuem políticas sociais de saneamento básico. De acordo com o perfil dos Municípios brasileiros de 2011, que abrange todos os 5.565 Municípios, somente 28,2% (1.569) possuem políticas nesse sentido.150 No que se refere ao aspecto preventivo do Sistema Único de Saúde (SUS), ressalta-se a necessidade, como dito, de mais políticas públicas de saneamento básico, serviço público essencial para a população, que encontra dificuldades em países em desenvolvimento, como o Brasil. Nesse panorama, destacam-se, primeiramente, as fundamentais características sobre o assunto: Com a entrada em vigor da Lei 11.445 em 2007, o setor de saneamento passou a ter um marco regulatório. A aprovação da nova legislação foi um avanço muito importante, já que o Brasil esperou por mais de 20 anos por diretrizes nacionais das políticas públicas para o saneamento básico. Além disso, proporcionou segurança jurídica necessária para a realização de 148 149

SILVA, Direito Ambiental Constitucional... Op. cit. p. 240.

OCKÉ-REIS, Carlos Octávio. SUS o desafio de ser único. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012. p. 11. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic). Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/> Acesso em: 28/11/2013. 150

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investimentos no setor. Mas ainda há questões que o País precisa resolver para alcançar a universalização do saneamento. Entre os aspectos da nova Lei 11.445, os especialistas destacam o fato de ter estabelecido princípios fundamentais para o setor, entre os quais a busca pela universalização do saneamento. Ainda definiu o conceito de saneamento de forma mais ampla, mais próximo do saneamento ambiental, envolvendo também a limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais, além do abastecimento do esgoto 151 sanitário e de água potável. (grifos nossos).

Resta claro, então, o enfoque de realce que a Lei Federal n o 11.445/2007 atribuiu ao saneamento básico, sedimentando-se como um marco regulatório, e contribuindo de forma essencial, com a busca pela universalização do saneamento, devido ao fato de ter firmado princípios fundamentais para o setor. O diploma normativo em análise ressalta-se também por ter instituído a transparência como um princípio normativo e, com isso, uma obrigatoriedade para os prestadores de serviços. Igualmente, destaca-se que, apesar de já existirem mecanismos prévios de transparência na legislação anterior: foi a Lei nº 11.445/2007 que trouxe maior detalhamento à questão. Diversos mecanismos foram introduzidos pela Lei do Saneamento, tais como: o estabelecimento de sistemas de informação; a publicidade dos relatórios, estudos, decisões e instrumentos equivalentes referentes à regulação ou à fiscalização dos serviços, bem como aos direitos e deveres dos usuários e dos prestadores de serviços; a disponibilização de informações na internet; e a obrigatoriedade de realização de audiências e consultas públicas para discussão de aspectos relevantes da delegação, como contratos e planos 152 de saneamento básico.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal estava para decidir a competência de que ente federativo deveria tratar de saneamento básico. Na ocasião, refletíamos na direção em que a decisão ocorreu.153 Nesse sentido, segue a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), conforme notícia: 151

CALLEGARI, Lucas. Avanços e entraves à expansão do saneamento básico no Brasil. Última Instância. 01/06/2012. Disponível em: < http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/56412/avancos+e+entraves+a+expansao+do+sane amento+basico+no+brasil.shtml>. Acesso em: 20/10/2012. 152 CALLEGARI, Lucas. Transparência no setor de saneamento básico. Última Instância. 06/06/2012. Disponível em: < http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/56469/transparencia+no+setor+de+saneamento+b asico.shtml>. Acesso em: 20/10/2012. 153 “O sinal de que a decisão do STF caminha pela gestão compartilhada entre Municípios e Estados, no lugar de uma autonomia municipal plena, parece positivo, uma vez que se contribuiria para a distribuição de competência, o que poderia tornar o serviço público mais eficiente e efetivo.”. cf. Saúde Pública e Poder Econômico. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 61, p. 217-236, jan.-fev.-mar. 2013.

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Nas duas últimas semanas, o STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu julgamentos relacionados à definição da competência para a organização e regulamentação da prestação de serviços públicos de saneamento básico, que tramitavam há mais de dez anos no Tribunal e tinham por objeto normas bnde diferentes Estados da Federação, versando sobre aspectos variados da prestação desses serviços (Adin 2340, Adin 2077 e Adin 1842). Pela Constituição, compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive de saneamento básico (artigo 21, XX), e a todos os entes federados promover a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (artigo 23, IX), além de dever o SUS (Sistema Único de Saúde) participar na formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (artigo 200, IV). Não há previsão expressa quanto à competência para legislar sobre a matéria, tampouco para a prestação dos serviços, dependendo a definição a esse respeito da identificação do âmbito de interesse prevalecente em questão. [...] Conclusão possível de se tirar, por ora: em princípio, os serviços de saneamento básico são de interesse local, sendo, portanto, de competência municipal. Onde instituída formalmente região que congregue municípios limítrofes, o interesse passa a ser coletivo, devendo a gestão ser compartilhada entre Estado e municípios, sem que prevaleça Estado sobre municípios, ou o conjunto de Municípios sobre o Estado. A tendência, no entanto, agora que mais claro o entendimento do Tribunal sobre os limites de atuação dos entes federados quando da criação de regiões por agrupamento de municípios, parece apontar para a consolidação, na prática dos entes e na jurisprudência do STF, da solução de gestão compartilhada, 154 tal como perfilhada na Adin 1842.

Fundamental analisar neste ponto o Decreto Federal n o 7.217/2010, que regulamenta a Lei Federal no 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências, e que deve se adequar ao modelo de gestão compartilhada para regiões quanto à competência do saneamento, conforme decisão vista. Importa trazer alguns conceitos preliminares sobre saneamento básico, por intermédio deste Decreto, nos termos do artigo 2o.155

154

BOULOS, Christianne. Decisão do STF: Repartição de competências em matéria de saneamento. Última Instância. 09/03/2013. Disponível em: . Acesso em: 21/11/2013. 155 o Decreto Federal n 7.217/2010, artigo 2º.: “I - planejamento: as atividades atinentes à identificação, qualificação, quantificação, organização e orientação de todas as ações, públicas e privadas, por meio das quais o serviço público deve ser prestado ou colocado à disposição de forma adequada; [...] VI - controle social: conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e participação nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico; VII - titular: o ente da Federação que possua por competência a prestação de serviço público de saneamento básico; [...] XI - serviços públicos de saneamento básico: conjunto dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos, de limpeza urbana, de abastecimento de água, de esgotamento sanitário e de drenagem e manejo de águas pluviais, bem como infraestruturas destinadas exclusivamente a cada um destes serviços.” (grifos nossos)

70

Conforme o artigo 3o , do Decreto Federal no 7.217/2010, os serviços públicos de saneamento básico possuem natureza essencial e serão prestados com base nos seguintes princípios: I - universalização do acesso; II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados; III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo dos resíduos sólidos e manejo de águas pluviais realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente; IV - disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços públicos de manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; V - adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais, não causem risco à saúde pública e promovam o uso racional da energia, conservação e racionalização do uso da água e dos demais recursos naturais; VI - articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de recursos hídricos, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante; VII - eficiência e sustentabilidade econômica; VIII - utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas; IX - transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios institucionalizados; X - controle social; XI - segurança, qualidade e regularidade; e XII - integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos.

Com fundamento no artigo 23, do Decreto Federal no 7.217/2010, o titular dos serviços formulará a respectiva política pública de saneamento básico, devendo, para tanto, entre outros: I - elaborar os planos de saneamento básico, observada a cooperação das associações representativas e da ampla participação da população e de associações representativas de vários segmentos da sociedade, [...]; II - prestar diretamente os serviços ou autorizar a sua delegação; [...] IV - adotar parâmetros para a garantia do atendimento essencial à saúde pública; [...] VI - estabelecer mecanismos de participação e controle social; o § 3 Ao Sistema Único de Saúde - SUS, por meio de seus órgãos de direção e de controle social, compete participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico, por intermédio dos planos de saneamento básico. (grifos nossos)

Evidencia-se da leitura a ampla participação popular nas políticas de saneamento básico e o controle social, o que implica a Democracia Sanitária já estudada. Além disso, visualiza-se o papel de destaque do SUS no contexto para as atividades ligadas ao saneamento.

71

Sobre os planos de saneamento, cabe destacar o artigo 26, § 2o, do Decreto em estudo, segundo o qual a partir do exercício financeiro de 2014, a existência de plano de saneamento básico, elaborado pelo titular dos serviços, será condição para o acesso a recursos orçamentários da União ou a recursos de financiamentos geridos ou administrados por órgão ou entidade da administração pública federal, quando destinados a serviços de saneamento básico. Nos termos do artigo 34, do Decreto Federal no 7.217/2010, o controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá ser instituído mediante adoção, entre outros, dos seguintes mecanismos: I - debates e audiências públicas; II - consultas públicas; III - conferências das cidades; ou IV - participação de órgãos colegiados de caráter consultivo na formulação da política de saneamento básico, bem como no seu planejamento e avaliação.

Resta evidente a participação popular no controle social dos serviços de saneamento básico, conforme os mecanismos previstos, o que denota a Democracia Sanitária já vista em prática. Vale ressaltar que a Política Federal de Saneamento Básico é o conjunto de planos, programas, projetos e ações promovidos por órgãos e entidades federais, isoladamente ou em cooperação com outros entes da Federação, ou com particulares, nos termos do artigo 53, do Decreto Federal no 7.217/2010, onde traz seus objetivos.156

156

o

Decreto Federal n 7.217/2010, artigo 53: “I - contribuir para o desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades regionais, a geração de emprego e de renda e a inclusão social; II - priorizar a implantação e a ampliação dos serviços e ações de saneamento básico nas áreas ocupadas por populações de baixa renda; III - proporcionar condições adequadas de salubridade ambiental às populações rurais e de pequenos núcleos urbanos isolados; IV - proporcionar condições adequadas de salubridade ambiental aos povos indígenas e outras populações tradicionais, com soluções compatíveis com suas características socioculturais; V - assegurar que a aplicação dos recursos financeiros administrados pelo Poder Público se dê segundo critérios de promoção da salubridade ambiental, de maximização da relação benefício-custo e de maior retorno social; VI - incentivar a adoção de mecanismos de planejamento, regulação e fiscalização da prestação dos serviços de saneamento básico; VII - promover alternativas de gestão que viabilizem a autossustentação econômico-financeira dos serviços de saneamento básico, com ênfase na cooperação federativa; VIII - promover o desenvolvimento institucional do saneamento básico, estabelecendo meios para a unidade e articulação das ações dos diferentes agentes, bem como do desenvolvimento de sua organização, capacidade técnica, gerencial, financeira e de recursos humanos, contempladas as especificidades locais; IX - fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico, a adoção de tecnologias apropriadas e a difusão dos conhecimentos gerados de interesse para o saneamento básico; e

72

Destacam-se neste momento dois pontos: i) a participação de particulares na Política Federal de Saneamento Básico, prevista no caput, e que se coaduna com a Democracia Sanitária já investigada; ii) o inciso XI do dispositivo em tela, que prevê o fomento do desenvolvimento científico e tecnológico no saneamento básico, com a adoção de tecnologias condizentes. Nos termos do artigo 54, do Decreto Federal no 7.217/2010, estabelecem-se as diretrizes da Política Federal de Saneamento Básico.157 Conforme o parágrafo único do dispositivo em comento, as políticas e ações da União de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate e erradicação da pobreza, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida devem considerar a necessária articulação com o saneamento básico, inclusive no que se refere ao financiamento e, por fim, adequando-se à gestão compartilhada de competências entre Estados-membros e Municípios, de acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Importante destacar que o Decreto Federal no 7.217/2010 preocupa-se ainda com o acesso difuso à água para a população de baixa renda.158 X - minimizar os impactos ambientais relacionados à implantação e desenvolvimento das ações, obras e serviços de saneamento básico e assegurar que sejam executadas de acordo com as normas relativas à proteção do meio ambiente, ao uso e ocupação do solo e à saúde.” 157 o Decreto Federal n 7.217/2010, artigo 54: “I - prioridade para as ações que promovam a equidade social e territorial no acesso ao saneamento básico; II - aplicação dos recursos financeiros por ela administrados, de modo a promover o desenvolvimento sustentável, a eficiência e a eficácia; III - estímulo ao estabelecimento de adequada regulação dos serviços; IV - utilização de indicadores epidemiológicos e de desenvolvimento social no planejamento, implementação e avaliação das suas ações de saneamento básico; V - melhoria da qualidade de vida e das condições ambientais e de saúde pública; VI - colaboração para o desenvolvimento urbano e regional; VII - garantia de meios adequados para o atendimento da população rural dispersa, inclusive mediante a utilização de soluções compatíveis com suas características econômicas e sociais peculiares; VIII - fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico, à adoção de tecnologias apropriadas e à difusão dos conhecimentos gerados; IX - adoção de critérios objetivos de elegibilidade e prioridade, levando em consideração fatores como nível de renda e cobertura, grau de urbanização, concentração populacional, disponibilidade hídrica, riscos sanitários, epidemiológicos e ambientais; X - adoção da bacia hidrográfica como unidade de referência para o planejamento de suas ações; e XI - estímulo à implantação de infraestruturas e serviços comuns a Municípios, mediante mecanismos de cooperação entre entes federados.” 158 o Decreto Federal n 7.217/2010: “Art. 68. A União apoiará a população rural dispersa e a população de pequenos núcleos urbanos isolados na contenção, reservação e utilização de águas pluviais para o consumo humano e para a produção de alimentos destinados ao autoconsumo, mediante programa específico que atenda ao seguinte: I - utilização de tecnologias sociais tradicionais, originadas das práticas das populações interessadas, especialmente na construção de cisternas e de barragens simplificadas; e

73

Igualmente, cabe frisar que, no dispositivo normativo em análise, prevê-se o uso de tecnologias sociais tradicionais, oriundas das práticas das populações interessadas, bem como a produção de equipamentos, com vistas a implementar o saneamento básico em regiões desfavorecidas. Além disso, relevante mencionar o Decreto Federal n o 8.141 de 20 de novembro de 2013, pelo qual nos termos do artigo 1º se instituiu o Plano Nacional de Saneamento Básico - PNSB, previsto no artigo 52 da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, tendo a finalidade de estabelecer um conjunto de diretrizes, metas e ações para o alcance de níveis crescentes dos serviços de saneamento básico no território nacional e a sua universalização. Conforme o artigo 2º do decreto em pauta, fica instituído o Grupo de Trabalho Interinstitucional de Acompanhamento da Implementação do Plano Nacional de Saneamento Básico - GTI-PNSB para acompanhar o monitoramento, a avaliação, a implementação e a revisão do PNSB, integrado por representantes dos órgãos, instituições e conselhos previstos nos incisos seguintes159. Os parágrafos deste dispositivo e os artigos que seguem, disciplinam o GTI-PNSB160. A Secretaria

II - apoio à produção de equipamentos, especialmente cisternas, independentemente da situação fundiária da área utilizada pela família beneficiada ou do sítio onde deverá se localizar o equipamento. o § 1 No caso de a água reservada se destinar a consumo humano, o órgão ou entidade federal responsável pelo programa oficiará a autoridade sanitária municipal, comunicando-a da existência do equipamento de retenção e reservação de águas pluviais, para que se proceda ao controle de sua qualidade, nos termos das normas vigentes no SUS. o § 2 O programa mencionado no caput será implementado, preferencialmente, na região do semiárido brasileiro.” 159 o Decreto Federal n 8.141/2013, Art. 2º[...]: “I - Ministério das Cidades, que o coordenará; II - Casa Civil da Presidência da República; III - Ministério da Fazenda; IV - Ministério da Saúde; V - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; VI - Ministério do Meio Ambiente; VII - Ministério da Integração Nacional; VIII - Caixa Econômica Federal; IX - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; X - Fundação Nacional de Saúde; XI - Agência Nacional de Águas; XII Conselho Nacional de Saúde; XIII - Conselho Nacional do Meio Ambiente; XIV - Conselho Nacional de Recursos Hídricos; e XV - Conselho das Cidades.” 160 o Decreto Federal n 8.141/2013, Art. 2º[...]: “§ 1º Os órgãos, instituições e conselhos referidos nos incisos I a XIV serão representados por um membro titular e um suplente.; § 2º Os representantes titulares dos órgãos e instituições referidos nos incisos I a XI deverão ocupar cargo de Secretário, Diretor ou equivalente.; § 3º O Conselho das Cidades será representado por membros titulares e suplentes indicados pelos segmentos que o compõem, e as indicações serão encaminhadas pela Secretaria-Executiva do Conselho ao Ministério das Cidades.; § 4º Os representantes a que se refere o caput serão designados pelo Ministro de Estado das Cidades, mediante indicação dos Ministros de Estado ou dirigentes máximos de cada órgão, instituição e conselho, no prazo de sessenta dias, contado da publicação deste Decreto.; § 5º O GTI-PNSB poderá criar Comitê Executivo destinado a gerenciar as ações de implementação do PNSB.; § 6º O GTI-PNSB poderá convidar especialistas, pesquisadores e representantes de órgãos e entidades públicas ou privadas para apoiar a execução dos trabalhos.;

74

Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades encontra disposições a seu respeito nos artigos finais.161 Importa salientar ainda no contexto a Lei Federal n o 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS); alterando a Lei Federal no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) prevê diretrizes para uma melhor coleta de materiais com um fim mais adequado, de modo que o meio ambiente e a saúde pública se beneficiem. Dentre as diretrizes previstas no seu texto legal, destacam-se: 1) a proibição do lançamento de resíduos sólidos em praias, rios e lagos e de queimadas de lixo a céu aberto; 2) a política incentiva igualmente a reciclagem e compostagem – transformação do lixo em adubo – e proíbe a coleta de materiais recicláveis em lixões ou aterros sanitários; 3) a PNRS

incentiva ainda as cooperativas de

catadores; planos de resíduos sólidos; educação ambiental; inventários e o sistema declaratório anual de resíduos sólidos; e coleta seletiva. No contexto, Maria Cecília Loschiavo dos Santos162 argumenta sobre a Política Nacional de Resíduos: Ela está excepcionalmente bem formulada. Eu acho que temos exatamente a participação desse movimento nacional de catadores de materiais recicláveis, que batalharam para a construção dessa política no Brasil. Obrigatoriamente, a lei está sendo colocada em prática. Os municípios estão elaborando seus planos de resíduos. Ela está sendo muito debatida em todos os níveis (federal, estadual, municipal). Em termos de América Art. 3º O GTI-PNSB poderá constituir comissões ou grupos técnicos com a função de colaborar para o cumprimento de suas competências, e deverá incluir representação formal de órgãos e instituições, de acordo com o tema tratado.; Art. 4º A participação no GTI-PNSB será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.; Art. 5º O apoio administrativo e os meios necessários à execução dos trabalhos do GTI-PNSB serão fornecidos pelo Ministério das Cidades.; Art. 6º O GTI-PNSB poderá requisitar dos órgãos e instituições públicas federais informações necessárias à implementação, ao monitoramento, à avaliação e à revisão do PNSB.” 161 o Decreto Federal n 8.141/2013: “Art. 7º A Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades deverá elaborar anualmente e dar publicidade ao relatório de monitoramento e de avaliação sistemática do PNSB, que contenha elementos que possibilitem identificar a evolução dos cenários, as metas, os indicadores, os investimentos, as macrodiretrizes, as estratégias e avaliar a implementação dos programas. Art. 8º A Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, em articulação com o Comitê Técnico de Saneamento Ambiental do Conselho das Cidades e com o GTI-PNSB, deverá proceder à revisão do PNSB a cada quatro anos, para orientar a elaboração do Plano Plurianual - PPA do Governo federal. Parágrafo único. A Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades apresentará proposta, a ser apreciada pelo Conselho das Cidades, dos procedimentos para as revisões quadrienais do PNSB.” 162 Filósofa, professora titular de Design na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), especialista na relação entre design e resíduos sólidos.

75

Latina e dos países em desenvolvimento como o Brasil, nós estamos muito avançados por ter uma lei tão importante, que tem no seu bojo a 163 preocupação com a inclusão social desses catadores.

Nesse panorama, importa destacar a atuação do Ministério Público na fiscalização de Centros de Tratamento de Resíduos Sólidos.164 Luís Paulo Sirvinkas165 indica que a competência para delimitar o local para a implantação do Centro de Tratamento de Resíduos Sólidos (aterro sanitário) é da Prefeitura. Em caso de terceirização, aponta que a municipalidade deve expedir um tipo de autorização para a empresa concessionária iniciar o procedimento de licenciamento, sem o qual se inviabiliza a análise do procedimento pelo órgão estadual. Sem a autorização, não é possível ter incío o procedimento de licenciamento pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente. O autor frisa que a municipalidade deve receber os resíduos sólidos produzidos por seus munícipes mas não dos municípios limítrofes. Além disso, destaca a licitação, de modo que a implantação do aterro sanitário não pode ser construída sem a realização desse procedimento. Sirvinkas alerta para a necessidade de um parecer prévio com os impactos da instalação do aterro, bem como de uma consulta à população vizinha, em atendimento ao princípio democrático e que é comum a falta de fiscalização, depois da implantação do aterro sanitário, com relação ao destino final dos resíduos sólidos e o descuido com as soluções técnicas apresentadas no Estudo Prévio de Impacto Ambiental e materializadas pelo seu Relatório de Impacto Ambiental – EPIA/RIMA. Adiante, o autor aborda a responsabilidade do empreendedor e do prefeito, onde o Ministério Público do Estado de São Paulo deve atuar, fiscalizando todos os aterros do Estado, realizando termos de ajustamento de condutas (TACs) e ingressando com ações judiciais quando necessário, como a Ação Civil de Responsabilidade por Improbidade Administrativa, nos termos do artigo 37, § 4º., da Constituição da República e da Lei no 8.429/92.

163

ANTONIO, Gustavo de Oliveira. Filosofia e design a favor da sustentabilidade. Entrevista. Dante Cultural. Ano IX – Número 25 – Novembro de 2013. p. 15. 164 SIRVINKAS, Luís Paulo. Licenciamento Ambiental e Fiscalização de Centro de Tratamento de Resíduos Sólidos – Centres. In: Anais do III Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo – 24 a 27 de agosto de 2005. Volume 1. São Paulo: Páginas & Letras Editora e Gráfica, 2006. pp.297-302. 165 4º. Promotor de Justiça Criminal do Foro Regional da Penha de França.

76

Evidencia-se a importância das políticas públicas de saneamento básico e de resíduos sólidos em caráter preventivo com relação à saúde, onde a participação popular deve ocorrer com vistas a materializar a Democracia Sanitária. Todavia, nesse âmbito, não se deve ignorar a atuação do Ministério Público para a fiscalização dessas políticas e o seu “bom funcionamento”. Finalmente, destaca-se o papel da tecnologia empregada no saneamento básico. Em estudo sobre o tema, Frank H. Quina argumenta que existem pontos favoráveis à utilização de nanotecnologia nesse processo, como prevenção de poluição ou de danos indiretos ao meio ambiente, tratamento, detecção e monitoramento da poluição. Porém, o autor alerta para possíveis danos ao meio ambiente como decorrência do uso desta tecnologia, por meio da remanescência de partículas nos córregos e rios. Sendo assim, convoca a comunidade científica a refletir sobre o assunto.166

166

QUINA, Frank H.. Nanotecnologia e o meio ambiente: perspectivas e riscos. Quím. Nova, São Paulo , v. 27, n. 6, Dec. 2004 . Available from . access on 06 June 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S010040422004000600031.

77

Capítulo 3 – Políticas Públicas na Saúde Brasileira 3.1 Conceito de Políticas Públicas

Maria Paula Dallari Bucci, em sua obra mais recente, Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas, de 2013, adverte que, em trabalhos anteriores, buscou uma conceituação para a aplicação prática de políticas públicas, concluindo que a conceituação seria sempre imprecisa, devido à complexidade deste fenômeno. Segundo a autora, haveria um conceito de que se servem os juristas, não exatamente um conceito jurídico, baseado em categorias jurídicas. 167 Todavia,

acredita-se

que

a

despeito

de

existirem

vários

estudiosos

demonstrando dificuldade de conceituar as políticas públicas, quando trazem inúmeros conceitos em suas obras, e não oferecem um conceito próprio, deixando de ofertar uma contribuição colaborativa à pesquisa, constata-se, com efeito, não ser o caso de Bucci, que num trabalho profundo, formulou um conceito útil, como se verá logo adiante. Não há dúvida de que o mais fácil se trata apenas de lhe tecer alguns contornos, deixando de lhe extrair um conceito próprio. Além disso, por mais que possa parecer impreciso o conceito, não sendo possível realmente determinar com perfeição um conceito universal, os conceitos tratam-se de importantes pontos de partida ou referência para um estudo que se pretende aprofundar de modo metódico.

167

BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 290.

78

Será, assim, abordada, de início, a conceituação jurídica e a fundamentação arranjos institucionais e processos – das políticas públicas. Para tanto, recorre-se à obra de Maria Paula Dallari Bucci168. Primeiramente, Bucci trata da temática das políticas públicas como objeto de interesse para o direito. Assim, autora anota que as políticas públicas são originariamente temas da Ciência Política e da Ciência da Administração Pública. Explica, em seguida, que sua área de interesse – as relações entre a política e a ação do Poder Público – vem sendo estudado, no direito, pela Teoria do Estado, pelo direito constitucional, administrativo ou financeiro. Com efeito, Bucci elucida que o fenômeno do direito, em particular, o direito público, é permeado por valores e pela política. Então, a partir daí, é compreensível, à primeira vista, entender uma resistência àquilo que, num primeiro momento, parece um modismo.169 Dessa leitura, a autora tira a primeira importante conclusão: “[...] definir as políticas públicas como campo de estudo jurídico é um movimento que faz parte de uma abertura do direito para a 170 interdisciplinariedade. [...]

Fica

evidente,

assim,

a

relevância

da

interdisciplinariedade

para

o

enfrentamento das questões atinentes às políticas públicas no direito. E Bucci traz, então, à tona o desafio atual que se impõe nesse campo de atuação: [...] o desafio atual é enfrentar o problema da ‘esterilização’ do direito público em sua função de organização das relações entre Estado, Administração Pública e sociedade, processo que resultou do seu 171 distanciamento em relação a uma realidade cambiante e dinâmica.

Diante das exposições iniciais da autora, tecem-se algumas reflexões. Acredita-se que as políticas públicas devem ser abordadas como objeto de estudo ligado ao direito sob uma perspectiva interdisciplinar, apesar das resistências iniciais que possam surgir. Da mesma forma, tem-se que ignorar esta dimensão, é excluir da análise temática a abrangência necessária para a sua compreensão e para o seu

168

BUCCI, Maria Paula. O conceito de políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. 169 BUCCI, O conceito de políticas públicas. Op. cit. p. 1. 170 Ibid. p. 1. 171 Ibid. p. 2.

79

desenvolvimento,

prejudicando

efetivamente

as

relações

entre

Estado,

Administração Pública e sociedade, uma vez que restariam incompletas. Num segundo momento, Bucci aborda a concretização dos direitos sociais: um novo problema que se apresenta para a teoria do direito. Então, primeiro, abordamse os direitos sociais como inovação no paradigma jurídico do Estado liberal. A autora lembra: Há uma razão intrinsecamente jurídica que inspira o delineamento do espaço epistemológico dessa nova figura no direito. E essa razão relacionase à profunda transformação que se operou no universo jurídico do século XX, desde que as Constituições ultrapassaram os limites da estruturação do poder e das liberdades públicas e passaram a tratar dos direitos fundamentais em sentido amplo, dispondo especificamente sobre os direitos 172 sociais.

Fica nítido, desse modo, o motivo jurídico pelo qual as políticas públicas ganharam tamanha dimensão no direito, qual seja: a importância conferida aos direitos sociais nas Constituições do século XX. Adiante, Bucci destaca a necessidade de se compreender as políticas públicas como categoria jurídica que procura modos de efetivação dos direitos humanos, em específico, os direitos sociais173. Na mesma seara, ressaltam-se o direito à saúde e a transferência tecnológica para o Sistema Único de Saúde (SUS), onde os obstáculos jurídicos e políticos à sua concretização prejudicam o acesso à saúde, bem como a redução das desigualdades sociais, econômicas e regionais. A autora lembra, em seguida, sobre o direito à saúde ser um referencial que permite aferir a posição relativa de um país no cenário mundial, no que toca ao desenvolvimento

humano.

Explica

que,

apesar

de

poder

existir

algum

questionamento sobre a competitividade entre os países que têm índices de desenvolvimento humano (IDH) elevados, não resta dúvidas que o IDH baixo associa-se à reduzida capacidade de competição e inserção na economia mundial.174 Bucci, assim, ressalta o papel do Estado no cenário em tela: o Estado deve ser garantidor dos direitos. O paradigma dos direitos sociais liga-se com isso ao paradigma do Estado intervencionista, segundo a autora.175 172

Ibid. p. 2. BUCCI, O conceito de políticas públicas. Op. cit. p. 3. 174 Ibid. p. 4. 175 Ibid. p. 5. 173

80

Após isso, Bucci realiza a relevante constatação: tem-se, assim, que o paradigma das políticas públicas não se modificou com o movimento de requalificação da presença do Estado nas décadas de 1980 e 1990, com as privatizações e a regulação, em lugar da prestação direta dos serviços públicos.176 Adiante, Bucci trata da positivação constitucional dos direitos sociais. Se o sentido político dos direitos sociais, explica a autora, é de fácil apreensão, o mesmo não ocorre com a sua configuração jurídica.177 A autora, então, reflete sobre o assunto: No contexto brasileiro, a polêmica é ainda mais acirrada. De um lado, porque a Constituição brasileira de 1988 foi carregada com os direitos compreedidos na tarefa de redemocratização do país e sobrecarregada com as aspirações relativas à superação da profunda desigualdade social produzida ao longo de sua história. O desafio da democratização brasileira é inseparável da equalização de oportunidades sociais e da eliminação da situação de subumanidade em que se encontra quase um terço da sua população. De outro lado porque, sendo um texto mais recente, a implementação constitucional, no caso brasileiro, vale-se de figuras apenas esboçadas em outros contextos, nos quais a Constituição não tinha a centralidade na vida política que a Constituição brasileira de 1988 adquiriu. Por essa razão, seria absolutamente frustante, do ponto de vista político, aceitar a inexiquibilidade dos direitos sociais. Do ponto de vista jurídico, isso representaria tornar inócuo o qualitativo de “Estado social de direito”, afirmado no art. 1º. da Constituição. Partindo da conhecida máxima de interpretação de que a lei não contém palavras inúteis, não se pode tomar tal locução como sinônimo de “Estado de Direito”, omitindo a carga finalística do adjetivo “social” num Estado em que as tarefas sociais ainda estão por ser feitas. Avançando a partir dessa discussão, o fato é que a Constituição brasileira enumerou um rol bastante generoso de liberdades e direitos, em especial os direitos sociais (arts. 6º e 7º) complementando esses últimos com as disposiões pertinentes ao Título VIII, “Da ordem social”, em que se definem os modos ou estruturas básicos de concretização dos sociais (arts. 193 a 178 232).

Então, Bucci estuda as expressões jurídicas de políticas públicas. E traz como problematização: identificar o objeto de que se trata no sistema jurídico. Primeiro, vê as políticas com suporte legal para a realização de direitos.179 Depois, políticas no texto constitucional, como o caso do SUS em que há a necessária coordenação de atuação federativa, como anota.180 176

Ibid. p. 6. Ibid. p. 6. 178 BUCCI, O conceito de políticas públicas. Op. cit. p. 10. 179 Ibid. p. 14. cf. “a política pública é definida como um programa ou quadro de ação governamental, porque consiste num conjunto de medidas articuladas (coordenadas), cujo escopo é dar impulso, isto é, movimentar a máquina do governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem pública ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito.” 180 Ibid. pp. 17-18. cf. “No que diz respeito à saúde, o art. 196 da Constituição dispõe: 177

81

No contexto, vale mencionar a Emenda Constitucional (EC) 29/2000, que visa à garantia dos recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde. Quanto às políticas de Governo e de Estado pode-se dizer, essencialmente, que a autora as diferencia na medida em que as primeiras assumem um caráter transitório, não institucionalizado às estruturas estatais, ao passo que as segundas, ao contrário, firmam-se no aparato estatal por meio de sua institucionalização, incorporando-se, assim, aos aparelhos do Estado181. Finalmente, a autora traz a formulação de um conceito jurídico de políticas públicas: Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e 182 politicamente determinados.

Tendo isso em vista, ao se decompor o conceito formulado, extraem-se os elementos de estruturação que seguem: ação-coordenação, processo e programa. Nesse sentido, segundo Hélcio de Abreu Dallari Júnior: Políticas públicas são orientações predominantes geradas pelos principais órgãos de poder político, determinando as ações sociais, políticas econômicas no âmbito do Estado. A definição dessas políticas públicas depende sobremaneira da participação popular, que é fundamental para o 183 conhecimento das prioridades a serem atendidas.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Mas mais importante que essa definição é a própria estruturação das prestações estatais em matéria de saúde, que a Constituição Federal ordenou, de forma inédita, no Sistema Único de Saúde. Resultante de um aprimoramento de modelos anteriores à Constituição de 1988, a partir da evolução das primeiras propostas técnicas, mas, mais importante, agregando a mobilização política e social do movimento pela democratização da saúde, o SUS é inscrito nos arts. 198 a 200 da Constituição, com vistas a alcançar o nível máximo de garantia proporcionado pelo sistema jurídico. Seria de se pensar se isso não desnaturaria seu caráter de política pública, que, como vimos, tem como nota distintiva atingir objetivos sociais em tempo e quantidade previamente determinados. O SUS não é um programa que visa resultados, mas uma nova conformação, de tipo estrutural, para o sistema de saúde, para o sistema de saúde, cujo objetivo é a coordenação da atuação governamental nos diversos níveis federativos no Brasil (‘rede regionalizada e hierarquizada’, cf. art. 198 da CF), para a realização de três diretrizes: descentralização, atendimento integral prioritariamente preventivo e participação da comunidade”. 181 Ibid., pp- 18-20. 182 Ibid., p. 39. 183 DALLARI JÚNIOR, Hélcio de Abreu. Teoria Geral do Estado Contemporâneo. 4ª. edição. São Paulo: Rideel, 2011. p. 43.

82

Além de o autor apontar que as políticas públicas orientam, guiam os órgãos de poder político, destaca a necessidade da participação popular na formulação de políticas públicas, como meio de conhecimento do que a população realmente precisa no seu cotidiano, de onde se lembrar dos mecanismos criados para tal desiderato, como as audiências públicas e os Conselhos de Saúde, regulamentados estes últimos pela Lei no 8.142, de 1990, de modo a concretizar na prática a Democracia Sanitária, todos estes temas já tratados neste estudo. Odete Medauar, por sua vez, procura oferecer um conceito para políticas públicas: “diz respeito a um conjunto de atividades para elaborar e concretizar um programa de ação governamental, não sendo decisão isolada.”184 A autora afirma que se trata de uma decisão não isolada por não se referir a um único indivíduo, mas à coletividade, com a ideia de escala, já abordada por Maria Paula Dallari Bucci e trazida neste estudo em seu início. Nesse panorama, sugere-se um conceito próprio de políticas públicas, como sendo metas, objetivos que, por meio de programas de planejamento, orientam os centros de poder governamentais em suas decisões políticas, sociais e econômicas, com mira no atingimento do interesse público e da “boa administração”, para se obter uma gestão eficaz, que considere os atos dos governantes, bem como as opiniões e condutas da população, que deve participar ativamente na formulação, execução e implementação dessas políticas, de modo a institucionalizar o Estado Democrático de Direito. 3.2 Políticas Públicas e Planejamento do Estado Frischeisen afirma que o exercício da soberania popular e da cidadania abrangem a participação popular na formulação e implementação de políticas públicas, em especial das políticas públicas sociais. Igualmente, pondera que a implementação concreta dos direitos sociais dependem da prática de políticas públicas, previstas na Constituição, de modo geral.185

184

MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. 2ª edição – revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 181. 185 FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas: Planejamento, Desenvolvimento e Fiscalização. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org). Direitos humanos e políticas públicas. São Paulo, Pólis, 2001. p. 44.

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A autora lembra que a Constituição previu a participação popular na elaboração, na formulação, dentre outras, das políticas públicas da saúde, assistência social e educação. Aponta, assim, os Conselhos Municipais, como instrumentos dos interesses da comunidade.186 Com efeito, sustenta Frischeisen que o que ocorre é o aprimoramento da democracia, que não se finda no voto. No Brasil, frisa que a democracia não é apenas representativa ou direta (por meio de plebiscito, referendo e iniciativa popular), mas também participativa (através da participação popular nos conselhos gestores de políticas públicas).187 Por fim, segundo Paulo Bonavides, a Constituição Federal não é meramente um texto de princípios, de modo a firmar normas e estruturar institituições que visam o cumprimento de seus princípios e regras, assim como a aplicação de sanções àqueles que os descumprem, isto é, mecanismos de autodefesa são previstos pela Constituição.188 Enquanto isso, Gilberto Bercovici, ao refletir sobre o desenvolvimento de políticas públicas, inicialmente, pondera sobre o seu processo de formação: O processo de formação de políticas públicas, de acordo com Lourdes Sola, é o resultado de uma complexa e dinâmica interação de fatores econômicos, políticos e ideológicos. O papel político do Estado é central neste processo, contrariando a visão corrente da análise econômica que 189 considera o Estado apenas uma categoria residual.

Em seguida, Bercovici afirma que os resultados das políticas econômicas dependem não somente de sua coerência econômica, como também de sua viabilidade política e das opções institucionais. O autor, assim, anota que a análise do caso brasileiro revela o fato de que o processo de desenvolvimento sustenta-se em decisões políticas.190 O autor, adiante, elucida: O próprio fundamento das políticas públicas é a necessidade da concretização de direitos por meio de prestações positivas do Estado, sendo o desenvolvimento nacional a principal política pública, conformando 191 e harmonizando todas as demais.

186

FRISCHEISEN, Políticas Públicas: Planejamento, Desenvolvimento e Fiscalização. Op. cit. p. 45. Ibid. p. 45. 188 Ibid. p. 45. 189 BERCOVICI, Gilberto. Planejamento e políticas públicas: por uma nova compreensão do papel do Estado. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 143. 190 Ibid. p. 144. 191 Ibid. p. 144. 187

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No Brasil, infere-se que o subdesenvolvimento é a questão central, que exige planejamento do Estado, por meio de políticas públicas, para transformação da realidade social e econômica. Num segundo momento, o autor aborda o assunto plano e planejamento, de modo que Bercovici tece a consideração: O planejamento coordena, racionaliza e dá uma unidade de fins à atuação do Estado, diferenciando-se de uma intervenção conjuntural ou casuística. [...] O plano é a expressão da política geral do Estado. [...] é um ato de direção política [...], o plano deve estar de acordo com a ideologia constitucional 192 adotada.

Desse modo, para o autor, planejamento vincula-se axiologicamente à ideologia constitucional e destina-se a promover a transformação do status quo econômico e social.193 Ressalte-se que o planejamento deve atender aos objetivos da República Brasileira, previstos no artigo 3º, da Constituição Federal de 1988. Bercovici traz, assim, o fundamento da ideia de planejamento: O fundamento da ideia de planejamento é a perseguição de fins que alterem a situação econômica e social vivida naquele momento. É uma atuação do 194 Estado voltada essencialmente para o futuro.

Então, Bercovici pondera que planejamento é um processo técnico, mas também político, onde estruturas políticas se interligam com econômicas, de modo que o planejamento busca a alteração ou consolidação de estruturas econômicas e sociais, portanto, políticas. Para tanto, há a negociação entre setores sociais da Federação.195 O autor, assim, frisa: “O planejamento exige um Estado forte, capaz de direção e coordenação”196. Há, segundo Bercovici, uma necessidade de reformulação do Estado, como no Direito Administrativo clássico. Bercovici afirma que se protegem as liberdades individuais, mas não se emprega o mesmo cuidado na implementação de políticas e princípios previstos na Constituição.197 Para o autor, não existe, assim, realmente uma estrutura burocrática adequada na Administração Pública. Segundo Bercovici, o Brasil não está organizado para

192

BERCOVICI, Planejamento e políticas públicas: por uma nova compreensão do papel do Estado. Op. cit. p. 145. 193 Ibid. p. 145. 194 Ibid. p. 146. 195 Ibid. p. 146. 196 Ibid. p. 147. 197 Ibid. p. 147.

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produzir uma política desenvolvimentista. Existem planos, mas não há planejamento. Seria preciso transformações na estrutura da Administração Pública. Então, trata da reforma administrativa, quando levanta o questionamento sobre o fim do planejamento. O autor critica o neoliberalismo, com o Estado-mínimo e processo de criação de agências reguladoras, entre 1995 e 2002, para controle e fiscalização de serviços públicos antes prestados pelo Estado, agora, pelos particulares. Para Bercovici, isso pôs fim aos planos desenvolvimentistas do Estado, uma vez que acredita num Estado forte, capaz de atuar na economia e no social. Adiante, aborda o planejamento e a administração. Nesse âmbito, destaca a importância do artigo 174, da Constituição Federal de 1988, no que tange ao planejamento. Para o autor, não há unidade nem coesão na Administração Pública. Nesta última, segundo Bercovici, não existe entendimento entre técnicos e burocratas, de modo que se trata de uma organização apolítica, apesar do governo político. Isto, além de frisar o problema da vontade política. Com isso, fica difícil o planejamento na Administração. O autor, por fim, acredita que se trata não de um problema de gestão, mas de política. Vale dizer, no contexto, que à vontade política soma-se o aspecto da oposição neste campo. Nesse cenário, seu papel é fundamental, na medida em que fiscaliza o poder, protege o interesse das minorias, canaliza anseios populares não atendidos pela situação e busca a alternância de poder.198 Adiante, Bercovici estuda a necessária compreensão do papel do Estado. Para o autor, o Estado ocupa papel central no planejamento, devendo coordenar e articular as políticas públicas, com vistas a superar o subdesenvolvimento. Para tanto, deve ser levado em consideração a soberania externa e interna, frente aos desafios da globalização, para que o país tenha um projeto próprio com valorização da cultura nacional e, principalmente, do povo, sendo assim, originário da soberania popular e, ademais, dos princípios republicano e democrático.

Para saber mais sobre o tema: v. CAGGIANO, Monica H. S., Oposição na Política – Propostas para uma Rearquitetura da Democracia. Ed. Angelotti, 1995. 198

86

É preciso, assim, para Bercovici, reestruturar a organização política do Estado, sempre

considerando

as

influências

político-ideológicas

e

históricas

que

acompanham o Estado em sua trajetória. Vale apenas lembrar que o autor aponta que, nos anos 1930, o Brasil possuía um arcabouço jurídico protetivo dos direitos sociais, mas na realidade esses direitos não se consubstanciaram, de modo que na época havia um avanço econômico em alguns setores. E o poder político concentrava-se na Presidência, não privilegiando a descentralização. Como reflexões próprias sobre o tema, tem-se uma problematização. Perguntase por algumas ponderações sobre transformações na estrutura da Administração Pública, se aquelas se vinculam às decisões políticas e seriam necessárias mudanças como no direito administrativo e no comportamento dos dirigentes. No Brasil, hoje, acreditamos na necessidade de uma maior observação atenta do contexto sóciopolítico e econômico, para em se compreendendo o presente, bem como o passado, realizar análises e apontamentos para planejar o futuro. O Brasil precisa de um projeto próprio, com valorização do povo e da cultura nacional, frente aos desafios da globalização. 3.3 Diretrizes para Análise e Construção de Políticas Públicas Maria Paula Dallari Bucci, na busca de um método, ou seja, “caminho, percurso”, para uma nova abordagem na elaboração de diretrizes para a análise e construção de políticas públicas, leciona que a compreensão da dinâmica governamental, seus arranjos institucionais e seus processos, não objetiva “definir um campo”, mas estruturar uma abordagem ou perspectiva que possibilite a sistematização e agregação de conhecimentos a respeito das políticas públicas, mesclando, principalmente, elementos do direito, política, economia e gestão pública. Essa abordagem estruturada, de modo colaborativo, de pesquisas comuns, integrando, nas suas palavras, um acervo de práticas epistemológicas sobre padrões governamentais, jurídicos e conexos com as disciplinas afins, incorporando e formulando experiências e habilitando a construção de um instrumental de análise

87

e ação para ser usado em outros programas de ação governamental, com o mote de potencializar as forças sociais à ordem democrática.199 Em seguida, a autora aborda o método como técnica, analisando alguns modelos estruturados: 1) os modelos analíticos e experiências, além da dedução e indução. Sobre a abordagem dedutiva, do geral para o particular, a autora afirma ser mais apropriada para a construção dos modelos analíticos, em que se organiza a compreensão de como se formam e atuam as políticas públicas. Sobre a abordagem indutiva materializa-se em inferências, a partir de casos concretos e específicos, até mesmo as hipóteses gerais, elaboradas nos modelos. Por fim, esclarece que os modelos teóricos podem ser verificados empiricamente de modo controlado, para que as experiências os valide.200 2) Método comparativo. Essencialmente, a autora argumenta que o trabalho jurídico com políticas públicas, em colaboração com outras áreas, deve ser desenvolvido a partir da construção de um acervo ou repertório de casos. Consoante suas reflexões, um roteiro de trabalho que guie a coleta e análise de quantidade razoável de material, em estudos de casos, nas suas palavras de “famílias de casos” de políticas públicas, sob a visão dos arranjos ou modelos institucionais deve contribuir para sua estruturação.201 3)

Representação

do

conhecimento:

categorias

e

referências

/

Desenvolvimento colaborativo: a questão da escala. A autora evidencia a importância da Tecnologia da Informação nesse panorama, como exemplo, a relevância dos mecanismos de buscas na internet que permitem encontrar diversos materiais de qualidade sobre os temas em pauta e, de modo colaborativo, compartilhar informação, construindo o conhecimento sobre questões que envolvam políticas públicas. Por fim, destaca que, ao se estudar determindo assunto relativo a essas políticas, deve-se separá-los por categorias e referências, como dentro do direito público: a saúde, a educação e a habitação.202 3.4 Controles de Políticas Públicas 199

BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas... Op. cit. pp. 285-92. 200

BUCCI. Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas. Op. cit. pp. 292-96. Ibid. p. 296-300. 202 Ibid. p. 303.

201

88

O povo é o verdadeiro detentor da soberania e delega o poder aos representates eleitos, direta ou indiretamente, como determina a Constituição Brasileira. O primeiro controle de políticas públicas que se deseja mencionar se trata do controle popular, que ocorre por meio dos Conselhos de Saúde Municipais, Estaduais e Federais, já abordados nesta pesquisa e que se regem pela Lei n o 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Como visto, é através da participação da comunidade na formulação, execução e implementação de políticas públicas, inclusive na área da saúde, que se permite materializar a Democracia Sanitária, também estudada neste trabalho. O Poder Legislativo possui instrumentos para realizar o controle das políticas públicas. A Constituição da República, no artigo 49, X, confere ao Poder Legislativo a competência de fiscalizar, através de qualquer de suas Casas, a Administração direta e indireta. Além disso, o controle igualmente ocorre por meio da apreciação do plano plurianual de investimentos, do projeto de lei de diretrizes orçamentárias e do projeto de lei orçamentária, remetidos pelo Executivo.203 O Ministério Público também exerce o controle das políticas públicas. Está previsto nos artigos 127 e 129, da Constituição Federal de 1988, o rol de competências, sobretudo para zelar para que os poderes públicos respeitem os direitos assegurados. O Ministério Público não possui competência para a sua elaboração, mas fazendo uso dos instrumentos da recomendação e do termo de compromisso de conduta, pode induzir ou direcionar a formulação de política pública em certa área, se não existir, ou induzir a sua efetivação no todo ou em parte, se já estiver firmada, ou ainda, induzir a sua complementação, caso seja insuficiente. 204205 Sobre a atuação do Ministério Público como parte e fiscal da lei, Hugo Nigro Mazzilli esclarece: a suposta distinção entre a atuação do Ministério Público como parte e como fiscal da lei em verdade nada distingue, pois mesmo quando é órgão agente, o Ministério Público zela pelo correto cumprimento da lei, e mesmo quando é interveniente, é parte, ou seja, é um dos sujeitos da relação processual. Se o Ministério Público propõe uma ação, como órgão do Estado, em defesa dos interesses globais da sociedade (v.g., para reparar danos ao 203

MEDAUAR. O Controle da Administração Pública. Op. cit. p. 184. Ibid. p. 184. 205 Como exemplo de atuação do Ministério Público nesta área de competência, remete-se o leitor ao Capítulo 2, deste estudo, quando se trata da sua atuação nas políticas públicas relativas aos resíduos sólidos. 204

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meio ambiente), apesar de sua posição formal de parte (como sujeito ativo da relação processual), nem por isso deixa de zelar pela ordem jurídica. O Ministério Público sempre oficiará nas ações civis públicas em que se discutam interesses afetos à instituição, seja porque as tenha proposto, seja porque, nas ações propostas por terceiros, atuará como interveniente. O princípio da indisponibilidade não obrigará o órgão ministerial a pedir sempre a procedência do pedido, [...] se ao fim da instrução se convecer de que não há justa causa para pedir a procedência, não há como lhe exigir 206 defenda algo que viole sua convicção.

No âmbito do Ministério Público Federal (MPF), importa reportar a Sala de Atendimento

ao

Cidadão207,

que

foi

instituída

pela Portaria

PGR/MPF



412/2013, para receber notícias de irregularidades, representações, solicitações de informação e outras demandas direcionadas ao MPF. Segundo consta, nesse portal, os cidadãos, inclusive advogados, podem cadastrar e acompanhar demandas, ou ainda ter acesso o portal da Ouvidoria do MPF, para casos em que a demanda tenha relação com as atividades desenvolvidas pelos órgãos, membros, servidores e serviços auxiliares do MPF. Há ainda diversas informações sobre a estrutura e atuação do MPF, além de dados sobre gastos, processos licitatórios e contratos, disponibilizados no Portal da Transparência, em observância ao que determina a Lei de Acesso à Informação (LAI) - Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011. No panorama do Ministério Público Estadual, como exemplos de Promotorias de Justiça especializadas, onde se poderia realizar o controle de políticas públicas se encontram: a) do Meio Ambiente; b) de Mandado de Segurança; c) de Habitação e Urbanismo; d) de Direitos Humanos. 3.5 Controle Jurisdicional de Políticas Públicas Odete Medauar ensina que a denominação controle jurisdicional da Administração é mais ampla do que a denominação controle jurisdicional do ato administrativo. Isso porque engloba a análise jurisdicional não apenas dos atos administrativos, como também “dos contratos, das atividades ou operações materiais e da omissão ou inércia da Administração”.208

206

MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 8ª. edição, revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 307-08. 207 Disponivel em: Acesso em: 13/06/2014. 208 MEDAUAR,. Controle da Administração Pública. Op. cit. pp. 185-86.

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A autora lembra que o controle jurisdicional se insere, de modo geral, entre os controles externos, “a posteriori, repressivos ou corretivos”, ocorrendo por provocação e sendo realizado por juízes independentes.209 Recorda igualmente que o controle em comento acontece pelo ajuizamento de ações que observam processos, disponibilizando garantias às partes, como juiz natural, contraditório e ampla defesa. O processo considera a autora se encerra por sentença ou acórdão, motivados e com coisa julgada, devendo a Administração Pública acatá-los.210 Como problemas do controle jurisdicional, Odete Medauar acentua: 1) o acesso ao Judiciário, devido aos custos para ingressar com as ações; 2) os recursos orçamentários e financeiros do Estado; 3) a lentidão do Judiciário; e 4) a efetividade das decisões jurisdicionais, com o problema da criação de mecanismos que obriguem a Administração a cumprir as decisões. Apesar disso, enfatiza: “o controle jurisdicional se mantém como tipo nuclear, impossível de ser substituído por outras técnicas [...]”. E registra a necessidade de sempre por isso procurar aprimorá-lo.211 A autora afirma que, nos últimos anos, no âmbito do Direito Constitucional e do Direito Administrativo, passou-se a tratar do controle jurisdicional das políticas públicas, por muitos considerado ativismo judicial.212 Em sua obra, considera-se a possibilidade de decisão jurisdicional sobre caso concreto e individual, sob a rubrica de política pública, buscando concretizar direitos assegurados na Constituição de 1988, quando ausentes, insuficientes ou não efetivadas as políticas públicas nas matérias em comento.213 Odete Medauar defende que os argumentos contrários ao controle jurisdicional das políticas públicas, tidos como ativismo judicial, demonstram-se, de modo geral, idênticos às afirmações opostas à viabilidade de um amplo controle jurisdicional sobre a Administração Pública. Além disso, invocam se tratar de controle da legalidade em sentido estrito. Então, aponta para a necessidade de se utilizarem os mesmos argumentos a favor ao amplo controle jurisdicional.214 Sobre as questões orçamentárias e financeiras relativas aos recursos dos entes federativos para prover o acesso a determinadas políticas públicas, a autora 209

MEDAUAR,. Controle da Administração Pública. Op. cit. p. 186. Ibid. p. 186. 211 Ibid. pp. 187-88. 212 Ibid. p. 218. 213 Ibid. p. 219. 214 Ibid. p. 219. 210

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comenta que, em decisões dos tribunais brasileiros e nas contestações das autoridades administrativas, tem se invocado a conhecida cláusula da reserva do possível, para determinar dificuldades de efetivação de direito individual ou de políticas públicas, por ausência ou insuficiência de recursos, falta de previsão orçamentária explícita ou em virtude de eventual desequilíbrio orçamentário.215 Medauar acentua que nem sempre quando se apresenta como argumento a reserva do possível as decisões judiciais o acolhem, principalmente, em se tratando dos direitos à educação e saúde.216 A autora atenta para que em Municípios pequenos o cenário da insuficiência de recursos financeiros pode ser verdadeiro; em se tratando de competências constitucionais materiais comuns, como no caso da saúde e educação, já mencionados. Pondera, assim, ser viável deslocar a incumbência aos demais entes federativos, frisando que a incapacidade financeira alegada deve ser comprovada de forma objetiva.217 Essa posição, no entanto, é contrária ao entendimento do STF sobre o tema.218 Enumera-se, por fim, de modo resumido, as consequências mais comuns do controle jurisdicional, segundo Medauar: a) suspensão de atos ou atividades; b) anulação; c) imposição de fazer; d) imposição de se abster de algo; e) imposição de pagar; e f) imposição de indenizar.219 No caso do direito à saúde, pode-se, respectivamente, exemplificar os casos: a) determinação judicial para suspender o fornecimento de medicamentos, que precisem ter sua eficácia e segurança comprovadas; b) anulação de ato administrativo contrário ao interesse público, por afetar o direito à saúde; c) obrigação de fornecer determinado medicamento a indivíduo por omissão do governante com relação à política pública prevista; d) obrigação de não demolir um hospital público; e) obrigação de pagar um tratamento médico a um paciente; e f) obrigação de indenizar por erro médico. 215

MEDAUAR,. Controle da Administração Pública. Op. cit. p. 221. Ibid. p. 222. 217 Ibid. p. 222. 218 “Ampliação e melhoria no atendimento à população no Hospital Municipal Souza Aguiar. Dever estatal de assistência à saúde resultante de norma constitucional. Obrigação jurídico-constitucional que se impõe aos Municípios (CF, art. 30, VII). Configuração, no caso, de típica hipótese de omissão inconstitucional imputável ao Município. Desrespeito à Constituição provocado por inércia estatal (RTJ183/818-819). Comportamento que transgride a autoridade da Lei Fundamental da República (RTJ 185/794-796).” (AI 759.543, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 2810-2013, DJE de 11-11-2013.) 219 Ibid. pp. 223-24. 216

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No contexto, Kazuo Watanabe averba sobre o controle jurisdicional de políticas públicas: a) Os direitos fundamentais sociais, sob a perspectiva de justiciabilidade imediata, ou seja, da possibilidade de tutela jurisdicional, podem ser distribuídos em três categorias: I – os que correspondem ao núcleo básico do princípio da dignidade da pessoa humana e configuram o chamado “mínimo existencial”; II – os que, embora não estejam referidos ao “mínimo existencial”, estão previstos em normas constitucionais de “densidade suficiente” e por isto não são dependentes, para a judicialização, de prévia ponderação do Legislativo ou do Executivo por meio de política pública específica; III – os demais direitos fundamentais sociais previstos em normas constitucionais de cunho programático. b) São imediatamente judicializáveis, independentemente de prévia definição de política pública pelo Legislativo ou pelo Executivo, somente os direitos fundamentais sociais pertencentes às duas primeiras categorias da classificação acima mencionada. A “justiciabilidade” dos direitos fundamentais sociais pertencentes à terceira categoria depende de prévia ponderação, por meio de política pública específica, dos demais Poderes do Estado. c) O conceito de “mínimo existencial” é dinâmico e evolutivo, varia histórica e geograficamente, presidido pelo princípio da proibição de retrocesso, de sorte que, dependendo das condições socieconômicas do país, direitos fundamentais sociais que não são judicializáveis na atualidade poderão vir a sê-lo no futuro, imediato ou mediato. d) A cláusula da “reserva do possível” não é invocável na tutela 220 jurisdicional do “mínimo existencial”.

O autor alega que, em se tratando de caso concreto que envolva o “mínimo existencial”, os direitos fundamentais sociais, dentre os quais se insere o direito à saúde, possuem justiciabilidade imediata, devendo receber a proteção judicial. Para Watanabe, os direitos que não se incluem nesta esfera, mas possuem “densidade suficiente”, não são dependentes de ponderação para a judicialização. Por outro lado, os demais devem sofrer poderação por política pública específica, pelos Poderes do Estado. Por fim, o autor firma que casos que são abrangidos pelo “mínimo existencial” não podem sofrer alegação da reserva do possível. Na mesma direção, seguem as palavras de Ada Pellegrini Grinover: aO Poder Judiciário pode exercer o controle das políticas públicas para aferir sua compatibilização com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, CF). bEsse controle não fere o princípio da separação dos Poderes, entendido como vedação de interferência recíproca no exercício das funções do Estado. cDentro de limites, o Judiciário pode intervir nas políticas públicas – entendidas como programas e ações do Poder Público pretendendo atingir os objetivos fundamentais do Estado – quer para implementá-las, quer para corrigi-las quando equivocadas. 220

WATANABE, Kazuo. Controle Jurisdicional das Políticas Públicas – “Mínimo Existencial” e demais Direitos Fundamentais Imediatamente Judicializáveis. In: GRINOVER, Ada Pellegrini.; WATANABE, Kazuo. (Coord.) O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas. 2ª. edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 224.

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dHá um pressuposto e limites postos à intervenção do Judiciário em políticas públicas. O pressuposto, que autoriza a imediata judicialização do direito, mesmo na ausência de lei ou de autuação administrativa é a restrição à garantia do mínimo existencial. Constituem limites à intervenção: a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e a irrazoabilidade da escolha da lei ou do agente público; a reserva do possível, entendida tanto em sentido orçamentário-financeiro como em tempo necessário para o planejamento da nova política pública. eO juiz deverá utilizar um novo processo, com cognição mais profunda e ampliada e contraditório estimulado, colhendo informações da administração para poder chegar a uma decisão mais justa, equilibrada e exequível. fA estrita observância do pressuposto e dos limites acima indicados, assim como o correto entendimento do que sejam políticas públicas, são necessários e suficientes para coibir os excessos do Poder Judiciário. gPara fazer face ao descumprimento da ordem ou decisão judicial (obrigações de fazer) pelo Poder Público, sem embargo da aplicação de astreintes – pouco adequadas quando se trata da Fazenda Pública -, as sanções mais eficazes são a responsabilização por improbidade administrativa e a intervenção federal ou estadual no Estado ou no Município; o crime de responsabilidade por descumprimento da ordem em mandado de segurança e, em âmbito mais limitado, a imputação ao Prefeito Municipal de crime de responsabilidade. hTodas as espécies de ações – na jurisdição constitucional (mandado de injunção, inclusive coletivo, ação de descumprimento de preceito fundamental e ação de inconstitucionalidade por omissão) – e na jurisdição ordinária – ações coletivas, individuais com efeitos coletivos, ou meramente individuais – são idôneas a provocar o controle e a eventual intervenção do Judiciário nas políticas públicas. iMaior cuidado deverá ser tomado na observância do pressuposto e dos limites em relação às ações estritamente individuais, cujo acolhimento diminuirá a verba destinada à política pública geral, embora elas possam ter 221 efeito positivo, influindo sobre a ampliação da política pública.

Grinover destaca a necessária observância dos objetivos fundamentais da República na execução das políticas públicas que, no entanto, devem igualmente conforme a autora ressalta, pautar-se por limites determináveis ao seu contorno, de modo que acentua ações judiciais que podem ser utilizadas em seu controle, incluídas aí todas as ações constitucionais, bem como a hipótese de intervenção federal e, além disso, as possíveis responsabilidades: a) por crime de responsabilidade; e b) civil-administrativa por improbidade em certos casos, bem como a questão orçamentária-financeira dos recusos públicos destinados à implementação das políticas públicas, sob o prisma da razoabilidade ou da irrazoabilidade da lei ou do ato administrativo. 3.6 Judicialização das Políticas Públicas na Saúde Brasileira 221

GRINOVER, Ada Pellegrini. O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini.; WATANABE, Kazuo. (Coord.) O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas. 2ª. edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 150.

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A chamada “Judicialização da Saúde” decorre do crescente ingresso de ações que requerem a efetivação individual do direito à saúde, tanto no setor público, como no setor privado, junto às operadoras de saúde. Além disso, no contexto, verifica-se o caso em pauta no STF, em que se questiona se o Judiciário pode obrigar o Executivo a implementar políticas públicas de saúde. Sobre esse último assunto, inicia-se a discussão trazendo à baila as reflexões de André Ramos Tavares: A Constituição brasileira não levou a cabo nenhum tratamento sistemático ou com preocupações pedagógicas, sobre as denominadas funções fundamentais do Estado e sua partilha orgânica. Procedeu, contudo, à consagração expressa de uma separação dos órgãos do poder no art. 2º, nos seguintes termos: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Além da referência expressa acima, encontra-se – e não poderia ocorrer de maneira diversa – uma articulação dispersa nas normas constitucionais, e uma orientação funcional que a cada um desses órgãos corresponderá. Somente pelo estudo sistemático detalhado e livre de vetustas précompreensões conceituais é que se poderá conhecer o desenho institucional-funcional constitucionalmente concebido para o que é vulgarmente denominado como “tripartição de poderes”. Como costumo insistir, é preciso desviar da armadilha que confunde a Doutrina (ou Doutrinas) sobre separação de poderes e a real fórmula orgânico-funcional adotada por cada Estado em sua respectiva Constituição vigente. Dificilmente, por exemplo, encontraríamos um arranjo positivado que houvesse se servido exclusivamente e rigorosamente de apenas três funções distribuídas conforme um critério de tipicidade facilmente aceitável (assim, é simples vislumbrar, no caso brasileiro, a função administrativa, a governativa ou política, a judicial, a legislativa, a de controle etc.). Deve haver, pois, grande prudência na análise da cláusula constitucional primária, que invoca a separação dos poderes como uma fórmula universalmente conhecida, quase mágica, para que se construa e preserve a necessária harmonia, fator crucial, sem dúvida, para a existência de mais de um “poder”. Assim, saber se o Poder Judiciário está constitucionalmente autorizado a obrigar, na prática, o Poder Executivo, a implementar políticas públicas de saúde em benefício dos cidadãos ou se se trata (se o fizer) de uma intromissão (arbitrária ou abusiva) de um Poder sobre outro, está entre as principais questões suscitadas hodiernamente perante o Judiciário brasileiro 222 [...]

De tal sorte, resta evidente que as três funções clássicas do Poder, uno e indivisível, consagradas pelo Barão de Montesquieu, em O Espírito das Leis: Administrar, Legislar e Julgar, atribuídas aos três poderes, na verdade, nos dias 222

TAVARES, André Ramos. Decisões Judiciais sobre Políticas Públicas na Saúde. Carta Forense. 05/03/2014. Disponível em: . Acesso em: 22/03/2014.

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atuais, sofreram avanços, de modo que cada Poder incorpora outras funções, como administrar, governar, julgar, legislar e controlar, de modo que os três poderes na configuração atual devem conviver em harmonia e independência pelo sistema de freios e contrapesos (checks and balances), consoante a dicção do artigo 2º, da Constituição Brasileira. Lembre-se antes, no entanto, que essa classificação clássica de divisão dos poderes não teve sua origem em Montesquieu. Consoante as lições de Manoel Gonçalves Ferreira Filho223, encontra antecedentes na obra de Aristóteles e de John Locke. O primeiro, na Política, divide as funções do Estado em deliberante (tomada de decisões fundamentais), executiva (aplicação pelos magistrados dessas decisões) e judiciária (fazer justiça), sem, contudo, como ressalta o autor, tratar de sua separação, sem sugerir a atribuição de cada uma delas a órgão independente e especializado. Ferreira Filho ensina que Locke igualmente reconhece três funções distintas: a legislativa (decidir como a força pública há de ser empregada), a executiva (aplicar essa força no plano interno, com vistas a garantir a ordem e o direito) e a federativa /(manter relações com outros Estados). O autor, assim, esclarece que para Locke deve ocorrer uma separação entre a função legislativa, de um lado, e as funções executiva e federativa, de outro, sendo que todas devem estar reunidas nas mesmas mãos, por implicarem o uso da força. Porém, como Ferreira Filho expõe, a divisão clássica dos poderes se deve à obra do Barão de Montesquieu. Recorde-se, por fim, que a divisão clássica dos poderes não foi obra, em si, de um único homem, mas que encontra raízes na Grécia Antiga, em Atenas, e, mais decisivamente, como resultado da evolução constitucional inglesa, que consagrou o Bill of Rights de 1689. A Revolução Gloriosa igualou a autoridade real e a autoridade do parlamento, forçando um compromisso que foi a divisão do poder, atribuindo ao monarca determinadas funções, ao parlamento outras e reconhecendo a independência dos juízes, conforme o magistério de Ferreira Filho, que explica que este compromisso foi teorizado por John Locke, no Segundo tratado do governo civil, justificando-o a partir da hipótese do estado de natureza. Mas, como mencionado, a obra clássica de Montesquieu foi a que consagrou a separação dos poderes.

223

FERREIRA FILHO, Curso de Direito Constitucional. Op. cit.

96

Segundo Tavares, é necessária prudência quando se analisa a Separação de Poderes, bem como a zona de ingerência de um poder em outro. De acordo com a atual configuração organizacional do Estado brasileiro insculpida na Constituição da República de 1988, nota-se que os três poderes possuem funções típicas e atípicas.224 Desse modo, em suas funções típicas, o Executivo administra, o Legislativo legisla e o Judiciário julga. Todavia, devido a isto e ao mecanismo de controles recíprocos, por exemplo, o Executivo participa do processo legislativo, através da sanção ou veto presidencial (art. 66, CF/88), além de nomear os Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 101, CF/88) com a aprovação do Senado Federal (art. 48, VIII, CF/88); o Legislativo, por meio do Senado Federal julga autoridades do governo, dentre elas, o Presidente da República, em casos de crimes de responsabilidade (art. 51, I, 52, I e II, CF/88); e o Judiciário, através do STF, julga autoridades do Executivo, em caso de crimes comuns (art. 102, I, b, CF/88), além de elaborar seu regimento interno e realizar licitações para seus propósitos, enquanto funções atípicas. Com efeito, a atuação judicial se destaca quando inexistem políticas públicas ou quando estas são insuficientes para atender as necessidades básicas da população, isto é, quando o Executivo ou o Legislativo não cumprem suas funções. Pode-se afirmar que a omissão do Executivo ou do Legislativo pode gerar um risco ao Estado Democrático de Direito. Os magistrados, por sua vez, possuem o dever de garantir os direitos fundamentais da população. Todavia, é questionável se podem obrigar o Executivo a implementar as políticas públicas, como na área da saúde. A ingerência do Judiciário nos demais poderes, assim, deve ser discutida. Pode-se afirmar que a pedra de toque da questão é acertar o ponto de equilíbrio judicial entre ativismo e autocontenção, desafio nada fácil, porém se consolidando com isto, deste modo, o Estado Democrático de Direito brasileiro neste âmbito. Neste momento, aponta-se o que já se questionou sobre a possível interferência do Judiciário no Executivo, com relação ao primeiro obrigar o segundo a implementar políticas públicas de saúde. A controvérsia será discutida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 224

TAVARES, Op. cit.

97

684612. O recurso foi interposto pelo Município do Rio de Janeiro contra o Ministério Público estadual, que ingressou com ação civil pública para obrigar a prefeitura a tomar providências administrativas para o funcionamento do Hospital Municipal Salgado Filho, localizado na capital carioca.225 O Ministério Público do Rio de Janeiro, dentre outros pedidos, requereu que o Município fosse obrigado a realizar concurso para a contratação de 79 médicos de várias especialidades, 89 enfermeiros e 112 técnicos e auxiliares de enfermagem, seguindo critérios resultantes de estudos do Conselho Regional de Medicina (CREMERJ), o que foi acolhido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Nesse panorama, cabe realizar algumas observações. Pois bem, recorre-se ao magistério de Clarice Seixas Duarte. A autora aponta que, embora se tenha avançado no plano do reconhecimento do direito à saúde no regime jurídico do Brasil, ainda existe polêmica no que tange a esse direito. A autora questiona o limite do dever do Estado em prestar serviços de saúde. Afirma que o grande número de ações judiciais na área da saúde parece demonstrar problemas com o modo pelo qual o Executivo está lidando com as políticas públicas.226 Então, Duarte pondera que o regime jurídico geral que se aplica aos direitos sociais no Estado Social e Democrático de Direito leva ao que frisa como uma nova atitude do Estado, como a promoção de condições concretas para o gozo de tais direitos, sempre tendo em vista a concretização do princípio da igualdade material e a tutela efetiva da dignidade humana, que constituem seus verdadeiros fundamentos. A autora defende que o direito à saúde, da mesma forma que outros direitos sociais, deve ser reconhecido como um direito capaz de vincular a atuação dos Poderes Públicos, em particular quando violar a dignidade humana, em sua dimensão individual ou coletiva. Afirma, assim, que a tutela do direito à saúde, em sua dimensão individual, não pode ser negada. Porém, enfatiza que a pretensão coletiva deve ser prioritária,

225

NOTÍCIAS STF. Processo com repercussão geral discute limites em decisões judiciais sobre políticas de saúde. 21/02/2014. Disponível em: . Acesso em: 20/03/2014. 226 DUARTE, Clarice Seixas. O duplo regime jurídico do direito à saúde na CF/88: direito fundamental de caráter social e direito público subjetivo. In: PENSAR Revista de Ciências Jurídicas. V. 17. n. 2 julho / dezembro 2012. pp. 447-48.

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porque o direito só se concretiza de modo integral pela efetivação de políticas públicas, o que abrange interesses que ultrapassam a esfera do indivíduo. Lembra que se o Executivo deixar de assegurar a saúde, mesmo tendo implantado uma política pública, é natural que se ingresse no Judiciário, não por ser somente um direito público subjetivo, mas por configurar um direito social. Explica, a seguir, que a pretensão pública, sendo ineficiente para gerar resultados específicos e ferindo o mínimo existencial, justifica uma pretensão individual. Todavia, alerta que o direito à saúde é, simultaneamente, um direito social e subjetivo. De tal forma, como consequência desse regime, informa que seus titulares podem determinar aos poderes cabíveis a efetivação de políticas públicas que constituem o seu objeto; exigir judicialmente prestações de natureza individual, pelo menos ao mínimo existencial; como decorrência da afirmação anterior, se um paciente estiver com uma doença grave e o medicamento de que necessita não estiver previsto na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), ao Judiciário compete determinar que o Poder Público o forneça. Enquanto isso, Carlos Alberto de Salles aborda políticas públicas e processo, no que tange à questão da legitimidade das ações coletivas. 227 De início, afirma que as políticas públicas passaram a fazer parte da matéria-prima com a qual trabalha o Poder Judiciário, tornando-se elemento fundamental dos julgados. Explica, assim, que na seara das ações coletivas isso está em evidência, porém se encontra, igualmente, em lides na esfera judicial de modo individualizado. Lembra, em seguida, que se a presença de políticas é notável em assuntos ligados, entre outros, ao meio ambiente, às relações de consumo, à defesa do mercado enquanto espaço concorrencial ou à proteção de grupos sociais vulneráveis, pode, do mesmo modo, ser notada em ações buscando direitos individuais, como nas já mencionadas neste estudo, como o acesso a certo medicamento. O autor aponta que a discussão em seu artigo é concernente com preocupações muito importantes para a compreensão do papel do Poder Judiciário nos dias presentes. Salles, então, ressalta o processo como instrumento 227

SALLES, Carlos Alberto de. Políticas públicas e processo: a questão da legitimidade nas ações coletivas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas Públicas – reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

99

disciplinador da atividade jurisdicional do Estado, do qual, em larga escala, depende o êxito e a concretização da atuação do Poder Judiciário. O autor procura tratar da questão da legitimidade de agir em matéria de interesses difusos e coletivos, indicando a relevância das opções processuais realizadas em relação a esse assunto. Ele anota que essas opções refletem, de modo direto, a possibilidade de defesa judicial dos bens protegidos pelo processo coletivo. E conclui, por fim: Como foi visto, em razão da grande dispensão dos interesses pessoais e elevados custos envolvidos, ocorre um incentivo natural para que os agentes aguardem a iniciativa de outros interessados, o que poderá nunca ocorrer. Com isso é gerado o problema da falta de iniciativas em proteção dos interesses de natureza coletiva. Foi apontada, entretanto, a possibilidade de outros fatores como ideologia, irregularidade na distribuição das parcelas de interesse pessoal e arranjos institucionais específicos, poderem ajudar a romper a inércia quanto à sua defesa. De qualquer modo, não é possível aguardar que fatores ideológicos garantam uma efetiva e eficiente defesa de interesses difusos e coletivos em juízo. A tendência predominante, como visto, é que eles prossigam subrepresentados junto aos mecanismos judiciais do Estado, como, ademais, ocorre em outros processos sociais de decisão. Assim, há a necessidade de considerar, na apreciação da adequação de um determinado modelo de legitimidade para ações coletivas, instrumentos processuais aptos a garantir a efetividade da defesa desse tipo de interesses em juízo. É correto supor que, caso os arranjos institucionais não sejam suficientemente bem ordenados, as ações coletivas não atingiram qualquer significação prática e nenhuma dimensão social. Com efeito, as opções relativas à legitimidade para defesa de interesses difusos e coletivos devem ter por norte a maior ampliação possível do acesso à Justiça. Deve-se ter em mente que, tendo em vista a anatomia social dos interesses em questão, o problema será sempre de subrepresentação, não o de um número exacerbado de litígios judicializados. Cabe, dessa forma, ampliar ao máximo a porta de acesso desses interesses 228 à justiça e, ainda, criar mecanismos de incentivo para sua defesa judicial.

O autor, assim, aponta os problemas dos custos envolvidos no processo, bem como outros de ordem ideológica, mas frisa, especialmente, o problema dos mecanismos processuais de ações coletivas, que merecem atenção para um melhor acesso ao Poder Judiciário, de modo bem sucedido e efetivo, no sentido de que a legitimidade das ações coletivas deve ser um norte para a concretização dos direitos sociais. No caso do direito à saúde, em geral, impetra-se mandado de segurança para pleitear determinado medicamento, na dimensão individual. Na esfera social, o Ministério Público pode ingressar com ação civil pública, para a defesa dos direitos 228

SALLES, Políticas públicas e processo: a questão da legitimidade nas ações coletivas. Op. cit. p. 191.

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coletivos relativos à saúde. No entanto, o que se questiona seria o problema enfrentado por indivíduos, por cidadãos comuns, que desejam buscar assegurar um direito coletivo, por exemplo, na área da saúde, diante do Poder Judiciário. Em alguns casos, seria possível ingressar com uma ação popular, porém acredita-se que haveria situações que não seriam contempladas por essa ação. Tem-se, assim, um tema que merece reflexão e maior estudo, dada sua relevância social, lembrando que o direito individual à saúde não pode ser negado, como aponta Clarice Duarte. Nesse panorama, o mínimo existencial deve ser assegurado nos casos previstos no ordenamento jurídico, nos demais, como em situações não previstas na lista de medicamentos e tratamentos previstos no SUS, deve-se realizar a ponderação de direitos em cada caso concreto, de modo que o Judiciário fornecer medicamentos ou tratamentos médicos à população, devido à omissão do Executivo em políticas públicas já existentes não constituiria problema de ordem alguma, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal já firmado e estudado nesta pesquisa. Por outro lado, como visto, permanece em aberto a discussão do delineamento dos limites de atuação do Judiciário em relação à imposição de execução de políticas públicas na saúde ao Executivo. Enquanto isso, vale salientar no contexto as reflexões de Monica Herman Caggiano sobre o papel do Juiz nas decisões judiciais diante da Democracia e do Constitucionalismo: Em particular no que toca à figura do Juíz, nova missão é introduzida. Em razão do território alongado em que agora atua – quer em virtude da ampliação da esfera interpretativa, quer por deter a competência do controle de constitucionalidade – o Poder Judiciário assume papel diferenciado. Uma outra perspectiva, uma outra dimensão, passando, nesta sua tarefa, a envolver a responsabilidade pela interpretação constitucional e, conseqüentemente, pela aplicação concreta de critérios de interpretação legal resultantes do esforço de hermenêutica. Uma função orientadora. De uma justiça constitucional defensiva aporta, no século XXI, na configuração de uma justiça constitucional de orientação. Mister é anotar que o alargamento do campo de ação do Poder Judiciário decorreu da preocupação com o futuro democrático, o que sensibilizou juristas e políticos incentivando o desenvolvimento dos processos constitucionais e a ampliação do espectro do controle de constitucionalidade, protegendo as soberanas regras insculpidas na Constituição. Esta – nos termos da visão da doutrina do judicial review – deve ser respeitada, sob pena de desabamento de toda a teoria construída

101

por força do constitucionalismo e, conseqüentemente, irreparáveis danos 229 aos ideais e práticas democráticas. (grifos da autora)

Conclui, por fim, a autora seus pensamentos lecionando sobre a necessidade da segurança jurídica estar presente nas decisões judiciais: Extraído, pois, do direito comunitário europeu, o princípio da segurança jurídica repousa sobre a idéia do prévio conhecimento da lei e do tratamento ao qual essa será submetida na sua aplicação. Apresenta-se como macro-princípio, alojando no seu bojo outros princípios, a exemplo (a) da confiança legítima, (b) da legalidade ou (c) da qualidade da lei. Nessa visualização, portanto, o analista viria a se deparar, de um lado, com os princípios direcionados à exigência de qualidade do direito e, de outro, com os atinentes à imposição de previsibilidade do direito. É fato que os “mortos” não devem governar os “vivos”; mas disso não decorre a exigência de demolição da idéia de rigidez constitucional. A própria previsão de reforma da Constituição – quer por via revisional, quer por via de emenda – atende razoavelmente à necessidade de adaptar as Constituições à realidade fática. E mais que isto, rompida a estabilidade constitucional e o núcleo duro do postulado do Estado de Direito, qual seria a estrutura jurídica, sólida o suficiente para garantir e preservar a democracia? A fragilidade e a expansividade dos processos de interpretação constitucional já demonstraram flagrante fracasso quando do aniquilamento da democrática Constituição de Weimar, abrindo as portas para o nazismo. A segurança jurídica e a democracia ainda se 230 encontram na dependência do velho constitucionalismo. (grifos da autora)

Para encerrar esse capítulo e as reflexões em torno da judicialização da saúde e da interferência do Judiciário no Executivo quanto à implementação de políticas públicas, traz-se importante julgado do Superior Tribunal de Justiça, que reforça a ideia de que a violação ao “mínimo existencial” permite a intervenção do Judiciário, inclusive, para determinar a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político: “Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.”231

229

CAGGIANO, Monica Herman. DEMOCRACIA X CONSTITUCIONALISMO. Um navio à deriva? Cadernos de Pós-Graduação em Direito: Estudos de Documentos de Trabalho. n. 1. 2011. p. 22. 230 CAGGIANO, DEMOCRACIA X CONSTITUCIONALISMO. Um navio à deriva? Op. cit. pp. 25-26. 231 STJ, 2ª. Turma, Resp/AgR 1.136.549-RS, rel. Min. Humberto Martins, j. 8.6.2010.

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Capítulo 4 - Acesso à Medicina Tecnológica por Políticas Públicas 4.1 Ciência e Tecnologia na Constituição de 1988 O tema Ciência e Tecnologia ocupa o território constitucional com grande importância. Pinto Ferreira inaugura o tema sempre atual: O valor da ciência e da tecnologia no desenvolvimento. Tanto a ciência como a tecnologia têm um alto valor e importância para o desenvolvimento econômico dos países, como base do desenvolvimento cultural. A tecnologia tem uma atuação vigorosa tanto quanto o emprego de capital. [...] A tecnologia também é aplicada para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. Imponhe-se destarte a modernização do nosso sistema tecnológico, para ganhar competitividade no mercado internacional e diminuir o preço das mercadorias no plano interno. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será estimulado para viabilizar o desenvolvimento sócio-econômico e cultural, o bem-estar da 232 população e a autonomia tecnológica do País.

Nota-se a relevância da Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento econômico do País, num contexto em que certamente o direito à saúde se insere, com base no desenvolvimento sóciocultural. Nessa direção, o crescimento de um País está ligado a uma ideia quantitativa, como o PIB per capita. Por outro lado, o desenvolvimento, por sua vez, relaciona-se com a noção de qualidade de vida da população. Assim, podem-se apontar três tipos de desenvolvimentos essenciais para um Estado: 1) eqüitativo, 2) sustentável e 3) participativo. O primeiro prevê que toda a população deve ter oportunidades iguais. O segundo que para se desenvolver no presente não se deve limitar as capacidades do meio ambiente para as gerações futuras. O terceiro, por fim, prevê a criação

de

mecanismos

desenvolvimento.

para

a

participação

popular

no

processo

do

233

Nesse panorama, a Ciência e Tecnologia, no âmbito do direito à saúde, inserem-se na busca do desenvolvimento nas três vertentes destacadas. Os benefícios resultantes deste processo devem ser distribuídos igualmente pela população. Não devem gerar prejuízos para as gerações futuras. E a população 232

FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 5ª. edição, ampliada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 627. 233 GREMAUD, Amaury. VASCONCELLOS, Marco Antonio. JÚNIOR TONETO, Rudinei. Economia Brasileira Contemporânea. 7ª. edição. São Paulo: Atlas, 2014. pp. 58-78.

103

deve opinar na formulação de normas jurídicas e políticas públicas relativas ao assunto, materializando a noção de democracia sanitária.234 Gilberto Bercovici e José Francisco Siqueira Neto, enquanto isso, apontam acerca das características constitucionais da Ciência e Tecnologia: A Constituição de 1988 inovou em relação às constituições anteriores por reconhecer de maneira mais enfática a importância da ciência e tecnologia. Essa previsão constitucional está inserida no contexto das relações dialéticas entre Estado e ciência no século XX, que, segundo Peter Michael Huber, se tornaram simbióticas. A necessidade, expressa constitucionalmente, de uma política científica visa também garantir a expansão das forças produtivas e o acesso ao conhecimento para as 235 futuras gerações.

Os autores reconhecem que a atual Constituição Brasileira inovou nesta área com relação às anteriores, por enfatizar a relevância da Ciência e Tecnologia. Além disso, existe, segundo eles, uma necessidade prevista no texto constitucional, de uma política científica que objetive assegurar a expansão das forças produtivas, bem como o acesso ao conhecimento para as futuras gerações. Ana Flávia Messa, por sua vez, destaca cinco pontos essenciais sobre o tema:236 1) A Constituição da República de 1988 prevê duas formas de pesquisa: i) pesquisa científica com tratamento prioritário do Estado, com vistas ao bem público e progresso das ciências; ii) pesquisa tecnológica que objetiva a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional; 2) No setor de pesquisas, o Estado deve apoiar a formação de recursos humanos nos setores de ciência, pesquisa e tecnologia, e conceder aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. Desse modo, o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas; 3) A Lei apoiará e estimulará as companhias empresariais que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao país, formação e 234

Sobre democracia sanitária, cf.: AITH, Fernando. Direito à Saúde e Democracia Sanitária. In: SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. SIQUEIRA NETO, José Francisco. (Coord.). DUARTE, Clarice Seixas. MENEZES, Daniel Francisco Nagao. (Orgs.). 60 Desafios do Direito. Política, Democracia e Direito. São Paulo: Atlas, 2013. 235 BERCOVICI, Gilberto. SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito e InovaçãoTecnológica. In: SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva; SIQUEIRA NETO, José Francisco. (Orgs.) 60 Desafios do Direito. Economia, Direito e Desenvolvimento. São Paulo: Atlas, 2013. p. 24. 236 MESSA, Direito Constitucional. Op. cit. pp. 568-70.

104

aperfeiçoamento de seus recursos humanos, além de que exerçam sistemas de remuneração que garantam ao empregado, desvinculada do salário,

participação

nos

ganhos

econômicos

oriundos

da

sua

produtividade; 4) É possibilitado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de incentivo ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica; 5) Por fim, ressalta que o mercado interno integra o patrimônio nacional e deve ser incentivado de forma a possibilitar o desenvolvimento cultural e sócioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do país, com fulcro na Lei Federal. Dentre outros assuntos, aborda ainda em sua obra temas de relevo: a) a utilização de animais em atividades educacionais e de pesquisa (ficam restritas); b) a clonagem humana (proibida); c) as atividades de pesquisas com os organismos geneticamente

modificados



OGM

(v.

Comissão

Técnica

Nacional

de

Biossegurança – CTNBio – para autorização do uso comercial); d) células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos são permitidas para fins de pesquisa e terapia; e) o Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico – FNDCT (instituído pelo Decreto-lei no 719, de 1969 / restabelecido pela Lei no 8.172, de 1991 – objetiva o financimento da inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico para o desenvolvimento sócioeconômico do país). Percebe-se a partir do último item (e), elencado, o que o artigo 218, da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, determina, isto é, que se busque promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.237

237

cf. Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. Sobre o dispositivo normativo, o Supremo Tribunal Federal (STF), posiciona-se:

105

4.2 Inovação Tecnológica A Constituição da República de 1988 tratou da inovação tecnológica em seu texto, no artigo 5o, XXIX, conforme se nota: a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

Mais especificamente, por meio da Lei Federal no 11.196, de 21 de novembro de 2005, conhecida como Lei do Bem, que regula os incentivos fiscais para a inovação tecnológica, esta é lá conceituada. O artigo 17, § 1o, do diploma normativo, traz um conceito para inovação tecnológica: Considera-se inovação tecnológica a concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado.

Nota-se, através da inteligência do dispositivo legal, que se considera inovação tecnológica a concepção: 1) de um novo produto; 2) de um processo de fabricação; ou ainda, 3) a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo. Com relação à última concepção, esta se destrincha: 3.1) de modo a gerar melhorias incrementais e ganho concreto de qualidade; ou 3.2) gerar produtividade, ocasionando maior competitividade no mercado. Vale dizer que a Lei Federal no 10.973, de 2004, Lei de Inovação, alterou a Lei de Licitações, Lei Federal no 8.666/93, acrescentando ao seu artigo 24, o inciso “O termo ‘ciência’, enquanto atividade individual, faz parte do catálogo dos direitos fundamentais da pessoa humana (inciso IX do art. 5º da CF). Liberdade de expressão que se afigura como clássico direito constitucional-civil ou genuíno direito de personalidade. Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica, até como signo de vida coletiva civilizada. Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação para os misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre todo um autonomizado capítulo para prestigiá-la por modo superlativo (capítulo de nº IV do título VIII). A regra de que ‘O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas’ (art. 218, caput) é de logo complementada com o preceito (§ 1º do mesmo art. 218) que autoriza a edição de normas como a constante do art. 5º da Lei de Biossegurança. A compatibilização da liberdade de expressão científica com os deveres estatais de propulsão das ciências que sirvam à melhoria das condições de vida para todos os indivíduos. Assegurada, sempre, a dignidade da pessoa humana, a CF dota o bloco normativo posto no art. 5º da Lei 11.105/2005 do necessário fundamento para dele afastar qualquer invalidade jurídica (Ministra Cármen Lúcia)." (ADI 3.510, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 29-5-2008, Plenário, DJE de 28-5-2010.)

106

XXV, no sentido de objetivar o desenvolvimento da indústria nacional e da autonomia tecnológica do Brasil. 238 Outro aspecto que merece destaque trata-se do inciso XXXII, do artigo 24, do diploma legal, cuja previsão de dispensa de licitação estabelece que esta ocorrerá na contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde - SUS, no âmbito da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição destes produtos durante as etapas de absorção tecnológica. (Incluído pela Lei no 12.715, de 2012). Além disso, existem portarias específicas, como a Portaria no 837, de 18 de abril de 2012, do Ministério da Saúde, que define as diretrizes e os critérios para o estabelecimento

das

parcerias

para

o

desenvolvimento

produtivo,

o

considerando parcerias, nos termos do artigo 2 : aquelas realizadas entre instituições públicas e entidades privadas com vistas ao acesso a tecnologias prioritárias, à redução da vulnerabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) a longo prazo e à racionalização e redução de preços de produtos estratégicos para saúde, com o comprometimento de internalizar e desenvolver novas tecnologias estratégicas e de valor agregado elevado.

Ademais, deve ser referida a Portaria no 374, de 28 de fevereiro de 2008, que institui no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, o Programa Nacional de Fomento à Produção Pública e Inovação no Complexo Industrial da Saúde, que, conforme o artigo 1o, instituiu: o Programa Nacional de Fomento à Produção Pública e Inovação no Complexo Industrial da Saúde, que passa a integrar um conjunto de políticas adotadas para estimular a eficiência produtiva no Complexo Industrial da Saúde, constituindo uma prioridade tanto do Sistema Único de Saúde quanto da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE).

Por fim, no que tange à inovação tecnológica, as taxas de inovação no Brasil, entre 2009 e 2011, foram de: 35,7%. Enquanto isso, a taxa de inovação de processo foi de 31,7% e a taxa de inovação de produto, 18,1%. Já nas empresas segundo modalidades de uso de biotecnologia no total de empresas inovadoras que

238

o

Lei n 8.666/93: “Art. 24. É dispensável a licitação: XXV - na contratação realizada por Instituição Científica e Tecnológica - ICT ou por agência de fomento para a transferência de tecnologia e para o licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida.”

107

utilizaram esta tecnologia, entre 2009 e 2011, a taxa de inovação entre usuárias de biotecnologia foi de 65,1%.239 Ademais, noticia-se a existência dos seguintes decretos de inovação: Decretos nos 5.563, de 11 de outubro de 2005 e 5.798, de 07 de junho de 2006. Para o caso da saúde, cumpre mencionar a existência do Complexo Econômico Industrial de Bio-Manguinhos, que compreende avaliar o interesse público e tecnologia disponível, no que se refere a imunobiológicos, sendo o maior laboratório público no país e com importância para o SUS. 4.2 Financiamento de Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde Como visto anteriormente, existem incentivos estatais para o fomento da pesquisa e do desenvolvimento em Ciência e Tecnologia. Ao que já se desenvolveu, cita-se inicialmente o principal diploma normativo sobre o tema, a Lei n o 11.196, de 21 de novembro de 2005, conhecida como Lei do Bem, que regula os incentivos fiscais para a inovação tecnológica, sendo que, no seu artigo 17, encontram-se os benefícios de que as pessoas jurídicas podem usufruir, como o disposto no inciso II: redução de 50% (cinqüenta por cento) do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI incidente sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos, bem como os acessórios sobressalentes e ferramentas que acompanhem esses bens, destinados à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico

Isso

certamente

deve

abranger

a

área

da

saúde,

estimulando

o

desenvolvimento nacional. Da mesma forma, acrescenta-se o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) trata-se de instituição financeira do governo, com o objetivo de conceder créditos de longo prazo para investimentos. Mira, assim, o estímulo da indústria nacional, para promover o desenvolvimento equilibrado de vários setores da economia. Dentre uma de suas principais fontes de recursos, destaca-se o fundo especial da Financiadora de Estudos e Projetos – Finep.240

239

cf. Pesquisa de Inovação (PINTEC) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Financieadora de Estudos e Projetos (Finep). Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). 2011. 240 GREMAUD, Amaury. VASCONCELLOS, Marco Antonio. JÚNIOR TONETO, Rudinei. Economia Brasileira Contemporânea. 7ª. edição. São Paulo: Atlas, 2014.

108

A Finep se trata de uma empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Seu estatuto foi aprovado pelo Decreto 1.808 de 7 de fevereiro de 1996, alterado pelo Decreto nº 2.209, de 18 de abril de 1997 e pelo Decreto nº 2.471, de 26 de janeiro de 1998, pelo Decreto n° 3.987, de 29 de outubro de 2001,e pelo Decreto nº 7.322, de 30/09/2010. Logo em seu artigo 3º, está disposto: A FINEP tem por finalidade apoiar estudos, projetos e programas de interesse para o desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico do País, tendo em vista as metas e prioridades setoriais estabelecidas nos planos do Governo Federal.

No artigo 4º, encontram-se as medidas que a Finep pode se utilizar para atingir sua finalidade, dentre as quais, ressalta-se: I - conceder a pessoas jurídicas financiamento sob a forma de mútuo, de abertura de créditos, ou, ainda, de participação no capital respectivo [...]

Em sua Política Operacional / 2012 – 2014, prevê, dentre outros: III.1.1.2 Inovação contínua: Apoio a empresas que desejam implementar atividades de P&D [Pesquisa & Desenvolvimento] e/ou programas de investimento contínuo em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, por meio da implantação de centros de P&D próprios ou da contratação junto a outros centros de pesquisa nacionais. O objeto dessa linha de ação é o fortalecimento das atividades de P&D compreendidas na estratégia empresarial de médio e longo prazos. III.1.1.3 Inovação e competitividade: Destinado ao apoio a projetos de desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento de produtos, processos e serviços, aquisição e/ou absorção de tecnologias, de modo a consolidar a cultura do investimento em inovação como fator 241 relevante nas estratégias competitivas empresariais.

Depreende-se da leitura, realmente o apoio conferido pela Finep às pessoas jurídicas que desejem investir em Pesquisa e Desenvolvimento, nas áreas de Ciência e Tecnologia, inclusive, no setor da saúde. Com relação ao financimento do Finep na área da saúde, destaca-se o Fundo Setorial competente (CT – Saúde): O objetivo do Fundo é a capacitação tecnológica nas áreas de interesse do SUS (saúde pública, fármacos, biotecnologia, etc.), o estímulo ao aumento dos investimentos privados em P&D na área e à atualização tecnológica da indústria brasileira de equipamentos médico-hospitalares e a difusão de novas tecnologias que ampliem o acesso da população aos bens e serviços na área de saúde.

241

BRASIL. Política Operacional / 2012 – 2014. Financiadora de Estudos e Projetos - Finep.

109

Fonte de Financiamento: 17,5% da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE, cuja arrecadação advém da incidência de alíquota de 10% sobre a remessa de recursos ao exterior para pagamento de assistência técnica, royalties, serviços técnicos especializados ou 242 profissionais instituída pela Lei nº 10.168, de 29/12/2000.

Finalmente, nota-se a transparência pública da Finep, ao disponibilizar em seu sítio: relatórios, processos de contas anuais, contas públicas, informações financeiras, gastos com viagens, relatório de viagens e projetos contratados pela Finep. Pode-se igualmente citar como fontes de financimento de Pesquisa e Desenvolvimento,

nas

áreas

de

Ciência

e

Tecnologia,

os

Bancos

de

Desenvolvimento, que se ligam ao conjunto de bancos estaduais especializados em conceder créditos de médio e longo prazo para empresas situadas nos Estados respectivos.243 Não menos importante, vale mencionar as Sociedades de Crédito ao Microempreendedor, instituídas pela Lei no 10.194, de 14 de fevereiro de 2001, sendo entidades que objetivam conceder financimentos e prestação de garantias a pessoas físicas, assim como a jurídicas, classificadas como microempresas, com o intuito de viabilizar empreendimentos, por exemplo, profissional, comercial ou industrial de pequeno porte.244 Importa salientar que se fazem de suma relevância, haja vista a nova modalidade de negócios crescente no mercado, que se tratam das Start-Ups245. Além disso, existe o Programa da Empresa Brasileira para Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) que firma uma parceria entre o Governo, a Indústria e as Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs), possibilitando o fomento de atividades para as empresas na área de inovação.

242

FINEP. Fundo Setorial no Setor da Saúde (CT – Saúde). Disponínel em: . Acesso em: 16/03/2014. 243 GREMAUD, Amaury. VASCONCELLOS, Marco Antonio. JÚNIOR TONETO, Rudinei. Economia Brasileira Contemporânea. 7ª. edição. São Paulo: Atlas, 2014. 244 Ibid. 245 Start-Ups são empresas criadas em um ambiente de incertezas, sem capital de risco, o que torna difícil inciar um modelo de negócios. Após conseguido o capital inicial, precisa impulsionar o seu crescimento de modo sustentável, reinventando-se para se manter funcionando. Geralmente, são criadas na internet, devido ao baixo custo. Apesar disso, um grupo de pesquisadores com uma patente inovadora pode criar uma startup - desde que esta comprove um negócio sustentável. cf. MOREIRA, Daniela. O que é uma StartUp? Revista Exame. 20/10/2010. Disponível em: . Acesso em: 16/03/2014.

110

Aborda-se brevemente o setor privado, isto é, os bancos comerciais, que, com relação ao financiamento de projetos, o volume de recursos de projetos alcançou R$ 58,9 bilhões, em 2013; e movimentou R$ 28,2 bilhões, em 2011.246 Finalmente, conclui-se mencionando a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), dentre outras agências de fomento à pesquisa, que concendem bolsas de estudos a pesquisadores, para que possam desenvolver seus trabalhos acadêmicos e contribuir para a construção do conhecimento que pode ser aplicado, por exemplo, na Ciência e Tecnologia na área da Saúde. Trata-se, assim, de uma importante forma de capacitação dos recursos humanos e produção de conhecimento para o desenvolvimento nacional. 4.4 Novas Tecnologias e a Inovação na Saúde Brasileira Segundo Amanda Silva Madureira e Marcos Wachowicz, o Brasil construiu um significativo parque de pesquisa, a partir da década de 1950. A horizontalidade e a pouca seletividade, ou seja, somente os bens primários eram produzidos no país, são algumas características que podem ser extraídas deste modelo.247 Os autores lembram que o artigo 200 da Constituição Brasileira prescreve, dentre as competências do SUS, o desenvolvimento científico e tecnológico em sua área de atuação.248 Em seguida, apontam que a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde – PNCTIS faz parte da Política Nacional de Saúde. Indicam que a principal meta para a área da saúde é contribuir para que o desenvolvimento nacional ocorra de modo sustentável, com o suporte na produção de conhecimentos técnicos e científicos adequados às necessidades econômicas, culturais e políticas

246

cf. AMBIMA – Associação Brasileira das Entidades de Mercado Financeiro e de Capitais. Disponível em: . Acesso em: 16/03/2014. 247 MADUREIRA, Amanda Silva; WACHOWICZ, Marcos. A Inovação no Direito à Saúde no Brasil e a Revolução da Tecnologia da Informação. In: RAMOS, Paulo Roberto Barbosa; RAMOS, Edith Maria Barbosa; FREIRE, Alexandre Reis Siqueira (Orgs.) O Direito no Século XXI. Estudos em Homenagem ao Ministro Edson Vidigal. Florianópolis: Obra Jurídica, 2008. p. 77. 248 Ibid. p. 77.

111

do país, o que evidencia a terceira dimensão do direito à saúde, já abordada nesta pesquisa, qual seja: a desenvolvimentista.249 Além disso, refletem que o Ministério da Saúde, depois da 1ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde, instituiu a Secretaria de Ciência e Tecnologia em Saúde na esfera do Ministério. Compete a esta Secretaria apoiar parcerias, através da cooperação técnica, que contribuam para o aprimoramento do nível de saúde da população, fomentar pesquisas que abranjam o desenvolvimento de novas tecnologias na descoberta de métodos de cura para doenças e tratamentos e coordenar as ações do complexo produtivo em matéria de saúde. 250 Os autores afirmam que o complexo produtivo de saúde abrange as indústrias químicas, farmacêuticas e de biotecnologia; as indústrias mecânicas, eletrônicas e de materiais e as organizações de prestação de serviços. 251 Porém, consoante suas palavras, o complexo produtivo em saúde apresenta dificuldades na medida em que há uma desarticulação entre o SUS e o sistema de inovações, bem como a ausência de uma política clara na transferência do conhecimento científico para o produtivo.252 Aliado a isso, inclui-se, segundo os autores, o processo oneroso e demorado de obtenção de patentes e o reduzido valor social da propriedade intelectual, que se torna desfavorecido pelo alto preço dos produtos patenteados e pela baixa renda do povo.253 Nesse panorama, os autores trazem as principais estratégias para o fortalecimento da inclusão e desenvolvimento das novas tecnologias em saúde: a) sustentação e fortalecimento do esforço nacional em ciência, tecnologia e inovação em saúde; b) criação do sistema nacional de inovação em saúde; c) construção da agenda nacional de prioridades de pesquisa em saúde; d) criação de mecanismos para superação das desigualdades regionais; e) aprimoramento da capacidade regulatória do Estado e criação de rede nacional de avaliação tecnológica; f) difusão dos avanços científicos e tecnológicos; g) formação, capacitação e absorção de recursos humanos no sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação em saúde, incentivando a produção científica e tecnológica em todas as regiões do País, considerando as características e as questões culturais regionais; 254 h) participação e fortalecimento do controle social. 249

Ibid. p. 77. Ibid. p. 77. 251 Ibid. p. 78. 252 Ibid. p. 78. 253 MADUREIRA, Amanda Silva; WACHOWICZ, Marcos. A Inovação no Direito à Saúde no Brasil e a Revolução da Tecnologia da Informação. Op. cit. p. 78. 254 BRASIL. Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2008. p. 21. 250

112

Para os autores, o desafio da saúde pública, no século XXI, é promover, aos poucos, o acesso a novos tratamentos seguros, com fundamento em pesquisa clínica comprovada. Além disso, outro ponto de mesma relevância é a redução da carga tributária para a produção de softwares que auxiliem no diagnóstico de doenças.255 Com efeito, conforme dispõem, a celeridade com que este progresso tecnológico vem se inserindo na sociedade é significativa. Todavia, essa inserção não acontece de modo linear. É possível afimar, segundo os autores, que nem todos os segmentos da sociedade sofreram o impacto da nova Sociedade da Informação.256 Ponderam, a seguir, que as indagações sobre o impacto da Revolução da Tecnologia da Informação na sociedade e, fundamentalmente, quanto ao direito à saúde são muitas. Apontam que as principais convergem para os reflexos da exclusão de significativa parte do povo frente aos efeitos da Sociedade Informacional, sobretudo daqueles que não têm acesso a essa tecnologia e as informações que dela decorrem.257 Esclarecem que todas essas inovações científicas implicam não somente posicionamentos na esfera da ética e da filosofia, como também atingem o panorama jurídico, no sentido de objetivar uma intervenção legal e positiva do Estado, com o mote de regular o sistema de saúde para a promoção e inovação da tecnologia em saúde comprometida com a inclusão tecnológica da população. 258 Concluem, assim, refletindo que os direitos em pauta correspondem à institucionalização do Estado social, direitos, que, para os autores, não possuem caracterização teórica adequadamente definida. Todavia, apontam a necessidade do fortalecimento institucional do Estado através da criação do sistema nacional de inovação em saúde.259

255

Ibid. p. 78. Ibid. p. 78. 257 Ibid. p. 79. 258 MADUREIRA, Amanda Silva; WACHOWICZ, Marcos. A Inovação no Direito à Saúde no Brasil e a Revolução da Tecnologia da Informação. Op. cit. p. 79. 259 Ibid. p. 79. 256

113

4.5 Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde Com relação à Proposta do Ministério da Saúde para uma Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (PNCT&I/S)260, desenvolvida em 2002, consoante as recomendações da 1ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde, trata-se de parte integrante da Política Nacional de Saúde, formulada no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O artigo 200, inciso V, da Constituição Brasileira assinala as competências do SUS e entre elas inclui o incremento do desenvolvimento científico e tecnológico em sua área de atuação. A maior meta da PNCT&I/S, do mesmo modo que da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (PNCT&I), é contribuir para que o desenvolvimento nacional ocorra de forma sustentável, e com apoio na produção de conhecimentos técnicos e científicos adequados às necessidades econômicas, sociais, culturais e políticas do Brasil. No que tange à infraestrutura de pesquisa, a escassez de recursos para investimento tem sido um obstáculo. Há insuficiência de instalações para P&D em áreas básicas, além da precariedade em que se encontram os hospitais universitários. As precárias condições de vários hospitais de ensino contribuem, deste modo, para ampliar a defasagem entre o tempo e a velocidade de produção de novos conhecimentos e sua apropriação e transformação em procedimentos, diagnósticos, prognósticos e terapêuticos para benefício do povo. Uma das principais metas da PNCT&I/S é justamente superar os obstáculos de coordenação, extraindo das duas tradições – a capacidade de induzir, por parte do Ministério da Saúde, e a capacidade de mobilização da comunidade científica, por parte do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) – o que têm de melhor. Além disso, a PNCT&I/S deve orientar-se pelo “compromisso ético e social de melhoria – a curto, médio e longo prazos – das condições de saúde da população brasileira, considerando particularmente as diferenciações regionais, buscando a eqüidade” (1.ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde, 1994). Dessarte, são três os seus princípios básicos: I - A busca da eqüidade em saúde;

260

cf. BRASIL. Proposta de Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (PNCT&I/S). Ministério da Saúde. 2002.

114

II - O respeito à vida e à dignidade das pessoas; e III - A pluralidade metodológica. Igualmente, vale salientar as estratégias da PNCT&I/S: (1) a sustentação e o fortalecimento do esforço nacional em ciência, tecnologia e inovação; (2) a criação do sistema nacional de inovação em saúde; (3) a construção da agenda de prioridades para pesquisa e desenvolvimento tecnológico em saúde; (4) a superação das desigualdades regionais; (5) o aprimoramento da capacidade regulatória do Estado; (6) a difusão dos avanços científicos e tecnológicos; e (7) a formação e capacitação de recursos humanos. 4.6 Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde Em complemento à Política anterior, a Portaria no 2.690, de 05 de novembro de 2009, institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde. A Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde foi elaborada levando em consideração oito aspectos fundantes: 1) os objetivos e atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS), de incrementar o desenvolvimento científico e tecnológico conforme o art. 6º, inciso X, da Lei nº 8.080, de 19 setembro de 1990, e em consonância com o disposto no art. 200, inciso V, da Constituição; 2) a estratégia de aprimoramento da capacidade regulatória do Estado contida na Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde; 3) a relevância pública de normatizar a dinâmica do processo de avaliação, incorporação e gestão de tecnologias no Sistema Único de Saúde, de forma a compatibilizá-la com o perfil epidemiológico, as necessidades sociais em saúde da população e os princípios normativos que regulam o sistema de saúde brasileiro; 4) o disposto na Portaria nº 2.510/GM, de 19 de dezembro de 2005, que institui a Comissão para Elaboração de Proposta de Política de Gestão Tecnológica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (CPGT), e o produto por ela elaborado; 5) as contribuições da sociedade brasileira à proposta de Política Nacional de Gestão de Tecnologias de Saúde, incluídas a partir de consulta pública divulgada por meio da Portaria nº 2.480/GM, de 13 de outubro de 2006;

115

6) a Portaria nº 2.587/GM, de 30 de outubro de 2008, que dispõe sobre a Comissão de Incorporação de Tecnologias no âmbito do Sistema Único de Saúde e vincula sua gestão à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos; 7) as contribuições advindas do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS); e 8) a decisão da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), em reunião ordinária de 24 de setembro de 2009. Destarte, a Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde é instituída logo em seu artigo 1º. Relevante mencionar que a Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde será implantada de forma gradativa e articulada nas três esferas de gestão do SUS, nos termos do artigo 1º, § 1º. Com efeito, as políticas públicas, inclusive, as tecnológicas na área da saúde, devem funcionar de forma articulada e coordenada nas três esferas federativas, sendo implantadas de modo gradativo. No Sistema Único de Saúde, a Política Nacional de Gestão de Tecnologias de Saúde será implementada à luz dos princípios de universalidade, equidade e integralidade, conforme preceitua o artigo 1º, § 2º. Percebe-se neste ponto um reforço ao que a Lei no 8.080/90, já prescreve em seu texto. O conceito de gestão de tecnologias em saúde, para fins desta Política, é trazido pela inteligência do artigo 2º, como o conjunto de atividades gestoras relacionadas com os processos de avaliação, incorporação, difusão, gerenciamento da utilização e retirada de tecnologias do sistema de saúde. Além disso, consoante o artigo 3º, é objetivo geral da Política Nacional de Gestão de Tecnologias de Saúde maximizar os benefícios de saúde a serem obtidos com os recursos disponíveis, assegurando o acesso da população a tecnologias efetivas e seguras, em condições de equidade, o que evidencia a aplicação do princípio constitucional da eficiência.261 261

Objetivos da Política Nacional de Gestão de Tecnologias de Saúde, artigo 3º: “I - orientar os processos de incorporação de tecnologias nos sistemas e serviços de saúde; II - nortear a institucionalização dos processos de avaliação e de incorporação de tecnologias baseados na análise das consequências e dos custos para o sistema de saúde e para a população; III - promover o uso do conhecimento técnico-científico atualizado no processo de gestão de tecnologias em saúde; IV sensibilizar os profissionais de saúde e a sociedade em geral para a importância das consequências econômicas e sociais do uso inapropriado de tecnologias nos sistemas e serviços de saúde; e V fortalecer o uso de critérios e processos de priorização da incorporação de tecnologias, considerando aspectos de efetividade, necessidade, segurança, eficiência e equidade.”

116

Enquanto isso, o artigo 4º, por sua vez, elenca os princípios que regem as ações firmadas na Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde.262 As diretrizes da Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde estão dispostas no artigo 5º.263 Outras importantes considerações sobre a Política em tela encontram-se no artigo 8º, que estabelece que os Municípios, os Estados e o Distrito Federal podem complementar

o

objeto

desta

Portaria

para

atender

às necessidades e

peculiaridades locais e regionais, o que é de suma relevância dadas as particularidades de cada região e local, bem como sendo uma forma de descentralização política, para uma melhor gestão pública. Com efeito, competem aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal o monitoramento e a avaliação das ações advindas das diretrizes dessa Política, no seu âmbito de atuação e gestão, consoante o artigo 8º, § 1º. Além disso, as medidas para estruturação da Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde, no âmbito dos Estados e Municípios, serão subsidiadas pelo Grupo de Trabalho de Ciência e Tecnologia da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), com fulcro no mesmo dispositivo, § 2º. Finalmente, cabe à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) a adoção das medidas necessárias à estruturação da Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde, conforme o artigo 9º da Portaria. 262

Princípios que regem as ações firmadas na Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde, artigo 4º.: “I - a gestão de tecnologias deve utilizar as evidências científicas e considerar os atributos de segurança, eficácia, efetividade, eficiência e impactos econômicos, éticos, sociais e ambientais da tecnologia em questão; II - a produção e a difusão de informações relativas à avaliação de tecnologias deverão levar em conta o tipo da análise, o público-alvo, a linguagem adequada, o tempo disponível e a transparência, além de explicitar os eventuais conflitos de interesse; III - os processos de avaliação promovidos e as decisões de incorporação tomadas pelos gestores de saúde devem ocorrer de modo crítico, permanente e independente; IV - o processo de incorporação de tecnologias no sistema deve envolver diferentes atores da sociedade, adotar o Princípio da Precaução e considerar a universalidade do acesso, a equidade, e a sustentabilidade das tecnologias; V - o conhecimento sobre as tecnologias efetivas e seguras na atenção à saúde deverá ser disseminado de forma transparente e contínua aos profissionais de saúde e à população; VI - a ética em pesquisa envolvendo seres humanos será considerada para comprovação de boas práticas no processo de avaliação de tecnologias. Os aspectos bioéticos envolvidos na garantia da equidade e da aplicação de recursos públicos serão analisados para incorporação tecnológica no sistema de saúde; e VII - os processos de incorporação de tecnologias no sistema de saúde deverão incluir atores representativos da sociedade.” 263 Diretrizes da Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde, artigo 5º.: “I - utilização de evidências científicas para subsidiar a gestão por meio da avaliação de tecnologias em saúde; II aprimoramento do processo de incorporação de tecnologias; III - racionalização da utilização de tecnologias; IV - apoio ao fortalecimento do ensino e pesquisa em gestão de tecnologias em saúde; V - sistematização e disseminação de informações; VI - fortalecimento das estruturas governamentais; e VII - articulação político-institucional e interssetorial.”

117

Nessa Política, encontram-se priorizadas as ações diretamente conectadas ao processo de incorporação e uso das tecnologias no sistema de saúde, consoante o conceito escolhido no presente documento para gestão de tecnologias em saúde.264 O uso de evidências científicas para subsidiar a gestão: através da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS. A meta é subsidiar as instâncias decisórias quanto à incorporação e monitoramento da utilização de tecnologias no sistema de saúde, além de orientar os profissionais de saúde e usuários em relação à segurança, aos benefícios e aos custos. Além disso, as ações nessa área são essenciais para auxiliar o processo de decisão quanto à incorporação de novas tecnologias e avaliação das existentes. São fundamentais, igualmente, no monitoramento do uso e da ampla difusão da tecnologia nos serviços, examinando o processo de obsolescência e a necessidade de abandono do uso e do financiamento no sistema de saúde. A avaliação, deste modo, pode ser realizada em diferentes fases do ciclo de vida das tecnologias, desde o estágio inicial de difusão até a obsolescência e abandono. Para implementar a ATS no sistema de saúde, serão necessárias determinadas

ações, conforme estabelecido na Política Nacional de Gestão de

Tecnologias em Saúde.265 264

BRASIL. Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde. Ministério da Saúde Brasília. 2010. 265

BRASIL. Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde. Ministério da Saúde Brasília. 2010. “ • Elaboração de diretrizes metodológicas para estudo de avaliação de tecnologias, considerando as suas especificidades e seu estágio de desenvolvimento. • Levantamento das avaliações de tecnologias já elaboradas ou atualmente em curso no sistema de saúde, evitando duplicidade de esforços. • Estabelecimento de fluxos, de procedimentos e criação de competências institucionais para solicitação e priorização de demanda, para análise dos produtos obtidos e para divulgação de estudos em ATS. • Definição de critérios de priorização de estudos, mantendo o foco em tecnologias já registradas na Anvisa e com demanda por incorporação no sistema de saúde. • Definição de metodologia para identificação e seleção de tecnologias emergentes e relevantes para o SUS e Saúde Suplementar. • Definição de indicadores para monitoramento pós-incorporação em parceria com os atores envolvidos. • Articulação com as ações da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde e com a implementação da Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde. • Incentivo à formação de Rede de Centros colaboradores para a realização de estudos, promovendo articulação entre os diferentes perfis institucionais e setoriais. • Promoção da institucionalização da ATS nos órgãos gestores do SUS e na Saúde Suplementar. • Incentivo à estruturação da ATS nas instituições de ensino e pesquisa.

118

Nota-se, por fim, que o estudo realizado no capítulo anterior, ao tratar da interferência do Judiciário na determinação de políticas públicas na esfera do Executivo, pode-se inferir que no caso das políticas públicas relacionadas à ciência e tecnologia na saúde, inclusive, o entendimento trazido também se aplica a este caso. Ainda no capítulo anteiror, ao final, sobre a formulação de diretrizes para um método para análise e construção de políticas públicas, trazido por Maria Paula Dallari Bucci, aplica-se neste caso, como exemplo na utilização de evidências científicas na avaliação de tecnologias da saúde em que o método indutivo se aplica na avaliação das experiências para a formulação de políticas públicas. 4.7 Lei Federal no 12.401, de 2011: assistência terapêutica e incorporação de tecnologia de saúde no SUS Por fim, refira-se a Lei Federal no 12.401, de 2011 que dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia de saúde no SUS. Esta lei disciplina a dispensação de medicamento nos casos de falta de protocolo clínico: “Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada: I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite; II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite; III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde.”

Ademais, refere o procedimento da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, sobre o que levar em consideração para a adoção ou não de tecnologia: • Estabelecimento de cooperação com agências de avaliação internacionais, visando o intercâmbio de informações e a capacitação de recursos humanos. • Criação de comissões estaduais e municipais de avaliação de tecnologias em saúde para assessorar o gestor quanto às questões relativas à ATS, inclusive na definição de prioridades de estudos.”

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“Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. o

§ 1 A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina. o

§ 2 O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente: I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso; II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.”

Entende-se a partir de estudo a noção abrangente de tecnologia em saúde: os medicamentos, produtos e procedimentos por meio dos quais a atenção e os cuidados com a saúde devem ser prestados à população, tais como vacinas, produtos para diagnóstico de uso in vitro, equipamentos, procedimentos técnicos, sistemas organizacionais, informacionais, educacionais e de suporte, programas e protocolos assistenciais.266

Da comissão do Conitec são partes integrantes: da sociedade, dos médicos, dos gestores estaduais e municipais – o que permite a participação e o controle social, evidenciando a democracia sanitária, no que se refere à incorporação de tecnologias no SUS. Isso possibilitou uma melhor gestão da saúde, conforme recente estudo da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).267

Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Ávila Teixeira Vidal, Eliete Maia Gonçalves Simabuku, Helaine Carneiro, Capucho, Juliana Reis Vidal, Livia Costa Da Silveira, Priscila Gebrim Louly, Roberta Buarque Rabelo e Vania Cristina Canuto Santos. Institucionalização da Gestão e Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde. ENAP. Brasília. 2011. Artigo premiado no 18º Concurso de Inovação na Gestão Pública Federal da ENAP. 267 Ibid. 266

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Conclusão Acredita-se, assim, necessário tecer alguns pensamentos, para que as políticas públicas de saúde tenham um melhor planejamento e desenvolvimento, com o papel do Poder Judiciário no contexto. Com isso, acredita-se que: (1) deve-se valorizar a soberania popular (diversificar a opinião pública no planejamento), por instrumentos de democracia participativa, como por Conselhos Municipais e na gestão das políticas públicas e conciliá-la com a democracia representativa; (2) respeitar os limites constitucionais, para não gerar riscos e insegurança jurídica para a sociedade; (3) existir uma maior vontade política, através de uma oposição atuante com responsabilidade, para defender os interesses das minorias, bem como fiscalizar os governantes, com alternância no poder; (4) fortalecer os instrumentos de controle das políticas públicas, para coibir influências pessoais e eleitorais dos representantes, bem como desvios, onde se destaca a atuação, entre outros, do Poder Judiciário, do Ministério Público e da própria população. (5) buscar independência e harmonia entre os poderes constitucionais, procurando-se atingir o equilíbrio judicial entre o ativismo e a autocontenção, com vistas a consolidar o Estado Democrático de Direito brasileiro neste âmbito; (6) perseguir uma maior vontade política e um engajamento popular, para melhoria da atuação estatal; (7) procurar implementar a institucionalização política de técnicas jurídicas, com o emprego de métodos interdisciplinares na formulação e implementação de políticas públicas;268 (8) preocupar-se com as necessidades básicas no campo da saúde; e (9) buscar institucionalizar as políticas públicas de Ciência, Tecnologia e Inovação na área da Saúde.

268

Este último item, número 8, isto é, a institucionalização política de técnicas jurídicas, é um pensamento de Maria Paula Dallari Bucci, discutido durante a disciplina de Cidadania e Estado no programa de Mestrado em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, durante o primeiro semestre de 2013.

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Desse modo, verifica-se que, no Estado Democrático de Direito, deve-se considerar a cidadania não só como um direito assegurado constitucionalmente, mas como um valor fundamental em todas as suas dimensões, de modo que, para tanto, as políticas públicas enquanto instrumentos de efetivação da cidadania devem ser implementadas pelos governantes, em todos os seus aspectos: sociais, políticos e econômicos – inclusive e especialmente, na área da saúde, inclusive tecnológica, como nos casos estudados relativos ao fornecimento de medicamentos à população, em uma esfera social e prioritária, sem, todavia, excluir o acesso ao Poder Judiciário, para a requisição de medicamentos e tratamentos médicos, que assume uma esfera individual, porém no contexto se procurando privilegiar a implantação de políticas públicas, uma vez que se estaria atuando em prol da coletividade.

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