DIREITO AO SANEAMENTO BÁSICO: FUNDAMENTOS INTERNACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Share Embed


Descrição do Produto

DIREITO AO SANEAMENTO BÁSICO: FUNDAMENTOS INTERNACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Cristiane Jaccoud1 Isabella Franco Guerra Publicação Original: JACCOUD, C. V e GUERRA, I. F. “Direito ao saneamento básico: fundamentos internacionais e seus reflexos na legislação brasileira.”. In: SEGUIN, Elida e PURVIN de FIGUEIREDO, Guilherme J. (org). Direitos Sociais: estudos luz da Constituição de 88. Curitiba: Letra da Lei, 2010, p. 81-95. ISBN 978-85-61651-07-7

1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS A sobrevivência do ser humano está intrinsecamente ligada à sua dependência em relação à água, contudo, a ideia de inesgotabilidade deste recurso natural postergou políticas de gerenciamento. A ampliação da disponibilidade de acesso aos serviços de saneamento básico gênero que contempla abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e águas pluviais urbanas - não acompanhou os processos de crescimento econômico, industrialização, explosão demográfica, crise ecológica e urbanização, o que trouxe drásticas consequências à saúde e comprometem o direito à uma vida digna. Não obstante a importância de todas as espécies de serviços que integram o termo “saneamento básico”, nesta reflexão enfatizar-se-á aspectos relacionados ao acesso/abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, tendo em vista a relação direta com a disseminação de doenças e índices de mortalidade. As principais doenças relacionadas à água contaminada e à falta de rede de esgoto são amebíase, ancilostomíase (amarelão), ascaridíase (lombriga), cisticercose, dengue, diarréias, disenterias, esquistossomose, febre amarela, febre paratifóide, febre tifóide, filariose (elefantíase), giardíase, hepatite infecciosa, hepatite a, infecções, leptospirose, malária, poliomielite, teníase, tricuríase. O índice de mortalidade chega a mais de dois milhões por ano, sendo o consumo de água contaminada a maior causa de morte de crianças no mundo, superando as baixas de qualquer conflito armado ou terrorista. Tais constatações reportam a uma situação de emergência mundial. 2 O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2006, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD), trabalhou especificamente com o tema “Além da escassez: poder, pobreza e a crise mundial da água” e revelou que atualmente a falta

Advogada militante na área ambiental (CJ ADVOCACIA AMBIENTAL)Engenheira Florestal (UFES), Doutora em Planejamento Ambiental (COPPE/PPE/UFRJ), Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), Especialista em Direito Ambiental pela PUC-Rio., Coordenadora Regional (RJ) da APRODAB, Professora de Direito Ambiental na EMERJ, IBMEC e ESA-OAB/RJ, Autora de diversos artigos sobre temas de Direito Ambiental em livros e periódicos nacionais e internacionais 1

2

Cf. dados disponíveis em http://www.saude.gov.br. Acesso em 07 ago 2008. Página 1 de 13

de acesso à água potável atinge cerca de 1,1 bilhão de pessoas nos países em desenvolvimento. Nesses mesmos países, a falta de acesso aos serviços de coleta e tratamento de esgoto atinge cerca de 2,6 bilhões de pessoas, o que corresponde a quase metade da população. 3 Por outro lado, a relação entre falta de acesso à água, saneamento e pobreza é intrínseca Das 1,1 bilhão de pessoas sem acesso à água potável, duas em cada três vivem com menos de dois dólares por dia. Já em relação aos habitantes de domicílio sem coleta de esgoto, dois em cada cinco vivem com menos de dois dólares diários.. Ao tempo em que o limite mínimo recomendado para satisfação das necessidades básicas de cada pessoa é cerca de 20 litros diários e a quantidade média diária utilizada nos países ricos é de 200 litros na Europa e 400 litros nos Estados Unidos, populações mais carentes de países em desenvolvimento utilizam cerca de 5 litros diários de água. 4 Vê-se claramente que os mais pobres são drasticamente afetados pela falta de acesso ao serviço público de saneamento e ao consumo de água com qualidade adequada. Todavia, embora se possa afirmar que a crise de acesso à água e ao saneamento seja uma crise que afeta diretamente populações menos favorecidas, seus reflexos passam a ser um problema de saúde pública, vez que atingem a todos. De fato, não há como ignorar o caráter multissetorial do acesso quantitativo e qualitativo aos recursos hídricos e do esgotamento sanitário no contexto do desenvolvimento socioeconômico, de forma que o fato passa a ser considerada “um eufemismo delicado para uma forma de privação que ameaça a vida, destrói oportunidades e diminui a dignidade da pessoa humana”.5 Assegurar que cada pessoa tenha acesso a um mínimo diário de água potável e saneamento adequado, demanda uma mudança de visão e tratamento jurídico-político-institucional responsável em relação a esse recurso natural. Nesse sentido, urge a necessidade de iniciativas e comprometimento de todos os níveis. O reconhecimento do acesso a água e esgotamento sanitário como direitos fundamentais, embora incipiente, vem acontecendo no plano internacional. Já no âmbito interno, tem-se procurado traçar políticas públicas que englobem e efetivem os princípios estabelecidos nos documentos internacionais. Todavia, tem-se verificado inúmeros entraves à implementação.

2. O CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE DIREITOS HUMANOS E O RECONHECIMENTO DO ACESSO AO SANEAMENTO BÁSICO COMO DIREITO FUNDAMENTAL Os direitos humanos podem ser definidos como “o conjunto de princípios e normas fundamentadas no reconhecimento da dignidade inerente a todos seres humanos e que visam assegurar o seu respeito universal e efetivo”.6

Cf. RDH (2006). P. 05. Disponível em: http://www.pnud.org.br/arquivos/rdh/rdh2006/rdh2006_25pontos.pdf. Acesso em 30. jun. 2008. 4 Ib idem. 5 Ib idem. Para corroborar o mencionado, os jornalistas Carlos Albuquerque e Mariá Menezes, em matéria intitulada “Ambientalmente Incorreto”, publicada no Jornal “O Globo” em 05.06.2008, chamam a atenção para as conseqüências da falta de saneamento básico no Estado do Piauí, onde, de acordo com o IBGE, a cobertura de esgotos atinge apenas 13% da população no interior e 18% na capital. Paralelamente, os índices negativos de saúde acompanham o quadro: a proporção de internados com problemas relacionados à falta de saneamento é de 963 pessoas para cada 100 mil habitantes e a diarréia é a doença mais comum entre as crianças. (Cf. ALBUQUERQUE, Carlos e MENEZES, Mariá. “Ambientalmente Incorreto”. Jornal “O Globo”. Rio de Janeiro. 06.05.2008. p. 37) 6 ARNAUD, André-Jean. Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito. p..271/ 272. 3

Página 2 de 13

Segundo João Baptista Herkenhoff, tecer considerações sobre o assunto, muito bem salienta: Os direitos humanos são direitos fundamentais que o homem possui pela própria natureza humana e pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam da concessão de uma sociedade política, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir como um mínimo para a existência do ser humano perante a sociedade, o Estado e seus pares. 7 A verdadeira consolidação dos Direitos Humanos no plano internacional surge em meados do século XX, em decorrência da 2ª guerra mundial. Flavia Piovesan, citando Thomas Buergenthal, aduz que o desenvolvimento dos direitos humanos pode ser atribuído às violações da era de Hitler e à crença de que parte delas poderia ser prevenida se um efetivo sistema de proteção internacional existisse. Nesse contexto, se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos como paradigma e referencial ético a orientar ordem internacional contemporânea.8 Tais direitos são consagrados no plano internacional pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, a qual, ao estabelecer valores básicos e universais, objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana. Embora a referida Declaração não faça referência explícita ao direito de acesso ao saneamento como um direito social, ante a nova projeção do direito à vida, incluindo-se neste a manutenção daquelas condições que dão suporte à própria existência, é possível verificar a expansão da qualidade de direito fundamental a outros direitos. Flavia Piovesan, discorrendo sobre o tema, leciona: A Declaração de 1948 introduz extraordinária inovação, ao conter uma linguagem de direitos até então inédita. Combinando o discurso liberal da cidadania com o discurso social, a Declaração passa a elencar tanto direitos civis e políticos (arts. 3º a 21) como direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22/28). Ao conjugar o valor da liberdade com o valor da igualdade, a Declaração demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisível. Assim, partindo-se do critério metodológico que classifica os direitos humanos em gerações, compartilha-se o entendimento de que uma geração de direitos não substitui a outra, mas com ela interage. Isto é, afasta-se a ideia equivocada de sucessão ‘geracional’ de direitos, na medida em que se acolhe a ideia de expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos, todos essencialmente complementares e em constante dinâmica de interação. 9 Para Cançado Trindade, “o direito à vida é hoje universalmente reconhecido como um direito humano básico ou fundamental, tendo em vista que seu gozo é condição necessária de todos os demais direitos humanos”.10 Todavia, como muito bem coloca José Afonso da Silva, “encontramonos diante de uma nova projeção do direito à vida, pois neste há de incluir-se a manutenção daquelas condições que são suportes para a própria vida”.11 De fato, há o fortalecimento da idéia de expansão do conceito de direitos humanos a outros direitos. Nesse ínterim, o acesso à água pode-se dizer inerente ao direito à vida, visto não ser

Cf. HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos – Volume I (Gênese dos Direitos Humanos), p. 30/31. 8 Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p. 129/130. 9 Ib Idem, p. 146/147. 10 Cf. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional, p. 71. 11 Cf. SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional, p. 58. 7

Página 3 de 13

possível viver sem água. Paulo Affonso Leme Machado afirma que “a existência do ser humano – por si só – garante-lhe o direito a consumir água e ar. (...) O direito à vida é anterior a outros direitos”. 12 Por outro lado, há que se ressaltar também o acesso ao esgotamento sanitário como condição sine qua non para a satisfação de outro direito humano consagrado - o direito à saúde. Não obstante os conceitos de “dignidade” e “sadia qualidade de vida”, as razões para tal afirmação se justificariam, tão somente, pelo extenso rol de doenças relacionadas à ausência de água tratada e rede de esgoto, bem como os índices de mortalidade inerentes. A fim de alicerçar o reconhecimento do acesso ao saneamento como essencial ao direito civil e social à vida, à dignidade humana e à saúde, convém novamente trazer ensinamentos de Cançado Trindade, que expõe: Tomado em sua dimensão ampla e própria, o direito fundamental à vida compreende o direito de todo ser humano de não ser privado de sua vida (direito à vida) e o direito de todo ser humano de dispor de meios apropriados de subsistência e de um padrão de vida decente (preservação da vida, direito de viver). O primeiro pertence à área dos direitos civis e políticos, o segundo, à dos direitos econômicos, sociais e culturais.13 Como se vê, os direitos humanos fundamentais não são direitos isolados. O direito à vida está relacionado ao direito à saúde, pois sem a proteção da saúde coloca-se em risco a própria existência. Ademais, para garantir a vida e a saúde humana, torna-se necessário garantir o acesso físico e econômico a água em quantidade e qualidade adequadas e ao esgotamento sanitário. Diante dessas considerações, não há como olvidar que o direito ao saneamento, embora não mencionado explicitamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é um direito fundamental, vez que imprescindível para realização de outros direitos humanos. Tal entendimento vem sendo gradativamente reconhecido no plano internacional.

3. FUNDAMENTOS INTERNACIONAIS DO DIREITO AO SANEAMENTO BÁSICO O acesso à água e esgotamento sanitário passam a constar como capítulos da agenda de desenvolvimento global a partir da década de 70. Diversos eventos internacionais vêm reafirmando o reconhecimento da crise mundial decorrente da falta de gerência adequada dos recursos hídricos, bem como a necessidade de políticas efetivas em todos os países. A Conferência de das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em Estocolmo, em 1972, estabeleceu como princípio 1º de sua Declaração que “o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras”. Após a Conferência de Estocolmo, a Conferência das Nações Unidas sobre Água, realizada em Mar del Plata, em 1977, foi o primeiro evento multilateral genuinamente global a debruçar-se sobre a problemática da água. Além de reconhecimento da relação intrínseca entre os projetos de desenvolvimento de recursos hídricos, saneamento e suas significativas repercussões físicas, químicas, biológicas sanitárias e socioeconômicas, proclamou-se a década de 80 como a

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Recursos Hídricos: direito brasileiro e internacional, p. 14. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional, p. 73. 12 13

Página 4 de 13

“Década Internacional de Suprimento de Água Potável e Saneamento”, sob a premissa de que “todas as pessoas, qualquer que seja seu nível de desenvolvimento e suas condições sociais e econômicas, têm o direito de ter acesso a água potável em quantidades e de uma qualidade igual a suas necessidades básicas”. 14 No período de 79 a 89, importantes convenções internacionais sobre direitos humanos, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979)15 e a Convenção dos Direitos da Criança (1989)16 referendaram expressamente o direito a água e ao saneamento. Esta última, inclusive, vai mais além, ao reconhecer também de maneira explícita a relação “água x saúde” e preceituar o dever dos Estados na tomada de “medidas apropriadas”, que inclui serviços de saúde primários para combater as doenças relacionadas à falta de acesso à água potável e saneamento. A segunda Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Água e Meio Ambiente, realizada em Dublin, em 1992, reconheceu importantes princípios relativos a gestão dos recursos hídricos, a saber: i.

águas doces como recurso natural finito e vulnerável, essencial para a sustentação da vida, do desenvolvimento e do meio ambiente;

ii.

gestão integrada da água, considerando-se seu todo, quer seja bacia hidrográfica e/ou aquíferos;

iii.

desenvolvimento e gestão da água baseados na participação de todos os níveis (usuários, planejadores ou decisores políticos); e

iv.

água como recurso natural dotado de valor econômico em todos os seus usos competitivos.17

Os princípios da “Declaração de Dublin” ecoaram nos debates da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no mesmo ano de 1992 no Rio de Janeiro e tiveram influência marcante nas políticas de meio ambiente e recursos hídricos de muitos países, incluindo o Brasil. A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento juntamente com a “Agenda 21”, trouxeram, respectivamente, um conjunto de preceitos para conduta dos Estados e um plano de ação global para cooperação na área ambiental, gestão dos recursos hídricos e promoção ao saneamento. A Agenda 21 apresenta um capítulo relevante sobre o tema recursos hídricos que contempla, dentre outras áreas igualmente relevantes, o abastecimento de água potável e saneamento. Ademais, procura viabilizar o cumprimento pelos países em desenvolvimento dos objetivos e metas estabelecidas através de cooperação bilaterial ou multilateral na forma de transferência de tecnologias e aportes financeiros. Em 2000, no intuito de sintetizar acordos internacionais alcançados em várias cúpulas mundiais ao longo dos anos 90, é lançada a “Declaração do Milênio das Nações Unidas”, adotada

14 Cf. VARGAS, Éverton Vieira. “Água e relações internacionais”. In Revista Brasileira de Política Internacional, pp. 178-182. 15 A Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979) estabelece: Artigo 14 (2): “Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, sua participação no desenvolvimento rural e em seus benefícios, e em particular lhe assegurarão o direito a: (h) Gozar de condições de vida adequadas, particularmente nas esferas do domicílio, dos serviços sanitários, da eletricidade e do abastecimento de água, do transporte e das comunicações.” Disponível em: http://www.unhchr.ch/html/menu2/6/crc/treaties/crc.htm. Acesso em 20. jun. 2008. 16 A Convenção dos Direitos da Criança (1989), por sua vez, preceitua: Artigo 24: “1. Os Estados-Parte reconhecem o direito da criança ao gozo do mais alto padrão de saúde alcançável e a instalações para o tratamento de doenças e reabilitação de saúde. (2) Os Estados-Parte buscarão a implementação completa deste direito e, em particular, tomarão medidas apropriadas: (c) Para combater doença e desnutrição, incluindo no âmbito de serviços de saúde primários, através, inter alia, da aplicação de tecnologia já disponível e através da provisão de alimentos nutritivos adequados e água potável limpa, tomando em consideração os perigos e riscos da poluição ambiental.” Disponível em: http://www.unhchr.ch/html/menu2/6/crc/treaties/crc.htm. Acesso em 20. jun. 2008. 17 Disponível em: http://www.cnrh-srh.gov.br/camaras/GRHT/itemizacao/main.htm. Acesso em 18. jul. 2008. Página 5 de 13

pelos 191 países membros, que traz a definição de uma série de metas sócio-econômicas que os países-membros da ONU se comprometeram em atingir até 2015 para melhorar a qualidade da humanidade. Dentre as “metas do milênio”, destaca-se a redução do número de pessoas sem acesso à água potável, compromisso posteriormente estendido ao esgotamento sanitário por ocasião da Declaração de Joanesburgo, em 2002. Implicitamente já era possível identificar o direito de acesso à água em 1966 no Pacto Internacional sobre Civis e Políticos (ICCPR)18 e no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ICESCR),19 ambos adotados com o objetivo de dar força jurídica obrigatória à Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, determinando a responsabilização internacional dos Estados-parte pela violação dos direitos enumerados. O reconhecimento do direito humano a água ganhou novo impulso em 2002 a partir do Comentário Geral no 15 do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas - ECOSOC, referente à interpretação dos artigos 11 e 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – ICESCR, que tratam especificamente do reconhecimento, pelos Estados-parte, do comprometimento na tomada de medidas que se façam necessárias para assegurar, dentre outros aspectos, a diminuição da mortalidade infantil; a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente, a prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas. O Comentário Geral no 15 do ECOSOC, ao apresentar o que vem a ser a interpretação autêntica e de máxima eficácia para as disposições contidas nos artigos 11 e 12 do ICESCR, afirma que o acesso a quantidades suficientes de água limpa para uso pessoal e doméstico é um direito fundamental de todos os seres humanos, salientando ainda que "o direito humano à água é indispensável para vida com dignidade humana. É um pré-requisito da realização de outros direitos humanos." Nesse sentido, esclarece seus fundamentos jurídicos, seu conteúdo normativo, as obrigações dos Estados e outros atores, além de dispor sobre as formas de implementação do direito e seu monitoramento e sobre a caracterização de sua violação. Conforme o referido Comentário, o “direito a água” implica na obrigação de garantia de acesso à água necessária para a vida, a dignidade humana e a saúde em “quantidade e qualidade adequadas, acessível física e economicamente, e provida de forma contínua e sem discriminação". A quantidade deve ser suficiente para suprir usos pessoais e domésticos. A qualidade refere-se à segurança à saúde dos usuários, devendo a água ser livre de microrganismos, substâncias químicas e demais formas de contaminação que ameacem a saúde humana. No que tange à acessibilidade, trata-se de elemento com diversas facetas. Em primeiro lugar, a água deve ser fisicamente acessível, provida através de serviços e instalações adequadas de água. Outra faceta importante é a acessibilidade econômica, ou seja, em caso de não suprimento de forma gratuita, a água não pode ser cobrada a preços que a torne inacessível, ou de forma que comprometa recursos econômicos destinados a satisfazer outras necessidades humanas básicas. O acesso à água deve, ainda, ser promovido de forma contínua, não sendo sujeito a interrupções arbitrárias ou por falta de pagamento. A cobrança por falta de pagamento deve ser feita por outras vias, não podendo implicar em corte de fornecimento, visto ser um serviço essencial e indispensável à vida digna. Da mesma forma, o acesso também tem que ser promovido de forma eqüitativa, sendo vedado qualquer tipo de discriminação, devendo ser dirigida especial atenção aos grupos mais vulneráveis da população e tradicionalmente marginalizados na implementação de direitos sociais e econômicos, como as comunidades pobres, os povos indígenas, grupos de minorias étnicas e raciais, refugiados e imigrantes, entre outros.

18 19

Ratificado pelo Brasil através do Decreto 592/92. Ratificado pelo Brasil através do Decreto 591/92. Página 6 de 13

Por fim, o direito de acesso à água implica o direito de acesso a informações relativas a água, serviços de água, medidas de implementação e políticas públicas pertinentes. A falta de acesso às informações mencionadas, gera insegurança e vulnerabilidade, além de impedir a efetiva participação pública na gestão de um bem essencial à sobrevivência. 20 Embora os Comentários Gerais do Comitê destinem-se unicamente à interpretação do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, não sendo dotados de força obrigatória, não se pode negar que o movimento em defesa do reconhecimento do direito humano a água ganhou impulso a partir do Comentário Geral n o 15/2002 ECOSOC, vez que possibilitou o fortalecimento da discussão não só no cenário internacional, mas também no âmbito de reformas jurídico-político-institucionais internas.

4. REFLEXOS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO Tanto a Constituição Brasileira de 1988 quanto as legislações infraconstitucionais absorveram (e vêm absorvendo) os princípios do Direito Internacional, ao consagrar os direitos humanos e fixar diretrizes para a gestão da água e para a prestação dos serviços de saneamento básico. A CRFB/88, em seu art. 6o inclui o direito à saúde no rol dos direitos sociais, os quais, no entendimento de José Afonso da Silva, podem ser assim considerados: Os direitos sociais, como uma dimensão dos direitos fundamentais, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. 21 Ademais, a Carta Magna, em seu art. 225, estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado essencial à saia qualidade de vida, que deve ser garantido tanto às presentes quanto às futuras gerações. Dessa forma, o princípio do “desenvolvimento sustentável” passa a orientar as ações do Poder Público. Conforme Paulo Roberto Pereira de Souza: A Constituição Federal incorpora o conceito de desenvolvimento sustentável, o que implica em um uso sustentável da terra; que as empresas respeitem a qualidade do ar; que não se lancem resíduos poluentes nos rios, sem tratamento primário; que não se destrua a qualidade da água.22 O referido autor chama ainda a atenção para o fato de que: O desenvolvimento sustentável não será alcançado como um processo isolado ou resultado da ação de um determinado país ou segmento político ou econômico dentro de um país. Ao contrário, essa nova visão de desenvolvimento exigirá uma postura determinada das autoridades e formuladores de políticas públicas, no

Para o texto completo do Comentário Geral no 15, ver SALMAN, M. A. e MCINERNEY-LANKFORD, Siobhán, The Human Right to Water: Legal and Policy Dimensions, p. 149-169. 21 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 286. 22 SOUZA, Paulo Roberto Pereira. “O Direito Ambiental e a Constituição da Sociedade Sustentável”, in: Direito Ambiental e Cidadania. p.181. 20

Página 7 de 13

sentido de assegurar a todos não apenas o direito à vida como existência, mas a vida com qualidade.23 No plano infraconstitucional, também em consonância com as diretrizes internacionais, através da Lei nº 9433, de 8 de janeiro de 1997, institui-se no Brasil uma Política Nacional de Recursos Hídricos, que recepcionou princípios que devem orientar a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, no intuito de assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos. Dentre os fundamentos da Política de Recursos Hídricos brasileira, destaca-se: i.

Reconhecimento da água como bem de domínio público;

ii.

Uso prioritário para consumo humano e dessendentação de animais, em casos de escassez;

iii.

Gestão que priorize o uso múltiplo das águas;

iv.

Bacia hidrográfica como unidade territorial de planejamento e implementação da política; e

v.

Gestão descentralizada e participativa.

No intuito de efetivar a gestão descentralizada e participativa, houve ainda a instituição de um Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, composto por Conselho Nacional de Recursos Hídricos; Agência Nacional de Águas; Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; Comitês de Bacia Hidrográfica; órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos; e ainda, pelas Agências de Água. Houve ainda a definição de instrumentos para a PNRH, a saber: i) Planos de Recursos Hídricos; ii) enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; iii ) outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; iv) cobrança pelo uso de recursos hídricos; v) compensação a municípios; e, vi) Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos. Acerca da referida política e os vocábulos água e recursos hídricos, Cid Tomanik Pompeu traz o seguinte esclarecimento: A água é o elemento natural, descomprometido com qualquer uso ou utilização. É o gênero. Recurso hídrico é a água como bem econômico, utilitário, passível de uso com tal fim. A utilização do vocábulo água, em ambas as situações, está correta. O que não se deve, com a devida vênia, é utilizar o contrário, ou seja, empregar, indiferentemente, o vocábulo e a expressão. 24 Sendo assim, ao considerar o vocábulo água como gênero e empregar recurso hídrico como espécie, o referido autor chama atenção para o fato de que a Lei nº. 9433/1997 é uma lei sobre a organização administrativa federal que trata da gestão das águas. Diante dos fundamentos e instrumentos da referida Lei, depreende-se que a utilização do recursos natural deve observar padrões e critérios de sustentabilidade, e por isso, o planejamento elaborado pelo Poder Público demanda a realização de diagnóstico sobre a situação atual dos recursos hídricos, a fim de verificar e considerar os prognósticos e crescimento demográfico, acompanhar e analisar a ocupação do solo, a demanda e a disponibilidade do bem.

SOUZA, Paulo Roberto Pereira. “O Direito Ambiental e a Constituição da Sociedade Sustentável”, in: Direito Ambiental e Cidadania. p.183. 24 POMPEU, Cid Tomanik. Direito de Águas no Brasil, p. 71/72. 23

Página 8 de 13

É conveniente assinalar que a preocupação que teve o legislador de, atendendo ao principio da participação, determinar a realização de consultas públicas, prevendo, ainda, a possibilidade de participação popular na elaboração do plano de recursos hídricos e a previsão de representantes da sociedade civil integrarem os Comitês de Bacias Hidrográficas. Em relação ao uso múltiplo, após apontamento da verificação da demanda e a disponibilidade hídrica, trata-se de uma moderna tendência em buscar o equilíbrio entre os diversos usos da água, estabelecendo-se prioridades a partir de necessidades sociais. Além de usos prioritários de consumo humano e dessendentação animal, também há previsão para atividades como agropecuária, irrigação, geração de energia, transporte hidroviário, uso industrial, mineração, pesca, turismo e lazer relacionados aos recursos hídricos. A outorga de direito de uso dos recursos hídricos será exigida para o uso no caso de derivação e captação de parcela de água em corpo hídrico para consumo final, incluindo o caso de abastecimento público ou o aproveitamento como insumo de processo produtivo, sendo também necessária no caso de lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição. Qualquer outorga implica na necessária observância da legislação ambiental, respeitando o preceito maior da defesa do meio ambiente, prevenção, precaução e desenvolvimento sustentável. Não obstante os avanços da PNRH, tal Lei trata unicamente da gestão da água. Por outro lado, a efetivação do direito fundamental de acesso à água e esgotamento sanitário ainda carecia de uma política própria, adequada as recentes demandas da sociedade atual. Nesse sentido, outro grande marco na legislação brasileira foi a promulgação da Lei nº 11445, de 05 de janeiro de 2007, que institui a Política Nacional de Saneamento Básico. A importância do saneamento básico pode ser melhor percebido através da abrangência de seu significado. Conforme definição do art. 3º do referido diploma legal, é considerado como saneamento básico os serviços de infraestrutura e instalações operacionais de: a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição; b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infraestrutura e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas; d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas ; Cid Tomanik Pompeu conceitua saneamento como “o conjunto de medidas destinadas a garantir uma situação de higiene considerada fundamental, em determinado local e momento.” 25 A Lei 11445/2007, ao estabelecer as diretrizes nacionais para saneamento básico, relaciona como princípios fundamentais: i.

25

Universalização do acesso;

POMPEU, Cid Tomanik. Direito de Águas no Brasil, p. 301 Página 9 de 13

ii.

Integridade;

iii.

Abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo dos resíduos realizados de forma adequada à saúde pública e à proteção ao meio ambiente;

iv.

Disponibilidade de serviços de drenagem e manejo das águas pluviais adequados à saúde pública, segurança da vida e do patrimônio público e privado;

v.

Adoção de métodos, técnicas e processo que considerem as peculiaridades locais e regionais;

vi.

Articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional; eficiência e sustentabilidade econômica;

vii.

Eficiência e sustentabilidade econômicas;

viii.

Utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas;

ix.

Transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios institucionalizados;

x.

Controle social;

xi.

Segurança, qualidade e regularidade;

xii.

Integração de infraestrutura e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos.

As diretrizes principiológicas delineadas na Política Nacional de Saneamento básico seguem as bases do Direito Ambiental, incorporado os referenciais do principio do desenvolvimento sustentado e dos princípios setoriais do Direito Administrativo relativos aos serviços públicos, a saber: universalidade/generalidade, atualidade, eficiência, modicidade e cortesia. A universalização do acesso a serviços públicos básicos é um princípio orientador da Administração Pública e tem que ser considerado no processo de tomada de decisão na formulação e implementação de políticas públicas. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ao analisar os princípios informadores dos serviços públicos, afirma que o princípio da generalidade é o mais importante dos princípios setoriais, pois a característica universal assegura a maior extensão possível da oferta aos interessados. Ressalta ainda que a característica isonômica afinca a igualdade de tratamento aos usuários e a característica democrática garante a participação do usuário em tudo o que se refira ao serviço que lhe é oferecido ou prestado. Enfatiza, por fim, que é o dever legal do Poder público manter os serviços públicos sempre disponíveis para seus usuários e que isso não constitui um favor, razão pela qual os administrados podem exigir a prestação do Estado como também, no caso de ter havido a delegação para a iniciativa privada, aos responsáveis pela execução do serviço. 26 Sendo assim, a universalidade do acesso aos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário correspondem ao dever do Estado de promover o bem-estar, garantir a saúde a toda população, através de um serviço acessível a todos. Também estes serviços deverão ser prestados de forma igualitária, sem discriminação, obedecendo ao principio da generalidade. O princípio da atualidade é mencionado visto que modernas técnicas conjugadas à utilização de equipamentos adequados às novas tecnologias são exigências que o prestador tem o dever de seguir, cabendo-lhe oferecer aos usuários o melhor serviço. Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. p. 427 26

Página 10 de 13

Tal entendimento, inclusive, serviu de argumento para a possibilidade de delegação à iniciativa privada da prestação do serviço de saneamento básico, tendo em vista a obrigatoriedade de constante atualização tecnológica de equipamentos e metodologia para prestação adequada do serviço, o que implicaria em progressivos e constantes investimentos financeiros, que não estariam sendo direcionados pelo Poder Público para setor. Há exigência da prestação de forma eficiente, o que significa garantia ao acesso e sua respectiva prestação resguardando o equilíbrio e a qualidade ambiental. Outros aspectos que também não podem ser esquecidos são modicidade das taxas ou tarifas cobradas e cortesia. O primeiro refere-se à cobrança pela prestação do serviço público, que deve estar em consonância com a capacidade econômica do usuário. Já o segundo, exige que o usuário tenha sua dignidade respeitada e seja tratado com urbanidade e cortesia. Diante do exposto, vê-se que o Estado tem que pautar seu planejamento nos valores que emanam da dignidade da pessoa humana, podendo ser responsabilizado por omissão, por não promover a universalização do acesso a serviços públicos essenciais. Em especial no que tange ao saneamento básico, a ausência do serviço afeta diretamente a saúde e a qualidade de vida da população, induzindo, inclusive, a situações de risco. O planejamento responsável é obrigatório para o Poder Público e está determinado no caput do art. 174 da CRFB/88. Neste sentido, faz-se necessária a destinação de receitas para que as diretrizes da universalização do acesso aos serviços de saneamento básico e de saúde sejam alcançados. Os custos e gastos com investimentos na área de saúde e saneamento ainda que sejam altos não podem ser adiados, pois tratam-se de direitos sociais, imprescindível ao bem estar e a qualidade de vida da população. Fernando Herren Aguillar, ao tecer considerações sobre os direitos sociais, entende pela exigência de ação tanto do Legislativo como do Executivo para que se tornem fruíveis, razão pela qual demandam uma política pública com previsão de gastos públicos, legislação organizativa da prestação do serviço, fiscalização da prestação por particulares e atendimento a um planejamento integrado, conforme disposto no art. 165 da CRFB/88. 27 Nesse sentido, afirma que “o Estado não pode se escusar de promover o acesso aos direitos sociais, notadamente quando significar a nulificação ou aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.” 28

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os direitos humanos são direitos fundamentais que o homem possui pela própria natureza humana e pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam da concessão de uma sociedade política, mas, que esta tem o dever de consagrar e garantir como um mínimo para a existência do ser humano. Trata-se de um referencial ético estabelecido na Declaração dos Direitos Humanos de 1948 que tem o condão de orientar toda a ordem política e legal contemporânea. A moderna concepção de direitos humanos entende que estes não se restringem àqueles explicitamente mencionados na referida Declaração. Ao contrário, estendem-se a todos

Cf. AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do Direito Nacional ao Direito Supranacional. p. 191. 27

28

Cf. AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do Direito Nacional ao Direito Supranacional. p. 191.

Página 11 de 13

aqueles necessários à garantia daqueles direitos consagrados. Assim, embora o direito à vida e à saúde sejam direitos fundamentais, prescindem de outros direitos fundamentais para lhe darem suporte, como o acesso ao saneamento básico. Diante dessa nova concepção é possível afirmar o acesso à água e ao esgotamento sanitário como direitos sociais fundamentais imprescindíveis para o gozo do direito à vida e à saúde, o que vem sendo reconhecido na esfera internacional e recepcionado pela legislação pátria, ao incorporar as diretrizes internacionais em suas políticas públicas. Ocorre que a efetividade dos direitos sociais, ao tempo em que torna a democracia mais sólida, requer uma Administração Pública responsável, dinâmica e eficiente. A garantia da igualdade material se perfaz com a universalização do acesso ao serviço público de saneamento básico, sob a ótica da solidariedade, igualdade e da liberdade. A luta pela concretização dos direitos humanos é constante, eles representam prerrogativas da pessoa ou do grupo, tratam da dignidade humana, possibilitando a seus titulares exigir do Estado a manifestação de suas necessidades básicas. A concretização da democracia tem em sua base o respeito aos direitos humanos em todas as dimensões, daí a importância da Constituição brasileira de 1988 ter em ter em seu artigo 1º colocado como fundamento do Estado Democrático de Direito a garantia da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, a coletividade pode exigir do Poder Público o acesso à fruição do saneamento básico, pois cuida-se de garantir a saúde e o direito a uma vida digna. O serviço deve ser prestado a toda população de forma universal e igualitária. A continuidade e a regularidade também são exigidas, sob a perspectiva de resguardar o interesse público de assegurar a satisfação dos usuários, observando os padrões de qualidade, tendo em vista o dever de eficiência na atuação do poder público. Por fim, convém ressaltar que a crise mundial no setor de saneamento básico pode ser superada num curto espaço de tempo. Além de já estar caracterizado como direito fundamental, há a disponibilidade de tecnologia adequada para universalização da prestação do serviço, faltando apenas o devido direcionamento de aporte financeiro, seja público ou privado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do Direito Nacional ao Direito Supranacional. São Paulo: Atlas, 2006. ALBUQUERQUE, Carlos e MENEZES, Mariá. “Ambientalmente Incorreto”. Jornal “O Globo”. Rio de Janeiro. 06.05.2008. ARNAUD, André-Jean. Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte gerale parte especial. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos – Volume I (Gênese dos Direitos Humanos). São Paulo: Editora Acadêmica, 1994. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Recursos Hídricos: direito brasileiro e internacional. São Paulo: Malheiros, 2002. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. POMPEU, Cid Tomanik, Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

Página 12 de 13

SALMAN, M. A. e MCINERNEY-LANKFORD, Siobhán, The Human Right to Water: Legal and Policy Dimensions, The World Bank: Washington, D.C., 2004. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4ª ed., 2ª triagem, São Paulo: Malheiros, 2002. SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. SOUZA, Paulo Roberto Pereira. “O Direito Ambiental e a Constituição da Sociedade Sustentável”. In LEME. Jônatas Luiz Moreira de Paula (Coord). Direito Ambiental e Cidadania. JH Mizuno, 2007. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. “O legado da declaração universal e o futuro da proteção internacional dos direitos humanos”. In AMARAL JUNIOR, Alberto do e PERRONE-MOISÉS, Cláudia (Orgs.). O cinquentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1999. VARGAS, Éverton Vieira. “Água e relações internacionais”. In Revista Brasileira de Política Internacional. Vol. 43. N. 001. Instituto Brasileiro de Relações Internacionais: Brasília: 2000.

Página 13 de 13

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.