Direitos autorais: natureza jurídica e breve análise das consequências da sua definição (2016)

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DIREITOS AUTORAIS: NATUREZA JURÍDICA E BREVE ANÁLISE DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA SUA DEFINIÇÃO1 COPYRIGHTS: LEGAL NATURE AND BRIEF ANALYSIS OF LEGAL CONSEQUENCES OF ITS DEFINITION Ana Clara Alves Ribeiro

RESUMO O direito autoral é uma espécie do gênero Propriedade Intelectual que diz respeito às criações e manifestações do espírito; contudo, embora verse sobre uma relação de propriedade, apresenta vieses muito particulares que o distanciam dos demais bens abrangidos pelo Direito das Coisas, sobretudo porque também reúne aspectos de natureza personalista. A complexidade da sua essência, portanto, justifica a peculiaridade da sua natureza jurídica. Por esta razão, complicada foi a tarefa dos estudiosos que intentaram enquadrar o direito autoral em classificações tradicionais dos institutos jurídicos. Neste artigo, serão estudadas as várias teorias que existem sobre a natureza jurídica do direito autoral, até chegar à prevalecente. Será realizada ainda uma breve análise das consequências que a definição dessa natureza jurídica gera para os casos que envolvem a relação do autor com sua obra, a fim de que se tornem claras as razões que fizeram com que o direito autoral adquirisse o singular patamar que hoje permite uma proteção mais efetiva ao indivíduo que exerce a sua criatividade.

Palavras-chave: direito autoral, propriedade intelectual, natureza jurídica.

ABSTRACT Copyright is a species of the genre of Intellectual Property that concerns to the creations and manifestations of the spirit; however, even though it is about a relation of property it also presents a lot of particular features that distinguish from the other assets covered by Property Law, especially due to the fact that its nature has very personal aspects. Therefore, the complexity of its essence justifies the peculiarity of its legal nature. For this reason, hard was the job of the lawyers who intended to make copyright fit into traditional classifications of legal institutes. In this article, several theories about the legal nature of copyright will be studied until the current one, in addition to a brief analysis of the consequences generated by the definition of this legal nature to the cases that revolve around the relation of the author with their work, in order to make clear the reasons that gave copyright the singular level that today allows a more effective protection to the individual who exercises their creativity.

Keywords: copyright, intellectual property, legal nature.

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Artigo apresentado ao programa de pós graduação do Instituto Tocantinense de Pós Graduação em Direito Civil e Processo Civil.

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1. INTRODUÇÃO O Direito, enquanto instrumento regulador da sociedade, tem entre seus escopos a proteção dos direitos subjetivos dos indíviduos sobre si mesmos, sobre as relações que firmam com outros e sobre os bens de sua propriedade. Sobre a propriedade, em particular, visa o Direito assegurar àquele que a detém a sua disponibilidade perante os que não a detêm. Neste sentido, César Fiuza (2008, p. 744) assim define a propriedade como “uma situação jurídica consistente em uma relação dinâmica entre uma pessoa, o dono, e a coletividade, em virtude da qual são assegurados àquele os direitos exclusivos de usar, fruir, dispor e reivindicar um bem, respeitados os direitos da coletividade”. Esse conceito restou instituído e consolidado desde as sociedades gregas antigas para regular a satisfação das necessidades humanas mais básicas, como a moradia. Assim, a regulamentação do direito de propriedade fez-se necessária na medida em que cada família precisava do seu pedaço de terra no qual instituiria sua casa e seu lar. Questão menos orgânica passou a ser a da propriedade sobre bens incorpóreos, aqueles que não possuem existência física e que não podem ser concretamente vislumbrados. Aduz Barbosa (2012, p. 16): Certamente, em épocas nas quais os objetos de maior valor pecuniário eram aqueles tangíveis, nenhum sentido havia para doutrina a construção de um discurso estruturado sobre o que não era visível ou sensível. Assim, a sociedade materialpatrimonialista solidificou o conceito de posse como umbilicalmente vinculada a bens materiais, ao regime de poder físico e imediato sobre os elementos corpóreos. Contudo, paradoxalmente, mesmo o direito romano comportava a perspectiva de elementos imateriais, tais como direitos sobre direitos.

Entre esses elementos incorpóreos, destaca-se o direito autoral, que por sua vez é uma espécie do gênero Propriedade Intelectual. Em nível de direito objetivo, não deve sobejar dúvida quanto ao titular do direito sobre a criação autoral: ela pertence àquele indivíduo que a criou. Os demais aspectos dessa relação de propriedade, porém, não são tão óbvios, a começar pela sua natureza jurídica. Isto porque, apesar de estarmos no campo da propriedade, o direito autoral apresenta vieses muito particulares que o distanciam dos demais bens abrangidos pelo Direito das Coisas.

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No dizer de Maria Helena Diniz (2004, p. 30), a natureza jurídica é “a afinidade que um instituto tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído o título de classificação”. Teresa Negreiros (apud BRANCO, 2013, p. 149) aduz: (...) as classificações jurídicas, se, por um lado, pecam por tentar reduzir a categorias abstratas fenômenos complexos, por outro lado, têm a importante função de sistematizar o conhecimento jurídico e (...) podem inclusive apoiar importantes reformulações no tratamento dogmático dos institutos e na sua aplicabilidade concreta.

Destarte, identificar a natureza jurídica de um instituto é passo primordial para analisar qualquer aspecto jurídico dele, afinal, é a natureza jurídica que ditará qual o campo do Direito no qual se buscará as regras que o normatizam e que podem se relacionar com ele. No caso do direito autoral, conforme veremos ulteriormente (porém sem maiores minúcias, uma vez que o foco deste artigo está menos nas consequências da definição da natureza jurídica do direito autoral e mais nela de per si), a conclusão sobre sua natureza jurídica determinará: o modo da sua defesa, a forma da sua aquisição e perda, a forma (e a necessidade) do registro da propriedade, a sua tributação, os delineares dos contratos a seu respeito. Esse artigo, portanto, serve ao propósito de estudar as várias teorias que existem sobre a natureza jurídica do direito autoral, até chegar à prevalecente, passando pela análise das peculiaridades de cada uma que fizeram com que ele adquirisse o singular patamar que hoje permite uma proteção mais efetiva ao indivíduo que exerce a sua criatividade. 2. HISTÓRICO A invenção da imprensa, no século XV, acelerou a difusão da cultura e do conhecimento, fazendo crescer também a preocupação sobre a proteção dos direitos dos autores das obras. Antes disso, afirma Túlio Vianna (2006): (...) as dificuldades inerentes aos processo de reprodução dos originais, por si só, já exerciam um poderoso controle da divulgação de idéias, pois o número de cópias de cada obra era naturalmente limitado pelo trabalho manual dos copistas. Inclusive, segundo Fonseca (2011); (...) devido à escassez de exemplares, a reprodução do conteúdo das obras não era matéria de discussão jurídica: o suporte físico (corpus mechanicum) e a criação

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intelectual nele incorporada eram um só bem jurídico, sendo indissociáveis para fins de geração de direitos.

O rei Filipe e a rainha Maria Tudor, da Inglaterra, em 1557, concederam à associação dos livreiros e donos de papelarias o monopólio dos direitos sobre as vendas dessas obras, no que essa associação passou a funcionar como uma espécie de gatekeeper, impedindo que fossem publicados conteúdos que fossem contrários aos interesses da realeza. Ademais, a associação detinha o “direito de cópia” e os lucros sobre as vendas dessas cópias. Assim, o copyright nasceu como uma maneira de beneficiar a monarquia e o comércio. Os intelectuais, artistas e responsáveis pela criação e elaboração do conteúdo difundido não eram os destinatários dos lucros e não participavam das decisões sobre o uso que seria feito do seu trabalho. Mesmo durante o Renascimento Cultural, em que houve grande proliferação de trabalhos artísticos e intelectuais devido ao apoio dos mecenas, os artistas não detinham direitos sobre suas obras (HAMMES, 2002). Grande passo nesse sentido foi dado em 1710, com a promulgação do Estatuto da Rainha Ana da Inglaterra, o qual determinou que o autor de livros impressos (desde que não tenha transferido a terceiros para a impressão) teria sozinho o direito e a liberdade de imprimilos pelo prazo de 21 (vinte e um) anos. Foi a primeira norma legal a garantir ao autor o direito de propriedade sobre sua obra. É perceptível a influência do pensamento de John Locke no Estatuto da Rainha Ana, falecido há apenas 4 (quatro) anos antes da promulgação. Locke acreditava que a propriedade intelectual era criação do espírito passível de proteção como qualquer outra propriedade que fosse fruto do trabalho; e que a garantia do direito à propriedade intelectual era uma das maneiras de se evitar os abusos possivelmente derivados do excesso de liberdade concedida aos homens. Outros filósofos iluministas posteriores a Locke, como Voltaire e Diderot, também defenderam o direito à propriedade intelectual como um direito natural da pessoa. Estes ideais, que encontraram endosso junto às outras reivindicações da Revolução Francesa, desembocaram na promulgação das leis francesas de 1791 e 1793, as quais finalmente reconheceram a propriedade intelectual e o direito de exclusividade dos autores sobre a exploração de suas obras (FONSECA, 2011). Havendo outras nações acompanhado este progresso, teve fim a época em que a criação artística servia aos interesses das estruturas politicamente dominantes e aos interesses dos patrocinadores e encomendadores de obras. O avanço da legislação no sentido de proteger

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o direito de fruição das obras artísticas, inclusive com tratados internacionais que facilitam a defesa de obras artísticas extraterritorialmente (como a Convenção de Berna), consolidou o direito autoral como instituto que decorre primordialmente da liberdade do ser humano de criar e de se expressar. 3. CONCEITO O direito autoral é “um conjunto de prerrogativas conferidas por lei à pessoa física ou jurídica criadora da obra intelectual, para que ela possa gozar dos benefícios morais e patrimoniais resultantes da exploração de suas criações” (definição do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição). Assim, o objetivo do instituto é proporcionar retribuição moral e patrimonial aos criadores pelas obras artísticas, literárias e científicas. Importante falar em retribuição moral, uma vez que o direito autoral pode ser juridicamente bifurcado em direitos morais e patrimoniais. O conceito adianta pontos importantes da discussão sobre a natureza jurídica do instituto; todavia, importante é aprofundar-se nele antes, para que fique claro que a obra intelectual protegida é a obra que de fato seja fruto do trabalho do indivíduo que não somente teve a inspiração, mas sim, sistematizou-a segundo seus critérios. À mera ideia não se concebe proteção jurídica. Por fim, mencione-se ainda que a proteção recai sobre a obra, e não sobre o suporte físico no qual ela se imprime ou pode ser acessada. O que torna o direito autoral tão peculiar em relação aos demais direitos de propriedade é o fato de ele guardar um vínculo extremamente subjetivo entre o criador e a obra (MENEZES, 2007). A distinção entre o direito de propriedade intelectual e o direito de propriedade sobre outros bens (mormente os corpóreos) reside, obviamente, no fato de que a proteção à propriedade intelectual tem a missão de “premiar o espírito humano produtivo” (BARBOSA, 2012), enquanto que bens como objetos móveis, imóveis e semoventes não são fruto da criação da mente humana (importante diferenciar criação de construção!). Assim como as subespécies da Propriedade Industrial (que é uma espécie do gênero Propriedade Intelectual), o direito autoral diz respeito às criações e manifestações do espírito. Contudo, as criações protegidas pelo direito autoral não têm aplicação industrial; não podem

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ser replicadas, e guardam maior relação com a arte e a subjetividade do que com a objetividade, padronizabilidade, mensurabilidade e comerciabilidade das criações protegidas pela Propriedade Industrial. A análise dessa subjetividade vai muito mais além quando observamos que o direito autoral não possui qualquer compromisso com a expressão de ideias que sejam comumente aplicadas a qualquer indivíduo; está sim comprometido a resguardar a proteção da expressão da visão de mundo e dos sentimentos de uma única pessoa: o autor da obra.

4. NATUREZA JURÍDICA Todas as características mencionadas no item anterior tornam delicada a averiguação da natureza jurídica do direito autoral. Maria Helena Diniz (2009, p. 343) pontua que “há até diretrizes doutrinárias que chegam a negar a própria natureza jurídica do direito autoral ante o caráter social das idéias”. No entanto, conforme já delineado por ocasião da narrativa histórica sobre o reconhecimento do direito autoral, a sua tutela é uma realidade incontestável. Resta saber em qual categoria ele se encaixa. Teorias monistas e dualistas disputavam a titularidade da natureza jurídica do direito autoral; porém, mesmo essas divisões não eram consensuais e há ainda várias outras formas de classificação segundo doutrinadores. Leciona Mendonça (2012, p. 150) que: A estrutura está dividida em doutrinas, separando-as em: a) monistas; b) dualistas; e, c) conciliatórias. Silva Filho (2002, p. 13) preferiu as dividir em: a) monistas; b) dualistas – ecléticas; e, c) monismo integral. Todavia, prefere-se a primeira separação, de Maria (1998, p. 7, v. 7), por estar bem estruturada (...). Ainda, enumera-se o desdobramento de Chaves (apud SILVA FILHO, 2002, p. 12), que remonta a classificação doutrinária em nove, a saber: a) Direito de Autor é um direito da coletividade, cita Manzini, quando o pensamento manifestado pertence a todos, a caracterizar “[...] uma propriedade social. A inspiração da alma humana não pode ser objeto de monopólio”; b) é um direito real de propriedade, sob fundamentação do trabalho; c) é uma emanação do direito da personalidade; d) é um direito especial de personalidade, e seu objeto tem um valor imaterial; e) é um direito sui generis, por não poder incluí-lo, segundo Picard, na divisão clássica tripartite do Direito Romano: direitos reais, pessoais e obrigacionais; f) direito de clientela: de Desbois, citada por Paul Roubier; g) direito dúplice de caráter real: pessoal-patrimonial; h) direito pessoal de crédito; e, i) direito privativo de aproveitamento.

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Ainda segundo Mendonça (2012, p. 151), “subdivide-se a teoria monista: a) privilégio (ou monopólio); b) realista da propriedade; c) negativista, também repartida em: obrigação ex-delicto e propriedade coletiva; d) personalista; e, e) patrimonial”; e a teoria dualista em: a) dualista da prevalência realista; e, b) dualista da prevalência personalista (mitigada) (p. 155 e 156); bem como, até mesmo a teoria conciliatória se dividiria em: a) teoria conciliatória monista dos direitos intelectuais; b) teoria conciliatória neodualista ou do direito dúplice e complexo; e, c) teoria conciliatória dos direitos específicos ou sui generis (p. 155 e 156). Apenas a título de informação, encontramos ainda outras subteorias das citadas acima, como: a teoria do contrato tácito entre o autor e a sociedade (de Marion), compreendida na teoria monista do privilégio; as teorias da quase-propriedade (de Del Giudice), do usufruto autoral (de Maraglia e Lenghi) e da propriedade limitada (de Vidari, Gianturco e Astuni), subdivisões da teoria monista patrimonial; e a teoria da personalidade pensante (de Piola Caselli), compreendida na teoria dos direitos sui generis. O fato de haver tanta dissensão entre os monistas sobre a natureza jurídica do direito autoral já é, de per si, um indicativo de que não é possível comprimir o direito autoral em uma categoria única; razão pela qual sobreveio a teoria dualista, bipartindo o direito autoral em uma faceta patrimonialista e uma personalista. Entretanto, segundo Lioncourt (2006), até mesmo essas duas teorias apresentam fraquezas, pois a teoria personalista peca ao tentar explicar os aspectos patrimoniais do direito autoral e a teoria patrimonial tampouco se sai bem ao explicar os aspectos pessoais dele. Analisemos estas duas para entender suas fragilidades e em seguida analisar a teoria conciliatória segundo a qual o direito autoral constitui espécie sui generis, a fim de constatarmos como a doutrina e legislação chegaram a esta última. 4.1 DIREITO REAL Uma forma de encarar o direito autoral seria como um direito de natureza real, do que se abstrai o desígnio do doutrinador adepto desta teoria de dar ênfase ao caráter patrimonial do direito protegido. Dessa forma, a proteção jurídica recairia apenas sobre a propriedade, não se estendendo ao dano moral, por exemplo. Conforme lecionado na cartilha do Ministério da Cultura sobre Direito Autoral (BRASIL, 2006, p. 201):

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Em decorrência do fato de a exploração econômica da obra intelectual ter sido a questão preponderante abordada pelos legisladores no tocando ao Direito Autoral, bem como do seu caráter de produto intelectual do autor, ingressando em seu patrimônio, efetuou-se a classificação de respectiva tutela jurídica como sendo de índole de propriedade, direito real por excelência, nas primeiras legislações acerca da matéria, incluindo-se, aqui, o Código Civil Brasileiro de 1917.

A esta época, doutrinadores como Silvio Rodrigues entendiam que o direito autoral era mesmo um bem patrimonial, devido ao fato de ser conversível em dinheiro (PIMENTA, 2004). Mendonça (2012) assevera que o nivelamento do direito de autoria ao nível da propriedade comum causou conflitos em relação à essência do que vêm a ser os princípios do direito dominial comum. Citando Desbois, o doutrinador acima citado lembra que no direito de propriedade sobre a obra intelectual, o autor reuniria o abusus (livre disponibilidade da coisa) e o frutus (perceber as rendas e receitas derivadas da coisa) mas não totalmente o usus (usar e servir-se da coisa, sem perceber os frutos) – p. ex. (de nossa autoria): compositor que cria uma canção e pode decidir sobre sua exploração e receberá as rendas da sua execução; porém, cada indivíduo que comprar a canção para escutá-la estará dela fazendo também o usus. Outro exemplo de complicação da enquadração do direito autoral como direito real diz respeito à aquisição, ao menos no Brasil. O direito de propriedade, em tese, no direito civil brasileiro, é adquirido mediante averbação da matrícula em cartório ou mediante simples tradição da coisa, a depender, respectivamente, de ser o bem imóvel ou móvel. O art. 3 da Lei n.º 9.610/98, a lei que dispõe sobre direitos autorais no Brasil, determina que “os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis”. Assim, a aquisição do direito do autor sobre sua obra deveria se dar-se pela tradição dela feita por ele a si próprio? Não há como conceber isso. Percebe-se então várias deficiências nesta teoria. 4.2 DIREITO PESSOAL Outra maneira de classificar o direito autoral seria como um direito pessoal, ou seja, vinculado à personalidade do autor. Trata-se de concepção que ganhou força conforme se consolidou a ideia da existência de direitos morais do autor sobre sua obra, ideia esta enraizada no Direito Público

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(enquanto que a teoria patrimonialista que vê o direito autoral como um direito real está mais fortemente vinculada ao Direito Privado). A obra intelectual estaria então ligada à imagem do autor e à ligação desse com ela (SILVA JUNIOR, 2006). O direito autoral seria um ius personalissimum, direito natural do homem e emanação de sua própria personalidade (BERTRAND, apud MENDONÇA, 2012, p. 153). Ainda segundo Mendonça (2012, p. 153): Malaplate (apud MARIA, 1998, p. 11, v. 7) salienta que este elemento não seria constitutivo, mas seria um efeito do exercício do próprio direito pessoal, informando uma ideia de personalidade que interviria no domínio de direito do autor, mesmo que não pareceria tratar de questões pecuniárias, e apresenta questionamento: “Não deve a natureza jurídica dum direito ser procurado justamente no que constitui a sua essência?

Assim o autor, segundo os presssupostos dos direitos de personalidade (quais sejam: autonomia da vontade, alteridade e dignidade), teria a prerrogativa de controlar o uso das suas obras a seu bel prazer, modificando-as, expondo-as ou guardando-as para si e recebendo o crédito da sua autoria. Entretanto, a expatrimonialidade, que é característica dos direitos da personalidade, constitui elemento que traz problemas a essa conceituação do direito autoral, retirando do autor a possibilidade de auferir vantagens econômicas do seu trabalho.

4.3 DIREITO DE NATUREZA SUI GENERIS As problemáticas das teorias supraexaminadas levaram à solidificação de uma teoria segundo a qual o direito autoral consiste em prerrogativas morais e patrimoniais ao autor, sendo estas prerrogativas independentes entre si. Como bem explica Carlos Alberto Bittar (1981, p. 385): Concretizam-se esses direitos, na prática, por formas as mais diversas, dentro dos dois processos fundamentais — a reprodução e a representação — com a extensa especificação hoje existente, em virtude do enorme progresso das comunicações (...). Assim, seja na criação, seja na reprodução da obra criada, o autor faz jus a direitos autorais. Por exemplo, na gravação de música, em sua execução, em sua inserção em novela ou em filme; na edição de texto literário e venda dos exemplares; na adaptação de texto literário para o cinema, ou para a televisão, ou para o teatro; na reprodução, ou na utilização de pintura em obra de outro gênero e assim por diante. A cada processo de comunicação corresponde um direito autoral, em virtude da

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independência de cada qual. Dessa forma, se uma obra literária é adaptada para o teatro, gera-se um direito autoral; se a mesma obra é, depois, utilizada em cinema, outro direito; se, ainda, em televisão, outro direito e assim sucessivamente.

Assim, a proteção recai tanto sobre o aspecto patrimonial quanto sobre o pessoal, sem que nenhuma das finalidades elimine a outra. O autor é, portanto, senhor soberano de sua obra: ele a elabora, ele dispõe se e como ela será exposta e explorada, ele aufere os lucros. Sua obra pode ser explorada de diversas formas e ele dita as regras (dentro do permitido pela legislação, obviamente) e colhe os frutos de todas elas. Estas prerrogativas elevam o direito autoral a uma categoria peculiar dentro da legislação, sendo considerado um direito sui generis. Foi a maneira encontrada para reunir as duas principais facetas do direito autoral e é a posição hoje adotada pela legislação brasileira, o que se depreende do fato de que há lei própria para regulamentar o direito autoral (a já citada Lei n.º 9.610/98), não se podendo valer simplesmente das normas sobre Direito das Coisas tampouco das normas sobre direitos da personalidade, no Código Civil. Outrossim, é a corrente seguida majoritariamente pela doutrina e pela jurisprudência.

5. IMPLICAÇÕES DA DEFINIÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO AUTORAL Consoante expusemos na ocasião da introdução, situar o direito autoral dentro dos campos didaticamente elencados do Direito é tarefa importante na medida em que delineia a atuação do jurista que se vê diante de situação que envolve a obra intelectual e o seu autor. Mesmo possuindo caráter sui generis, o direito autoral inclui-se entre as espécies de Propriedade Intelectual, e sendo propriedade, estaria sujeito, por exemplo, ao evento da desapropriação, ato administrativo pelo qual o Poder Público transfere compulsoriamente a propriedade de outrem, “fundado em declaração de utilidade pública ou interesse social, mediante pagamento de indenização” (NOHARA, 2012, p. 720). Tal possibilidade levanta a discussão sobre a função social da propriedade intelectual, já que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estatui que a propriedade deve atender a uma função social (art. 5, XXIII). Esta discussão de per si já constituiria objeto para estudo próprio, o que aqui não se fará por não ser esse o escopo desse artigo. Por ora, é suficiente trazer à tona o peculiar fato de que, em se tratando de direito autoral, segundo Silva

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(2012), citado por Di Nápoli e Santos (2013): “a desapropriação não pode ocorrer enquanto o autor da obra estiver vivo, já que conservá-la inédita ou fora de circulação se inclui entre seus direitos morais personalíssimos e inalienáveis”. Sutil porém fundamental detalhe é esse; posto que, se não se considerasse o aspecto personalista, o direito do autor sobre sua obra poderia ser dele arrancado ainda em vida se o Poder Público assim entendesse ser de interesse social, o que rebaixaria o status do autor perante a sua própria criação. Outro interessante desdobramento do enquadramento do direito autoral como instituto cuja natureza não é integralmente patrimonial tampouco totalmente pessoal, é a forma da tributação da renda auferida com a exploração do direito autoral. Como já dissemos, todas as prerrogativas garantidas pelo direito autoral são independentes entre si, o que segundo Bittar (1981, p. 382-383) faz nascer para o autor a remuneração correspondente a cada qual: (...) como, por exemplo, os direitos de gravação e de execução pública, para as composições musicais; as edições gráficas e as representações para as obras teatrais; os direitos de adaptação ao cinema e à televisão, para as obras literárias, e assim por diante.

Sobre cada uma dessas remunerações incide o Imposto de Renda, conforme dispõe o art. 45, VII, do Decreto n.º 3.000/99, que regulamenta esse imposto. A título de simplificação da ideia que se pretende expor, analisemos somente a tributação da pessoa física titular do direito autoral. Basicamente, sobre os pagamentos feitos a essa pessoa a título de direito autoral, retém-se da fonte pagadora o Imposto de Renda, conforme a tabela progressiva cuja alíquota pode chegar a 27,5% (vinte e sete e meio por cento). Todavia, existe também entendimento no sentido de que o rendimento auferido na modalidade de cessão de direitos autorais pode ser enquadrado como sendo a “alienação de bem ou direito de qualquer natureza” geradora dos ganhos de capital regulamentados nos arts. 117 e seguintes do Regulamento do Imposto de Renda, mormente devido à redação do art. 117, §4º, a qual dispõe que: Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins (grifos nossos)

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Segundo Brodbekier e Oliveira (2003), portanto: Não é tão clara e tranqüila a definição do regime de tributação a que estarão submetidos os acréscimos patrimoniais obtidos através da exploração econômica dos direitos autorais, uma vez ser plenamente defensável que os rendimentos obtidos com tais direitos constituam ganho de capital tributado pela alíquota de 15% e, portanto, de forma menos gravosa para o contribuinte.

Mais uma vez, trata-se de situação em que os peculiares contornos do direito autoral fazem bastante diferença no caso concreto, porque se fosse negado ao direito autoral o seu aspecto patrimonial e se ele remanescesse unicamente como um direito pessoal, não se falaria em exploração econômica através da cessão. Trouxemos à baila esses dois exemplos, um que toca ao Direito Administrativo e outro ao Direito Tributário, para ilustrar a importância de ser claramente definida a natureza jurídica do direito autoral, uma vez que essa definição produz consequências jurídicas. 6. CONCLUSÃO O direito autoral, espécie do gênero Propriedade Intelectual, é instituto que concede prerrogativas de ordem pessoal e patrimonial ao seu titular, e como tal, goza de significativa importância na medida em que retribui o indivíduo criativo pelo seu trabalho, estimulando a criatividade e a produção intelectual e propiciando a difusão da cultura e da informação. Sua natureza jurídica é diferenciada devido ao fato de o ordenamento jurídico buscar proteger o vínculo subjetivo existente o criador e a criatura e proteger também a possibilidade de aquele lucrar com esta. Assim, trata-se de instituto verdadeiramente sui generis dentro da legislação. Esse apartamento das demais formas de classificação de institutos jurídicos se justifica pela própria essência intrincada da obra intelectual, que é inteiramente fruto da criação do espírito humano (ao contrário dos demais bens móveis, imóveis e semoventes corpóreos) porém é única e irreplicável – diferentemente de seus congêneres da Propriedade Industrial, não podem ser reproduzidos em série para efeitos industriais. O tratamento sui generis do direito autoral também se justifica com o conhecimento da histórica luta pela atribuição do merecido crédito aos autores pelas suas obras. Se outrora o autor sequer podia ter controle sobre a difusão do seu trabalho, nada mais justo que hoje ele

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gozar desse direito e receber os louros morais e patrimoniais para que possa exercer o seu direito de criar com cada vez maior dignidade. Assim, a derrocada da teoria meramente patrimonialista, bem como da teoria meramente personalista da natureza jurídica do direito autoral, vem ao encontro da consagração do Estado Democrático de Direito, concorrendo para o desenvolvimento social, cultural e econômico do país através do reconhecimento e tratamento digno dos autores de obras intelectuais.

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