Direitos humanos e violência constitucional: uma análise da legitimação das práticas constitucionais no ocidente (Revista HENDU)

July 19, 2017 | Autor: D. Carneiro Leão ... | Categoria: Critical Theory, Constitutional Law, Decolonial Thought
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Artigo Científico Original

DIREITOS HUMANOS E VIOLÊNCIA CONSTITUCIONAL:

UMA ANÁLISE DA LEGITIMAÇÃO DAS PRÁTICAS CONSTITUCIONAIS NO OCIDENTE

Daniel Carneiro Leão Romaguera João Paulo Fernandes de Souza Allain Teixeira

Romaguera, Teixeira

DIREITOS HUMANOS E VIOLÊNCIA CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DA LEGITIMAÇÃO DAS PRÁTICAS CONSTITUCIONAIS NO OCIDENTE

HUMAN RIGHTS AND CONSTITUCIONAL VIOLENCE: AN ANALYSIS OF LEGITIMACY REGARDING CONSTITUTIONAL PRACTICES IN THE WEST

Daniel Carneiro Leão Romaguera Mestre em Jurisdição e Direitos Humanos pela UNICAP/PE tendo feito Mestrado-Sanduíche na UNISINOS/RS, sob a orientação do Prof. João Paulo Fernandes de Souza Allain Teixeira. Email:[email protected]. http://lattes.cnpq.br/9765163208038480

João Paulo Fernandes de Souza Allain Teixeira Coordenador da Pós-Graduação em Direito da UNICAP, Professor de Direito do Mestrado e Doutorado da Universidade Federal de Pernambuco (PPGD/UFPE), Professor Adjunto do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco (CCJ/UFPE), Professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Professor do Mestrado de direito da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Doutor e Mestre em Direito pela UFPE. Revisor “ad hoc” do Ministério da Educação. Mestre em Teorias Críticas Del Derecho pela Universidade Internacional de Andalucía sob a orientação de Joaquín Herrera Flores. Email: [email protected]. Currículo: http://lattes.cnpq.br/3719496592232660.

RESUMO

ABSTRACT

Este ensaio gravita em torno do paradoxo presente no discurso de direitos humanos ante a realidade violenta de sua implementação no Constitucionalismo. Neste sentir, buscou-se investigar a lógica por trás da promoção constitucional conforme se revela a violência externalizada das práticas legítimas. Para isso, fez-se análise da interpretação derridiana da obra “Para uma Crítica da Violência” de Walter Benjamin, no intuito de, compreender a manifestação de violência nas Constituições que não só tem sido dissimulada, mas ocultada pelo discurso constitucional. Diante dessa proposta crítica foi contemplado também o ideal de democracia em meio às exigências constitucionais e institucionalização calculável de seu regime. Nesse sentido, então, foi considerada a aporia da pretensa validação do conteúdo dos direitos humanos

This essay revolves around the paradox found in human rights in face of the violent reality of its implementation in Constitutionalism. In this sense we sought to investigate the rationality behind the constitutional promotion as reveals the externalized violence of legitimized practices. For this, is proposed the analysis of Derrida’s interpretation of the work “The Critique of Violence” written by Walter Benjamin in order to understand the manifestation of violence in constitutions that not only has been disguised but hidden by constitutional discourse. Given this critical proposal it’s also contemplated the ideal of democracy among the constitutional requirements and calculable institutionalization of its regime. In this sense was considered the aporia of the alleged validation of the content of human rights in democratic constitutional order according Hendu 5(2):92-110 (2014) |

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na ordem constitucional democrática em face da violência presente desde o constitucionalismo moderno. Afinal, tais direitos se estabeleceram como suporte legitimador de práticas desconformes com seus próprios ideais valorativos, ao passo que transcenderam a dimensão histórica de sua produção na modernidade. Dito isto, a hipótese é de que a lógica da violência manifestada no constitucionalismo tem sido determinante para a afirmação dos direitos humanos na atualidade.

to violence since modern constitutionalism. Therefore these rights were established as legitimizing support of practices against their evaluative ideals while transcended the historical dimension of its production in modernity. That said the hypothesis is that the logic of violence manifested in constitutionalism has been determinant in the affirmation of human rights today. Keywords: Human Rights. Constitutionalism. Violence. West Modernity.

Palavras-Chave: Direitos Humanos. Constitucionalismo. Violência. Modernidade Ocidental.

1 INTRODUÇÃO Neste artigo foi elaborada crítica à violência presente no constitucionalismo e seu papel na dimensão alcançada pelos direitos humanos. Isto porque, muito embora os direitos humanos sejam tidos por ser o êxito do modelo civilizatório, em seu nome são realizadas práticas desconformes com seus ideais valorativos. A problemática insurge do disparate entre o reconhecimento desses direitos e a realidade de seu entorno, conforme a leitura feita, tal cenário não se resume a um problema de efetividade. No início, foi feita a articulação entre o suporte moral conferido pelos direitos humanos e as práticas do constitucionalismo, com o propósito de entender a relação da produção do saber humanista com o exercício de poder no âmbito constitucional. Para tanto, foi feita análise da interpretação derridiana da obra “Para uma Crítica da Violência” de Walter Benjamin, no intuito de, compreender a manifestação de violência nas constituições, esta, dissimulada e ocultada pelo constitucionalismo.

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Sob essa gênese, que se busca compreender a dimensão dos direitos humanos ao serem questionados os fatores que levaram a solidificação dos valores morais do ocidente. Contudo, não por expor aquilo que o mundo moderno concebe em seu âmago, mas, por suportar a apropriação de poder e legitimar a violência das práticas constitucionais. Esta, determinante para sua afirmação. Dito isto, a hipótese proposta é de que a expansão dos direitos humanos está ancorada na violência das práticas constitucionais. Assim, relaciona-se neste escrito a lógica moderna do constitucionalismo com a formação contemporânea dos direitos humanos.

2 A RELAÇÃO ENTRE CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS HUMANOS Inicialmente, cumpre revelar o propósito crítico deste ensaio e delimitar os contornos de apreciação do objeto pretendido, com a pretensão de que se compreenda o papel do constitucionalismo na dimensão alcançada pelos direitos humanos.

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Para isso, propõe-se investigar a institucionalização conseqüente das conquistas sociais do ocidente na modernidade e o funcionamento do constitucionalismo na expansão dos direitos humanos. As revoluções do Século XVIII conduzem ao surgimento do estado liberal na modernidade1, nesse período, segundo Costas Douzinas poderíamos falar no nascedouro dos direitos humanos (à época, os direitos do homem, ou seja, direitos naturais de feição liberal), que consistiam em valores que foram opostos à opressão e dominação na Revolução Francesa, mas, que,vêm a fazer parte do discurso triunfal da atualidade2.

tucionalismo. Mas, antes de iniciar essa investigação, há que se fazer menção a necessidade de romper com a tradição de ortodoxia da história do ocidente3, sob o cuidado de perceber que o discurso se manifesta nas estruturas de poder inserto à realidade política e social que o circunscreve. Nesse sentido, é imprescindível o amparo na visão em perspectiva dos acontecimentos sociais, consigna Heiner Bielefeldt que a ideologia dos direitos humanos padece de compreensão da dimensão social em que se encontra4, pois ao:

De acordo com o autor, no que sucedeu as declarações e o projeto iluminista do Séc. XVIII, houve a racionalização do sujeito moderno incorporado pela concepção de direitos humanos nos Séculos XIX e XX (Douzinas, 2009, p. 165). Destaca-se, o processo de institucionalização subsequente ao referido:

(...) interpretá-los retroativamente como direitos humanos implícitos ou potenciais significaria adotar a ingenuidade do pensamento histórico teleológico que, conforme Kaviraj, deságua numa cobrança essencialista-cultural da idéia dos direitos humanos, ou em algo como um Espírito do Ocidente (Bielefeldt, 2000, p. 149).

Direitos naturais e humanos foram concebidos como uma defesa contra o domínio do poder, a arrogância e a opressão da riqueza. Após sua inauguração institucional eles foram sequestrados por governos cientes dos benefícios de uma política moralmente confiável (Douzinas, 2007, p. 16).

Sob essa gênese, questiona-se os fatores que levaram a solidificação dos valores morais do ocidente. Nesses termos, não se quer desconsiderar a importância de institutos como, por exemplo, o contrato social, a vontade geral, as declarações de direitos, por serem inegáveis elementos instituidores da ordem estatal moderna5. Contudo, não por expor aquilo que o mundo moderno concebe em seu

Desse modo, cabe averiguar o processo de expansão desses direitos no consti1 Comumente, aponta-se, a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos, também, suas respectivas declarações, como momento determinante à formação dos direitos humanos. A destacar, portanto, obras que revelam a tradição dos direitos humanos atreladas ao discurso eurocêntrico do constitucionalismo: A era dos direitos (Bobbio, 2004); The philosophy of right (Hegel, 1967); Filosofia dos direitos humanos (Bielefeldt, 2000); A afirmação histórica dos direitos humanos (Comparato, 2007). 2 A história dos direitos humanos fez da resistência à dominação e opressão seu fim principal. No entanto, a partir de modernidade precoce em diante, os direitos naturais sustentaram a soberania do Estado moderno. Esta tendência foi reforçada na pós-modernidade e os direitos humanos tornaram-se a ordem moral de um novo império em construção (Melbourne University Law Review, 2002, p. 445, tradução nossa).

3 Nada mais emblemático do que a teoria dos direitos fundamentais com o evolucionismo presente nas gerações que os caracterizam. Trata-se de uma sucessiva cadeia que conduz ao ímpeto evolucionista da humanidade. É, assim, que o discurso nega seu próprio contexto através de um historicismo linear (Sousa Santos, 2000, p. 564). 4 De igual maneira, a obra de Augustin Cochin nos revela a necessidade de aferição dos fenômenos sociais em atento aos fatores de poder: “O corpo, Ia société de pensée, explica o espírito, as convicções compartilhadas. A Igreja precede aqui, e cria, o seu Evangelho; está unida para a verdade, não pela verdade. A Regeneração, o Iluminismo, era um fenômeno social, não um fenômeno moral ou intelectual” (Cochin, 1921, p.14). 5 Ao criticar o liberalismo Costas Douzinas revela a crosta dominante do idealismo moderno: “O mundo em que habitam é um lugar atmocêntrico, constituído por contratos sociais e posturas originais motivados pela cegueira subjetiva dos véus da ignorância, atribuídos a situações de discursos ideais e que retornam a uma certeza pré-moderna de respostas corretas únicas a conflitos morais e jurídicos” (Douzinas, 2007, p. 15).

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âmago, mas por suportar a apropriação de poder e legitimar as práticas dominantes6. Acerca disso, torna-se imperioso questionar a memória incorporada e retomar a história: “(…) em nome de uma exigência mais insaciável de justiça, à reinterpretação de todo o aparelho dos limites nos quais uma história e uma cultura puderam confinar criteriologia” (Derrida, 2010, p. 36). A demonstrar esse tipo de investigação, Derrida aborda o conceito de emancipação7, em remissão à mitologia iluminista e ao projeto racionalista da modernidade. Tal ideal emancipatório foi, e, ainda é determinante para o constitucionalismo: “Emancipação significa para os modernos o abandono progressivo do mito e do preconceito em todas as áreas da vida e a substituição destes pela razão. Em termos de organização política, libertação significa a sujeição do poder a razão da lei” (Douzinas, 2007, p. 23). Nesse mesmo viés, propõe-se neste ensaio fazer esse tipo de investigação com relação ao constitucionalismo, em específico, do papel da violência constitucional na expansão dos direitos humanos. Para isso, porém, faz-se imperioso compreender o projeto racionalista da modernidade em razão do disparate entre o idealismo presente no discurso humanista de direitos humanos e as práticas constitucionais. No entendimento de Lynn Hunt foi com Immanuel Kant que a narrativa iluminista 6 Revela-se a: “(...) funcionalização da ciência, a par da sua transformação na principal força produtiva do capitalismo, diminuiu-lhe a radical e irreversivelmente o seu potencial para uma racionalização emancipatória da vida individual e colectiva” (Sousa Santos, 2000, p. 119). 7 “Nada me parece menos perempto do que o clássico ideal emancipatório. (...) não se pode desqualificá-lo hoje (...) é verdade que também é necessário, sem renunciar a esse ideal, pelo contrário, reelaborar o conceito de emancipação, de franqueamento ou de libertação, levando em conta as estranhas estruturas que descrevemos neste momento. Mas, para além, dos territórios hoje identificáveis da jurídico-politização em grande escala geopolítica, para além de todos os desvios arrazoados e interesseiros (...) outras zonas devem abrir-se constantemente, que podem a primeira vista parecer zonas secundárias ou marginais. Essa margem significa também que uma violência e um terrorismo ou outras formas de sequestro estão em ação” (Derrida, 2010, p. 57).

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atingiu o seu auge, no ensaio denominado “O que é o Iluminismo?” (Kant, 1990)8, a humanidade sai da imaturidade que estava incapaz de compreender-se para a autonomia intelectual do sujeito racional (Hunt, 2009). Ao racionalizar moralmente o ego cogito de Descartes, o homem afasta-se da “incapacidade de empregar a própria compreensão sem a orientação de outro”, teria assim alcançado a autonomia intelectual, ou seja, a capacidade de pensar por si mesmo (HUNT, 2009. p. 116). Apesar da relevância na transposição do Ancien Régime, a crítica racionalista não enfrenta o problema de sua origem, pois compreende “(...) investigação feita pela razão sobre seu próprio funcionamento” (Douzinas, 2007, p. 23). Na visão de Gilles Deleuze: Kant denuncia as falsas pretensões ao conhecimento, mas não põe em causa o ideal de conhecer; denuncia a falsa moral, mas não põe em questão as pretensões da moralidade nem a natureza e a origem dos seus valores. Acusa-nos de ter misturado domínios, interesses; mas os domínios continuam intactos, e os interesses da razão, sagrados (o verdadeiro reconhecimento, a verdadeira moral e a verdadeira religião) (Deleuze, 2011, p. 20).

Com essa digressão, aponta-se o problema da ciência por não ter consciência de si mesma. Que, assim, é capaz de funcionar como instrumento que fortifica a construção excludente do sujeito liberal e legitima o idealismo dos direitos naturais. 8 Trata de opúsculo de Immanuel Kant, “Resposta a uma questão: o que é o iluminismo?”, que demonstra o ideal imperativo racionalista. Inclusive, o referido manifesto europeu foi objeto de debate por Michel Foucault, acerca da crítica ao projeto da modernidade nos artigos denominados “1984 - O que são as luzes?” (Foucault, 2000) e “Os intelectuais e o poder” (Foucault, 1979).

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Lynn Hunt pontua a ênfase do Iluminismo na autonomia individual com a trajetória iniciada no pensamento político do século XVII de Hugo Grotius e John Locke, ao argumentar-se que o acordo social de um homem autônomo com outros era o único fundamento possível da autoridade política legítima. E, nesse prelo, sucedem os direitos naturais: Já em 1625, um jurista calvinista holandês, Hugo Grotius, propôs uma noção de direitos que se aplicava a toda a humanidade, não apenas a um país ou a uma tradição legal. Ele definia “direitos naturais” como algo autocontrolado e concebível separadamente da vontade de Deus (Hunt, 2009, p. 117).

Nas teorias contratualistas de direito natural consolidou-se uma pseudo pressuposição homogênea de consenso com base na racionalidade autoconsciente do humano. Isso porque, tais teorias surgem da racionalização da vida social pelo sujeito. Enquanto, tornou-se perceptível sujeição aos padrões impostos9. Vê-se, portanto, uma racionalidade cognitiva em apelo ao individualismo, em que “(...) as leis civis extraem, em última instância, a sua universidade e legitimidade da correspondência com leis naturais” (Sousa Santos, 2000, p. 138)10. Acerca da sujeição à lei, Peter Fitzpatrick denota o falso transcendental e universal do humano presente no iluminismo, que nos revela a lógica do mítico racionalista: 9 Na concepção hobbesiana, as liberdades individuais e o direito de propriedade dos justificam a formação do contrato social e a sociedade civil, através do Leviatã que constitui um sujeito soberano em seu governo capaz de garantir as medidas necessárias para a preservação da propriedade individual e da segurança. Não de forma diferente, na visão de John Locke, o contrato social se origina da necessidade da proteção de propriedade que condiz com o exercício da liberdade e da autonomia da vontade (Locke, 2009, p. 25). 10 A nosso ver, tal prenúncio resta presente na dimensão dos direitos humanos como fator justificador do soberano.

Esse mundo recentemente criado entra em confronto com um reino mítico de sentido fechado, ainda que múltiplo, um reino em que a origem e a identidade estão localizadas no plano transcendente. No Iluminismo, o transcendente foi trazido para a terra. O “ser humano” teria de ser a medida do ser humano. Não havia mais necessidade de mediação mítica entre o real e o transcendente. O sentido fora então unificado. O transcendental e o limite que ele impunha ao pensamento e à existência representavam os freios temerosos que os homens haviam imposto a si mesmos em eras passadas. (...) A realidade e suas divisões não mais obtinham sua identidade do seu lugar dentro de uma ordem mítica abrangente - elas eram manifestações de um processo de descoberta e realização. Quando esse processo atinge os limites de sua apropriação do mundo, o Iluminismo cria os verdadeiros monstros ao quais ele se contrapõe tão assiduamente. Esses monstros da raça e da natureza indicam os limites exteriores, o “outro” intratável contra o qual o Iluminismo volta a vacuidade do universal e, nessa oposição, confere ao seu próprio projeto um conteúdo palpável. Uma existência esclarecida é aquilo que o outro não é. A lei moderna foi criada nessa disjunção (Fitzpatrick, 2007, p. 74).

Destarte, a unificação da modernidade é conduzida nesse arbítrio demonstrado pelo autor, na abertura da mítica valorativa dos ideais humanistas é possível identificar a predisposição dominante na modernidade11. Faz-se menção, a título exemplificativo, das diversas críticas ao ideal moderno e ao mito da racionalidade: 11 Podemos perceber ambas as feições conjugadas: “Se o mito obtém seu potencial a partir de histórias de origem, a legitimação da razão é encontrada na promessa de progresso exposta em filosofias das histórias” (Douzinas, 2007, p. 24).

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O melancólico diagnóstico de Nietzsche de que ingressamos no crepúsculo da razão, o desespero de Adorno e Hokheimer na Dialetics of the enlightment e a afirmação de Foucault de que o “homem” moderno era um mero rabisco nas areias do mar de histórias prestes a ser levado pelo roldão (...) Os sábios da Escola de Frankfurt argumentavam o conflito entre logos e mythos não poderia levar à terra prometida da liberdade, porque a razão instrumental, uma faceta da razão da modernidade, se transformou em seu mito destrutivo. (...) A marcha inexorável da razão e sua tentativa de pacificar as (...) formas modernas de conflito (...) levaram à manipulação psicológica e aos gulags, ao totalitarismo político e a Auschwitz, e finalmente à bomba nuclear e à catástrofe ecológica (Douzinas, 2007, p. 24).

Aqui, o prenúncio da racionalidade moderna será criticado diante do cinismo na produção do saber e reivindicações governamentais, o que, segundo este escrito, persiste na dimensão universalista dos direitos humanos e constitucionalismo democrático. Samuel Moyn consigna o disparate entre o reconhecimento desses direitos e a realidade de seu entorno “Os direitos eternos do homem foram proclamados na era do Iluminismo, mas eram tão profundamente diferentes em seu resultado prático, inclusive, com as sangrentas revoluções que constitui outra concepção” (Moyn, 2010, p. 04, tradução nossa) 12. Nessa conexão é que o contrassenso do constitucionalismo desponta ser fator determinante à construção política da sociedade atual e suas discrepâncias. Veremos, que, a partir da origem das constituições 12 “The eternal rights of man were proclaimed in the era of Enlightenment, but they were so profoundly differente in ther pratical outcome-up to and including bloody revolution-as to constitute another conception altogheter” (Moyn, 2010, p. 04).

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reafirmam-se os valores consignados supostamente a atender as promessas firmadas na modernidade, mas, que, são impassíveis de consagração em seu regime institucional de práticas violentas13. Sob esse viés, o constitucionalismo consiste, também, na apreensão política à formação e condução dos estados democráticos, não se limitando a justificar e aplicar o direito posto. É preciso reconhecer a dimensão do constitucionalismo na afirmação política dominante das democracias constitucionais. Pois, é nesse espaço que será permissiva a definição do legítimo através da conjunção entre o poder exercido e a moral dominante. Pois, tal espectro de abertura em que se manifesta o domínio, define o legítimo do constitucional, mas, paradoxalmente, é onde a democracia pode florescer em oposição ao institucionalizado pelo constitucionalismo na afirmação dos direitos humanos. Na análise da democracia no porvir de Jacques Derrida14, acerca da afirmação do político nos espaços de sua criação, propõe-se compreender a democracia para além da pretensa ordem constitucional em que se governa sob os auspícios da soberania popular15. Pois, ao passo que fomenta práticas de poder contrárias aos valores que propugna, a questão democrática tende a esvaecer-se. É justamente diante dessa aporia que se tem por ignoradas as ações espúrias que 13 Costas Douzinas aponta que a Constituição confere voz à soberania e legitimação ao exercício estatal, em suas instituições e princípios que são fundamentais (Douzinas, 2010, p. 03). 14 “A democracia é, para Derrida, o único regime ou quase-regime político aberto a sua historicidade na forma de transformação política, e aberto à sua própria reconceitualização por meio da autocrítica, chegando até e incluindo a idéia e o nome ‘democracia’” (Naas, 2006. p. 33). 15 Douzinas refere à tomada do todo pela parte “(...) a confusão, do rolar juntos através da figura retórica de metalepse (a parte está no todo) está implícita em todas as declarações legais” (Douzinas, 2010, p. 05, tradução nossa). Já dizia Tocqueville, para falar de leis e políticas nos Estados Unidos é preciso começar pelo Dogma da Soberania do Povo, em sua obra “De la démocratie em Amérique”: “O povo é o fim de todas as coisas; tudo dele emana e tudo nele se absorve” (Derrida, 2005, p. 59).

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submergem aos cultuados direitos humanos no constitucionalismo: A irrealidade ontológica do homem abstrato dos direitos conduz inexoravelmente à sua utilidade limitada. Direitos abstratos são, assim retirados de seu lugar de aplicação e das circunstâncias concretas das pessoas que sofrem e se ressentem de que eles não conseguem corresponder a suas reais necessidades (Douzinas, 2007, p. 166).

Conduz-nos, assim, a relembrar que não há direito que não implique nele mesmo. Tal qual, é com a possibilidade de força que a Constituição contradiz o preceituado pelo próprio direito e se mantém: Ora, a operação de fundar, inaugurar, justificar o direito, fazer a lei, consistiria num golpe de força, numa violência performativa e portanto interpretativa que, nela mesma, não é justa e nem injusta. (...) nenhum discurso justificador pode, nem deve, assegurar o papel da metalinguagem com relação a performatividade da linguagem instituinte ou à sua interpretação dominante. O discurso encontra ali seu limite: nele mesmo,em seu próprio poder performativo (Derrida, 2010, p. 24/25).

E, assim o é, “Já que a origem da autoridade, a fundação ou o fundamento, a instauração da lei não podem, por definição, apoiar-se finalmente senão sobre elas mesmas, elas mesmas são uma violência sem fundamento” (Derrida, 2010, p. 26). Dito isto, perceber-se-á através da análise da violência o longo deste artigo, que este problema está na origem do estado de direito:

Pois no fundamento ou na instituição desse direito o mesmo problema da justiça se colocará, violentamente resolvido, isto é, enterrado, dissimulado, recalcado. O melhor paradigma é, aqui, a fundação dos estados-nações, ou o ato instituinte de uma constituição que instaura o que se chama, em francês, o etát de droit [estado de direito] (Derrida, 2010, p. 45).

E, apesar da clara tendência dos juristas em atribuir as extenuações e abusos na democracia constitucional a um défice de efetividade social no funcionamento das instituições, não é essa a compleição do constitucional. Nesse sentido, será investigada a moldura constitucional dos direitos humanos para adequação aos fins políticos desejados, ou seja, fixados nos termos do legítimo estabelecido pela ordem constitucional (Douzinas, 2007, p. 13). Dito isto, ao longo deste trabalho, procurou-se atentara lógica do constitucionalismo hábil em dissimular e ocultar a violência das práticas manifestadas em nome dos direitos humanos.

3 POR UMA CRÍTICA DA VIOLÊNCIA Neste tópico, então, a proposta é analisar a lógica do exercício de violência legítima do constitucionalismo.Tal leitura pressupõe a análise da relação entre violência e direito, de como, o poder se manifesta no exercício soberano através da lei16. O marco teórico seguido foi a interpretação feita por Jacques Derrida no escrito “Força de lei” do texto “Para uma crítica da 16 David Kennedy no livro “Of War and Law” traz análise crítica da ordem legal internacional e aponta como os humanitários estão dentro do warfare, pois é conferida roupagem legal a guerra. Assim, a lei perpetua a guerra de outras formas, através da legitimação da violência. O autor demonstra a relação entre warfare e humanitarismo ao longo do texto, destaca-se que o elemento político não pode ser desconsiderado na leitura da lei (Kennedy, 2006).

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violência”17 de autoria de Walter Benjamin (Derrida, 2010). Analisado aqui, com o intuito de expor a temática da violência nas práticas constitucionais sob o manto da legitimidade dos valores modernos. Inicialmente, há que se fazer a distinção entre direito e justiça. O direito faz parte do apreensível e calculável, aquilo que é produzido convencionalmente sob o prenúncio de busca pelo ideal de justiça. Por outro lado, a justiça é o inapreensível, nos dizeres de Derrida “experiência do impossível”, incapaz de ser alcançada pelo direito, pois se mantém pelo fundamento de sua autoridade. A partir desta distinção pode-se perceber onde incide a violência: O direito não é justiça. O direito é o elemento do cálculo, é justo que haja um direito, mas a justiça do incalculável, ela exige que se calcule o incalculável; e as experiências aporéticas são experiências tão improváveis quando necessárias a justiça, isto é, momentos em que a decisão entre o justo e o injusto nunca é garantida por uma regra (Derrida, 2010, p. 30).

Importante notar, também, a abertura que viabiliza a interposição do direito pela violência conforme são fixados os limites do legítimo. Na interpretação de Derrida, portanto, a violência abarca tanto o ato fundador como conservador do direito. Logo, responsável pela afirmação da Constituição, no poder constituinte e no poder constituído18.

A tarefa de uma crítica da violência pode se circunscrever à apresentação de suas relações com o direito e com a justiça. Pois, qualquer que seja o modo como atua uma causa, ela só se transforma em violência, no sentido pregnante da palavra, quando interfere nas relações éticas. A esfera dessas relações é designada pelos conceitos de direito e justiça (Benjamin, 2011, p. 121).

A par disso, permite-se ultrapassar a limitada crítica da violência que se estabelece com foco na relação entre meio e fim, tanto do jusnaturalismo como do positivismo. Isto porque, ao professar a existência de fins justos nos direitos naturais, o jusnaturalismo persiste no engano de que o ideal valorativo desses direitos seria o limite do exercício da violência e não o próprio fundamento ambivalente do direito e da violência (Benjamin, 2011, p. 123). Não de maneira diversa, perpassa também as proposições do direito positivo que visa à adoção de meios legítimos para que sejam alcançados os fins do direito. Assim, a crítica dos meios determina a justiça dos fins. Benjamin destaca que é preciso sair desse âmbito:

Mas, de igual maneira, a violência está legitimada pelo direito como força superior às demais,justamente por ser necessária à existência da própria ordem19:

Se o direito natural pode julgar cada direito existente apenas por meio da crítica aos seus fins, o direito positivo, por sua vez, pode avaliar qualquer direito nascente apenas pela crítica aos seus meios. Mas, sem prejuízo desta oposição, as duas escolas se encontram num dogma comum fundamental: fins justos podem ser alcançados por meios justificados, meios justificados podem ser aplicados para fins justos (Benjamin, 2011, p. 124).

17 Nos escritos sobre mito e linguagem, Walter Benjamin elaborou o referido texto atinente à violência do direito, em alemão: “Zur Kritik der Gewalt”. 18 Tal divisão não comporta fundamento, visto que se mantém a afirmação da violência através dos padrões do legítimo. 19 A lembrar de ser o termo Gewalt [violência] utilizado tanto para violência como para poder legítimo. (Benjamin, 2011).

A concluir que, o direito natural desconsidera a condicionalidade dos meios e o direito positivo nega a incondicionalida-

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de dos fins, muito embora, seja essa a sua origem. Ora, o valor admitido pelo direito positivo à crítica da violência também deve ser criticado: Em todo o campo de forças [Gewalten] levadas em consideração pelo direito natural ou pelo direito positivo, não se encontra nenhuma que escape da grave problemática da violência do direito. Mas como qualquer representação de uma solução pensável para as tarefas humanas – sem mencionar uma redenção do círculo amaldiçoado de todas as situações existenciais já ocorridas na história mundial – é irrealizável quando se excluí, por principio, toda e qualquer violência (…) (Benjamin, 2011, p. 145).

Para que se chegue a esse raciocínio, então, é necessário remeter a formação da ordem constitucional e seu ato fundador, por ser este desprendido de qualquer fundamento jurídico, pois não é condicionado à validação por uma ordem antecedente. Nesse sentido, o ato de elaborar a constituição é um ato de força; de decisão. Uma vez irrompido este ato fundador, a violência integra o direito para garanti-lo: Em contraposição, talvez se devesse levar em conta a possibilidade surpreendente de que o interesse do direito em monopolizar a violência com relação aos indivíduos não se explicaria pela intenção de garantir os fins de direito mas, isso sim, pela intenção de garantir o próprio direito; de que a violência, quando não se encontra nas mãos do direito estabelecido, qualquer que seja este, o ameaça perigosamente, não em razão dos fins que ela quer alcançar, mas por sua mera existência fora do direito (Benjamin, 2011, p. 127).

Desde o início, revela-se o paradoxal entre o direito e a violência, com a apreensão dos valores de direito nas relações de força imersas às estruturas de poder, em conflito, pois, com seus próprios fins, já que o direito deve monopolizar a violência. Até porque: A possibilidade de um direito de guerra repousa exatamente nas mesmas contradições objetivas na situação de direito que a possibilidade do direito de greve- na medida em que os sujeitos de direito sancionam violências cujos fins permanecem, para aqueles que sancionam, fins naturais, e por isso podem, em casos graves, entrar em conflito com seus próprios fins de direitos naturais (Benjamin, 2011, p. 130).

É, para evitar esse risco que o constitucionalismo deve adotar um discurso que justifique sua representatividade e exercer a “violência de direito”20. Afinal, trata-se da aporia da fundação, e, por não haver fundamento último à validação da Constituição é essencial a dissimulação da violência nas práticas jurídicas21. Além disso– nos termos já discorridos do tópico anterior– cumpre reiterar que é com a razão auto fundadora do fundamento místico da autoridade que se denega os contornos históricos do direito: (...) um diz que a essência da justiça é a autoridade do legislador, outro, 20 O termo “Violência de direito” é o título do artigo do Professor Vladimir Safatle, no qual, observa a criminalização recente dos movimentos sociais e protestos. A considerar que, direito e justiça não estão dissociados (Safatle, 2014). 21 A análise da aprendizagem e da aquisição de disposições conduz ao princípio propriamente histórico da ordem política. Pascal tira uma conclusão tipicamente maquiavélica a partir da descoberta de que o arbítrio e a usurpação estão na origem da lei, de que é impossível fundar o direito na razão e no direito, de que a Constituição, sendo decerto o que mais se assemelha, na ordem política, a um primeiro fundamento cartesiano, não passa de uma ficção fundante destinada a dissimular o ato de violência fora da lei que está na raiz da instauração da lei: na impossibilidade de facultar ao povo o acesso à verdade libertadora sobre a ordem social (“veritatem qua liberetur”), pois isso apenas serviria para ameaçar ou arruinar essa ordem, é preciso “trapaceá-lo”, dissimular-lhe a “verdade da usurpação”, ou seja, a violência inaugural na qual se enraíza a lei, fazendo com que seja “vista como autêntica, eterna (Bourdieu, 2007, p. 203/204).

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a comodidade do soberano, outro, o costume presente; e é o mais seguro; nada, segundo somente a razão, é justo por si; tudo se move com o tempo. O costume faz toda a equidade, pela simples razão de ser recebida; é o fundamento místico da autoridade. Quem a remete a seu princípio a aniquila (Pascal, 2005, p. 467).

Nesse sentido, toda a ordem legal e constitucional parte desse ato de força que surge para fundamentar e apreender o direito, este, detido nas categorias legais e devidamente protegido. Tanto é que, o poder constituinte não é exposto pela ordem jurídica, está para além, e, portanto, não se permite por em xeque. Dito isto, é da relação de força que nasce o direito como a possibilidade legítima: no poder constituinte. Muito embora, seja continuamente negado como tal, já que o constitucionalismo propugna que “deve ser reduzido a norma de produção do direito, interiorizado no poder constituído” (Negri, 2002, p. 10). Quando sabemos que é “um poder que surge do nada e organiza todo o direito” (Negri, 2002, p. 08). Negri revela-nos a feição do “(...) jogo de afirmar e negar, de tornar algo como absoluto e depois estabelecer-lhe limites – que é tão próprio do seu trabalho lógico – como o fez a propósito do poder constituinte” (Negri, 2002, p. 10). Isso acontece porque a Constituição é suportada pela violência que estabelece os contornos do direito, logo não pode ser tida por externa a ordem jurídica. Pois, é justamente nessa acepção que o poder do direito se reafirma pela violência conservadora eremissiva ao ato fundador. Assim, é instituído e mantido o direito. É por isso que na reflexão de Benjamin: “Toda violência como meio é ou instaura-

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dora ou mantenedora do direito. Se não pode reivindicar nenhum desses predicados, ela renuncia por si só qualquer validade” (Benjamin, 2011, p. 136). Assim, a violência rompe com a experiência do impossível, negada e ocultada com a instrumentalização do poder pelo constitucionalismo que é capaz de repreender o indesejável em nome da Constituição. Segundo Benjamin há um processo de escolha que define as possíveis, por exemplo, no caso do tratamento conferido ao direito de greve: (…) diferença de interpretação se expressa a contradição objetiva da situação de direito, na qual o estado reconhece a violência cujos fins, enquanto, fins naturais, ele às vezes considera com indiferença, mas em caso sério (de greve geral revolucionária) com hostilidade (Benjamin, 2011, p. 129).

É forçoso concluir que força, poder e violência integram o direito, Derrida faz menção à crítica de Blaise Pascal: (...) o pensamento pascaliano concerne talvez a uma estrutura mais intrínseca. Uma crítica da ideologia jurídica não deveria jamais negligenciá-la. O próprio surgimento da justiça e do direito, o momento instituidor, fundador e justificante do direito, implica uma força performativa, isto é, sempre uma força interpretadora e um apelo à crença; desta vez, não no sentido de que o direito estaria a serviço da força, instrumento dócil, servil e portanto exterior do poder dominante, mas no sentido de que ele manteria, com aquilo que chamamos de força, poder ou violência, uma relação mais interna e mais complexa (Derrida, 2010, p. 23/24).

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Nas palavras do referido autor: “E assim, não podendo fazer com que aquilo que é justo fosse forte, fizeram com que aquilo que fosse forte fosse justo” (Pascal, 2005, p. 19). Ora, não somente no sentido de que o direito estaria a serviço de uma ideologia específica, mas de sua relação inerente com o poder e a violência na formação do legítimo. Nesses moldes, viu-se o problema da violência constitucional que se estabelece no embate social e na manifestação de suas práticas legítimas. Em nossa proposta, resiliente nas democracias constitucionais, pois “quando se apaga a consciência da presença latente da violência numa instituição de direito, esta entra em decadência” (Benjamin, 2011, p. 137). Adotada esta cautela, ou seja, contabilizada a precaução do que está por trás do aparato normativo, compreende-se a lógica do constitucionalismo que foi determinante para a expansão do discurso humanista. Para tanto, um ponto que precisa ser explorado diz respeito à dinâmica de operacionalidade das práticas do constitucionalismo no poder de polícia. Já observado anteriormente, Walter Benjamin entende por ser imprescindível o controle de interdição e a formação do monopólio estatal da violência para a validação do direito. Essas feições, sem dúvida, tem pertinência ao poder de polícia na modernidade que estabelece o controle da sociedade e diversos aspectos da vida, e, serve também, para legitimar a ordem constitucional e conservar o esquecimento da violência manifestada. Manifesta-se o autor “Estado moderno: a polícia. Esta é, com certeza, uma violência para fins de direito (com o direito de disposição), mas com a competência simultânea para ampliar o alcance desses

fins de direitos (com o direito de ordenar medidas)” (Benjamin, 2011, p. 135). Ora, tais fins compreendem a afirmação da institucionalidade legítima do direito, bem como, o controle dominante sobre os corpos (Foucault, 1988, p. 151). O que não tem sido diferente na operacionalidade dos cultuados Direitos Humanos, pois apreendem o humano em seu elenco valorativo, por exemplo, as partes do ser: a boca na liberdade de expressão; corpo na liberdade de locomoção, dentre outros. Tal disciplina revela o surgimento do corpo de acordo com a manifestação do exercício constitucional de biopoder impositiva aos aspectos da vida humana22. A perceber, que, com a insuficiência dos métodos de coação física, novos mecanismos se mostraram imprescindíveis aos ideais de dominação. A ponto de, a apreensão do discurso fomentar a insuficiência do dominado, pois assume os interesses dos dominantes como se seus fossem: (...) O que emerge é um poder de tipo “pastoral”, o qual- na descrição dada por Michel Foucault - significa dominação exercida “em benefício do” dominado, em seu interesse, em nome da condução adequada e completa de seus assuntos vitais (Bauman, 2010. p. 38).

Nesse sentido, a lógica é de que se torna cada vez menos necessário utilizar-se de atos de violência física para preservação das estruturas dominantes diante da produção do conhecimento legítimo: “A vigilância assimétrica tende a gerar o 22 Destaca-se, além da institucionalidade das prisões, hospitais de custodia e abrigos, formas mais sutis do maquinário constitucional que revolvem os direitos humanos. Inclusive, as próprias organizações promotoras desses valores, ONG’s, associações, facetas do estado de ordem assistencialista e burocráticas que atuam nessa área. Para maiores incursões checar o texto “A Doxa universalista dos Direitos Humanos e seus paradoxos: por uma crítica ao direito na atualidade” (Carneiro Leão e Teizeira, 2014).

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papel do “educador”, e não a de um de mero expert em coerção (embora os dois papéis não estejam obrigatoriamente em oposição)” (Bauman, 2010. p. 74). Na nossa análise, faz-se imperioso atentar aos Direitos Humanos como suporte moral a este poder manifestado. A destacar que, conforme será noticiado no tópico seguinte, tais direitos em sua universalidade resultam de uma produção particular que assume prevalência23. Na expressão utilizada por Bourdieu, uma doxa24: “(...) A doxa é um ponto de vista particular, o ponto de vista dos dominantes, que se apresenta e se impõe como ponto de vista universal;”(Bourdieu, 1996. p. 120). Que, conforme os estudos de Bourdieu pressupõe o exercício de poder simbólico25, determinante para a formação de um discurso ignorado como arbitrário: O poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exercer se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. (Bourdieu, 2006, p.14)

Não por outro lado, a feição espectral do poder de polícia é constatada por Benjamin: “Sua violência não tem figura, assim como não tem figura sua aparição espectral, jamais tangível, que permeia 23 A concepção de democracia conjuntamente com os direitos humanos, assume o padrão definidor do regime ideal, pois: “(...) o colapso do comunismo e a eliminação do apartheid marcaram o fim dos dois últimos movimentos mundiais a desafiar a democracia liberal” (Douzinas, 2007, p. 20). 24 Tal temática foi enfrentada no artigo intitulado “A produção do saber universalista: por uma crítica da expansão ocidental dos direitos humanos” (Carneiro Leão e Teixeira, 2014). 25 “(...) – é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo o exercem” (Bourdieu, 2006, p.07).

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toda a vida dos estados civilizados” (Benjamin, 2011, p. 136). Isto porque, há um substrato espectral por trás de toda a violência professada nas estruturas hierárquicas que se afirma e reafirma, ao mesmo tempo, dissimulada nas práticas e discurso do constitucional. Assim sendo, por ser promotora do programa constitucional a violência da polícia excede ao próprio direito. Tal gênese revela que o próprio direito é ultrapassado pela soberania ao operar sua lógica, pois o “(...) soberano é aquele que tem o direito de suspender o direito” (Derrida, 2005, p. 30), reflexão desenvolvida por Carl Schmitt26. Nesse viés, Costa Douzinas construiu tese em resposta ao paradoxo do poder polícia, a qual denominou de: “A virada bio-política transforma os Direitos Humanos em ferramentas de controle sob a promessa de liberdade” (Douzinas, 2012). Na visão do autor, resta-nos observar os paradoxos oferecidos pelos Direitos Humanos e elevá-los para além do problema do direito e seus cálculos, pois: Quando os apologistas do pragmatismo decretam o fim da ideologia, da história ou da utopia, eles não assinalam o triunfo dos direitos humanos; ao contrário, eles colocam um fim nos direitos humanos. O fim dos direitos humanos chega quando eles perdem o seu fim utópico (Douzinas, 2007, p. 13).

Dito isto, foi contabilizada a precaução do que está por trás do aparato constitucional normativo, ao compreender-se a lógica determinante do exercício da violência constitucional. 26 Agamben identifica: “Soberano: quem o ordenamento jurídico reconhece o poder de proclamar o estado de exceção e de suspender, a validade do ordenamento, então “(...) permanece fora do ordenamento jurídico e, todavia, pertence a este, porque cabe a ele decidir se a constituição in Toto possa ser suspensa” (Agamben, 2010, p. 22).

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Desde o início da argumentação, portanto, fez-se notar a relação paradoxal entre direito e violência, em especial, no papel do direito diante das relações de força imersas às estruturas de poder. Ao passo que, a força do direito se reafirma pela violência conservadora e remissiva ao ato fundador. Conclui-se, então, ser instituído e mantido em conflito com seus próprios fins.

Nesse alerta, retoma-se a reflexão sobre o problema da conjunção entre poder e moral que foi posto no início do texto, isto, o olhar voltado para a afirmação do universalismo humanista nas famosas declarações dos estados liberais28, pois, tais manifestos não indicam uma autoevidência de seus valores, mas, sim, uma totalidade de diferenças.

Dessa forma, viu-se que a institucionalização constitucional serve a autoimunizar o sistema legal, ancorar os direitos humanos e legitimar a violência do poder de polícia. Nessa acepção que a lógica da violência constitucional se fez presente na formação dos direitos humanos.

Ora, segundo Lynn Hunt o que a tradição liberal construiu nessas declarações revela um contrassenso em si mesmo, chama do paradoxo da autoevidência, pois se realmente esses direitos fossem universais, naturais e iguais, de que serviria seu reconhecimento?

4 A VIOLÊNCIA CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Isso porque, assim não são, já que apenas passam a ter significado e relevância quando tem conteúdo político, ou seja, são manifestados nas relações de poder. Em que, o reconhecimento constitucional serve a legitimar as estruturas e práticas sociais:

Concluída esta breve incursão na lógica do constitucionalismo ante a violência das práticas constitucionais, compete agora atentar como se estabeleceu a legitimação desse cenário constitucional em nome dos direitos humanos. Para isso, é preciso considerar a heterotopia desses direitos, ao identificar-se espaços absolutamente outros aos que lhe foram reservados. Foucault noticia as descrições de Gaston Bachelard acerca do abandono da ilusão utópica do ideal homogêneo de sociedade: O trabalho monumental de Bachelard e as descrições dos fenomenólogos, nos ensinaram que não vivemos em um espaço homogêneo e vazio, mas, ao contrário, em um espaço completamente imbuído de quantidades e, talvez, completamente fantasmático também (Foucault, 1987, p. 02, tradução nossa)27. 27 ”Bachelard’s monumental work and the descriptions of phenomenologists have taught us that we do not live in a homogeneous and empty space, but on the contrary in a space thoroughly imbued with quantities and perhaps thoroughly fantasmatic as well” (Foucault, 1987, p. 02).

Essa afirmação de autoevidência, crucial para os direitos humanos mesmo nos dias de hoje, dá origem a um paradoxo: se a igualdade dos direitos é tão autoevidente, por que essa afirmação tinha de ser feita e por que só era feita em tempos e lugares específicos? Como podem os direitos humanos ser universais se não são universalmente reconhecidos? (Hunt, 2009, p. 18).

E, conclui, “Entretanto, nem o caráter natural, a igualdade e a universalidade são suficientes. Os direitos humanos só se tornam significativos quando ganham conteúdo político” (Hunt, 2009, p. 19). Portanto, os atos de declaração são ambiguamente retrógrados e avançados. 28 As declarações de direito se assemelham a verdadeiras epopeias que fortalecem uma gênese em comum, assim como os mitos. As duas principais: Declaração de Direitos da Virgínia e Declaração de Independência – EUA (1776); Declarações dos direitos do homem e do cidadão – França (1789).

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Nas diversas constituições, os declarantes afirmavam estar contemplando direitos que já residiam ao homem. Mas, ao mesmo tempo, ao fazê-lo, efetuavam uma revolução na soberania e criavam uma base inteiramente nova para o governo. Aponta a autora como esses direitos foram internalizados pelo homem iluminista, pretensamente, consciente e autônomo de sua inteireza: O que sustentava essas noções de liberdade e direitos era um conjunto de pressuposições sobre a autonomia individual. (...) as pessoas deviam ser vistas como indivíduos separados que eram capazes de exercer um julgamento moral independente como dizia Blackstone, os direitos do homem acompanhavam o indivíduo “considerado como um agente livre, dotado de discernimento para distinguir o bem do mal”. Mas, para que se tornassem membros de uma comunidade política baseada naqueles julgamentos morais independentes, esses indivíduos autônomos tinham de ser capazes de sentir empatia pelos outros (Hunt, 2009, p. 25/26).

Também, Rolando Gaete sintetiza: “(...) a noção de sujeito humano, como um agente soberano de escolha, uma criatura cujos fins são escolhidos, e não dados, que alcança seus objetivos e propósitos por meio de atos de vontade, em oposição, digamos, a atos de cognição” (Gaete apud Douzinas, 2007, p. 21). Logo, a autonomia parece ser o elemento crucial que faltava nas teorias da lei natural até meados do século XVIII, que passou a reinar em contrariedade à história de lutas e conflitos envoltórios àquele momento. Apesar do ideal, poucos eram os sujeitos autônomos de fato,

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a exclusão de grupos e pessoas é característico dessa lógica. E, assim, em paralelo ao conteúdo transcendental tido por inerente à significação esses direitos, vê-se a dissimulação das relações de poder e violência que os permeia. Ademais, ao longo do curso da humanização ainda persiste o estigma dominante, na fala de Robert Cooper percebe-se o viés do pós-moderno29: O que é necessário, então, é um novo tipo de imperialismo, um aceitável para o mundo de direitos humanos e valores cosmopolitas. Já podemos discernir o seu contorno: um imperialismo em que, como tudo o imperialismo, tem por objetivo trazer ordem e organização, mas que repousa hoje sobre o princípio do voluntariado. (Cooper, 2002, tradução nossa)30.

A considerar, o esforço do “progresso evolucionista” 31 em atrelar a lei natural, direito natural e direitos naturais32 aos Direitos Humanos, de certa forma o foi para garantir o ideal universalista e o historicismo civilizatório de seu ápice33. Pois, tais direitos se estabelecem como resultado da tradição ético-jurídico-política em conformidade com o jusnaturalismo mo29 A pós-modernidade não afastou o ideal moderno, cito: “O que achei menos aceitável nessa ideia foi a presunção de que “a era da modernidade” terminou e que estamos, por assim dizer, já no “lado oposto”, ou pelo menos perto de entrar nele. Parecia inaceitável e errado, porque, até onde eu sabia, éramos modernos por completo; na verdade, mais modernos que nunca; ou seja: voltamos a lâmina afiada da “faca modernizadora” contra a própria modernidade, contra seus próprios produtos do passado” (Bauman, 2010. p. 11). 30 What is needed then is a new kind of imperialism, one acceptable to a world of human rights and cosmopolitan values. We can alerady discern its outline: an imperialism which, like all imperialism, aims to bring order and organization but which rests today on the voluntary principle (Cooper, 2002). 31 Com o iluminismo e o projeto racional da modernidade “(...) o entendimento que o Ocidente tem de si mesmo tem sido dominado pela ideia do progresso histórico por meio da razão” (Douzinas, 2007, p. 23). 32 Com ênfase na racionalidade de suas teorias, a passagem do direito natural aos direitos naturais revela o início da razão moderna: “A transformação do Direito Natural em direitos naturais no século XVII é aclamada como a primeira vitória da razão moderna sobre as bruxas medievais (...)” (Douzinas, 2007, p. 26). 33 “Os direitos humanos são alardeados como a mais nobre criação da nossa filosofia e jurisprudência e como a melhor prova das aspirações universais da nossa modernidade, que teve que esperar por nossa cultura global pós-moderna para ter seu justo e merecido reconhecimento” (Douzinas, 2007, p. 19).

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derno apesar das diversas atrocidades ao longo do expansionismo ocidental34. Douzinas afirma que o discurso profano na contemporaneidade proclama serem estes direitos atribuídos às pessoas em razão da sua condição de ser humano. Assim sendo, o direito à tutela de bens jurídicos seriam conferidos às pessoas não por causa de sua filiação ao estado, nação ou grupo, mas, por sua humanidade (Douzinas, 2012). Em oposição, já se investigou que as ações desses direitos selecionam os afortunados em meio à lógica do capitalismo, consequentemente, é definida a humanidade do homem35. Nessa lógica, constrói-se o ideal de “humano” através da dissimulação das relações de poder que os permeia, em meio à soberania exercida e imposição de força: (...) suas pressuposições ontológicas, os princípios de igualdade e liberdade, e seu corolário político, a pretensão de que o poder políticos deve estar sujeito às exigências da razão e da lei, agora passaram a fazer parte da principal ideologia da maioria dos regimes contemporâneos e sua parcialidade foi transcendida (Douzinas, 2007, p. 19).

Portanto, os direitos humanos conduzem a compreensão crítica de que: “(...) são o fado da pós-modernidade, a energia das nossas sociedades, o cumprimento da promessa do iluminismo de emancipação e autorrealização” (Douzinas, 2007, p. 13). O discurso abduz que todos têm esses direitos, mas, fato é que os Direitos 34 A perceber que a leitura dos padrões legitimadores pela história define o grau de civilidade de determinada nação ou povo, e sua inserção nas práticas reservadas aos “humanos”. Tal juízo é feito de acordo com o ideal evolucionista do ocidente. Hoje, se afigura no capitalismo, estado de direito e democracia liberal (Sousa Santos, 2000). 35 Temática enfrentada na dissertação defendida no PPGD da UNICAP/PE, fruto também do período de extensão acadêmica realizado na UNISINOS/RS através de programa de cooperação PROCAD nf. 643/2010 (UNICAP/UNISINOS/UFPA): “A concepção ocidental de Direitos Humanos e seus paradoxos: por uma crítica à sujeição humanista na contemporaneidade”.

Humanos triunfaram em momento histórico que revela flagrantes violações. Para isso, as pessoas são reduzidas a sintéticas entidades capazes de integrar a lógica desses direitos, pode-se perceber o poder de polícia: A diferença entre o triunfo da ideologia dos direitos humanos e do desastre de sua prática é a melhor expressão de cinismo pós-moderno, a combinação de iluminação com resignação e apatia e, com um forte sentimento de impasse político e claustrofobia existencial, de uma ausência no meio da sociedade mais móvel (Douzinas, 2000, p. 12, tradução nossa)36.

Tais direitos com sua feição de significação dissimulada, suplantados pela ontologia de seus valores, também, vem a constituir fonte de manifestação do soberano no constitucionalismo. Assim, ao atentar que os direitos humanos são consignados às pessoas por causa de sua posição social, não é difícil concluir que as violações desses valores são consignadas a título casuístico37, em que pese o discurso do constitucionalismo. Desse modo, é que o cenário atual dos direitos humanos não pode ser compreendido sem levar em consideração a lógica legitimadora das práticas e violência constitucional.

5 CONCLUSÃO Ao longo deste ensaio foi feita crítica à legitimação da violência das práticas 36 “The gap between the triumph of human rights ideology and the disaster of their practice is the best expression of postmodern cynicism, the combination of enlightenment with resignation and apathy and, with a strong feeling of political impasse and existential claustrophobia, of an exitlessness in the midst of the most mobile society” (Douzinas, 2000, p. 12). 37 Afirma Gabriel Marcel: “(...) que a vida humana nunca foi tão universalmente tratada como uma comodidade perecível tal qual em nossa própria época (Marcel, 1964, p. 94, tradução nossa)”.

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constitucionais em nome dos direitos humanos, com a pretensão de compreender a importância da lógica escusa do constitucionalismo para a dimensão alcançada pelos direitos humanos. Isto implicou na análise da violência na fundação constitucional e seu consequente. Do contrário, mantém-se submersa e intocável a violência das práticas jurídicas.

titucionais39. A notar que, as pretensões morais desses direitos não tem correspondência com a leitura empírica de sua práxis. O que não significa, porém, tratar-se de mero problema de efetividade, pois é preciso viabilizar crítica à lógica submersa aos aparatos constitucionais, tendo em vista,o âmbito político da aplicação do direito e as relações de poder que os envolve.

Fez-se, então, destaque à análise velada pelo perspectivismo histórico quanto à formação do estado constitucional, tendo em vista a necessidade de atentar a apreensão do direito nas relações de poder. Para tanto, foi imperiosa a compreensão dos ideais humanistas diante de sua realidade correspondente, em especial, na crítica remissiva ao iluminismo.

Assim, portanto, é que se enfrentou a problemática da legitimação dos direitos humanos em meio à violência constitucional de sua promoção.

Nesses moldes, atentou-se ao problema do idealismo das declarações de direito, ao considerar que a manifestação de violência é fator determinante ao surgimento e manutenção da ordem constitucional. Isto, em conformidade com a interpretação derridiana do texto “Para uma crítica da violência” de Walter Benjamin.

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E, ainda, com relação a esse cenário constitucional, percebeu-se a lógica de dominação do poder de polícia.

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Em seguida, foi analisado o cenário atual e a relação dos direitos humanos ao assumirem o papel de conferir suporte moral às práticas constitucionais, capaz, então, de legitimar sua violência38.

BOURDIEU, Pierre. 1996. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, Papirus.

Ao longo desse trajeto, da análise feita conforme os escritos de Costas Douzinas, os direitos humanos se estabeleceram como discurso prevalente resultante do expansionismo humanista e das práticas cons38 O núcleo desse argumento é desenvolvido a partir de uma crítica à defesa dos bombardeamentos da NATO 1999 da Iugoslávia [a guerra do Kosovo] por Habermas. (...) ofereceu uma expressão mais completa de uma posição tomada por vários advogados internacionais, que reconheceu a ilegalidade da guerra, mas argumentou que deve ser considerada como “moralmente justificada” (Werner, 2007, tradução nossa).

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