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Direitos para além da sala do tribunal

Um estudo de caso comparado entre Brasil e Colômbia

www.lumenjuris.com.br Editores João de Almeida João Luiz da Silva Almeida Conselho Editorial Adriano Pilatti Alexandre Bernardino Costa Alexandre Morais da Rosa Ana Alice De Carli Anderson Soares Madeira Beatriz Souza Costa Bleine Queiroz Caúla Caroline Regina dos Santos Daniele Maghelly Menezes Moreira Diego Araujo Campos Elder Lisboa Ferreira da Costa Emerson Garcia Firly Nascimento Filho Flávio Ahmed Frederico Antonio Lima de Oliveira

Frederico Price Grechi Geraldo L. M. Prado Gina Vidal Marcilio Pompeu Gisele Cittadino Gustavo Noronha de Ávila Gustavo Sénéchal de Goffredo Helena Elias Pinto Jean Carlos Fernandes Jerson Carneiro Gonçalves Junior João Carlos Souto João Marcelo de Lima Assafim João Theotonio Mendes de Almeida Jr. José Emílio Medauar Josiane Rose Petry Veronese Leonardo El-Amme Souza e Silva da Cunha

Lúcio Antônio Chamon Junior Luigi Bonizzato Luis Carlos Alcoforado Luiz Henrique Sormani Barbugiani Manoel Messias Peixinho Marcellus Polastri Lima Marcelo Ribeiro Uchôa Márcio Ricardo Staffen Marco Aurélio Bezerra de Melo Ricardo Lodi Ribeiro Roberto C. Vale Ferreira Salah Hassan Khaled Jr. Sérgio André Rocha Sidney Guerra Victor Gameiro Drummond

Conselheiro benemérito: Marcos Juruena Villela Souto (in memoriam) Conselho Consultivo Andreya Mendes de Almeida Scherer Navarro Antonio Carlos Martins Soares Artur de Brito Gueiros Souza

Caio de Oliveira Lima Francisco de Assis M. Tavares Ricardo Máximo Gomes Ferraz

Filiais Sede: Rio de Janeiro Av. Presidente Vargas - n° 446 – 7° andar - Sala 705 CEP: 20071-000 Centro – Rio de Janeiro – RJ Tel. (21) 3933-4004 / (21) 3249-2898 São Paulo (Distribuidor) Rua Sousa Lima, 75 – CEP: 01153-020 Barra Funda – São Paulo – SP Telefax (11) 5908-0240

Minas Gerais (Divulgação) Sergio Ricardo de Souza [email protected] Belo Horizonte – MG Tel. (31) 9296-1764 Santa Catarina (Divulgação) Cristiano Alfama Mabilia [email protected] Florianópolis – SC Tel. (48) 9981-9353

R afael Bezerra

Direitos para além da sala do tribunal

Um estudo de caso comparado entre Brasil e Colômbia

Editora Lumen Juris Rio de Janeiro 2016

Copyright © 2016 by Rafael Bezerra Categoria: Produção Editorial Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Diagramação: Alex Sandro Nunes de Souza A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seu Autor. É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei nº 6.895, de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (Lei nº 9.610/98). Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Impresso no Brasil Printed in Brazil CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE ________________________________________

Dedico aos meus pais, aos meus avós (in memoriam) e às queridas luzes da minha vida, Lúcia e Luciana, por todo carinho e apoio.

It is time that public law scholars and teachers demand social scientist who can speak to them, not just among themselves. MARTIN SHAPIRO (1993, p.377, modificado)

Agradecimentos

Acredito que, como tudo na vida, o despertar para uma caminhada acadêmica não se faz só. Muitos foram os encontros, todos contribuindo decisivamente para cada passo, superação de obstáculos e reorientação de caminhos. Este livro é o desdobramento de dissertação de Mestrado defendida perante o Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGD/UFRJ, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito na Linha de Pesquisa Teorias da Decisão e Desenhos Institucionais. Contudo, o produto final é resultado de inúmeros debates, influências e contribuições de muitas pessoas durante este processo, dos quais me beneficiei para a sua concepção e que certamente merecem o devido reconhecimento. Gostaria de expressar os meus agradecimentos ao meu orientador de mestrado, Professor Luigi Bonizatto – UFRJ, pela cumplicidade e apoio acadêmico ao longo desta jornada. Manifesto também meu agradecimento ao Professor Carlos Bolonha – UFRJ, que coordena com compromissada orientação e inestimável dedicação o Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – LETACI, do qual orgulhosamente fiz parte, pelo estímulo, apoio e parceria acadêmica. Agradeço aos Professores Cecília Caballero Lois – UFRJ, José Ribas Vieira – UFRJ e Vanice Lírio Do Valle – UNESA por gentilmente aceitarem o convite para integrarem a banca de defesa de dissertação. Suas produções, experiências acadêmicas e, principalmente, suas considerações, foram de valiosa contribuição para o aperfeiçoamento do presente estudo.

Minhas homenagens aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGD/UFRJ que muito contribuíram para o meu desenvolvimento acadêmico, em especial, à Professora Cecília Caballero Lois pelo o incentivo para que participasse da seleção de mestrado na UFRJ, decisão que mudou os rumos da minha incipiente carreira acadêmica. Ao Professor José Ribas Vieira, pela indicação de uma abordagem para além do mainstream do constitucionalismo brasileiro, pelo exemplo de acadêmico dedicado, consciente de seu papel transformador, pela sua generosidade, simplicidade e sabedoria. Às Professoras Sayonara Grillo e Margarida Lacombe, pelo incentivo, apoio e reflexões acadêmicas. Aos colegas professores e pesquisadores do Observatório da Justiça Brasileira – OJB/PPGD/UFRJ, meus sinceros agradecimentos pela acolhida neste novo espaço acadêmico. Ao Professor Conrado Hübner Mendes, do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade de São Paulo – PPGD/ USP, pelo incentivo, apoio acadêmico e estímulo na produção de um estudo empírico no âmbito do Direito Constitucional. Aos Professores César Rodríguez Garavito, Diretor do Programa Justicia Global y Derechos Humanos e Professor da Universidad de Los Andes – UniAndes – Bogotá/Colômbia; Rodrigo Uprimny, Diretor do Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad – DEJUSTICIA e Professor da Universidad Nacional de Colômbia, bem como aos demais membros deste conceituado think tank latino-americano pela oportunidade de participar do Curso Intensivo de Derechos Sociales: América Latina en contexto global, através do qual pude me aproximar ainda mais da experiência inovadora da Corte Constitucional Colombiana – CCC, do contexto histórico dos casos emblemáticos e da perspectiva empírica sobre o impacto das suas decisões sobre os DESCs.

Ao Professor Flávio da Cunha Rezende, do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco – PPGCP/UFPE, pela acolhida em suas aulas e proveitosa orientação acerca do método do estudo de caso. Ao Professor João Paulo Allain Teixeira, do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco – PPGD/UFPE, pelo apoio acadêmico ao propiciar que realizasse Estágio Curricular Supervisionado à Docência na Graduação do Curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, oportunizando-me preparação para a docência e o fortalecimento de vínculo institucional entre esta instituição de ensino superior e a UFRJ, ambas de reconhecida excelência. Aos Professores que articulam nacionalmente a Rede de Pesquisa Empírica em Direito – REED, que me despertaram para a necessidade de problematização e investigação sobre as manifestações concretas do fenômeno jurídico a partir do permanente diálogo interdisciplinar e entre diferentes áreas de conhecimento. A Leonardo Antunes, pelo apoio e parceria em minha estada no Rio de Janeiro, sem os quais dificilmente conseguiria permanecer nesta maravilhosa cidade. A Raphael Rodrigues, pelo suporte na elaboração e formatação gráfica dos dados empíricos constantes na presente pesquisa. Ao Dr. Marco Aurélio Farias da Silva, Coordenador do CAOP CIDADANIA, do Ministério Público de Pernambuco – MPPE, pelo apoio institucional que viabilizou a realização desta pesquisa. Aos colegas de turma de mestrado, meu reconhecimento pelas discussões profícuas e pelas colaborações acadêmicas e intelectuais. Tenho certeza de que o futuro reserva um lugar de destaque para todos nós. Aos amigos de Recife, em especial a Pedro Brandão, a John Heinz e a Bruno César, pelo incentivo e companheirismo.

Aos meus familiares, pelo apoio incondicional e estímulo nesta minha longa caminhada até aqui. E, por fim, à minha companheira Luciana Melo, pelo apoio nas horas fáceis e difíceis. Sem a qual não teria ensaiado mais este passo. Nunca lhe serei grato o suficiente.

Sumário

Agradecimentos........................................................................IX Lista de Figuras, Quadros, Tabelas, Diagrama e Gráficos..... XV Lista de Siglas.....................................................................XXVII Prefácio................................................................................ XXXI Introdução...................................................................................1 Parte I Desenvolvimento Teórico 1. O(s) fenômeno(s) constitucional(is) vistos da sala do tribunal: as insuficiências da visão juricêntrica..................9 1.1. A constitucionalização global e a expansão do Poder Judiciário: as Cortes como um ator de mudança social?..................... 9 1.2. O ponto cego prático no debate sobre a litigância de direitos socioeconômicos no Brasil: os equívocos do fascínio da doutrina brasileira da efetividade pela “hercúlea” principiologia jurídico-constitucional............................................... 29 1.3. A litigância judicial como um fenômeno complexo: uma perspectiva institucional........................................................... 40

Parte II Procedimentos Metodológicos 2. A importância da pesquisa empírica em Direito: o estudo de caso como estratégia metodológica ................................... 55 2.1. Apontamentos sobre a pesquisa jurídica no Brasil..................... 55 2.2. Desafios metodológicos de se realizar uma pesquisa empírica em Direito.......................................................................... 60

2.2.1. Por que utilizar um estudo de caso como estratégia metodológica? ............................................................. 60 2.2.2. Construindo o desenho da pesquisa................................... 65

Parte III Abordagem Comparativo-Analítica 3. CCC e STF: aproximações e divergências no plano da eficácia normativa dos DESCs..................................................... 77 3.1. Análise da atividade institucional da CCC .............................. 96 3.1.1. Deslocamento forçado na Colômbia: breve histórico e contextualização........................................................................ 96 3.1.2. Efeitos e impactos da Sentencia T-025..............................101 3.2. Análise da atividade institucional do STF ..............................115 3.2.1. Caso Raposa Serra do Sol: breve histórico e contextualização ......................................................................115 3.2.2. Efeitos e impactos do caso Raposa Serra do Sol ...............118

4. Process-tracing: uma possível explicação por mecanismos causais......................................................... 161 Considerações Finais.............................................................. 173 Referências.............................................................................. 181 Anexos..................................................................................... 213 Anexo 1: Elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA) – Orçamento Indigenista........................................................... 215 ANEXO 2: Execução da Lei Orçamentária Anual (LOA) – Orçamento Indigenista........................................................... 231

Lista de Figuras, Quadros, Tabelas, Diagrama e Gráficos Figura 1 - Análise quantitativa da evolução global do constitucionalismo ................................................................ 11 Figura 2 - Direitos de Primeira Geração (Negativos, Civis e Políticos)......................................................................... 12 Figura 3 - Direitos de Segunda Geração (Positivos e Socioeconômicos) ................................................................... 12 Figura 4 - Direitos de Terceira Geração (Comunidade e Grupos)............ 13 Figura 5. Percentual de países com Controle de Constitucionalidade na Constituição......................................... 14 Figura 6. Estado de Coisas Inconstitucional por situações............ 88 Quadro 1. Tipologia de projetos de estudos de casos................. 65 Quadro 2. Tipologia de efeitos das decisões judiciais............... 118 Quadro 3. Efeitos da decisão judicial - Sentencia T-025.......... 120 Quadro 4. Efeitos da decisão judicial - PET n° 3.388/RR ........ 121 Quadro 5. Mecanismo e hipóteses causais - caso Raposa Serra do Sol.............................................................................. 162 Quadro 6. Síntese comparativa do desenho e do comportamento institucional da CCC e do STF Sentencia T-025 e PET n° 3.388/RR........................................ 169 Tabela 1 - Países com maior número de PID e refugiados no mundo (2009)....................................................99 Tabela 2 - Principais autos de monitoramento da Sentencia T-025....................................................................... 106 Tabela 3. Condicionantes do caso Raposa Serra do Sol - STF......134

Mapa - Quantitativo global de pessoas deslocadas por conflito e violência (2013......................................................... 100 Diagrama. Ciclo orçamentário da Lei Orçamentária Anual – LOA...145 Gráfico 1 - Evolução do deslocamento interno forçado na Colômbia (1985-2013) ...............................................................99 Gráfico 2 - Representação do ativismo dialógico da CCC....... 111 Gráfico 3. Análise dos Programas Proteção De Terras Indígenas, Gestão Territorial e Etnodesenvolvimento e Proteção e Promoção dos Povos Indígenas e suas ações relativos ao Orçamento Indigenista – Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2005 a 2011........................146 Gráfico 4. Evolução histórica do quantitativo de terras indígenas declaradas e homologadas relativo a cada Presidente da República..... 149 Gráfico 5. Quantitativo de demarcações de terras indígenas homologadas relativo a cada Presidente da República.............. 150 Gráfico 6 - Percentual da extensão total de demarcações de terras indígenas declaradas relativo a cada Presidente da Repúblia.............151 Gráfico 7. Percentual da extensão total de demarcações de terras indígenas homologadas relativo a cada Presidente da República.....152

Lista de Siglas ACNUR ADCT ADI ADPF AGU AIDS ARE BVerfG CACI CAFOD CCC CELS CEPAL CGID

Alto Comissariado da ONU para os Refugiados Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Ação Direta de Inconstitucionalidade Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Advocacia Geral da União Síndrome da Imunodeficiência Adquirida Agravo em Recurso Extraordinário Bundesverfassungsgericht Cartografia de Ataques Contra Indígenas Catholic Agency For Overseas Development Corte Constitucional da Colômbia Centro de Estudios Legales y Sociales Comissão Econômica para América Latina e Caribe Coordenação-Geral de Identificação e Delimitação de Terras Indígenas CHCV Comisión Histórica del Conflito y sus Víctimas CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIMI Conselho Indigenista Missionário CIR Conselho Indígena de Roraima CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNPI Comissão Nacional de Política Indigenista CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNTS Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde CNUMAD Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento CODHES Consultoría para los derechos humanos y el desplazamiento

CPT CSJN DEM DEPEN DESCs EC EDcl FARC FCP FGV FUNAI HC IBAMA IBGE ICJ ICM IDH IDMC IPHAN ISA LDO LOA MI MJ MS NCPC OEA OIT

Comissão Pastoral da Terra Corte Suprema de Justicia de la Nación Argentina Partido Democratas Departamento Penitenciário Nacional Direitos econômicos, sociais e culturais Emenda Constitucional Embargos de Declaração Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia Fundação Cultural Palmares Direito Rio Escola de Direito do Rio de Janeiro da Faculdade Getúlio Vargas Fundação Nacional do Índio Habeas Corpus Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística International Commission of Jurists Bio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade Índice de Desenvolvimento Social Internal Displacement Monitoring Centre Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Instituto Socioambiental Lei de Diretrizes Orçamentárias Lei Orçamentária Anual Mandado de Injunção Ministério da Justiça Ministério da Saúde Novo Código de Processo Civil Organização dos Estados Americanos Organização Internacional do Trabalho

ONU PEC PET PGR PIDs PL PMDB PNAIPD PNGATI PPA PPB PSB PSOL PTB PUCL RE RMS RR SCBA SIAFI SPU STF STJ SU UNESCO URT T

Organização das Nações Unidas Proposta de Emenda à Constituição Petição Procuradoria-Geral da República Pessoas Internamente Deslocadas Projeto de Lei Partido do Movimento Democrático Brasileiro Plan Nacional para la Atención Integral a la Población Desplazada por la Violencia Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas Plano Plurianual Partido Progressista Brasileiro Partido Socialista Brasileiro Partido Socialismo e Liberdade Partido Trabalhista Brasileiro People Union for Civil Liberties Recurso Extraordinário Recurso em Mandado de Segurança Estado de Roraima Suprema Corte de Justicia de la Provincia de Buenos Aires Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal Serviço de Patrimônio da União Supremo Tribunal Federal Superior Tribunal de Justiça Sentencia Unificadora Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura Unidad de Restitución de Tierras Sentencia de Tutela

Prefácio

O constitucionalismo latino-americano em seus 200 anos de existência sofreu a influência de inúmeros processos de mudanças sociais e políticas, principalmente no decorrer do século XX e começo do século XXI, os quais continuam a questionar se o redimensionamento do desenho do Estado adotado e as instituições democráticas concebidas representam instrumentos aptos para romper tanto com a marca da desigualdade quanto com uma concepção elitista de democracia, características historicamente arraigadas em nosso continente. A publicação da obra de autoria de Rafael Bezerra, Mestre em Teorias Jurídicas Contemporâneas pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGD/FND/UFRJ (2015) e Pesquisador do Observatório da Justiça Brasileira – OJB/PPGD/UFRJ, ocorre num momento crucial do debate constitucional na América latina. Ciente da valorosa contribuição do chamado Novo Constitucionalismo Latino-americano, ilustrada nas reformas constitucionais desenhadas nas Cartas Políticas da Colômbia (1991), da Venezuela (1999), do Equador (2008) e da Bolívia (2009), as quais empolgaram a Academia e diversos seguimentos sociais através das propostas de refundação do Estado a partir de uma epistemologia do Sul e de instituição de mecanismos constitucionais de fomento à participação e soberania popular, o autor abre um debate em torno da concretização dos direitos econômicos, sociais e culturais – DESCs através das Cortes Constitucionais. Ao transitar pela discussão sobre fenômenos constitucionais contemporâneos, tais como, a globalização do direito constituXXI

cional, a expansão global do Poder Judicial e a judicialização da política e das relações sociais, Rafael Bezerra se debruça sobre a investigação do fenômeno de litigância judicial dos direitos socioeconômicos a partir de um olhar prático, empírico e comparado acerca do funcionamento da atividade institucional das Cortes Constitucionais, para além da visão juricêntrica. Em diálogo com os melhores estudos sociojurídicos que abordam a temática, busca problematizar questões que parecem estar longe da agenda acadêmica do mainstream da doutrina constitucional brasileira, utilizando-se de abordagens empíricas e estratégias metodológicas inovadoras que possibilitam uma profunda análise do objeto em estudo através de uma abordagem multidisciplinar. No que tange ao debate constitucional brasileiro, o autor prefaciado relembra como nos anos 90 do século passado vicejou na doutrina e na jurisprudência nacionais um delineamento teórico em torno da “teoria da efetivação”, contrastando-se com o experimentalismo inovador e prático presente nas respostas institucionais recentemente desenvolvidas pelas Cortes Constitucionais do Sul Global, a exemplo da Colômbia, Índia e África do Sul, em consideração de demandas de litígios de interesse público. Em atenção à desafiadora orientação institucional de reconhecimento de uma ampla gama de direitos socioeconômicos assumida a partir das reformas constitucionais dos países latino-americanos, em especial, do Brasil e da Colômbia, o enquadramento da contribuição analítica proposta por Rafael Bezerra direciona o (a) leitor (a) para uma reflexão sobre o potencial papel das Cortes Constitucionais como um efetivo agente institucional de mudança social tão propalado nas últimas décadas, bem como, se este se perpetuará diante da atual instabilidade político-institucional em curso no Continente. Para a compreensão dos referidos fenômenos constitucionais, a obra prefaciada pauta-se pela adoção de um seguro e delimitaXXII

do marco teórico, sob uma perspectiva institucional, enfrentando ainda uma temática instigadora para o direito: a adoção de uma perspectiva empírica do objeto delineado, a partir da utilização do estudo de caso como estratégia metodológica. A validade e credibilidade dos resultados empíricos alcançados tem por base a utilização do marco analítico proposto pela bem sucedida tipologia de efeitos das decisões judiciais para o exame de casos de litígio estrutural de direitos sociais decididos pela Corte Constitucional da Colômbia – CCC, desenvolvida pelos constitucionalistas colombianos César Rodríguez Garavito e Diana Rodríguez Franco na obra Cortes y cambio social: cómo la Corte Constitucional transformo el desplazamiento forzado en Colombia (2010), a qual fora revisada em recente publicação intitulada Juicio a la exclusión: el impacto de los tribunais sobre los derechos sociales em el Sur Global (2015). A adoção da Sentencia T-025 (2004) como tipo-ideal possibilita ao autor o desenvolvimento de análise comparativa entre os efeitos dessa paradigmática decisão judicial que assegurou direito à moradia para milhões de pessoas em situação de despejo forçado em área de plantação de coca, os denominados “deslocados”, decorrente de grave conflito armado colombiano que perdurou por vinte e cinco anos e o Acórdão da Petição 3.388/RR, mais conhecida como caso Raposa Serra do Sol, que questionou no Supremo Tribunal Federal a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no Estado de Roraima. A obra prefaciada é resultado da valorosa dedicação e desempenho do autor apresentado junto ao Observatório da Justiça Brasileira – OJB/PPGD/UFRJ e da produção e participação em eventos acadêmicos de relevância nacional e internacional, destacando-se a sua participação no Curso Intensivo sobre Derechos Sociales: América Latina en contexto global, promovido pelo Programa de Justicia Global y Derechos Humanos, pela Universidad de los XXIII

Andes e pelo Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad – DEJUSTICIA, no qual pode acompanhar in loco a utilização de inovador mecanismo de jurisdição constitucional criado pela Corte Constitucional da Colômbia, o “Estado de Coisas Inconstitucional” – ECI. O leitor reconhecerá de pronto os méritos da presente obra que desponta como um estudo de fôlego e inovador no plano teórico e metodológico para balizar a compreensão do papel da jurisdição constitucional brasileira na concretização de direitos econômicos, sociais e culturais. Reconhece-se a sua originalidade no corpo da literatura constitucional no Brasil, dando-lhe boas-vindas pela excelência da sua contribuição teórica e prática.

Inverno de 2016 José Ribas Vieira Professor Titular de Direito Constitucional UFRJ Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito PPGD/UFRJ Professor Associado do Programa de Pós-Graduação em Direito PPGD/PUC-Rio Professor Titular aposentado de Direito Constitucional UFF Membro da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-americano – Brasil

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Introdução

Decisões judiciais podem promover mudanças sociais relevantes? Qual o papel das Cortes Constitucionais na concretização de direitos econômicos, sociais e culturais – DESCs? A literatura convencional acerca da evolução global do constitucionalismo tem contribuído de forma significativa para a compreensão do papel da jurisdição constitucional na efetivação de direitos. Todavia, a análise acerca dos fenômenos constitucionais, tais como, a globalização do direito constitucional, a expansão global do Poder Judicial e a judicialização da política e das relações sociais tem se atido, predominantemente, ao caráter normativo da interpretação constitucional. Esta perspectiva, via de regra, não tem captado para além de uma visão juricêntrica a atividade institucional da Corte Constitucional na garantia e promoção de direitos fundamentais. Em um contexto de crescente centralidade institucional do Poder Judiciário como um espaço de debate político para os atores da sociedade civil, o fenômeno jurídico da litigância judicial assumiu maior importância nas últimas duas décadas, constatando-se uma crescente proliferação de decisões judiciais objetivando a concretização de direitos econômicos, sociais e culturais – DESCs. A busca por mudanças políticas e sociais através dos tribunais é de longa tradição de pesquisa nos EUA e em alguns países europeus. No entanto, poucos são os trabalhos acadêmicos no âmbito do Direito Constitucional que se preocupam em investigar o fenômeno de litigância judicial dos direitos socioeconômicos a partir de um olhar prático e empírico acerca do funcionamento das instituições democráticas na América Latina, Ásia e África. 1

Rafael Bezerra

Nesta esteira, questionar o papel das Cortes Constitucionais na concretização de direitos fundamentais, a partir de uma perspectiva para além da sala do tribunal, parece estar longe da agenda acadêmica do mainstream da doutrina constitucional brasileira, deixando, muitas vezes, em segundo plano a importância deste debate para a compreensão e o aperfeiçoamento da modelagem institucional necessária à pretendida implementação de políticas públicas que ensejem a efetivação de direitos fundamentais. Neste contexto, a carência de estudos empíricos em Direito a fim de examinar recente tendência global emergente, qual seja, o reconhecimento do potencial papel das Cortes Constitucionais como um efetivo agente institucional de mudança social, serviu de fonte inspiradora para a realização do presente trabalho que buscou investigar os efeitos e os impactos da litigância judicial coletiva para a efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais – DESCs no caso Raposa Serra do Sol (PET n° 3.388/RR), especificamente no que se refere às cláusulas condicionantes para a demarcação de terras indígenas estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal – STF. Para tanto, utilizou-se como marco analítico a tipologia de efeitos das decisões judiciais para o exame de casos de litígio estrutural de direitos sociais, desenvolvida por César Rodríguez Garavito e Diana Rodríguez Franco na obra Cortes y cambio social: cómo la Corte Constitucional transformo el desplazamiento forzado en Colombia (2010), a qual fora revisada em recente publicação intitulada Juicio a la exclusión: el impacto de los tribunais sobre los derechos sociales em el Sur Global (2015). Ainda, promoveu-se uma análise comparativa entre os efeitos da Sentencia T-025 (2004) – concebida como a mais ambiciosa da Corte Constitucional da Colômbia – CCC por haver tutelado o direito de moradia de aproximadamente 1150 famílias (5 milhões de pessoas) em situação de despejo forçado em área de plantação de coca, decorrente de grave conflito armado colom2

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biano que perdurou por 25 anos – e o Acórdão da Petição n° 3.388/RR, mais conhecida como caso Raposa Serra do Sol, que questionou no Supremo Tribunal Federal a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no Estado de Roraima. Como forma de explicitar e justificar a aplicação da respectiva tipologia e a escolha dos casos ora examinados considera-se que ambas as decisões encontram-se inscritas na tendência global de protagonismo judicial na concretização de direitos sociais, bem como, se enquadram nas classificações macrosentença e caso estrutural propostas pelos autores colombianos, em representação do ativismo judicial sobre DESCs promovido pelas Cortes Constitucionais do chamado Sul Global. Ainda, entende-se que para além da proximidade geográfica e do passado colonial há outras significativas aproximações entre Brasil e Colômbia, negligenciadas propositadamente ou não pelo mainstream do constitucionalismo brasileiro, no que se refere ao contexto político, jurídico, econômico, social e cultural, as quais repercutiram e continuam a influenciar no desenho institucional de ambas as Cortes. Nesse sentido, o percurso de análise buscou responder às seguintes perguntas de pesquisa: 1) O julgamento de determinada demanda estratégica pelo Supremo Tribunal Federal - caso Raposa Serra do Sol possibilitou a produção de efeitos contributivos e impactos significativos para a efetivação de direitos fundamentais dos povos indígenas em questão?; 2) O STF foi um ator institucional capaz de implementar uma mudança social relevante e assegurar a proteção de direitos sociais dos chamados “povos indígenas da Raposa”? e 3

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3) Qual(is) a(s) explicação(ões) causal(is) para que os efeitos verificados a partir da implementação da Sentencia T-025 pela Corte Constitucional da Colômbia – CCC não terem tido a mesma incidência no julgamento do caso Raposa Serra do Sol pelo STF? O estudo que se segue está dividido em três partes: na primeira, de viés teórico, narra-se o fenômeno da globalização do direito constitucional e seus desdobramentos, a partir das tendências observadas pelo trabalho empírico e comparado de Law e Versteeg (2011), apontando para um “silêncio ensurdecedor de um diálogo entre ausentes” na doutrina constitucional brasileira, quanto ao debate sobre a efetividade do exercício da missão institucional do Supremo Tribunal Federal de proteger e garantir direitos econômicos, sociais e culturais – DESCs. A segunda parte é dedicada aos procedimentos metodológicos e à apresentação do desenho da pesquisa, bem como a considerar, a partir de um breve panorama da pesquisa jurídica brasileira, a necessidade de se (re) pensar o Direito para além do plano teórico, pontuando a relevante contribuição da pesquisa empírica e da adoção do estudo de caso como estratégia metodológica na resolução de determinados problemas epistemológicos e metodológicos que afligem a pesquisa no universo jurídico. Por fim, a terceira parte traz um breve histórico contextualizando os casos examinados (Sentencia T-025 e PET n° 3.388/RR), em uma análise comparativa entre o desenho institucional da Corte Constitucional da Colômbia – CCC e do Supremo Tribunal Federal – STF. Ainda, apresenta os resultados e as discussões da pesquisa, considerando a identificação, a partir da utilização da técnica do process-tracing, na modalidade explaining outcomes, de mecanismos e hipóteses causais como possíveis explicações para que a atuação judicial da Corte Constitucional brasileira não te4

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nha sido capaz de implementar mudança social relevante e assegurar a concretização de direitos socioeconômicos, especialmente em relação ao processo de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. É importante ressaltar que o presente trabalho optou por considerar o Supremo Tribunal Federal como uma Corte ou Tribunal Constitucional, ao invés de órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro – conforme poderia se inferir da leitura do rol formal de competências previsto no art. 102, da Constituição Federal de 1988 – em razão deste parecer se distanciar, cada vez mais, de sua pretensa função de árbitro máximo das demandas particulares, passando a adquirir um perfil institucional de definidor de padrões amplos e abstratos de conduta, a serem seguidos por uma generalidade de agentes e não apenas pelas partes de um determinado processo, mormente quando do exercício do controle concentrado de constitucionalidade (HORBACH, 2014). Cabe o registro de que as preocupações teóricas e práticas ora abordadas a partir do estudo de caso em tela não se propõem a uma generalização analítica aplicável indistintamente aos demais casos de judicialização de direitos socioeconômicos submetidos ao Supremo Tribunal Federal, mesmo àqueles considerados similares. Tal postura revelaria um manifesto reducionismo epistemológico que comprometeria uma produção de conhecimento científico válida e consistente. Todavia, considera-se que o uso do process-tracing como ferramenta qualitativa aplicável a um estudo de caso específico possui um forte potencial para construir e testar hipóteses que podem auxiliar a formular, fortalecer e/ou refutar teorias sobre fenômenos sociais. O presente trabalho busca ainda se enquadrar no que Cunha (2014) denomina de estudos empíricos em Direito, movimento recente e que com grande atraso em relação ao cenário internacional de pesquisa vem despertando interesse na academia brasileira. 5

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Esta perspectiva visa à resolução de problemas jurídicos empíricos decorrentes da manifestação do direito no mundo real, bem como, analisar como a constituição e seus componentes funcionam na prática, abordagem alinhada com o que Wittington (2008 apud WANG, 2013) classifica de empirical constitutionalism. Trata-se, portanto, de pesquisa essencialmente analítico-descritiva de determinada realidade jurídica, sem a pretensão normativa de que tradicionalmente se revestem os trabalhos de investigação na área do direito, buscando, a partir da utilização de abordagens empíricas e perspectivas metodológicas interdisciplinares, compreender o fenômeno jurídico em sua complexidade, visando contribuir para o crescente/incipiente campo de pesquisa do estudo empírico do direito e do estudo constitucional comparado.

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