Direitos territoriais de Povos e Comunidades Tradicionais

June 24, 2017 | Autor: D. Batista Rocha | Categoria: Economía Solidaria, Povos Tradicionais, Povos E Comunidades Tradicionais
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Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros faz parte da equipe do CAA/NM – Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas.


Indicativos legais para regularização de territórios tradicionais
Autor: Deyvisson Felipe Batista Rocha

Marcos Legais
Antes de se falar das conquistas, pelo menos no que tange a legislação, se faz necessário uma contextualização histórica da exclusão e expropriação de terras e recursos naturais via a própria legislação Brasileira representada principalmente pela lei de terras de 1850 (Lei nº 601 de 18 de Setembro de 1850) onde havia a necessidade de registro cartorial e compra e venda para se configurar dominialidade, e posteriormente pela passagem das terras "não registradas" para o Estado com a Constituição de 1891. Este processo que renomeia grandes porções de terras que eram tradicionalmente ocupadas para terras devolutas, marca o início de um processo que cabe ao próprio estado reparar devido à injustiça agrária histórica que se radicaliza via estes meios legais, explícita atualmente nos 11 milhões de hectares de terras devolutas em Minas Gerais quase todas "griladas" por fazendeiros, empresas monocultoras de eucalipto e grandes empresas do agronegócio.
Com o fim do regime ditatorial, inaugura-se no Brasil um processo de debates que leva até a Constituição Federal de 1988 uma interpretação de terras tradicionalmente ocupadas, reconhecendo ainda a sociobiodiversidade brasileira como importante na formação da própria nação. Vê-se esta interpretação com as conquistas dos direitos indígenas, das comunidades quilombolas e na abertura para o reconhecimento dos direitos das comunidades tradicionais. Abaixo traçamos estas conquistas com textos da própria constituição e outras leis subsequentes a ela.
Capítulo VIII da Constituição Federal: Dos Índios
Estatuto das Terras tradicionalmente ocupadas:
Art. 231, Parágrafo Primeiro: "São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições."
Direitos dos Povos Indígenas:
Artigo 231 da Constituição Federal: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens."
Artigo 232: "Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo."
Direitos das Comunidades Quilombolas:
A Constituição Brasileira de 1988, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), consagra aos remanescentes das comunidades de quilombos o direito à propriedade de suas terras política fundiária baseada no principio de respeito aos direitos territoriais dos grupos étnicos e minoritários.
Diz textualmente o artigo 68 do ADCT:
"Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos".
Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003: regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos, que trata o art. 68 do ADCT.
Direitos territoriais de Povos e Comunidades Tradicionais
O Brasil, a partir da constituição federal, começou a reconhecer a sua diversidade cultural, étnica e social. Exemplo desse reconhecimento são os textos dos artigos 215 e 216 onde abre um campo de reconhecimento a esta diversidade e resguarda o reconhecimento e a proteção desta diversidade.
Constituição Federal:
Artigos 215 e 216: direito de manutenção de sua própria cultura
O artigo 215 determina que o Estado proteja as manifestações culturais populares, indígenas e afro-brasileiras, e as de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional;
O artigo 216 considera patrimônio cultural brasileiro, a ser promovido e protegido pelo poder público, os bens de natureza material e imaterial – o jeito de se expressar, ser e viver – dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, entre os quais estão os povos indígenas, as comunidades quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais, etc.). Obs.: não é só território físico, mas também o jeito de ser, viver.

Convenção da Diversidade Biológica (CDB) - 1992
"Reconhece a estreita e tradicional dependência de recursos biológicos de muitas comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais, e que é desejável repartir eqüitativamente os benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional, de inovações e de práticas relevantes à conservação da diversidade biológica e à utilização sustentável de seus componentes".
A Convenção da Diversidade Biológica em seu artigo 8°, inciso I declara: "Procurar proporcionar as condições necessárias para compatibilizar as utilizações atuais com a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes;". Ou seja, a Convenção não determina a realocação das populações que porventura habitem locais de conservação. Ao contrário, determina que se proporcionem as condições necessárias para adequar os usos tradicionais à conservação. A premissa para conservação da diversidade biológica não é a separação do homem e da natureza, e sim a limitação de certas atividades lesivas à diversidade biológica.

Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho)
Posteriormente, o Brasil se torna signatário da Convenção 169 da OIT (Organização Inernacional do Trabalho) onde se dá aos povos e comunidades tradicionais a autonomia sobre os seus territórios. O artigo 1° da Convenção e o parágrafo 1, a, dizem que ela se aplica "aos povos tribais em países independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos total ou parcialmente por seus próprios costumes ou tradições, ou por legislação especial". Esta Convenção se aplica às demais comunidades tradicionais? A Convenção não quer dizer que eles vivem em tribos, mas que preenchem todas as condições que a lei exige dos "povos tribais", que são: estilos de vida tradicionais, cultura e modo de vida diferentes dos outros setores da sociedade nacional, costumes e formas de viver e trabalhar diferentes, leis especiais que só se aplicam a eles. O que é mais importante, porém, é que o artigo 1° da Convenção diz que o critério fundamental para dizer se uma comunidade é ou não protegida por ela é "a consciência de sua identidade." Isso quer dizer que são os próprios membros da comunidade tradicional que podem dizer se são ou não tradicionais.
Algumas Conquistas com a Convenção 169:
a) O Estado brasileiro reconhece as diferenças das comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais e cria leis especiais para tratar dessas comunidades;
b) Os governos têm que proteger os direitos das comunidades tradicionais;
c) Nenhuma medida que afete a vida das comunidades pode ser tomada sem que elas sejam consultadas;
d) São as comunidades que devem decidir suas próprias prioridades ou o que é mais importante fazer;
e) Os governos têm que consultar as comunidades antes de explorar ou autorizar a exploração de qualquer recurso natural existente nessas comunidades;
f) As comunidades não podem ser removidas de seus territórios, a não ser excepcionalmente;
g) Dever-se-á reconhecer os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam, inclusive sobre terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes.
A partir destes marcos, surgem outros vários decretos de lei que regularizam nesta que chamamos hoje de Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais.
Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2007)
Esta Convenção destaca em diversos momentos a importância dos conhecimentos tradicionais e sua contribuição positiva para o desenvolvimento sustentável, devendo ser assegurada sua proteção e promoção.
Objetivos:
a) proteger e promover a diversidade das expressões culturais;
b) criar condições para que as culturas floresçam e interajam livremente em benefício mútuo;
e) promover o respeito pela diversidade das expressões culturais e a conscientização de seu valor nos planos local, nacional e internacional;
f) reafirmar a importância do vínculo entre cultura e desenvolvimento para todos os países, especialmente para países em desenvolvimento;
g) reconhecer a natureza específica das atividades, bens e serviços culturais enquanto portadores de identidades, valores e significados;

Decreto 6.040, de 7 de fevereiro De 2007
Neste decreto está inscrito o conceito mais abrangente, e atualmente mais aceito, de Povos e Comunidades Tradicionais:
"Povos e Comunidades Tradicionais podem ser entendidos como grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição"
Art. 3º do Decreto, eixo estratégico 1:
Acesso aos Territórios Tradicionais e aos recursos naturais:
Garantia e efetivação do acesso de povos e comunidades aos seus territórios e aos recursos naturais;
Interação entre territórios tradicionais e o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.

Lei nº 21.147 de 14 de Janeiro de 2014
Recentemente, no início de 2014, foi regulamentada a Política para o Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais em Minas Gerais, que dentre outros direitos destacamos o direito manter suas formas tradicionais e organização, de ter educação diferenciada e o principal que está no seu artigo 6º que é o direito ao território e a regularização fundiária.
Art. 6º O Estado identificará os povos e as comunidades tradicionais e discriminará, para fins de regularização fundiária, os territórios por eles ocupados, localizados em áreas públicas e privadas.
Ainda no artigo 4º da política onde se define os objetivos da mesma, está colocado que a lei deve "garantir aos povos e comunidades tradicionais o uso de seus territórios por meio de sua posse efetiva ou propriedade, mediante regularização e titulação das terras, assegurando-se o livre acesso aos recursos naturais necessários à sua reprodução física, cultural, social e econômica.

Indicativos para regularização – indo além de territórios indígenas e quilombolas
Com a proposta apresentada, levando em conta todo o marco legal constituído percebe-se que apesar da necessidade de criar novas formas jurídicas específicas de apropriação territorial de acordo com a especificidade de cada categoria étnica, sendo isto previsto inclusive nas leis citadas acima, já temos constituídas legalmente algumas formas de apropriação territorial como: Reserva de Desenvolvimento Sustentável(RDS), Reserva Extrativista (RESEX), e também assentamentos de reforma agrária chamados de ambientalmente diferenciados, tais como os Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAE), e os Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS).
No caso de Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e Reserva Extrativista (RESEX), as mesmas fazem parte de categorias de Unidades de Conservação previstas no SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação). Apesar de algumas interpretações que a preservação da natureza é incompatível com os povos e as comunidades tradicionais vivendo ali, a própria legislação do SNUC - Lei Nº 9.985, de 18 de Julho de 2000 - tem entre os seus objetivos:
Promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais;
Valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
Proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente.
No total, há sete categorias de UCs de Uso Sustentável, que compreendem territórios exclusivos para populações tradicionais consolidarem um manejo sustentável de baixo impacto, privilegiando suas formas de conhecimento.
Já nos casos do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) e Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), ambos fazem parte do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Ou seja, a obtenção da terra e a criação do Projeto e seleção dos beneficiários são de responsabilidade da União através do INCRA. Nestes projetos, a algumas especificidades, pois os beneficiários são geralmente oriundos de comunidades extrativistas, por isso diz-se de atividades ambientalmente diferenciadas e são dirigidos para os povos e comunidades tradicionais.
Em ambos os projetos: RDS, RESEX, PAE e PDS as famílias são beneficiários dos direitos básicos do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), tais como crédito para implantação, produção, infraestrutura básica da área (estrada de acesso, energia elétrica, água, etc..) compatíveis com o formato legal do território tradicional.




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